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ENSAIO BIBLIOGRÁFICO
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das evidências mais importantes dessa contribUição) '
Eric J. Hobsbawm, desde os anos 1950, também fez outras valiosas
contribuições para o desenvolvimento da historiografla sobre o protesto popular.
Em seus vários ensaios, Hobsbawm sempre se preocupou em enfatizar especi'!l •
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daqueles indivíduos e poderes marcados para serem extemunados. Entretanto,
suas ações individualizadas nunca são suficientes para ameaçar seriamente ou
abalar os poderes estabelecidos na sociedade. De fato, o efeito disnlptivo que
esses movimentos exercem sobre o poder dos líderes políticos locais poderia
ser mell10r entendido se analisado quer à luz da presença freqüente do
banditismo social, de tempos em tempos, nas áreas n1rais, quer à luz da relativa
instabilidade de certos poderes regionais em áreas n1rais mais atrasadas. Tal
instabilidade é percebida, por exemplo, quando tais líderes regionais passam a
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ser considerados no quadro maior das relações de poder nacionais, se o tem10
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for aplicável) entre os gnlpos donlinantes eles próprios
O segundo tipo de banditismo social esboçado por Hobsbawm teve o
seu exemplo na Máfia do século XIX. Como no primeiro tipo descrito, aqui
também vieram mesclados, em diferentes doses, o populismo e o conservado- .
rismo. Como os bandidos, também os mafiosise
áreas atrasadas politicamente e em comunidades n.lrais indefesas, onde rapida-
mente tomaram o lugar de movimentos sociais. Em confom1idade com essas
condições, a Sicília n1ral proveu o caso nmis interessante e duradouro desse
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fenómeno Movimentos mais complexos, as Máfias incluíram elementos mu-
tuamente contraditórios e foram capazes de alticular quase todos os tipos de
tendências existentes no interior das sociedades a que pertenciam: a defesa de
toda a sociedade contra o que percebiam como ameaças ao seu modo de vida
tradicional, as aspírações das várias classes no seu interior, as ambições pessoais
e as aspírações dos seus membros individuais mais ousados. Na Sicília pelo
menos, o seu desenvolvimento também estabeleceu um meio de defesa contra
o explorador estrangeiro - sin1bolizado pelo governo Bourbon ou Piemontês -
e, conseqüentemente, um método de auto-afinnação local e nacional. Durante
o tempo em que a Sicilia.pennaneceu uma sociedade retrógrada subordinada a
um governo externo, o caráter assunudo pela Máfia, de uma conspiração nacional
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pela nào-coopéração, .deu-Ihe uma genuína base popular
Num certo sentido, pode-se dizer que a Máfia surgiu das necessidades
de todas as classes sociais n1rais, e que tentou servir ao propósito de todas em
diferentes graus. Algumas vezes, assemelhando-se ao que poderia ser chamado
de um governo "privado e paralelo", as M;jfias foram organizadas com o apoio
de proprietários de terra que, embora pagando alto preço por isso, as usavam
para fazer oposição ao governo nacional e estender o seu próprio donlinio sobre
a população. Por se desenvolverem em sociedades onde inexistia uma ordem
pública eficaz, onde as autoridades eram l2ercebidas pelos cidadãos como total
ou parcialmente hostis, logo as Máfias aderiram ao poder estnlt:urado localmente
e mesclaram-se ao sistelna de palronagem predominante. Nele, o típico detentor
do poder, o magnata privado ou padrônecom o seu séquito de continuadores
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eram a principal garantia desse reconhecimento. Elas serviam para manter viva
a idéia de que as "classes baixas" possuíam certos direitos básicos (entendidos
talvez como privilégios), conferidos ou outorgados a eles pelo governante
supremo. Tais valores do senso comum cumpriam o seu papel na legitimação
da ação dos revoltosos contra oficiais inescrupulosos e soberanos ilegítiÍnos que
violavam a velha ordem estabelecida. Pois, com base nesses critérios, até mesmo
o atual Tsar, se visto como diretamente responsável pelos sofrimentos do povo,
poderia vir a ser considerado um impostor. 27
Encontrado em vários países de tradições absolutistas, o movimento do
tipo Church and King não se limitou, porém, às populações caJ�ponesas. Tanto
antes como durante o início da industrialização, muitas sublevações de multi
dões ocorridas em centros metropolitanos revelaram esse mesmo padrão de
revolta, que teve no legitimismo populista, confOlme observou Hobsbawm, sua
espinha dorsal.
Antes de continuallllos, cabe tecer duas importantes considerações. A
primeira delas diz respeito à necessidade de se precisar melhor a noção <!e
legitimismo populista, sempre que referida ao contexto da modernidade. O
tratamento que Bendix confere a essa discussão parece-nos, sob esse aspecto,
o mais instigador. O autor n_os lembra que esse tipo de apelo legitimista a antigos
direitos e costumes assumiu um novo caráter na maioria dos países do Oeste
Europeu após o século XVI, quando se viu associado ao nascimento das
monarquias absolutistas e à série de práticas e atitudes identificadas com o que
chamou "os primeiros esboços do que, mais tarde, se tornaria o nacionalismo
- Moderno".28 O advento dos Estados Modernos, na sua versão absolutista, criou
as condições para a modificação, ritualização e institucionalização, com novos
propósitos, de várias práticas e costumes tradicionais existentes. Entre esses,
esteve certamente o paternalismo, que sofreu uma transfolinação gradual,
passando de justificativa de relações meramente domésticas (no sentido clássico
ou antigo) a ideologia de um governo nacional. Do mesmo modo, a imagem
do rei transfonnou-se, tornou-se menos aquela de um senhor acima dos
senhores, definidos todos nos marcos de uma nobreza feudal, e mais a de um
governante supremo da nação. Em suma, o já mencionado processo de
utilização de antigos materiais na construção de tradições inventadas, de um
novo tipo e para propósitos igualmente novos, esteve também aí em ação.29
Assim, a idéia dos antigos direitos do povo, que o legitimismo populista tão
bem soube sugerir, desenvolveu-se paralelamente à crença num governante
autocrático, que agia como "pai" de seu povo e que, por isso, podia suposta
mente confiar na lealdade desse mesmo povo para ajudá-lo na sua luta contra
os estados. Mas, ao apelar para a idéia de uma comunidade política imaginária,
na qual o povo era envolvido (mesmo que apenas na condição de súditos ou
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quando a ação está em jogo que a dimensão cultural dessas relações se torna
essencial. Thompson já havia, com muita propriedade, argumentado que "a
classe ganha existência à medida que homens e mulheres vivem suas relações
produtivas, expen'mentam situações determinadas, 'no conjunto das relações
sociais', de posse da cultura herdada e de suas expectativas e vivenciam suas
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experiências em tel'mos culturaiS,. Ass\tn combatendo as freqüentes visões
estáticas a respeito da classe e recuperando a noção de luta de classes como
um conceito que lhe é anterior e mais universal, Thompson pode conferir à
fomlação social que estudou uma idéia de movimento e de dinâmica - algo
que permanece ausente em muitos dos trabalhos que vimos comentando. Como
ele continuou afirmando em outro lugar: "as pessoas se encontram numa
sociedade estruturada de deteffi1inadas maneiras (crucialmente, mas nào exclu
sivamente, em relações de produção), experimentam a exploração (ou a
necessidade de manter o poder sobre aqueles que exploram), identificam pontos
de um interesse antagônico, começam a lutar em torno dessas questões e no
processo da luta se descobrem enquanto classes e começam a conhecer. essa
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Notas
1. Ver ial George Rudé, 71Je crowd in lhe Balldils (NY, Pantheon Books, 1981; 1st
French Revotution. eNY, Oxfard Univ. pub. 1%9) e Caplain Swing (London,
Press., 1959); 7be crowd in bislory a Lawrence and Wihan, 1%9), este último
study o fpo pular disturbances in Prance em colaboração com George Rudé; e idl
and Englarul, 1 730-1848 (NY, John Charles Tilly, Louise Tilly e Richard
Wiley & Sons, 1964); "TIle Gordon TiUy, 7be rebel/iaus cemllry, 1830-1930
riot5: a study of the rimers and their (Cambndge, Harvard Univ. Press, 1975).
victims", Transactions O/lhe Royal
2. Palâ uma crítica a esta tendência na
Hislorical Society, 5th senes, VI, ( 1 956),
historiografia latino-americana ver os
p. 93-114; "The London mob of the
aItigos de limar R. Mattos, "Canudos: a
eighteenth century" , Histon'caljol trnal,
hislÓria em notas de pé-de-página?"
XI, I, (1959) p. 1-18 e "The study of
Revisla ConlaClO 35, ano IV (981), e
popular disrurbances in the
Marco A. Pamplona, "Movimentos de
'pre-industrial' age", Historical Studies,
massa na história da América
Melboume (May 1963), p. 457-469;
Espanhola: as revoltas de Tupac Arnaru,
Edward P. Thompson, 7be making 0/rbe
1780-82," Revisla Contacto 37, ano IV
EIlglisb workillg elass (NY, .
(1981), p. 31-33.
Vintage/Random House, 1%6); "n,e
moral economy of the English crowd of 3. Gustave Le Bon, Psychologie des
the 18th century," pasrand Presenl 50 fOllles (Paris, 1895) e Georges Lefebvre,
(May 1971). p. 76-136; "'Rough music': "Foules .révolutionnaires," em G . Bohn,
le charivari anglais," Annales: G. Hardy e G. Léfebvre, !.afoule CParis,
Économies, Sociétés, Cívilisatio1lS, 1934), também reeditado na coletânea
XXVI1eme année, 2 (Mars-Avril 1972), p. organizada por]. Kaplow, New
285-312; "Patricilin society and plebeian perspectives ou fbe rrencb Revolution
culture," joumal ofSocial /-listar)! 7:4 (New York, 1%5), p. 173-90.
(Summer 1974) e "Eighteenth-century
4. Rudé, 7be crowd i" bistory, p 4.
English society: e1ass srruggle without
e1ass?" Social History iii:2 (May 1978), p. 5. Rudé, 7be crowd In the Prench
137-165; iC] Eric J. Hobsbawm, Primitive Revolutio1l; Rudé e Hobsbawm, CaplUin
rebels CNY, Norton & Comp. Inc., 1959); Swing
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