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Histórico da Neuropsicologia

Histórico da Neuropsicologia
A neuropsicologia, enquanto uma área do conhecimento surgiu a partir do interesse em
compreender a localização anatômica das funções mentais e suas primeiras evidências
enquanto ciência são oriundas de estudos conduzidos com indivíduos acometidos por danos
cerebrais.

Contudo, desde a antiguidade, busca-se identificar que parte do corpo humano seria a sede de
controle da mente, das emoções e do comportamento. Existem evidências de que técnicas de
trepanação eram praticadas desde a pré-história e umas das hipóteses, dentre as várias
existentes, para explicar esta prática é a de que, na antiguidade, acreditava-se que ao fazer
orifícios no crânio criava-se uma saída para os maus espíritos e assim era possível curar
transtornos mentais e dores de cabeça.

O papiro egípcio chamado de Papiros de Edwin Smith (1600 A.C) é considerado o documento
mais antigo com relatos da localização das funções mentais nele consta a descrição de 48
indivíduos com lesões cerebrais.

O coração também já foi tido como o centro da mente ou da alma humana. Essa ideia ficou
conhecida como hipótese cardíaca. Ainda hoje, ouvimos popularmente expressões coerentes
com esta ideia, como, por exemplo, quando dizemos “fazer o que o coração manda”.

No período grego clássico, muitos filósofos buscaram explicar a relação corpo e alma. Platão
(428-348 a.C.) explicava que o corpo era a instância material, perene, e mutável do homem
enquanto a alma era a imaterial, a eterna, imutável. Aristóteles (384-322 a.C.) explicava a
atividade mental dividindo-a em diversas capacidades (pensar, julgar, imaginar, etc.), mas
todas tinham o coração como sede anatômica (HAMDAN et al., 2011).

As ideias, baseadas na hipótese cardíaca, enfrentaram críticas dos adeptos da chamada


hipótese cerebral, que viam o cérebro como o responsável pela atividade mental.

A hipótese cardíaca foi definitivamente abandonada a partir das confirmações da hipótese


cerebral. Entre essas confirmações encontram-se os achados de Galeno (130-201 a.C.)
obtidos a partir da dissecação do cérebro de animais e cadáveres que contribuíram para teoria
ventricular. Segundo esta teoria, os ventrículos cerebrais eram a sede da mente e os
resultados de Galeno descreviam com precisão estas estruturas anatômico-fisiológicos.

Nesta época, os ventrículos causavam grande interesse entre os anatomistas porque se


destacam na aparência gelatinosa que o cérebro não fixado apresentava. Segundo a teoria
ventricular, haveriam três ventrículos, o primeiro associado as sensações, o segundo
associado a razão e o pensamento e o terceiro seria a o responsável pela memória.

A Igreja reconhecia a explicação de Galeno de que o fluido que circulavam nos ventrículos
seriam os espíritos e que estes determinavam os comportamentos. Com apoio da Igreja, que
tinha que forte influência sobre as ideias da época, a teoria ventricular perdurou até boa parte
da Idade Média.

O filósofo francês René Descartes (1596-1650), baseado nos princípios do dualismo


cartesiano, defende, no final do século XVII, a ideia de que a mente e o corpo seriam entidades
separadas e elas interagiam a partir de uma estrutura encontrada no corpo humano, a glândula
pineal. Esta glândula era vista como a sede do espírito no corpo e por meio dela eram
controlados os comportamentos (HAMDAN et al., 2011).
A hipótese cerebral tornou-se a ideia predominante e debate passou a ser quanto à
organização e o funcionamento do órgão de comando. Entre os estudiosos que defenderam a
hipótese cerebral estavam os holistas e os localizacionistas que apesar de concordarem sobre
o cérebro como a sede do funcionamento mental discordavam sobre a forma como esse
controle era possível. Para os holistas, o cérebro atuaria como um todo comandando as
funções mentais e o comportamento enquanto os localizacionistas acreditavam em um
funcionamento fragmentado, de forma que cada uma de suas regiões cerebrais teria uma
função específica (COSENZA et al., 2008).

Entre os localizacionistas, teve grande influência a frenologia - teoria de Franz Joseph Gall
(1757-1828), difundida por seu aluno, Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832). Estes
estudiosos afirmavam que o cérebro estava organizado em aproximadamente 35 funções
específicas (ver figura 2) e acreditavam ser possível por meio da análise do crânio descrever a
personalidade de uma pessoa. Esta técnica foi chamada de personologia anatômica.

Segundo Consenza et al. (2008) os pressupostos básicos da frenologia podem ser resumidos
da seguinte forma:

1) cada região cerebral pode ser entendido como um “órgão” que comanda determinada
atividade mental ou comportamental específica;
2) a superfície craniana poderia ser moldada a partir do desenvolvimento de cada região
cerebral;
3) uma região cerebral bem desenvolvida pode crescer em volume e resultar em um
crescimento visível no crânio.

Outras evidências contribuíram de forma significativa para a neuropsicologia como a


conhecemos na atualidade, como a divulgação do caso do funcionário americano Phineas
Gage (1823-1860) que, em decorrência de uma explosão, teve o cérebro perfurado por uma
barra de metal.

A barra atingiu o olho esquerdo e atravessou a parte frontal do cérebro. Apesar disto, Phineas
sobreviveu, aparentemente, sem sequelas motoras e cognitivas, mas com alteração
significativa em sua personalidade, comportando-se de forma opostos ao que costumava fazer
antes do acidente. Esta sequela tão específica em uma lesão tão agrave gerou interesse dos
estudiosos em neurociências.

Na atualidade, a neuropsicologia superou esta necessidade de estabelecer a localização das


funções mentais como sua prioridade. A discussão localizacionismo versus holismo foi
superada com o surgimento das modernas técnicas de neuroimagem que hoje são as
principais ferramentas para fins de localização de regiões lesionadas.

Isso não quer dizer que uma avaliação neuropsicológica não mantenha este objetivo, mas este
propósito é prioritário, exclusivamente, em casos de patologias cujos sintomas manifestam-se
antes, ou independente, das alterações cerebrais alcançarem um nível detectável pelos
procedimentos de neuroimagem.

A HISTÓRIA DA NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA.


A espécie humana é, aparentemente, a única que está apta a pensar em si mesma como uma
entidade dual, composta por uma parte física, finita e concreta, o corpo, e uma abstrata e
transcendental, a mente. Através da última, os homens procuram no corpo as provas que
justifiquem a existência da mente, e na mente, os recursos que possibilitam o conhecimento do
corpo.

Procurando localizar a atividade mental no corpo, egípcios e gregos apontaram,


alternadamente, o coração e o cérebro como possíveis residências da mente. O médico
romano Galeno (130-200), depois de constatar que os ferimentos cefálicos dos gladiadores
produziam alterações comportamentais, decidiu que a mente só poderia estar situada no
cérebro.

Dois mil anos mais tarde, psicólogos cognitivos e estudiosos das neurociências dedicam-se
ainda a localizar no cérebro as diferentes funções mentais. Saber se cada função mental esta
relacionada à ativação de uma determinada área ou estrutura cerebral, ou se, indiferentemente
da função mental, o cérebro se ativa como um todo, são os principais problemas das teorias
“localizacionistas”, para as quais as “faculdades mentais podem ser localizadas em diferentes
áreas do cérebro, e das teorias “holísticas”, para as quais o atividade cerebral é indiferenciada.

Em 1500, Leonardo da Vinci conclui que todas as informações sensoriais se dirigem para um
mesmo local do cérebro: o “senso communis”, morada do pensamento e do julgamento. Um
pouco mais tarde, René Descartes (1596-1650) relaciona corpo e mente ao declarar que a
mente influência o corpo da mesma forma como o corpo influência à mente. Embora em 1800
já se discutissem a origem e a localização dos fenômenos psicológicos a possibilidade de se
realizarem estudos cerebrais experimentais não eram cogitada. Com a publicação em 1850, da
“Origem das Espécies”, de Charles Darwin se acirra a problemática da condição cognitiva dos
homens.

Quando surgem, no século XIX, as primeiras evidências anatomo-fisiológicas de um cérebro


constituído por múltiplas estruturas e funções, a crença em uma mente humana, abstrata e
transcendental, constituída à imagem e semelhança de um deus único, eterno e absoluto, não
mais se sustenta. A pretensão de Franz Joseph Gall (1758-1828) de conhecer os instintos e as
faculdades intelectuais humanas através de uma estratégia objetiva, a Frenologia (do grego
phrên, inteligência), ou seja, avaliando o formato craniano dos homens, foi considerada, na
época, uma ousadia materialista. Embora rapidamente desacreditada, a Frenologia serviu
como base para o surgimento de duas diferentes correntes teóricas, uma, formada por aqueles
que, como Gall, consideravam a mente humana um limitado e heterogêneo conjunto de
estruturas e funções materialmente localizáveis; e outra, formada por aqueles que acreditavam
ser a mente uma entidade homogênea, indivisível e transcendental. Como o termo
transcendental, que caracterizava a mente, se referia a um limite após o qual nada mais
poderia ser inteligível e/ou conhecido, a sua investigação ontológica permanecia sujeita a
critérios metodológicos, muitas vezes, pouco objetivos e quantificáveis. Permitindo que se
englobasse ou se assimilasse algo considerado plural a algo considerado singular, muitos a um
único, a transcendência era um conceito mais adequado às teorias cosmológicas que
explicavam a origem do universo do que as que procuravam explicar a origem e o
funcionamento mental dos homens.

Em 1825, Jean-Baptiste Bouillaud é duramente criticado depois de ter tido a ousadia de


localizar a linguagem em uma determinada região do córtex cerebral frontal. Como a ativação
de um pedacinho de massa cefálica poderia gerar o divino dom da fala humana? Apesar de
todas as correntes oposicionistas, e muito mais cauteloso do que Bouillaud, Paul Broca (1824-
1880), em 1861, identifica como responsável pela linguagem, uma região cortical do lobo
temporal esquerdo. Porém, ele declara que a pequena área do lobo temporal esquerdo
respondia apenas pelo aspecto exterior e mecânico da linguagem, uma vez que o seu aspecto
mental, o seu conteúdo lingüístico, este sim, passível de ser considerado divino, ninguém ainda
localizara. Pouco tempo depois, em 1874, Carl Wernick (1848-1905) identifica, na superfície
superior do lobo temporal esquerdo, a região cortical responsável pelo reconhecimento
semântico das palavras, área esta que mais tarde passa a ser conhecida como a área de
Wernick.

No início do século XX, constatações tais como: o variável número de camadas constituintes
do córtex cerebral, a diversidade das respostas comportamentais frente à estimulação, a lesão
ou extirpação de regiões ou estruturas cerebrais possibilitaram que o neuroanatomista alemão
Korbian Brodmann elaborasse um complexo mapa cerebral no qual cada área do córtex
recebeu um número de acordo com a sua citoarquitetura. Desta forma, a “área 17” referente a
depressão do lobo occipital era uma área visual , a “area 4”,localizada na parte anterior do
sulco central do lobo frontal, motora, e assim por diante, até se completarem 52 áreas.
Entretanto, o caráter ambíguo das teorias que, por um lado, defendiam uma mente localizável e
fragmentada, e por outro uma mente, indivisível, imortal e transcendental, persistia.

No início dos anos 50, o behaviorismo, teoria psicológica que privilegiava o estudo das
expressões corporais observáveis em detrimento do estudo da mente, dominou a psicologia
americana. Em 1956, um professor da Universidade de Harvard quebrou aquela hegemonia
publicando um livro intitulado A Study of Thinking. Em vez de se interessar, como a maioria de
seus pares, pelos comportamentos observáveis, J.S. Bruner e colaboradores procuraram
desvendar as estratégias mentais utilizadas pelos sujeitos frente a determinadas tarefas, como,
por exemplo, a classificação de cartas. Desta forma, eles tentavam compreender a seqüência
das operações mentais que levavam a resolução de tais problemas. Em 1956, G. Miller, um
jovem psicólogo da Universidade de Harvard, tenta atrair a atenção de seus colegas para os
limites do psiquismo humano com o enigmático título de seu artigo: “O número mágico 7, mais
ou menos 2”. Através deste trabalho, Miller pretendeu demonstrar que a memória imediata era
limitada, incapaz de reter uma lista constituída com mais de sete elementos, e que para
superar esta dificuldade, os sujeitos costumavam reagrupar os elementos da lista a ser
memorizada em pequenos grupos. Isto só acontecia, segundo Miller, porque o cérebro é
dotado de uma estrutura própria e limitada, não podendo, como pretendiam os behavioristas,
ser comparado a um recipiente vazio. Ao contrário do corpo, a mente para Miller era a única
parte do homem capaz de dar um “tratamento lógico” as informações captadas no mundo
externo.

Naquela mesma época, Noam Chomsky defendeu, em seu trabalho de 1957, que a humana,
era uma espécie dotada de uma aptidão lingüística capaz de construir frases associando
palavras segundo certas regras gramaticais. Ao tentar englobar, em 1970, os aspectos corporal
e mental da condição humana numa única teoria, Jerry Fodor criou os conceitos de módulo
(entidades periféricas, anatomicamente localizáveis), e o de “administrador central”, (entidade
hierarquicamente mais elevada e isótropa, responsável pela preservação do espírito e da
consciência). Desta forma, Fodor recria o antigo dualismo existente entre funções cerebrais
anatomicamente localizáveis e uma função mental superior não corporalmente localizável. Em
1980, o inglês Tim Shallice localizou o “administrador central” de Fodor no lobo frontal e
ressuscitando uma problemática infinita na qual um famoso homunculus ocupa um lugar de
destaque. Segundo esta problemática, existiria no cérebro uma espécie de homenzinho
responsável pelas funções cerebrais o qual seria, ele mesmo, dirigido por um outro
“homenzinho”, que seria dirigido por um outro, e assim por diante.

Defendendo uma teoria um pouco diferente da anterior, Wolf Singer de Frankfort propõe que
um processo de sincronização temporal, e não mais um “administrador central”, responderia
pela seleção do um conjunto de neurônios, portanto módulos localizáveis, que seriam ativados
frente a uma determinada tarefa. Desta forma, uma rede neural momentânea emergiria,
atraindo a atenção, a consciência, e todos os processos necessários à realização de uma
determinada tarefa. Assim a mente, como uma entidade única, seria o resultado da associação
transitória de módulos especializados e não mais de um “administrador central”,
hierarquicamente superior, como anteriormente proposto por Fodor.
O desenvolvimento de técnicas de observação do cérebro, como o registro da atividade elétrica
dos neurônios, o exame por scanner das lesões cerebrais de pacientes vivos e, mais
recentemente, a imagem do cérebro em ação, vieram reforçar a proposta localizacionista.
Entretanto, até os anos 70, o termo “ciências cognitivas” não era utilizado. A partir de 1975,
surge um “paradigma cognitivo” em torno do modelo simbólico de Fodor. Na mesma época
uma fundação americana de caráter privado, a Fundação Sloan, decide, não só, a financiar
pesquisas nesta área do conhecimento, como também a financiar uma revista, Cognitive
Science, cujo primeiro exemplar apareceu em 1977. Em 1978, também sob os auspícios da
mesma fundação, uma primeira visão a respeito do estado das ciências cognitivas e das
disciplinas que delas participam é publicada. Dentre elas, a Filosofia, a Inteligência Artificial, a
Lingüística, as Neurociências e a Antropologia.

O desenvolvimento de técnicas de observação do cérebro, como o registro da atividade elétrica


dos neurônios, o exame por scanner das lesões cerebrais de pacientes vivos e, mais
recentemente, a imagem do cérebro em ação, vieram reforçar a proposta localizacionista.
Entretanto, até os anos 70, o termo “ciências cognitivas” não era utilizado. A partir de 1975,
surge um “paradigma cognitivo” em torno do modelo simbólico de Fodor. Na mesma época
uma fundação americana de caráter privado, a Fundação Sloan, decide, não só, a financiar
pesquisas nesta área do conhecimento, como também a financiar uma revista, Cognitive
Science, cujo primeiro exemplar apareceu em 1977. Em 1978, também sob os auspícios da
mesma fundação, uma primeira visão a respeito do estado das ciências cognitivas e das
disciplinas que delas participam é publicada. Dentre elas, a Filosofia, a Inteligência Artificial, a
Lingüística, as Neurociências e a Antropologia.

No início dos anos 80, multiplicam-se os manuais, os trabalhos de introdução e os livros de


divulgação. Nesta mesma ocasião, não só, David Hubel e Torsten Wiesel ganham o prêmio
Nobel por identificarem as áreas do sistema nervoso central implicadas na visão como também
o ganha, Roger Sperry, por definir o papel que cada um dos hemisférios cerebrais desempenha
nos processos cognitivos superiores. Por esta mesma época, Wilder Penfild mapeia as funções
cerebrais do cérebro e Robert McLean descreve os três cérebros do homem. Em 1983 Jean
Pierre Changeux publica o livro O Homem Neuronal. Nele, Changeux apresenta os avanços
das ciências do cérebro e a pretensão de desvelar os segredos do pensamento. Em 1985, o
psicólogo Howard Gardner publica a primeira História da Revolução Cognitiva com o sugestivo
sub-título Uma nova ciência da mente. Dois anos mais tarde, na França, sob o título Nova
Ciência da Mente, a revista Le Debat publica uma edição especial sobre o mesmo tema. No
mesmo ano um colóquio é organizado em Cerisy.

Os anos 90 recebem a denominação de “década do cérebro”. Sob o mesmo nome


inaugurasem, sob a direção de Marc Jeannerod, em Lyon, na França, um instituto de ciências
cognitivas.

Mas, sem dúvida, foram as técnicas de imagem cerebral, surgidas a partir dos anos 80, que
possibilitaram aos neurocientístas a realização de um antigo desejo: observar, em tempo real
ou quase, a atividade cerebral de pessoas durante a execução de determinadas tarefas.
Embora, as primeiras pesquisas em neuroimagem, realizadas pelo sueco David H. Ingvar,
tenham evidenciado uma hiper atividade nos lobos frontais de sujeitos que se esforçavam para
não pensarem em nada, pesquisas mais recentes evidenciaram que quando os sujeitos
realizam tarefas como o reconhecimento do sentido de palavras, fazem cálculos matemáticos,
memorizam localizações espaciais ou se preparam para desempenhar atividades motoras, o
córtex cerebral não age como um “administrador central”, uma entidade única que se ativa em
bloco, mas sim, como um “mosaico” cujas peças se ativam independentemente uma das
outras, dependendo da tarefa solicitada. As técnicas em neuroimagem também possibilitaram
que se soubesse que a identificação de objetos conhecidos não ativa as mesmas áreas que
são ativadas quando se olha para formas abstratas desprovidas de significação. O
reconhecimento da atividade neural em forma de rede também foi uma conquista destas
técnicas. Através delas constatou-se que a área 10 do córtex pré-frontal, a área 40 do parietal
e a 23 do córtex cingulado participam de múltiplas tarefas cognitivas. Se, em um determinado
momento elas fazem parte de uma determinada constelação neural, em outros, elas fazem
parte de uma outra. Também através da neuroimagem observou-se que as alucinações
mentais decorrem da ativação das mesmas áreas que se ativavam frente à estimulação
sensorial externa. Com isso, concluiu-se que perceber objetos reais ou imaginários é,
essencialmente, a mesma coisa. Entretanto, mesmo com todos estes avanços tecnológicos
ainda pouco se sabe sobre as relações que a parte mais física, finita e concreta do homem, o
seu cérebro, estabelece com a sua parte mais abstrata e transcendental, a sua mente.
Conceitos lingüísticos como “significado” e “significante” definem bem o momento atual das
neurociências. Embora a neurociência disponha dos recursos necessários para detectar os
“significantes” sensoriais e motores que caracterizam a parte corporal dos homens até hoje não
se dispõe de técnicas capazes de desvendar os “significados” psicológicos que caracterizam a
sua parte mental.

É neste sentido que a união dos saberes psicológicos cognitivos com os neurológicos é sempre
fértil. A denominada “cognição motora” tem surgido como um novo e rico campo e pesquisas.
Através dela um cérebro em permanente ação se impõe. A frase: “Antes de ser executada, a
ação deve ser planificada, programada” se refere à crença de que dois universos excludentes e
restritos: um mental, representacional e outro corporal, motriz convivem. Nesta antiga
concepção, uma prévia “planificação” e “programação” mental da ação antecede e termina,
invariavelmente, em uma movimentação corporal. Entretanto, na nova abordagem “cognitiva
motora” uma alternativa para esta dualidade filosófica é apresentada. Em 1994, o fundador do
Instituto de Ciências Cognitivas de Lyon, Marc Jeannerod comprovou que a simples
representação mental do ato de correr, sem o esboço de qualquer movimento corporal e sem
consumação de oxigênio ao nível muscular, faz com que o homem altere os seus sistemas
cardíaco e respiratório. Na mesma época, Giacomo Rizzolatti descobre um tipo de neurônio
que se ativa tanto quando o indivíduo executa um movimento, quanto quando ele observa
visualmente o mesmo movimento ser executado por um outro sujeito, às mesmas células que
se ativam durante as duas situações cognitivas ele deu o nome de “neurônios espelho”.
Trabalhos como estes evidenciaram que o cérebro representa da mesma forma, ações
executadas e não executadas. Ao se propor explorar os “estados mentais”, as “representações”
e as “estratégias mentais”, as ciências cognitivas preparam o terreno para o estudo da
consciência. Uma série de trabalhos a respeito dos comportamentos de imitação e de
simulação já esta sendo realizada. Se, os mesmos neurônios ou zonas cerebrais se ativam
quando um sujeito executa um gesto e quando ele vê um outro sujeito executá-lo, como
poderia ele distinguir a sua ação da ação de um outro?

Desde os anos 90, uma enorme quantidade de artigos filosóficos, neurobiológicos e


psicológicos vem se ocupando destes temas. Perguntas como estas, envolvendo diferentes
ramos do conhecimento, constituem os maiores desafios da neuropsicologia cognitiva. Um
outro debate, de natureza filosófica, se refere às relações corpo/mente. Seria possível reduzir a
atividade representacional (pensamento, linguagem, imaginação, sonhos) à simples atividade
neural? Para a maior parte dos neuropsicólogos cognitivos a atividade representacional
pressupõe substratos neurais (daí a necessidade de estudá-los), mas tanto esta atividade,
quanto os substratos neurais que a sustentam dependem, para se desenvolver, dos fatores
socio/culturais.

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