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E STA D O D E M I N A S ● Q U A R T A - F E I R A , 6 D E D E Z E M B R O D E 2 0 0 6

OPINIÃO 11

‘Omnia munda mundis’


SERGIO BERMUDES mentos, favoráveis ou desfavoráveis, pela pessoa
Advogado dos advogados interfiram no seu dever de julgar
com imparcialidade. Integrantes da mesma co-
munidade, é natural que juízes e advogados se

C
ontam os jornais que, na aproximem. Dario de Almeida Magalhães conta-
sessão do Supremo Tribu- va que o seu pai, Raphael, desembargador do Tri-
nal Federal (STF) da quinta- bunal de Justiça de Minas Gerais, conversava, to-
feira, 23, o ministro Joa- das as tardes, com o advogado Mendes Pimentel,
quim Barbosa acusou o ad- no muro divisório das suas residências, em Belo
vogado Maurício Corrêa Horizonte. Freqüentemente, iam juntos ao cine-
(ex-ministro do STF, a que ma. Jamais falavam de processos entregues ao
presidiu durante um biê- patrocínio de um e ao julgamento do outro.
nio) de fazer ou tentar fazer Há países, como os Estados Unidos, em que
tráfico de influência porque Maurício ligou para os juízes e advogados vivem em completo afas-
a casa de Barbosa e pediu preferência para o jul- tamento, sem se relacionar uns com os outros.
gamento de um recurso. Lamenta-se que o acu- Advogado e político famoso de Washington, Ar-
sador estivesse deslembrado, ou do que seja trá- thur Goldberg foi nomeado por Kennedy para a
fico de influência, ou do princípio elementar de Suprema Corte, em 1962. Três anos depois ele
que não se dá à lei impositiva de sanção, muito deixou o tribunal, ao que se disse, queixando-se
menos à norma penal, interpretação abrangente de que o telefone de um juiz da Suprema Corte
de situações exorbitantes dos limites dela. O arti- dos EUA não toca nunca. Espanta os advogados
go 332 do Código Penal define o tráfico de in- norte-americanos que um advogado brasileiro
fluência: “Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si possa comparecer sozinho diante de um juiz, pa-
ou para outrem, vantagem ou promessa de van- ra tratar de um caso, sem a presença, adrede
tagem, a pretexto de influir em ato praticado por combinada, do advogado da parte contrária. Nos
funcionário público no exercício da função”. De- decorrente, entre
pois de prescrever “pena de reclusão de dois a cin- outros motivos,
Muitos advogados se Consta que, se se
pede preferência
EUA, não se pode, absolutamente, fazer isso. Mas
lá eles também não dançam samba, não comem
co anos” para esse crime, o artigo acrescenta, no do fato de que
seu parágrafo único, que “a pena é aumentada de muitos juízes dos
orgulham de haver influído para um proces-
so, ele é passado
arroz com feijão, não comem carne moída com
aipim. Nem farofa, que, para muitos deles, sabe
metade, se o agente alega ou insinua que a vanta- tribunais onde
gem é também destinada ao funcionário”. Dis- não há sessões to-
na escolha de magistrados para o último lu-
gar da fila.
a pó de serra. É tudo uma questão de culturas.
No Brasil, admitem-se e desenvolvem-se re-
pensou-se o ministro de explicar aos seus colegas, dos os dias, como
à assistência e aos telespectadores de que modo é o caso do Supre-
notáveis. Alguns lamentam Não faz mui-
to, circulou, na
lações entre juízes e advogados. Nada obsta ao
telefonema de um ao outro, inclusive para pe-
um telefonema, no qual um advogado pede a um mo, não vão aos
juiz preferência para certo julgamento, possa seus gabinetes. Ao
não haver tentado comunidade jurí-
dica de São Paulo,
dir preferência no julgamento de um processo.
O que não se pode é descobrir intenções subal-
constituir a solicitação, exigência, cobrança ou ob- levar memoriais
tenção de vantagem com a justificativa de influir (sínteses dos ca-
impedir a escolha de algo restritamen-
te, uma carta que
ternas no ato de um advogado que pede ao juiz
o julgamento prioritário de um recurso. No ca-
em ato praticado por funcionário público, apon-
tado também como beneficiário da dádiva. Num
sos e dos argu-
mentos apresen-
magistrados deploráveis se diz escrita pelo
sr. Joaquim Bar-
pítulo I de um livro admirável, traduzido em
português com o título Eles os juízes, vistos por
momento de deslembranças, não se recordou o tados no proces- bosa a um jorna- nós, os advogados, o autor, Piero Calamandrei,
ministro de que o artigo 138 do Código Penal con- so) às residências lista. Bom seria dos maiores advogados da Itália, no seu tempo,
sidera crime caluniar alguém, imputando-lhe fal- deles, como da preferência de muitos, os advoga- que não fosse do ministro e que ele negasse a au- e um dos maiores processualistas de todos os
samente fato definido como crime. dos quase sempre encontram acolhida gentil. toria dessa carta, inclusive socorrendo-se de uma tempos, escreve com lucidez e autoridade:
No Brasil, não constitui, absolutamente, ne- Ainda que se considerasse inadequado um tele- análise estilística. O autor da carta deixa eviden- “Aquele que entra num tribunal trazendo na sua
nhum deslize solicitar a um juiz, não importa a fonema à residência de um juiz, nunca se poderia te a sua indisposição com os advogados. Critica pasta – em vez de boas e honradas razões – ma-
sua hierarquia, preferência para o julgamento de vê-lo como um crime; e crime gravíssimo, tal o as interferências deles na nomeação de ministros nigâncias secretas, solicitações ocultas, suspei-
um caso. Aliás, os regimentos dos tribunais ad- delito de tráfico de influência, que a lei pune com do STF e de outros tribunais. Esquece-se de que, tas sobre a corruptibilidade dos juízes e espe-
mitem pedidos de preferência, antes das sessões, pena de reclusão. numa democracia, têm os advogados, como têm ranças na sua parcialidade, não se admire, ao
aí de casos prontos para julgamento. Avassalado- Parece que o desavisado agressor do advoga- os cidadãos, o direito de empenhar-se na nomea- aperceber-se de que em vez do templo severo
ra a quantidade de processos dependentes do do Maurício Corrêa não compreende o exercício ção de juízes, destacando as suas qualidades pa- da Justiça, se acha numa alucinante barraca de
exame de um juiz (juízes são todos os integran- da advocacia, declarada função indispensável à ra o cargo, a sua cultura, o seu perfil moral, o feira. Em todas as paredes, um espelho devol-
tes da magistratura, inclusive os do STF, que rece- administração da Justiça no artigo 133 da Cons- compromisso com a administração da Justiça, o ver-lhe-á, multiplicadas e deformadas, as suas
bem o tratamento de ministro), não se proíbe a tituição Federal. Recusa-se a receber advogados apego ao trabalho, a devoção à causa da humani- intrigas. Para achar a pureza do tribunal, é preci-
solicitação de preferência, que também pode ser no seu gabinete, agindo contra norma expressa dade. Muitos advogados se orgulham de haver so que lá se entre com a alma pura”.
feita informalmente, mediante qualquer corres- na Lei Federal 8.906, de 4/7/1994 (Estatuto da Ad- influído na escolha de magistrados notáveis. Al- Pela imputação vexatória, o sr. Joaquim Bar-
pondência, num encontro casual com o magis- vocacia), que no inciso VIII do seu artigo 7º, dá guns lamentam não haver tentado impedir a es- bosa humilhou, publicamente, o advogado Mau-
trado ou até num telefonema. A maioria dos juí- aos advogados o direito de “dirigir-se diretamen- colha de magistrados deploráveis. rício Corrêa (com quem nunca tive qualquer as-
zes brasileiros não se mostra avessa a telefone- te aos magistrados nas salas e gabinetes de traba- Ao contrário do ministro Joaquim Barbosa, a sociação profissional; hoje, aliás, meu adversário
mas de advogados pedindo julgamento prefe- lho, independentemente de horário previamen- ordem jurídica não vê razões para suspeitas, nem em causa gravíssima). A invectiva decorreu da in-
rencial por motivos diversos, como viagem, in- te marcado ou outra condição, observando-se a mesmo na amizade íntima entre advogado e juiz. terpretação injustificável dada a um inocente te-
tervenção cirúrgica, necessidade do cliente, de- ordem de chegada”. O ministro Joaquim Barbosa Tanto o Código de Processo Civil, no inciso I do lefonema no qual apenas se pedia preferência
mora do caso. Os juízes, conforme os seus crité- vê nos advogados um bando de abusados. No seu artigo 135, quanto o Código de Processo Penal, no para um julgamento. Num tempo de deslem-
rios, atendem ou não os pedidos, sem se conside- gabinete, o advogado é tratado com aspereza por artigo 254, I, encontram motivo de suspeição na branças, o ministro também se esqueceu da sen-
rar ofendidos pela formulação deles e sem os funcionários que, contrariamente aos do STF, amizade íntima ou inimizade capital do juiz com tença de São Paulo, título do artigo de hoje. No
identificarem como atitude delituosa, ou repro- sempre gentis, se mostram descorteses e empa- as partes; não com os advogados. Presume-se versículo 15, do capítulo I, da sua Epístola a Tito,
vável. O telefonema para a residência de um ma- fiosos. Como nunca aconteceu na Corte, recu- que, pela idoneidade moral exigida para o exercí- o apóstolo ensina a verdade de que “para os pu-
gistrado justifica-se pelo costume já assentado, sam-se a receber memoriais dos advogados. cio do cargo, o juiz não deixará que os seus senti- ros todas as coisas são puras”.

Ser ou não ser DEUSDEDITH AQUINO cionam como freio sobre a inflação. O que está in- mo possível a carga tributária, que deve terminar tervenção forte do Estado para induzir o cresci-
Jornalista comodando o presidente da República, no entan- 2006 em 38,4% do PIB, um espanto. Lula precisa- mento da economia; primário e desenvolvimen-
to, são as sugestões de cortar gastos para fazer a rá também destravar os investimentos, viabilizar tista, porque enxerga o crescimento econômico
economia crescer. Ele chama as propostas de can- obras no setor de infra-estrutura (exigências bu- como um ato de opção política, ignorando reali-
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive um tilena. O que deseja são efeitos especiais, como co- rocráticas, de meio ambiente, Receita Federal, dades, limitações e experiências diversas que indi-
dilema ao estilo de Hamlet, personagem de Wil- mer o bolo e ficar com o bolo. Aí, o seu lado ajuiza- Previdência Social, certidões, crédito etc.). O pri- cam ser de alto risco colocar em segundo plano as
liam Shakespeare, porque não sabe que caminho do, fruto dos bons resultados que alcançou com a meiro exemplo de algo prático a fazer são as par- variáveis monetária, fiscal e cambial na adminis-
tomar. Prometeu crescimento econômico de 5% política econômica conservadora do primeiro cerias público-privadas (PPPs). O governo conce- tração de um país; e social e distributivista, por-
para o país em 2007 e não consegue construir um mandato, que junto com o programa Bolsa-Famí- de ao setor privado, mediante contratos de longo que tem foco na “multiplicação dos pães”, mais
modelo adequado. Pressionado pelas taxas pe- lia lhe garantiram a reeleição, recomenda que não prazo, a construção e exploração de rodovias, fer- que na produção e na produtividade. Esse grupo
quenas de aumento do Produto Interno Bruto faça aventura. A dificuldade de Lula se amplia por- rovias, usinas elétricas, portos e aeroportos. Deve- tem proposto a Lula reduzir as metas de superávit
(PIB) brasileiro, que não passaram da média de que está, ao mesmo tempo, negociando com par- rá, também, fixar normas jurídicas seguras, para primário (os 4,25% que o governo poupa para co-
2,4% ao ano, entre 1995 e 2005, contra 6% dos paí- tidos políticos e governadores as bases do gover- que os empresários aceitem colocar dinheiro nos brir o serviço da dívida pública interna), aumen-
ses emergentes, esqueceu-se do que talvez não no de coalizão, que lhe garanta apoio no Congres- projetos. Esse modelo pode ser visto como prepa- tar os gastos públicos, reduzir fortemente os juros
saiba: uma nação não cresce quanto quer, mas so Nacional. Cada um que entra no gabinete deixa rar o país para crescer mais, caminhando de ma- para estimular o crescimento (e baixar o custo da
quanto pode. Agora, começam a ser fechados os um conjunto de pleitos, que Lula já sabe não ca- neira gradual e “fazendo o dever de casa”. Já os que dívida), gerando mais impostos e até cobrindo o
números de 2006. Segundo o Boletim Focus, do berá no Orçamento Geral da União. Finalmente, ocupam as orelhas do presidente da República déficit da Previdência Social. Acreditam que o
Banco Central, o crescimento do PIB deve ficar em ele tem compromisso com os programas sociais. com propostas diferentes preferem que ele tire o crescimento resolverá os déficits. Se escolher o
2,86% e a inflação em 3,15%, pelo Índice de Preços O presidente Lula está diante do mandamen- pé do freio e coloque no acelerador. Defendem, de primeiro caminho, Lula manterá alto grau de con-
ao Consumidor Ampliado (IPCA). As duas coisas to que indica fazer um ajuste fiscal, cortando gas- público, que o equilíbrio fiscal é essencial, a infla- fiabilidade dos mercados financeiros nacional e
têm a ver. O PIB menor é o preço a pagar pela in- tos de custeio, despesas correntes dos poderes ção não pode voltar, mas, no fundo, querem um internacional. Se acolher as sugestões de elevar
flação baixa. Políticas de juros altos e carga tribu- públicos, baixar os juros – a expectativa do mer- processo estatal, primário, desenvolvimentista, gastos públicos e alavancar o crescimento à custa
tária elevada, como o Brasil tem praticado, soma- cado é de 12% nominais no final de 2007, para social e distributivista, rápido. O que significa is- do descontrole da inflação, afetará sua credibili-
das ao desemprego decorrente e à política cam- uma inflação de 4,1%, PIB de 3,5% e taxa de câm- so? Estatal porque há setores do governo federal, dade também junto aos empresários e criará ins-
bial, seguram a renda, esfriam o consumo e fun- bio de R$ 2,25, em dezembro – e diminuir o máxi- do PT e muitos economistas que defendem a in- tabilidade indesejável.

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