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DOS BISPOS
X ASSEMBLEA GERAL ORDINÁRIA
Instrumentum laboris
© Copyright 2001
Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e Libreria Editrice Vaticana.
Este texto pode ser reproduzido pelas Conferências Episcopais ou com a sua autorização,
desde que o seu conteúdo não seja modificado de modo algum e que duas cópias do mesmo
sejam enviadas à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 00120 Cidade do Vaticano.
INTRODUÇÃO
1. Cristo Jesus, nossa esperança (1 Tm 1, 1), o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13, 8),
pastor supremo (1 Pd 5, 4), guia a sua Igreja para a plenitude da verdade e da vida, até ao dia
do seu retorno glorioso no qual se cumprirão todas as promessas e serão colmadas as
esperança da humanidade.
Com intuito profético João Paulo II quis indicar a essa Assembleia um tema de grande
relevo: Episcopus minister Evangelii Iesu Christi propter spem mundi.
Diversas e sugestivas são as razões que tornam este tema particularmente apropriado ao
actual momento da vida da Igreja e da humanidade. Elas são, acima de tudo, de carácter
teológico e eclesiológico, mas também de ordem antropológica e social.
3. Antes de tudo, há razões de carácter teológico. A Igreja inteira celebrou com alegria o
Grande Jubileu do ano 2000 para honrar a memória do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo, há dois mil anos; não só para recordar com gratidão a sua vinda ao meio de nós, mas
também para celebrar a sua presença viva na Igreja, nestes vinte séculos da sua história, a sua
acção de único Salvador do mundo, centro do cosmo e da história.
Na indissociável unidade entre Cristo e o seu Evangelho, o tema do Sínodo tem em
vista ressaltar que é Ele, Jesus Cristo, Filho de Deus, enviado pelo Pai e ungido pelo Espírito
Santo (cf. Jo 10,36), a esperança do mundo e do homem, de todos os homens e do homem
todo.1[1]
[1] Cf. CONCILIUM OECUMENICUM VATICANO II, Const. past. de Ecclesia in mundo huius temporis
Gaudium et spes, 45.
Cor 1,20), o cumprimento da esperança do mundo. O seu Evangelho é a noticia sempre nova
e boa, força de vida que continua a iluminar as estradas do mundo rumo ao futuro, como o
fez durante vinte séculos. Com efeito, são inseparáveis a sua doutrina e a sua pessoa, a sua
obra e o seu ensinamento, a sua mensagem e a sua Igreja, onde Ele continua a estar presente.
A Igreja, no início do terceiro milénio, propõe ainda com alegria a sua mensagem de vida e
de esperança a toda a humanidade.2[2]
O Senhor Jesus, no fim da sua permanência no meio de nós, enviou os apóstolos como
suas testemunhas e mensageiros até aos confins da terra e até ao fim dos tempos. Também
sobre esta palavra se apoia a importante tarefa de propor ao mundo a sua pessoa e a sua
doutrina como suprema esperança: «Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho
mandado. E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,19-20). Nesta tarefa
os Bispos, em comunhão com o Papa, são hoje chamados, juntamente com todos os membros
da Igreja, a ser as testemunhas do Evangelho de Cristo no mundo, embora lhes pertença,
como sucessores dos apóstolos, «o nobre objectivo de serem os primeiros a proclamar as
“razões da esperança” (cf. 1 Pd 3,15): esperança esta que se fundamenta nas promessas de
Deus, fundada sobre a fidelidade à sua palavra e tem como certeza inequivoca a ressurreição
de Cristo, a sua vitória definitiva sobre o mal e o pecado».3[3]
[3] Cf. IOANNES PAULUS II, Discurso à Conferência Episcopal Colombiana (2.VII.1986),
n. 8: AAS 79 (1987), 70.
missão, atenta à natureza hierárquica e carismática da Igreja. Agora o específico
desenvolvimento do tema desta assembleia indica a necessidade de orientar para o futuro a
missão do inteiro povo de Deus, em comunhão com os seus pastores.
5. Acrescente-se, além disso, que na última década do século XX, no final do segundo
milénio da era cristã, os Bispos dos diversos continentes foram convocados pelo Romano
Pontífice em diversas Assembleias sinodais especiais, para tratar da Igreja na Europa (1991 e
1999), em África (1994), na América (1997), na Ásia (1998) e na Oceânia (1998). Fruto
destes encontros são os respectivos documentos pós-sinodais publicados ou em vias de
publicação.
A próxima Assembleia ordinária, com o seu tema característico, poderá assim usufruir
da experiência de um período particularmente intenso de comunhão sinodal, como jamais
acontecera antes.
Estamos no início de um novo milénio da era cristã, marcado por particulares situações
sociais e culturais, como que uma «aetas nova», uma época nova, às vezes definida como
pós-modernismo ou pós-modernidade. É preciso que, com novo impulso, ressoe no mundo o
anúncio da salvação, de tal maneira que suscite aquele dinamismo teologal que é próprio do
[4] CONC. OECUM.VAT.II, Const. past. de Ecclesia in mundo huius temporis Gaudium et
spes, 1.
Evangelho, a fim de que a humanidade inteira «ouvindo, acredite na mensagem da salvação,
acreditando, espere, e esperando ame».5[5]
Com efeito, a esperança cristã está intimamente unida ao anúncio corajoso e integral do
Evangelho, que sobressai entre as funções principais do ministério episcopal. Por isto, nos
múltiplos deveres e tarefas do Bispo, «para lá de todas as preocupações e dificuldades que
estão inevitavelmente ligadas ao trabalho fiel de todos os dias na vinha do Senhor, a
esperança deve estar sempre em primeiro lugar».6[6]
Continuidade e novidade
A rica experiência que os Bispos do mundo fizeram nas últimas assembleias ordinárias
e especiais dos Sínodos e o precioso património de doutrina que delas brotou, estão portanto
na base de uma preparação bastante profícua da próxima assembleia. Por esta razão, o
Instrumentum laboris não quer dilagar-se numa ampla descrição da situação mundial, e
menos ainda chamar a atenção para questões de carácter particular ou regional, já
examinadas nas precedentes Assembleias continentais.
[6] IOANNES PAULUS II, Discurso aos Bispos da Áustria por ocasião da visita «ad Limina»
(6.VII.1982), 2:AAS 74 (1982), 1123.
à Constituição dogmática Lumen gentium e ao Decreto conciliar Christus Dominus.
9. A referência ao Bispo no tema indicado pelo Santo Padre João Paulo II para a próxima
Assembleia sinodal, merece também um esclarecimento. Trata-se do ministério episcopal,
como foi ilustrado pela Constituição dogmática Lumen gentium e pelo Decreto conciliar
Christus Dominus, em toda a sua rica gama de argumentos e tarefas pastorais. Com efeito,
todos os Bispos têm em comum a graça da ordenação episcopal, são sucessores dos apóstolos
[9] Cf. IOANNES PAULUS II, Motu proprio Apostolos suos (21.05.98): AAS 90 (1998), 641-
658.
e, em comunhão com o Romano Pontífice, fazem parte do Colégio episcopal.
De modo particular, contudo, o Sínodo tem uma referência mais concreta ao Bispo
diocesano na plenitude do seu ministério na Igreja particular. Ele é presença viva e actual de
Cristo «pastor e bispo» das nossas almas (1Pd 2, 25); é seu vigário na Igreja particular que
lhe foi confiada, não só da sua palavra mas também da sua própria pessoa.12[12]
Por outro lado, a importância do tema do Sínodo parece clara quando se considera
como nos últimos decénios foi mudada a figura do Bispo; ele apresenta-se na experiência dos
fiéis, mais próximo e presente no meio do seu povo, como pai, irmão e amigo; mais simples
e acessível. Entretanto aumentaram as suas responsabilidades pastorais e ampliaram-se as
tarefas ministeriais, numa Igreja sempre mais atenta às necessidades do mundo, a ponto que
o Bispo parece hoje onerado de muitas tarefas ministeriais e muitas vezes torna-se sinal de
contradição devido à defesa da verdade. Ele, pois, permanece aberto a uma constante
renovação do seu ofício pastoral, numa sempre mais profunda dimensão de comunhão e de
colaboração com os presbíteros, as pessoas consagradas e os leigos.
A X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos será, sem dúvida, a ocasião para
10. Muitos são os motivos de esperança com que a Igreja olha para a celebração do
próximo Sínodo. O tempo oportuno do Grande Jubileu do Ano 2000, preparado pelo
caminho trinitário realizado nos anos precedentes, ofereceu ao inteiro povo de Deus a graça
de viver um Ano santo na conversão, na reconciliação e na renovação espiritual.
A Igreja pôs-se de novo diante do mundo como sinal de esperança, de maneira especial
pelo testemunho de muitas categorias do povo de Deus, como os jovens e as famílias; mas
também pelos gestos fortes de carácter ecuménico, de purificação da memória e de pedido de
perdão, pela corajosa evocação das testemunhas da fé do século XX.
O Evangelho de Cristo demonstra-se, ainda hoje, força de vida, palavra que humaniza e
une os povos numa só família e promove o bem de todos para além das diferenças de língua,
raça ou religião.
11. Sobre o fundamento da esperança cristã que não engana (cf. Rm 5, 5), a Igreja move os
seus passos rumo ao futuro, com um impulso renovado para uma nova evangelização.
O mundo que cruzou o limiar do novo milénio espera uma palavra de esperança, uma
luz que o guie no futuro. Na história também temporal dos homens, o Evangelho foi, é e será
um fermento de liberdade e de progresso, de fraternidade, de unidade e de paz.13[13]
O próximo Sínodo dos Bispos, espera oferecer à Igreja e ao mundo o anúncio corajoso
e confiante do Evangelho de Cristo, que abre os corações à esperança terrena e eterna. Quer
fazê-lo com o testemunho de unidade, de alegria e de solicitude pela humanidade do nosso
tempo por parte dos sucessores dos apóstolos em comunhão com o Papa, aos quais o próprio
Senhor assegurou a sua assistência até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20).
CAPÍTULO I
UM MINISTÉRIO DE ESPERANÇA
12. Com que atitude se põe hoje o Bispo para ser servidor do Evangelho de Jesus Cristo para
a esperança do mundo?
Um ícone evangélico torna viva a atitude que lhe é pedida. No início do seu ministério,
Jesus apresenta-se como o arauto da Boa Nova do Pai e confirma-o indo ao encontro das
necessidades do povo: «Contemplando a multidão, encheu-Se de compaixão por ela, pois
estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor» (Mt 9, 36).
Com a graça do Espírito Santo que alarga e aprofunda o seu olhar de fé, o Bispo revive
os sentimentos de Cristo Bom Pastor diante dos anseios e exigências do mundo de hoje,
anunciando uma palavra de verdade e de vida e promovendo uma acção que chegue ao
próprio coração da humanidade. Só assim, unido a Cristo, fiel ao seu Evangelho, aberto com
realismo para este mundo, amado por Deus, ele se torna profeta da esperança.
[13] Cf. CONC.OECUM. VAT. II, Decretum de activ. mission. Ecclesiae Ad gentes, 8.
trabalhar para além do imediato quotidiano. Com um sereno olhar sobre o passado e uma
perspectiva de futuro.
A Igreja, e nela o Bispo, como pastor do rebanho, na continuidade das atitudes de Jesus,
propõe-se como testemunha da esperança que não engana (cf. Rm 5, 5), recordando-se da
força propulsora que a orienta para o cumprimento das promessas de Deus: com efeito, «o
amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido»
(ibid.).
À Igreja e aos seus pastores foi confiado o Evangelho da esperança. Esta apoia-se na
certeza das promessas de Deus, é a esperança viva para a qual o Pai nos regenerou com a
ressurreição de Cristo (cf. 1 Pd 1,3), vitória sobre a morte e sobre o pecado. E como
consequência apoia-se na certeza da perene presença de Cristo, Senhor da história, Pai do
século futuro (cf. Is 9,6).
É preciso, pois, abrir e viver sob o sinal da confiança teologal o terceiro milénio do
cristianismo, com a proclamação do Evangelho das promessas de Deus.
13. A esperança teologal, que tem confiança total nas promessas de Deus, reveste hoje
também um papel importante, no início de um século e de um milénio. A expectativa e a
preparação dos últimos decénios para alcançar uma meta tão importante da história humana,
como o ano 2000, marcado pelo memorial bimilenário do nascimento de Jesus, já se dilatam
também do ponto de vista simbólico rumo ao futuro. Já não em direcção de uma meta
alcançada, mas como que para um horizonte distante, com a tarefa de construir o futuro de
maneira paciente.
E isto na fidelidade à tarefa característica dos cristãos, que é a de serem como a alma do
mundo. «Os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo» afirma a carta a Diogneto. 14[14]
[14] Epist. ad Diognetum 6; Patres Apostolici I, Ed. F. X. Funk, Tubingae 1901, 400; cf.
CONC.OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen gentium, 38.
A Igreja de Jesus é chamada a ser inspiradora e promotora de história, à escuta das
expectativas mais profundas e das esperanças mais autênticas dos homens e das mulheres
deste mundo.
A esperança de que o Bispo deve ser testemunha, para ser servidor do Evangelho de
Cristo, é a virtude teologal ou teológica da esperança, na unidade da fé que crê e do amor
que actua.
14. Sustentado por esta esperança teologal, o Bispo prepara-se para programar, intuir e
como que sonhar o futuro, relendo a Palavra de Deus, sob a graça do Espírito Santo e na
comunhão eclesial.
A Palavra de Deus, fecundada pelo Espírito no coração do Bispo unido aos seus
sacerdotes e fiéis, será sempre fonte perene de inspiração e de recursos para enfrentar os
desafios do futuro. Segundo uma feliz expressão de Paulo VI: «A Igreja precisa do seu
perene Pentecostes, tem necessidade de fogo no coração, de palavras nos lábios, de profecia
no olhar».16[16]
A esperança dos cristãos é o motor do futuro. É a virtude que não só deixa vestígios na
vida da humanidade, mas abre também novos sulcos na história, para depor a semente das
promessas divinas e guiar as veredas do futuro com a força de Deus. A Igreja será
efectivamente sinal de esperança se souber estar atenta ao desígnio de Deus, que garante um
futuro de plenitude, se seguir de maneira fiel a sua vontade e souber discernir as expectativas
mais válidas da humanidade, das quais deve ser intérprete e orientadora.
15. A Igreja cruza o limiar da esperança no início do terceiro milénio com uma particular
atenção à humanidade de hoje, compartilhando as suas alegrias e esperanças, as suas tristezas
e angústias, mas sabendo que possui a palavra da salvação.18[18] Contudo, é preciso reflectir
[17] CONC. OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Divina revelatione Dei Verbum, 8.
[18] Cf. CONC. OECUM. VAT. II, Const. past. de Ecclesia in mundo huius temporis
Gaudium et spes, 1.
sobre o mundo para o qual são enviados os Bispos a anunciar o Evangelho.
Ela é memória fundamental, isto é, fixa na revelação, que manifesta não só a história da
salvação, mas também o projecto e o desígnio de Deus para o futuro. Não por acaso o último
livro da Escritura sagrada tem o título de Apocalipse, revelação. A esperança suscita nos
corações um dinamismo activo, capaz de se reacender continuamente na quotidianidade.
Trata-se daquela «perseverança» fiel, de que falam os Actos dos Apóstolos (cf. Act
1,14; 2,42) como atitude própria dos discípulos de Jesus, imersos todos os dias na vida de fé.
É a firme confiança posta em Deus, Pai do Senhor Jesus Cristo, o qual, com a ressurreição do
seu Filho, projecta o hoje quotidiano rumo ao seguro cumprimento das promessas.
16. Muitas vezes, de maneira especial no último decénio, foi traçado pelo Magistério o
panorama da realidade do mundo de hoje.
Também no Sínodo dos Bispos esta análise foi realizada durante as assembleias
especiais continentais para a Europa, a África, a Ásia e a Oceânia, assim como nas
respectivas Exortações apostólicas pós-sinodais até agora publicadas.19[19]
Portanto, não é o momento de refazer esta análise que, embora tendo traços comuns,
pela crescente globalização dos aspectos gerais, contudo precisa de uma atenta visão local
dos problemas e das soluções.
No texto dos Lineamenta foi de igual modo ilustrada a situação geral, que em parte é
confirmada e enriquecida pelas respostas das Conferências Episcopais.
[19] SYNODUS EPISCOPORUM, (Coetus specialis pro Europa, 1991) Declaratio Ut testes
simus Christi qui nos liberavit (13.12.1991); IOANNES PAULUS II, Adhortatio apostolica
postsynodalis Ecclesia in Africa (14.09.95), 46-52; ID., Adhortatio apostolica postsynodalis
Ecclesia in America (22.01.1999), 13-25; ID., Adhortatio apostolica postsynodalis Ecclesia in
Asia (06.11.1999), 5-9.
17. O panorama que oferece o nosso mundo é muito variado. Contudo, a Igreja com o olhar
vigilante e o coração compassivo do Bom Pastor (cf. Mt 9,36) não pode deixar de advertir
com realismo, para além das análises políticas, sociológicas ou económicas, os sinais de
desconfiança ou até mesmo de desespero que estão no mundo, para oferecer a medicina da
consolação e o conforto da confiança e da libertação em Cristo. Não é uma consolação
transitória e débil, que se revela efémera, mas a das certezas da fé, redescobertas por
corações capazes de amar e de servir, fundadas na visão unitária e real dos aspectos da vida
pessoal e social, sem reduções pessimistas ou optimistas. Tudo isto pode ser oferecido pelo
Evangelho da esperança.
18. Em muitas partes do nosso mundo a situação de pobreza, a falta de liberdade, o não
pleno exercício dos direitos humanos, os conflitos étnicos, o subdesenvolvimento que faz
crescer a pobreza das grandes massas populares, criam situações de sofrimento e de falta de
esperança no futuro.
Ainda não foram superados os conflitos que, no final do precedente século e milénio,
provocaram morte e destruição, emigração, pobreza, conflitos étnicos e ódios tribais,
deixando morte e feridas profundas no corpo e no espírito.
Ainda não foram cicatrizadas as lacerações de alguns recentes conflitos locais que
dividiram profundamente culturas e nacionalidades, chamadas a integrar-se num diálogo de
paz. De vez em quando surgem fundamentalismos religiosos, inimigos do diálogo e da paz.
Também nas nações mais progredidas se encontram muitas vezes grandes áreas de
depressão económica e moral; nota-se um progresso da corrupção e da ilegalidade, também
no campo político.
Até mesmo a terra, não obstante uma sensibilidade sempre mais positiva para com a
ecologia, sofre, talvez como nunca antes acontecera na história da humanidade, de mudanças
climáticas do ecossistema que suscitam interrogativos sobre o futuro do nosso planeta.
Preocupa a degradação do ambiente; a Igreja faz-se porta-voz das mais autênticas aspirações
em favor de um equilíbrio ecológico, que não ponha em perigo a nossa terra e a inteira
criação, saídas das mãos plasmadoras do Criador, oferecidas à humanidade como habitáculo
de beleza e de equilíbrio, dom e recurso fundamental da existência humana.
20. Embora não faltem sinais de despertar religioso, de novo interesse pelas realidades
espirituais e de um certo retorno ao sagrado, os pastores vêem com preocupação aquela que
foi definida uma silenciosa e tranquila apostasia das massas da práxis eclesial. Avança uma
cultura imanentista não aberta ao sobrenatural; também entre os cristãos há uma crescente
indiferença a respeito do futuro escatológico e sobrenatural da vida, que torna a existência no
mundo verdadeiramente digna de ser vivida.
21. São causa de preocupação o crescimento do relativismo moral, uma certa cultura que
não faz prevalecer a vida e não a respeita, uma dessacralização do início e do fim da
existência humana, tão ligados ao mistério do Deus da vida.
São sinal de esperança no Deus Criador a transmissão da vida física, a educação dos
filhos, o empenho na promoção dos valores da existência humana na sua plenitude de sentido
e de destino.
Nunca como neste momento da história a dissimulada equação que, aquilo que é
cientificamente possível é de igual modo eticamente justo, nos levou a uma verdadeira e
própria manipulação biológica. Dela derivam consequências para o homem que é imagem e
semelhança de Deus em Cristo, nossa Vida (cf. Jo 1,4; 14,16). Daqui provêm os problemas
que se manifestaram nos últimos anos, que se estendem como uma sombra em direcção do
futuro.
A apaixonada defesa que o Magistério da Igreja tem feito da dignidade de toda a vida
humana, desde o seu surgir até ao seu declínio, está a influir também na opinião pública e, de
igual modo, está a dar alguns frutos no sector da ética mundial. Estão em jogo o futuro da
humanidade e a dignidade da pessoa humana com os seus direitos intangíveis e inalienáveis.
22. A crise da família e da sua estabilidade, assim como as dissimuladas insídias contra o
instituto familiar, apresentam-se hoje como graves ameaças para a vida e a educação dos
filhos.
23. Uma nova situação eclesial surge nos territórios que durante longo tempo
permanecerem sob regimes totalitários. Aquelas Igrejas vivem numa reencontrada liberdade
de culto e numa nova presença apostólica; experimentam o florescimento das vocações e um
incipiente impulso missionário fora dos confins das próprias Igrejas particulares. Nelas a
[20] Cf. A Constituição pastoral Gaudium et spes do Vaticano II, a Encíclica Humanae vitae
de Paulo VI, a Exortação apostólica Familiaris consortio e a Encíclica Evangelium vitae de
João Paulo II, juntamente com outros autorizadas e precisas intervenções, como a Carta às
Famílias (02.02.1994), bem como diversos Documentos do Pontifício Conselho para a Família
e da Pontifícia Academia para a Vida.
fadiga e a alegria de um novo início, o frequente testemunho de uma alegre vitalidade e de
um fervor da fé desconhecido noutros países fazem esperar num futuro frutuoso.
Contudo, a Igreja não renuncia à sua tarefa de corajoso anúncio do Evangelho nestes
países envolvidos pelo vazio, deixado pela cultura dos regimes totalitários. Antes, deve
promover a educação para a liberdade e uma reencontrada comunhão entre todos os cristãos.
Uma necessária educação da fé pode influir na superação de uma certa práxis devocional sem
fundamentos sólidos e no impulso de uma renovada evangelização; torna-se necessária a
promoção de uma fé adulta, de uma vida moral convicta, de modo especial diante do assédio
das seitas e do perigo de cair, como alguns lamentam, na busca de um excessivo
consumismo.
24. O futuro da Igreja do terceiro milénio foi-se aos poucos configurando como uma
decentralização da presença dos católicos para os países de África e da Ásia, onde, como
também na América Latina, florescem jovens Igrejas, repletas de fervor e de vitalidade, ricas
de vocações sacerdotais e religiosas que, com frequência, vão em ajuda à escassez de forças
vivas que se regista no Ocidente.
25. Entre os sinais positivos que no final do século e do milénio foram percebidos também
nas recentes assembleias sinodais, encontramos o anseio da paz, o desejo de uma
participação solidária das nações na soluções de eventuais conflitos locais, a crescente
consciência dos direitos humanos, a igual dignidade de todas as nações, a busca de uma
maior unidade no planeta, com uma solidariedade efectiva a nível mundial entre países
pobres e países ricos. É semente de esperança a dedicação crescente de muitos ao serviço dos
pobres e dos países mais necessitados, através do voluntariado. Cresce a estima do génio
feminino e percebe-se uma maior responsabilidade das mulheres na sociedade e na Igreja.
Não faltam os temores pelos excessos da globalização; há, porém, salutares reacções
como as formas de solidariedade, a maior sensibilidade na salvaguarda dos valores culturais
dos povos e das nações, a consciência de fazer prevalecer os valores éticos e religiosos sobre
os económicos e políticos. Existe no nosso mundo uma acentuada procura da verdadeira
liberdade, um crescente sentido de comunhão contra os individualismos.
Na alternância das sombras e das luzes, verificam-se às vezes, também a nível mundial,
movimentos de opinião a favor de alguns aspectos que parecem ameaçados. Contra a
manipulação genética e o desprezo pela vida nascente, está a surgir uma maior atenção pela
vida humano e o seu valor transcendente, que a liga ao Deus da vida. Procura-se fortemente
uma convergência sobre os valores éticos a nível internacional, enquanto do perigo de um
desequilíbrio ecológico nasce um sentido mais acentuado do valor da criação.
Existe também hoje uma busca do sentido e da qualidade da vida a todos os níveis,
também espiritual. Manifesta-se uma maior sensibilidade ao personalismo e ao sentido
comunitário das relações interpessoais, tendo como base uma verdadeira comunhão entre as
pessoas.
O mundo actual e a Igreja sentem a urgência da unidade, ainda que muitas vezes seja
ameaçada a plena e autêntica «cultura» da unidade e da comunhão.
Os frutos do Jubileu
27. A nível eclesial continua, de modo especial depois do Grande Jubileu do Ano 2000, a
renovação da vida cristã, da participação solidária de todos na nova evangelização.
28. Alguns momentos do Jubileu foram um sinal especial para a Igreja e para o mundo. A
Jornada mundial da juventude ofereceu um testemunho de fé, de piedade e de vigor eclesial
com a jubilosa presença e participação de tantos jovens, provenientes de todo o mundo e
reunidos em Roma à volta do Papa. A sua presença eclesial é um desafio, a pastoral juvenil
apresenta-se como uma das fronteiras dos próximos decénios. Sente-se nos jovens cristãos a
exigência de uma clara e decidida vida evangélica.
29. Como foi notado nas diversas assembleias sinodais continentais, e emergiu
especialmente por ocasião do Pentecostes de 1998, a Igreja sente com muita intensidade que
o Espírito Santo, assim como fez noutras épocas da história, semeou novas energias
espirituais e apostólicas, autênticos carismas de vida evangélica e de impulso missionário,
adaptados às necessidades do mundo de hoje, de maneira especial nos movimentos eclesiais
e nas novas comunidades. Esta semeadura faz pressentir uma messe abundante favorecida
pelas vocações sacerdotais, religiosas e laicais de muitos jovens, desejosos de consagrar a
própria vida ao serviço do Evangelho.
30. O século e o milénio que se abrem, encontram certamente os fiéis e os pastores das
diversas Igrejas e comunidades cristãs mais unidos, através dos inegáveis progressos do
diálogo ecuménico, fruto precioso do Espírito no século já transcorrido. Um diálogo que teve
as suas variáveis vicissitudes nos últimos decénios. Uma retomada dos contactos ecuménicos
nos últimos anos encoraja este irreversível empenho da Igreja e das outras Igrejas e
Comunidades cristãs.
Alguns eventos jubilares, como a abertura da Porta santa da Basílica de São Paulo, a
comemoração ecuménica das testemunhas da fé do século XX, a viagem do Papa à Terra
Santa, juntamente com outras iniciativas recentes, são o sinal de uma renovada vontade, por
parte dos cristãos, de caminharem juntos pelas vias do Senhor.
O diálogo, entendido como encontro entre pessoas e grupos, no respeito das diversas
identidades e na rejeição do irenismo e do sincretismo, não é só o novo nome da caridade,
como teve ocasião de dizer Paulo VI,23[23] mas é hoje também o novo nome da esperança,
[22] Cf. JOÃO PAULO II, Mensagem Ringraziamo sempre Dio, aos participantes no IV
Congresso mundial dos movimentos eclesiais e das novas comunidades: L’Osservatore
[23] Cf. PAULUS VI, Litt. Encycl. Ecclesiam suam III, (06.08.1964): AAS 56 (1964), 639.
num renovado cenário mundial.
Antes de mais, como forte chamada à experiência primigénia cristã que é o encontro
com Alguém que está vivo. Isto significa a necessária passagem da proclamação da fé para a
fé vivida. Pede também uma liturgia viva no encontro com a bondade de Deus
misericordioso, que nos oferece redenção e salvação, como Aquele que é «médico da carne e
do espírito».24[24]
[24] S. IGNATIUS ANTIOCHENUS, Ad Ephesios 7,2; Patres Apostolici I, Ed. F.X. Funk.
[25] JOÃO PAULO II, Carta Enc. Veritatis splendor (06.08.1993, 107: AAS 85 (1993), 1217.
Bispos testemunhas de esperança
32. Esta visão da situação da Igreja no mundo, com as suas luzes e sombras, no período
inicial do terceiro milénio da era cristã, é o testemunho que todo o Bispo deve dar ao
Evangelho de Cristo para a esperança do mundo, no vasto horizonte tanto da Igreja universal
como nas diversas Igrejas particulares.
Nem se pode esquecer o empenho que essa situação comporta para uma ordenada visão
da Igreja que vive no mundo, pedindo aos Bispos a necessária palavra e acção em vista do
bem comum.
Diante das provações quotidianas, no tecido de uma existência que se torna expectativa
de algo de novo que deve vir de Deus, o Bispo é para a sua Igreja como Abraão, que «teve fé
esperando contra toda a esperança», plenamente convicto da fidelidade de Deus no
cumprimento daquilo que havia prometido (cf. Rm 4,18-22). Ele confia com certeza na
palavra e no desígnio de Deus, como Maria, mulher da esperança, que aguardou o
cumprimento das promessas de Deus fiel, em Nazaré, em Belém, no Calvário e no Cenáculo.
Todo o Bispo, ao repor em Deus a sua fé e a sua esperança (cf. 1 Pd 1, 21), deve poder
fazer próprias as palavras de S. Agostinho: «Quem quer que sejamos, não seja posta em nós a
vossa esperança. Como Bispo, inclino-me para dizer isto: quero alegrar-me de vós, não ser
exaltado. De modo algum me congratulo com qualquer um que seja, ao descobrir que em
mim depositou a esperança: ele deve ser corrigido, não tranquilizado; deve mudar e não ser
encorajado... a vossa esperança não seja colocada em nós, nem nos homens. Se somos bons,
somos ministros; se somos maus, somos ministros. Mas se formos ministros bons, fiéis,
somos realmente ministros».26[26]
34. Neste amplo horizonte é que se coloca o ministério da Igreja para o próximo milénio,
de modo especial a missão do Bispo como testemunha e promotor de esperança cristã.
Para todo o pastor da Igreja, trata-se de levar de modo corajoso e arrojado a presença de
Deus ao quotidiano transcorrer da vida. O inteiro serviço episcopal é ministério para «o
renascimento de uma esperança viva» (1 Pd 1, 3) do povo de Deus e de todo o homem. É,
por isso, necessário que o Bispo oriente toda a tarefa de evangelização ao serviço da
esperança, sobretudo dos jovens, ameaçados por ilusões míticas e pelo pessimismo de sonhos
que desaparecem, e de quantos, angustiados pelas múltiplas formas de pobreza, olham a
Igreja como sua única defesa, graças à sua esperança sobrenatural.
Fiel à esperança, cada Bispo deve conservá-la firme em si mesmo, porque é o dom
pascal do Senhor ressuscitado. Ela está fundada no facto de que o Evangelho, a cujo serviço
o Bispo é essencialmente posto, é um bem total, o ponto crucial no qual se centra o
ministério episcopal. Sem a esperança toda a sua acção pastoral permaneceria estéril. O
segredo da sua missão está, pelo contrário, na inflexibilidade da sua esperança teologal e
escatológica. A respeito dela, S. Paulo afirma: «tivestes conhecimento pela palavra da
verdade, o Evangelho, que chegou até vós» (Cl 1, 6).
O Bispo é sinal e ministro desta esperança. Cada Bispo pode acolher para si estas
palavras de João Paulo II: «Sem a esperança nós seríamos, não só homens infelizes e dignos
de compaixão, mas também toda a nossa acção pastoral se tornaria infrutífera; não
ousaríamos empreender mais nada. Na inflexibilidade da nossa esperança reside o segredo da
nossa missão. Ela é mais forte que as desilusões frequentes e as dúvidas penosas, porque vai
buscar a sua força a uma fonte que, nem a nossa distracção, nem a nossa negligência podem
levar ao esgotamento. A fonte da nossa esperança é o próprio Deus, que por meio de Cristo
venceu o mundo de uma vez por todas e continua hoje, por nosso intermédio, a missão
salvífica entre os homens».27[27]
CAPÍTULO II
[27] IOANNES PAULUS II, Discurso aos Bispos da Áustria por ocasião da visita «ad
Limina» (06.07.1982), 2: AAS 74 (1982), 1123.
O ícone de Cristo Bom Pastor
35. Muitos são os textos da Escritura que reflectem a figura espiritual do Bispo, à luz de
Cristo, sumo sacerdote e pastor das nossas almas. Eles são tirados do Antigo e do Novo
Testamento, e estão centrados na imagem do sumo sacerdote ou do pastor.
Todos os textos se referem ao arquétipo que é Cristo. Ele apresentou-se nas parábolas
evangélicas como o pastor em busca da ovelha tresmalhada (cf. Lc 15, 4-7), definiu-se a Si
mesmo «bom» pastor do rebanho (cf. Jo 10, 11.14.16; Mt 26, 31; Mc 14, 27); foi
reconhecido pela comunidade apostólica com este título: «pastor e bispo das... almas (1 Pd 2,
25), «príncipe dos pastores» (1 Pd 5, 4), «grande pastor das ovelhas» (Hb 13, 20),
ressuscitado pelo Pai. Na visão do Apocalipse, o Senhor ressuscitado é o Cordeiro-Pastor (cf.
Ap 7, 17) que congrega em si a realidade da oferta sacrifical pascal e da salvação, as figuras
do sacerdote e pastor do Antigo e do Novo Testamento.
A primitiva iconografia cristã gostou de representar Cristo como pastor bom e belo,
vivo no esplendor da sua ressurreição, cantado pela liturgia como o bom pastor ressuscitado,
que deu a vida pelas suas ovelhas.28[28]
Lugar do encontro com o Bom Pastor é a Igreja, onde Ele se torna presente, apascenta o
seu rebanho com a palavra e os sacramentos, o guia para as pastagens do rebanho. A beleza
do pastor irradia-se na beleza de uma Igreja que ama e serve. Ela é motivo de esperança para
toda a humanidade, impelida também pelo instinto divino, que traz no coração, para a beleza
que salva, expressa no rosto do Cordeiro-Pastor.
36. Só Cristo é o Bom pastor. D’Ele, como de uma fonte, se irradia na Igreja o ministério
pastoral, que Jesus confiou a Pedro (cf. Jo 21,15.17); uma graça que foi percebida como a
continuidade do ministério apostólico de guiar e de velar: «Apascentai o rebanho que Deus
vos confiou, velando por ele, não constrangidos, mas de boa vontade» (1 Pd 5,2).
A figura do Bispo como pastor, portanto, é familiar à tradição cristã nas palavras, nos
gestos, nas insígnias episcopais, sempre contudo na contemplação do único pastor e na
imitação dos seus sentimentos, em virtude da graça d’Ele recebida.
[28] Surrexit pastor bonus qui animam suam posuit pro ovibus suis et pro grege suo mori
dignatus est»: MISSALE ROMANUM, Dominica IV Paschae, Antif. ad communionem.
«O bom pastor Jesus confiou-lhe (ao Bispo), mediante o sacramento do episcopado, os
seus mesmos poderes: pois bem, o Bispo considera como uma obrigação de amor apascentar
o rebanho do Senhor e como resposta de amor o seu empenho em viver e exercer o
ministério com as mesmas disposições que teve Cristo, o supremo pastor (cf. 1 Pd 5, 4), o
Bispo das nossas almas (cf. 1 Pd 2, 25)».29[29]
A imagem eclesial do Bispo é, desde a antiguidade cristã, delineada nas várias liturgias
da ordenação episcopal no Oriente e no Ocidente, como o momento em que. com a
imposição das mãos e as palavras da consagração, a graça do Espírito Santo desce sobre o
eleito e com o carácter sagrado imprime em plenitude a imagem viva de Cristo mestre,
pontífice, pastor, para agir em seu nome e na sua pessoa.32[32]
[31] Cf. CONC.OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen gentium, 21.
O Bispo é consagrado também com a unção do santo crisma para ser partícipe do sumo
sacerdócio de Cristo, de modo tal que possa plenamente exercer o ministério da palavra, da
santificação e do governo. Como pontífice é tomado dentre os homens, é constituído em
favor dos homens em tudo aquilo que se refere a Deus (cf. Hb 5,1). O episcopado, diz-se, não
é um termo que indica primariamente uma honra, mas um serviço; é destinado antes a fazer o
bem do que manifestar uma preeminência. Com efeito, também para o Bispo valem as
palavras do Senhor «que o maior entre vós seja, como o menor, e aquele que mandar, como
aquele que serve» (Lc 22,26).33[33]
38. A dimensão trinitária da vida de Jesus, que o une ao Pai e ao Espírito como consagrado
e enviado ao mundo e se manifesta em todo o seu ser e agir, plasma também a personalidade
do Bispo, como bom pastor, sucessor dos apóstolos.
Esta participação na vida e missão trinitária tem uma primeira aplicação nos apóstolos,
como primeiros partícipes na comunhão e missão: «Como o Pai Me amou, também Eu vos
amei; permanecei no meu amor» (Jo 15, 9; 17, 23); «Assim como o Pai Me enviou, também
Eu vos envio a vós» (Jo 20, 21). Além disso, Jesus ora para que os discípulos estejam
envolvidos no mesmo amor trinitário: como o Pai e o Filho são um só, assim os discípulos
sejam um só (cf. Jo 17, 21).
Esta referência à Trindade faz remeter o ministério do Bispo até à sua fonte. Depois, a
sucessão apostólica não é apenas física e temporal, mas também ontológica e espiritual,
mediante a graça da ordenação episcopal. Com efeito, os Bispos foram enviados pelos
apóstolos, como seus sucessores, os apóstolos foram enviados por Cristo, Cristo foi enviado
pelo Pai.34[34]
39. O selo trinitário da graça do episcopado é expresso de modo apropriado pela liturgia
romana da ordenação episcopal: «Dado que o Espírito Santo te pôs para reger a Igreja de
Deus, cuida do inteiro rebanho, no nome do Pai, do qual na Igreja és a imagem; no nome de
Torna-se além disso manifesto, através das palavras e dos gestos da ordenação com a
imposição das mãos, um gesto que, segundo Ireneu de Lião, evoca as duas mãos do Pai, do
Filho e do Espírito;36[36] ele plasma e configura o eleito para a plenitude do sacerdócio,
como o dom do «Espírito do Sumo sacerdócio» é derramado sobre Cristo e transmitido aos
apóstolos, que por toda a parte fundaram a Igreja.37[37]
40. A tradição que apresenta o Bispo como imagem do Pai é muito antiga. Encontramo-la
especialmente nas Cartas de Inácio de Antioquia. Com efeito, o Pai é como o Bispo
invisível, o Bispo de todos.38[38] Por sua vez, o Bispo deve ser reverenciado por todos
porque imagem do Pai.39[39] De modo semelhante, um antigo texto adverte: amai os Bispos
que são, depois de Deus, pai e mãe.40[40]
Tudo isto é possível porque o Bispo, na sua ordenação, recebe em plenitude a unção do
Espírito Santo que desceu sobre os discípulos no Pentecostes, Espírito do sumo sacerdócio,
que o habilita interiormente, configurando-o a Cristo, para ser viva continuação do seu
mistério em favor do seu Corpo místico.
41. As próprias recomendações e insígnias episcopais que o Bispo recebe na sua ordenação
episcopal, como expressões da graça e do ministério, são eloquentes no seu simbolismo
eclesial.
O livro do Evangelho, posto sobre a cabeça do Bispo, é sinal de uma vida inteiramente
submetida à Palavra de Deus e despendida na pregação do Evangelho, com toda a paciência e
doutrina.
Também o pálio, que os Bispos vestem desde sempre no Oriente e alguns Bispos
recebem agora no Ocidente, tem diversos e vários significados. Para os metropolitas que o
recebem no Ocidente é sinal de comunhão com o Romano Pontífice, símbolo de unidade,
compromisso de comunhão com a Sé Apostólica, vínculo de caridade e estímulo de fortaleza
na confissão e defesa da fé. O pálio, contudo, como o omophorion dos Bispos nas Igrejas
orientais, teve na antiguidade e ainda hoje conserva outros significados de grande valor
espiritual e eclesial. Confeccionado com lã e ornado com sinais de cruz, é emblema do
Bispo, identificado com Cristo, o Bom Pastor imolado, que deu a vida pelo rebanho e traz
nos ombros a ovelha desgarrada, a significar a solicitude por todos, de modo especial por
aqueles que se afastaram do redil. Assim o atesta a tradição oriental46[46] e a ocidental.47[47]
[45] Cf. PONTIFICALE ROMANUM, De ordinatione episcopi, n. 50-54, pp. 26-27: Unctio
[46] Cf. ISIDORUS PELUSIOTA Erminio comiti, Epistularum lib. I, 136: PG 78, 271-272:
«Id autem amiculum, quod sacerdos humeris gestat, atque ex lana, non ex lino contextum est,
ovis illius, quam Dominus aberrantem quaesivit inventamque humeris suis sustulit, pellem
A cruz que o Bispo traz visivelmente no peito é sinal eloquente da sua pertença a
Cristo, da confissão da sua confiança n’Ele, da força haurida constantemente da cruz do
Senhor para o dom da vida. Longe de ser uma jóia ou um ornamento exterior, representa a
cruz gloriosa de Cristo, sinal de esperança, segundo a eloquente palavra do apóstolo:
«Quanto a mim, Deus me livre de me gloriar a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo» (Gl 6, 14).
Tudo isto traz em si uma conotação de universalidade para todos aqueles que receberam
a ordenação episcopal e, em comunhão com o Romano Pontífice, fazem parte do Colégio
Episcopal e, com ele, compartilham a solicitude por toda a Igreja.48[48]
O Espírito de santidade
42. Da figura do Bispo, como é expressa pelas palavras e os ritos da ordenação, emerge a
chamada à santidade, a sua peculiar espiritualidade, o seu caminho de santidade e de
perfeição evangélica. É uma tradição confirmada pelos ritos do Ocidente e do Oriente que
referem ao Bispo a plenitude da santidade a ser vivida diante de Deus e em comunhão com
os fiéis.
43. A vida espiritual do Bispo, como vida em Cristo segundo o Espírito, tem a sua raiz na
graça do sacramento do baptismo e da confirmação, onde, enquanto «christifideles»,
renascido em Cristo, se tornou capaz de acreditar em Deus, de ter esperança n’Ele e de O
amar por meio das virtudes teologais, de viver e agir sob a moção do Espírito Santo mediante
os seus santos dons. Com efeito, o Bispo não de modo diferente de todos os outros discípulos
do Senhor, que foram incorporados a Ele e se tornaram templo do Espírito, vive a sua
vocação cristã consciente da sua relação com Cristo, como discípulo e apóstolo. Bem o
expressou Agostinho com a sua conhecida fórmula referida aos seus fiéis: «Para vós sou
Bispo, convosco sou cristão».51[51]
Também o Bispo, pois, como baptizado e crismado, é alimentado pela santa Eucaristia
e tem necessidade do perdão do Pai, por causa da fragilidade humana. Além disso,
juntamente com todos os presbíteros, deve também percorrer caminhos específicos de
espiritualidade, chamado à santidade em razão do novo título derivante da Ordem sagrada.52
[52]
44. Trata-se, ainda, de uma espiritualidade própria, que o Bispo haure da sua realidade,
orientado a viver na fé, na esperança e na caridade o ministério de evangelizador, de liturgo e
de guia na comunidade. É uma espiritualidade eclesial porque cada Bispo é configurado a
[52] Cf. CONC. OECUM. VAT. II, Presbyterorum ordinis, cap. III; cf. IOANNES PAULUS
II, Adhort. apost. postsyn. Pastores dabo vobis (25.03.1992) cap. III.
Cristo Pastor e Esposo para amar e servir a Igreja.
Não é possível amar Cristo e viver na sua intimidade sem amar a Igreja, que Cristo
ama: com efeito, possui-se o Espírito de Deus, na medida em que se ama a Igreja «una em
todos e toda em cada um; simples na pluralidade pela unidade da fé, múltipla em cada um
pelo cimento da caridade e pela variedade dos carismas». 53[53] Só do amor à Igreja, amada
por Cristo até ao dom de si mesmo por ela (cf. Ef 5,25), nasce uma espiritualidade orientada
para a medida total com que o Senhor Jesus amou os homens, isto é, até à cruz.
[54] CONC.OECUM. VAT. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen gentium, 41.
[55] Cf. SACRA CONGREGATIO PRO EPISCOPIS, Directorium Ecclesiae imago
referências às virtudes sobrenaturais da obediência, da continência perfeita por amor do
Reino, da pobreza, da prudência pastoral e da fortaleza, encontra-se também uma chamada à
virtude teologal da esperança; apoiando-se nela, o Bispo espera de Deus, com firme certeza,
todo o bem e põe na divina Providência a máxima confiança, «recordado dos santos
apóstolos e antigos Bispos que, embora experimentando grandes dificuldades e obstáculos de
todo o género, todavia, anunciavam o evangelho de Deus com toda a coragem»».56[56]
Desde os primeiros séculos do cristianismo, e até ao século XX, muitos Bispos foram
modelos de sabedoria teológica e de caridade pastoral; uniram na sua existência o ministério
da pregação e da catequese, a celebração dos santos mistérios e a oração, o zelo apostólico e
o amor intenso pelo Senhor. Fundaram Igrejas, reformaram os costumes, defenderam a
verdade; foram corajosas testemunhas no martírio e deixaram uma marca na sociedade, com
iniciativas de caridade e de justiça, com gestos de coragem diante dos poderosos do mundo,
em favor do próprio povo.57[57]
O ministério da pregação
O Bispo é, antes de mais, ministro da verdade que salva, não somente para ensinar e
instruir, mas também para conduzir os homens à esperança e, por conseguinte, ao progresso
no caminho da esperança. Portanto, se um Bispo quer verdadeiramente apresentar-se ao seu
povo como sinal, testemunha e ministro da esperança não pode senão alimentar-se da Palavra
da Verdade, com total adesão e plena disponibilidade a ela, segundo o modelo de Maria, a
santa Mãe de Deus, que «acreditou no cumprimento das palavras do Senhor» (Lc 1, 45).
Dado que, depois, esta divina Palavra está contida e expressa na Sagrada Escritura, um
Bispo deve recorrer a ela constantemente, com uma leitura assídua e um estudo diligente,
para receber nova ajuda no seu ministério.58[58] Isto não só porque ele seria um vão pregador
[57] Cf. IOANNES PAULUS II, Homilia na celebração eucarística do Jubileu dos Bispos
[58] Cf. ISIDORUS HISPALENSIS, De ecclesiasticis officiis, lib. II, 16-17: PL 83, 785.
da Palavra de Deus para o exterior se não a escutasse interiormente, 59[59] mas também
porque esvaziaria o seu ministério em favor da esperança. Com efeito, da Escritura o Bispo
haure o alimento para a sua espiritualidade, de modo a desenvolver, com veracidade, o seu
ministério de evangelizador. Só assim, como S. Paulo, ele poderá dirigir-se aos fiéis,
dizendo: «Em virtude da perseverança e da consolação que nos vêm das Escrituras mantemos
viva a esperança» (Rm 15,4).
47. O Bispo é também o orante, aquele que intercede pelo seu povo, com a fiel celebração
da Liturgia das Horas a que deve presidir também no meio do seu povo.
Consciente de que somente através da sua própria oração pessoal será mestre de oração
para os seus fiéis, o Bispo dirigir-se-á a Deus para Lhe repetir, juntamente com o salmista:
«Na vossa palavra pus a minha esperança» (Sl 119, 114). De facto, a oração é o espaço
privilegiado e expressivo da esperança ou, como diz S. Tomás, ela é a «intérprete da
esperança».61[61]
Um Bispo deve também procurar os momentos em que possa viver a sua escuta pessoal
da Palavra de Deus e a sua oração juntamente com o seu presbitério, os diáconos
permanentes, os seminaristas e os consagrados e consagradas presentes na Igreja particular e,
onde e quando for possível, também com os leigos, em particular aqueles que vivem o seu
apostolado de forma associada.
Tal modo de proceder favorece o espírito de comunhão e apoia a sua vida espiritual,
apresentando-se na sua Igreja particular como «mestre de perfeição», empenhado em «fazer
progredir no caminho da santidade os seus sacerdotes, os religioso e os leigos, segundo a
vocação particular de cada um».62[62] Ao mesmo tempo, faz voltar à sua origem divina e
confirma na comunhão da oração os vínculos das relações eclesiais, nas quais foi colocado
como centro visível da unidade.
Nem descurará as ocasiões para viver em conjunto com os irmãos Bispos, sobretudo se
mais próximos porque da mesma província e região eclesiástica, momentos análogos de
encontro espiritual. Nesses encontros pode-se experimentar a alegria que brota do viver em
conjunto entre irmãos (cf. Sl 133,1), manifesta-se e incrementa-se o afecto colegial.
É, sem dúvida, sinal de esperança para o povo de Deus ver que o próprio Bispo é o
primeiro a aproximar-se do sacramento da reconciliação em circunstâncias particulares,
como quando preside à sua celebração de forma comunitária.
Também da celebração da santa Liturgia o Bispo, juntamente com todo o povo de Deus,
tira alimento para a esperança. De facto, quando a Igreja celebra a sua Liturgia sobre a terra,
[62] CONC. OECUM. VAT. II, Decret. de past. Episcoporum munere in Ecclesia Christus
Dominus, 15.
saboreia de antemão, na esperança, a Liturgia da Jerusalém celeste, para a qual caminha
como peregrina e onde Cristo está sentado à direita do Pai «qual ministro do santuário e da
verdadeira tenda, construída pelo Senhor e não por um homem» (Hb 8, 2).64[64]
49. Todos os Sacramentos da Igreja, a Eucaristia primeiro entre todos, são memorial das
palavras, das obras e dos mistérios do Senhor, representação da salvação realizada por Cristo
de uma vez para sempre e antecipação da posse plena, que será o dom do tempo final.65[65]
Até então a Igreja celebra-os como sinais eficazes da sua expectativa, da invocação e da
esperança.
Os Bispos das Igrejas Orientais, fiéis ao próprio e rico património litúrgico com várias e
particulares celebrações, poderão viver em plena sintonia com os valores espirituais das
próprias tradições.67[67]
50. Entre as acções litúrgicas há algumas nas quais a presença do Bispo tem um significado
particular. Antes de tudo a Missa crismal, durante a qual são benzidos o Óleo dos
Catecúmenos e o dos Enfermos e consagrado o santo Crisma: é o momento da mais alta
manifestação da Igreja local, que celebra o Senhor Jesus, sumo e eterno Sacerdote do seu
próprio Sacrifício. Para um Bispo é um momento de grande esperança, dado que ele encontra
o presbitério diocesano reunido à sua volta para juntos voltarem os olhos, no horizonte
festivo da Páscoa, para o Grande Sacerdote e para, assim, reavivarem a graça sacramental da
Ordem mediante a renovação das promessas que, desde o dia da Ordenação, estabelecem o
carácter especial do seu ministério na Igreja. Nesta circunstância, única do ano litúrgico, os
estreitos vínculos da comunidade eclesial são para o povo de Deus, embora atormentado por
inumeráveis preocupações, um vibrante grito de esperança.
Também neste sacramento da efusão do Espírito Santo, que comporta muitas vezes para
os pastores um grande empenho de tempo e no qual se apresenta a ocasião para realizar a
visita pastoral nas paróquias, o Bispo vive um momento de intensa espiritualidade ministerial
e de comunhão com os seus fiéis, de maneira especial com os jovens. O facto de este
sacramento ser administrado pelo pastor da diocese, evidencia que ele tem como efeito unir
mais intimamente todos ao mistério do Pentecostes, à Igreja de Deus nas suas origens
apostólica, à comunidade local, e associar aqueles que o recebem à missão de testemunhar
Cristo.68[68]
[67] Cf. IOANNES PAULUS II, Epistula apostolica Orientale lumen (02.05.1995): AAS 87
(1995) pp. 745-794; cf. CONGREGAÇÃO PARA AS IGREJAS ORIENTAIS, Instrução para
[68] Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1313.
51. Sinal de uma forte espiritualidade de comunhão e elemento de grande valor para a
santidade e santificação do Bispo é a comunhão com os seus presbíteros, com os diáconos, os
religiosos e as religiosas, com os leigos, tanto no relacionamento pessoal como nas diversas
reuniões. A sua palavra de exortação e a sua mensagem espiritual tendem a favorecer e
garantir a presença activa e santificante de Cristo no meio da sua Igreja e o fluxo da graça do
Espírito que cria um particular testemunho de unidade e de caridade.
Por isso é oportuno que o Bispo anime e promova também, com a sua presença e
palavra, os «momentos do Espírito» que favorecem o crescimento da vida espiritual, como
são os retiros, os exercícios espirituais, as jornadas de espiritualidade, usando de igual modo
os meios de comunicação social que podem atingir também os mais distantes.
Deverá também saber usufruir dos meios comuns da vida espiritual, tais como a busca
de conselho espiritual, a amizade e a comunhão fraterna, para evitar o risco da solidão e o
perigo do desânimo diante dos problemas.
Deste modo, ele poderá viver e animar uma espiritualidade de comunhão com os
agentes da pastoral, através da escuta, da colaboração e da responsável atribuição das tarefas
e ministérios.
O Bispo não está sozinho no seu ministério: deve dar e receber aquele fluxo de caridade
fraterna que vem da relação com os outros irmãos no episcopado, num verdadeiro exercício
de amor recíproco, como o que foi pedido por Jesus aos discípulos (cf. Jo 13, 34; 15, 12-13),
que se torna também partilha de oração, de experiências espirituais e pastorais, de
discernimento.
52. Ele mesmo é chamado a ser no meio do povo promotor e animador de uma pastoral da
santidade, mestre espiritual do seu rebanho, com o estilo de vida e o testemunho credível nas
palavras e acções.
53. Sustento do Bispo na vida espiritual é a especial presença materna de Maria, honrada
com uma relação pessoal de autêntico amor filial.
Isto comporta uma sólida devoção mariana, que é uma intensa comunhão com a Santa
Mãe de Deus no ministério litúrgico de santificação e de culto, no ensino da doutrina, na vida
e no governo. Este estilo mariano no exercício do ministério episcopal brota do próprio
perfil mariano da Igreja.
54. A espiritualidade cristã é um caminho com as suas etapas, provações e surpresas, num
dinamismo de fidelidade à própria vocação. Os períodos da vida, a tensão constante para a
perfeição e a santidade pessoal, segundo o desígnio de Deus, ajudam também o Bispo a
captar no seu ministério um verdadeiro e próprio itinerário espiritual. No meio das alegrias e
provações, que não faltam na vida do pastor, ele viverá a própria história e a do seu povo.
Um caminho que deve percorrer diante do seu rebanho, na fidelidade a Cristo, com um
testemunho também público até ao fim.
Poderá e deverá fazê-lo com confiança serena e animado pela esperança teologal,
mesmo quando estiver nas condições de apresentar a renúncia ao cargo. Contudo, não deverá
cessar de viver até ao fim, nas formas mais oportunas, o espírito do ministério, na oração ou
noutras tarefas.
55. O realismo espiritual ensina de igual modo a avaliar como o Bispo deve viver a sua
vocação à santidade também na sua debilidade humana, na multiplicidade dos empenhos, nos
imprevistos quotidianos, nos muitos problemas pessoais e institucionais. Às vezes,
empenhado e solicitado por inúmeras responsabilidades, corre o perigo de ficar transtornado
pelos problemas, sem encontrar válidas resposta e soluções.
Por isso, ele precisa de cultivar um sereno teor de vida que favoreça o equilíbrio mental,
psíquico, afectivo, capaz de fomentar uma atitude à relação interpessoal, a acolher as pessoas
e os seus problemas, a identificar-se com as situações tristes ou alegres do seu povo, que nele
quer encontrar a maturidade e a bondade do seu ministério e de um mestre espiritual.
Com efeito, todos os dias o Bispo renova a sua confiança em Deus e orgulha-se como o
Apóstolo «na esperança da glória de Deus..., bem sabendo que a tribulação produz paciência,
a paciência uma virtude provada e a virtude provada a esperança» (Rm 5, 2-4). Da esperança
deriva também a alegria. A alegria cristã, de facto, que é alegria na esperança (cf. Rm 12,
12), é também objecto da esperança. O Bispo, testemunha da alegria cristã que nasce da cruz,
não só deve falar da alegria, mas deve também «esperar a alegria» e testemunhá-la diante do
seu povo.69[69]
57. Será paciente e perseverante na esperança, quando no exercício do seu ministério for
submetido à prova da doença ou conduzido pelo Senhor a viver o seu fim como uma oferta
pelo seu rebanho ou for chamado a dar testemunho de Cristo em difíceis condições de
perseguição e de martírio, como não raro aconteceu e acontece no nosso tempo.
Também estas serão ocasiões preciosas para que todo o povo a ele confiado saiba que o
seu pastor vive o dom total de si, como Cristo na Cruz.
Por esta razão, será também belo ver o Bispo que, consciente da sua doença, recebe o
sacramento da Unção dos Enfermos e o santo viático com solenidade e acompanhamento do
clero e do povo.70[70]
Neste último testemunho da sua vida terrena, ele tem a oportunidade de ensinar aos seus
fiéis que nunca se deve trair a própria esperança e que toda a dor do momento presente é
aliviada com a esperança das realidades futuras.
No último acto da sua partida deste mundo para o Pai, ele pode resumir e voltar a
58. O caminho espiritual do Bispo é iluminado pela grande multidão de pastores da Igreja
que, a partir dos apóstolos, iluminaram com o seu exemplo a vida da Igreja em todas as
épocas e lugares. Seria árduo fazer um elenco destes ilustres modelos que brilham na Igreja,
cuja santidade foi ou será reconhecida pela Igreja. Mas os seus nomes e as suas figuras estão
bem presentes na vida da Igreja universal e das Igrejas locais, também na celebração cíclica
do ano litúrgico ou nas leituras da liturgia das Horas.
Pensamos nos santos pastores que desde o início da Igreja uniram a santidade da vida
com a pregação e a sabedoria, o sentido pastoral e também social da mensagem evangélica.
Alguns deles deram a sua vida no testemunho do martírio. Há santos pastores fundadores de
Igrejas recordados e celebrados como santos padroeiros.
Houve pastores que resplandecem pela sua doutrina, que deram um contributo
específico nos Concílios ecuménicos e actuaram com sabedoria as directrizes de reforma e de
renovação. São Bispos santos muitos missionários que levaram o Evangelho a novas terras e
organizaram a vida das Igrejas locais nascentes. Não faltaram até aos nossos dias
testemunhas da fé que pagaram com o cárcere, o exílio e outros sofrimentos, a sua fidelidade
à Igreja católica e à comunhão com a Sé de Pedro. Outros em circunstâncias difíceis deram a
vida pelo seu rebanho como defensores dos direitos humanos e religiosos.
CAPÍTULO III
O EPISCOPADO MINISTÉRIO DE COMUNHÃO
E DE MISSÃO NA IGREJA UNIVERSAL
59. As palavras de Jesus na última Ceia, de modo especial no cap. 15 de João, referem-se à
vocação dos apóstolos na luz da comunhão e da missão. Jesus fala da videira e dos ramos
numa figura bíblica, que exprime com clareza a necessidade da comunhão e a fecundidade da
missão. Ainda que a palavra de Jesus tenha uma sua referência eclesial e eucarística, que
atinge todos os fiéis, tem uma primeira referência ao círculo dos apóstolos e, por
conseguinte, aos seus sucessores.
Daí deriva a necessidade da comunhão com Cristo e, n’Ele, com o Pai e o Espírito, na
videira mística na qual está velada a Igreja.
«Sem Mim nada podeis fazer» (Jo 15, 5). Segundo o sentido da parábola da videira, no
Evangelho de João, Jesus indica aos seus discípulos a comunhão com Ele como fidelidade de
uma amizade divina: «Vós sereis Meus amigos se fizerdes o que Eu vos mando» (Jo 15, 14).
Na amizade de Cristo está compreendida a partilha do conhecimento dos segredos do Pai, o
dom da vida até à morte, a comunhão recíproca no amor. Ela supõe, da parte de Jesus em
continuidade com a sua missão que vem do Pai, a escolha e o envio missionário dos
discípulos: «Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei, para
irdes e dardes fruto, e o vosso fruto permaneça» (Jo 15, 16). Da parte do discípulo é pedida a
fidelidade à palavra e à missão.
60. O Bispo, ramo vivo enxertado na videira que é Cristo, seu amigo, discípulo e apóstolo,
traz em si a chamada pessoal e ministerial à comunhão e à missão.
61. O Concílio Vaticano II privilegiou na sua reflexão teológica a Igreja, como lugar dos
mistérios da fé, com uma particular atenção ao tema central da comunhão. De facto, a Igreja
é definida desde o início da Constituição Lumen gentium como «o sacramento, ou sinal, e o
instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano».71[71]
[76] IOANNES PAULUS II, Adhort. synod. Christifideles laici (30.12.1988), 31: AAS 81
(1989), 448.