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CAIPIRA PICANDO FIJE'C

Pré-Modernismo 1 893, de Almeida Júnior, dez no Brasil


Enquanto o movimento impressionista atingiu o ápice na França e em outros países europeus, no
Brasil o Realismo ainda caminhava a passos lentos. Na década de 1870, o Neoclassicismo e o
Romantismo ainda se mantinham para atender à demanda dos aristocratas do Segundo Império.
Enquanto na Europa a arte já havia ultrapassado a denúncia social, aqui permanecia alheia, ainda, aos
movimentos ideológicos.
O período pré-modernista no Brasil começa a ser delineado com as crises na Academia Imperial de
Belas-Artes, no final do Segundo Império, fato indicador da busca por uma nova pintura, que atingiu a
maturidade com a produção eclética dos artistas que, ao estudarem na Europa, tomaram contato com
os diversos movimentos artísticos contemporâneos e, passo a passo, foram rompendo com os temas e
as formas. As consequências desse caminhar atingiram o auge com o movimento modernista apenas
na segunda década do século XX.
Rodolfo Amoedo
Como surgiu (1 857-1941 ),
Os artistas realistas no Brasil transitaram entre a pintura academicista e Belmiro de
as tendências europeias, das quais tomaram conhecimento em viagens, Almeida (1858-1
cursos e estadias na França e na Itália. Almeida Júnior (1850-1899), 935), a família

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Bernardelli, Eliseu Visconti (1 866-1 944)/ entre outros, produziram obras LINHA DO
acadêmicas, como retratos, pinturas históricas, mas também paisagens e
pinturas de género, utilizando temas realistas burgueses e a técnica do
pontilhismo neoimpressionista.
Um passo importante para a ruptura académica foi o reconhecimento
da pintura de paisagem feita pelo pintor alemão Johann Georg Grimm
(1846-1887), que desafiou a Academia Imperial de Belas-Artes
promovendo a pintura ao ar livre, tão largamente utilizada pelos
impressionistas franceses. De seus seguidores, surgiram importantes -

paisagistas.
Quanto ao Realismo, José Ferraz de Almeida Júnior introduziu o tema
na arte brasileira ao pintar tipos populares, camponeses e caipiras
inseridos em paisagens interioranas. Já Belmiro de Almeida trouxe o
Realismo para as cenas urbanas.
O nome que contribuiu de maneira decisiva para a implementação do TEMPO
impressionismo no Brasil foi Eliseu Visconti, artista ítalo-brasileiro. Para Os
LINEAR
estudiosos, a obra de Visconti é uma transição definitiva para algumas
1882-84
experiências sensíveis da modernidade.
PR*IMPRESSIONISMOI
No Segundo Império, a partir de 1 840, inicia-se um período de grande
incentivo à formação dos artistas nacionais. Destacam-se Victor Meirelles,
neoclássico, e Pedro Américo, romântico (ver cap. 1 9).

PRÉ-MODERNISMO NO BRASIL 247


GEORG GRIMM, PROFESSOR NR ACADEMIA IMPERIALbE BELAS*ABTES} 1884 «GRIMM ROMPE COM A regiã
AIBA E FORMA O GRUPO GRIMM. o. A
1886 ALMÉjDAJClNlOR kECUSA CONVITE,PARA SER PROFESSOR NA AIBA. Acad
1888 V[SCPNTI ABANDONAA AIBA E INÍEÇRA O ATELIÊ LIVRE, 1889 FIM
DOSEGUNDOIMPÉRIO E PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA. emia
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1893 REALISMO NACIONAL} ALMEIDA JUNIOR E BELMIRO DE AVMEIDA,
ordo
u
com
seu
A história do tempo Ateliê Livre
espaço paralelo de ensino e
Georg Grimm, artista viajante, fez sucesso ao expor suas trabalho de arte onde os artistas
obras em 1 882, fato que lhe rendeu o convite para lecionar procuraram chamar a atenção para
a defasagem do ensino acadêmico.
paisagem na AIBA. Grimm saía todas as tardes com seus Propunham uma modernização
alunos, entre eles Antonio Parreiras (1860-1937) e Giovanni curricular, tendo como modelo a
Academie Julian.
Castagneto (1 851-1900), para pintar ao ar livre pelas matas da
procedimento e o dispensou. Grimm formou com seus alunos um FAZENDA DO BELÉM,
Georg Grimm, 1886. grupo de artistas que procuravam alternativas para a pintura de
paisagem. Sentindo-se livre das regras acadêmicas, Grimm se permitiu ousar e começou a
registrar, sob encomenda, as paisagens das fazendas de café do Vale do Paraíba.

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Os temas
Paisagens
Na obra de Antonio Parreiras,
destaca-se a produção histórica,
mas seu percurso paisagístico
mostra a busca pelo tratamento da
luz natural na composição.
Das paisagens amplas, Parreiras
foi alterando sua percepção e
passou a trabalhar com cenas
enquadradas e sombras em
primeiro plano.

CANTO DE PRAIA, de António Parreiras,


1 886, óleo sobre tela, 55,4 x 99,4 cm,
Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de
Janeiro.

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PAISAGEM, Antonio Parreiras, 1923,
óleo sobre tela, 103,5 x 165 cm, Museu de
Arte da Bahia, Salvador.
PAISAGEM COM RIO, João Batista da costa,
1 909, óleo sobre madeira, 23 x 41 cm,
Coleção Nagib Ribeiro, Rio de Janeiro.

Na fatura de João Batista da Costa (1865-1926), a luz


fica em primeiro plano e as sombras são usadas entre
os elementos para representar os volumes. A
perspectiva na linha do horizonte, que divide o céu e a
terra, contrapôe os elementos verticais entre os planos.
Giovanni Batista Castagneto, outro discípulo de
Grimm, preferiu as marinhas com soluções pictóricas
equilibradas e rítmicas nos valores dos tons.

Arte é movimento
Tal como aconteceu com os pintores europeus
impressionistas, a fotografia teve um papel
preponderante entre os artistas acadêmicos e realistas
no Brasil. A prática da fotografia se intensificou no país,

250
sendo abertos vários estúdios nas principais cidades já
na segunda metade do século XIX.

MARINHA, João Batista Castagneto, 1896, óleo sobre madeira,


Museu Castro Maya, Rio de Janeiro.

Dentre os estúdios fotográficos mais conhecidos, destacam-se o de


Ferrez, no Rio de Janeiro, e o de Militão Augusto de Azevedo (1837-
1905) , em São PauIo. Marc Ferrez (1843-1923) foi um dos pioneiros
do cinema no Brasil, quando abriu com seus filhos, os fotógrafos Júlio
e Luciano, o cinema Pathé, no ano de 1 907, na atual Avenida Rio
Branco, centro do Rio de Janeiro. Seu neto Gilberto Ferrez foi escritor,
historiador e fotógrafo.
Em São Paulo, Militão de Azevedo tinha um estúdio no Largo do
Rosário e fotografou Castro Alves, Dom Pedro II, Joaquim Nabuco,
entre outros, além de ter formado importante acervo de fotografias
paisagísticas sobre a cidade de São Paulo no final do século XIX, com
mais de 12 mil fotos. Algumas podem ser apreciadas no acervo digital
da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, no site Tesouros de
São Paulo.

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Segundo Tadeu Chiarelli, os artistas que tomavam a fotografia para
a produção de suas obras seriam August Müller (1 815-1883), Almeida
Jr., Rodolfo Amoedo e Benedito Calixto (1853-1927), entre outros.
Ainda segundo o autor, a fotografia no Brasil do século XIX serviu de

Um fato curioso
Os retratos
Como diz Sergio Miceli, "retratos são imagens
negociadas tratados". Na arte pré-modernista, o artista tementre os artistas e os
um problema: essa negociação. A solução geralmente reencontrar
é meios para
encontrada no se torna a mídia entre o retratado olhar e o de quem retrata,
espectador, (Imagens elite brasileira, 1920-40. São Paulo:
que negociadas: retratos
Companhia das Letras, da
1996.)

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171 A DAMA DE VERDE, Arthur Timótheo da costa,


tela, 50 x 67 cm. Museu de Arte de São Paulo. 1908. Óleo sobre
"elemento estruturador da imagem", especialmente dos retratos.
(História da arte/ história da fotografia no Brasil sécu-
Io XIX: algumas considerações. Publicado pela ARS, vol. 3, n. 6, São Paulo,
2005.)

eiro-

Pintura de gênero espectador. A narrativa da cena ao


lado apresenta um toque jocoso e
O pintor e gravador gaúcho Pedro Weingartner (1853- divertido, complementado pelo título
1929) foi professor da Escola Nacional de Belas-Artes. A da obra.
pintura de gênero e de narrativa de Weingartner
representa o cotidiano dos imigrantes com clareza e
detalhamento técnico. A perspectiva plana e a
luminosidade bem estruturada sobre a disposição dos
elementos na composição aproximam o tema do

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ARRUFOS, Belmiro de Almeida,
A técnica 1887, óleo sobre tela, 89,1 x 1 16,1
cm. Museu Nacional de Belas-Artes,
Rodolfo Amoedo foi romântico ao pintar temas Rio de Janeiro.
indígenas, mas realista em algumas cenas urbanas. CHEGOU TARDEI, Pedro Weingartner, s.d.,
A obra Arrufos, de Belmiro de Almeida, causou óleo sobre tela, 74,5 x 100 cm, Museu Nacional
impacto na Exposição Geral de Belas-Artes de 1890 ao de Belas-Artes, Rio de Janeiro.
representar uma cena familiar com um toque irónico e
instigante. A fatura é clara e definida, sem empastamento
ou manchas, distanciando-a do Impressionismo e
aproximando-a do Realismo.
A noção de transitoriedade, a captação do momento e
a luminosidade características da fotografia serviram de
inspiração aos impressionistas franceses. Esses mesmos
conceitos parecem ter inspirado Almeida Júnior em suas
obras de cunho realista. Ao captar o movimento de um
personagem e ao cuidar dos efeitos de luz na composição,
o artista inseria as figuras em seus espaços e tempos.

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P9à JULIETE, Rodolfo Amoedo, 1914, óleo sobre madeira, 27 x 20 cm,
Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora.
AMOLAÇÃO INTERROMPIDA, Almeida
Júnior, 1894 óleo sobre tela, 61 x 46 cm,
Pinacoteca do Estado de São Paulo.
C
OZIN
HA
CAIPI
RA,
Almei
da
Júnio
r,
1895,
óleo
sobre
tela,
63 x
87
cm,
Pinac
oteca
do
Estad
o de
São

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Paulo
.

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Um fato curioso
Quatro paus
De acordo com um dos biógrafos de Almeida Júnior, Vicente Azevedo, o artista
não apreciava fazer retratos sob encomenda; delegava a tarefa a seus alunos.
Outra particularidade do artista era seu costume de, conforme Maria Cecília França
Lourenço, "realizar pequenas telas para tomada do tema diretamente do natural,
ao invés do desenho t...]" (Almeida Júnior, um artista revisitado. São Paulo,
Pinacoteca do Estado, 2000). Vicente Azevedo ainda afirma que o "modelo" de sua
obra Caipira picando fumo foi um caboclo conhecido pelo apelido de Quatro Paus,
carta valiosa do jogo de baralho, que, segundo o autor, seria uma pessoa muito
habilidosa ou valente (Almeida Júnior: o romance do pintor. São Paulo: Própria, 1
985. p. 63).

CAIPIRA PICANDO
FUMO (e estudo), Almeida
Júnior, 1893, óleo sobre
tela, 70 x 50 cm, Pinacoteca
do Estado de São Paulo.

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DIÁLOGOS
Contrastes
A obra Os excluídos, de Nelson Screnci (1 955), criada em 1999 é uma releitura
declarada do quadro Caipira picando fumo, de Almeida Júnior. Para Screnci, "um
dos aspectos mais relevantes da grande obra de Almeida Júnior é a representação
pioneira de um país de contrastes".
Entre os macchiaio/is (ver cap. 22), pintores
impressionistas italianos, a técnica impressionista se aliou
ao tema realista numa situação semelhante ao que
ocorreu com os artistas brasileiros desse período.
A obra de Henrique Bernardelli apresenta indícios da
influência dos macchaio/is tanto pelo tema como pela
fatura pictórica. Aluno de Domenico Morelli, Henrique
Bernardelli (1858-1936) trouxe o realismo, o uso da luz e
as manchas coloridas para sua pintura.

258
B
OM
TEMP
O,
Belmi
ro de
Almei
da,
1893,
óleo
sobre
tela,
151,6
x 89,6
cm,
Muse
u
Nacio
nal
de
Belas
-
Artes,
Rio
de
Janeir
o.

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HENRIQUE BERNARDELLI, autorretrato, 191 6, óleo sobre madeira,
25,5 x 20 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
No retrato pré-modernista, a técnica prioriza a luz que
dialoga com a expressão facial e a postura corporal do
retratado. O pintor Eliseu Visconti estendeu seus estudos
às luzes e manchas impressionistas.

260
as
ELISEU VISCONTI, autorretrato, óleo sobre tela, 40 ARTHUR THIMÓTEO DA COSTA,
autorretrato, x 33 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. 1 908, óleo sobre tela, 41 x 33
cm, Pinacoteca do
Estado de São Paulo.

Ao ser convidado para decorar o Teatro Municipal do


Rio de Janeiro, em 1 905, que ainda estava em construção,
Visconti realizou estudos técnicos sobre luzes e efeitos
visuais. Sua primeira obra, Jardim de Luxemburgo, foi um
estudo para outra pintura de mesmo título que, por sua
vez, serviu de estudo para a obra-prima Maternidade.

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MATERNIDADE, Eliseu Visconti,
1906, óleo sobre tela, 165 x 200 cm,
Pinacoteca do Estado de São Paulo.

A influência impressionista permaneceu entre


os artistas das primeiras décadas do século XX.
Entre eles, destacou-se a obra impressionista da
pintora Georgina de Moura Andrade Albuquerque
(1885-1 962), nascida em Taubaté, interior de São
Paulo. Na obra Dia de verão, o uso das cores
quentes traz movimento e ritmo à composição. As
luzes e as sombras em tons amarelos lembram a
técnica dos impressionistas franceses, quando
utilizavam as cores para o sombreamento. O
contraste entre as cores complementares verde e
vermelho complementa a dinamicidade da fatura.
Belmiro de Almeida e Eliseu Visconti se
apropriaram do pontilhismo, técnica desenvolvida
pelos neoimpressionistas Georges Seurat e Paul
Signat (ver cap. 22). Na obra Efeitos do sol, de
Belmiro de Almeida, desaparece o uso do claro-
escuro acadêmico, presente em outros trabalhos;

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as cores são manchas que se confundem e os tons
definem a profundidade da paisagem.
DIA DE VERÃO, Georgina de Albuquerque, 1920,
óleo sobre tela, 130 x 89 cm, Museu Nacional de
Belas-Artes, Rio de Janeiro.

Eliseu Visconti utilizou o pontilhismo (divisionismo)


para decorar o Teatro Municipal do Rio Janeiro. Ciente dos
efeitos visuais da técnica, Visconti decorou o painel central
do foyer do teatro, restaurado no aniversário de primeiro
centenário do prédio.

História do tempo
Os irmãos Henrique (1858-1936) e Rodolfo Bernardelli
(1852-1931) foram artistas de destaque tanto na Academia
Imperial de Belas-Artes como na EscoIa Nacional de Belas-
Artes, da qual Rodolfo foi diretor por 25 anos.
Posteriormente, em 1931, surgiu um grupo de artistas que
se autodenominou Núcleo Bernardelli, em homenagem
aos irmãos.

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Rodolfo é considerado o escultor "moderno" da
Primeira República. Sua obra traz semelhanças com a obra
de Rodin, escultor impressionista francês. O contraste das
texturas e a "impressão" de uma obra inacabada
provocam o olhar e a imaginação do espectador.

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ar as

tre

pla
CRISTO E A MULHER ADÚLTERA,
Rodolfo Bernardelli, 1884, mármore de
Seravezza, 202 x 1 16 cm, Museu Nacional de
Belas-Artes, Rio de Janeiro.
rie,

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