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SÍNODO 

DOS BISPOS
X  ASSEMBLEA GERAL  ORDINÁRIA

O BISPO SERVIDOR DO 


EVANGELHO DE JESUS CRISTO 
PARA A ESPERAÇA DO MUNDO

Instrumentum laboris

© Copyright 2001
Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e Libreria Editrice Vaticana.

Este texto pode ser reproduzido pelas Conferências Episcopais ou com a sua autorização,
desde que o seu conteúdo não seja modificado de modo algum e que duas cópias do mesmo
sejam enviadas à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 00120 Cidade do Vaticano.

INTRODUÇÃO

No limiar de um novo milénio 

1. Cristo Jesus, nossa esperança (1 Tm 1, 1), o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13, 8),
pastor supremo (1 Pd 5, 4), guia a sua Igreja para a plenitude da verdade e da vida, até ao dia
do seu retorno glorioso no qual se cumprirão todas as promessas e serão colmadas as
esperança da humanidade.

No início do terceiro milénio cristão, a humanidade e a Igreja encaminham-se para um


futuro que traz consigo a herança de um século, já transcorrido, repleto de sombras e de
luzes.

Encontramo-nos num momento novo da história humana. Muitos se interrogam sobre


as metas futuras da humanidade e se perguntam qual será o futuro do mundo, que, por um
lado, parece imerso num dinamismo de progresso, com uma crescente interdependência na
economia, na cultura e nas comunicações, e por outro, ainda cheio de conflitos locais, com
amplas zonas onde fome, doenças e pobreza estão a crescer.

O início de um novo milénio põe no centro da consciência mundial um futuro a


construir e, com ele, o tema da esperança, condição existencial do homo viator e do cristão,
que tende para o cumprimento das promessas de Deus. Uma esperança entendida também
como chama da fé e estímulo da caridade, rumo a um futuro de êxitos imprevisíveis.

2. Neste novo início coloca-se a celebração da X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo


dos Bispos, prevista inicialmente para o Ano Jubilar e agora programada para o mês de
Outubro de 2001.

Com intuito profético João Paulo II quis indicar a essa Assembleia um tema de grande
relevo: Episcopus minister Evangelii Iesu Christi propter spem mundi.

Diversas e sugestivas são as razões que tornam este tema particularmente apropriado ao
actual momento da vida da Igreja e da humanidade. Elas são, acima de tudo, de carácter
teológico e eclesiológico, mas também de ordem antropológica e social. 

Na esteira das Assembleias sinodais precedentes 

3. Antes de tudo, há razões de carácter teológico. A Igreja inteira celebrou com alegria o
Grande Jubileu do ano 2000 para honrar a memória do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo, há dois mil anos; não só para recordar com gratidão a sua vinda ao meio de nós, mas
também para celebrar a sua presença viva na Igreja, nestes vinte séculos da sua história, a sua
acção de único Salvador do mundo, centro do cosmo e da história.
Na indissociável unidade entre Cristo e o seu Evangelho, o tema do Sínodo tem em
vista ressaltar que é Ele, Jesus Cristo, Filho de Deus, enviado pelo Pai e ungido pelo Espírito
Santo (cf. Jo 10,36), a esperança do mundo e do homem, de todos os homens e do homem
todo.1[1]

De facto, Cristo é Palavra definitiva e dom total do Pai, o verdadeiro Evangelho de


Deus, no qual se tornam realidade todas as promessas e no qual está o Amen de Deus (cf. 2

[1] Cf. CONCILIUM OECUMENICUM VATICANO II, Const. past. de Ecclesia in mundo huius temporis
Gaudium et spes, 45.
Cor 1,20), o cumprimento da esperança do mundo. O seu Evangelho é a noticia sempre nova
e boa, força de vida que continua a iluminar as estradas do mundo rumo ao futuro, como o
fez durante vinte séculos. Com efeito, são inseparáveis a sua doutrina e a sua pessoa, a sua
obra e o seu ensinamento, a sua mensagem e a sua Igreja, onde Ele continua a estar presente.
A Igreja, no início do terceiro milénio, propõe ainda com alegria a sua mensagem de vida e
de esperança a toda a humanidade.2[2]

4. Há depois razões de ordem eclesiológica. Algumas são de carácter permanente, outras de


ordem conjuntural.

O Senhor Jesus, no fim da sua permanência no meio de nós, enviou os apóstolos como
suas testemunhas e mensageiros até aos confins da terra e até ao fim dos tempos. Também
sobre esta palavra se apoia a importante tarefa de propor ao mundo a sua pessoa e a sua
doutrina como suprema esperança: «Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho
mandado. E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,19-20). Nesta tarefa
os Bispos, em comunhão com o Papa, são hoje chamados, juntamente com todos os membros
da Igreja, a ser as testemunhas do Evangelho de Cristo no mundo, embora lhes pertença,
como sucessores dos apóstolos, «o nobre objectivo de serem os primeiros a proclamar as
“razões da esperança” (cf. 1 Pd 3,15): esperança esta que se fundamenta nas promessas de
Deus, fundada sobre a fidelidade à sua palavra e tem como certeza inequivoca a ressurreição
de Cristo, a sua vitória definitiva sobre o mal e o pecado».3[3]

A importância da celebração da X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos,


centrada de modo particular no ministério do Bispo como servidor do Evangelho para a
esperança do mundo, emerge com clareza se se considera que as últimas Assembleias
ordinárias trataram respectivamente da vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo
(1987), da formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais (1990) e da vida consagrada
e a sua missão na Igreja e no mundo (1994). Fruto das assembleias sinodais foram as
respectivas Exortações Apostólicas pós-sinodais de João Paulo II: Christifideles laici,
Pastores dabo vobis e Vita consecrata.

Portanto, parecia oportuno enfrentar o tema do ministério do Bispo sob o aspecto da


proclamação do Evangelho e da esperança, como que vértice e síntese. De facto, as várias
assembleia sinodais ordinárias deram um novo impulso de renovação às diversas vocações
no Povo de Deus, para uma maior complementaridade, numa eclesiologia de comunhão e de

[3] Cf. IOANNES PAULUS II, Discurso à Conferência Episcopal Colombiana (2.VII.1986),
n. 8: AAS 79 (1987), 70.
missão, atenta à natureza hierárquica e carismática da Igreja. Agora o específico
desenvolvimento do tema desta assembleia indica a necessidade de orientar para o futuro a
missão do inteiro povo de Deus, em comunhão com os seus pastores.

5. Acrescente-se, além disso, que na última década do século XX, no final do segundo
milénio da era cristã, os Bispos dos diversos continentes foram convocados pelo Romano
Pontífice em diversas Assembleias sinodais especiais, para tratar da Igreja na Europa (1991 e
1999), em África (1994), na América (1997), na Ásia (1998) e na Oceânia (1998). Fruto
destes encontros são os respectivos documentos pós-sinodais publicados ou em vias de
publicação.

A próxima Assembleia ordinária, com o seu tema característico, poderá assim usufruir
da experiência de um período particularmente intenso de comunhão sinodal, como jamais
acontecera antes.

Na realidade, todos os Sínodos dos últimos decénios interessaram ao ministério


episcopal, não só porque se tratou de Sínodo de Bispos, mas porque de algum modo
ajudaram a configurar o carácter ministerial episcopal nas últimas décadas em relação à
Evangelização (1974), à Catequese (1977), à Família (1981), à Reconciliação e penitência
(1983), aos Fiéis leigos (1987), aos Presbíteros (1990), à Vida Consagrada (1994) e à
actuação do Concílio Vaticano II, no Sínodo extraordinário de 1985.

6. O aspecto doutrinal e pastoral específico do tema do Sínodo concentra-se, portanto, no


anúncio do Evangelho de Cristo para a esperança do mundo. É nesta perspectiva que a
temática da próxima Assembleia ordinária se torna de máxima importância também a nível
antropológico e social. A Igreja, que quer compartilhar «as alegrias e esperanças, as tristeza e
angústias dos homens de hoje»,4[4] deverá interrogar-se sobre que veredas caminhará a
humanidade do nosso tempo, na qual ela mesma está inserida como sal da terra e luz do
mundo (cf. Mt 5, 13-14). E deverá perguntar-se como anunciar hoje a verdadeira esperança
do mundo que é Cristo e o seu Evangelho.

Estamos no início de um novo milénio da era cristã, marcado por particulares situações
sociais e culturais, como que uma «aetas nova», uma época nova, às vezes definida como
pós-modernismo ou pós-modernidade. É preciso que, com novo impulso, ressoe no mundo o
anúncio da salvação, de tal maneira que suscite aquele dinamismo teologal que é próprio do

[4] CONC. OECUM.VAT.II, Const. past. de Ecclesia in mundo huius temporis Gaudium et
spes, 1.
Evangelho, a fim de que a humanidade inteira «ouvindo, acredite na mensagem da salvação,
acreditando, espere, e esperando ame».5[5]

Com efeito, a esperança cristã está intimamente unida ao anúncio corajoso e integral do
Evangelho, que sobressai entre as funções principais do ministério episcopal. Por isto, nos
múltiplos deveres e tarefas do Bispo, «para lá de todas as preocupações e dificuldades que
estão inevitavelmente ligadas ao trabalho fiel de todos os dias na vinha do Senhor, a
esperança deve estar sempre em primeiro lugar».6[6]

Continuidade e novidade 

7. Nesta esteira de graça é que se colocam a preparação e a próxima celebração da X


Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.

O texto dos Lineamenta, publicado em 1998, suscitou interesses e consensos e ofereceu


a ocasião de um aprofundamento das temáticas inerentes ao ministério do Bispo. Fruto das
respostas das Conferências Episcopais e de outros organismos, bem como de muitos Bispos e
de outros membros do Povo de Deus, é o presente «Instrumentum laboris», que quer propor
e ilustrar o tema escolhido pelo Papa, incorporando questões e propostas, em continuidade
com os Lineamenta, de maneira a oferecer um plano para um ordenado desenvolvimento do
debate sinodal.

A rica experiência que os Bispos do mundo fizeram nas últimas assembleias ordinárias
e especiais dos Sínodos e o precioso património de doutrina que delas brotou, estão portanto
na base de uma preparação bastante profícua da próxima assembleia. Por esta razão, o
Instrumentum laboris não quer dilagar-se numa ampla descrição da situação mundial, e
menos ainda chamar a atenção para questões de carácter particular ou regional, já
examinadas nas precedentes Assembleias continentais.

8. A maneira específica de tratar do ministério do Bispo como servidor do Evangelho de


Jesus Cristo para a esperança do mundo, coloca-se no interior duma continuidade magisterial
que remete aos Documentos do Vaticano II; de modo especial, sob o ponto de vista doutrinal,

[6] IOANNES PAULUS II, Discurso aos Bispos da Áustria por ocasião da visita «ad Limina»
(6.VII.1982), 2:AAS 74 (1982), 1123.
à Constituição dogmática Lumen gentium e ao Decreto conciliar Christus Dominus.

Devido à sua integridade e ao seu aspecto concreto prático na ilustração da figura e do


ministério do Bispo na sua Igreja particular, o Directório Pastoral da Congregação para os
Bispos, Ecclesiae imago de 22 de Fevereiro de 1973, conserva uma validade essencial ainda
hoje.7[7] Do ponto de vista teológico-canónico, deve-se tomar como ponto de referência o
Codex iuris canonici (CIC) de 1983 e o Codex canonum Ecclesiarum Orientalium (CCEO)
de 1990, para as devidas actualizações.

Além disso, muitos são os documentos do Magistério pós-conciliar que de modo


específico dizem respeito ao ministério pastoral dos Bispos, entre esses em especial as
Alocuções dos Romanos Pontífices às diversas Conferências episcopais, por ocasião das
«visitas ad limina» ou das viagens apostólicos dos últimos decénios.

Entre outros documentos mais recentes que se referem a problemas específicos do


ministério pastoral dos Bispos na Igreja universal e nas Igrejas particulares, é preciso
recordar, do ponto de vista eclesiológico, a Carta da Congregação para a Doutrina de Fé
Communionis notio, de 28 de Maio de 1992, sobre alguns aspectos da Igreja entendida como
comunhão8[8] e, finalmente, a Carta apostólica em forma de Motu proprio de João Paulo II
Apostolos suos, de 21 de Maio de 1998, sobre a natureza teológica e jurídica das
Conferências dos Bispos.9[9]

9. A referência ao Bispo no tema indicado pelo Santo Padre João Paulo II para a próxima
Assembleia sinodal, merece também um esclarecimento. Trata-se do ministério episcopal,
como foi ilustrado pela Constituição dogmática Lumen gentium e pelo Decreto conciliar
Christus Dominus, em toda a sua rica gama de argumentos e tarefas pastorais. Com efeito,
todos os Bispos têm em comum a graça da ordenação episcopal, são sucessores dos apóstolos

[9] Cf. IOANNES PAULUS II, Motu proprio Apostolos suos (21.05.98): AAS 90 (1998), 641-
658.
e, em comunhão com o Romano Pontífice, fazem parte do Colégio episcopal.

O Concílio Vaticano II, de facto, põe de novo em consideração a realidade do Colégio


episcopal que sucede ao Colégio dos Apóstolos e é expressão privilegiada do serviço pastoral
prestado pelos Bispos em comunhão entre si e com o Sucessor de Pedro. Enquanto membros
deste Colégio todos os Bispos «são consagrados não só em benefício duma diocese mas para
salvação de todo o mundo»10[10]. Por instituição e vontade de Cristo eles «estão obrigados à
solicitude sobre toda a Igreja, a qual, embora não se exerça por um acto de jurisdição,
concorre, contudo, grandemente para o bem da Igreja universal».11[11]

De facto, todo o Bispo, legitimamente consagrado na Igreja católica, participa da


plenitude do sacramento da Ordem. Como ministro do Senhor e sucessor dos apóstolos, com
a graça do Paráclito, deve trabalhar para que toda a Igreja cresça como família do Pai, corpo
de Cristo e templo do Espírito, na tríplice função que é chamado a desempenhar, ou seja, a de
ensinar, de santificar e de governar.

De modo particular, contudo, o Sínodo tem uma referência mais concreta ao Bispo
diocesano na plenitude do seu ministério na Igreja particular. Ele é presença viva e actual de
Cristo «pastor e bispo» das nossas almas (1Pd 2, 25); é seu vigário na Igreja particular que
lhe foi confiada, não só da sua palavra mas também da sua própria pessoa.12[12]

Por outro lado, a importância do tema do Sínodo parece clara quando se considera
como nos últimos decénios foi mudada a figura do Bispo; ele apresenta-se na experiência dos
fiéis, mais próximo e presente no meio do seu povo, como pai, irmão e amigo; mais simples
e acessível. Entretanto aumentaram as suas responsabilidades pastorais e ampliaram-se as
tarefas ministeriais, numa Igreja sempre mais atenta às necessidades do mundo, a ponto que
o Bispo parece hoje onerado de muitas tarefas ministeriais e muitas vezes torna-se sinal de
contradição devido à defesa da verdade. Ele, pois, permanece aberto a uma constante
renovação do seu ofício pastoral, numa sempre mais profunda dimensão de comunhão e de
colaboração com os presbíteros, as pessoas consagradas e os leigos.

A X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos será, sem dúvida, a ocasião para

[12] Cf. CON. OECUM. VAT. II, Ibidem, 27.


verificar que, quanto mais firme for a unidade dos Bispos com o Papa, entre si e com o povo
de Deus, tanto mais enriquecidas por ela se tornarão a comunhão e a missão da Igreja, e tanto
mais por ela será fortalecido e confortado o seu próprio ministério.

Um renovado anúncio do Evangelho da esperança 

10. Muitos são os motivos de esperança com que a Igreja olha para a celebração do
próximo Sínodo. O tempo oportuno do Grande Jubileu do Ano 2000, preparado pelo
caminho trinitário realizado nos anos precedentes, ofereceu ao inteiro povo de Deus a graça
de viver um Ano santo na conversão, na reconciliação e na renovação espiritual.

Em Roma e na Terra Santa, ao lado do sucessor de Pedro, nas Igrejas particulares à


volta dos próprios pastores, os fiéis fizeram a jubilosa experiência de um ano de misericórdia
e de santidade. Tanto é verdade que muitos se interrogaram como dar prosseguimento, no
início do novo século e milénio, à graça e às experiências positivas do Grande Jubileu.

A Igreja pôs-se de novo diante do mundo como sinal de esperança, de maneira especial
pelo testemunho de muitas categorias do povo de Deus, como os jovens e as famílias; mas
também pelos gestos fortes de carácter ecuménico, de purificação da memória e de pedido de
perdão, pela corajosa evocação das testemunhas da fé do século XX.

Fortes e significativas foram as solicitações de clemência para os encarcerados e de


redução ou remissão total da dívida internacional que pesa sobre o destino de muitas nações.

Também os Bispos tiveram a possibilidade de viver momentos de intensa comunhão e


renovação espiritual no seu específico Jubileu, juntamente com o Papa e unidos à Virgem
Maria, como no Cenáculo do Pentecostes.

O Evangelho de Cristo demonstra-se, ainda hoje, força de vida, palavra que humaniza e
une os povos numa só família e promove o bem de todos para além das diferenças de língua,
raça ou religião.

11. Sobre o fundamento da esperança cristã que não engana (cf. Rm 5, 5), a Igreja move os
seus passos rumo ao futuro, com um impulso renovado para uma nova evangelização.

O mundo que cruzou o limiar do novo milénio espera uma palavra de esperança, uma
luz que o guie no futuro. Na história também temporal dos homens, o Evangelho foi, é e será
um fermento de liberdade e de progresso, de fraternidade, de unidade e de paz.13[13]

O próximo Sínodo dos Bispos, espera oferecer à Igreja e ao mundo o anúncio corajoso
e confiante do Evangelho de Cristo, que abre os corações à esperança terrena e eterna. Quer
fazê-lo com o testemunho de unidade, de alegria e de solicitude pela humanidade do nosso
tempo por parte dos sucessores dos apóstolos em comunhão com o Papa, aos quais o próprio
Senhor assegurou a sua assistência até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20).

CAPÍTULO I 

UM MINISTÉRIO DE ESPERANÇA

Um olhar sobre o mundo com os sentimentos de Bom Pastor 

12. Com que atitude se põe hoje o Bispo para ser servidor do Evangelho de Jesus Cristo para
a esperança do mundo?

Antes de tudo com um olhar contemplativo, diante da realidade do nosso mundo, no


aspecto concreto do próprio ministério e na comunhão com a Igreja universal e particular,
para cujo cuidado ele está destinado. Depois, com um coração compassivo, capaz de entrar
em comunhão com os homens e as mulheres do nosso tempo, para os quais deve ser
testemunha e servidor da esperança.

Um ícone evangélico torna viva a atitude que lhe é pedida. No início do seu ministério,
Jesus apresenta-se como o arauto da Boa Nova do Pai e confirma-o indo ao encontro das
necessidades do povo: «Contemplando a multidão, encheu-Se de compaixão por ela, pois
estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor» (Mt 9, 36).

Com a graça do Espírito Santo que alarga e aprofunda o seu olhar de fé, o Bispo revive
os sentimentos de Cristo Bom Pastor diante dos anseios e exigências do mundo de hoje,
anunciando uma palavra de verdade e de vida e promovendo uma acção que chegue ao
próprio coração da humanidade. Só assim, unido a Cristo, fiel ao seu Evangelho, aberto com
realismo para este mundo, amado por Deus, ele se torna profeta da esperança.

Torna-o para os homens e as mulheres do nosso tempo, os quais depois da derrocada


das ideologias e utopias, esquecidos com frequência do passado e bastante ansiosos quanto
ao presente, têm ao contrário projectos efémeros e limitados e muitas vezes são manipulados
por forças económicas e políticas. Por isso têm necessidade de redescobrir a virtude da
esperança, possuir válidas razões para crer e esperar, e portanto também para amar e

[13] Cf. CONC.OECUM. VAT. II, Decretum de activ. mission. Ecclesiae Ad gentes, 8.
trabalhar para além do imediato quotidiano. Com um sereno olhar sobre o passado e uma
perspectiva de futuro.

A Igreja, e nela o Bispo, como pastor do rebanho, na continuidade das atitudes de Jesus,
propõe-se como testemunha da esperança que não engana (cf. Rm 5, 5), recordando-se da
força propulsora que a orienta para o cumprimento das promessas de Deus: com efeito, «o
amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido»
(ibid.).

À Igreja e aos seus pastores foi confiado o Evangelho da esperança. Esta apoia-se na
certeza das promessas de Deus, é a esperança viva para a qual o Pai nos regenerou com a
ressurreição de Cristo (cf. 1 Pd 1,3), vitória sobre a morte e sobre o pecado. E como
consequência apoia-se na certeza da perene presença de Cristo, Senhor da história, Pai do
século futuro (cf. Is 9,6).

É preciso, pois, abrir e viver sob o sinal da confiança teologal o terceiro milénio do
cristianismo, com a proclamação do Evangelho das promessas de Deus.

Nas Escrituras sagradas e na tradição da Igreja encontramos a semente escondida dos


desígnios de Deus, que deve germinar no futuro dos homens e dos povos, confiada à acção
do Espírito Santo, sábio tecedor da trama da história com a nossa colaboração. 

No sinal da esperança teologal 

13. A esperança teologal, que tem confiança total nas promessas de Deus, reveste hoje
também um papel importante, no início de um século e de um milénio. A expectativa e a
preparação dos últimos decénios para alcançar uma meta tão importante da história humana,
como o ano 2000, marcado pelo memorial bimilenário do nascimento de Jesus, já se dilatam
também do ponto de vista simbólico rumo ao futuro. Já não em direcção de uma meta
alcançada, mas como que para um horizonte distante, com a tarefa de construir o futuro de
maneira paciente.

A esperança apresenta-se como força motriz do novo, capacidade de sonhar o futuro e


de marcar traços duradouros no tempo com a novidade das obras, de construir a história com
a força do Evangelho, ou, pelo menos, de dar sentido à história, antes ainda que sejam as
forças do mundo a estabelecer o sentido do futuro ou a programar os espaços de tempo.

E isto na fidelidade à tarefa característica dos cristãos, que é a de serem como a alma do
mundo. «Os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo» afirma a carta a Diogneto. 14[14]

[14] Epist. ad Diognetum 6; Patres Apostolici I, Ed. F. X. Funk, Tubingae 1901, 400; cf.
CONC.OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen gentium, 38.
A Igreja de Jesus é chamada a ser inspiradora e promotora de história, à escuta das
expectativas mais profundas e das esperanças mais autênticas dos homens e das mulheres
deste mundo.

A esperança de que o Bispo deve ser testemunha, para ser servidor do Evangelho de
Cristo, é a virtude teologal ou teológica da esperança, na unidade da fé que crê e do amor
que actua.

O Directório pastoral Ecclesiae imago tinha evidenciado a respeito disso algumas


características do ministério do Bispo, numa síntese que vale a pena recordar a propósito da
esperança em Deus, que é fiel às suas promessas: «O Evangelho, do qual por fé o Bispo vive
e que anuncia aos homens sobre a palavra de Cristo, é “fundamento das realidades que se
esperam e prova daquelas que não se vêem” (Hb 11, 1). Apoiando-se, portanto, nessa
esperança, o Bispo com firme certeza espera de Deus todo o bem, e repõe na divina
Providência a máxima confiança. Repete com Paulo: “Tudo posso n’Aquele que me dá
força” (Fl 4,13), recordando-se dos santos apóstolos e dos antigos Bispos que, embora
experimentassem grandes dificuldades e obstáculos de todo o tipo, contudo pregavam o
Evangelho de Deus com toda a franqueza (cf. Act 4, 29.31; 19, 8; 28, 31). A esperança, que
“não engana” (Rm 5, 5), estimula no Bispo o espírito missionário e, como consequência, o
espírito de criatividade, isto é, de iniciativa. Com efeito, ele sabe que foi enviado por Deus,
Senhor da história (cf. 1 Tm 1, 17), para edificar a Igreja no lugar, tempo e momento que “o
Pai reservou ao seu próprio poder” (Act 1, 7). Daqui também aquele sadio optimismo que o
Bispo vive pessoalmente e, por assim dizer, irradia nos outros, especialmente nos seus
colaboradores».15[15]

14. Sustentado por esta esperança teologal, o Bispo prepara-se para programar, intuir e
como que sonhar o futuro, relendo a Palavra de Deus, sob a graça do Espírito Santo e na
comunhão eclesial.

A Palavra de Deus, fecundada pelo Espírito no coração do Bispo unido aos seus
sacerdotes e fiéis, será sempre fonte perene de inspiração e de recursos para enfrentar os
desafios do futuro. Segundo uma feliz expressão de Paulo VI: «A Igreja precisa do seu
perene Pentecostes, tem necessidade de fogo no coração, de palavras nos lábios, de profecia
no olhar».16[16]

O Papa, o Colégio Episcopal, os Bispos das Conferências Episcopais nacionais ou


regionais, todo o povo santo de Deus têm em comum também a vocação à mesma esperança
(cf. Ef 4,4).

Esta comunhão na esperança assegura a presença de Cristo e a inspiração do Espírito,


ao qual foi confiado levar à plena compreensão e actuação o Evangelho de Jesus na história
humana.17[17]

A comunhão na esperança deve ser aprofundada e compartilhada como fonte de


inspiração, fecundada pela oração do Bispo, pelo diálogo da caridade com todo o povo de
Deus, de modo especial, com os seus mais íntimos colaboradores, para chegar a reflexões e
programações concretas e compartilhadas.

A esperança dos cristãos é o motor do futuro. É a virtude que não só deixa vestígios na
vida da humanidade, mas abre também novos sulcos na história, para depor a semente das
promessas divinas e guiar as veredas do futuro com a força de Deus. A Igreja será
efectivamente sinal de esperança se souber estar atenta ao desígnio de Deus, que garante um
futuro de plenitude, se seguir de maneira fiel a sua vontade e souber discernir as expectativas
mais válidas da humanidade, das quais deve ser intérprete e orientadora. 

Entre o passado e o futuro 

15. A Igreja cruza o limiar da esperança no início do terceiro milénio com uma particular
atenção à humanidade de hoje, compartilhando as suas alegrias e esperanças, as suas tristezas
e angústias, mas sabendo que possui a palavra da salvação.18[18] Contudo, é preciso reflectir

[17] CONC. OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Divina revelatione Dei Verbum, 8.

[18] Cf. CONC. OECUM. VAT. II, Const. past. de Ecclesia in mundo huius temporis
Gaudium et spes, 1.
sobre o mundo para o qual são enviados os Bispos a anunciar o Evangelho.

A esperança teologal, que cresce e se desenvolve como confiança nas promessas de


Deus, às vezes é purificada na expectativa; mas torna-se tanto mais autêntica quanto mais for
provada; enraíza-se nos sinais positivos que germinam, entre o já e o não ainda do Reino,
presente neste mundo, mas orientado para o seu cumprimento final na glória.

Ela é memória fundamental, isto é, fixa na revelação, que manifesta não só a história da
salvação, mas também o projecto e o desígnio de Deus para o futuro. Não por acaso o último
livro da Escritura sagrada tem o título de Apocalipse, revelação. A esperança suscita nos
corações um dinamismo activo, capaz de se reacender continuamente na quotidianidade.

Trata-se daquela «perseverança» fiel, de que falam os Actos dos Apóstolos (cf. Act
1,14; 2,42) como atitude própria dos discípulos de Jesus, imersos todos os dias na vida de fé.
É a firme confiança posta em Deus, Pai do Senhor Jesus Cristo, o qual, com a ressurreição do
seu Filho, projecta o hoje quotidiano rumo ao seguro cumprimento das promessas.

16. Muitas vezes, de maneira especial no último decénio, foi traçado pelo Magistério o
panorama da realidade do mundo de hoje.

Também no Sínodo dos Bispos esta análise foi realizada durante as assembleias
especiais continentais para a Europa, a África, a Ásia e a Oceânia, assim como nas
respectivas Exortações apostólicas pós-sinodais até agora publicadas.19[19]

Portanto, não é o momento de refazer esta análise que, embora tendo traços comuns,
pela crescente globalização dos aspectos gerais, contudo precisa de uma atenta visão local
dos problemas e das soluções.

No texto dos Lineamenta foi de igual modo ilustrada a situação geral, que em parte é
confirmada e enriquecida pelas respostas das Conferências Episcopais. 

Entre luzes e sombras no panorama mundial 

[19] SYNODUS EPISCOPORUM, (Coetus specialis pro Europa, 1991) Declaratio Ut testes
simus Christi qui nos liberavit (13.12.1991); IOANNES PAULUS II, Adhortatio apostolica
postsynodalis Ecclesia in Africa (14.09.95), 46-52; ID., Adhortatio apostolica postsynodalis
Ecclesia in America (22.01.1999), 13-25; ID., Adhortatio apostolica postsynodalis Ecclesia in
Asia (06.11.1999), 5-9.
17. O panorama que oferece o nosso mundo é muito variado. Contudo, a Igreja com o olhar
vigilante e o coração compassivo do Bom Pastor (cf. Mt 9,36) não pode deixar de advertir
com realismo, para além das análises políticas, sociológicas ou económicas, os sinais de
desconfiança ou até mesmo de desespero que estão no mundo, para oferecer a medicina da
consolação e o conforto da confiança e da libertação em Cristo. Não é uma consolação
transitória e débil, que se revela efémera, mas a das certezas da fé, redescobertas por
corações capazes de amar e de servir, fundadas na visão unitária e real dos aspectos da vida
pessoal e social, sem reduções pessimistas ou optimistas. Tudo isto pode ser oferecido pelo
Evangelho da esperança.

Permanecem ainda hoje situações problemáticas que empenham e estimulam o


ministério da Igreja que oferece uma esperança para uma contínua renovação do mundo e da
sociedade, também na concretitude do ministério do Bispo na sua Igreja particular.

18. Em muitas partes do nosso mundo a situação de pobreza, a falta de liberdade, o não
pleno exercício dos direitos humanos, os conflitos étnicos, o subdesenvolvimento que faz
crescer a pobreza das grandes massas populares, criam situações de sofrimento e de falta de
esperança no futuro.

Os mass media oferecem-nos constantemente os rostos do desespero: rostos de crianças


privadas do necessário nutrimento e muitas vezes exploradas de maneira indigna; rostos de
meninos aos quais se nega a educação e são constrangidos ao trabalho juvenil; rostos de
jovens desempregados, voltados para o desespero e a indiferença, fácil presa da manipulação
ideológica ou do encaminhamento para a degradação moral e espiritual; rostos de mulheres
privadas da sua dignidade; rostos de anciãos necessitados de assistência; massas de pobres
que na emigração procuram uma esperança do futuro e de refugiados em busca de uma
pátria; rostos de indígenas privados das suas terras.

Ainda não foram superados os conflitos que, no final do precedente século e milénio,
provocaram morte e destruição, emigração, pobreza, conflitos étnicos e ódios tribais,
deixando morte e feridas profundas no corpo e no espírito.

Ainda não foram cicatrizadas as lacerações de alguns recentes conflitos locais que
dividiram profundamente culturas e nacionalidades, chamadas a integrar-se num diálogo de
paz. De vez em quando surgem fundamentalismos religiosos, inimigos do diálogo e da paz.

Também nas nações mais progredidas se encontram muitas vezes grandes áreas de
depressão económica e moral; nota-se um progresso da corrupção e da ilegalidade, também
no campo político.

19. Já se sentem os efeitos da globalização com a lógica impiedosa de programas


económicos inspirados num liberalismo desenfreado, que torna os ricos sempre mais ricos e
os pobres cada vez mais pobres, excluídos como são dos programas de desenvolvimento, a
ponto de alguns já falarem de uma nova desordem mundial. Preocupa, com razão, o futuro se
são deixadas fora da justa participação no bem comum inteiras populações que pertencem à
mesma família de Deus e têm em comum os mesmos direitos. Muitas vezes as comunidades
indígenas são espoliadas das riquezas das matérias-primas e dos recursos naturais dos
próprios países, numa desleal exploração do território e das populações.

Até mesmo a terra, não obstante uma sensibilidade sempre mais positiva para com a
ecologia, sofre, talvez como nunca antes acontecera na história da humanidade, de mudanças
climáticas do ecossistema que suscitam interrogativos sobre o futuro do nosso planeta.
Preocupa a degradação do ambiente; a Igreja faz-se porta-voz das mais autênticas aspirações
em favor de um equilíbrio ecológico, que não ponha em perigo a nossa terra e a inteira
criação, saídas das mãos plasmadoras do Criador, oferecidas à humanidade como habitáculo
de beleza e de equilíbrio, dom e recurso fundamental da existência humana. 

Entre o retorno ao sagrado e a indiferença 

20. Embora não faltem sinais de despertar religioso, de novo interesse pelas realidades
espirituais e de um certo retorno ao sagrado, os pastores vêem com preocupação aquela que
foi definida uma silenciosa e tranquila apostasia das massas da práxis eclesial. Avança uma
cultura imanentista não aberta ao sobrenatural; também entre os cristãos há uma crescente
indiferença a respeito do futuro escatológico e sobrenatural da vida, que torna a existência no
mundo verdadeiramente digna de ser vivida.

Isto traduz-se num individualismo privado de comunhão eclesial e de prática


sacramental. Por esta razão, cai-se às vezes no extremo da procura de compensação
espiritualista nos movimentos religiosos alternativos e nas seitas, na adopção de formas de
religiosidade, que são em parte imitação das práticas ascéticas mais nobres de algumas
religiões não cristãs. Muitos hoje se contentam de uma ambígua religiosidade sem uma
referência pessoal ao Deus verdadeiro de Jesus Cristo e à comunidade eclesial.

Para muitos pastores é motivo de preocupação e de sofrida visão do futuro a escassez de


vocações sacerdotais e religiosas, mesmo só em vista de uma pastoral ordinária de
evangelização, de uma adequada vida sacramental e eucarística, com o relativo cuidado da
vitalidade da fé e da prática cristã. 

Um novo horizonte de problemas éticos 

21. São causa de preocupação o crescimento do relativismo moral, uma certa cultura que
não faz prevalecer a vida e não a respeita, uma dessacralização do início e do fim da
existência humana, tão ligados ao mistério do Deus da vida.

São sinal de esperança no Deus Criador a transmissão da vida física, a educação dos
filhos, o empenho na promoção dos valores da existência humana na sua plenitude de sentido
e de destino.

Nunca como neste momento da história a dissimulada equação que, aquilo que é
cientificamente possível é de igual modo eticamente justo, nos levou a uma verdadeira e
própria manipulação biológica. Dela derivam consequências para o homem que é imagem e
semelhança de Deus em Cristo, nossa Vida (cf. Jo 1,4; 14,16). Daqui provêm os problemas
que se manifestaram nos últimos anos, que se estendem como uma sombra em direcção do
futuro.

A apaixonada defesa que o Magistério da Igreja tem feito da dignidade de toda a vida
humana, desde o seu surgir até ao seu declínio, está a influir também na opinião pública e, de
igual modo, está a dar alguns frutos no sector da ética mundial. Estão em jogo o futuro da
humanidade e a dignidade da pessoa humana com os seus direitos intangíveis e inalienáveis.

22. A crise da família e da sua estabilidade, assim como as dissimuladas insídias contra o
instituto familiar, apresentam-se hoje como graves ameaças para a vida e a educação dos
filhos.

Constante é no nosso tempo a acção doutrinal na Igreja a favor da vida e no campo da


vida matrimonial e familiar. São pontos de referência desta constante acção alguns
documentos de ampla dimensão do Magistério Pontifício e de outros Dicastérios da Santa Sé,
20
[20] assim como as Jornadas internacionais da Família, que servem de ajuda em vista de
uma adequada espiritualidade matrimonial e familiar. 

Situações eclesiais emergentes 

23. Uma nova situação eclesial surge nos territórios que durante longo tempo
permanecerem sob regimes totalitários. Aquelas Igrejas vivem numa reencontrada liberdade
de culto e numa nova presença apostólica; experimentam o florescimento das vocações e um
incipiente impulso missionário fora dos confins das próprias Igrejas particulares. Nelas a

[20] Cf. A Constituição pastoral Gaudium et spes do Vaticano II, a Encíclica Humanae vitae
de Paulo VI, a Exortação apostólica Familiaris consortio e a Encíclica Evangelium vitae de
João Paulo II, juntamente com outros autorizadas e precisas intervenções, como a Carta às
Famílias (02.02.1994), bem como diversos Documentos do Pontifício Conselho para a Família
e da Pontifícia Academia para a Vida.
fadiga e a alegria de um novo início, o frequente testemunho de uma alegre vitalidade e de
um fervor da fé desconhecido noutros países fazem esperar num futuro frutuoso.

Permanecem, porém, problemas estruturais e de organização, como a dificuldade de um


diálogo fraterno e de uma concreta comunhão e colaboração ecuménica com as outras
Igrejas, especialmente as ortodoxas.

Contudo, a Igreja não renuncia à sua tarefa de corajoso anúncio do Evangelho nestes
países envolvidos pelo vazio, deixado pela cultura dos regimes totalitários. Antes, deve
promover a educação para a liberdade e uma reencontrada comunhão entre todos os cristãos.
Uma necessária educação da fé pode influir na superação de uma certa práxis devocional sem
fundamentos sólidos e no impulso de uma renovada evangelização; torna-se necessária a
promoção de uma fé adulta, de uma vida moral convicta, de modo especial diante do assédio
das seitas e do perigo de cair, como alguns lamentam, na busca de um excessivo
consumismo.

24. O futuro da Igreja do terceiro milénio foi-se aos poucos configurando como uma
decentralização da presença dos católicos para os países de África e da Ásia, onde, como
também na América Latina, florescem jovens Igrejas, repletas de fervor e de vitalidade, ricas
de vocações sacerdotais e religiosas que, com frequência, vão em ajuda à escassez de forças
vivas que se regista no Ocidente.

Não se podem esquecer os imensos e populosos territórios do continente asiático onde


ainda muitos fiéis não podem exprimir plena e publicamente a sua fé católica na comunhão
com a Igreja universal e o seu Pastor supremo. A Igreja olha também para estes países com
uma grande esperança e tem confiança na acção silenciosa do Espírito Santo, a fim de que os
fiéis possam finalmente exprimir a plenitude da comunhão eclesial visível e da ajuda
recíproca, para fazer com que todos conheçam Cristo Salvador. 

Sinais de vitalidade e de esperança 

25. Entre os sinais positivos que no final do século e do milénio foram percebidos também
nas recentes assembleias sinodais, encontramos o anseio da paz, o desejo de uma
participação solidária das nações na soluções de eventuais conflitos locais, a crescente
consciência dos direitos humanos, a igual dignidade de todas as nações, a busca de uma
maior unidade no planeta, com uma solidariedade efectiva a nível mundial entre países
pobres e países ricos. É semente de esperança a dedicação crescente de muitos ao serviço dos
pobres e dos países mais necessitados, através do voluntariado. Cresce a estima do génio
feminino e percebe-se uma maior responsabilidade das mulheres na sociedade e na Igreja.

Não faltam os temores pelos excessos da globalização; há, porém, salutares reacções
como as formas de solidariedade, a maior sensibilidade na salvaguarda dos valores culturais
dos povos e das nações, a consciência de fazer prevalecer os valores éticos e religiosos sobre
os económicos e políticos. Existe no nosso mundo uma acentuada procura da verdadeira
liberdade, um crescente sentido de comunhão contra os individualismos.

O anúncio da publicação do Compêndio da Doutrina social da Igreja faz bem esperar


em vista do empenho no campo social e económico, em benefício de todos os povos.

Na alternância das sombras e das luzes, verificam-se às vezes, também a nível mundial,
movimentos de opinião a favor de alguns aspectos que parecem ameaçados. Contra a
manipulação genética e o desprezo pela vida nascente, está a surgir uma maior atenção pela
vida humano e o seu valor transcendente, que a liga ao Deus da vida. Procura-se fortemente
uma convergência sobre os valores éticos a nível internacional, enquanto do perigo de um
desequilíbrio ecológico nasce um sentido mais acentuado do valor da criação.

Rumo a um novo humanismo 

26. A massificação e a globalização suscitam, como justa reacção, um desejo intenso de


personalismo e de interioridade. Hoje, é em grande medida valorizado o equilíbrio entre a
unidade e o pluralismo: unidade que pertence ao desígnio de Deus que criou a única natureza
humana, fundamento da unidade da família dos povos, da sua origem e do seu destino;
pluralismo de nações, línguas, culturas que reflecte a riqueza da multiforme sabedoria de
Deus (cf. Ef 3,10). Neste contexto, assistimos também ao despertar das culturas como
contraponto a uma mundialização que oprime e empobrece. Ao contrário, a identidade
cultural provoca, também no intercâmbio dos bens, um enriquecimento recíproco.

Nas problemáticas situações de desespero de muitos, como são a solidão, o egoísmo, os


pequenos projectos humanos sem transcendência, muitas vezes inclinados para o
egocentrismo das pessoas e dos grupos, a esperança traça amplas veredas de comunhão, de
colaboração, de acções comuns, de voluntariado generoso e gratuito. Tais valores se
integram no grande desígnio de Deus através da vida pessoal, eclesial, familiar, na qual cada
um responde com a consciência de uma vocação.

Existe também hoje uma busca do sentido e da qualidade da vida a todos os níveis,
também espiritual. Manifesta-se uma maior sensibilidade ao personalismo e ao sentido
comunitário das relações interpessoais, tendo como base uma verdadeira comunhão entre as
pessoas.

O mundo actual e a Igreja sentem a urgência da unidade, ainda que muitas vezes seja
ameaçada a plena e autêntica «cultura» da unidade e da comunhão. 
 

Os frutos do Jubileu 

27. A nível eclesial continua, de modo especial depois do Grande Jubileu do Ano 2000, a
renovação da vida cristã, da participação solidária de todos na nova evangelização.

A preparação do Jubileu da Encarnação, segundo o programa pastoral e espiritual


traçado na Tertio millennio adveniente de João Paulo II, foi vivida a nível universal com
válidas iniciativas de catequese e de vida sacramental. Os três anos dedicados à
contemplação do mistério do Filho, do Espírito Santo e do Pai, com precisos empenhos de
carácter sacramental (redescoberta do baptismo, da confirmação e da penitência), de vida
teologal (a fé, a esperança, o amor) e ético-sociais, estão a dar os seus frutos.

O Jubileu do Ano 2000, vivido no espírito da instituição bíblica do quinquagésimo ano


(cf. Lv 25) com a sua plena realização em Jesus de Nazaré (cf. Lc 4,16 ss.), foi deveras um
ano de progresso espiritual. A graça da conversão multiplicou-se, alimentando a esperança de
uma continuidade, e também de um novo início, que coincide com o início do terceiro
milénio.

28. Alguns momentos do Jubileu foram um sinal especial para a Igreja e para o mundo. A
Jornada mundial da juventude ofereceu um testemunho de fé, de piedade e de vigor eclesial
com a jubilosa presença e participação de tantos jovens, provenientes de todo o mundo e
reunidos em Roma à volta do Papa. A sua presença eclesial é um desafio, a pastoral juvenil
apresenta-se como uma das fronteiras dos próximos decénios. Sente-se nos jovens cristãos a
exigência de uma clara e decidida vida evangélica.

Sob a guia do Espírito 

29. Como foi notado nas diversas assembleias sinodais continentais, e emergiu
especialmente por ocasião do Pentecostes de 1998, a Igreja sente com muita intensidade que
o Espírito Santo, assim como fez noutras épocas da história, semeou novas energias
espirituais e apostólicas, autênticos carismas de vida evangélica e de impulso missionário,
adaptados às necessidades do mundo de hoje, de maneira especial nos movimentos eclesiais
e nas novas comunidades. Esta semeadura faz pressentir uma messe abundante favorecida
pelas vocações sacerdotais, religiosas e laicais de muitos jovens, desejosos de consagrar a
própria vida ao serviço do Evangelho.

Respondendo aos critérios de eclesialidade traçados pelo Magistério 21[21] e ao seu


próprio carisma, estas novas realidades são já, juntamente com as existentes, o presente e o
futuro da Igreja no mundo.22[22]

Rumo a veredas convergentes de unidade 

30. O século e o milénio que se abrem, encontram certamente os fiéis e os pastores das
diversas Igrejas e comunidades cristãs mais unidos, através dos inegáveis progressos do
diálogo ecuménico, fruto precioso do Espírito no século já transcorrido. Um diálogo que teve
as suas variáveis vicissitudes nos últimos decénios. Uma retomada dos contactos ecuménicos
nos últimos anos encoraja este irreversível empenho da Igreja e das outras Igrejas e
Comunidades cristãs.

Alguns eventos jubilares, como a abertura da Porta santa da Basílica de São Paulo, a
comemoração ecuménica das testemunhas da fé do século XX, a viagem do Papa à Terra
Santa, juntamente com outras iniciativas recentes, são o sinal de uma renovada vontade, por
parte dos cristãos, de caminharem juntos pelas vias do Senhor.

Também o diálogo inter-religioso está aberto a novos desenvolvimentos na busca da


paz e no reconhecimento dos valores religiosos e transcendentes. É preciso citar em primeiro
lugar as relações com representantes do povo de Deus da primeira aliança. Esses encontros
abrem veredas de esperança, no início de um milénio que muitos vêm como a época do
grande diálogo entre as religiões mundiais, guardiães dos valores do espírito.

O diálogo, entendido como encontro entre pessoas e grupos, no respeito das diversas
identidades e na rejeição do irenismo e do sincretismo, não é só o novo nome da caridade,
como teve ocasião de dizer Paulo VI,23[23] mas é hoje também o novo nome da esperança,

[22] Cf. JOÃO PAULO II, Mensagem Ringraziamo sempre Dio, aos participantes no IV
Congresso mundial dos movimentos eclesiais e das novas comunidades: L’Osservatore
[23] Cf. PAULUS VI, Litt. Encycl. Ecclesiam suam III, (06.08.1964): AAS 56 (1964), 639.
num renovado cenário mundial.

Um forte pedido de espiritualidade 

31. É um sinal de esperança o pedido de espiritualidade que é exigência do tempo presente


e assume diversos aspectos.

Antes de mais, como forte chamada à experiência primigénia cristã que é o encontro
com Alguém que está vivo. Isto significa a necessária passagem da proclamação da fé para a
fé vivida. Pede também uma liturgia viva no encontro com a bondade de Deus
misericordioso, que nos oferece redenção e salvação, como Aquele que é «médico da carne e
do espírito».24[24]

Em ãmbito moral, sente-se a necessidade de «vivificar» com o sopro do Espírito a


experiência cristã nas suas exigências éticas. Com efeito, a moral cristã «expande toda a sua
força missionária, quando se realiza com o dom não só da palavra anunciada, mas também da
palavra vivida. É particularmente a vida de santidade, resplandecente em tantos membros do
povo de Deus, humildes e, com frequência, despercebidos aos olhos dos homens, que
constitui o caminho mais simples e fascinante, onde é permitido perceber imediatamente a
beleza da verdade, a força libertadora do amor de Deus, o valor da fidelidade incondicional a
todas as exigências da lei do Senhor, mesmo nas circunstâncias mais difíceis».25[25]

Observa-se como consequência a urgente necessidade de uma pastoral mais espiritual


que responda às exigências da nova evangelização; apresenta-se a necessidade de qualificar a
pastoral de modo que tenda a suscitar o encontro pessoal e místico com Cristo, à imitação
dos apóstolos, antes e depois da ressurreição, e dos primeiros cristãos.

[24] S. IGNATIUS ANTIOCHENUS, Ad Ephesios 7,2; Patres Apostolici I, Ed. F.X. Funk.
[25] JOÃO PAULO II, Carta Enc. Veritatis splendor (06.08.1993, 107: AAS 85 (1993), 1217.
Bispos testemunhas de esperança 

32. Esta visão da situação da Igreja no mundo, com as suas luzes e sombras, no período
inicial do terceiro milénio da era cristã, é o testemunho que todo o Bispo deve dar ao
Evangelho de Cristo para a esperança do mundo, no vasto horizonte tanto da Igreja universal
como nas diversas Igrejas particulares.

Disto resulta a concreta responsabilidade espiritual e pastoral do Bispo na Igreja


particular, numa sociedade que vive na aldeia global das comunicações, participante da vida
do inteiro planeta.

Nem se pode esquecer o empenho que essa situação comporta para uma ordenada visão
da Igreja que vive no mundo, pedindo aos Bispos a necessária palavra e acção em vista do
bem comum.

Fiéis às expectativas e às promessas de Deus como a Virgem Maria 

33. A esperança da Igreja vem de Cristo, o Ressuscitado, que já possui a vitória e é a


antecipação escatológica das promessas de Deus na glória futura.

Diante das provações quotidianas, no tecido de uma existência que se torna expectativa
de algo de novo que deve vir de Deus, o Bispo é para a sua Igreja como Abraão, que «teve fé
esperando contra toda a esperança», plenamente convicto da fidelidade de Deus no
cumprimento daquilo que havia prometido (cf. Rm 4,18-22). Ele confia com certeza na
palavra e no desígnio de Deus, como Maria, mulher da esperança, que aguardou o
cumprimento das promessas de Deus fiel, em Nazaré, em Belém, no Calvário e no Cenáculo.

A história da Igreja é uma história de fé e de caridade, mas também uma história de


esperança e de coragem. O Bispo que sabe ser vigilante profeta de esperança, como uma
sentinela de Deus na noite (cf. Is 21,1), pode dar confiança ao seu rebanho, traçando no
mundo veredas de novidade.

Todo o Bispo, ao repor em Deus a sua fé e a sua esperança (cf. 1 Pd 1, 21), deve poder
fazer próprias as palavras de S. Agostinho: «Quem quer que sejamos, não seja posta em nós a
vossa esperança. Como Bispo, inclino-me para dizer isto: quero alegrar-me de vós, não ser
exaltado. De modo algum me congratulo com qualquer um que seja, ao descobrir que em
mim depositou a esperança: ele deve ser corrigido, não tranquilizado; deve mudar e não ser
encorajado... a vossa esperança não seja colocada em nós, nem nos homens. Se somos bons,
somos ministros; se somos maus, somos ministros. Mas se formos ministros bons, fiéis,
somos realmente ministros».26[26]

[26] S. AUGUSTINUS, Serm. 340/A, 9: PLS 2, 644.


 

34. Neste amplo horizonte é que se coloca o ministério da Igreja para o próximo milénio,
de modo especial a missão do Bispo como testemunha e promotor de esperança cristã.

Para todo o pastor da Igreja, trata-se de levar de modo corajoso e arrojado a presença de
Deus ao quotidiano transcorrer da vida. O inteiro serviço episcopal é ministério para «o
renascimento de uma esperança viva» (1 Pd 1, 3) do povo de Deus e de todo o homem. É,
por isso, necessário que o Bispo oriente toda a tarefa de evangelização ao serviço da
esperança, sobretudo dos jovens, ameaçados por ilusões míticas e pelo pessimismo de sonhos
que desaparecem, e de quantos, angustiados pelas múltiplas formas de pobreza, olham a
Igreja como sua única defesa, graças à sua esperança sobrenatural.

Fiel à esperança, cada Bispo deve conservá-la firme em si mesmo, porque é o dom
pascal do Senhor ressuscitado. Ela está fundada no facto de que o Evangelho, a cujo serviço
o Bispo é essencialmente posto, é um bem total, o ponto crucial no qual se centra o
ministério episcopal. Sem a esperança toda a sua acção pastoral permaneceria estéril. O
segredo da sua missão está, pelo contrário, na inflexibilidade da sua esperança teologal e
escatológica. A respeito dela, S. Paulo afirma: «tivestes conhecimento pela palavra da
verdade, o Evangelho, que chegou até vós» (Cl 1, 6).

A esperança cristã tem o seu princípio em Cristo e alimenta-se de Cristo, é participação


no mistério da sua Páscoa e penhor de um destino análogo ao de Cristo, uma vez que o Pai
com Ele «nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus» (Ef 2,6).

O Bispo é sinal e ministro desta esperança. Cada Bispo pode acolher para si estas
palavras de João Paulo II: «Sem a esperança nós seríamos, não só homens infelizes e dignos
de compaixão, mas também toda a nossa acção pastoral se tornaria infrutífera; não
ousaríamos empreender mais nada. Na inflexibilidade da nossa esperança reside o segredo da
nossa missão. Ela é mais forte que as desilusões frequentes e as dúvidas penosas, porque vai
buscar a sua força a uma fonte que, nem a nossa distracção, nem a nossa negligência podem
levar ao esgotamento. A fonte da nossa esperança é o próprio Deus, que por meio de Cristo
venceu o mundo de uma vez por todas e continua hoje, por nosso intermédio, a missão
salvífica entre os homens».27[27] 

CAPÍTULO II 

MISTÉRIO, MINISTÉRIO E CAMINHO ESPIRITUAL DO BISPO

[27] IOANNES PAULUS II, Discurso aos Bispos da Áustria por ocasião da visita «ad
Limina» (06.07.1982), 2: AAS 74 (1982), 1123.
O ícone de Cristo Bom Pastor 

35. Muitos são os textos da Escritura que reflectem a figura espiritual do Bispo, à luz de
Cristo, sumo sacerdote e pastor das nossas almas. Eles são tirados do Antigo e do Novo
Testamento, e estão centrados na imagem do sumo sacerdote ou do pastor.

Todos os textos se referem ao arquétipo que é Cristo. Ele apresentou-se nas parábolas
evangélicas como o pastor em busca da ovelha tresmalhada (cf. Lc 15, 4-7), definiu-se a Si
mesmo «bom» pastor do rebanho (cf. Jo 10, 11.14.16; Mt 26, 31; Mc 14, 27); foi
reconhecido pela comunidade apostólica com este título: «pastor e bispo das... almas (1 Pd 2,
25), «príncipe dos pastores» (1 Pd 5, 4), «grande pastor das ovelhas» (Hb 13, 20),
ressuscitado pelo Pai. Na visão do Apocalipse, o Senhor ressuscitado é o Cordeiro-Pastor (cf.
Ap 7, 17) que congrega em si a realidade da oferta sacrifical pascal e da salvação, as figuras
do sacerdote e pastor do Antigo e do Novo Testamento.

A primitiva iconografia cristã gostou de representar Cristo como pastor bom e belo,
vivo no esplendor da sua ressurreição, cantado pela liturgia como o bom pastor ressuscitado,
que deu a vida pelas suas ovelhas.28[28]

Jesus Cristo, portanto, é o pastor, que reúne em si a verdade, a bondade e a beleza do


dom de si pelo rebanho. A beleza do bom pastor está no amor com que se entrega a si mesmo
por cada uma das suas ovelhas e estabelece com elas uma relação directa de conhecimento e
de amor.

Lugar do encontro com o Bom Pastor é a Igreja, onde Ele se torna presente, apascenta o
seu rebanho com a palavra e os sacramentos, o guia para as pastagens do rebanho. A beleza
do pastor irradia-se na beleza de uma Igreja que ama e serve. Ela é motivo de esperança para
toda a humanidade, impelida também pelo instinto divino, que traz no coração, para a beleza
que salva, expressa no rosto do Cordeiro-Pastor.

36. Só Cristo é o Bom pastor. D’Ele, como de uma fonte, se irradia na Igreja o ministério
pastoral, que Jesus confiou a Pedro (cf. Jo 21,15.17); uma graça que foi percebida como a
continuidade do ministério apostólico de guiar e de velar: «Apascentai o rebanho que Deus
vos confiou, velando por ele, não constrangidos, mas de boa vontade» (1 Pd 5,2).

A figura do Bispo como pastor, portanto, é familiar à tradição cristã nas palavras, nos
gestos, nas insígnias episcopais, sempre contudo na contemplação do único pastor e na
imitação dos seus sentimentos, em virtude da graça d’Ele recebida.

[28] Surrexit pastor bonus qui animam suam posuit pro ovibus suis et pro grege suo mori
dignatus est»: MISSALE ROMANUM, Dominica IV Paschae, Antif. ad communionem.
«O bom pastor Jesus confiou-lhe (ao Bispo), mediante o sacramento do episcopado, os
seus mesmos poderes: pois bem, o Bispo considera como uma obrigação de amor apascentar
o rebanho do Senhor e como resposta de amor o seu empenho em viver e exercer o
ministério com as mesmas disposições que teve Cristo, o supremo pastor (cf. 1 Pd 5, 4), o
Bispo das nossas almas (cf. 1 Pd 2, 25)».29[29]

O ministério episcopal torna-se na Igreja um amoris officium, segundo as palavras de


Agostinho30[30], um serviço de unidade, na comunhão e na missão. Este altíssimo arquétipo,
que é Cristo, serve como ponto de referência para o nome de pastor e para todas as
expressões que dele derivam.

I. MISTÉRIO E GRAÇA DO EPISCOPADO

A graça da ordenação episcopal 

37. Com a consagração episcopal «é conferida a plenitude do sacramento da Ordem, isto é,


aquela que pelo costume litúrgico da Igreja e pela voz dos santos Padres é chamada sumo
sacerdócio, o ápice do sagrado ministério».31[31] A íntima natureza do mistério e do
ministério do Bispo é expressa pelas palavras e gestos da ordenação episcopal, na liturgia
sacramental que, justamente, é chamada pela antiga tradição «natalis Episcopi».

A imagem eclesial do Bispo é, desde a antiguidade cristã, delineada nas várias liturgias
da ordenação episcopal no Oriente e no Ocidente, como o momento em que. com a
imposição das mãos e as palavras da consagração, a graça do Espírito Santo desce sobre o
eleito e com o carácter sagrado imprime em plenitude a imagem viva de Cristo mestre,
pontífice, pastor, para agir em seu nome e na sua pessoa.32[32]

[29] SACRA CONGREGATIO PRO EPISCOPIS, Directorium Ecclesiae imago (22.02.1973),


22.

 [31] Cf. CONC.OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen gentium, 21.
O Bispo é consagrado também com a unção do santo crisma para ser partícipe do sumo
sacerdócio de Cristo, de modo tal que possa plenamente exercer o ministério da palavra, da
santificação e do governo. Como pontífice é tomado dentre os homens, é constituído em
favor dos homens em tudo aquilo que se refere a Deus (cf. Hb 5,1). O episcopado, diz-se, não
é um termo que indica primariamente uma honra, mas um serviço; é destinado antes a fazer o
bem do que manifestar uma preeminência. Com efeito, também para o Bispo valem as
palavras do Senhor «que o maior entre vós seja, como o menor, e aquele que mandar, como
aquele que serve» (Lc 22,26).33[33]

Em comunhão com a Trindade 

38. A dimensão trinitária da vida de Jesus, que o une ao Pai e ao Espírito como consagrado
e enviado ao mundo e se manifesta em todo o seu ser e agir, plasma também a personalidade
do Bispo, como bom pastor, sucessor dos apóstolos.

Esta participação na vida e missão trinitária tem uma primeira aplicação nos apóstolos,
como primeiros partícipes na comunhão e missão: «Como o Pai Me amou, também Eu vos
amei; permanecei no meu amor» (Jo 15, 9; 17, 23); «Assim como o Pai Me enviou, também
Eu vos envio a vós» (Jo 20, 21). Além disso, Jesus ora para que os discípulos estejam
envolvidos no mesmo amor trinitário: como o Pai e o Filho são um só, assim os discípulos
sejam um só (cf. Jo 17, 21).

Esta referência à Trindade faz remeter o ministério do Bispo até à sua fonte. Depois, a
sucessão apostólica não é apenas física e temporal, mas também ontológica e espiritual,
mediante a graça da ordenação episcopal. Com efeito, os Bispos foram enviados pelos
apóstolos, como seus sucessores, os apóstolos foram enviados por Cristo, Cristo foi enviado
pelo Pai.34[34]

39. O selo trinitário da graça do episcopado é expresso de modo apropriado pela liturgia
romana da ordenação episcopal: «Dado que o Espírito Santo te pôs para reger a Igreja de
Deus, cuida do inteiro rebanho, no nome do Pai, do qual na Igreja és a imagem; no nome de

[33] Cf. PONTIFICALE ROMANUM, De ordinatione episcopi, n.39, Homilia.


Jesus Cristo seu Filho, do qual assumes a função de mestre, sacerdote e pastor; no nome do
Espírito Santo, que é a alma viva da Igreja de Deus e o sustento da nossa debilidade».35[35]

Torna-se além disso manifesto, através das palavras e dos gestos da ordenação com a
imposição das mãos, um gesto que, segundo Ireneu de Lião, evoca as duas mãos do Pai, do
Filho e do Espírito;36[36] ele plasma e configura o eleito para a plenitude do sacerdócio,
como o dom do «Espírito do Sumo sacerdócio» é derramado sobre Cristo e transmitido aos
apóstolos, que por toda a parte fundaram a Igreja.37[37]

Do Pai por Cristo no Espírito 

40. A tradição que apresenta o Bispo como imagem do Pai é muito antiga. Encontramo-la
especialmente nas Cartas de Inácio de Antioquia. Com efeito, o Pai é como o Bispo
invisível, o Bispo de todos.38[38] Por sua vez, o Bispo deve ser reverenciado por todos
porque imagem do Pai.39[39] De modo semelhante, um antigo texto adverte: amai os Bispos
que são, depois de Deus, pai e mãe.40[40]

[39] Cf. S.IGNATIUS ANTIOCHENUS, Ad Trallianos 3,1; Ibid., pp. 244-245.


[40] Didascalia apostolorum II, 33,1, em Didascalia et Constitutiones apostolorum, II, ed. F.
Também hoje na ordenação episcopal se alude a esta dimensão paterna: o Bispo é
chamado a cuidar do povo santo de Deus com afecto paterno, como um autêntico pai de
família, para o guiar, com a ajuda dos presbíteros e diáconos, pelo caminho da salvação. 41
[41] A redescoberta da Igreja como família de Deus, já presente no Vaticano II, torna mais
eloquente a imagem paterna do Bispo.42[42]

Em continuidade com a pessoa de Cristo, que é o ícone original do Pai e a manifestação


da sua presença e misericórdia, também o Bispo, mediante a graça sacramental, se torna
imagem viva do Senhor Jesus como cabeça e esposo da Igreja a ele confiada. Nela exerce
como sacerdote o ministério da santificação, do culto e da oração; como mestre, o serviço da
evangelização, da catequese e do ensinamento; como pastor, a função de governo e da guia
do povo. São ministérios que ele deve exercer com aqueles traços característicos do bom
pastor: a caridade, o conhecimento do rebanho, o cuidado de todos, a acção misericordiosa
para com os pobres, os peregrinos, os indigentes, a busca das ovelhas tresmalhadas para as
reconduzir ao único rebanho da Igreja.43[43]

Tudo isto é possível porque o Bispo, na sua ordenação, recebe em plenitude a unção do
Espírito Santo que desceu sobre os discípulos no Pentecostes, Espírito do sumo sacerdócio,
que o habilita interiormente, configurando-o a Cristo, para ser viva continuação do seu
mistério em favor do seu Corpo místico.

Esta visão trinitária da vida e do ministério do Bispo marca também em profundidade a


sua constante referência ao mistério que resplandece também na Igreja, imagem da Trindade,
povo reunido na paz e na concórdia, pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.44[44]

O ícone eclesial do Bispo 

41. As próprias recomendações e insígnias episcopais que o Bispo recebe na sua ordenação
episcopal, como expressões da graça e do ministério, são eloquentes no seu simbolismo
eclesial.

O livro do Evangelho, posto sobre a cabeça do Bispo, é sinal de uma vida inteiramente
submetida à Palavra de Deus e despendida na pregação do Evangelho, com toda a paciência e
doutrina.

O anel é símbolo de fidelidade, na integridade da fé e da pureza da vida, para com a


Igreja, que ele deve conservar como Esposa de Cristo. A mitra alude à santidade episcopal e
à coroa da glória que o Príncipe dos Pastores entregará aos seus servos fiéis. O báculo é
símbolo da função de Bom pastor, que cuida e sustenta com solicitude o rebanho a ele
confiado pelo Espírito Santo.45[45]

Também o pálio, que os Bispos vestem desde sempre no Oriente e alguns Bispos
recebem agora no Ocidente, tem diversos e vários significados. Para os metropolitas que o
recebem no Ocidente é sinal de comunhão com o Romano Pontífice, símbolo de unidade,
compromisso de comunhão com a Sé Apostólica, vínculo de caridade e estímulo de fortaleza
na confissão e defesa da fé. O pálio, contudo, como o omophorion dos Bispos nas Igrejas
orientais, teve na antiguidade e ainda hoje conserva outros significados de grande valor
espiritual e eclesial. Confeccionado com lã e ornado com sinais de cruz, é emblema do
Bispo, identificado com Cristo, o Bom Pastor imolado, que deu a vida pelo rebanho e traz
nos ombros a ovelha desgarrada, a significar a solicitude por todos, de modo especial por
aqueles que se afastaram do redil. Assim o atesta a tradição oriental46[46] e a ocidental.47[47]

[45] Cf. PONTIFICALE ROMANUM, De ordinatione episcopi, n. 50-54, pp. 26-27: Unctio
[46] Cf. ISIDORUS PELUSIOTA Erminio comiti, Epistularum lib. I, 136: PG 78, 271-272:
«Id autem amiculum, quod sacerdos humeris gestat, atque ex lana, non ex lino contextum est,
ovis illius, quam Dominus aberrantem quaesivit inventamque humeris suis sustulit, pellem
A cruz que o Bispo traz visivelmente no peito é sinal eloquente da sua pertença a
Cristo, da confissão da sua confiança n’Ele, da força haurida constantemente da cruz do
Senhor para o dom da vida. Longe de ser uma jóia ou um ornamento exterior, representa a
cruz gloriosa de Cristo, sinal de esperança, segundo a eloquente palavra do apóstolo:
«Quanto a mim, Deus me livre de me gloriar a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo» (Gl 6, 14).

Estas simples indicações põem em evidência o simbolismo ínsito na solenidade da


ordenação episcopal.

Tudo isto traz em si uma conotação de universalidade para todos aqueles que receberam
a ordenação episcopal e, em comunhão com o Romano Pontífice, fazem parte do Colégio
Episcopal e, com ele, compartilham a solicitude por toda a Igreja.48[48]

O Espírito de santidade 

42. Da figura do Bispo, como é expressa pelas palavras e os ritos da ordenação, emerge a
chamada à santidade, a sua peculiar espiritualidade, o seu caminho de santidade e de
perfeição evangélica. É uma tradição confirmada pelos ritos do Ocidente e do Oriente que
referem ao Bispo a plenitude da santidade a ser vivida diante de Deus e em comunhão com
os fiéis.

O antigo Eucológico de Serapião exprime este conceito na oração da consagração do


Bispo: «Deus da verdade, fazei do vosso servidor um bispo vivente, um bispo santo na
sucessão dos Santos apóstolos; e dai-lhe a graça do Espírito divino, que concedestes a todos
os servos fiéis, profetas e patriarcas».49[49]

Trata-se duma chamada à santidade, vivida na caridade pastoral, no serviço contínuo do


Senhor, na oferenda dos santos dons, no ministério da remissão dos pecados, sendo agradável
a Ele com mansidão e pureza, oferecendo-se a si mesmo como sacrifício de suave odor.50[50]

[49] Sacramentarium Serapionis, 28, em Didascalia et Constitutiones Apostolorum, II, Ed.


[50] Cf. PONTIFICALE ROMANUM, De ordinatione episcopi, n. 47, p. 24-25: Prex
Destas premissas emerge para o Bispo a chamada à santidade própria, em virtude do
dom recebido e do ministério de santificação a ele confiado.

II. A SANTIFICAÇÃO NO PRÓPRIO MINISTÉRIO

A vida espiritual do Bispo 

43. A vida espiritual do Bispo, como vida em Cristo segundo o Espírito, tem a sua raiz na
graça do sacramento do baptismo e da confirmação, onde, enquanto «christifideles»,
renascido em Cristo, se tornou capaz de acreditar em Deus, de ter esperança n’Ele e de O
amar por meio das virtudes teologais, de viver e agir sob a moção do Espírito Santo mediante
os seus santos dons. Com efeito, o Bispo não de modo diferente de todos os outros discípulos
do Senhor, que foram incorporados a Ele e se tornaram templo do Espírito, vive a sua
vocação cristã consciente da sua relação com Cristo, como discípulo e apóstolo. Bem o
expressou Agostinho com a sua conhecida fórmula referida aos seus fiéis: «Para vós sou
Bispo, convosco sou cristão».51[51]

Também o Bispo, pois, como baptizado e crismado, é alimentado pela santa Eucaristia
e tem necessidade do perdão do Pai, por causa da fragilidade humana. Além disso,
juntamente com todos os presbíteros, deve também percorrer caminhos específicos de
espiritualidade, chamado à santidade em razão do novo título derivante da Ordem sagrada.52
[52]

44. Trata-se, ainda, de uma espiritualidade própria, que o Bispo haure da sua realidade,
orientado a viver na fé, na esperança e na caridade o ministério de evangelizador, de liturgo e
de guia na comunidade. É uma espiritualidade eclesial porque cada Bispo é configurado a

[52] Cf. CONC. OECUM. VAT. II, Presbyterorum ordinis, cap. III; cf. IOANNES PAULUS
II, Adhort. apost. postsyn. Pastores dabo vobis (25.03.1992) cap. III.
Cristo Pastor e Esposo para amar e servir a Igreja.

Não é possível amar Cristo e viver na sua intimidade sem amar a Igreja, que Cristo
ama: com efeito, possui-se o Espírito de Deus, na medida em que se ama a Igreja «una em
todos e toda em cada um; simples na pluralidade pela unidade da fé, múltipla em cada um
pelo cimento da caridade e pela variedade dos carismas». 53[53] Só do amor à Igreja, amada
por Cristo até ao dom de si mesmo por ela (cf. Ef 5,25), nasce uma espiritualidade orientada
para a medida total com que o Senhor Jesus amou os homens, isto é, até à cruz.

Trata-se, pois, de uma espiritualidade de comunhão eclesial, isto é, propensa a construir


a Igreja com uma atenção vigilante, de maneira que as palavras e as obras, os gestos e as
decisões, que empenham o serviço pastoral, sejam sinal do dinamismo trinitário da
comunhão e da missão.

Uma autêntica caridade pastoral 

45. Fundamento da espiritualidade específica do Bispo é o exercício do seu ministério,


informado interiormente pela fé e pela esperança, de modo especial pela caridade pastoral,
que é a alma do seu apostolado, num dinamismo de «pro-existentia» pastoral, isto é, um
viver para Deus e para os outros, como Cristo, voltado para o Pai e totalmente ao serviço dos
irmãos, no dom quotidiano de si num exercício gratuito de amor, em comunhão com a
Trindade. «Os pastores do rebanho de Cristo, afirma a Lumen gentium, devem, à imagem do
sumo e eterno sacerdote... desempenhar o próprio ministério santamente e com alegria, com
humildade e fortaleza, o qual, assim cumprido, também para eles será um sublime meio de
santificação. Escolhidos para a plenitude do sacerdócio, receberam a graça sacramental para
que, orando, sacrificando e pregando, com toda a espécie de cuidados e serviços episcopais.
realizem a tarefa perfeita da caridade pastoral, sem hesitarem em oferecer a vida pelas
ovelhas e, feitos modelos do rebanho (cf. 1 Pd 5, 3), suscitem na Igreja, também com o seu
exemplo, uma santidade cada vez maior».54[54]

Já o Directório pastoral Ecclesiae imago tinha dedicado um inteiro e detalhado capítulo


às virtudes teologais necessárias a um Bispo.55[55] Naquele contexto, para além da

[54] CONC.OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen gentium, 41.
[55] Cf. SACRA CONGREGATIO PRO EPISCOPIS, Directorium Ecclesiae imago
referências às virtudes sobrenaturais da obediência, da continência perfeita por amor do
Reino, da pobreza, da prudência pastoral e da fortaleza, encontra-se também uma chamada à
virtude teologal da esperança; apoiando-se nela, o Bispo espera de Deus, com firme certeza,
todo o bem e põe na divina Providência a máxima confiança, «recordado dos santos
apóstolos e antigos Bispos que, embora experimentando grandes dificuldades e obstáculos de
todo o género, todavia, anunciavam o evangelho de Deus com toda a coragem»».56[56]

Desde os primeiros séculos do cristianismo, e até ao século XX, muitos Bispos foram
modelos de sabedoria teológica e de caridade pastoral; uniram na sua existência o ministério
da pregação e da catequese, a celebração dos santos mistérios e a oração, o zelo apostólico e
o amor intenso pelo Senhor. Fundaram Igrejas, reformaram os costumes, defenderam a
verdade; foram corajosas testemunhas no martírio e deixaram uma marca na sociedade, com
iniciativas de caridade e de justiça, com gestos de coragem diante dos poderosos do mundo,
em favor do próprio povo.57[57] 

O ministério da pregação 

46. A espiritualidade ministerial, enraizada na caridade pastoral e expressa no tríplice


múnus do ensino, da santificação e do governo, não deve ser vista pelo Bispo ao lado do seu
ministério, mas na unidade de vida do seu ministério

O Bispo é, antes de mais, ministro da verdade que salva, não somente para ensinar e
instruir, mas também para conduzir os homens à esperança e, por conseguinte, ao progresso
no caminho da esperança. Portanto, se um Bispo quer verdadeiramente apresentar-se ao seu
povo como sinal, testemunha e ministro da esperança não pode senão alimentar-se da Palavra
da Verdade, com total adesão e plena disponibilidade a ela, segundo o modelo de Maria, a
santa Mãe de Deus, que «acreditou no cumprimento das palavras do Senhor» (Lc 1, 45).

Dado que, depois, esta divina Palavra está contida e expressa na Sagrada Escritura, um
Bispo deve recorrer a ela constantemente, com uma leitura assídua e um estudo diligente,
para receber nova ajuda no seu ministério.58[58] Isto não só porque ele seria um vão pregador

[57] Cf. IOANNES PAULUS II, Homilia na celebração eucarística do Jubileu dos Bispos

[58] Cf. ISIDORUS HISPALENSIS, De ecclesiasticis officiis, lib. II, 16-17: PL 83, 785.
da Palavra de Deus para o exterior se não a escutasse interiormente, 59[59] mas também
porque esvaziaria o seu ministério em favor da esperança. Com efeito, da Escritura o Bispo
haure o alimento para a sua espiritualidade, de modo a desenvolver, com veracidade, o seu
ministério de evangelizador. Só assim, como S. Paulo, ele poderá dirigir-se aos fiéis,
dizendo: «Em virtude da perseverança e da consolação que nos vêm das Escrituras mantemos
viva a esperança» (Rm 15,4).

No ministério episcopal repete-se a opção dos apóstolos no início da Igreja: «Quanto a


nós, entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da palavra» (Act 6, 4). Como
escreveu Orígenes: «São estas as duas actividades do Pontífice: ou aprender de Deus, lendo
as Escrituras divinas e meditando-as com frequência, ou instruir o povo. Mas, ensina as
coisas que ele mesmo aprendeu de Deus!».60[60] 

Orante e mestre da oração 

47. O Bispo é também o orante, aquele que intercede pelo seu povo, com a fiel celebração
da Liturgia das Horas a que deve presidir também no meio do seu povo.

Consciente de que somente através da sua própria oração pessoal será mestre de oração
para os seus fiéis, o Bispo dirigir-se-á a Deus para Lhe repetir, juntamente com o salmista:
«Na vossa palavra pus a minha esperança» (Sl 119, 114). De facto, a oração é o espaço
privilegiado e expressivo da esperança ou, como diz S. Tomás, ela é a «intérprete da
esperança».61[61]

É próprio do Bispo o ministério da oração pastoral e apostólica, diante de Deus pelo


seu povo, à imitação de Jesus que ora pelos apóstolos (cf. Jo 17) e do apóstolo Paulo que ora
pelas suas comunidades (cf. Ef 3, 14-21; Fl 1, 3-10). De facto, ele também na sua oração,
deve ter presente toda a Igreja, rezando de modo especial pelo povo que lhe foi confiado. Ao
imitar Jesus na escolha dos Apóstolos (cf. Lc 6, 12-13), também ele submeterá ao Pai todas
as suas iniciativas pastorais e Lhe apresentará, mediante Cristo, no Espírito, as suas
expectativas e esperanças. E o Deus da esperança o cumulará de toda a alegria e paz, para
que transborde em esperança pela virtude do Espírito Santo (cf. Rm 15,13).

Um Bispo deve também procurar os momentos em que possa viver a sua escuta pessoal
da Palavra de Deus e a sua oração juntamente com o seu presbitério, os diáconos
permanentes, os seminaristas e os consagrados e consagradas presentes na Igreja particular e,
onde e quando for possível, também com os leigos, em particular aqueles que vivem o seu
apostolado de forma associada.

 
Tal modo de proceder favorece o espírito de comunhão e apoia a sua vida espiritual,
apresentando-se na sua Igreja particular como «mestre de perfeição», empenhado em «fazer
progredir no caminho da santidade os seus sacerdotes, os religioso e os leigos, segundo a
vocação particular de cada um».62[62] Ao mesmo tempo, faz voltar à sua origem divina e
confirma na comunhão da oração os vínculos das relações eclesiais, nas quais foi colocado
como centro visível da unidade.

Nem descurará as ocasiões para viver em conjunto com os irmãos Bispos, sobretudo se
mais próximos porque da mesma província e região eclesiástica, momentos análogos de
encontro espiritual. Nesses encontros pode-se experimentar a alegria que brota do viver em
conjunto entre irmãos (cf. Sl 133,1), manifesta-se e incrementa-se o afecto colegial.

Alimentado pela graça dos sacramentos 

48. A eficácia da guia pastoral de um Bispo e do seu testemunho de Cristo, esperança do


mundo, depende em grande parte da autenticidade do seguimento do Senhor e do viver na
amizade com Ele.

Só a santidade é anúncio profético da renovação que o Bispo antecipa na própria vida


mediante a aproximação à meta a que conduz os seus fiéis. Todavia, no seu itinerário
espiritual, como todo o cristão, também ele experimenta a necessidade da conversão em
virtude da consciência das suas fraquezas, dos seus desânimos e do seu pecado. Mas dado
que, como pregava S. Agostinho, não se pode fechar à esperança do perdão aquele ao qual
não foi fechado o pecado,63[63] o Bispo deve recorrer ao sacramento da penitência e da
reconciliação. Quem tem a esperança de ser filho de Deus e de poder vê-Lo tal como Ele é,
purifica-se a si mesmo como é puro o Pai celeste (cf. 1 Jo 3, 3).

Também os apóstolos, aos quais Jesus Ressuscitado comunicou o dom do Espírito


Santo para perdoar os pecados (cf. Jo 20, 22-23), tiveram necessidade de receber do Senhor a
palavra da paz que reconcilia e a exigência do amor arrependido que cura (cf. Jo 20, 19.21;
21,15 ss.).

É, sem dúvida, sinal de esperança para o povo de Deus ver que o próprio Bispo é o
primeiro a aproximar-se do sacramento da reconciliação em circunstâncias particulares,
como quando preside à sua celebração de forma comunitária.

Também da celebração da santa Liturgia o Bispo, juntamente com todo o povo de Deus,
tira alimento para a esperança. De facto, quando a Igreja celebra a sua Liturgia sobre a terra,

[62] CONC. OECUM. VAT. II, Decret. de past. Episcoporum munere in Ecclesia Christus
Dominus, 15.
saboreia de antemão, na esperança, a Liturgia da Jerusalém celeste, para a qual caminha
como peregrina e onde Cristo está sentado à direita do Pai «qual ministro do santuário e da
verdadeira tenda, construída pelo Senhor e não por um homem» (Hb 8, 2).64[64]

49. Todos os Sacramentos da Igreja, a Eucaristia primeiro entre todos, são memorial das
palavras, das obras e dos mistérios do Senhor, representação da salvação realizada por Cristo
de uma vez para sempre e antecipação da posse plena, que será o dom do tempo final.65[65]
Até então a Igreja celebra-os como sinais eficazes da sua expectativa, da invocação e da
esperança.

Tanto no Oriente como no Ocidente, a espiritualidade do ministério episcopal está


unida à celebração dos santos mistérios, a qual é presidida pelo Bispo e por ele celebrada
juntamente com o seu presbitério, os diáconos e o povo santo de Deus.

A variedade dos ritos da Igreja e a sua especificidade, tanto no Oriente como no


Ocidente, marcam a vida do povo de Deus, conferem-lhe uma sua identidade e são fonte de
uma rica espiritualidade eclesial. Por isso o Bispo, como sumo sacerdote do seu povo, deve
não só celebrar com atenção os santos mistérios, mas fazer com que a sua celebração seja
uma autêntica escola de espiritualidade para o povo. Nisto será ajudado pelo conhecimento
da teologia e da liturgia episcopal, como é mostrado no Caeremoniale episcoporum.66[66]

Os Bispos das Igrejas Orientais, fiéis ao próprio e rico património litúrgico com várias e
particulares celebrações, poderão viver em plena sintonia com os valores espirituais das
próprias tradições.67[67]

Como sumo sacerdote no meio do seu povo 

50. Entre as acções litúrgicas há algumas nas quais a presença do Bispo tem um significado
particular. Antes de tudo a Missa crismal, durante a qual são benzidos o Óleo dos
Catecúmenos e o dos Enfermos e consagrado o santo Crisma: é o momento da mais alta
manifestação da Igreja local, que celebra o Senhor Jesus, sumo e eterno Sacerdote do seu
próprio Sacrifício. Para um Bispo é um momento de grande esperança, dado que ele encontra
o presbitério diocesano reunido à sua volta para juntos voltarem os olhos, no horizonte
festivo da Páscoa, para o Grande Sacerdote e para, assim, reavivarem a graça sacramental da
Ordem mediante a renovação das promessas que, desde o dia da Ordenação, estabelecem o
carácter especial do seu ministério na Igreja. Nesta circunstância, única do ano litúrgico, os
estreitos vínculos da comunidade eclesial são para o povo de Deus, embora atormentado por
inumeráveis preocupações, um vibrante grito de esperança.

A esta celebração se juntará a solene liturgia da ordenação de novos presbíteros e


diáconos. Aqui, recebendo de Deus os novos cooperadores da ordem episcopal e os novos
colaboradores no ministério, o Bispo vê atendidas pelo Espírito, Donum Dei e dator
munerum, a sua oração pela abundância das vocações e as suas esperanças por uma Igreja
ainda mais resplandecente através do seu rosto ministerial.

O mesmo se pode dizer da administração do sacramento da Confirmação, do qual o


Bispo é ministro originário e, no rito latino, ministro ordinário.

Também neste sacramento da efusão do Espírito Santo, que comporta muitas vezes para
os pastores um grande empenho de tempo e no qual se apresenta a ocasião para realizar a
visita pastoral nas paróquias, o Bispo vive um momento de intensa espiritualidade ministerial
e de comunhão com os seus fiéis, de maneira especial com os jovens. O facto de este
sacramento ser administrado pelo pastor da diocese, evidencia que ele tem como efeito unir
mais intimamente todos ao mistério do Pentecostes, à Igreja de Deus nas suas origens
apostólica, à comunidade local, e associar aqueles que o recebem à missão de testemunhar
Cristo.68[68]

[67] Cf. IOANNES PAULUS II, Epistula apostolica Orientale lumen (02.05.1995): AAS 87
(1995) pp. 745-794; cf. CONGREGAÇÃO PARA AS IGREJAS ORIENTAIS, Instrução para
[68] Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1313.
 

Uma espiritualidade de comunhão 

51. Sinal de uma forte espiritualidade de comunhão e elemento de grande valor para a
santidade e santificação do Bispo é a comunhão com os seus presbíteros, com os diáconos, os
religiosos e as religiosas, com os leigos, tanto no relacionamento pessoal como nas diversas
reuniões. A sua palavra de exortação e a sua mensagem espiritual tendem a favorecer e
garantir a presença activa e santificante de Cristo no meio da sua Igreja e o fluxo da graça do
Espírito que cria um particular testemunho de unidade e de caridade.

Por isso é oportuno que o Bispo anime e promova também, com a sua presença e
palavra, os «momentos do Espírito» que favorecem o crescimento da vida espiritual, como
são os retiros, os exercícios espirituais, as jornadas de espiritualidade, usando de igual modo
os meios de comunicação social que podem atingir também os mais distantes.

Deverá também saber usufruir dos meios comuns da vida espiritual, tais como a busca
de conselho espiritual, a amizade e a comunhão fraterna, para evitar o risco da solidão e o
perigo do desânimo diante dos problemas.

Deste modo, ele poderá viver e animar uma espiritualidade de comunhão com os
agentes da pastoral, através da escuta, da colaboração e da responsável atribuição das tarefas
e ministérios.

Um meio especial para manter viva esta espiritualidade é a comunhão afectiva e


efectiva do Bispo, na sua oração e nas suas relações, com o Papa e os outros Bispos.

O Bispo não está sozinho no seu ministério: deve dar e receber aquele fluxo de caridade
fraterna que vem da relação com os outros irmãos no episcopado, num verdadeiro exercício
de amor recíproco, como o que foi pedido por Jesus aos discípulos (cf. Jo 13, 34; 15, 12-13),
que se torna também partilha de oração, de experiências espirituais e pastorais, de
discernimento.

Por essa razão, são importantes as ocasiões de diálogo e de partilha, os retiros


espirituais, os momentos de distensão e de repouso, nos quais também os Bispos podem
exercitar a comunhão e a caridade pastoral. 

Animador de uma espiritualidade pastoral 

52. Ele mesmo é chamado a ser no meio do povo promotor e animador de uma pastoral da
santidade, mestre espiritual do seu rebanho, com o estilo de vida e o testemunho credível nas
palavras e acções.

A chamada à santidade empenha o Bispo a ser também promotor da vocação universal


à santidade na sua Igreja. Para isto, ele deve promover a espiritualidade e a santidade do
Povo de Deus com iniciativas específicas, acolhendo os carismas antigos e recentes, sinal da
riqueza do Espírito Santo. 

Em comunhão com a Santa Mãe de Deus 

53. Sustento do Bispo na vida espiritual é a especial presença materna de Maria, honrada
com uma relação pessoal de autêntico amor filial.

Todo o Bispo é chamado a reviver aquela particular entrega de Maria e do discípulo


João aos pés da cruz (cf. Jo 19, 26-27); é também chamado a reflectir-se na oração unânime
e perseverante dos discípulos com Maria, a Mãe de Jesus, desde a Ascensão ao Pentecostes
(cf. Act 1, 14). Cada Bispo e todos os Bispos na comunhão fraterna são entregues aos
cuidados maternos de Maria no ministério, na comunhão e na esperança.

Isto comporta uma sólida devoção mariana, que é uma intensa comunhão com a Santa
Mãe de Deus no ministério litúrgico de santificação e de culto, no ensino da doutrina, na vida
e no governo. Este estilo mariano no exercício do ministério episcopal brota do próprio
perfil mariano da Igreja.

III. O CAMINHO ESPIRITUAL DO BISPO

Um necessário caminho espiritual 

54. A espiritualidade cristã é um caminho com as suas etapas, provações e surpresas, num
dinamismo de fidelidade à própria vocação. Os períodos da vida, a tensão constante para a
perfeição e a santidade pessoal, segundo o desígnio de Deus, ajudam também o Bispo a
captar no seu ministério um verdadeiro e próprio itinerário espiritual. No meio das alegrias e
provações, que não faltam na vida do pastor, ele viverá a própria história e a do seu povo.
Um caminho que deve percorrer diante do seu rebanho, na fidelidade a Cristo, com um
testemunho também público até ao fim.

Poderá e deverá fazê-lo com confiança serena e animado pela esperança teologal,
mesmo quando estiver nas condições de apresentar a renúncia ao cargo. Contudo, não deverá
cessar de viver até ao fim, nas formas mais oportunas, o espírito do ministério, na oração ou
noutras tarefas.

Com o realismo espiritual do quotidiano 

55. O realismo espiritual ensina de igual modo a avaliar como o Bispo deve viver a sua
vocação à santidade também na sua debilidade humana, na multiplicidade dos empenhos, nos
imprevistos quotidianos, nos muitos problemas pessoais e institucionais. Às vezes,
empenhado e solicitado por inúmeras responsabilidades, corre o perigo de ficar transtornado
pelos problemas, sem encontrar válidas resposta e soluções.

Todo o Bispo experimenta quotidianamente o peso da vida e da história; também sobre


ele incumbem a responsabilidade, a compartilha dos problemas e das alegrias do seu povo.
Às vezes, será submetido à pressão dos meios de comunicação, diante de fenómenos que
envolvem a Igreja e a defesa da verdadeira doutrina e da moral; deverá enfrentar acusações
injustas ou problemas de carácter social.

Por isso, ele precisa de cultivar um sereno teor de vida que favoreça o equilíbrio mental,
psíquico, afectivo, capaz de fomentar uma atitude à relação interpessoal, a acolher as pessoas
e os seus problemas, a identificar-se com as situações tristes ou alegres do seu povo, que nele
quer encontrar a maturidade e a bondade do seu ministério e de um mestre espiritual.

Ao Bispo é necessária a coragem na fadiga do seu ministério, em levar a cruz com


dignidade e experimentar a glória de servir, em comunhão com o Crucificado-Glorioso.

Na harmonia do divino e do humano 

56. O Bispo é chamado a cultivar uma espiritualidade segundo a medida da própria


humanitas de Jesus, na qual possa exprimir o aspecto divino e humano da sua consagração e
missão. Deste modo, dará equilíbrio a si mesmo nos seus compromissos: a celebração
litúrgica e a oração pessoal, a programação pastoral, o recolhimento e o repouso, a justa
distensão e um côngruo tempo de férias, o estudo e a actualização teológica e pastoral.

O cuidado da própria saúde física, psíquica e espiritual e o equilíbrio da existência são


para o Bispo também um acto de amor pelos fiéis, uma garantia de maior disponibilidade e
abertura às inspirações do Espírito.
Munido com estes subsídios de espiritualidade, ele encontra a paz do coração e a
profundidade da comunhão com a Trindade, que o escolheu e consagrou. Na graça que Deus
lhe assegura, todos os dias ele saberá exercer o seu ministério, atento às necessidades da
Igreja e do mundo, como testemunha de esperança.

Com efeito, todos os dias o Bispo renova a sua confiança em Deus e orgulha-se como o
Apóstolo «na esperança da glória de Deus..., bem sabendo que a tribulação produz paciência,
a paciência uma virtude provada e a virtude provada a esperança» (Rm 5, 2-4). Da esperança
deriva também a alegria. A alegria cristã, de facto, que é alegria na esperança (cf. Rm 12,
12), é também objecto da esperança. O Bispo, testemunha da alegria cristã que nasce da cruz,
não só deve falar da alegria, mas deve também «esperar a alegria» e testemunhá-la diante do
seu povo.69[69]

Fidelidade até ao fim 

57. Será paciente e perseverante na esperança, quando no exercício do seu ministério for
submetido à prova da doença ou conduzido pelo Senhor a viver o seu fim como uma oferta
pelo seu rebanho ou for chamado a dar testemunho de Cristo em difíceis condições de
perseguição e de martírio, como não raro aconteceu e acontece no nosso tempo.

Também estas serão ocasiões preciosas para que todo o povo a ele confiado saiba que o
seu pastor vive o dom total de si, como Cristo na Cruz.

Por esta razão, será também belo ver o Bispo que, consciente da sua doença, recebe o
sacramento da Unção dos Enfermos e o santo viático com solenidade e acompanhamento do
clero e do povo.70[70]

Neste último testemunho da sua vida terrena, ele tem a oportunidade de ensinar aos seus
fiéis que nunca se deve trair a própria esperança e que toda a dor do momento presente é
aliviada com a esperança das realidades futuras.

No último acto da sua partida deste mundo para o Pai, ele pode resumir e voltar a

[70] Cf. SACRA CONGREGATIO PRO EPISCOPIS, Directorium Ecclesiae imago


22.02.1973), 89.
propor a finalidade do seu próprio ministério na Igreja: o de indicar a meta escatológica aos
filhos da Igreja, como Moisés, no monte Nebo, indicou a terra prometida aos filhos de Israel
(cf. Dt 34, 1 ss).

Como consequência, também a conclusão do seu itinerário espiritual com a morte e as


exéquias solenes celebradas na igreja catedral, devem ser um momento espiritual de grande
valor para a vida dos fiéis, um canto à Ressurreição do Senhor que acolhe os seus servos
fiéis. É ocasião propícia para deixar como dom à Igreja as palavras de um testamento
espiritual e a marca de um rosto amigo e próximo, ao lado da plêiade dos pastores que o
precederam na Igreja particular.

O exemplo dos santos Bispos 

58. O caminho espiritual do Bispo é iluminado pela grande multidão de pastores da Igreja
que, a partir dos apóstolos, iluminaram com o seu exemplo a vida da Igreja em todas as
épocas e lugares. Seria árduo fazer um elenco destes ilustres modelos que brilham na Igreja,
cuja santidade foi ou será reconhecida pela Igreja. Mas os seus nomes e as suas figuras estão
bem presentes na vida da Igreja universal e das Igrejas locais, também na celebração cíclica
do ano litúrgico ou nas leituras da liturgia das Horas.

Pensamos nos santos pastores que desde o início da Igreja uniram a santidade da vida
com a pregação e a sabedoria, o sentido pastoral e também social da mensagem evangélica.
Alguns deles deram a sua vida no testemunho do martírio. Há santos pastores fundadores de
Igrejas recordados e celebrados como santos padroeiros.

Houve pastores que resplandecem pela sua doutrina, que deram um contributo
específico nos Concílios ecuménicos e actuaram com sabedoria as directrizes de reforma e de
renovação. São Bispos santos muitos missionários que levaram o Evangelho a novas terras e
organizaram a vida das Igrejas locais nascentes. Não faltaram até aos nossos dias
testemunhas da fé que pagaram com o cárcere, o exílio e outros sofrimentos, a sua fidelidade
à Igreja católica e à comunhão com a Sé de Pedro. Outros em circunstâncias difíceis deram a
vida pelo seu rebanho como defensores dos direitos humanos e religiosos.

A comunhão espiritual com estes pastores é motivo de esperança e fonte de impulso


apostólico. Todo o Bispo vê neles expressas a graça e a força do Espírito Santo e a medida da
fidelidade, à qual é chamado no próprio ministério pastoral.

  

CAPÍTULO III 
O EPISCOPADO MINISTÉRIO DE COMUNHÃO
E DE MISSÃO NA IGREJA UNIVERSAL

Amigos de Cristo, escolhidos e enviados por Ele 

59. As palavras de Jesus na última Ceia, de modo especial no cap. 15 de João, referem-se à
vocação dos apóstolos na luz da comunhão e da missão. Jesus fala da videira e dos ramos
numa figura bíblica, que exprime com clareza a necessidade da comunhão e a fecundidade da
missão. Ainda que a palavra de Jesus tenha uma sua referência eclesial e eucarística, que
atinge todos os fiéis, tem uma primeira referência ao círculo dos apóstolos e, por
conseguinte, aos seus sucessores.

No discurso de Jesus sobre a videira e os ramos emerge o dinamismo trinitário da


comunhão e da missão. O Pai é o agricultor; Cristo é a videira verdadeira; a linfa interior de
comunhão e fecundidade é o Espírito Santo, que vivifica os ramos unidos à videira,
destinados a dar fruto abundante e duradouro. No centro desta parábola encontra-se um
ensinamento fundamental: os discípulos de Jesus são chamados a permanecer em comunhão
vital com Cristo, com a sua palavra e os seus mandamentos, para crescerem através da poda
de Deus e dar frutos em abundância (Jo 15, 1-10).

Daí deriva a necessidade da comunhão com Cristo e, n’Ele, com o Pai e o Espírito, na
videira mística na qual está velada a Igreja.

«Sem Mim nada podeis fazer» (Jo 15, 5). Segundo o sentido da parábola da videira, no
Evangelho de João, Jesus indica aos seus discípulos a comunhão com Ele como fidelidade de
uma amizade divina: «Vós sereis Meus amigos se fizerdes o que Eu vos mando» (Jo 15, 14).
Na amizade de Cristo está compreendida a partilha do conhecimento dos segredos do Pai, o
dom da vida até à morte, a comunhão recíproca no amor. Ela supõe, da parte de Jesus em
continuidade com a sua missão que vem do Pai, a escolha e o envio missionário dos
discípulos: «Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei, para
irdes e dardes fruto, e o vosso fruto permaneça» (Jo 15, 16). Da parte do discípulo é pedida a
fidelidade à palavra e à missão.

60. O Bispo, ramo vivo enxertado na videira que é Cristo, seu amigo, discípulo e apóstolo,
traz em si a chamada pessoal e ministerial à comunhão e à missão.

No dinamismo da sucessão apostólica, entendida não só como investidura de autoridade


mas como extensão trinitária da comunhão e da missão, está enraizada a identidade do Bispo
na Igreja. Escolhido pelo Senhor, chamado a uma constante comunhão com Ele, enviado ao
mundo, ele identifica-se com a pessoa de Jesus na transmissão da vida divina, na comunhão
do amor, no sacrifício da sua existência.

I. O MISTÉRIO EPISCOPAL NUMA


ECLESIOLOGIA DE COMUNHÃO

Na Igreja ícone da Trindade 

61. O Concílio Vaticano II privilegiou na sua reflexão teológica a Igreja, como lugar dos
mistérios da fé, com uma particular atenção ao tema central da comunhão. De facto, a Igreja
é definida desde o início da Constituição Lumen gentium como «o sacramento, ou sinal, e o
instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano».71[71]

Com razão, pois, o documento da Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos de


1985 afirmou: «a eclesiologia de comunhão é a ideia central e fundamental nos documentos
do Concílio».72[72] O conceito de comunhão está «no coração da autoconsciência da
Igreja».73[73] Ela é ao mesmo tempo vertical e horizontal, comunhão com Deus e entre os
homens, dom da Trindade e empenho da fé e do amor, visível e invisível.74[74]

A comunhão eclesial fundada sobre a palavra de Deus e sobre os sacramentos,


especialmente a Eucaristia, expressa na fé, fundada sobre a esperança, animada pela

[74] Cf. Ibid.


caridade, enraizada na unidade do ministério do ensino e do governo do sucessor de Pedro e
dos Bispos, possui ao mesmo tempo uma força de unidade e um dinamismo missionário. De
maneira análoga ao mistério da Trindade, com a própria força do Espírito, é convocação
(ekklesia) e manifestação (epiphania) missionária para a salvação do mundo.

A Igreja deve ser sempre e em toda a parte, em media crescente, participação e


sacramento do amor trinitário, para a salvação do mundo. Como consequência, tem a própria
força do Espírito, que na Trindade é princípio de comunhão e de missão no amor.

62. A Igreja, portanto, é o mistério-sacramento para o qual convergem a evangelização e a


catequese, a celebração dos mistérios, a espiritualidade eclesial, a vida de caridade dos
cristãos, a acção e o testemunho missionário. Só numa autêntica perspectiva eclesial podem
ser entendidos os compromissos morais, as estratégias pastorais, as vias de espiritualidade
vivida.

Comunhão e missão exigem-se reciprocamente. A força da comunhão faz crescer a


Igreja em extensão e profundidade. Mas a missão faz crescer também a comunhão, que se
estende, como círculos concêntricos, até atingir todos. Com efeito, a Igreja irradia-se nas
diversas culturas e introdu-las no Reino,75[75] de modo que tudo o que de Deus saiu possa
retornar a Deus. Por isso foi afirmado: «A comunhão abre-se para a missão e converte-se ela
própria em missão».76[76]

A comunhão corresponde ao ser da Igreja, recorda a destinação de todos os carismas ao


ágape, à comunhão na unidade, no mesmo desígnio de salvação, no mesmo projecto eclesial.

A unidade da Igreja como comunhão e missão não pertence só à essência do seu


mistério e da sua missão no mundo, ela é também a garantia e o selo do seu agir divino: tudo
provém do desígnio trinitário de Deus que, na sua unidade, está na origem de tudo e é
também o ancoradouro final de tudo, segundo a visão da história da salvação que envolve a
humanidade e o cosmo.

Numa eclesiologia de comunhão e de missão 

[76] IOANNES PAULUS II, Adhort. synod. Christifideles laici (30.12.1988), 31: AAS 81
(1989), 448.

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