Você está na página 1de 26

Dislexia, Disgrafia e Disortografia:

Estratégias e Reeducação

Manual do Formando

Formadores

Diana Santos de Sousa


(diana.sousa17@hotmail.com)
&
Joana Mendes
(joferreiramendes@gmail.com)

1
Índice

Objetivos .....................................................................................................................3
DIS que disse: Mitos associados às DIS .................................................................... 4
Medidas Educativas ....................................................................................................7
Estratégias Reeducativas nas DIS ............................................................................ 10
Atividades e exercícios nas DIS ............................................................................... 20
 Promotores de competências auditivas e fonológicas ................................ 20
 Promotores de competências linguísticas orais ............................................ 22
 Promotores de competências ortográficas ................................................... 22
 Promotores de competências de grafismos .................................................. 22
Links para aprofundar conhecimentos .................................................................... 23
Referências bibliográficas ....................................................................................... 24

2
Objetivos

No final deste módulo, os formandos deverão ser capazes de:


 Identificar e desconstruir mitos associados às DIS;
 Conhecer as medidas educativas e sua importância;
 Conhecer e implementar estratégias reeducativas nas DIS;
 Conhecer e elaborar atividades de intervenção.

3
DIS que disse: Mitos associados às DIS
As perturbações de aprendizagem específica são cada vez mais faladas,
embora muitos pais e professores não tenham informação correta acerca das
mesmas.
As DIS são muitas vezes associadas a falta de inteligência embora muitas
pessoas com dislexia se mostrem mais criativas e inovadoras do que as pessoas sem
dislexia, uma vez que elas tendem a ativar outras áreas do cérebro para compensar
as suas dificuldades (Rubino, 2008). Personalidades célebres como Albert Einstein,
Thomas Edison, Walt Disney e Agatha Christie tinham Dislexia (Rubino, 2008).

Mito: Ter dislexia é o mesmo que ter baixa inteligência


FALSO! Vários estudos demonstram que pessoas com Dislexia têm uma
inteligência dentro da média ou mesmo acima dela (SEI, 2017). Até para o diagnóstico
segundo o DSM5 (APA, 2014), as perturbações de aprendizagem específica não
podem ter um défice intelectual associado. Muitas crianças e adolescentes sofrem
por ter Dislexia, não pela perturbação em si, mas porque são chamados de ‘burros’
por pais e professores (Rubino, 2008).

Mito: Um aluno com dificuldades na leitura tem obrigatoriamente dislexia


FALSO! Nem sempre é fácil distinguir um aluno com Dislexia de um aluno que
aprende a um ritmo mais lento. Um aluno com Perturbação de Aprendizagem
Específica apresenta um défice em uma ou em mais áreas, apresentando contudo
sucesso em outras áreas. Para além disso, verifica-se uma discrepância entre a
capacidade e o desempenho, ou seja, as suas capacidades cognitivas estão acima do
que é esperado pelo seu desempenho (SEI, 2017).
As Perturbações de Aprendizagem Especificas (as “dis”) são de caráter
permanente e, apesar dos alunos poderem ser alvo de intervenção psicopedagógica
e aperfeiçoarem os seus desempenhos, terão sempre essa dificuldade. É de
sublinhar, no entanto, que qualquer aluno, durante a sua vida académica, pode sentir
algum tipo de dificuldade, não sendo obrigatório ter uma Perturbação de
Aprendizagem Especifica.

4
Mito: Deve-se esperar até ao final do 2º ano para fazer uma avaliação de Dislexia.
FALSO! Embora o diagnóstico perturbação de aprendizagem específica só
deva ser formalmente feio após dois anos de aprendizagem formal da leitura e
escrita, existem desde mais cedo sinais de alerta que não devem ser ignorados. A
avaliação deve ser realizada e, posteriormente, deve ser iniciado o processo de
intervenção, dado que quanto mais precoce for a intervenção, maior a probabilidade
de sucesso (SEI, 2017).

Mito: Os alunos com dislexia têm problemas visuais.


FALSO! As Perturbações de Aprendizagem Especifica têm origem na
combinação entre fatores genéticos e ambientais que resultam em alterações
estruturais e funcionais do cérebro (Moura, 2014). Assim, não está associada a um
défice visual, mas sim a causas essencialmente genéticas. Não obstante, e com vista
a um diagnóstico rigoroso, antes de se iniciar uma avaliação psicopedagógica para
despiste de Perturbação de Aprendizagem Especifica, é importante efetuar
previamente uma avaliação auditiva e visual, de modo a excluir a hipótese auditiva e
visual como causa das dificuldades reveladas pela criança (SEI, 2017).

Mito: Não é possível ter sucesso escolar quando se tem uma Perturbação de
Aprendizagem Específica
FALSO! Cada vez mais tem sido reforçado o papel crucial da implementação e
desenvolvimento de estratégias psicopedagógicas adequadas na sequência de um
diagnóstico de Perturbação de Aprendizagem Especifica, no sentido de permitir à
criança corresponder às exigências das aprendizagens escolares e desse modo, obter
sucesso escolar (SEI, 2017).

Mito: Quando a criança escreve a maioria das letras de baixo para cima tem
Perturbação de Aprendizagem Especifica.
FALSO! No ensino pré-escolar e no início do primeiro ciclo, as crianças podem
sentir dificuldades na escrita de letras e números, podendo escrever em “espelho”
(ou seja, da direita para a esquerda ou de baixo para cima). A maior parte das crianças

5
corrige estes erros aquando da aprendizagem formal das letras, da leitura e da escrita
(SEI, 2017).

Mito: Se um dos pais tem Dislexia, os filhos também terão.


Não necessariamente. Não devemos deixar de salientar o papel da família no
potencial desenvolvimento da dislexia. São vários os estudos que apontam que filhos
cujos pais têm dislexia têm mais probabilidade de desenvolver esta dificuldade na
leitura também (Eklund, Torppa & Lyytien, 2013; Van Viersen et. al, 2018). No entanto,
apesar desta maior predisposição da presença da Dislexia em filhos de pais com a
mesma dificuldade, a sua manifestação não deverá ser dada como certa (SEI, 2017).

Mito: A Dislexia cura-se.


FALSO! A dislexia é uma Dificuldade de Aprendizagem Especifica de carácter
permanente e, consequentemente, não tem cura. No entanto, existem diferentes
estratégias e métodos de intervenção psicopedagógicos que podem ser utilizados
em crianças com Perturbação de Aprendizagem Específica no sentido de as ajudar a
ultrapassar ou a atenuar as suas dificuldades. Quanto mais precoce for a
implementação destas estratégias, melhores resultados a criança terá ao longo da
sua vida e percurso escolar (SEI, 2017).

Mito: A Dislexia está relacionada com dificuldades de orientação-espacial e/ou com


 “ser canhoto”
FALSO! Não existe qualquer tipo de investigação que demonstre uma ligação
entre orientação-espacial e Dislexia, nem entre ser esquerdino ou destro e a Dislexia.
O único fator comum comprovado cientificamente entre as várias pessoas com
Dislexia é um défice ao nível da consciência fonológica (Moura, 2014; SEI, 2017).

Mito: A Dislexia é um diagnóstico médico


FALSO! As Perturbações de Aprendizagem Específica não podem ser
consideradas como problemas médicos, nem diagnosticadas exclusivamente por um
médico, uma vez que este não possui conhecimentos suficientes de avaliação da
leitura e da escrita. O diagnóstico deve envolver uma anamnese que integre o

6
historial do desenvolvimento do individuo, contemplando a área médica, familiar e
educacional e deve incluir relatórios e avaliações escolares, bem como uma avaliação
psicopedagógica (SEI, 2017).

Mito: As medidas educativas implementadas aos alunos com Perturbação de


Aprendizagem Específica são uma injustiça para os restantes colegas.
FALSO! Cada professor tem o dever de proporcionar a cada aluno aquilo que
é necessário para que este tenha um bom rendimento escolar. Assim, as adaptações
que os professores fazem são uma tentativa de criar condições justas, quer em
situação de teste ou num trabalho de casa, e não uma forma de atribuir vantagens
aos alunos com uma determinada problemática. Na verdade, um aluno com
Perturbação de Aprendizagem Específica terá que se esforçar tanto ou mais que
outro aluno, mesmo com as adaptações curriculares (SEI, 2017).

Não obstante todos os mitos associados às DIS, existem certas atitudes dos
professores que podem ser uma mais-valia para os alunos (Abreu, 2012):
 Aceitar que uma criança com dificuldades específicas de aprendizagem
pode demorar mais tempo a aprender e cansar-se rapidamente, mas que
tem capacidades para atingir os objetivos;
 Não aplicar o rótulo à pessoa (“ele é disléxico”) mas ao comportamento;
 Aceitar a frustração sentida pelo aluno com dislexia e motiva-lo a
continuar, valorizando os seus pontos fortes;
 Explicar às outras crianças a natureza da dislexia, para não troçarem do
colega com dislexia;

Medidas Educativas
A dislexia é tida com uma dificuldade específica de aprendizagem de caráter
permanente, com impacto nas suas aprendizagens, uma vez que o aluno pode não
ter acesso à leitura ou apresentar dificuldades nela, o que o inibe de usufruir de
experiências e oportunidades sociais e académicas (Abreu, 2012).

7
Segundo o que refere o novo Decreto-Lei referente à Educação Inclusiva (D.L.
54/2018) os alunos com dislexia, disgrafia e disortografia poderão usufruir das
seguintes medidas:

 Medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão (art. 6º) – visam


o suporte à aprendizagem e podem passar por vários níveis
consoante as dificuldades do aluno e a gravidade da problemática:

•A frequência do ano de escolaridade por disciplinas;


Medidas •As adaptações curriculares significativas;
•O plano individual de transição;
adicionais •O desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino estruturado;
•O desenvolvimento de competências de autonomia pessoal e social.

Medidas •Percursos curriculares diferenciados;


•Adaptações curriculares não significativas;
•Apoio psicopedagógico;
Seletivas •Apoio tutorial.

•A diferenciação pedagógica;
•As acomodações curriculares;
•O enriquecimento curricular;
Medidas universais •A promoção do comportamento pró -
social;
•A intervenção com foco académico ou
comportamental em pequenos grupos.

 As acomodações curriculares incluem a diversificação e a


combinação adequada de vários métodos e estratégias de ensino,
a utilização de diferentes modalidades e instrumentos de
avaliação, da adaptação de materiais e recursos educativos e a
remoção de barreiras na organização do espaço e do
equipamento, planeadas para responder aos diferentes estilos de
aprendizagem de cada aluno;

 As medidas universais destinam-se a todos os alunos. No caso do


aluno necessitar de medidas seletivas ou adicionais terá de ser
elaborado um documento onde constem as medidas sendo ele o
Relatório Técnico-Pedagógico (medidas seletivas) ou Programa
Educativo Individual (medidas adicionais).

 Equipas multidisciplinares de apoio à educação inclusiva (art. 12º)


– as medidas de apoio à educação inclusiva devem ser postas em
prática pelas equipas supracitadas, que são constituídas por:
o Um professor que auxilia o diretor;
o Um professor de educação especial;
o Três membros do conselho pedagógico;
o Um psicólogo.
 Adequações ao processo de avaliação (art. 28) – caso a escola o
entenda todos os alunos poderão usufruir de adequações ao
processo de avaliação, tais como:
o Tempo suplementar para a realização das provas;
o Transcrição das respostas;
o Leitura de enunciados;
o A utilização de sala separada;

Na avaliação é importante (Abreu, 2012):


 Nos testes, apresentação de textos mais curtos, questões mais diretas,
leitura e explicação das mesmas por parte do professor;
 As provas de avaliação devem ser curtas/opção por responder a menos
questões ou por ter mais tempo para a respetiva realização;
 Na apresentação dos enunciados devem ser ampliados o espaço entre
linhas e o espaço para a resposta.
8
 Nos testes e fichas de avaliação as instruções devem ser adaptadas e ter
baixa complexidade morfossintática, semântica e lexical. Podem ser
utilizados testes com respostas múltiplas e Verdadeiros e Falsos;
 Não descontar os erros ortográficos, embora estes sejam corrigidos;
 Na avaliação deve privilegiar-se a oralidade e não a escrita, bem como
fazer uma avaliação continua;
 Os alunos devem receber orientação para o seu estudo através de
checklists ou objetivos, perguntas orientadoras;

Em anexo, constam as medidas educativas que alunos com Dislexia podem


beneficiar em situação de exame, segundo as diretrizes do Júri Nacional de Exames.
Um novo ramo do conhecimento, designado Neurociência da Educação, tem
procurado estudar a educação e o cérebro, entendendo que a primeira pode
modificar o segundo, ou seja, que as práticas pedagógicas exercem modificações a
nível cerebral. É uma área do saber que estabelece íntima relação com Neurologia,
Psicologia e Pedagogia, e procura compreender como os seres humanos aprendem
melhor, de forma a poder otimizar o processo de ensino-aprendizagem (Zeffiro &
Eden, 2000; Shaywitz & Shaywitz, 2004; Galaburda et al, 2006; Giswami, 2006;
Internacional Dyslexia Association, 2015, citados por Teles, 2018).
Relativamente ao ensino da leitura, os estudos referem que os métodos de
ensino eficazes adotam orientações importantes que os caracterizam como
métodos (Dehaene, 2007, 2015; Morais, 1997, 2012, citados por Teles, 2018):
 Fónico-silábicos
o Acompanham o percurso de desenvolvimento da linguagem oral,
complexificando o nível de competências a partir do fonema até
aos textos, passando pelas sílabas, palavras e frases.
 Multissensoriais
o As atividades multissensoriais ativam em simultâneo diferentes
áreas cerebrais, através do estímulo dos vários sentidos (audição,
visão, tato) e, por isso, promovem a memorização e aprendizagem.
 Sequenciais

9
o A organização dos materiais corresponde à organização e ordem
da linguagem oral, iniciando por elementos mais básicos e
progredindo de forma sistemática para elementos mais
complexos.
 Cumulativos e sistemáticos
o Uma nova competência deve assentar noutras previamente
aprendida, com revisão sistemática dos conhecimentos adquiridos,
potenciando a sua memorização e automatização.
 Devem, pois, incluir avaliação diagnóstica contínua e
rigorosa, e a monitorização dos resultados ao longo da
evolução.
 Sintéticos e analíticos
o Contemplam a síntese dos fonemas e palavras na leitura e análise
das sílabas e fonemas das palavras na escrita.
 Diretos e explícitos
o As diferentes competências devem ser trabalhadas de forma
explícita e dirigida, nomeadamente a correspondência entre os
sons da linguagem e as letras do abecedário.

Estratégias Reeducativas nas DIS


Conforme supramencionado, procedimentos que adotem as orientações
referidas potenciam o sucesso de crianças com dislexia nas atividades e tarefas de
leitura e escrita.
A abordagem multissensorial, por exemplo, reveste-se de significativa
importância se pensarmos que trabalha a relação entre audição (estímulos auditivos,
fala) e visão (estímulos visuais, escrita), bem como a inter-relação destes com as
modalidades cinestésicas, dando oportunidade para a criança “experimentar” e
vivenciar a linguagem oral e escrita. Assim, sugere-se que, perante o grafema, por
exemplo, a criança tenha oportunidade para observar, gesticular, articular, escrever,
recortar, moldar (com plasticina, por exemplo), reconhecer pelo tato de olhos
fechados, etc., de forma a ativar diferentes tipos de memória (visual, auditiva,

10
articulatória, tátil, grafomotora e rítmica), e, assim, facilitar a sua aprendizagem.
Sugere-se o recurso a apoio visual, imagens e ilustrações, no caso de frases e textos,
complementares à informação auditiva ou escrita (Torres & Fernández, 2001).
A bibliografia aponta para algumas estratégias que podem ser utilizadas em
contexto escolar, nomeadamente no sentido de se transmitir ao grupo/turma
informações gerais sobre a dislexia. Devido às dificuldades que enfrentam, muitas
vezes são associados a preconceitos e mitos, pelo que a dislexia deve ser
desmistificada. Uma sugestão consiste na referência a indivíduos famosos de sucesso
que ultrapassaram as suas dificuldades de leitura e escrita, como Leonardo da Vince,
Hans Christian Andersen, Thomas Edison, Tom Cruise ou Cher, por exemplo,
podendo-se igualmente partilhar trechos para leitura que exemplifiquem as
dificuldades de uma criança com dislexia, para que os colegas possam “experimentar
a dislexia” e melhor compreender as dificuldades (Nielsen, 1999).
Deve-se evitar comentários orais ou escritos relativos à necessidade de se
esforçar mais, a associação do desempenho com preguiça ou desleixo por parte do
aluno, bem como comparações com os restantes colegas. Em alternativa, o resultado
escrito deve ser elogiado, independentemente dos progressos poderem ser ligeiros.
Da mesma forma, é contraproducente forçar o aluno com dislexia a ler em público,
sendo preferível deixá-lo acompanhar o texto em voz baixa ou silenciosa ou permitir
que grave o trecho a ser lido. Ocasionalmente, pode-se organizar os trabalhos de
forma a que os restantes alunos possam realizar os trabalhos da mesma forma, com
recurso à gravação ou programas de processamento de texto, de forma a minimizar
a diferença. Atividades complementares de base oral verbal podem eliminar grande
parte da tensão que o aluno sente (Nielsen, 1999).
Quando uma criança com dislexia apresenta dificuldades motoras, como
lateralidade, ou psicomotoras, relacionadas com esquema corporal ou orientação
espácio-temporal, por exemplo, é necessário promover atividades físicas,
espontâneas ou organizadas, pois contribuem para o fortalecimento muscular e
coordenação motora, bem como outras que promovam as noções de espaço e
tempo. À medida que vai maturando estas competência, do motor global ao fino, a
criança otimiza as competências necessárias às tarefas académicas. Sugerem-se
atividades de preensão precisa (picotado), de dissociação precisa e regulação de

11
força (recortes), e de coordenação visuomotora para treino de atenção e memória
(desenho) (Torres & Fernández, 2001).
Adicionalmente, os exercícios psicomotores promovem o bem-estar físico e
psíquico, que se traduz na esfera comportamental, ajudando a criança com dislexia a
lidar com as dificuldades no domínio emocional (Torres & Fernández, 2001).
Por sua vez, uma abordagem psicolinguística inclui desenvolvimento e treino
de competências auditivas e visuais, que envolvem competências mnésicas e
fonológicas, desde a identificação de sons à compreensão de contos lidos, ordenação
sequencial de narrativa e memorização de excertos, por exemplo (Torres &
Fernández, 2001). Sugere-se o recurso à leitura recreativa diária, através da escolha e
leitura de um “livro de cabeceira”, que se lê todos os dias uma parte, com elaboração
de pequeno registo ou atividade relacionada (Teles, 2018).
Em termos de timings, na comunidade científica é unânime a importância da
intervenção precoce no âmbito da Dislexia, mas o modelo de intervenção tradicional
atua de forma contrária, aguardando o diagnóstico para justificar a sua atuação
(Sucena, 2018).
Em Portugal há poucos estudos sistemáticos no âmbito de programas de
intervenção, persistindo a existência de intervenções avulsas ou pouco consensuais
a nível científico. Para serem eficazes, as estratégias de intervenção devem, por isso,
basear-se em investigação, com resultados comprovados, e ser delineadas com
consideração pelos processos de aprendizagem de leitura e características da
ortografia de determinada língua (Sucena, 2018).
Os programas de treino que visem a promoção da aprendizagem da leitura e
escrita, antes ou depois da entrada na escola, devem incluir a promoção da
consciência explícita do fonema. A nível da promoção das relações fonema-grafema,
há diferentes resultados consoante o método fónico privilegie os nomes das letras
ou o seu som, ou seja, mediante recorram à estratégia analítica 1 ou sintética2,
respetivamente. No caso da língua portuguesa, faz sentido optar pela estratégia

1
Segundo a qual a criança tem de analisar a palavra nos seus sons correspondentes, chegando
ao nome de cada letra (Sucena, 2018).
2
Segundo a qual a criança tem de sintetizar os sons das letras, apresentados isoladamente,
chegando à palavra (Sucena, 2018).

12
fónica sintética, pois a uma letra podem corresponder diferentes sons, por exemplo
(Sucena, 2018).
No processo de leitura, quando a criança descodifica uma palavra nova, cria
uma oportunidade para adquirir informação ortográfica específica para essa palavra.
Na fase inicial de aprendizagem, este processo é difícil e lento, e a descodificação
ocorre sem ter em conta o contexto ortográfico e morfémico. O que significa que a
criança terá êxito em palavras de ortografia regular, nas quais há correspondência de
um para um entre grafema e fonema, ou seja, a forma como se escreve é a forma
como se pronuncia, enquanto terá dificuldades em palavras que dependem de pistas
contextuais, como o caso da palavra “mesa”, pois neste contexto o grafema /s/
corresponde ao fonema /z/. À medida que aumenta o seu léxico ortográfico,
englobando um maior número de itens, e uma maior rede de conexões entre eles, há
maior sucesso nas respostas com base em analogias ortográficas. A promoção do
processo de descodificação deve inicialmente centrar-se em palavras e
pseudopalavras de ortografia simples e só posteriormente de ortografia complexa,
promovendo a descodificação alfabética e posteriormente a ortográfica, respeitando
assim a evolução de competências supracitada. É ainda importante considerar a
estrutura silábica e a extensão das palavras ou pseudopalavras a ler, pelo que se deve
iniciar por estruturas simples do tipo Consoante-Vogal e extensão silábica reduzida
ou intermédia. Refere-se ainda diferentes ganhos na escolha de pseudopalavras ou
palavras no contexto de intervenção, pois a palavra promove o desenvolvimento do
léxico ortográfico, sendo tendencialmente mais motivador, e as pseudopalavras
orienta para uma leitura com base na descodificação e não na adivinhação.
Relativamente às tarefas, as de leitura e escrita de palavras promove o
desenvolvimento do léxico ortográfico e respetivas relações com o fonológico, com
especial motivação para a criança que, após descodificação, reconhece que leu,
sendo capaz de extrair significado (Sucena, 2018).
Assim, o método considerado mais eficaz para ensinar a ler é o método fónico,
tendo sempre em atenção as etapas e sequência do processo de aprendizagem da
leitura, sendo necessário desenvolver e automatizar, em primeiro lugar, o processo
de descodificação (Sucena, 2018).

13
Tem-se, a título de exemplo, o Método Fonomímico Paula Teles®, que foi
elaborado com consideração pelos aspetos orientadores referidos anteriormente,
pois é um método fónico-silábico multissensorial, explícito, sequencial e cumulativo,
sintético e analítico. Visa o desenvolvimento de competências fonológicas,
nomeadamente da consciência fonémica e do ensino do princípio alfabético, o
desenvolvimento da grafomotricidade e contempla diferentes recursos através de
livros e CD-áudio com cartões fonomímicos e cantilenas do acebecedário, por
exemplo (Teles, 2018).
 Cartões Fonomímicos
o Treino da correspondência fonema-grafema e do princípio
alfabeto
 Parque dos Fonemas
o Treino da correspondência grafema-fonema, da consciência
fonológica e da fusão fonémica. Aprendizagem da escrita
cursiva dos diferentes grafemas.
 Abecedário e Silabário
o Treino do princípio alfabético e da fusão fonémica. Treino da
leitura fluente dos diferentes tipos de sílabas.
 Livros Leitura e Caliortografia 1,2 e 3
o Treino das fusões silábicas sequenciais. Treino da leitura fluente
das listas de palavras e textos.
 Caderno de Caliortografia e Vocabulário Cacográfico
o Treino de correspondências fonema-grafema, segmentação
silábica e fonémica.
 Trocas fonológicas – Exercícios de Consciência Fonológica e
Fonoarticulatória
o Treino das dificuldades na discriminação das correspondências
fonema-grafema, da fluência leitora e da escrita cursiva leg´´ivel
e com correção ortográfica.

O software Graphogame, que consiste num programa informatizado de


instrução fónica, surge como um recurso lúdico interativo com resultados eficazes na
14
intervenção com crianças com dislexia em várias línguas, sendo originalmente
finlandês. O Graphogame visa o treino das relações fonema-grafema, do processo de
descodificação e da promoção de fluência leitora. Com o auxílio de auscultadores, a
criança ouve um som correspondente a uma letra, palavra ou pseudopalavra, em
diferentes níveis de dificuldade, e deve selecionar a opção escrita de várias
disponíveis. Inclui, por isso, estímulos auditivos com informação fonológica e
estímulos visuais com informação ortográfica, facilitando a aquisição e estabilização
de representações mentais de qualidade das características específicas de fala e de
escrita (Perfetti & Hart, 2001, citados por Sucena, 2018). Estas representações
estáveis facilitam a recuperação rápida e exata do significado, acedendo à
compreensão das palavras (Perfetti, 2007, citado Sucena, 2018).
Por sua vez, o desenvolvimento do Graphogame Português Alicerce (GGPA)
procura promover processos alicerce à leitura, como a consciência fonémica, as
relações grafema-fonema e a descodificação alfabética, atuando em paralelo na
fluência e léxico ortográfico. Consiste num jogo de labirinto, no qual o jogador deve
procurar o portão de acesso ao próximo nível, deparando-se pelo caminho com
exercícios e recompensas, como peças de vestuário para o seu avatar (armadura, por
exemplo). Destina-se a crianças desde o 1º ano de escolaridade e inclui dois tipos de
exercícios/tarefas: correspondência entre estímulo auditivo e opção visual
apresentada e sequência de letras apresentadas visualmente em conformidade com
o estímulo auditivo ouvido. Os estímulos auditivos foram gravados por uma falante
nativa do português europeu, sem marcas dialetais, e com isenção de ruído. O GGPA
foi alvo de uma avaliação-piloto com 38 crianças do 1º ano de escolaridade ao longo
de 16 semanas, revelando por um lado elevado potencial de identificação de crianças
com dificuldades, e por outro necessidade de supervisão por parte de um profissional
da área da educação/clínica no decorrer do jogo, no sentido de colmatar dificuldades
técnicas ou outras que surjam no seu desenvolvimento, prevenindo a desmotivação
gradual que ocorre pelo efeito de habituação (Sucena et al., 2015, citados por
Siucena, 2018).
No que diz respeito à disortografia, e em contexto escolar, tradicionalmente
recorre-se a técnicas tidas como não recomendadas para a correção de erros
ortográficos. O ditado, por exemplo, como método de intervenção, tem sido

15
bastante criticado. Em primeiro lugar, porque depende do modelo de quem dita, isto
é, não traduz o vocabulário da criança e pode, inclusivamente, mascarar alguns erros,
na medida em que muitas pausas do ditado são artificiais, isto é, dita-se palavra a
palavra, ou por trechos, o que inviabiliza as opções de pontuação e pode não exprimir
os erros de separação-aglutinação de palavras que a criança possa ter. Por outro lado,
se ditar uma palavra desconhecida, a criança não pode suspender a escrita e deixar o
espaço em branco, ou pelo menos não terá esse hábito, pelo que irá escrever uma
palavra com erro, e mais provavelmente automatizar esse erro, pela aprendizagem
motora. Adicionalmente, quando o ditado é corrigido posteriormente, a criança não
tem acesso à ortografia correta em tempo útil para aprendizagem, perdendo-se os
efeitos do reforço. Assim, apesar de não ser o método mais aconselhável para
aprendizagem da ortografia, pode ser utilizado com objetivos pedagógicos, incluído
noutras atividades como leitura e compreensão leitora, análise das estruturas
gramaticais ou da pontuação, por exemplo. Desta forma, a criança deve conhecer o
texto previamente ao seu ditado, isto é, deve ler, analisar e trabalhar as palavras e
frases através de memorização e escrita. Além disso, estas palavras deverão ser
incluídas num vocabulário de crescente dificuldade ortográfica, na lógica de se adotar
um método sequencial (Torres & Fernández, 2001).
Também as cópias são desaconselhadas, na medida em que consistem numa
atividade forçada para criança, monótona e desinteressante, e perdendo o fator de
ato voluntário a criança reproduz a representação mental ortográfica que tem da
palavra, isto é, esquece o modelo de cópia e volta a escrevê-la como habitualmente
faz (Torres & Fernández, 2001). Da mesma forma, a memorização de listas de palavras
ortograficamente difíceis são contraproducentes, por vários motivos: em primeiro
lugar, tratando-se de uma lista, representa uma carga mnésica considerada, em
segundo lugar porque sendo de ortografia difícil não fazem parte do vocabulário da
criança e provavelmente são pouco frequentes, isto é, dificilmente voltarão a surgir,
pelo que a memorização é inútil (Torres & Fernández, 2001).
Em alternativa, referem-se técnicas recomendadas na intervenção
disortográfica, como inventários e ficheiros cacográficos, e estratégias que visem os
fatores associados ao fracasso ortográfico, nomeadamente no que diz respeito à

16
consciência fonológica, perceção e memória visual, organização e estruturação
espacial ou léxico e vocabulário (Torres & Fernández, 2001).
Relativamente à escrita, enquanto ato motor, a programação dos
movimentos envolvidos engloba uma representação espácio-temporal complexa e
abstrata do movimento (Torres & Gómez, 2017). São abrangidos movimentos do
braço, pulso e de pinça dos dedos, que estão diretamente relacionados com a
integração visuomotora bilateral, a planificação motora, a manipulação da mão, a
proprioceção, a perceção visual e a atenção (Torres & Gómez, 2017).
A coordenação oculomanual tem importância na medida em que a execução
dos grafismos é dependente da precisão da mão e da preensão do lápis (Torres &
Gómez, 2017).

Autores citados por Torres e Gómez (2017) apontam dois tipos de técnicas na
intervenção na disgrafia: as técnicas pictográficas e las escriptográficas. As primeiras
consistem em exercícios de pintura e desenho, orientados ao aperfeiçoamento dos
mesmos e as segundas focam-se em melhorar os movimentos e posições gráficas,
especificamente a forma das letras, tamanho, inclinação e espaçamento.

 Forma das letras - Estas dificuldades podem dever-se ao insuficiente


conhecimento dos grafemas e dificuldades em executar o movimento gráfico
necessário à configuração do traçado. Aqui são feitos exercícios de
preenchimento de traçados para que seja interiorizada a sua
forma.






















 Tamanho das letras – Esta dificuldade deve-se, essencialmente, a uma má
combinação dos movimentos braço-mão-dedos. A pega alta do lápis dá
lugar a letras grandes, enquanto a pega mais baixa origina letras mais
pequenas. Para trabalhar esta competência, são sugeridos os cadernos de
duas linhas, que delimitam o espaço da escrita.

 Inclinação desadequada – Tem que ver com o posicionamento do corpo e


o posicionamento do papel durante a escrita. Existem certos exercícios
que favorecem a estabilidade como o traçado de linhas retas e paralelas,
união de pontos, entre outros.






 Espaçamentos – podem aparecer entre linhas, palavras ou letras e, muitas
vezes, estão relacionadas com a excessiva inclinação do papel. Para a
correção, são sugeridos os cadernos quadriculados que permitem ao
individuo delimitar os espaços entre palavras de forma controlada.
Podemos fazer a sugestão de deixarem dois quadrados de espaço entre
cada palavra.
Atividades e exercícios nas DIS
 Promotores de competências auditivas e
fonológicas
 Promotores de competências linguísticas orais

 Promotores de competências ortográficas

 Promotores de competências de grafismos

22
Links para aprofundar conhecimentos
Utilize os links abaixo para aprofundar conhecimentos relativos ao tema
abordados no módulo. As notícias e vídeos disponibilizados, complementam de uma
forma prática os tópicos trabalhados neste manual.

Sites a visitar
 https://observador.pt/2014/07/05/graphogame-chega-portugal-para-
ajudar-criancas-com-dislexia/
 http://www.wired.co.uk/article/john-donoghue-braingate-wyss-
center-dyslexia
 https://www.irishexaminer.com/lifestyle/healthandlife/parenting/apps
-can-help-children-with-dyslexia-learn-in-a-fun-way-382739.html
 https://www.telegraph.co.uk/women/work/what-its-like-having-
dyslexia-in-the-workplace---and-how-you-can/

Sugestões de vídeos
 https://www.tsf.pt/programa/tsf-pais-e-filhos/emissao/dislexia-
disortografia-disgrafia-discalculia-e-outras-historias-5482343.html

23
Referências bibliográficas
 American Psychiatric Association (2014). DSM-5. Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais. (5ª Edição). São Paulo. Brasil. Artmed
Editora Ltda.
 Cinel, N. (2003). Disgrafia – Prováveis causas dos distúrbios e estratégias para a
correção da escrita. Revista do Professor, 19 (74), 19-25.
 Coimbra, B. C. (2013). Disortografia: um modelo de intervenção. Escola
Superior de Educação de Paula Frassinetti.
 Cunha, S. (2011). A aprendizagem da leitura e da escrita - fatores pedagógicos
e cognitivos. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Escola Superior de Educação
Almeida Garrett.
 Fernández, A. Y., Mérida, J. F., Cunha, V. L., Batista, A. O., & Capellini, S. A.
(2010). Avaliação e intervenção da Disortografia baseada na semiologia dos
erros: revisão da literatura. São Paulo: Revista CEFAC.
 Ferreiro, E. & Teberosky, A. (1986). Psicogenese da língua escrita. Porto Alegre:
Artes Médicas.
 Franceschini, B. T., Aniceto, G., Oliveira, S. D., & Orlando, R. M. (2015).
Distúrbios de aprendizagem: disgrafia, dislexia e discalculia. Revista Educação.
 Guaresi, R. (2009). Etapas da aquisição da escrita e o papel do hipocampo na
consolidação de elementos declarativos complexos. Letronica, 2 (1), 182-193.
 Mata, L. (2008). A Descoberta da Escrita. Lisboa: Ministério da Educação.
 Nielsen, L. B. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula: um
guia para professores. Porto: Porto Editora.
 Oliveira, E. (2013). Aprendizagem da leitura e da escrita – estudo de caso.
Dissertação de Mestrado. Porto: Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico do Porto.
 Peces, M. L. (2016). Disgrafía y Disortografía: Diagnóstico y Tratamiento en
alumnos de 2º de E.P. Grado de Maestro en Educación Primaria.
 Salgado, C. (2010). Programa de remediação fonológica, de leitura e escrita
em crianças com dislexia do desenvolvimento. Dissertação de Doutoramento.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas.

24
 Sucena, A. (2018). Contributos para a intervenção na Dislexia. Em O. Moura,
M. Pereira, & M. R. Simões, Dislexia: Teoria, avaliação e intervenção (pp. 291-
317). Lisboa: Pactor.
 Tabaquim, M., Vilela, L. & Benati, E. (2016). Habilidades cognitivas e
competências prévias para aprendizagem de leitura e escrita de pré-escolares
com fissura labiopalatina. Revista Psicopedagogia, 33(100), 28-36.
 Teles, P. (2018). Intervenção reeducativa na Dislexia de Desenvolvimento:
Método Fonomímico Paula Teles. Em O. Moura, M. Pereira, & M. R. Simões,
Dislexia: Teoria, Avaliação e Intervenção (pp. 261-286). Lisboa: Pactor.
 Torres, R., & Fernández, P. (2001). Dislexia, Disortografia e Disgrafia. Amadora:
McGraw Hil.

 Torres, R. & Gómez, S. (2017). La reeducación de las disgrafías: perspectivas


neuropsicológica y psicolingüística. Pensamiento Psicológico, 15 (1), 73-86.

25

Você também pode gostar