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CUIABÁ
2020
JOÃO BATISTA FERREIRA FILHO
CUIABÁ
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : "The tool of tools : uma revisão da influência darwinista na teoria da
linguagem de John Dewey."
CUIABÁ,11/05/2020.
Agradecimentos1
Ao orientador, pela compreensão, por muito que tenho aprendido e por muito
que ainda hei de aprender, sou grato.
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
“He does it with his hands, by experience, first in play
and then through work. The hands are the instruments
of man’s intelligence.”
É notável que, apesar dos inegáveis e incessantes avanços nas investigações sobre
o funcionamento da linguagem e seu valor para a experiência humana, pouco se
tem explorado sobre sua origem e fundamentos naturalísticos. Seguindo a filosofia
do pragmatismo americano, John Dewey (1859-1952) pôde contribuir com um
tratamento da linguagem que a associa às bases naturalísticas do conhecimento. O
presente trabalho tem por objetivo evidenciar como a influência de Darwin sobre o
programa filosófico de Dewey se reflete em sua teoria da linguagem. Para isso, são
apresentados os principais pensadores do pragmatismo e sua estrutura de
pensamento basilar; é discutido o paralelo teórico entre Darwin e Dewey, assim
como suas teses sobre a experiência natural; e, por fim, a teoria da linguagem de
Dewey é sintetizada à luz da influência darwinista e dos parâmetros do
pragmatismo. Espera-se que este trabalho contribua com as investigações sobre a
linguagem de modo que forneça um quadro de aspectos a serem observados na
formulação de uma teoria geral da biossemiótica (ou biossemiologia).
Conclusão ............................................................................................................. 75
Referências............................................................................................................ 78
Introdução
Entre meados do final do século XIX e a primeira metade do século XIX, uma
nova tendência filosófica surge em solo estadunidense. Conhecida como
pragmatismo americano, procurou divorciar-se das perspectivas filosóficas
tradicionais: com críticas aos pressupostos que sustentavam a filosofia tradicional,
introduziu um novo modo de produzir filosofia que deveria evitar as insuficiências
das filosofias anteriores.
Seu primeiro proponente foi Charles Sanders Peirce (1839-1914): químico por
formação, Peirce nutriu grande interesse pela matemática e pela lógica e fez
importantes contribuições à lógica da ciência, à qual se dedicou por toda a sua vida.
A base para a sua lógica foi a concepção de que, para as ciências, as ideias
funcionam como instrumentos que conduzem a experimentação científica. Assim
surge o princípio de que as ideias (ou conceitos) orientam-se para consequências,
princípio este que se tornou basilar do pragmatismo.
1
práticas que produz, pelas contribuições que fornece à melhoria da existência
humana.
2
1. Uma breve história do pragmatismo: Peirce, James e Dewey
3
1.1. Charles Sanders Peirce e o método científico
5
para Peirce, a ciência é um sistema autocorretivo. Em termos gerais, esse processo
ocorria com a filosofia da época através do pragmatismo, como veremos no decorrer
deste capítulo.
6
verdades inquestionáveis, o método científico não seria revisável. Entretanto,
contrário a tais expectativas, Peirce acreditava que a evolução da ciência seguiria de
tal forma que investigações suficientes comporiam um rico e complexo corpo de
conhecido de leis universais. De acordo com Peirce, através do melhoramento
progressivo da precisão do método científico, estaríamos cada vez mais próximos da
verdadeira natureza da realidade até um ponto em que, pela generalização das
conclusões derivadas da investigação científica, leis universais – etéreas – seriam
reveladas (o movimento aqui é baseado na experimentação de resultados de
investigações localizadas para objetos cada vez mais gerais, uma mecânica que
ecoará posteriormente com algumas ressalvas em nossa apreciação das ideias de
Dewey). O que nos leva a uma das contradições peirceanas: uma vez que as
conclusões derivadas da investigação científica são contingentes e só se sustentam
enquanto forem operacionais, visto que o método em si é contingente, como é
possível, através destes, atingir leis atemporais? Mais que isso, tal reino de
conceitos universais não está destinado somente a princípios morais, onde
“nenhuma mente de tipo experimental pode encontrar terreno sólido sob seus pés”?
Se sim, Peirce não alegava que a abordagem pragmática não deveria ter nenhuma
relação sobre questões de vida prática, mas somente à instância restrita das
atividades intelectuais? Nem Cornell West, nem Dewey forneceram um
entendimento esclarecedor sobre como Peirce lidou com tais problemas – e, até
onde sabemos, nem sequer Peirce. 3 Vale ainda mencionar a intrusão da noção de
consequência como critério de juízo das ideias – cara ao pragmatismo
posteriormente - na defesa de Peirce da cultura cristã:
3
Entretanto, nosso quadro de informações sobre o trabalho de Peirce é limitado e nosso retrato de suas ideias
pode não ser a melhore referência, uma vez que não é nosso objetivo explorar o trabalho de Peirce
minuciosamente.
7
Muito embora Peirce defendera que a abordagem pragmática concebida
baseada no método científico (reformulado como experimentalismo) não deveria ser
estendida para questões da vida prática, o método ainda estava incorporado de um
telos ético: alcançar a concordância de opiniões e, por conseguinte, promover uma
comunidade próspera de homens razoáveis. Para Peirce, tal consequência do uso
apropriado do método científico estava de certa forma ligado a uma evolução social,
comum, baseada na fraternidade, que ele alegava ser naturalmente encontrada no
dogma cristão – daí a insistência de Peirce em preservar a moralidade cristã intacta,
para o que lhe foi encontrada justificação na distinção kantiana. Tais limitações na
concepção do pragmatismo não satisfarão William James, o que o levará a expandir
o conjunto de possibilidades do programa ao mesmo tempo em que delineará
critérios mais rigorosos.
8
doutrinas que advogam. Não está claro, entretanto, qual a natureza da relação entre
temperamento e ideias preferidas: se o temperamento é determinante das escolhas
teóricas ou sintoma destas. O que importa para James é que o temperamento deve
ser considerado pois é a marca de como são levadas a cabo as discussões
filosóficas de seu tempo – e de toda a história da filosofia: pensadores antagônicos
que, sob risco de terem seus respectivos sistemas de crenças desestabilizados,
objetam ao sistema oposto visto como de natureza filosófica inferior. Nas palavras
de James:
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separadas. Vê-se empirismo com desumanismo e irreligião; ou então
encontramos uma filosofia racionalista que, na verdade, pode
chamar-se religiosa, mas que se mantém fora de toda e qualquer
relação com os fatos concretos e alegrias e tristezas. (JAMES, 1980,
p. 9).
11
eficientes para os empreendimentos humanos. Assim, para qualquer disputa teórica
que pareça indissolúvel em princípio, evocar o princípio de consequência para esta
ou aquela proposição, considerá-la francamente e pô-la à prova sobre que efeitos
práticos dela podemos esperar e com ela podemos produzir, ditará o tom sobre que
ideias devemos preservar e quais são inférteis e descartáveis – ou, pelo menos,
necessitam de reforma. Noutras palavras, a solução pragmática introduz um novo
critério de juízo em que dois critérios conflitantes não levarão a consenso. Segundo
James:
Assim, o valor de uma ideia não está mais condicionado em quão eficiente
esta explica o mundo, mas em quão eficientemente ela conduz a nossa experiência.
Entretanto, a definição de James do pragmatismo vai um pouco além: não somente
este é um método de avaliação de ideias sob o princípio da consequência, mas é
também uma teoria da verdade. Tal teoria da verdade é controversa o suficiente
para até mesmo Dewey tê-la desconsiderado posteriormente. James introduziu a
primeira noção de instrumentalismo: as teorias, hipóteses, crenças, ideias em geral
são apreendidas como instrumentos para conduzir nossos empreendimentos. As
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ideias mais eficientes para este propósito são as verdadeiras. Entretanto, James
quer assegurar o tratamento rudimentar do homem comum sobre a verdade: Eis a
formulação que se segue da teoria da verdade de James: dadas as nossas crenças
prévias, quando um novo fato se apresenta na nossa experiência que desafia a
permanência das nossas crenças prévias, a ideia que melhor ajustar esse fato ao
nosso “estoque” de crenças é verdadeira. Noutros termos, todas as ideias que
adequam nossas crenças anteriores a fim de termos uma relação mais exitosa com
o universo são verdadeiras.
13
James to conceive of his publicist role; the reading itself is part and parcel of his
mediating function [...]” (WEST, 1989, p. 61). Ciente da atmosfera intelectual e do
cenário cultural de seu contexto, James se investe no papel de intelectual público e
não hesita em promover sua filosofia moral baseada nas forças heroicas individuais
com orientação meliorista.
Há, de fato, muito mais que poderia ser dito de James. Sua atuação
intelectual foi incansável, acadêmica e publicamente. Muito nos escapa aqui pois
nos concentramos em como este contribuiu para a formulação de uma imagem do
pragmatismo.
15
1.3. John Dewey e a experiência natural
Talvez a maior distinção metodológica entre Dewey e James seja o que fica
simbolizado na metafilosofia de Reconstrução em filosofia (de agora em diante
tratada como RF). Enquanto que James procurou introduzir o pragmatismo como
uma solução conciliatória em que o princípio de consequência ditaria o valor das
ideias em jogo a partir de sua eficácia em produzir soluções satisfatórias no mundo,
Dewey procurou reformar a filosofia como um todo sob o princípio de consequência.
Uma vez que as ideias, ou significados, são regras de ação, isto é, portam
consequências em potencial, as consequências se tornam condição necessária para
as ideias. Assim, não seria suficiente simplesmente avaliar as ideias disponíveis sob
o prisma de suas consequências potenciais, como o fizera James, quando é
possível que as consequências sejam critério para a formulação de ideias. Dessa
forma, Dewey insistiu na relevância das consequências antevistas como
determinantes do conhecimento e da ação.
16
[...] Tal como James dissera, “toda a função da filosofia deveria
ser encontrar as influências características que você e eu
sustentaríamos em determinado momento de nossas vidas,
caso uma ou outra fórmula do universo fosse verdadeira.”
Entretanto, ao dizer que toda a função da filosofia consiste
nesse objetivo, parece que ele se refere mais ao ensino do que
à construção da filosofia. Pois tal afirmação implica que as
fórmulas de mundo já se encontram dadas, e que o trabalho
necessário a sua produção já estivesse concluído, de modo
que resta apenas definir as consequências que se refletem na
vida a partir da aceitação da verdade de uma ou outra dessas
fórmulas. (DEWEY, 2007, p. 232)
17
grego é a íntima conexão entre a mentalidade de época e a produção filosófica.
Desta forma, o plano de reforma filosófica deweyana circunscrita no pragmatismo
americano não procuraria produzir filosofia aos moldes gregos, mas, pelo contrário,
criticou veementemente a permanência dos temas e formas do pensamento
filosófico clássico como tendências dominantes no mundo contemporâneo. Dewey
pretendeu que, a exemplo dos gregos, a filosofia contemporânea fosse forjada sob
os moldes de seu próprio tempo.
19
que o conhecimento do funcionamento das coisas é enriquecido com novas
asserções garantidas. 4
4
No capítulo seguinte, assim como no capítulo terceiro, detalharei mais sobre a experimentação como
condição natural do conhecimento.
20
noção de fins em si mesmos, visto que qualquer interação tende a produzir efeitos
que a justificam. O conceito de fim em si mesmo não seria mais que a ausência de
clareza sobre os efeitos que tal ou outra interação tendem a produzir. Assim, uma
vez que se apropria do fato de que qualquer forma de experiência produz efeitos, as
consequências desejáveis podem ser antevistas e a experiência manipulada a fim
de se materializar tais consequências. Com isso, meios podem ser fins, uma vez que
são demandas para consequências ulteriores e estas, por sua vez, são
inerentemente meios para outras consequências/efeitos. A discussão sobre graus de
consequências ficará melhor definida quando abordar o tópico da linguagem, no
capítulo terceiro.
21
deweyano é uma tentativa de revelar a dinâmica de um processo cujo
funcionamento se reproduz em todas as instâncias – e ao qual a filosofia até então
falhara em atender. Assim, pela descoberta e ciência do funcionamento do
processo, torna-se possível conduzi-lo a produzir as consequências desejadas.
22
tendências contemporâneas que reduzem a linguagem a um sistema de proposições
com valor de verdade. Em James, a noção de falseabilidade para o pragmatismo foi
enfraquecida e, em Dewey, foi de fato descartada – e suplantada pela noção de
“asserções garantidas”. Dessa forma, a linguagem é concebida como um sistema de
funções, isto é, um instrumento com vistas a fins desejados. Com isso, a linguagem
deixa de ser apenas um modelo de representação do mundo e é assumida como um
meio para a ação no mundo.
5
O recorte histórico de Cornell West, entretanto, a quem recorri como fonte para a história do
pragmatismo, difere no que diz respeito a seus expoentes: West reconstrói o pragmatismo partindo
de Emerson, sendo este a fase “pré-histórica” do pragmatismo americano e, posterior a Dewey,
houve a adição de Richard Rorty e Willard van Orman Quine. Não considerei estes dois últimos pois
esta investigação culmina nas contribuições de Dewey. Quanto a Emerson, considerei que a escolha
por incluí-lo sob o pragmatismo foi única de West, uma vez que Emerson não produziu textos
sistemáticos (sua produção foi, até onde conheci, de natureza poética) e que o termo “pragmatismo”
só surgirá posteriormente com Peirce.
23
pela reintegração da relação sujeito-objeto na experiência e na atividade do
pensamento. Deste modo, as formas de reducionismo que ou sustentavam o sujeito
como fonte absoluta de conhecimento ou o descartavam como fonte segura de
conhecimento foram enfraquecidas pela tese de que ambos, sujeito e objeto, têm
participação inegociável no ato de conhecer.
25
William James disse, em uma metáfora feliz, que elas [as ideias]
“devem ser contabilizadas” (must be cashed in) pela produção de
consequências específicas. Essa expressão significa que elas devem
ser capazes de levar a fatos concretos. Mas aqueles que não estão
familiarizados com a fraseologia americana, tomam a fórmula de
James como se as consequências de nossas concepções devessem
estar estreitamente limitadas ao seu valor pecuniário. Assim o Sr.
Bertrand Russell escreveu recentemente que o pragmatismo é
simplesmente a manifestação do espírito comercial americano.
(DEWEY, 2007, p. 236).
27
2. O paralelo entre Darwin e Dewey
28
Nesta, Dewey não só expõe a revolução de Darwin para a prática científica, mas
também como a publicação de OE provocou um desequilíbrio em pressupostos
cristalizados na cultura intelectual como um todo. A ruptura do consenso que daí
vem é expressa como um choque entre a tradição e a vanguarda na luta pelo
domínio das premissas que dirigiriam a produção do conhecimento. 6
Diante disso, a noção de espécie como forma final e verdadeira era não só
compreendida como princípio imutável da natureza como, por consequência,
também o objeto legítimo do conhecimento e da lógica da ciência:
6 Vale notar, entretanto, que Dewey não considera exclusivamente Darwin como personalidade do
espírito moderno que desencadeou a revolução científica. Na verdade, uma variedade de outros
expoentes figura na obra de Dewey como exemplos da tendência intelectual em emergência desde o
século XVII, tais como Herber Spencer e, em especial, Francis Bacon. Dado o nosso recorte de
investigação, estes serão evitados discutir.
29
[...] Genuinamente conhecer significa compreender um fim
permanente que se realiza através de mudanças, mantendo-as
dentro dos limites e fronteiras da verdade fixa. […] Visto que, no
entanto, a cena da natureza que nos confronta diretamente está em
mudança, a natureza, como direta e praticamente experimentada,
não satisfaz as condições do conhecimento. [...]vii (DEWEY, 1909, p.
2)
31
vez que o aspecto de imprevisibilidade nas variações do organismo mina o
argumento da "autorrealização dos tipos" – estes pontos deverão ficar mais claros
adiante. Tomemos o trecho seguinte para sumarizar a visão de Dewey sobre a ideia
clássica de evolução que se contrastará com Darwin:
7 Para melhor ilustrar a diferença nas implicações científicas dessas duas formas de conceber o
processo evolutivo, trago o exemplo seguinte: na versão aristotélica, a descoberta da evolução
explicaria, por exemplo, o fato de que os exemplares adultos de certas espécies de insetos que
passam por metamorfose são a forma final de um processo que se inicia com o inseto em forma larval
(assim, de larva a adulto); já na versão darwinista, não é somente o caso de que larvas se
desenvolvem em formas distintas de si, mas também há a descoberta de que a forma larval nem
sempre foi uma fase existente no ciclo de vida de grande número de espécies que hoje por ela devem
passar para se transformarem em formas adultas. Na verdade, hoje é consenso que, no processo
histórico de evolução dessas espécies, a forma larval surgiu posteriormente como uma fase
destinada exclusivamente à nutrição do organismo, como adaptação a condições adversas
necessária para a maturação do organismo.
32
mutação em uma nova espécie. Entretanto, frente à necessidade de adaptação
imposta por novas condições ambientes ao indivíduo, há o caso de organismos que
não variam de forma adequada, ou não variam de forma alguma, ou desenvolvem
variações que não se preservam nas gerações posteriores: segue-se assim a sua
gradual extinção, o que Darwin nomeou de seleção natural. Assim, podemos dizer
que o significante da variabilidade são as condições ambientes nas quais o indivíduo
se encontra, ou como Darwin coloca, “[…] As alterações nas condições de vida têm
a mais relevada importância como causa de variabilidade porque estas condições
atuam diretamente sobre o organismo [...]” (DARWIN, 1979, p. 46).
33
ponto de convergência fundamental entre Dewey e Darwin: a atitude experimental
como geradora de conhecimento.
Uma questão primordial a ser tratada, e que abordarei nesta seção, diz
respeito à relação que se pode estabelecer entre a OE e a teoria do conhecimento
de Dewey – assim como a OH nos servirá em questões mais específicas sobre a
inteligência humana. Tal discussão, por consequência, deverá lapidar arestas que
podem ter permanecido sobre o choque de mentalidades apresentado na seção
anterior. À medida que exploremos o percurso metodológico e conclusões das
investigações de Darwin ou, melhor dizendo, em como este chegou à sua
formulação da teoria geral da evolução, será possível compreender a forte analogia
que existe entre este e Dewey no que diz respeito ao modo de produção de
conhecimento.
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Em EN, no intuito de formular sua proposta de método que nomeou como
método (empírico) denotativo, Dewey parte de uma distinção tópica de dois tipos de
experiência: experiência primária e experiência secundária. A primeira diz respeito
ao contato que temos com os fatos da realidade imediata anterior à reflexão
dedicada, isto é, qualquer das impressões indistintas e interações físicas do
organismo com o meio. A segunda trata do exercício intelectual, que produz
distinção, identificação, classificação, associação de fatos e, especialmente,
especulação: em resumo, que trata de procedimentos abstratos. Tal distinção é
facilmente identificável: a controvérsia das tradições filosóficas estava, entretanto,
segundo Dewey, em relacionar estes dois tipos de experiência. A tendência dualista,
por exemplo, legatária de Descartes, reduzira experiência à experiência primária,
tomara os dados da experiência primária como dotados de vícios incontornáveis e,
assim sendo, não confiáveis, elevando, assim, os dados da experiência secundária
ao status de únicos produtos seguros para o conhecimento. Em EN, Dewey formula
uma icônica crítica ao subjetivismo cartesiano, dada a sua obviedade:
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objetualidade). Desta forma, no seio das coisas que existem em um fluxo de
interações, um “recorte” é realizado para criar um objeto. Quando tal recorte não é
denunciado de antemão na investigação científica, isto é, quando a seleção não é
claramente justificada, uma das possíveis consequências é tomar o resultado de um
inquérito parcial como total. 8 Confunde-se um objeto operacional para fins
específicos com um referente existencial.
8 Tal vício cognitivo é hoje denominado viés de seleção. Trata-se de quando os resultados de
pesquisa são de antemão inconscientemente pré-determinados pela amostra que compõe a
pesquisa.
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natural que a abstração faça o retorno à experiência primária a fim de verificar suas
inferências ou modificar as condições existentes. Tal retorno, que marca a atitude
intelectual do experimentalismo, é o que Dewey tentou introduzir na investigação
filosófica.
9
Tal mecânica é brilhantemente sintetizada por Edgar Morin sob o rótulo de organização recursiva
(ou lógica recursiva) em Introdução ao pensamento complexo. Em linhas gerais, define o modo como
o produto de um sistema altera o sistema que o produz. Este conceito é interessante para uma
compreensão mais didática do presente trabalho e somente foi evitado tratá-lo com mais dedicação
para mantermos o foco da investigação.
41
Não é surpreendente que ao tocar em tópicos relacionados a habilidades
cognitivas Darwin eventualmente abordaria a questão da linguagem e que, ao fazê-
lo, consequentemente discutiria sua função para a unidade social do homem. Na
verdade, em OH há um subcapítulo dedicado exclusivamente à relação entre
linguagem e evolução biológica. Entretanto, é preciso destacar que o conceito de
linguagem em Darwin é o de um pesquisador do início do século XIX, isto é, anterior
ao advento da semiótica e de seus desdobramentos como hoje concebemos: Darwin
identificava linguagem com língua, exclusivamente. Isso diferirá em certa medida do
conceito de linguagem em Dewey, como veremos no capítulo subsequente, uma vez
que para este o conceito de linguagem estaria mais próximo do que hoje
denominamos semiologia (o estudo das atribuições sêmicas em qualquer domínio),
enquanto que para Darwin seria a linguística clássica (o estudo da expressão
verbal).10
10
A definição que apresento para semiologia pode causar desconforto aos semióticos mais
experientes pois, para aqueles que se aventurarem a investigar o tópico, descobrirão, assim como eu,
que os teóricos da linguagem ainda encontram dificuldade em chegar a um consenso sobre a
distinção entre semiologia e semiótica (ou, até mesmo, entre semiologia e linguística). Nos trabalhos
de Umberto Eco, por exemplo, os termos frequentemente se confundem, embora seja um dos
melhores referenciais em semiótica de nosso tempo. Tratando-se de linguística clássica, me refiro
especialmente ao trabalho de Ferdinand de Saussure e a abordagem estruturalista.
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Assim, a evolução histórica da linguagem implica sua evolução a nível individual e
vice-versa, assim como ambas implicam a evolução da espécie e vice-versa (seja
pelo aprimoramento ou geração de habilidades cognitivas ou pelo refinamento dos
aparatos sociais). Em síntese, há a seleção natural das formas biológicas e a
seleção natural das formas linguísticas:
43
processo de transformação ou extinção são as condições existenciais às quais estão
sujeitas, e que validam ou não sua existência em um novo cenário.
44
abstrato e os bens morais, como a empatia e a magnanimidade, aos quais Darwin
atribui o surgimento do senso de comunidade. Na verdade, há uma extensa
discussão em OH sobre o senso moral, na qual Darwin procura justificar o
surgimento e importância dos bens morais em termos evolutivos. Assim, podemos
inferir que a posse destes atributos seria indicativo de que o homem está em estágio
avançado no processo de evolução cognitiva, e o meio para alcançá-lo é, antes de
tudo, o desenvolvimento da linguagem. Ademais, note o paralelo entre a origem
destas habilidades e o movimento das já discutidas experiência primária e
secundária em Dewey. Note também o uso do termo “máquina” em referência à
linguagem: Dewey usará a mesma analogia, como veremos no capítulo seguinte,
para tomar a linguagem como um sistema de partes e funções interdependentes.
Por fim, muito embora Darwin não tenha explorado a natureza pragmática da
linguagem em termos de instrumento sêmico e sua relação com a agência, uma nota
em OH sugere que havia estudos sendo realizados intuindo a existência de
instâncias consciente e inconsciente no desenvolvimento da linguagem, assim como
sua relação com graus diferentes de consequências, o que será de fundamental
significância na elaboração da teoria da linguagem de Dewey:
47
3. Dewey e a linguagem sob a perspectiva naturalista
Não será avaliada aqui a validade de tais acusações, uma vez que o
propósito deste trabalho não é fornecer um estudo comparado da perspectiva de
linguagem de Dewey com perspectivas tradicionais anteriores. Tais críticas nos
servem, como serviram a Dewey, para pontuar abordagens filosóficas das quais
Dewey procurou se distanciar e sobre as quais baseou as razões para propor sua
nova abordagem. A natureza da interdependência entre linguagem e meio será
melhor explorada na próxima seção.
49
clara: em Dewey, a experiência se constitui numa interação funcional entre agente e
meio em que o primeiro manipula elementos das condições existentes com vistas a
estabelecer condições existenciais mais satisfatórias. 11Nos objetos, então, são
reconhecidas funções a partir da experimentação de suas potencialidades em
satisfazer as novas demandas existenciais (considerando, também, as demandas
agenciais em relação à operação do objeto). Quando um objeto qualquer, a partir da
experimentação, atende as expectativas funcionais, isto é, exerce com sucesso a
função antevista, idealizada a partir de uma especulação prospectiva de uso, diz-se
que tal objeto passa a ter uma natureza dupla: concreta em sua materialidade
objetiva e abstrata. A isso Dewey dá o nome de transubstanciação.
11
A discussão sobre a noção de satisfação de condições existenciais é realizada no texto Teoria da
Valoração de Dewey. Para uma compreensão clara e superação de algumas lacunas percebidas na
teoria do significado aqui explorada, parece eficiente levantar algumas questões desse que é
consensualmente considerado como um texto sobre filosofia moral. Como é sabido, todo o
pensamento de Dewey irradia de sua teoria do conhecimento. Entretanto, nalguns textos mais que
outros (como entre os trabalhos tardios e os iniciais), certas noções parecem estar menos opacas:
Daí que tomemos algumas para a investigação executada aqui.
12
O uso do termo “observador” aqui não é acidental e faz referência à objeção ativa de Dewey ao que
ficou conhecido como Spectator Theory of Knowledge, que desconsiderava o aspecto agencial na
produção de conhecimento em detrimento de uma noção de observador passivo que “descobre” o
conhecimento disponível na realidade objetiva.
50
mesmo fim antevisto se o reconhecimento de sua função não se fixasse num
domínio abstrato, isto é, se o evento não fosse transubstanciado: se não se tornasse
significado. As conclusões preliminares a que chegamos são que (1) o
reconhecimento de funções é condição necessária para a atribuição de significados
e que (2) os significados são condição necessária para a permanência temporária de
funções. Para ilustrar a relação entre objeto e significado, exploremos o exemplo
seguinte levantado por Dewey em NCM:
Do que foi dito até o momento, ainda não está claro o que é a expressão de
diferença entre significado e função no que diz respeito à permanência do primeiro.
Foi estabelecido em (2) que o significado assegura uma estabilidade provisória das
expectativas funcionais do objeto, mas ainda não foi definido como isso ocorre – de
52
outro modo, a transitoriedade da relação função-objeto pode ser atribuída também
ao significado. O que nos falta é a razão de o significado gozar de maior resistência
que a função. Neste momento podemos destacar a relevância das associações
humanas para o tipo de interação que se estabelece na e para a emergência e
sustentação das relações significantes. Em Dewey:
53
objetos compõem uma atitude participativa da qual significados são produtos que
operam como funções que, por sua vez, têm efeito sobre novas interações.
Das funções do significado, está claro em (2) que este é responsável por fixar
provisoriamente as relações funcionais e em (5) que este funciona como modo de
operação para novas experiências. O que há de novo aqui, entretanto, é o critério
que limita a experimentação semântica: (5-a) um significado atribuído se sustenta
enquanto não houver resistência intransponível quanto à sua atribuição. Considere o
caso de um agente que aprendera experimentalmente que o objeto denominado
“carro” tem a função de transportar. O mesmo agente vem a ter experiência similar
com o que denominamos “ônibus”. O agente equivocadamente passa a denominar o
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objeto do evento segundo “carro”, pois o significado que o agente atribuíra ao objeto
do evento primeiro também é observado no evento segundo, e assim o seria para
todos os eventos posteriores que atendessem a expectativa funcional de transportar
pessoas. O que ocorre é que, entretanto, eventualmente o agente é confrontado
com resistências linguísticas: o uso equivocado do termo “carro”, indexado ao
significado atribuído através da experiência do agente, para objetos que
consensualmente não são denominados “carro”, dificulta ou até mesmo impede
interações posteriores. O agente deve, então, aprender que o que é denominado
“ônibus” não é denominado “carro”, pois, apesar de compartilharem propriedades
semelhantes no significado rudimentar atribuído pelo agente, também portam
propriedades que os distinguem, o que faz destes dois objetos funcionalmente
semelhantes, mas não idênticos. É condição para o sucesso do intercurso social que
o agente revise seu sistema de significação, o que, por consequência, torna esse
mesmo sistema mais elaborado e os atos consumatórios mais eficientes. A
instituição dos significados e relações significantes se dá através da emergência e
validação coletiva de sistemas simbólicos (sistemas linguísticos).
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Dewey não chega a comentar minúcias sobre como, por exemplo, significados
podem ganhar ou perder propriedades. Isso pode ser justificado da seguinte forma:
relações funcionais podem perder significado, mas significados não perdem
propriedades. Dito de outra forma, significados podem ganhar propriedades
negativas assim como positivas (o que os torna mais refinados), mas não perder
propriedades. O objeto denominado “carro” no caso anterior não deixa de ter o
significado de ser usado para transportar pessoas quando confrontado com o objeto
denominado “ônibus” – e vice-versa –, mas pode antes ser ressignificado como
objeto usado para transportar pessoas que não comporta mais que quatro pessoas,
ou objeto usado para transportar pessoas que não é alimentado a diesel, e assim
por diante, significados estes que irão orientar a ação do agente em novas
interações com ambos os objetos. A composição do significado será sempre aditiva
e sempre sujeita a resistências atributivas em potencial.
Está claro, então, que para Dewey a tendência generalizadora existe a priori
somente na condição de potencialidade objetiva, uma vez que esta só é identificável
em relação aos objetos da realidade que demandam sua funcionalidade. Para
descobrir uma relação funcional é preciso projetar consequências potenciais na
interação com o objeto e agir em razão delas para atingir a satisfação das
expectativas funcionais, e a manutenção das relações funcionais é a razão de ser do
significado que, por sua vez, está sujeito a potenciais transformações sofridas na
experimentação. Logo, o significado em Dewey tem natureza dinâmica e funcional,
com vida útil regulada pela experimentação. Uma vez que a natureza do significado
e seu vínculo original com as relações funcionais parecem razoavelmente
esclarecidos, podemos avançar a discussão para aspectos concernentes
propriamente à sua operacionalidade e condições de autonomia em seu lugar de
excelência, a ordem simbólica, que será explorada na seção seguinte.
Podemos inferir até o momento que, para Dewey, os símbolos têm função de
marcadores de significados, muito embora a natureza dessa relação funcional não
seja concebida como uma noção reducionista de correspondência direta entre
símbolo e coisa em si, nem tampouco que a coisa em si está ausente na geração do
significado que a ela pode vir a ser atribuído: a origem e permanência dos
56
significados são determinadas por um movimento dinâmico prospectivo, isto é, a
natureza destes não é estática. Está entendido também que as designações
simbólicas são condição material da linguagem visto que têm uma função
fundamental na validação ou fixação de significados e que, por essa razão, não
devem ser ignoradas em investigações sobre linguagem, especialmente como
ocorre com algumas correntes que tendem a desconsiderar a relevância dos
elementos linguísticos em detrimento do significado. Logo, assim como os aspectos
referentes a relações funcionais e significado se aplicam à operacionalização de
objetos da realidade imediata, o mesmo ocorre com significados e seus
representativos simbólicos.
A solicita a B que lhe traga algo, para o qual A aponta, digamos uma
flor. Existe um mecanismo original pelo qual B pode reagir ao
movimento de A ao apontar. Mas, nativamente, tal reação é ao
movimento, não ao apontar, não ao objeto apontado. Mas B aprende
que o movimento é um apontar; ele responde a isso não por si
mesmo, mas como um índice de outra coisa. Sua resposta é
transferida do movimento direto de A para o objeto para o qual A
aponta. Assim, ele não apenas executa os atos naturais de olhar ou
perceber que o movimento pode instigar por sua própria conta. O
movimento de A atrai seu olhar para a coisa apontada; então, em vez
de apenas transferir sua resposta do movimento de A para a reação
nativa que ele pode dar à coisa como estímulo, ele responde de uma
maneira que é uma função da relação de A, real e potencial, com a
coisa. O aspecto característico da compreensão de B sobre o
movimento e os sons de A é que ele responde à coisa do ponto de
57
vista de A. Ele percebe a coisa como ela pode funcionar na
experiência de A, em vez de apenas egocentricamente. Da mesma
forma, A ao fazer a solicitação concebe a coisa não apenas em sua
relação direta consigo mesmo, mas como algo capaz de ser
percebido e manuseado por B. Ele vê a coisa como ela pode
funcionar na experiência de B. [...] B, ao ouvir A, faz uma reação
preparatória de seus olhos, mãos e pernas em vista do ato
consumatório da posse de A; ele se envolve no ato de apanhar,
transportar e oferecer a flor para A. Ao mesmo tempo, A faz uma
resposta preparatória ao ato consumatório de B, o de carregar e
proferir a flor. Portanto, nem os sons proferidos por A, seu gesto de
apontar, nem a visão da coisa apontada são a ocasião e o estímulo
do ato de B; o estímulo é a partilha antecipada de B na consumação
de uma transação na qual ambos participam. [...]xv (DEWEY, 1958, p.
178-179)
O caso levantado por Dewey serve como paradigma para destacar algumas
condições implícitas que devem ser satisfeitas no decurso da atividade comunicativa
com vistas à realização do ato consumatório. Aqui, o ato consumatório opera como
fim e diretriz do exercício de sistemas simbólicos na comunicação. Isto é, o fim
antevisto é também a razão pela qual ambos agentes se comunicam. Logo, em
Dewey, a função primeira das transações simbólicas é provocar uma reação. Assim,
o significado pressupõe uma intencionalidade que, num contexto de transação
simbólica, tem de se fazer inteligível a fim de se produzir a reação desejada. A
adequação de tal reação com o resultado desejado (por meio de significados
compartilhados e antecipação) é o critério de sucesso do ato comunicativo ou da
comunicabilidade da intenção. Podemos destacar como condições implícitas para o
sucesso do ato consumatório que haja uma ação co-operativa em que (a) A e B
compartilhem o mesmo sistema simbólico; (b) A entenda as potencialidades
consequentes da interação de B com o objeto; (c) A entenda as condições agenciais
de B e demandas possíveis; (d) A antecipe a potencial reação de B à solicitação de
A; (e) A sinalize de forma simbolicamente adequada a B suas expectativas; (f) B
entenda a relação funcional de A com o objeto; (g) B entenda a relação funcional
entre B e o objeto reconhecida por A; (h) B entenda as expectativas de A sobre B
através do ato simbólico; (i) B reaja em razão das expectativas funcionais de A sobre
B com vistas a um fim.
58
enquanto “dois centros de comportamento” se deslocam virtualmente um ao outro
para assim estabelecer expectativas que são traduzíveis no ato comunicativo, isto é,
tanto A quanto B devem, através de expectativas funcionais compartilhadas,
antecipar a ação e reação de um e outro. O propósito da sinalização de A é evocar
uma reação em B como resposta a um estímulo. A reposta de B ao estímulo é
determinada pela antecipação de consequências. Por meio de uma referência
cruzada, B reage não ao estímulo em si, mas às consequências desejadas por A
expressas pela sinalização que funciona como estímulo para a ação de B. Por sua
vez, A só poderá sinalizar de forma adequada com vistas a produzir um estímulo
eficaz em B se reconhecer e operar a partir de pressupostos inteligíveis a B. Esta é
a constituição de uma forma de transação simbólica elementar.
Ainda há outras duas noções mencionadas por Dewey neste caso que
merecem ser exploradas: “proximate meaning” e “ulterior meaning”. Como foi visto,
proximate meaning diz respeito às reações imediatas esperadas de uma sinalização
– no primeiro caso, pode-se dizer que o equivalente seria o ato efetivo de B em
manejar a flor a A; já no segundo caso, cessar o movimento do trânsito próximo ao
oficial. Com efeito, o atendimento adequado ao proximate meaning indica como seu
efeito e razão de ser um significado superior, cuja manutenção depende do exercício
correto de proximate meaning e que o justifica: o ulterior meaning. Este último,
considerando o primeiro caso, podemos especular que seu equivalente seja
satisfazer os desejos de A; no segundo, como visto, manter a ordem e eficiência do
fluxo de trânsito.
60
neste exemplo em particular, até mesmo o reconhecimento da autoridade funcional
do oficial de trânsito sugere uma atribuição de significado. Entretanto, é curioso que
Dewey não tenha chegado a explorar essa relação de interdependência com maior
minúcia, o que seria fortuito para explicar, por exemplo, o caso comentado na
primeira seção deste capítulo em que instrumentalidades de crédito são justificadas
pela preciosidade atribuída a alguns minerais em especial, enquanto que tal
significado atribuído – preciosos ou raros – só tem efeito enquanto justifica os
primeiros. A rejeição de uma destas duas instâncias, neste caso em particular,
afetaria prejudicialmente a validação do significado da outra. Diz-se então que
significados justificam significados.
[...] Suponha que uma pessoa no estado de Nova York atire uma
bala na linha de Nova Jersey e mate alguém nesse estado; ou envia
doces envenenados por correio para alguém na Califórnia que morre
por comê-los. Onde o crime foi cometido? A pessoa culpada não está
sob a jurisdição do Estado onde a morte resultou; portanto, seu
61
crime, por definição, não foi cometido naquele Estado. Porém, como
a morte não ocorreu onde ele estava presente no momento, nenhum
crime ocorreu naquela jurisdição, sendo o lócus definido em termos
da presença corpórea do agente. A essência, extradição, não se
aplica porque não há crime pelo qual extraditá-lo. Em resumo, devido
ao significado aceito de jurisdição, nenhum crime foi cometido em
lugar algum. Esse resultado é evidentemente prejudicial à integridade
e segurança das associações e relações humanas. Assim, o
elemento de transação em um ato é destacado; um ato iniciado
dentro de uma determinada jurisdição se torna um crime quando
suas conseqüências desagradáveis ocorrem noutro lugar. O lócus do
ato agora se estende de Nova York à Califórnia. Assim, dois eventos
particulares independentes capazes de observação direta, juntos por
uma conexão entre eles que é inferida, não diretamente observável,
são agora incluídos em um significado tão simples quanto o do lócus
de um ato. [...] Além disso, um sistema de significados legais é
desenvolvido modificando diferentes significados com vistas à
consistência ou ordem lógica. Assim, os significados se tornam mais
independentes dos eventos que os criaram; eles podem ser
ensinados e expostos como um sistema lógico cujas partes estão
dedutivamente conectadas umas às outras.xvii (DEWEY, 1958, p.
198-199)
Podemos observar também como isso ocorre entre contextos definitivos: agir
de forma legal não demanda que sejam conhecidos os sistemas legais com
profundidade, assim como o uso de determinados produtos de natureza química não
exige que se conheça sua formulação. O domínio instrumental de um ou outro
destes e demais contextos definitivos fornece vantagem operacional no mesmo, a
ponto de novas potencialidades poderem ser exercitadas em uma ou outra destas
instâncias. Porém, mesmo que um agente A, dotado de toda a instrumentalidade de
contexto definitivo X, não goze do mesmo status em contexto Y, ainda está sujeito
aos efeitos dos significados contemplados pelo contexto Y. A corporação ou franquia
do caso anterior possivelmente dotará de significações distintas de acordo com o
nível hierárquico dos agentes envolvidos no empreendimento. Uma vez que cada
nível de agência supõe relações funcionais distintas com o mesmo objeto e, tanto o
topo da hierarquia – isto é, o agente que idealmente estará mais familiarizado com o
ulterior meaning do empreendimento, o líder – quanto a base – os liderados –,
ambos fundamentalmente necessários para a permanência do todo significante,
terão acesso limitado ao significado atribuído por um e outro, ao contexto definitivo
de um e outro em relação ao mesmo objeto. O sucesso da transação simbólica está
em que, apesar de tal situação de acesso limitado aos contextos definitivos que
geram o significado, os agentes envolvidos produzem seu efeito, seu valor.
64
mencionado anteriormente sobre linguagem legal e científica. Assim, a linguagem e
a comunicação podem ser apreciadas como fins em si mesmos – como é o caso
comum das artes e da filosofia e mais incomum de textos científicos. Entretanto, tal
atitude valorativa estética a respeito de formas discursivas mais elaboradas não
descaracteriza a instrumentalidade da linguagem, mesmo que seja seu efeito
apenas uma reificação da linguagem (muito embora em Dewey a arte tenha como
propósito mais plausível a orientação dos valores estéticos e morais de uma cultura,
seja este de preservá-los, transformá-los ou superá-los). Isto é, a apreciação
puramente estética de formas de linguagem tem, como pelo menos uma de suas
consequências, o reforço não intencional do caráter instrumental da linguagem, de
seu uso funcional regido por uma finalidade que é seu efeito. Perguntar-se quais são
os efeitos de tratar determinadas formas de linguagem como puramente estéticas
talvez revele, para a satisfação do pensamento pragmatista, a razão de ser dessa
atitude em si mesma enquanto um dos possíveis efeitos dessas formas e em como a
linguagem nesse contexto, apesar de considerada fim, opera como meio. 13
13
O artista, assim como o publicitário ou demais profissionais da comunicação social, talvez seja
aquele que melhor compreenda, mesmo que intuitivamente, a instrumentalidade da linguagem, sua
capacidade de contemplar uma função com vistas a fins dentro de um sistema, uma vez que é
inerente a sua atividade considerar os fins da atividade discursiva como determinantes de sua
formalização.
65
O que pode soar aqui como um whorfianismo desmedido em Dewey é, na
verdade, uma consideração razoavelmente segura sobre as condições para a
consciência. Note que Dewey não reduz a consciência à linguagem como algumas
interpretações da teoria de Benjamin Lee Whorf tendem a propor, mas assume a
linguagem como uma de suas condições necessárias em paralelo com o que
chamará em Teoria da valoração de “tendências orgânicas”, sejam estas aspectos
biológicos que existem antes de qualquer atribuição de significado – sensações tais
como dor, frio, fome, medo, entre outras.14 Mais que isso, esta passagem apresenta
uma resposta aos partidários da noção de “linguagem privada”: em Dewey, nenhum
tipo de exercício linguístico interno – o solilóquio, aqui – é possível sem antes o
exercício linguístico de fato. Dito de outra forma, é preciso antes que o agente esteja
inserido num código linguístico e que assimile a linguagem que servirá como
“sistema mental”, e não o inverso. Também há algo de muito semelhante à
Semântica Geral formulada por Alfred Korzybski no que diz respeito ao grau de
complexidade das abstrações do agente e sua dependência aos instrumentos
linguísticos.15 O que procuro demonstrar com tais comentários é que Dewey estava,
assim como teóricos anteriores e posteriores a ele – podemos lembrar também de
Noam Chomsky – ciente da estreita relação existente entre linguagem e mente,
muito embora não tenha incorrido no equívoco de reduzir uma à outra nem
tampouco de desconsiderar a linguagem como fenômeno tipicamente social. Dos
produtos da linguagem, este seja talvez o mais controverso ainda hoje e talvez
tivesse sido de grande fortuito se Dewey nos tivesse deixado uma discussão mais
volumosa sobre consciência.
14
Pode-se objetar a respeito de tal relação condicional com especulações sobre a consciência em
animais sub-humanos. Porém, as discussões sobre o tema surgiram muito recentemente e a noção
de consciência para a academia da época de Dewey ainda se limitava ao estritamente humano.
15
Faço referência aqui às obras Language, Thought, and Reality de Benjamin Lee Whorf e Science
and Sanity: An introduction to Non-Aristotelian systems and General Semantics de Alfred Korzybski.
Uma vez que não é nosso objetivo no presente trabalho, pormenores das teorias destes autores não
serão explorados. Posteriormente num trabalho mais tópico, talvez seja interessante investigar a
relação mente-linguagem comparando as contribuições de tais perspectivas.
66
abordagem de Dewey sobre a linguagem, talvez pela razão mesma de Dewey ter
tratado o tema como apenas um apêndice de suas preocupações mais urgentes.
Logo, para a investigação conduzida aqui, consideraremos este trabalhos seminal: o
artigo produzido por Max Black em 1962, Dewey’s philosophy of language, que
servira de inspiração para a realização deste trabalho. Nos debruçaremos no
trabalho de Black.
68
cordialidade (Dewey comenta, mais especificamente, sobre como small talks e
outros rituais comunicativos cotidianos preservam um estado de fraternidade dentro
de uma comunidade).
O segundo caso abordado por Black é ainda mais evidente de sua deficiência
em fornecer uma leitura justa da teoria de Dewey: atos de fala, até onde podemos
dizer, talvez sejam as materializações linguísticas de funcionalidade mais evidentes.
Pois prometer envolve alguém que promete, alguém a quem é prometido, e algo
sobre o que é prometido: o aspecto da associação como uma condição está claro o
suficiente. O que está ausente nas considerações de Black é a compreensão de que
o objeto da promessa é sempre transcendente, é sempre algo que é esperado que
aconteça como razão da promessa. Seu significado não reside na promessa em si,
mas na ação que deve ocorrer causada pelo ato de prometer, nas expectativas que,
no momento do ato de prometer, não estão ainda consumadas, mas que devem ser
consumadas em razão da promessa. Para tornar mais simples: atos de fala são atos
de fala porque são modos de ação, são estritamente funcionais. Black parece falhar
com as premissas mais fundamentais do pragmatismo de Dewey.
73
Também foi apresentada a noção de Dewey sobre contextos definitivos: um
mesmo elemento da realidade pode receber atribuições de significados diferentes
em contextos diferentes, o que implica que o mesmo ente pode ter determinadas
funções enfatizadas ou, sequer, exclusivas, dado o contexto em que é
operacionalizado. Uma vez que as atribuições de significado determinam a natureza
das consequências do uso dos elementos da realidade, um mesmo ente, como, por
exemplo, água, pode ter aplicações diferentes para um agente de senso comum e
para um especialista, como, por exemplo, um químico. Não significa dizer que as
atribuições de significados em diferentes contextos definitivos implicam que o ente
seja materialmente diferente, mas sim que potencialidades diferentes do ente são
exercitadas.
Para a quarta seção, procurei comentar a crítica de Max Black sobre a teoria
da linguagem de Dewey. A escolha pelo texto de Black se justifica por ter sido o
primeiro a dedicar-se a uma avaliação exclusivamente sobre o tratamento de Dewey
da linguagem – abundam comentadores de Dewey; entretanto, talvez em razão de
Dewey não ter escrito um texto estritamente sobre linguagem, os comentadores
costumam avaliar outros tópicos. O que pode ser observado na crítica de Black foi a
falta do entendimento sobre funcionalidade, aspecto fundamentalmente importante
para a compreensão da teoria da linguagem de Dewey. As críticas que Black
apresenta refletem o típico modo de investigação da tradição analítica (logic-based),
o que dificultou-lhe uma compreensão melhor ajustada de um pensador de tradição
pragmatista (performance-based).
74
Conclusão
75
Darwin Dewey
Linguagem identificada com língua Linguagem identificada com
(expressão verbal). significação (habilidade sêmica).
Mais próximo da linguística. Mais próximo da semiótica e da
semiologia.
Produto da evolução e Produto natural da experimentação
desenvolvimento estrutural do com os elementos do ambiente.
cérebro.
Favoreceu, através de seu uso, o É condição necessária da consciência
desenvolvimento do cérebro, o que e do raciocínio e favorece a evolução
gerou o surgimento de outras individual e social por meio de
habilidades cognitivas. atribuições de significados que sejam
funcionalmente eficazes, o que
transforma a própria rede de
significados
Segue a lógica da organização Segue a lógica da organização
recursiva (para o organismo e a recursiva (para o indivíduo e o
espécie). sistema).
Favoreceu o estabelecimento de Mantém a unidade sociocultural e
modos de vida mais cômodos, assim homem, tal como suas instituições,
como a unidade sociocultural do normas de conduta e valoração, e
homem. também promove seu avanço.
É uma habilidade aperfeiçoada pelo É uma habilidade aperfeiçoada pelo
exercício contínuo. exercício, experimentação e
validação.
É um dispositivo para a evolução da É um instrumento para a gestão
espécie. inteligente da vida e o avanço
humano.
Evolui historicamente, enquanto Evolui historicamente, enquanto
sistema, e individualmente, em efeito sistema, e individualmente, em efeito
recíproco. recíproco.
É hologramática quanto à evolução É hologramática quanto à evolução
por seleção natural. por seleção natural.
76
Observe que está implícito no tratamento de ambos sobre a linguagem que
esta, apesar de ser um atributo da experiência secundária, tem sua origem na
experiência primária. Mais que isso: note que o exercício da linguagem tem efeitos
sobre a experiência primária (em Darwin, a complexificação do cérebro; em Dewey,
a transformação dos elementos do meio), o que sugere que Darwin teve ciência do
retorno da experiência secundária à primária posteriormente sintetizado por Dewey.
Outros pontos de comunhão que devem ser notados são a compreensão de que o
exercício da linguagem tende a transformar os próprios meios que tornam seu uso
possível (o cérebro; o sistema) – organização recursiva – e que a linguagem é um
sistema que está sujeito às mesmas diretrizes do grande sistema em que o
organismo está inserido, a evolução por seleção natural – é hologramática.
77
REFERÊNCIAS:
_______. The influence of Darwin on philosophy and other essays. New York:
Henry Holt and Company. 1910.
JAMES, William. William James. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural.
1980.
JAMES, William. The Letters of William James. Boston: Atlantic Monthly Press.
2011.
78
PEIRCE, Charles S. Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Cambridge:
Harvard University Press. 1933-58.
i
1. We have no power of introspection, but all knowledge of the internal world is derived by
hypothetical reasoning from our knowledge of external facts.
79
human beings who better control their conditions and thereby more fully create themselves
(i.e. advance creative democracy).
vi
This formal activity which operates throughout a series of changes and holds them to a
single course; which subordinates their aimless flux to its own perfect manifestation; which,
leaping the boundaries of space and time, keeps individuals distant in space and remote in
time to a uniform type of structure and function: this principle seemed to give insight into the
very nature of reality itself. To it Aristotle gave the name είδος. This term the scholastics
translated as species.
[…] Genuinely to know is to grasp a permanent end that realizes itself through changes,
vii
holding them thereby within the metes and bounds of fixed truth. […] Since, however, the
scene of nature which directly confronts us is in change, nature as directly and practically
experienced does not satisfy the conditions of knowledge. […]
[…] Interest shifts from the wholesale essence back of special changes to the question of
viii
how special changes serve and defeat concrete purposes; shifts from an intelligence that
shaped things once for all to the particular intelligences which things are even now shaping;
shifts from an ultimate goal of good to the direct increments of justice and happiness that
intelligent administration of existent conditions may beget and that present carelessness or
stupidity will destroy or forego.
ix
The claim to formulate a priori the legislative constitution of the universe is by its nature a
claim that may lead to elaborate dialectic developments. But it is also one that removes
these very conclusions from subjection to experimental test, for, by definition, these results
make no difference in the detailed course of events. But a philosophy that humbles its
pretensions to the work of projecting hypotheses for the education and conduct of the mind,
individual and social, is thereby subjected to test by the way in which the ideas it propounds
work out in practice. In having modesty forced upon it, philosophy also acquires
responsibility.
x
The slight respect paid to larger and more pervasive kinds of empirical objects by
philosophers, even by professed empiricists, is apparent in the fact that while they have
discoursed so fluently about many topics they have discoursed little about discourse itself.
[…]
Upon the whole, professed transcendentalists have been more aware than have professed
empiricists of the fact language makes the difference between brute and man. The trouble is
that they have lacked naturalistic conception of its origin and status. Logos, has been
correctly identified with mind; but logos and hence mind was conceived supernaturally. Logic
was thereby supposed to have its basis in what is beyond human conduct and relationships,
and in consequence the separation of the physical and the rational, the actual and the ideal,
received its traditional formulation.
[…] Speech is thus regarded as a practical convenience but not of fundamental intellectual
significance. It consists of “mere words”, sounds, that happen to be associated with
perceptions, sentiments and thoughts which are complete prior to language. Language thus,
“expresses” thought as a pipe conducts water, and with even less transforming function than
is exhibited when a wine-press “expresses” the juice of grapes. The office of signs in creating
reflection, foresight and recollection is passed by. In consequence, the occurrence of ideas
becomes a mysterious parallel addition to physical occurrences, with no community and no
bridge from one to the other.
80
xi
[…] But they took the structure of discourse for the structure of things, instead of for the
forms which things assume under the pressure and opportunity of social cooperation and
exchange. They overlooked the fact that meanings as objects of thought are entitled to be
called complete and ultimate only because they are not original but are a happy outcome of a
complex history. […] They overlooked the fact that the import of logical and rational essences
is the consequence of social interactions […] Hence they conceived of ideal meanings as the
ultimate framework of events, in which a system of substances and properties corresponded
to subjects and predicates of the uttered proposition.
xii
Language is a natural function of human association; and its consequences react upon
other events, physical and human, giving them meaning or significance. Events that are
objects or significant exist in a context where they acquire new ways of operation and new
properties. Words are spoken as coins and money. Now gold, silver, and instrumentalities of
credit are first of all, prior to being money, physical things with their own immediate and final
qualities. But as money they are substitutes, representations, and surrogates, which embody
relationships. As a substitute, money not merely facilitates exchange of such commodities as
existed prior to its use, but it revolutionizes as well production and consumption of all
commodities, because it brings into being new transactions, forming new stories and affairs.
Exchange is not an event that can be isolated. It marks the emergence of production and
consumption into a new medium and context wherein they acquire new properties. Language
is similarly not a mere agency for economizing energy in the interaction of human beings. It
is a release and amplification of energies that enter into it, conferring upon them the added
quality of meaning. The quality of meaning thus introduced is extended and transferred,
actually and potentially, from sounds, gestures and marks, to all other things in nature.
Natural events become messages to be enjoyed and administered, precisely as are song,
fiction, oratory, the giving of advice and instruction. Thus events come to possess characters;
they are demarcated, and noted. For character is general and distinguished.
[…] Human beings illustrate the same traits of both immediate uniqueness and connection,
xiii
relationship, as do other things. […] Everything that exists in as far as it is known and
knowable is in interaction with other things. It is associated, as well as solitary, single. The
catching up of human individuals into association is thus no new and unprecedented fact; it is
a manifestation of a commonplace of existence. Significance resides not in the bare fact of
association, therefore, but in the consequences that flow from the distinctive patterns of
human association. There is, again, nothing new or unprecedented in the fact that
assemblage of things confers upon the assembly and its constituents, new properties by
means of unlocking energies hitherto pent in. The significant consideration is that
assemblage of organic human beings transforms sequence and coexistence into
participation.
xiv
Thus every meaning is generic or universal. It is something common between speaker,
hearer and the thing to which speech refers. It is universal also as a means of generalization.
For a meaning is a method of action, a way of using things as means to a shared
consummation, and method is general, though the things to which it is applied are particular.
The meaning, for example, of portability is something in which two persons and an object
share. But portability after it is once apprehended becomes a way of treating other things; it
is extended widely. Whenever this is a chance, it is applied; application ceases only when a
thing refuses to be treated in this way. And even the refusal may be only a challenge to
develop the meaning of portability until the thing can be transported. Meanings are rules for
using and interpreting things; interpretation being always an imputation of potentiality for
some consequence. […] generalization is carried spontaneously as far as it will plausibly go;
usually much further than it will actually go. A newly acquired meaning is forced upon
81
everything that does not obviously resist its application, as a child uses a new word
whenever he gets a chance or as he plays with a new toy. Meanings are self-moving to new
cases. In the end, conditions force a chastening of this spontaneous tendency. The scope
and limits of application are ascertained experimentally in the process of application.
xv
A requests B to bring him something, to which A points, say a flower. There is an original
mechanism by which B may react to A’s movement in pointing. But natively such a reaction
is to the movement, not to the pointing, not the object pointed out. But B learns that the
movement is a pointing; he responds to it not in itself, but as an index of something else. His
response is transferred from A’s direct movement to the object to which A points. Thus he
does not merely execute the natural acts of looking or grasping which the movement might
instigate on its own account. The motion of A attracts his gaze to the thing pointed to; then,
instead of just transferring his response from A’s movement to the native reaction he might
make to the thing as stimulus, he responds in a way which is a function of A’s relationship,
actual and potential, to the thing. The characteristic thing about B’s understanding of A’s
movement and sounds is that he responds to the thing from the standpoint of A. He
perceives the thing as it may function in A’s experience, instead of just ego-centrically.
Similarly, A in making the request conceives the thing not only in its direct relationship to
himself, but as a thing capable of being grasped and handled by B. He sees the thing as it
may function in B’s experience. [...] B, upon hearing A, makes a preparatory reaction of his
eyes, hands and legs in view of the consummatory act of A’s possession; he engages in the
act of grasping, carrying and tendering the flower to A. At the same time, A makes a
preparatory response to B’s consummatory act, that of carrying and proferring the flower.
Thus neither the sounds uttered by A, his gesture of pointing, nor the sight of the thing
pointed to, is the occasion and stimulus of B’s act; the stimulus is B’s anticipatory share in
the consummation of a transaction in which both participate. [...]
xvi
[…] The regulative force of legal meanings affords a convenient illustration. A traffic
policeman holds up his hand or blows a whistle. His act operates as signal to direct
movements. But it is more than an episodic stimulus. It embodies a rule of social action. Its
proximate meaning is its near-by consequences in coordination of movements of persons
and vehicles; its ulterior and permanent meaning – essence – is its consequence in the way
of security of social movements. Failure to observe the signal subjects a person to arrest,
fine or imprisonment. The essence embodied in the policeman’s whistle is not an occult
reality super-imposed upon a sensuous or physical flux and imparting form to it; a mysterious
subsistence somehow housed within a psychical event. Its essence is the rule,
comprehensive and persisting, the standardized habit, of social interaction, and for the sake
of which the whistle is used. […]
xvii
[...] Suppose a person in New York State shoots a bullet across the New Jersey line, and
kills some one in that state; or sends poisoned candy by mail to some one in California who
dies from eating it. Where is the crime committed? The guilty person is not within the
jurisdiction of the State where the death resulted; hence, his crime by definition, was not
committed in that State. But since the death did not occur where he was bodily present at the
time, no crime occurred in that jurisdiction, locus being defined in terms of the abode of the
agent. The essense, extradition, does not apply because there is no crime for which to
extradite him. In short, because of the accepted meaning of jurisdiction, no crime has been
committed anywhere. Such an outcome is evidently prejudicial to the integrity and security of
human association and intercourse. Thus the element of transaction in an act is noted; an act
initiated within a given jurisdiction becomes a crime when its obnoxious consequences occur
outside. The locus of the act now extends all the way from New York to California. Thus two
independent particular events capable of direct observation, together with a connection
82
between them which is inferred, not directly observable, are now included in so simple a
meaning as that of the locus of an act. [...] Furthermore a system of legal meanings is
developed by modifying different ones with a view to consistency or logical order. Thus the
meanings get more independent of the events that led up to them; they may be taught and
expounded as a logical system, whose portions are deductively connected with one another.
xviii
[...] What is a Corporation, a Franchise? A corporation is neither a mental state nor a
particular physical event in space and time. Yet it is an objective reality, not and ideal Real of
Being. It is an objective reality which has multitudinous physical and mental consequences. It
is something to be studied as we study electrons; it exhibits as does the latter unexpected
properties, and when introduced into new situations behaves with new reactions. It is
something which may be conducted, facilitated and obstructed, precisely as may be a river.
Nevertheless it would not exist nor have any meaning and potency apart from an interaction
of human beings with one another, an interaction in which external things are implicated. As
legal essence, or concerted method of regulated interaction, corporation has its own and its
developing career.
xix
But Dewey goes further. Language is a necessary condition, according to him, for the
existence of individual consciousness: men without speech would be animals unable to think-
dumb in both senses of the word. "Communication," he says, "is a condition for
consciousness" (EN 187), and all but the most primitive and inarticulate of "psychic events"
have "language as one of their conditions" (EN 169). Since language is a social product, and
consciousness presupposes language, mental activity is partly a social product: "mind
emerges" when conversation is transformed into soliloquy (EN 170). The "higher" the mental
process, the more complex and sophisticated it is, the more intimate is its dependence upon
language: words have the function of "creating reflection, foresight and recollection" (EN 169,
italics inserted); language has "the special function . . . of effecting the transformation of the
biological into the intellectual and the potentially logical" (L 45).
xx
[...] the functional approach, as we may label Dewey’s procedure, is certainly one
legitimate way of arriving at a synoptic and comprehensive view of a structure. […] I am
taking Dewey to be engaged in showing how language works, i.e., how the character and
organization of linguistic elements and their position in context of human activity contribute to
the execution of personal and social tasks. […]
xxi
Dewey’s sustained emphasis upon the context in which words are used seems to me
wholly admirable. Only it may be doubted whether Dewey’s simple paradigm of response to
the expressed wishes of another will take us very far. When mother wants baby to show how
clever he is by reaching for the ball, the situation is clear enough. But there is an enormous
gap between this and, say, the familiar linguistic performance of telling someone the time.
What is here the “common purpose”? To say that it is the purpose of informing and being
informed about the correct time is trivial and unilluminating. For what is in question is just
what kind of thing telling the time is. Of course, we already know the answer, in a fashion that
could hardly be bettered by verbal description; we know how to “tell the time” and could
enumerate the details of the procedure at tiresome length. But what is added to our common-
sense understanding of this kind of situation if we are told that it is an instance of cooperative
action, of a shared common purpose, and so on? At this point the philosophical formula of
meaning as social activity threatens to degenerate into an automatic gloss. Consider a more
complex case, say that of giving a promise. Here, emphasis upon cooperation, shared
purposes, and the like may deflect our attention from aspects of the promise-giving situation
that are worth noticing – I mean such things as the existence of a background institution, the
relevance of shared presuppositions, the connection of the act of promising with subsequent
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consequences in the way of blame, excuse, and so on. Attention to these factors can lead us
to a clearer view of what promising amounts to; and in such case, I suspect Dewey’s
framework might be a hindrance.
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