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A Cultura Indígena e a

Geometria: Aprendizado pela


Observação

Brazilian Native Culture and Geometry: Learning by


Observation

Arno Bayer
Beatriz Petrella dos Santos

RESUMO
Este artigo trata de um estudo sobre os conhecimentos de geometria utilizados pelos indíge-
nas na construção de cestos artesanais com motivos geométricos. Esses indígenas pertencem ao
grupo Mbyá-guarani e encontram-se acampados junto à BR-116 entre Barra do Ribeiro e Tapes, no
Rio Grande do Sul. Para isso foi necessário um acompanhamento mais detalhado, através de visitas
semanais ao acampamento indígena para observar todas as etapas da construção de cestos.
Palavras-chave
Palavras-chave: conhecimento, geometria, indígenas, etnomatemática.

ABSTRACT
This article is about the informal knowledge in geometry used by native Brazilians when making
handicrafted baskets with geometrical motives. Those natives belong to the tribe “Mbyá-guarani”and
settled in a camping along the road BR-116 between Barra do Ribeiro and Tapes, in Rio Grande do
Sul. To conclude the studies, it was necessary a detailed attendance, with weekly visits to their
camping to observe all the stages to build the baskets.
Key words
words: knowledge, geometry, natives, ethnomathematics.

um mesmo cesto, e diferenciado em rela-


Introdução ção aos demais cestos.
Os cestos construídos pelos indígenas Ao fazer esses cestos utilizam o en-
do grupo Mbyá-guarani apresentam moti- trelaçamento de tiras de bambus. Os de-
vos geométricos semelhantes ao redor de senhos com formas geométricas são cria-

Arno Bayer, doutor em Ciência da Educação pela Universidade Pontifícia de Salamanca. Professor do Curso de
Matemática e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA.
Beatriz Petrella dos Santos, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática
da ULBRA

ACTA
ACTA Canoas
– v.5 – n.2
SCIENTIAE
SCIENTIAE v.5
– jul./dez. 2003 n.2 p. 17 - 27 jul./dez. 2003 17
dos através do entrelaçamento de tiras co- Geometria e conheci-
loridas.
Ao observar as faixas coloridas de cada mentos implícitos
cesto, percebe-se que possuem conheci- Ao observar diversas famílias de indí-
mentos geométricos. genas acampadas na beira da rodovia em
Durante as visitas feitas ao acampamen- direção a Tapes, percebe-se a dificuldade
to indígena, fez-se um acompanhamento da em que vivem, conforme se pode observar
construção dos cestos feitos pelos adultos e através da figura 1. Armam barracos em
a construção dos cestos feitos pelas crianças, estado precário à margem de riachos ou
envolvendo a preparação do material utili- represas, vendendo cestos artesanais para
zado, a técnica do entrelaçamento das tiras sobreviver. Povo, que anos atrás, sabia con-
de bambus, tingimento das tiras, finalizan- viver com a natureza, sempre tendo respeito
do com a construção da tampa. e preservando o meio em que vivia.

Figura 1: Acampamento na rodovia BR-116

Ao analisar este contraste é marcante existência através de explicações e de criação


a presença dos cestos muito coloridos que (ou criatividade como comumente se diz), está
são construídos com variados motivos ge- presente em todas as civilizações e sistemas
ométricos. culturais através dos tempos.
Os cestos artesanais apresentam for- Provavelmente, os indígenas sentindo
mas de diferentes sólidos geométricos, bem necessidade de construir algo que facilitas-
como, faixas com figuras geométricas. Es- se o transporte de frutas, caça ou até mes-
tas figuras, no mesmo cesto se mantêm mo para armazenar alimentos criaram o
conservando as mesmas características. cesto. Com a vinda da civilização do homem
Ao referir-se sobre desempenhar na re- branco que passou a ocupar suas terras, o
alidade dentro de um contexto cultural pró- seu domínio, os indígenas foram forçados
prio, D’Ambrósio (2002, p.10) salienta que: a criar alternativas para continuar a existir.
A dupla necessidade da espécie homo sapiens Eram hábeis na construção de cestos
de ter que lidar com situações que a realida- e conseguindo extrair tintas do meio em
de propõe para poder sobreviver e ao mesmo que viviam, passaram a colorir os cestos
tempo procurar transcender a sua própria tornando-os mais bonitos e chamando a

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atenção do homem branco que passou a vem, modifica-se constantemente.
utilizá-los como peças decorativas. O grupo indígena Guarani, na época
As diversas figuras geométricas que os da chegada dos europeus ao Brasil viviam
indígenas criam em cada cesto, através das nas regiões entre os rios Uruguai, Iguaçu e
tramas de bambus, certamente apresentam leste do rio Paraná que, hoje, temos sul de
significativas diferenciações em relação as Mato Grosso, oeste de São Paulo, Paraná,
de algum tempo atrás, em conseqüência Santa Catarina, Rio Grande do Sul, norte
da evolução gradativa dos conhecimentos da Argentina e Uruguai, os quais podem ser
informais visto que o contexto em que vi- identificados no mapa da figura 2.

Figura 2: Algumas regiões ocupadas pelos Guarani

Os Guarani adquiriram diversos co- BR-116 entre Barra do Ribeiro e Tapes,


nhecimento e técnicas européias, no perí- estão acampados indígenas pertencentes
odo de domínio espanhol, em grande par- ao grupo Mbyá-guarani, que procuram
te das regiões que viviam, porém eram fa- sobreviver da venda de cestos construídos
cilmente capturados por bandeirantes com bambus. Cestos que apresentam de-
paulistas e fazendeiros paraguaios. senhos geométricos coloridos, sendo que
Nesta época alguns grupos se mantive- todos do mesmo cesto são semelhantes.
ram independentes. Com a destruição das Estes desenhos vão sendo formados com
missões os indígenas não capturados fugi- tiras de bambus coloridas que chamam de
ram e se juntaram a esses grupos, outros fo- adjacá preeá, como mostra a figura 3.
ram para o Paraguai, Bolívia ou Argentina. Todo trabalho é feito usando como medi-
No Rio Grande do Sul, ao longo da da padrão, o palmo.

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Figura 3: Bambus e adjacá preeá

A construção de um cesto é iniciada como mostra a figura 4. Existe um cuida-


por 27 tiras com seis palmos e meio de do muito grande por parte deles para que
comprimento. Estas tiras são entrelaçadas a figura formada na base do cesto tenha os
de três em três até que se forme um qua- quatro lados iguais, realizando a medição
drado que servirá de base para o cesto, com um outro pedaço de bambu.

Figura 4: Tiras entrelaçadas para formar a base do cesto.

Confirmadas as medidas do quadra- 90º (ângulo reto). Esta preocupação já


do, é colocado sobre ele um X em bambu demonstra um conhecimento informal
passando a ser as diagonais deste qua- de matemática, pois nunca tiveram
drado, portanto formando um ângulo de ensinamentos formais sobre geometria.
90º entre os dois pedaços. Eles dizem A figura 5 mostra cestos expostos à bei-
que esses bambus devem ser colocados ra da rodovia, estando bem visível as ti-
para que o quadrado não entorte, isto é, o ras de bambu em X na base de cada um
ângulo de cada vértice da figura forma- dos cestos, as quais permanecem no ces-
da na base (quadrado) permaneça com to durante toda sua construção.

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Figura 5: Cestos com pedaços de bambus perpendiculares na base

Conforme Gerdes (1992, p.24): aprendizagem observando os adultos e de-


Os conceitos de um ângulo reto e de retângu- pois começam a construir os seus próprios
lo foram desenvolvidos pelo Homem no pro- cestos, inclusive com desenhos geométricos.
cesso da realização das suas atividades. Uma Quando uma criança está fazendo
vez descobertos e consolidados, eles poderão cestos, ela faz vários ao mesmo tempo,
ser aplicados em outras situações onde não como aparece na figura 6, parece ter no-
existe nenhuma necessidade material imedi- ção de linha de produção, pois faz o fun-
ata para se preferir estas formas. do de 5 cestos, depois passa a fazer a volta
A construção de cestos no grupo Mbyá- de cada um até a altura que irá iniciar a
guarani é realizada por crianças e adultos. As faixa dos desenhos. Então passa a fazer a
crianças fazem cestos pequenos e os adultos, faixa dos desenhos geométricos que são
os grandes, porém todos mantêm as mesmas diferentes para cada cesto e inclusive usan-
características, ou seja, conservando medidas do cores diferentes de um cesto para ou-
e mantendo desenhos geométricos. tro. Esta etapa estando concluída faz a par-
Segundo eles as crianças iniciam sua te do acabamento em cada cesto.

Figura 6: Criança fazendo cestos como motivos geométricos diferentes

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Os Mbyá-guarani reconhecem formas mas a cestaria realizada por eles se desen-
de diferentes figuras geométricas, visto que volve cada vez mais.
num mesmo cesto repetem a figura, que A concorrência entre os diversos
tanto pode ser um losango, um acampamentos na rodovia, faz com que
paralelogramo, um quadrado ou apenas criem modelos novos com desenhos dife-
linhas paralelas, tendo o cuidado de utili- rentes para chamar a atenção daqueles que
zar o máximo de exatidão no entrelaçar as mostram interesse em comprá-los, apre-
tiras para que as figuras sejam construídas sentando portanto, a etnomatemática pre-
com o máximo de semelhança. sente no cotidiano dos Mbyá-guarani.
Ao iniciar a faixa dos desenhos eles
não tem nada desenhado, ou seguem o Segundo Sebastiani (2002, p.13):
modelo de algum cesto que estivesse jun- Através do conceito de etnomatemática cha-
to deles. Quando, num mesmo local e ma-se a atenção para o fato de que a mate-
hora, vários indígenas fazem cestos, cada mática, com as suas técnicas e verdades, cons-
um deles tem um desenho diferente, “que titui um produto cultural, salienta-se, que
é tirado da cabeça”, como dizem. As cri- cada povo, cada cultura e cada sub-cultura
anças indígenas após a fase de observação, desenvolve a sua própria matemática, em
passam a trabalhar com tiras de bambu, certa medida, específica.
formando quadrados, usando diagonais, Após a conclusão do fundo do cesto
fazendo desenhos geométricos e reconhe- as tiras que sobram em cada um dos lados
cendo com muita facilidade, quando um do quadrado são molhadas e dobradas
deles, no mesmo cesto estiver com algum para cima, ou seja, aproximadamente per-
entrelaçamento errado. Como não recebe- pendicular à base do cesto como aparece
ram conhecimentos formais sobre geome- na figura 7, e a técnica do entrelaçamento
tria, não sabem nomes e propriedades dos continua, todavia com tiras coloridas, ge-
polígonos que utilizam em seus trabalhos, ralmente em duas cores.

Figura 7: Tiras sendo dobradas para formar parte da lateral do cesto.

Após alguns dedos da base é iniciada incompleto. Para isso, quando necessá-
a faixa com os desenhos geométricos, que rio, incluem no espaço que deveria ser
são semelhantes em toda a volta do ces- iniciado um novo desenho uma ou duas
to, sem que nenhum dos desenhos fique linhas paralelas, com tiras que têm as

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mesmas cores dos desenhos, fazendo O entrelaçamento é feito passando
com que o trabalho mantenha a unifor- uma tira colorida na horizontal de três em
midade de cores e desenhos. A largura três tiras verticais que são a continuidade
dessas faixas varia de acordo com a figu- das tiras que formam o quadrado da base,
ra escolhida. conforme o desenho da figura 8.

Figura 8: Tiras coloridas horizontais entrelaçadas entre as tiras verticais

Os mbyá-guarani utilizam o entrelaça- assim por diante, mantendo visualmente


mento perpendicular para fazer as laterais dos uma mesma razão de semelhança.
cestos que toma a forma de um sólido geo- Caso usem um paralelogramo na faixa
métrico que tem como base inferior a figura dos desenhos, criam um paralelogramo ao
de um quadrado e como base superior uma lado de outro, como aparece na figura 9b,
circunferência. A medida do diâmetro da par- obtendo um paralelismo dos lados destes
te superior dos cestos varia, embora suas al- polígonos e estes tendo uma visualização de
turas sejam aproximadamente as mesmas. ângulos congruentes (não é usado nenhum,
Nos desenhos geométricos feitos num instrumento de medida de ângulos). Existe,
cesto é comum usarem sempre segmentos portanto, por parte dos indígenas deste gru-
paralelos, como por exemplo mostra a fi- po em relação à cestaria uma diferenciação
gura 9a. Se o desenho escolhido é um das figuras geométricas, assim como, procu-
losango, este será feito dentro de um ou- ram manter certas características que se po-
tro losango que estará dentro de outro e deria chamar de propriedades destas figuras.

Figura 9a Figura 9b

A partir da base, quando as tiras já es- devem passar por cima ou por baixo de
tão perpendiculares, é feito o entrelaçamen- acordo com o desenho que será criado. A
to de uma tira colorida por entre as per- partir da primeira tira horizontal, que é o
pendiculares. Este entrelaçamento é feito início da lateral do cesto, os vértices do qua-
através da contagem de tiras verticais que drado vão ficando arredondados até que

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cada volta passe a ter a forma aproximada se mais a capacidade de poder comparar. Ob-
de uma circunferência. Estas tiras vão sen- serva-se em particular, a congruência entre si
do entrelaçadas em espiral até chegar a al- dos buracos hexagonais e a semelhança com o
tura desejada para a conclusão do cesto. fundo hexagonal. Isto permite ver a semelhança
com “hexágonos” dados naturalmente e assim
Quando Gerdes (1992, p.48) descreve
aprender a observar a hexagonalidade da na-
como se pode entrelaçar cestos com fundo tureza, por exemplo, os favos das abelhas. Por
achatado, mostra que em Moçambique os outras palavras, quero sublinhar que a capa-
cestos são construídos de forma semelhan- cidade para observar e reconhecer ordem e for-
te aos que os Mbyá-guarani fazem. mas espaciais regulares na natureza se desen-
Estes cestos cilíndricos com fundo quadrado volveu através de atividade laborial.
podem ser vistos nas regiões mais distantes Uma interessante observação feita em
do Mundo, por exemplo, entre os índios uma das visitas ao acampamento é que as
Carajá, Timbira e Guajajara do Oriente do crianças têm a noção de espaço bem desen-
Brasil, na ilha Indonésia de Bornéu e entre volvida, pois elas têm por hábito brincar fa-
os Macondes do Norte de Moçambique. zendo desenhos no chão (areia) e neles, por
Cada cesto possui uma tampa, exemplo, traçam linhas representando ruas
apresentando características relaciona- com quadras bem determinadas, divisões re-
das com a geometria. A tampa é feita presentando lojas e casas. Ao olhar um des-
através do entrelaçamento de tiras po- tes desenhos é possível observar a clareza
rém este entrelaçamento não forma uma com que conseguem representar uma área
esteira fechada como é o caso do fundo plana que está dividida em vários polígonos
e da lateral do cesto. A tampa forma muito bem definidos.
uma espécie de rede onde os espaços As crianças que fazem estes desenhos
têm em torno de 6 a 7 anos de idade e aos
vagos (furos) são hexágonos aparente-
10 anos trabalham com o entrelaçamento
mente regulares e mantendo muita se-
com muita habilidade, conforme mostra a
melhança entre eles.
figura 10, pois ao ficar observando uma
Sobre a formação dos hexágonos, pessoa que não tem experiência para a
Gerdes (1992, p.27) escreve: construção de uma tampa, por exemplo, e
O sentimento pela ordem cresce: para produ- comete erros ao fazer o entrelaçamento das
zir um cesto forte com buracos é necessário tiras, elas com um rápido olhar percebem
um padrão regular e repetitivo. Pela feitura que tem algo errado, localizando facilmen-
repetida de cada “célula” do cesto desenvolve- te o entrelaçamento errado.

Figura 10: Criança mostrando habilidade ao construir vários cestos simultaneamente

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A cultura indígena e a índios que se viam impedidos de reagir con-
tra a violência, o roubo das terras e os crimes
etnomatemáica praticados pelo homem branco.
Na busca do saber indígena várias visi- Desde a vinda dos europeus para o
tas foram realizadas ao acampamento, onde Brasil, o povo indígena tem procurado pre-
poucos falam português, muitas dificuldades servar sua cultura. Ao escrever sobre cida-
surgiram, conhecimentos foram adquiridos e dania e educação matemática Sebastiani
principalmente, o enriquecimento sobre a (2002, p.13), cita Gerdes quando afirma
cultura de um povo, que embora enfrentem que no processo da colonização se destruiu
dificuldades para sobreviver, passam uma grande parte da cultura (científica) dos
imagem de tranqüilidade, são muito recepti- povos subjugados e que posteriormente,
vos, porém não permitindo interferências, a os ideólogos coloniais negaram ou despre-
fim de preservar a cultura indígena. zaram os restos da matemática africana, asi-
Durante o domínio espanhol, em gran- ática e dos índios.
de parte dessas regiões foram instaladas mis- Os Mbyá-guarani, através da constru-
sões de jesuítas, que estudaram a língua ção de cestos com motivos geométricos
Guaraní e passaram a catequizar os índios, como o da figura 11, além de fazer deles
ou seja, converter os índios à religião católica, um meio de sobrevivência, estão difundin-
destruindo muitas de suas crenças, línguas e do uma cultura na qual desenvolvem uma
costumes, desorganizando as tribos indígenas. matemática que faz relações, comparações,
Essa destruição facilitava o domínio sobre os percepções e exige muitas habilidades.

Figura 11: Cesto com motivos geométricos, construído pelos Mbyá-guarani

Sobre o movimento etnomatemático, a conhecer as realizações matemáticas dos po-


Sebastiani (2002, p.18) cita novamente vos outrora colonizados. Procuram elemen-
como Gerdes o descreve: tos culturais, que sobreviveram ao colonialismo
e na base dos quais se encontram, entre ou-
Estudos etnomatemáticos procuram também tras, idéias matemáticas. Tentam reconstruir
outros elementos culturais que podem servir estes pensamentos matemáticos.
como ponto de partida para atividades mate-
máticas no ensino. O artesanato indígena, mais especifi-
camente a construção de cestos, pode ser-
‘Etnomatemáticos’ tentam contribuir dando vir como ponto de partida para atividades

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matemáticas no ensino, pois o conheci- Através dos vários encontros feitos na
mento implícito presente na construção comunidade indígena do grupo Mbyá-
deles poderá auxiliar na construção do guarani, percebe-se que eles têm orgulho
pensamento geométrico, além de envolver de sua cultura, ou seja, preservam valores,
conhecimentos sobre História, Geografia, linguagem, ações, sentimentos.
Artes e Matemática. Ao escrever sobre o despertar do pen-
Quanto ao aspecto educacional, Cos- samento geométrico, Gerdes (1992, p.9)
ta e Borba (1996, p.90) enfatizam: salienta da importância do trabalho, pois
Assim, a intenção de propor que a matemáti- fontes escritas sobre o conhecimento de
ca ensinada nas escolas indígenas leve em realizações geométricas de povos anterior-
consideração não só a matemática acadêmi- mente colonizados, quase não existem e a
ca mas também a própria matemática da tradição oral não pode dar uma resposta
tribo não seria a de comparar uma e outra, imediata à pergunta sobre a evolução do
segundo o critério de maior ou menor desen- conhecimento geométrico.
volvimento, mas afim de que eles possam usar Ao concluir esse artigo, cabe deixar
uma complementando a outra. O relaciona- algumas recomendações feitas em relató-
mento entre a matemática escolar e aquela rio para UNESCO, organizado pela Comis-
produzida nos diferentes meios culturais foi
são Internacional sobre Educação para o
uma das questões que provocou o surgimento
da etnomatemática. século XXI.
A política educativa deve ser suficien-
Segundo D’Ambrósio, não há como temente diversificada e concebida de modo
fragmentar a história, como tampouco a a não se tornar um fator suplementar de
filosofia. E muito menos a Matemática, que exclusão social.
tem sua razão de ser na busca de explica- A socialização de cada indivíduo e o
ções e compreensões de maneiras e modo seu desenvolvimento pessoal não devem
de lidar com a realidade, que é necessaria- ser coisas antagônicas.
mente uma totalidade. A educação não pode, por si só, resol-
Ao escrever sobre a etnomatemática ver os problemas postos pela ruptura (onde
na educação indígena, Costa e Borba for o caso) dos laços sociais. Espera-se, no
(1996, p.87) afirmam: entanto, que contribua para o desenvolvi-
O cotidiano da imprensa “mostra” que os mento do querer viver juntos, elemento
índios brasileiros estão sendo explorados e básico da coesão social e da identidade
violentados culturalmente. Nós acreditamos nacional.
em uma educação matemática que não per- A escola só pode ter êxito nesta tarefa
petue esta violência cultural mas sim que se contribuir para a promoção e integração
respeite a visão do mundo, os valores, lin- dos grupos minoritários, mobilizando os
guagem, sentimentos, ações e desejos deste
próprios interesses no respeito a sua per-
povo, ou seja, acreditamos que numa escola
indígena deva ser implementada uma pro-
sonalidade.
posta baseada em etnomatemática.

Referências
Conclusão COSTA, W. G.; BORBA, M. C.. O porquê da
Etnomatemática na educação indígena. Zetetiké,
Portanto, a cultura indígena, presente Campinas, S.P., v.4, n.6, jul/dez. 1996.
até os dias de hoje merece por parte do Esta- D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Arte
do uma atenção maior , para que esta cultu- ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo:
ra não apenas seja mantida, como também
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