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RESUMO
1
Agradecemos ao CNPq o Auxílio Financeiro ao projeto.
Assim, Lefebvre aponta essa oposição constante entre o vivido pelos habitantes, o espaço
cotidiano e sensorial, e o concebido por autoridades políticas e imobiliárias, estas sempre
reivindicando um novo momento para o espaço público. Retomando o conceito de urbano
de Lefebvre, Delgado (2014) expõe como o vivido e o percebido sempre escapam à
ordenação racional, exposto em toda problemática das cidades, com seus encontros,
simultaneidades e multiplicidades. "Los espacios sociales se compenetran, se interfieren, se
superponen, incluso cuando se antojan separados por muros, puesto que ni siquiera estos
pueden evitar la circulación de los fluidos que no dejan de recorrerlo."(DELGADO, 2014, p.
5). Assim, a cidade, “[...] apesar da uniformização de sua configuração produzida pela
semelhança dos projetos urbanos, torna sempre possível uma subversão do olhar, ela nos
incita à descoberta de outras figuras do tempo [...]" (JEUDY, 2005, p. 108).
Aqui entendemos que o espaço apresenta-se como núcleo das tensões sociais que
atravessam a cidade, assumindo o que autores de diversas áreas do conhecimento
entendem conceitualmente como "lugar", este permeado por culturas, polissemias,
memórias, inventos, modos de vida e de trabalho. Neste viés, a fotografia possibilita
entrever a formação destes lugares e seus tensionamentos a partir de um olhar que se
distancie das imagens homogêneas e límpidas celebradas tanto pela publicidade quanto
pela gestão oficial do patrimônio, problematizando questões, mas sem que negue o ponto
de vista subjetivo do pesquisador diante destes cenários. A escolha dos objetos de pesquisa
parte assim de uma posição metodológica e de um olhar sobre o espaço urbano enquanto
produto das relações sociais - tentando superar com isso o olhar técnico sobre o espaço
concebido que enfatiza unicamente nuances de estilos arquitetônicos ou as delimitações
urbanísticas.
A Rua da Bahia, via que faz a ligação entre a Praça da Estação e a Praça da
Liberdade, possui uma histórica relação afetiva com os citadinos através da constituição de
espaços públicos e privados de referência desde os primeiros anos da capital mineira, local
de manifestações artísticas e políticas realizadas em diferentes momentos do século XX,
evocado na literatura e na imprensa. Num contexto global e nacional de valorização do
patrimônio a partir de uma ideia de deterioração do centro de Belo Horizonte como um todo,
a Rua da Bahia foi alvo do poder público municipal na década de 1990 de propostas de
intervenções diversas (tombamentos, despoluição visual, inserção de monumentos, estátuas
e placas de informação histórica, criação de um Eixo Cultural de integração de atividades e
espaços e funcionamento como Rua 24 Horas). Apesar das ações terem sido parcialmente
efetivadas até 2003, tal processo foi bem-sucedido no sentido de eleger uma história oficial,
edificações de destaque e modo de vida a ser recuperado, com claro recorte para a década
de 1920 - auge da relação dos chamados modernistas mineiros com tal via, como Carlos
Drummond de Andrade e Pedro Nava - ainda assim não abarcando a prosa mais enviesada
e menos enaltecedora da rua publicada pelos escritores. Num processo de retomada
cultural e simbólica do centro, nos últimos anos, antigas edificações da Rua da Bahia
também passaram a abrigar espaços culturais, como o Museu Inimá de Paula (2008).
A gestão patrimonial assume assim a missão de construir uma memória oficial, exemplar, de
coesão social (JEUDY, 2005), que leva mesmo a um "paradoxo: o mais autenticamente
moderno hoje seria o passado histórico" (HARTOG, 2014, p. 234), com a produção de
lugares do patrimônio histórico construindo identidades:
Porém, como o próprio autor pondera, numa condição ambígua e mesmo atravessada pela
comercialização da cultura, a perda desta aura não impede, como reforça, estratégias
Nesse viés, ao assumir sua construção subjetiva, mas também propondo parâmetros
conceituais, a fotografia como ferramenta de pesquisa oferece contraponto às imagens
consagradas e institucionalizadas de espaços da cidade, exatamente por incorporar
imageticamente as diferentes temporalidades, contradições e signos do devir histórico e
social que se condensam no momento do registro. Em seu estudo das vistas urbanas, Zita
Possamai salienta que as mesmas são fragmentos que “recortam o espaço da cidade de
acordo com o quadro delimitado na imagem fotográfica, do qual são excluídos diversos
elementos que fizeram parte da realidade apenas naquele momento em que se apertou o
botão” (POSSAMAI, 2008, p.73). Esse mesmo processo de delimitação é apontado por
Charles Monteiro a partir de sua leitura do trabalho de Ana Maria Mauad, indicando que se
certas imagens predominam, outras ficam “fora do quadro fotográfico” inclusive quando se
trata de publicar essas imagens “[...] criando séries e narrativas que enfatizam determinados
códigos de representação sociais de certos grupos urbanos excluindo outros” (MONTEIRO,
2006, p.16). Estes processos participam da construção social da memória, e os objetos
captados pelas lentes da câmera são elevados à condição de monumentos modernos
Daí nossa ênfase recair sobre o que é praticado no espaço, dando mais foco aos sujeitos e
suas ações do que ao cenário.
Os registros fotográficos dos quais fazemos uso neste trabalho foram realizados num
primeiro momento como atividades de campo do Nucleurb/CCNM, grupo de pesquisa
vinculado à UFMG, com estudos que já subsidiaram dissertações em História e Arquitetura,
assim como apresentações em eventos, publicações de artigos e livro, com variados
enfoques e abordagens. As imagens foram produzidas em diferentes momentos e períodos
do dia entre 2013 e 2015, sempre procurando recortes/enquadramentos que
problematizassem a relação dos citadinos, estabelecimentos e eventos com os espaços alvo
de políticas do patrimônio, a partir de categorias de análise e reflexões teóricas que
norteiam o grupo de pesquisa.
Foto 1. Luiz H. Garcia. 28/11/2013; Foto 2. Elena Rivero. 09/09/2014. Arquivo Nucleurb/CCNM.
Foto 3. João Marcos Veiga. Detalhe de intervenção irreverente no Monumento a Rômulo Paes, na rua
da Bahia. 10/01/2015; Foto 4. Luiz H. Garcia. “Polícia Militar venha protestar com nós”, inscrição em
toten instalado na Praça da Liberdade. 24/10/2013. Arquivo Nucleurb/CCNM.
Neste sentido muitas vezes nos encontramos com situações onde não sabemos ao certo se
estamos frente a uma intervenção artística ou frente a uma situação originada pela própria
dinâmica da cidade.
Foto 11. João Marcos Veiga. Efetivo policial na Praça da Estação. 15/10/2014. Foto 12. João Marcos
Veiga. Estátuas de Pedro Nava e Drummond na Praça do Encontro.10/01/2015. Arquivo
Nucleurb/CCNM.
Conclusão
Por fim, a reunião das fotografias produzidas pelos pesquisadores intenta criar uma
possibilidade de representação da dinâmica urbana aberta a discussões e interações,
constituindo documentação útil a alternativas diversas de pesquisas, podendo inclusive ser
incorporados aos acervos de arquivos e museus, constituindo novas coleções e servindo
como fontes que possibilitam outras leituras sobre a cidade.
Referências.
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urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. 2010. 419 f. Tese (Doutorado) - UFMG,
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CANCLINI, Néstor García. Culturas hibridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
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GUPTA, Akhil; FERGUSON, James. Mais além da "cultura": espaço, identidade e política da
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JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das Cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
LEITE, Rogério Proença. Contra-usos da cidade. Campinas, São Paulo: UNICAMP, 2007.
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