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PRIMEIROS VOOS: A BÊNÇÃO PATERNA DE

JOSÉ DE ALENCAR E JOAQUIM MANOEL DE MACEDO

Andreia Ferreira Alves Carneiro (Mestranda / UEFS)

“Antes, agradece e anima-te sempre com as palavras do velho poeta:


Deixa-te repreender de quem
bem te ama,
Que, ou te aproveita ou que
aproveitar-te.” (MACEDO, 2007, p. 14)

Durante o século XIX, a literatura brasileira passou desenvolver-se com maior


autonomia, permitindo que seus escritores não mais copiassem os modelos europeus e
sim seguisse modelos próprios. De acordo com Carlos Ribeiro, devido às
transformações sociais que aconteciam no mundo em meados do século, com o
surgimento das indústrias e a produção em larga escala, a literatura “passava a ser um
artigo de consumo cuja forma mais conhecida, o folhetim, era resultado da fusão de
duas linguagens distintas – a literária e a jornalística.” (2001, p.29). Alessandra El Far
acrescenta que, “em busca de uma massa sempre crescente de leitores, os livreiros do
século XIX estavam constantemente planejando estratégias que pudessem tornar o livro
um produto de consumo popular, ao mesmo tempo atraente e divertido.” (2006, p.35).
De acordo com Márcia Abreu, no livro Trajetórias do romance, como efeito
desta mudança, “os romances eram cobiçados e perseguidos, [...] eles pareciam ter se
espalhado por todos os lugares”1. A recepção do público a este novo modelo de
literatura foi significativa, havia a busca pelo texto literário, com a mesma intensidade
com que as pessoas atualmente acompanham as novelas globais. Até esse período, a
literatura era importada, predominando a publicação das traduções dos clássicos
universais. Com essas mudanças, a produção nacional foi incentivada de maneira mais
firme, possibilitando o surgimento de novos escritores.
Contudo, a crítica literária não estava preparada para este processo de mudança
e, como consequência, direcionava seu olhar faminto sobre a nova literatura que surgia.
Os críticos eram exigentes, questões políticas também norteavam a escolha do cânone.

ISBN: 978-85-7395-211-7
Neste contexto, surgem no cenário nacional, os romancistas José de Alencar
(1829-1877) e Joaquim Manoel de Macedo (1820-1888). De acordo com os literatos da
época, seus romances eram tidos como “água com açúcar”; destinadas a quem tinha
‘estomago fraco’, denotando falta de qualidade por parte destes. Mesmo com o
negativismo dos críticos, a qualidade dos escritores, “fica provada pelo fato de ainda
estimarmos os seus livros apesar do açucaramento, que acabou por dar engulhos ao cabo
de duas gerações.”2.
Apesar de Alencar e Macedo terem publicado na mesma época e trazerem
modelos semelhantes de escrita, de apresentarem “o amor romântico, como retificador
de conduta”3, a forma como a crítica os acolheu foi divergente. A Macedo coube a
aclamação e os aplausos, a Alencar as duras farpas da indiferença. Ao observar a
trajetória destes dois escritores, a pergunta que aqui caberia seria o porquê desta atitude.
Os

primeiros livros [alencarianos], Cinco minutos e A Viuvinha, são dois


pequenos romances, duas novelas, aliás, à moda das novelas de seu tempo, de
que era modelo A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo que, em obras
posteriores, O Moço Louro, Os Dois Amores, forneceu ao público os enredos,
personagens e concepções românticas que ele preferia e apreciava. Diante do
êxito do romance de Macedinho, como era familiarmente conhecido o autor
de A Moreninha, os escritores novos procuravam servir ao público os
mesmos pratos de sua predileção, preparados segundo as receitas em moda.
O mesmo iria acontecer com Alencar, cujas obras tiveram imitadores em todo
o Brasil.4

Se estas obras tinham seguidores, agradavam o público e eram imitadas porque


ignorar ou mesmo desprestigiar José de Alencar?
Este estudo perpassará o campo da intertextualidade e da estética da recepção,
sendo aqui observado a relação entre “o sujeito da escritura, os destinatários e os textos
exteriores”5. Sabemos que o estudo da recepção envolve três fatores: autor, obra e o
público. Como fator mediador na relação obra/público surgem os críticos literários que
tentar (des-)orientar os leitores sobre as melhores opções de leitura 6. Desta maneira
tentaremos entender até que ponto a opinião dos críticos pode influenciar a decisão dos
leitores.
Havia por parte dos escritores uma preocupação com relação obra/leitor, como
caráter fundamental para o ato literário. Essa preocupação foi a pedra fundamental para

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que Alencar escrevesse “Benção paterna”, prefácio do romance Sonhos d’ouro e
Macedo escrevesse “Duas palavras”, também prefácio em A moreninha. Em ambos os
prefácios, os escritores agem como um pai que se despede de seu filho quando este
atinge a maturidade e segue para o mundo. O filho que, desprende-se de sua família
para enfrentar sozinho o olhar severo dos outros.

Dir-me-ão que o ser a minha imaginação traquina não é um motivo plausível


para vir eu a maçar a paciência dos leitores com uma composição balda de
merecimento e cheia de irregularidades e defeitos; mas o que querem? Quem
escreve olha sua obra como seu filho, e todo o mundo sabe que o pai acha
sempre graças e bondade na querida prole.7

Desta maneira, Macedo tenta justificar as possíveis falhas de seu texto e assim,
minimiza ou até mesmo neutraliza a fúria da crítica. Percebemos que, a forma como este
texto foi escrito, traduz as angustias e incertezas do seu escritor. Macedo e Alencar
trazem em suas obras personagens semelhantes, a essência de seus enredos e medos se
alinham. Ao pensar desta forma o leitor questiona-se sobre o porquê de tamanho
paradoxo na recepção por parte dos críticos? Porque José de Alencar precisa abençoar
seu ‘filho’ enquanto Macedo despede-se com apenas ‘duas palavras’? Que paradoxo
separa os dos escritores?
Para uma melhor compreensão do processo de criação dos escritores e as
semelhanças dos textos, analisemos a escrita, de Alencar e Macedo, nos romances: A
viuvinha e A moreninha, respectivamente.
Nas duas obras, há uma propagação do amor ideal e regenerador, protagonizado
por uma mulher com gestos e costumes a frente de seu tempo e um homem indigno de
seu amor. José Alcides Ribeiro acredita que “os cortes com gancho são feitos em partes
que interrompem a intriga em pontos cruciais, provocando bastante suspense e
curiosidade no tocante à continuação da história”8.
A protagonista sempre escolhe seu amado e é ele quem tem que lutar pelo amor
dela. Até então, em geral as mulheres,

casavam-se muito jovens com noivos escolhidos pelos pais e, em poucos


anos, tornavam-se mães de numerosa prole, envelhecidas devido aos
sucessivos partos, que as deixavam disformes, gordas, doentes, sendo muitas
vezes abandonadas por seus maridos, que buscavam em outras mulheres mais
jovens ou nas suas escravas o que elas já não lhes proporcionavam- o prazer.9

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Tentando livrar-se deste destino, as personagens apaixonavam-se, contudo,
apenas confiava seu amor àquele que havia provado ser merecedor deste. Seus corações
não eram entregue de imediato. Seus comportamentos não condiziam com a conduta da
época, mas nem por isso eram rechaçadas pela sociedade. Tinham acesso ao mundo
letrado, liberdade para falar o que pensavam e conversar a sós com o homem de sua
escolha, conseguindo impor o respeito e a admiração por parte de todos que as
circundavam. Quanto A moreninha, o escritor afirma que,

É a irmã de Felipe. Que beija-flor! Há cinco minutos que Augusto entrou e


em tão curto espaço já ela sentou-se em diferentes cadeiras, desfolhou um
lindo pendão de rosas, [...] Augusto a surpreendeu fazendo-lhe caretas;
travessa, inconsequente e às vezes engraçada; viva, curiosa e em algumas
ocasiões impertinente10.

Carolina é um anjo de candura, travessa, capaz de mostrar a língua para quem


não gosta, mesmo assim não é repreendida. Com seu modo brincalhão e inocente,
conquista o mais difícil dos corações. Esnoba-o até que este lhe jure amor eterno.
Já a Carolina alencariana, em A viuvinha, após a morte de seu marido, perde a
sua alegria de viver e enclausura-se em seu luto fechando, que aparentemente a
acompanharia até a morte. Frequenta as rodas da sociedade por que esta a impõe, mas
nada lhe traz de volta a alegria que o luto lhe encobre. Tentando esconder o brilho que
lhe irradiava, Carolina não percebia que quanto mais se escondia, mais era desejada.

Entrou nos salões, porém com esse vestido preto, que devia lembrar-lhe a
todo o momento a fatalidade que pesara sobre a sua existência.
Excitou a admiração geral pela beleza. Não houve talento, posição e riqueza
que não rojassem a seus pés.11

Os protagonistas, também, seguiam o mesmo modelo de criação. A eles cabia


ser o pivô da impossibilidade do romance. Eram infantis, inconsequentes. Eles
precisavam ser regenerados para que pudessem provar o seu amor e viver ao lado de
suas amadas. No romance de Macedo, o personagem Augusto é um inconstante, um
galanteador cafajeste que jamais amaria uma mulher por mais de três dias.

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Serei incorrigível, romântico ou velhaco, não digo o que sinto, não sinto o
que digo, ou mesmo digo o que não sinto; sou enfim, mau e perigoso a vocês
inocentes anjinhos. [...] em toda parte confesso que sou volúvel, inconstante e
incapaz de amar três dias um mesmo objeto; verdade seja que nada há mais
fácil do que me ouvirem um ‘e vos amo’, mas também a nenhuma pedi que
me desse fé.12

Augusto não perde a oportunidade de demonstrar sua inconstância de


amar. Corteja as mulheres por prazer, vaidade. Assume perante seus amigos o
posto de conquistador e sente-se tentado a não corrigir-se. Certa feita, na véspera
da festa de Sant’Ana, o próprio Augusto incita a raiva das mulheres, inclusive da
Moreninha durante um jantar, ao declara que

procurei uma jovem bem encantadora para me lançar em cativeiro eterno,


mas debalde o fiz, porque sou tão sensível ao poder da formosura, que
sempre me sucedia esquecer a bela de ontem pela que via hoje, a qual pela
mesma razão, era esquecida depois. Quantas vezes, minhas senhoras, nos
meus passeios da tarde eu olvidei o amor da manhã desse mesmo dia por
outro amor, que se extingui no baile dessa mesma noite.13

Mesmo diante das mulheres, Augusto tenta enaltecer sua posição. O que o leitor
não sabia é que o protagonista guardava em seu íntimo um segredo, um porquê de agir
desta maneira. Ele cativa as leitoras ao confidenciar, a dona Ana, que tinha um amor de
infância a quem havia dado, não só o breve contendo seu camafeu, como também seu
coração. Buscava nas mulheres a imagem da sua esposa, uma doce menina que, junto a
ele, havia ajudado um moribundo. Augusto tenta encontra a sua moreninha,

guardando e beijando com desvelo o meu querido breve, que sempre comigo
trago, eu conservo a lembrança mais terna e constante de minha mulher: ela é
o amor do meu coração, enquanto todas as outras são divertimentos dos meus
olhos e passatempo da minha alma.14

Como Augusto, Jorge, o protagonista de A viuvinha, era o inconsequente. Era


aquele que, após herdar a fortuna de seu pai, atira o nome paterno na lama, gasta o
dinheiro em farras, sem se preocupar com o amanhã, até que, na véspera de seu
casamento seu tutor dá-lhe a trágica notícia: estava falido!

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Eis um filho que herdou um nome sem mancha e uma fortuna de duzentos
contos de réis; e que, depois de ter lançado ao pó das ruas as gotas de suor da
fronte de seu pai amassadas durante trinta anos, atira ao desprezo, ao escárnio
e a irrisão pública esse nome sagrado, esse nome que toda a praça do Rio de
Janeiro respeitava como o símbolo da honradez. Diga-me, que título merece
esse filho?15

No momento de desespero, Jorge vê, na morte, a sua salvação e solução de seus


problemas. Casa-se para não macular a honra de sua amada, ao passo que planeja o
suicídio para a manhã seguinte. Porém, um golpe do destina guia-o por um novo
caminho: a regeneração. Ao se fingir de morto, o personagem passa por todas as
privações possíveis até resgatar o nome do seu pai, somente assim, poderia retornar e
ser digno do amor de Carolina, caso ela assim o quisesse.

- Aqui! ... Disse a menina sorrindo entre o rubor.


- Foi o meu segundo berço! Replicou Jorge.
- Por que dizes berço?
- Porque nasci para essa vida nova. Oh! Tu não o sabes! ...Depois que
reabilite o nome do meu pai e o meu, ainda me faltava uma condição para
voltar ao mundo.
- Qual era?
- A tua felicidade, o teu desejo. Se tivesses esquecido teu marido para amar-
me sem remoço e sem escrúpulo eu estava resolvido... A fugir-te para
sempre!16

Após uma análise rápida destas duas obras, torna-se mais nítida a semelhança
dos moldes literários que agradava o público do século XIX. As obras eram semelhantes
quanto ao enredo de maneira que, retomamos a questão norteadora deste estudo: a
influência da crítica, frente aos escritores oitocentistas. Como citado anteriormente,
Alencar e Macedo escreveram prefácios que preparavam seus filhos, leia-se livros, para
a dura severidade dos críticos.
O que chama a atenção nestes prefácios é a forma como estes dois foram escritos
e como cada escritor percebia/recebia a opinião da crítica. José de Alencar sempre foi
ignorado ou muito criticado. O romancista em vida mal foi citado – ou elogiado- pela
crítica, não se sabe o motivo exato deste silêncio durante a publicação de seus primeiros
folhetins. José Aderaldo Castello acredita que com essa ausência, esse silêncio,
“definia-se uma carreira que desde então seria marcada pela crítica e autodefesa, na
literatura e na política”17. Viana Filho afirma que “na verdade a parcimônia da crítica o

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amarguraria por toda a vida. Jamais ele conseguiria ouvir integralmente os aplausos que
ambicionava e não entendia porque tão parcos”. 18
Após a publicação de suas primeiras obras, José de Alencar sabia como seria a
recepção de seu livro, por parte dos leitores e, principalmente, da crítica literária. Com
receio ou mesmo sendo irônico ele escreve Benção paterna. O título é simbólico, a
benção designa o desejo da proteção divina em prol do outro. Ao pensar como um pai,
Alencar despede-se de seu filho, mas antes, alerta-o contra os males do mundo. Prepara-
o para as adversidades de quem irá recebê-lo mais adiante. “Ainda romance! Com
alguma exclamação, nesse teor, hás de ser naturalmente acolhido pobre livrinho, desde
já te previno”.19
Kátia Mendes Garmes, em seu texto A influência da atividade política de José
de Alencar na recepção crítica de seus romances, on line, afirma que em “Benção
Paterna”,

Alencar demarca seu projeto literário de âmbito nacional, e bem expressa sua
opinião a respeito da crítica, é publicado como prefácio de Sonhos d’ouro,
em 1872. É uma resposta a estes ataques, que objetivavam cobrir de ridículo,
tanto o político como o literato. Configurado como a benção do escritor ao
“seu livrinho”, temos os conselhos do escritor para que a obra pudesse
melhor defender-se dos ataques inevitáveis.20

Vivendo em um contexto diferente, sendo aclamado, Joaquim Manoel de


Macedo, escreve Duas palavras, um mero conselho ou apenas, símbolo de uma
despedida rápida de seu romance. Somente duas palavras, o que expressa a rapidez da
despedida e a firmeza do escritor que não necessita defender-se nem justificar-se.
Diferente de Alencar, que alfineta diretamente os críticos, Macedo usa palavras
carinhosas ao pedir que os leitores protejam sua menina travessa, que ele mesmo não
consegue seguram em casa. Sua filha quer ir para o mundo e o mundo deve estar pronto
para recebê-la. “Eis aí vão algumas páginas escritas, às quais me atrevi a dar o nome de
Romance. Não foi ele movido por nenhuma dessas três poderosas inspirações que tantas
vezes soem amparar as penas dos autores: glória, amor, interesse.”21.
Macedo agradece o futuro aplausos, Alencar ataca antes de ser atacado: “É para
a crítica sisuda que te quero eu preparar com meu conselho, livrinho, ensinando-te como
te hás de defender das censuras que te aguardam. Versarão estas, se me não engano

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sobre dois pontos, teu peso e tua cor”22. O pai prepara o filho para rebater, reagir,
responder a altura. Já sabe de antemão em que aspectos será ferido. Antes mesmo que as
chagas sejam abertas, o pai cura o filho. Ensina-o a defender-se e não calar-se perante o
que lhe seria dito.
Macedo, mas pacato, ou mesmo, por saber que mais uma vez será aclamado,
aconselha sua filha a calar-se diante das palavras que seriam recebidas. A comportar-se
como uma típica moçoila do século XIX. O escritor não incita sua cria a rebater, pelo
contrário, ela deve calar-se

E tu, filha minha, vai com a benção paterna e queira o céu que ditosa seja;
nem por seres traquinas te estimo menos e, como prova, vou, em despedida,
dar-te um precioso conselho: recebe, filha, com gratidão, a crítica do homem
instruído; não cores se com a unha marcarem o lugar em que tiveres mais
notável senão, e quando te disserem que por esse erro ou aquela falta não és
boa menina, jamais te arrepies.23

Macedo tinha consciência da sua qualidade literária e mesmo que a face de sua
Moreninha fosse arranhada pela rudez dos literatos, esta jamais deveria reagir. Há aqui
a parcimônia por parte do romancista: jamais reagir, o que diverge da postura
alencariana. Enquanto o primeiro considera o crítico um homem instruído, sábio, o
segundo afirma

Os críticos, deixa-me prevenir-te, são uma casta de gente, que tem a seu
cargo desdizer de tudo neste mundo. O dogma da seita é a contrariedade.
Como os antigos sofistas, e os reitores de meia-idade, são avoengos,
deleitam-se em negar a verdade. Ao meio-dia contestam o sol, à meia-noite
impugnam a escuridão.24

Ao chamar os críticos de avoengos, Alencar condena-os por estarem presos ao


passado e não se permitirem a mudança. Diferente do homem instruído macediano, o
crítico sob a ótica de Alencar, permanece preso aos moldes do passado e não tem
sensibilidade para perceber as mudanças bem como as qualidades do escritor.
A literatura brasileira já não seguia mais os modelos árcades. Estávamos
chegando à era romântica; os leitores estavam ávidos pela novidade. Os escritores aqui
estudados eram considerados fenômenos de leitura, o público corria em busca destes

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folhetins. A Alencar pouco importava a opinião da crítica, uma vez que este, ao
abençoar seu filho, afirmava

estes volumes são folhetins avulsos, histórias contadas ao correr da pena, sem
cerimônia, nem pretensões, na intimidade com que trato meu velho público,
amigo de longos anos e leitor indulgente, que apesar de todas as intrigas que
lhe andam a fazer de mim, tem seu fraco por sensaborias.25

Alencar não se importava com a recepção dos críticos, ou melhor, fingia não se
importar, pois sabia o que seu público queria e era lhe fiel, o leitor não se deixava
intimidar pela opinião da crítica. A provocação não atingia seus leitores. O público
aclamava o escritor e corria em busca de seus textos, compravam seus folhetins e
volumes encadernados.
Apesar de toda “não” receptividade as obras alencarianas, a divergência com que
os textos deste e de Macedo eram recebidos, fica evidente nos trechos acima. Os
escritores escreveram seus prefácios seguindo o conhecimento que lhes foi dado ante a
recepção de trabalhos anteriores. Assim como José de Alencar, Joaquim Manoel de
Macedo afirma que ouve os elogios e é aclamado pelo seu público leitor,

A moreninha não é a única filha que possuo: tem três irmãos que pretendo
educar com esmero, e o mesmo faria a ela; porém esta menina saiu tão
travessa, tão impertinente, que não pude mais sofrear no seu berço de carteira
e, para ver-me livre dela, venho depositá-la nas mãos do público, de cuja
benignidade e paciência tenho ouvido grandes elogios.26

A moreninha é a filha travessa, depositada nas mãos do público que saberá


ampara-la. Ao abençoar seu texto, na verdade, Alencar também alertava seus leitores a
não deixar-se levar pela opinião dos críticos. Incita-os a continuarem buscando-o nas
livrarias, a não abandona-lo. Por último, o escritor provoca

Persuadam ao leitor que não vá à livraria à cata destes volumes. Em isso


acontecendo, já o editor não os pedirá ao autor, que, por certo não se meterá a
abelhudo em escrevê-los. Assim lucramos. O literato que não terá agasturas
de nervos com a notícia de mais um livro; o crítico que salva-se da obrigação
de alambicar um centésimo restilo de seu absinto literário; o leitor que poupa
o seu dinheiro; e finalmente o autor, que livre e bem curado da obsessão
literária, poderá sonhar com a riqueza.27

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Ao que consta nos livros e revistas científicas, os críticos não conseguiram
apagar a qualidade literária de José de Alencar. Ao contrário, este, ao passar dos anos,
cravou e firmou seu nome no mesmo patamar que Joaquim Manoel de Macedo.

NOTAS
______________________
1
Abreu, 2008, p.19.
2
Candido, s/d, 232.
3
Coelho, 1982, p.33.
4
Mendes, 1965, p. 9-10.
5
Nitrini, 1997, p. 160.
6
A desorientação ocorre quando, por questões particulares ou mesmo políticas os
folhetins/romances são diretamente atacados, sem que se considere o valor estético e
literário da obra.
7
Macedo, 2007, p. 13.
8
Ribeiro, J., 1999, p.1082.
9
Peres, 1999, p.757.
10
Macedo, 2007, p. 34.
11
Alencar, 1999, p. 57.
12
Macedo, 2007, p. 19-20.
13
Macedo, 2007, p. 50.
14
Macedo, 2007, p. 74.
15
Alencar, 1999, p. 20.
16
Alencar, 1999, p. 64.
17
Castello, 2004, p. 262.
18
Viana Filho, 1979, p. 69.
19
Alencar, 2000, p. 11.
20
Garmes, p. 4, on line.
21
Macedo, 2007, p. 13.
22
Alencar, 2000, p. 13.
23
Macedo, 2007, p. 14.
24
Alencar, 2000, p. 12.
25
Alencar, 2000, p. 14.
26
Macedo, 2007, p. 14.
27
Alencar, 2000, p. 14.

RESUMO

O presente trabalho visa analisar comparativamente os prefácios: “Benção paterna” do


romance Sonhos D’ouro de José de Alencar e “Duas palavras” no romance A moreninha
de Joaquim Manuel de Macedo. Ambos são escritos de maneira paternal preparando
seus “filhos” para a receptividade da crítica. Há uma preocupação, por parte dos
escritores, em relação obra/leitor e a forma como estes serão influenciados pelos

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críticos. Desta maneira o estudo perpassará pela estética da recepção observando-se a
relação autor/obra/público.

PALAVRAS-CHAVE: José de Alencar. Joaquim Manuel de Macedo. Estética da


Recepção. Crítica Literária.

ABSTRACT

The present study aimed at comparing the prefaces: "Benção Paterna" of the novel
Sonhos D’ouro from José de Alencar and "Duas Palavras" in the novel A moreninha by
Joaquim Manuel de Macedo. Both are spelled paternal preparing his "children" to the
receptivity of criticism. There is concern on the part of writers, for work / reader and
how they are influenced by critics. Thus the study will pass by reception aesthetics
observing the relationship author / work / public.

KEYWORDS: José de Alencar. Joaquim Manuel de Macedo. Aesthetics of Reception.


Literary Criticism.

REFERÊNCIAS

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