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INTRODUÇÃO
papel ativo e determ inante nas condições de vida da popu lação, particularmente quando parcelas
majoritárias e crescentes da mesma estão na mais absoluta pobreza.
Este é o contexto onde se dese n rola a atual Pol ítica de Saúde hoje no Bras i l , o qual não pode
ser ignorado sob pena de cai rmos no reducionismo de sol uções tecnocráticas para o setor saúde e na
aceitação acrítica de programas federais verticais e autoritários travestidos de "inovadores" e "modernos".
1 Enfermeira, Sanitarista, Doutora em Economia do Setor Público na área de Política Social pela
UNICAMP Professora da UFRJ; Assessora do Labora tório de Políticas Públicas da UERJ;. Autora dos livros
"Ajuste Neoliberal e Desajuste Social na América Latina " e "Os Custos Sociais do Ajuste Neoliberal na
América Latina "
Em primeiro l ugar gostaríamos de chamar a atenção para alguns aspectos prel iminares ao
debate em torno da atual reforma administrativa proposta pelo Executivo , tais como :
- A s uti lizações que têm s i d o feitas pelo governo federal, devidamente sustentadas pela m ídia,
do termo REFORMA, emprestando-lhe um caráter "mágico e infalível" na solução de todos os problemas
nacionais.
- A necessidade de definir melhor, com mais clareza, qual é o ESTADO objeto da Reforma e que
aspectos precisam ser reformados; não sendo poss ível, dessa forma, impor uma receita pad rão de
reforma, assumindo, portanto , que existem diferentes possibil idades e propostas de REFORMA (em
contraposição à "via ún ica") ;
- Qual é o D IAG NÓSTICO no qual se baseia a reforma e quais as suas propostas de resolução
dos problemas - falsas premissas levando a falsas sol uções (o exo . claro disto é a culpabil ização dos
funcionários públicos por u ma série de problemas no aparelho de Estado, o que tem focalizado as
propostas da reforma exclusivamente em cima do funcional ismo) .
- A não existência de uma R E FORMA " N E UTRA" , que seja adequada e boa para todo o país -
ou seja, toda reforma atende a determinados i nteresses - este é sem d úvida um aspecto central na
d iscussão e trata da q uestão pol ítica da Reforma: qual é o projeto pol ítico que está por trás da
Reforma do Estado, amparado por quem.
- Quais as perspectivas e os possíveis resultados da Reforma ? Esta é uma grande interrogação,
com algu mas possibil idades de previsão .
A primeira observação a ser ressaltada da análise dos documentos da reforma é a sua conotação
meramente "administrativa", não se constituindo em uma verdadeira Reforma do Estado, não tocando
sequer em problemas de fundo como o pad rão de financiamento do Estado, a sua capacidade em
minimizar as profundas desigualdades sociais e econômicas do país através de pol íticas de distribuição
de renda e equalização do acesso a serviços públ icos essenciais, etc, etc. A estratég ia central da
reforma em questão resu me-se à su bstitu ição da "admin istração bu rocrática" pela "administração
gerencial".
Por outro lado, a criação de u m M i n isté rio MAR E - Ministério de Administração e Reforma do
Estado - para reformar o próprio Estado lembra o Min istério da Desbu rocratização, gerando uma nova
bu rocracia para reformar-se a si própria ou para desbu rocratizar-se a si própria.
O primeiro documento do MARE foi o Plano Di retor de 1 995, documento "mãe" a partir do qual
são gerados todos os demais. As prem issas aí apontadas demonstram de forma clara o diagnóstico
no qual se baseiam as propostas. A causalidade do ag ravamento da crise fiscal e da inflação é
totalmente atrib u ída à presença do Estado no setor produtivo . Dessa forma, a Reforma do Estado
passa a ser apenas um instrumento para " consolidar a estabilização e assegurar o crescimento
sustentado da economia" .
Para implementar-se uma admin istração "de caráter gerencial" que permita "formas modernas"
de gestão, basta apenas , segu ndo o docu mento supracitado, "flexibil izar" a estabi l idade e os regimes
ju rídicos dos servidores, acrescentando, em seguida, também como "essencial" que as aposentadorias
dos servidores ocorram em "idade razoável" e proporcionais ao tempo de contri bu ição .
A teoria do "desvio" do Estado de suas fu nções perpassa todo o documento. Dessa forma, o
Estado ao "desviar-se" passa a não dar conta da "sobrecarga de demandas", particu larmente as
sociais, gerando uma "ingovernabilidade"2 e configurando uma "crise do Estado". O eixo de determinação
aq u i se inverte : é essa incapacidade do Estado em processar a sobrecarga de demandas que gera a
desordem e a desaceleração econôm ica. Esta tese é m u ito semel hante àquela difundida nos anos 70
nos países desenvolvidos pelos conservadores de que era a crise do " Welfare State' que levava à crise
econômica.
A defi n ição do que seja a Crise do Estado daí de rivada é completamente diferente da que
apresentamos anteriormente3. Os aspectos constitui ntes dessa crise defin idos pelo MARE são: 1 o -
2 Que o MA RE chama de problema de "g ove r n a n ç a ", na medida em que sua capacidade de
implementar as políticas públicas seria limitada pela "rigidez e ineficiência da máquina administrativa".
3 Ver Crise do Estado Desenvolvimentista com base nas análises feitas por José Luis Fiori.
aspecto fisca l , entendido como perda d e "pou pança" públ ica (fi nanciamento e end ividamento são
termos que seq uer são mencionados) ; 2 - o esgotamento da "estratégia estatizante" (?) de intervenção
do Estado, centrando fogo, mais uma vez, na crise do "Estado de Bem Estar Social"; e 3 - a forma
"bu rocrática" de adm i n istrar o Estado .
Em decorrência desse diagnóstico da Crise, o M A R E coloca como "inadiáveis" o s segui ntes
pontos : aj ustamento fiscal (note-se que não se trata de uma reforma fiscal no sentido mais amplo, a
qual, por sinal , está "ad iada" sine die) ; reformas econômicas "orientadas para o mercado" que,
supostamente , garanti riam a "concorrência i nterna" e condições para o "enfrentamento da competição
internacional" (!); reforma da previdência social, a qual tem como propósito fundamental "retirar privilégios"
cortando, na prática, benefícios e gastos; reforma do aparelho de Estado com vistas a aumentar a
"governança" .
O movi mento básico para corrigir as "d istorções" ou os "desvios" do Estado é a transfe rência
para o setor privado daquelas atividades que podem ser "controladas pelo mercado". Isto é feito através
da privatização de todas as estatais (sem nen hum tipo de distinção entre elas nem uma caracterização
das mesmas enquanto papel estratégico do Estado no desenvolvimento nacional) e da descentralização
da execução de serviços (sociais) de educação , saúde, cultu ra e pesq uisa científica a u m setor
"públ ico não-estatal". Este setor emerge do docu mento do MARE sem que se defina claramente como
ele é constitu ído e quais serão as reg ras (se é que elas existi rão) para o seu funcionamento e ,
princi pal mente, para o s e u financiamento . O ú n ico critério mencionado é o fato da I n stitu ição ser
considerada como de "uti l idade públ ica" , critério este que, como sabemos, tem sido alvo de todo tipo
de corru pção e clientelismo, incluindo a í entidades como a "Golden C ross" e clubes de futebo l , entre
outras pérolas.
Esse movi mento mais geral se trad uz em três d i mensões de i ntervenção : a I N STITUCIONAL
LEGAL, onde se trata de remover os obstáculos legais/constitucionais, su perando a "rigidez" (aqui a
palavra chave é FLEXIBI LIZAR) ; a dimensão C U LTU RAL (trata-se de superar a "cu ltu ra bu rocrática") , e
a G E RENC IAL, considerada a "dimensão-chave" da reforma adm i n istrativa .
Na d i mensão Institucional -Legal estão previstas as Emendas Constitucionais. A primeira é
sobre o Capítu lo da Administração Públ ica, onde todas as mudanças são d i rigidas aos servidores
públicos - ''flexibilizando'' as relações de trabalho e as regras de aposentadoria por um lado, e tornando
mais "rígidas" as l i m itações salariais e proventos das aposentadorias (aq u i , ao contrário dos d i reitos ,
não há problema em tornar as reg ras mais "rígidas") . Uma segu nda estabelece a "autonom ia" entre os
três Poderes no que diz respeito à organização ad ministrativa e fixação dos vencimentos de seus
servidores , ou seja, o fim da isonom ia. A Emenda da Previdência é considerada como estratégica
nessa di mensão. Quanto à Leg islação I nfra-Constitucional , esta também se encontra, na quase
total idade, d i rigida aos servidores.
A segu nda dimensão é a chamada dimensão cultural, que inclui a transição para uma
administração pública gerencial sem nenhuma outra defin ição mais precisa.
Na tercei ra e ú ltima dimensão, referente à gestão é onde se encontram as propostas mais concretas
e desenvolvidas . São três projetos em c u rso: A valiação Estrutural, Agências A utônomas e
Organizaçôes Sociais
A A valiação Estrutural operaria horizontalmente , exti nguindo, privatizando e descentral izando
(transfe rindo para o tal setor "publico não estatal") órgãos públ icos .
As chamadas Agências A utônomas operariam de forma vertical , transformando Autarqu ias e
Fundações em Agências Autônomas, com o propósito de "modernizar a gestão" , estabelecendo uma
"seleção prévia" e a criação de "laboratórios de experimentação" .
A est raté g i a mais adi antada é a das Organizaçôes Sociais, q u e ta m b é m operariam
ve rticalmente, descentralizando serviços considerados como não-exclusivos do Estado partindo do
pressuposto que esses serviços serão mais "eficientemente" realizados se, mantendo o financiamento
do Estado, forem executados pelo tal setor público não-esta tal.
As Organizações Sociais (O. S.) defin idas como "entidades de direito privado que, por iniciativa
do Poder Executivo , obtém autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder,
e assim te r d i reito à dotação orçamentária" . Elas terão autonomia finance i ra e adm i n istrativa,
respeitadas as condições descritas em lei como, por exemplo, a composição de seus conselhos de
administração. Além dos recu rsos orçamentários, podem obter outros ingressos através de prestação
.
de serviços , doações, legados , financiamentos , etc.
Essa suposta "autonom ia" financeira e admin istrativa, pode implicar em sua total subordi nação
a i nteresses privados locais, comprometidos ou não com a entidade que passa a denom inar-se O . S .
O suposto controle social sobre a mesma dar-se-ia através do chamado Conselho de Administração
o qual, m u ito provavelmente , ficará comprometido com os interesses acima mencionados.
Na real idade, a defi n ição de uma maior "parceria" com a sociedade enfatiza que esta última
deverá financiar uma parte menor, mas significativa, dos custos dos serviços prestados. No caso
de serviços sociais essenciais, como o são os hospitais (ver "prioridades" abaixo) , isto provocará,
de saída, uma dualização da clientela - d iscrimi nando entre aqueles que podem e os que não podem
pagar - e dos serviços prestados - de maior ou menor qual idade dependendo do poder de compra do
usuário. E l i m i na-se , com essa proposta , o princípio da U N IVE RSAL I DA D E , previsto (ainda) na
Constitu ição , onde todo e qualquer cidadão tem o D I R E ITO de ter acesso a serviços sociais básicos,
no caso de saúde, de boa qualidade e em todos os n íveis de complexidade.
A transformação dos serviços não-exclusivos estatais em O . S . se dará de forma "volu ntária" a
partir "da i n iciativa dos respectivos ministros, através de um Programa Nacional de Publicização.
Terão "prioridade" os hospitais, as universidades e escolas técnicas, os centros de pesquisa, as
bibliotecas e os museus. Esse caminho "vol untário" de criação de Organizações Sociais, a critério
dos ministros, aumenta ainda mais o extenso rol de dúvidas e i ncertezas acerca desse processo de
"Reforma do Estado". Por esse caminho ficam abolidos os critérios de planejamento e equalização de
serviços sociais essenciais cujo acesso se tornará ainda mais desigual. Também a transparência
desse processo fica prejudicada e a "iniciativa dos min istros" m u ito provavel mente será a de proteger
seus apadri nhados em seus respectivos estados e municípios .
Essas estratégias de "Reforma do Estado" estão inseridas em u m movimento mais geral e m
di reção a u m suposto setor público não-estatal (também chamado de 'Terceiro Setor') que se
responsabilizaria pela execução dos serviços que não envolvessem o exercício do "poder de Estado",
mas que deveriam ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde,
cu ltu ra e pesqu isa científica. Esse processo, chamado de ''publicização'', na realidade não é uma
"criação" do MARE. Ele se incl u i em todas as propostas de reforma decorrentes da implementação
dos chamados Aj ustes Estrutu rais. No entanto , mesmos naqueles pa íses onde já existia uma certa
tradição na participação de entidades não-estatais na prestação de serviços sociais, esse modelo
vem sendo criticado na medida em que não está dando conta de compensar a forte retração dos
respectivos Estados tanto no financiamento como na gestão dos serviços públ icos . O maior exemplo
disso é os Estados U nidos onde amplos setores da população encontram-se marginal izados do acesso
a serviços sociais básicos , sejam eles estatais ou não.
para real idades pol íticas, adm in istrativas , financeiras e sociais total mente d iversas .
Na real idade , houve uma brutal reconcentração de recu rsos e de poder nas mãos do governo
federal, totalmente contrária ao ideário do SUS na sua matriz originária. Abandonou-se por completo a
concepção - prevista na Constitu ição de 1 988 - de Segu ridade Social , que preconizava um orçamento
ún ico e com diversidade de fontes de financiamento para os seus componentes de Saúde, Assistência
e Previdência Social. Ao restri ngir o fiananciamento do Setor Saúde apenas aos recu rsos fiscais, ele
ficou à mercê da pol ítica de ajuste fiscal cada dia mais restritiva, lançando mão de recu rsos aleatórios,
como a C P M F, de caráter contingencial e que sequer vem sendo i ntegralmente desti nada ao setor.
Os parcos i nvestimentos feitos pelo governo federal (diga-se de passagem, exclusivamente
destinados a reequipar, parcialmente, a rede hospitalar já existente) dependem de empréstimos externos
(principal mente do Banco M u ndial ) , os quais, além de eventuais, aumentam ainda mais a d ívida do
nosso país , que já não é peq uena, como todos sabe m .
A recém prom ulgada PEC da Saúde é mais um exemplo da capacidade de distorcer propostas
antes defendidas pela esquerda e setores progressistas e transformá-Ias em estratégias convenientes
para o projeto neoliberal . Mais uma vez, sob a aparência de que os recu rsos para a saúde aumentarão,
e concedendo de forma distorcida uma aspi ração de vincu lação de recu rsos, o governo federal perpetra
mais uma "reengenharia" , red uzindo sua obrigação e repassando para os estados e municípios a
responsabi l idade maior no financiamento do setor saúde.
Do ponto de vista da U n ião, aumentar em 5% o montante i nvestido no setor em relação ao ano
passado ( 1 999) , corrigindo para os anos seg u i ntes pela variação do PIB nominal , não só não significa
nenhum avanço no sentido de resolver a i nsuficiência de recu rsos para a saúde , como se trata de u m
enorme retrocesso com relação à Constitu ição de 1 988 e à PEC original dos deputados Eduardo
Jorge e Wald i r P i res, pelas segu i ntes razões:
- A PEC atual não define a origem dos recu rsos no âmbito federal, eliminando de vez a vinculação
de recu rsos da Segu ridade Social para a Saúde, na medida em que os recu rsos i nvestidos no setor
desde 1 993 são apenas de origem fisca l .
- A ameaça de extinção total d a s Contri buições pelas propostas em pauta para a Reforma
Tributária confi rma a destru ição da concepção original de Segu ridade Social no financiamento eqüitativo
da Saúde, P revidência e Assistência Social .
- O patamar de recu rsos sobre o qual será corrigido em 5% é sabidamente insuficiente para a
saúde. Além de manter esse patamar baixo, o acréscimo de um P I B nominal em franco descenso da
recessão econôm ica tampouco representa nenhum cenário ani mador.
- Os mecan ismos de transfe rência e de aplicação dos recu rsos por parte do governo federal
mantêm as mesmas distorções já apontadas .
Do ponto de vista dos estados, a PEC impl ica em uma peq uena elevação da sua participação.
Este acréscimo, no entanto, provavelmente não compensará, de u m lado, a provável retração de
alguns m u n icípios que já destinam mais do que está previsto na PEC; e , de outro , a d i m i n u ição dos
recu rsos federais pela reti rada das contribu ições . Além d isso, mais uma vez impõe-se uma camisa de
força u n iforme como se todos os estados tivessem ig uais condições de aplicar pelo menos 7% de
suas receitas de i mpostos e transferências constitucionais, ignorando a retração econômica que afeta
a principal fonte de receita dos estados - o I C M S - isso sem falar no crescente processo de
endividamento dos estados . Nesse sentido, não foi estabelecido nenhum tipo de compensação
Finalmente , do ponto de vista dos m u n icípios, a vinculação de 7% até 1 5% não provocará
nenhum aumento de recu rsos para a saúde: boa parte dos m u n icípios brasileiros já contribu i , em
média, com 1 5% de suas receitas de im postos e transferências 4 . Ou seja, provavelmente a Lei de
Responsabi l idade Fiscal afetará o n ível do gasto m u n icipal já alcançado na área da saúde, na medida
4 Ver levantamento do MS feito em 1 998 junto a 1 . 500 municípios (SIOPS - Sistema de Informações
sobre o Orçamento Público em Saúde).
em que o corte de despesas ocorrerá certamente ju nto às chamadas "despesas compri m íveis".
Por outro lado, é totalmente desconsiderada a enorme heterogeneidade entre os municípios
brasileiros na sua capacidade de arrecadação, sobretudo no que diz respeito à suposta "compensação"
conced ida aos m u n icípios para criar o I PTU "prog ressivo", fonte que para os m u n icípios pobres não
representa absol utamente nada. Ou seja, confi rma-se , de forma recorrente , a nossa tese de que a
desigualdade entre os municípios será mantida, possivel mente ampliando a iniqü idade do ponto de
vista da oferta de serviços de saúde em qual idade e quantidade. Finalmente , a defi n ição do gasto em
saúde do ponto de vista da atenção básica e os mecanismos de repasse permanecem inalterados
com essa "nova" PECo
novos "atores" n o cenário d a prestação privada d e serviços d e saúde: o s hospitais e cl ínicas particulares
conven iadas com o S U S e os segu ros privados de saúde.
O primeiro g rupo, ainda que de forma decli nante, dado o i rrisório preço pago pelas A I H S , ainda
consome parte impo rtante dos recu rsos destinados ao SUS, com a ag ravante de ser o responsável
pelas famosas "d istorções" e "desvíos" de recursos, principal mente no âmbito local, já que são as
Prefeitu ras as responsáveis pelo pagamento das internações hospitalares no seu território. Ao contrário
do que reza a "cartil ha", os governos locais têm se mostrado tão corruptos q uanto os demais n íveis de
governo e igualmente i m u nes ao controle social su postamente exercido pelos Conselhos M u n icipais
de Saúde, mu itas vezes manipulados pelos respectivos prefeitos e/ou secretários mun icipais de saúde.
O segu ndo grupo - os segu ros privados de saúde - se constitui no "setor emergente", expressão
máxi ma da mercanti lização da saúde. Trata-se de um setor d uplamente beneficiado. De um lado pela
pol ítica de desmonte do SUS que "expu lsa" clientela potencial para esses seg u ros: ou seja, com a
sua pol ítica, o governo federal assegu ra u m patamar de demanda para esses seg u ros. De outro , ele é
privi legiado por u m financiamento d i reto e indireto através de subsíd ios e isenções fiscais, o que tem
representado um enorme desvio de recu rsos públ icos para esse setor, abertamente l ucrativo , em
detri mento do S U S .
Cabe apenas lembrar que esse privi legiamento t e m l i m itações sérias, de natu reza estrutu ral e
financeira, já demonstradas em pa íses onde se privatizou por completo o setor saúde (como é o caso
do Chi le) . Nos pa íses lati nos americanos, e o nosso não foge à reg ra , as possibil idades de expansão
da demanda dos segu ros privados é lim itada à própria renda, particularmente da classe média, a qual,
inclusive , vem empobrecendo a ol hos vistos. Ou seja, esse setor tem u m potencial de cobertura
máxima em torno de 30% da população . I sto significa que os restantes 70% (os mais empobrecidos)
conti n uarão dependendo do sistema públ ico, cada dia mais desmontado e desfi nanciado. Por outro
lado, a capacidade de financiamento públ ico desse setor também tem um limite , já que representa u m
custo mu ito elevado para o s cofres públ icos .
Finalmente , acrescente-se que o poder reg ulatório por parte do poder públ ico sobre os segu ros
privados tem se mostrado extremamente limitado: é do conheci mento de todos as inúmeras restrições
feitas por esse setor a determ inadas clientelas e patologias que não dão l ucro, sem falar na baixa
qualidade da assistência prestada pelos serviços médicos contratados pelas companhias segu radoras,
os quais são péssimamente remunerados , mais u ma vez , em fu nção dos lucros absu rdos auferidos
por essas empresas .
Outra face tão perve rsa quanto , mas talvez mais "cam uflada" , tem sido a privatização "por
dentro" do setor públ ico . É a i ntrod ução da lógica mercanti l no i nterior dos serviços públ icos, aonde se
privi legia a "microeconomia" do custo/benefício em detri mento da qual idade. São os "modismos"
gerenciais, como a "qualidade total" e outras bobagens, que, entre outras coisas, provocam a eliminação
do servidor p ú b l ico através da "fl ex i b i l ização" e da "desreg u l a m e ntação" , gerando u m total
descompromisso do serviço com a população atendida. As formas assumidas por essa "modernidade
gerencial" são variadas , sendo as mais conhecidas as chamadas "cooperativas" .
Esta é uma estratégia já expl icitada na mal chamada "Reforma do Estado" , que transforma
órgãos públ icos estatais em agências privadas denomi nadas de "Organizações Sociais", eufem ismo
que representa o descompromisso do Estado com a saúde da popu lação, entregando-a nas mãos de
agentes privados os quais, obviamente, são devidamente alavancados por recu rsos públ icos. Em
nome da "li berdade de escolha", essas agências podem , se q u isere m , cobrar do pobre usuário que
estará pagando du plamente : através dos impostos e do pagamento di reto pelos serviços .
Aq ui cabe chamar a atenção para o fato de que, lamentavelmente , essa estratégia da cobrança
di reta - precon izada em inúmeros documentos do Banco M u ndial - já está sendo amplamente uti lizada
na maioria dos países lati no americanos. Isto sign ifica que ainda temos m u ito que defender em nosso
país: o SUS ainda é o ún ico sistema públ ico u n iversal da América Latina, e , apesar das suas restrições
e problemas, conti nua sendo a ú n ica alternativa que resta à parcela majoritária da nossa população.
Para finalizar, não se pode deixar de analisar e criticar os atuais P rogramas Federais de Saúde,
com o devido destaq ue para o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde) e o PSF
(Programa de Saúde da Família). Estes p rogramas têm sido o "carro-chefe" daquilo que vem sendo
denomi nado de " reversão do modelo assistencial' . Do meu ponto de vista esta "reversão" tem sido
para pior pelas seg u intes razões:
- Em primeiro l ugar, são programas verticais, i mpostos de cima para baixo pelo M i n istério da
Saúde, total mente normatizados no n ível central, e bancados por "incentivos" financeiros no repasse
de recu rsos , obrigando, na prática, a sua adoção por parte dos M u n icípios .
São programas q u e desconsideram totalmente a enorme heterogeneidade entre o s municípios
na oferta de serviços de saúde - a maioria dos quais seq uer possu i uma rede regionalizada e
hierarquizada que garanta o acesso universal a todos os n íveis de atenção - o que limita o atendimento
dado por esses p rogramas a uma simples "porta de entrada" , sem resol utividade e sem "porta de
saída".
- Desconsideram , ainda, o também heterogêneo e complexo quadro epidem iológico brasileiro
que demanda serviços de saúde em todos os n íveis de complexidade: os "pobres" hoje estão morrendo
de acidentes e violências, câncer, doenças cardiovasculares, problemas cuja resolução vai mu ito
além da capacidade de um agente de saúde.
- Finalmente, e trazendo u m problema que é m u ito caro à Enfermagem Brasi leira, esses
programas, na prática, têm substitu ído p rofissionais qualificados por pessoas sem qual ificação , com
uma remuneração praticamente simbólica, com contratos de trabalho precários, sob o falso argumento
de que esses agentes estariam mais "próximos" da comu nidade. Quem conhece a realidade e trabalha
nesses programas sabe das inúmeras distorções que essa falsa premissa tem provocado, como os
mecanismos de cooptação e o clientelismo nas contratações, somando-se as já mencionadas limitações
desses agentes na resolução dos problemas de saúde da população .
Cabe, portanto , retomar a defesa do S U S , resgatando seus princípios constitucionais de
u niversal idade, i ntegralidade e acesso igual itário a todos os n íveis de complexidade do sistema,
garantindo a qualidade da atenção por equ ipes profissionais qualificadas e com condições de trabalho.
I sto não é pouco , face ao expl ícito e i m p l ícito processo de desmonte que o nosso sistema de saúde
vem sofrendo.