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Linguística e Psicanálise
Linguística e Psicanálise
Lingüística e Psicanálise:
Murmuros do inconsciente
Mercedes Vandondorno
Lingüística e Psicanálise:
uma discussão sobre o sujeito na
linguagem
Lingüística e Psicanálise:
uma discussão sobre o sujeito na
linguagem
Lingüística e Psicanálise:
uma discussão sobre o sujeito na
linguagem
Aprovado em ____/____/_____
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________
Dra. Mônica Nóbrega
Orientadora – UFPB
______________________________________
Dra. Ivone Tavares de Lucena
Examinadora – UFPB
______________________________________
Dra. Marlene Teixeira
Examinadora- UNISINOS/RS
DEDICO...
Aos meus familiares, tão numerosos, cuja história e particularidades determinam o meu jeito
de pensar e agir diante dos fenômenos que me são apresentados quotidianamente;
De maneira muitíssimo especial, à minha avó materna Maria Alves de Araújo, dona de casa,
lavradora, professora do grupo escolar da ‘minha’ saudosa Beira do Rio (palco de tantas
descobertas!) sem a qual, talvez, eu não tivesse sido seduzido, desde muito criança, pela
belíssima e inigualável profissão que é a de educador;
Ao meu avô materno Antônio Cipriano da Silva, lavrador, vaqueiro, que, mesmo sem ter a
habilidade exigida pela escola institucionalizada, consegue ‘ler’ o dia-a-dia de uma maneira
muito coerente, sabendo aceitar o que a vida lhe reservou, sem intolerância e com muita
dignidade;
À minha avó paterna Joana Batista da Costa, que, mesmo tendo ido embora muito jovem,
marcou sua estória neste mundo por ter sido a mulher condolente, altruísta e reta que foi;
À minha avó paterna e madrinha Raimunda Araújo Costa, que, na sua calma e paciência,
soube conduzir a sua vida e a dos que a rodearam com bastante prontidão e doçura;
Ao meu avô paterno Antônio Pereira da Costa, homem honesto e de decisões muito
acertadas, por ter sido a estaca em que muitos puderam se agarrar em momentos difíceis;
Aos meus pais Maria Nilma de Araújo Paulino e Joaquim Paulino Neto, meus tesouros,
sem os quais a vida seria algo insignificante, a quem ofereço meu eterno agradecimento, por
terem sempre me conduzido para o Bem;
Ao meu irmão Walison Paulino de Araújo Costa, de quem herdei o mesmo nome, por ter
sido o primeiro de nós e ter proporcionado a ‘mainha’ e ‘painho’ tanta felicidade, infelizmente,
por tão pouco tempo;
Ao meu irmão Wellington Paulino de Araújo Costa, que, mesmo sendo muito diferente de
mim, consegue ser insubstituível, por ser muito mais forte do que eu e, às vezes, me mostrar,
despretensiosamente, que a vida pode ser muito mais fácil, sem grandes ambições;
À minha irmã Joana Emília Paulino de Araújo Costa com quem me identifico, embora
discordemos tanto, por ser uma pessoa que busca sempre dar o melhor de si e não vê
obstáculos para cumprir seus desígnios;
Ao meu sobrinho, afilhado e ‘filho de alma’ Pedro Henrique Paulino Costa, em quem
deposito todo o amor de um pai, por me dar tanta alegria e vontade de viver;
À minha sobrinha Larissa Bianca Paulino de Araújo Ferreira, que, mesmo tendo
enfrentado separações ainda tão bebê, parece já ser obstinada em relação ao seu futuro,
pelo amor que tem aos livros e por ser, até agora, a minha grande esperança de outras
descobertas;
Ao meu sobrinho ‘bebezinho’ Gabriel Leite Paulino Costa, nosso mascote, por ser tão
indefeso e se assemelhar tanto à figura de Deus Menino;
À minha cunhada Maria de Lourdes Araújo Leite, pela delicadeza e respeito que dedica aos
que tanto amo;
Àquele a quem chamam de Deus, de Jesus, de Javé, de Jeová, de Oxalá, de Alá, de Buda,
Àquele poderoso, eterno e bom que tem força para os que clamam por Sua intervenção;
à Virgem Santíssima, por ter sido a preceptora de Cristo e sempre trazer a consolação em
momentos de agonia; à Venerada Senhora, Aquela que é Mãe, advogada, que jamais acusa,
e sempre defende, por dar conforto aos que necessitam de um amparo;
à Profa. Dra. Mônica Nóbrega, minha orientadora e, muito mais, pessoa íntegra e
competente, de quem pude aprender ensinamentos dentro e fora da academia, com quem
compartilho segredos e POSSO festejar cada etapa da vida;
à Banca de Qualificação e de Defesa, que, com esmero, nas pessoas de Ivone Lucena,
Marlene Teixeira e Mariane Cavalcanti, contribuíram bastante pela acessibilidade e pela
leitura séria que empreenderam;
a todos os meus professores, principalmente, Angelina, Ester, Félix, Genilda Azeredo, Iara,
Lúcia Nobre, Luciene Espíndola, Maura Dourado, Eleida, Margarida, Michael Smith, Rosilda,
de quem muito aprendi;
aos meus companheiros da Pós: André Pedro, Cida, Fernanda, Flávio Benites, Isaías, Kalina,
Jailma, João, Rachel, Renata, Vilma Pastor, Sílvia, Valéria , dentre tantos outros.
aos meus amigos ‘da vida’, veteranos e calouros: Anna Líbia, Anne Pellicciotto, Auxiliadora
Gomes de Lima (vulgo Dora, Edson ou Doriedson) Cristóvam Tadeu, Dalvaci Carneiro (vulgo
Léa), Fernanda Martínez, Isabelle Vasconcelos, Lúcia Sobreira, Marinete Queirós, Roseanne
Catão.
A Eduardo Sérgio, recém chegado em minha vida, pelos momentos agradáveis que me
proporciona e pelas indispensáveis sutilezas com que torna meus dias mais alegres.
a tudo e a todos aqueles que, de alguma maneira, pelo menos, tiveram a intenção de me
ensinar algo.
Resumo
No contexto dos estudos sobre a linguagem, há muitos caminhos nos quais se pode
pautar uma discussão. Este estudo prioriza enfocar a linguagem trafegando por
concepções que atribuem ao sujeito um estatuto de fundamento para a sua
compreensão. O sujeito, que é a razão de a língua existir, traz consigo uma idéia
imanente de intersubjetividade, segundo a qual o dizer de um falante é sempre
constituído por uma alteridade. Assim, tenta-se entender essa inclusão do outro no
dizer do eu por conjunturas que contemplam o dialogismo, a interação, trazendo à
cena um Outro elemento subjetivo: o sujeito do inconsciente, cuja atuação na
linguagem é silenciosa e constante, via de regra, sendo materializada no discurso de
um sujeito suposto saber, além dos contornos assumidos por um outro pequeno que,
em função de uma relação imaginária, proporciona ao eu o embuste de que fala
somente o que quer, quando, na verdade, fala mais do que supõe, ou fala algo
totalmente diferente do que deseja. Em termos metodológicos, esta pesquisa de
cunho exploratório se fundamenta na abordagem qualitativa, cujo método evidencia
a construção de uma reflexão, conectando pontos categóricos para uma
interpretação subsidiada pela força de princípios de verdade, isto é, argumentos
lógicos. Tinha-se como objetivo geral estabelecer pontos de convergência entre a
lingüística e a psicanálise, concretizados a partir do enfoque dado aos sujeitos
envolvidos na interação verbal (eu e outro, mas que ora também é visto como um tu)
e, principalmente, da emergência do inconsciente nesse circuito dialógico, através
da noção lacaniana do Outro. Com os resultados alcançados, verificou-se que o
Outro redefine, assim como o outro bakhtiniano e o outro pequeno da relação
imaginária, a compreensão sobre o sujeito e seu lidar com a linguagem.
In the context of language studies, there are a lot of ways on which one can base a
discussion. This study focuses on language through conceptions that attribute to the
subject a status that is fundamental to its comprehension. The subject, who is the
reason why language exists, brings up the innate idea of intersubjectivity, according
to which the discourse of a speaker is always constituted by other-orientation. Thus,
one tries to understand the inclusion of the ‘other’ into the I’s discourse by
contemplating dialogism, interaction, the ‘Other’ as a subjective element: the subject
of unconscious, whose acting in language is silent and constant, generally, being
materialized in the discourse of the subject supposed to know everything, besides the
participation of the ‘other’ that, owing to its imaginary relationship, makes the ‘I’ think
that it says only what it wants to, when, in fact, it says more than supposes, or says
something completely different from what wants to. Methodologically, this exploratory
research is based on qualitative approach, whose method reflects by connecting
categories for some interpretation subsidized by the strength of principles of truth,
which one calls logic argument. It aimed at establishing convergent points between
linguistics and psychoanalysis, taking into account the emphasis on the subjects
involved in the verbal interaction (the ‘I’ and the ‘other’, which is sometimes seen as
the ‘you’) and mainly considering the emergence of unconscious in the dialogical
circuit through Lacan’s notion on the ‘Other’. With the results, one could see that the
‘Other’ redefines, like Bakhtin’s ‘other’ and the ‘other’ of the imaginary relationship,
the comprehension on the subject and its dealing with language.
Referências............................................................................................................................ 107
1 Abrindo as janelas para a noção de sujeito
Jean-Claude Milner
Lidar com a questão da subjetividade é tarefa já feita por alguns estudiosos,
lingüística.
frente ao conceito de ciência, tanto numa acepção dos antigos quanto numa
acepção dos teóricos que orbitam os dias de hoje. Em um primeiro instante, falar em
lingüística como ciência significa voltar-se no tempo, isto é, sabe-se que Saussure é
científico que tem hoje. Entretanto, esse status é bem diferente hoje do que tinha na
Lingüística Geral (CLG). Sabe-se que a lingüística contemporânea cada vez mais se
situa dentro de um quadro epistemológico que incita, embora seus limites sejam bem
discutir com outras áreas do saber, não se limita ao interior de seus próprios
domínios, isto é, esse debate nada mais é do que o lugar comum da linguagem na
química etc. Enquanto isso, as ciências humanas parecem ter sido relegadas para
específico do que este, pois delimita o objeto a ser estudado de maneira muito
cognoscível. De acordo com Miller (1999), a ciência teve sua origem no estudo da
histeria, uma das teses mais vigorosas da epistemologia lacaniana no que toca aos
pólos sujeito e objeto. Nesse sentido, a estrutura do discurso da ciência não deixa
de se correlacionar ao discurso da histeria, embora que, de certo modo, dele se
equação se desmembra nas três seguintes proposições: ‘não é o eu, por exemplo,
que é operado pela psicanálise, mas o sujeito’; ‘há um sujeito da ciência’ e ‘estes
sujeito operado por ela é o mesmo da ciência, motivo pelo qual não se pode deixar
de lado o discurso científico, embora se saiba que não faz sentido perguntar, em
uma dada instância, em que condições a psicanálise seria uma ciência, pois a
psicanálise organiza seu próprio campo epistemológico e permite que nele mesmo
ela seja orientada. É como se saísse de uma praxis para a theoria, ou seja, todo
praxis, mas como esse sujeito psicanalítico é o mesmo da ciência, não há como
da física-matemática, a ciência diz que existem significantes que não querem dizer
nada para ninguém, assim não exigindo a figura do sujeito para lidar com o que
esses significantes, por ventura, venham a dizer; é como se esses significantes não
das leis significantes. Segundo Miller (1999, p.46), ‘por isso Lacan diz, e afinal a
história parece confirmá-lo, que a psicanálise não era possível antes do advento do
discurso da ciência.’ Parece que tirar a ênfase do sujeito dentro do quadro científico
era uma espécie de estratégia, por parte de quem fazia a ciência, pois assim ela
seria imutável, tornando célebre quem com ela lidava. O discurso da ciência, por
muito tempo, rechaçou o sujeito, visto que ele podia (e pode) fraturar sua
consistência (MILLER, 1999, p. 52). Todavia, o sujeito está aí, dizendo e sendo dito,
‘utilizando’ e sendo utilizado pela palavra. É esse mesmo sujeito que faz da ciência
direito e um avesso. Como diz Miller (1999), Lacan, através da Faixa do matemático
mas não distante. De acordo com essa topologia do discurso da ciência, Lacan
permeada por fenômenos paradoxais para o senso comum, não pode ser excluída
sem estar preparado para um determinado fim, não planeja uma linguagem bonita,
tampouco com intenções sedutoras; ele não purifica sua linguagem; pelo contrário,
linguagem é o que diferencia os homens dos animais; pela linguagem, pode-se, por
exemplo, prever a morte. É como diz Miller (1999, p. 33): “Isso traça, de qualquer
modo, os limites da psicologia e, por inteligente que seja, o rato de Skinner não tem
Considera-se o sujeito falante não como aquele que sabe o que diz, mas
aquele que é utilizado pela própria língua; trata-se daquele que sempre diz mais do
que quer e, ao mesmo tempo, diz sempre outra coisa. Por essa mesma razão, não
inequívoca, mas a humana tem como traço fundamental o equívoco. Assim sendo, a
um par locutor-ouvinte ideal, que é pura ficção, pois não se pode falar em
positivista, o sujeito de que se cuida aqui é aquele que vacila com a linguagem.
Desse modo, sob um olhar da psicanálise, a linguagem não é utilizada pelo homem,
tampouco modificada por ele; ela, sim, transforma-o, afetando diretamente seu corpo
segunda. Para tal intento, chegou até a matematizar proposições para a sustentação
de tal saber, como se assim ela pudesse ser mais visivelmente considerada como
constituído, não tem condição de ser incluída, visto que traz consigo uma de suas
em sua estrutura constituída pelo eu, pelo outro e, também, pelo sujeito do
inconsciente é o mesmo sujeito de que trata a ciência, por mais que se negue.
mas não o consegue completamente (FINK,1998). Uma coisa não deveria excluir a
outra, pois mesmo que a psicanálise contemple o inconsciente, não se deixa de falar
sujeito; é aquilo de que não se tem consciência, mas que está lá presente e atuante
no sujeito falante.
o que é extrínseco ao humano, mas será que isso é sempre possível? O extrínseco
facilmente se matematiza quando se trata de uma ciência exata ou uma ciência que
sujeito, própria do seu dizer. É como argumenta Fink (1998, p.171): “Cada discurso,
ao buscar seus próprios fins e suas próprias molas mestras, tenta fazer com que sua
(inconsciente).
Com base nisso tudo, o princípio que norteia essa pesquisa articula as idéias
com que a concepção de alteridade seja entendida numa dimensão maior, mais
complexa. Para isso, procura-se pensar essas noções à luz da concepção lacaniana
de sujeito.
sujeitos envolvidos na interação verbal (eu e outro, mas que ora também é visto
relação entre o eu, o outro e o Outro, via processo dialógico, uma vez que esse eu é
elementos de sentidos tanto objetivos quanto subjetivos. Esse caráter alimenta, por
fenômeno de estudo.
sujeito cartesiano.
teóricos, para o que se recorreu a outros autores, como é o caso de Flores (1999),
ultimando, é ponto de partida; tem o fim de situar a leitura, isto é, oferece ao leitor
uma idéia de onde partem as reflexões feitas ao longo de todos os capítulos,
seguida, vem o segundo capítulo. Ele serve de porta de entrada para a lógica
dedutiva do texto, visto que se percorrem estas categorias eleitas para servirem de
parciais, e não finais, pois se vê que não é possível esgotar toda a matéria, mas a
se dedicado a tal assunto, como por exemplo: Humboldt e Bréal. Embora na sua
época a língua fosse pensada como produto, Humboldt a concebe como atividade
mental, através da qual o homem expressa seu pensamento. Essa é a razão de ele
vem Bréal, segundo o qual a fala não objetiva apenas descrever, narrar ou agir
exercido sobre as pessoas e coisas existentes. Assim sendo, não é possível excluir
o elemento subjetivo do centro da questão sobre a língua. Pelo contrário, este deve
distanciando-se das amarras dessa estrutura, surge o trio que reintroduz a discussão
também o não-intelectual. Partindo daí, ele trouxe duas outras funções para
atribuindo tal fato aos afetos. Segundo esse mesmo estudioso, o enunciado jamais é
inicia as teorias enunciativas, visto que cada um desses trabalhos não exclui o
elemento ‘subjetividade’ de suas preocupações; muito pelo contrário, para eles não
Bakhtin diz que para tratar do fenômeno lingüístico não se pode ficar preso
nada mais cabível do que trazer categorias teóricas para o centro das discussões,
subjetividade.
cena’, colocando-se em sua parte central, uma vez que ele será o foco da discussão
em lingüística, tenha-se em mente a veia teórica que envolve, pelo menos, ‘um
falante para um ouvinte’, sem os quais não é possível conceber a idéia de alteridade
Neste capítulo, portanto, optou-se por trabalhar com concepções teóricas que,
se for operada, instrumentada, usada, posta em uso (como se queira!) pelo sujeito,
que ao falar, não prescinde do outro para que a enunciação aconteça (essa
enunciação pode ser considerada como o ato de pôr em funcionamento a língua por
razão por que implica uma redefinição do sujeito lingüístico marcado pelo
considerado essencialmente dialógico, seja o sujeito não pleno, mas marcado pela
linguagem.
noção de instrumento. A linguagem está para o sujeito, assim como o sujeito está
para a linguagem como condição sine qua non de existência. Para Benveniste
(1988), a linguagem é mais que a simples feição instrumental que muitos defendem.
Ela é inata ao homem e indissociável dele. Na verdade, ele não a cria; ela é
Portanto, é mister considerar que esse eu que fala por meio da linguagem traz
de um tu para que se torne real. Sem um alocutário, o eu nada mais é do que uma
expectativa de vir a ser; é virtual. Entretanto, toda essa necessidade do tu por parte
apresenta um papel fundamental para a subjetividade, visto que esse eu que fala é
interlocutor, ou seja, “eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a
‘mim’, torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu” (BENVENISTE, 1988, p.
286). Ou, ainda, “essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois
implica em reciprocidade – que eu me torne tu na alocução daquele que por sua vez
que haja uma língua que seja por si só suficiente e “veiculável”; a expressão
dela por entre o tecido das instâncias do discurso, instaurando-se com o eu.
enunciação não pode ser pensado apenas a partir de um indivíduo, pois ele é
‘compelido’ por um outro a enunciar, motivo por que não é errôneo dizer que a
289).
determinante, uma vez que esse outro encerra na relação com o eu o plano da
esquema dialógico.
pragmático’ segundo o qual cada locutor vem a ser um co-locutor. Esse consenso
pragmático nada mais é do que um acordo tácito e, ao mesmo tempo, inato entre
falantes de uma língua, o qual permite a troca constante de papéis ‘falante versus
câmbio de pólos, por meio dos quais os elementos subjetivos assumirão, mesmo
No dizer de Benveniste (1989), o outro também pode ser visto como parceiro,
alocutário não como um sujeito sobre o qual o enunciador tenta lançar seu próprio
convencimento, mas como um ente considerado útil para que o indivíduo que se
(idem, p.84) deixa este ponto mais claro: “[...] desde que ele se declara locutor e
assume a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de
considerado como uma variação do diálogo, na qual tanto o eu locutor pode ser o
único a falar quanto o eu ouvinte pode intervir, tornando-se um locutor. E mais uma
Como a língua só existe em decorrência do uso que o sujeito faz dela, pode-se dizer
outro, que é essencialmente a condição para que esse eu tenha seu lugar como
Além dessa visão benvenistiana, a alteridade é discutida sob uma ótica que
inclui um outro como interagente necessário, seja esse sujeito o que interage
atualizado na fala do que fala, sujeito falante. Assim, desde já, pode-se dizer que
esta pesquisa considera a subjetividade a partir desse sujeito que está ‘fora’ do eu,
sendo, entretanto, esse sujeito ‘fora’ que constitui o eu em todas as suas dimensões.
constitui o eu, pode-se dizer que o tu, sujeito que vive exterior ao eu, vem fazer parte
dele, ou o eu vai fazer parte desse outro, como se queira. Inicialmente, diz-se que a
fala do outro está na fala do eu. E aí surge a grande pergunta: qual a contribuição da
outro constituindo o eu, assunto que está sendo tratado neste capítulo, e, no capítulo
outro minúsculo, pois, como se verá a cada tempo, o outro tem sua função para que
dialogismo pode contribuir bastante, mostrando como é possível que o outro sócio-
histórico constitua o a voz do falante. Assim, dialogismo pode ser considerado como
partir de uma relação com o outro (numa acepção pluralizada). Assim, esse princípio
para o discurso. Essa relação dialógica é que aponta para o sujeito constituído tal
como é. O sujeito e tudo que diz respeito a ele (e a língua se inclui nesse rol) só têm
outro. Não é à toa que o referido autor se pronuncia de forma tão veemente no
tocante à interação dialógica: “tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada
termina e nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida, o mínimo de existência”
linguagem, não uma linguagem ao nível de frase, mas num âmbito discursivo, quer
sintaxe. A concepção de língua aqui adotada leva em conta o sujeito que a mobiliza,
que a torna viva, historicizada, social, língua em que o outro é inscrito não
linearmente pelo locutor. É como se o locutor desse lugar ao outro nas malhas do
seu próprio discurso. A palavra do sujeito é sempre formada a partir da sua relação
outros teóricos da linguagem, filósofos com pés bem fincados em estudos sobre a
transcendental que vá além da figura do eu. Para que haja subjetividade, é preciso
Segundo Marques (2000), Heidegger reivindica que o sujeito não é isolado; ele
sempre está com outro. Isso reforça que as ponderações bakhtinianas merecem
louvor, dentre outros motivos, porque estão inscritas não apenas nos campos da
linguagem.
outro), na qual haja proximidade. Por falar em proximidade, pode-se entender melhor
que, mesmo o outro constituindo o eu, não é possível tê-los como unidade desde
são dois que se tornam um, já que o outro passa a constituir a fala do sujeito quando
linguagem que foi além dos que pregavam em seu tempo. Fala-se em “linguagem”
porque era preocupação de Bakhtin trabalhar questões ligadas à literatura,
estritamente no campo lingüístico. Ele compreende que a língua não era apenas um
sistema. Isso não quer dizer que quisesse apagar o que outros grandes lingüistas
constitua como tal. É como se esse ‘ser’ exterior proporcionasse a existência ao eu,
Nessa direção, Bakhtin (2003, p.199) defende que “certo conjunto de idéias,
uma delas”. Essas vozes refletem o caráter dialógico até agora difundido, visto que,
mesmo sem haver uma simetria, os sujeitos que interagem se implantam dentro
dessa relação, ‘dizendo e sendo ditos’, por meio desses ecos que se propagam,
com o eu, implanta-se no discurso do que enuncia, o que é, para Mikhail Bakhtin, o
cerne da questão dialógica. De acordo com a visão bakhtiniana, é possível perceber
momento em que produz seu próprio discurso. Trata-se de uma relação de doação,
a partir da interação e somente por ela passa a existir, fato que é abarcado de forma
determinante pela questão do dialogismo. O sujeito não pode ser concebido como
homogêneo; ele é e está no outro, assim como o outro está no eu, constituindo-o.
é falar nas relações que o discurso mantém com a enunciação, com o contexto
intertextualidade. Então, os sujeitos que falam não falam sozinhos; eles falam
sobre enunciação, que se define como o momento em que a língua está sendo
evento singular, pois antes de haver enunciação, a língua se reduz apenas a uma
língua, isto é, o sujeito se apropria dela e a emprega para produzir sentidos; dizer o
Não é concebível a idéia de uma língua que seja por si só suficiente e ‘veiculável’
permeia o ato discursivo do indivíduo falante quando este lança mão da enunciação,
como eu. E, ao instaurar-se como eu, inclui-se também o outro, seu duplo, sem o
um contexto onde haja a interação de sujeitos, uma vez que o caráter dialógico
permeia o ato de enunciar. Assim sendo, fica evidente a estreita relação entre
no que diz respeito à razão de ser do dialogismo: não há uma síntese do que é dito,
isto é, não se junta o que foi dito na tese e na antítese; há, sim, a sucumbência de
uma voz em relação à outra ou uma combinação dessas vozes, a qual, na maioria
das vezes, é assimétrica. Não importa a vitória dessa ou daquela voz; o grande
Uma outra questão que se poderia trazer agora seria o fato de que, assim
como o sujeito da psicanálise lacaniana, claro que com estrutura diferente, o sujeito
em Bakhtin parece que sabe tudo, é pleno, uno. Entretanto, o que esse eu fala não
pertence a si, mas ao outro. Nada é seu, tudo é do outro, numa relação que se
encadeia e que vem desde o Adão mítico cuja fala é original. Do ponto de vista da
mitologia cristã, Adão foi o único ser em cuja fala não se permite aplicar os conceitos
posto que existem outros diante do falante, ao seu derredor. Corroborando com essa
da alteridade. Embora o indivíduo tenha a sua própria vida, iniciando sua existência
com o nascimento, ele não pode pensar que é o iniciador axiológico responsável por
2003).
pais, à família, aos que vivem no convívio direta ou indiretamente. Não se pode falar
que alguém pertence a si mesmo, mas ao outro. Pertence ao outro quando pensa,
mediante fatos do cotidiano, quando, enfim, fala com o outro. Assim, não se pode
conceber um ator social que não seja em toda a sua essência dialógico, posto que
humanidade.
Defende-se que o outro, através da fala do eu, é necessária para que a visão
dialógica sobre a língua seja válida. Assim sendo, ao falar em língua na concepção
pois a língua não é mais vista enquanto sistema, fechada em si mesma. Na visão em
que não mais se pensa a língua como sistema, o dialogismo e a polifonia são alguns
dos alicerces para a definição dessa subjetividade para além do eu, o qual vem a ser
uma vez que a presença constante do outro constitui o sujeito, no caso, o eu que
qual não se poderia pensá-la além da visão sistêmica. Tal subjetividade, analisada
pelo viés bakhtiniano, é por excelência marcada pelo outro da memória, pelo sujeito
histórico, por aquele indivíduo que fala porque interage com a palavra (do outro),
possibilitando, assim, como a obra do referido autor autoriza, mencionar o princípio
maneira, sim, pois Bakhtin diz que a linguagem é heterogênea. Ele não menciona
(2004) o faz. Bakhtin (1997, p.85) diz que "a linguagem não pode ser, segundo
próximo capítulo.
diversos campos das ciências humanas, os quais são revestidos, muitas vezes, de
matizes que até se avizinham, porém cada um com um direcionamento que aponta
contribuir para aclarar o lugar do sujeito falante como ser dialógico perante a língua,
psicanálise lacaniana também como aporte teórico, visto que se defende a afirmação
de que o inconsciente tem uma linguagem que, via de regra, do ponto de vista
O sujeito que fala é, pois, constituído por um outro que está fora de si, no seu
pleno, uno, universal, sem ser limitado pelo tempo, advogado pelo arcabouço
capítulo trará, pode-se dizer que a psicanálise, por outro lado, traz consigo um
marcado pela falta. Destarte, desde já, deve-se referenciar, em virtude da crença
língua não está adstrita a formas, não é um sistema fechado em si; é, sim, o
fenômeno social da interação verbal. Nesse contexto interacional, então, o outro tem
o seu lugar. Não há espaço para pensar num sujeito individualizado, homogêneo. O
mesmo tempo, ratificando o que se acaba de dizer, assegura Brandão (2001, p. 68):
“o trabalho analítico articula o discurso com seu avesso, o seu reverso. O discurso
não se reduz a um dizer explícito, pois ele é permanentemente atravessado pelo seu
por meio do eu), respectivamente. Além desses dois, existe ainda o(s) outro(s), com
o(s) qual(is) acontece a relação especular, proposto por Lacan, já que essa autora
claro, ter consciência disso. A interação de que se fala aqui é aquela compreendida
quando há cada vez menos separação entre o que faz parte da interioridade (o eu,
aquele que fala) e o que faz parte da exterioridade (o outro que constitui o eu), isto
é, à medida que for havendo menos separação entre o eu e o outro (e Outro, já que
Até agora se defendeu uma concepção dialógica sobre a língua, mas sem
maiores pormenores sobre sua origem. Por isso, na próxima parte do capítulo, cujo
dialogismo?
verbal. Entretanto, não se tem, nesse ponto da discussão, a intenção de dizer que a
feito um quadro geral que possa diferenciar as duas orientações, analisando suas
especificidades, para, só depois, tentar compreender a gênese da grande sacada
entrecruzando-se a ponto de não permitir que se veja a zona de limite que separa o
sujeito do seu exterior, quer dizer, tudo aquilo que mesmo estando fora vem integrar
já que é através dos ouvidos que se consegue escutar a língua. Então, ver-se-á que
olhos carecem de força para utilizar sua habilidade maior, pois não ‘vêem’ a língua;
as mãos, não sendo diferentes, não conseguem ‘tocá-la’. Quanto aos ouvidos, algo
campos. Para limitar um determinado objeto, via de regra, costuma-se voltar para o
como se passará a apontar. Além disso, ficar limitado a esses contornos implica
locutor e ouvinte) por si sós não dão conta de auxiliar na busca de explicações do
fato lingüístico. Somente se se recorrer à ‘alma’, como quarto elemento, é que será
possível entender, de fato, as nuanças da língua, pois, como diz Bakhtin (1997,
p.70):
maior voltado para a fala como criação individual. A fonte alimentadora da língua é
da linguagem. Dessa maneira, a língua enquanto criação pode ser comparada à arte
e à estética. Para Bakhtin (idem), o fato lingüístico está num continuum, existe uma
energia que nutre a capacidade da fala como ato essencialmente individual. Ao dar
regras que devem ser seguidas) das leis de criação da língua. Um outro aspecto a
ser observado é que se faz uma analogia entre dois tipos de criação: a lingüística e
a artística. Por fim, não se pode perder de vista que essa mesma orientação tem
total estabilidade, uma vez que elege para si categorias que servem de pilastra,
posto em uso.
Já a segunda orientação (objetivismo abstrato) afirma que a consciência
contribui? Nenhuma?
no meio-termo das duas, nem em uma, nem em outra. O fio condutor da essência
a antítese das duas orientações, mas, como diz Bakhtin (idem, p.109), “a verdade
encontra-se mais além, mais longe, manifesta uma idêntica recusa tanto da tese
individualista está ligado ao Romantismo, vanguarda filosófica que foi uma reação
a língua materna.
enunciação monológica, uma vez que a ‘coisa’ é analisada a partir de quem fala;
(idem, p.111): “tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira
para fora. Por outro lado, não há como evitar dizer que, em um certo momento,
quando a expressão que era interior passou a estar no exterior, há uma espécie de
deformação desse interior, pois foi transformado, de alguma maneira, pelo exterior,
expressão caiu por terra, posto que não se pode avaliar em termos qualitativos que o
material interior é melhor ou pior do que o exterior. Além disso, o que se deve ter em
que organiza a atividade mental, que modela e determina sua orientação” (1997,
p.112).
Esse interlocutor, o ouvinte, não precisa ser real; pode ser substituído por um
mediadora desse contato entre o um e o outro. Bakhtin (1997, p. 113) diz também
Como essa zona de separação entre o um e o outro fica muito estreita, fica
difícil de dizer que a palavra pertence a quem a fala. A palavra só lhe pertence no
momento do ato fisiológico, tempo em que ela está sendo materializada. Fora disso,
sociais.
Todavia, esse diálogo é apenas uma das formas que dá vida à interação verbal.
Essa palavra ‘diálogo’ deve ser compreendida em uma acepção ampla, pois
a palavra do outro é que, de fato, se tem uma idéia do que é interagir numa
concebida.
evento interativo. O outro, nesse aspecto é essencial para que essa alteridade
aconteça. Por esse motivo, este capítulo abordou a alteridade sob uma ótica que
sujeito que está ‘fora’, o(s) outro(s), sendo, portanto, esse(s) sujeito(s) exterior(es)
questão da interação entre o(s) sujeito(s) que vivificam a língua, seja numa ótica que
de alteridade sempre aliado ao de interação, uma vez que esta investigação focaliza
qual se falou mais superficialmente neste capítulo, mas terá seu lugar de destaque
interação proposta, foi preciso aclarar que se considerou a língua como sendo um
pauta das preocupações dos lingüistas. Isso demonstra a inércia por parte de tantos
heterogêneo que tem a língua. Por outro lado, Authier-Revuz defende também uma
Pensar um sujeito que não fala o que é só seu, num primeiro olhar, é
estranho, porém, quando se detecta que o que se fala já foi dito, muitas vezes, nem
sujeito que a usa, um sujeito que fala, e quando usa a palavra, tem intenções, mas
também as perde por vezes. Esse caráter intencional ou não das palavras (do
falante) pressupõe uma outra pessoa (pelo menos!) para quem essas (des)intenções
para que a linguagem tenha o seu lugar de mediadora. A investigação acerca das
dialógica. Essa zona limítrofe do diálogo se expande muito mais quando se pensa
em um sujeito dito que não seja pleno, mas que congrega em sua essência
continuação da vida ou, ainda, um sujeito que sem saber o que fala ou o que está
por trás de sua fala, mesmo assim, é ousado: diz de si a si, de si ao outro, do outro a
formas.
sobre o sujeito na psicanálise será feita no próximo capítulo. Assim, pode-se desde
direção.
Flores (1999) enxerga o fato dialógico como sendo imanente à lingüística,
locutor. Por mais que ele parta de orientações saussurianas, seu grande foco vai ser
interrogando o lugar do sujeito para a ciência lingüística. O próprio autor diz: que a
nada mais é do que a consideração do sujeito. Nesse sentido, ele tenta fazer
retornar para a lingüística, com muita pertinência, o que faz parte do seu objeto: o
perceptível a sua existência tão-somente na língua, fato que leva à afirmação de que
de bakhtiniana, vai além dela. Através da idéia de um sujeito que volta à semântica
(2004) acredita que a palavra é heterogênea por natureza, palavra aqui com o
passa a ser visto como sendo dos outros (outro e Outro). Há, portanto, o que se
Flores (1999) concorda com a posição lacaniana quando esta afirma que o
foi retomada, com o intuito de entender o significante como sendo parte de uma
estrutura que permite introduzir a metáfora paterna como ordem do desejo, isto é, o
diferencial. De outra maneira, é o mesmo que dizer que o sujeito falante na relação
estrutura, percebe-se uma falta do próprio significante, a qual faz alusão à ordem do
desejo.
a partir do axioma ‘o desejo é desejo do desejo do Outro’, foi possível concluir que o
sujeito do desejo insiste na/pela cadeia significante, razão pela qual se pode falar
pelo outro; o real constitui a estrutura significante e emerge no Simbólico como limite
interno dado pela pura diferença do significante. O real designa uma realidade
Tais princípios isolados não dão grande contribuição para enfocar a questão
com o sujeito que enuncia, visto que a semântica da língua é alterada. Isso se dá em
razão de o sujeito que enuncia, ao dizer algo, ser atravessado por um desejo do
Outro. O sujeito falante passa a ser dividido, quer dizer, embora o sujeito que
enuncia seja uma certeza (pois dele ‘vêem-se e ouvem-se palavras saírem de sua
eu/Outro. Isso, como conseqüência, leva a crer que o inconsciente está presente no
dizer e no dito.
lado do eu nem do lado do tu, mas instaura-os à moda de um terceiro que intervém,
antevê o que mais tarde é defendido por autores, como Flores (idem), em relação à
Benveniste se consagrou por suas idéias sobre enunciação, ele não tangenciava
seu pensamento aos conceitos psicanalíticos diretamente, pelo menos, não era
bastante claro. Entretanto, chegou a dizer que o ‘sentido profundo’ pode opor-se ao
sentido convencional das palavras, e isso leva a uma reflexão que considera a
Concorda-se com Flores (idem, p.209) quando ele diz que Benveniste não
Nada impede dizer que Benveniste tivesse seus pontos de comunhão com
Lacan, assim trazendo para seus textos um pouco daquela noção psicanalítica,
embora que escamoteada. Lacan, no seminário sobre A Carta Roubada, faz menção
buscar subsídios que melhor expliquem a idéia de sujeito e como este se constitui.
Assim, ele faz um retorno a Authier-Revuz (2004), que define a estrutura subjetiva à
para ele a linguagem é essencialmente dialógica, e como ela não deve dissociar-se
para explicar fenômenos que são, a priori, lingüísticos. Dessa forma, ela diz que o
Outro está também dentro do circuito dialógico. Para ela, entretanto, o Outro não
está presente tão-somente no embate físico da interação. Esse Outro, no seu dizer,
Bakhtin (2003) acata a visão de que o que tem cunho ideológico contém
também significado, remetendo a algo que está situado fora de si. Ele enxerga a
por essa razão que sua postura é crítica perante o objetivismo abstrato, visto que tal
Outro.
de que nessa relação não há nem um duplo de um frente a frente nem um diferente,
próximas do eu, fronteiras essas que apontam para a alteridade. É por meio desse
outro que o eu vê o exterior. Sem contrapor Bakhtin, mas auxiliando-o no que diz
respeito à questão dialógica, ela se apóia na psicanálise, posto que o sujeito não é
dividido. Como ela vai além da compreensão abrangida por um eu e um outro, tenta
resgatar o Outro, desconhecido por parte de quem fala, ora visto como sujeito, ora
como lugar, o qual é capaz de guardar e remeter para a exterioridade (na suposta
consciência do sujeito enquanto falante. Assim, por mais que haja pontos de
responsáveis por este corpo unificado, mas dividido, que é o sujeito enquanto falante
de uma língua.
outro’, o que significa que a presença do outro se verifica mais fortemente no espaço
silêncio de uma das consciências se converte em discurso, posto que mesmo sem a
indo e vindo. Essas palavras são aquelas que ficam no mundo interior dos
indivíduos.
‘coisas’ ditas já foram ditas; nada é original; nada pertence à invenção de quem fala.
O discurso desvelado no cotidiano é um discurso que vem sendo tecido não se sabe
resposta, porque quem diz algo se motiva para dizer tal coisa em função da
possibilidade de uma resposta do parceiro - interlocutor. Como diz Flores (1999,
p.69): “A enunciação do sujeito, como o que ainda não foi dito, é determinada pela
resposta que já está nela contida pelo próprio fato de se construir na atmosfera do
já-dito”.
ao âmbito do diálogo físico; na verdade, esse dialogismo pode ir muito mais além.
Para ele, mesmo uma palavra pode ser dialógica, num sentido mais próximo dos
outro, na relação dialógica, não é o mesmo que vê-lo como um duplo de um diálogo
conta de circunscrevê-la nesse terreno cujo solo tem características tão específicas.
se cruzam no interior das palavras que formam o discurso. E assim os discursos são
definida para ele, ou melhor, não é possível visualizá-la, pois o outro constitui o que
esse espelhamento acontece para Lacan quando o emissor recebe do ouvinte o que
resposta.
com sujeitos-falantes outros, uma vez que essa relação de perpetuidade é uma das
marcas bakhtinianas. Porém, deve-se ficar atento para não dizer o mesmo do Outro
do enunciador; é visto como uma fronteira que marca a relação constitutiva com os
outros na linguagem.
é visto como pleno; é marcado pela heterogeneidade. Daí se explica o fato de ser
eu, inclusive o que esse eu fala. Porém, os pares eu/Outro e eu/outro possuem
indivíduo.
que o inconsciente tenha o seu próprio discurso; ele age no discurso dito ‘normal’ do
indivíduo.
Não se pode dizer que a psicanálise tem a linguagem como seu objeto, pois,
fato de que o discurso do Outro é o discurso do eu ao avesso. É, pois, por meio das
ressonâncias do dizer que o conteúdo latente pode se tornar manifesto (via escuta
maneira, fica clara a alusão que Authier-Revuz (2004) faz ao dialogismo bakhtiniano
fenomenologia não alheia ao sujeito, mas fora dele, por mais que o outro e o Outro o
constituam.
75). Essa idéia de pluriacentuação se propaga ao longo de seu texto, mesmo que o
sujeito dialógico, haja vista que o sujeito é constituído numa relação de troca com o
outro discursivo, pois esse outro se reflete no eu. Dessa forma, pode-se dizer que a
subjetividade já é intersubjetividade, uma vez que é com o outro que o sujeito passa
pelo processo de (auto)/(re)conhecimento: ele se vê sujeito num dos pólos que o liga
sujeito e uma espécie de semântica marcados pela falta, uma falta que pressupõe o
Outro como lugar e como próprio sujeito. Segundo Roudinesco & Plon (1998, p.147),
Outro (sujeito do inconsciente), visto que é através da interação entre esses atores
inscreva, tornando clara a atuação do Outro na fala do locutor. Por isso, se diz que o
dizer.
Numa relação de paralelismo, pode-se dizer que o sujeito é tido como um efeito da
linguagem. Através dela, ele existe; por ela ele é representado; ele enuncia e é
não pode ser concebido como homogêneo. Ele é e está no outro e no Outro, assim
em que não há uma subjetividade psicológica, como acontece com o sujeito que
acha que fala porque quer e que fala somente o que deseja falar (idéia de sujeito
significado. Esse significante está separado do significado por uma barra que serve
significação. Assim, com outras palavras, é aquilo por meio do qual o significante se
frente, mediante, perante, ao derredor do eu, como se fosse uma relação simbiótica,
isto é, para que o eu seja efetivamente eu, é preciso observar outros elementos
os quais são necessários para o entendimento dessa subjetividade que vai além da
investindo-se de papéis com lugares bem definidos, mas, muitas vezes, não ditos,
fazendo crer que o que se fala só é criação de quem diz, da maneira que quer dizer.
sujeito, já que é uma das vigas deste trabalho, pode-se dizer que o Outro é
dialógicas.
lacaniano que, a princípio, só vê a mãe, pois ela é o seu desejo. Vem o pai, o Outro
que impõe a castração simbólica. O desejo pela mãe é barrado, por conta do
recalque originário, sobre o qual já se falou neste mesmo capítulo. Daí a função do
então, será possível ao sujeito ‘se resolver’. Para Teixeira (idem, p. 83), “os sintomas
traumas, preenchendo o lugar vazio. Lacan (1978, apud TEIXEIRA, 2000, p.124), o
qual diz que “o inconsciente é esse capítulo da minha memória que é marcado por
um branco ou ocupado por uma mentira: isto é o capítulo censurado. Mas a verdade
pode ser reencontrada; o mais das vezes ela já está escrita em algum lugar”.
Esse branco a que se refere Lacan não é um branco no sentido de não ter
contadas. Para se ter uma idéia do que guarda o inconsciente, pode-se até pensar
nele não apenas como um capítulo, mas como uma enciclopédia com vários e vários
dita. Dessa forma, não se pode considerar um sujeito puramente com o olhar da
lingüística, mas concebê-lo para além dela, como o verdadeiro sujeito: o sujeito
lacaniano.
3 Considerações sobre o sujeito lacaniano:
para além de um outro da lingüística
Sobre o eu e o outro
Jacques-Alain Miller
No início deste terceiro capítulo, serão delineadas as direções tomadas, de
sinônimos, visto que tanto a visão dialógica quanto a psicanálise (esta no que toca,
semelhanças aqui se deve ao fato de que o que se tem em mente é que a leitura
seja facilitada por parte de quem a fizer, embora essas categorias conceituais não
(LACAN, 1979, p.52). Não há como pensar, pelo menos no caminho de reflexão no
qual segue esta dissertação, que linguagem não seja tomada enquanto discursiva,
pois quando Lacan fala em ‘parada no seu discurso’, vê-se que a noção do termo
considerando que ambos são dialógicos. Para melhor corroborar a idéia de discurso
terceiro, sobre o objeto” (LACAN, 1988, p. 51). Uma outra questão a ser observada é
deslocamento, uma vez que são eles mesmos que mostrarão evidências da
estrutura da linguagem no seu aspecto mais estrutural: eixos paradigmático e
que o circunda. Assim, sempre que possível, serão feitos paralelos e referências
linguagem.
que está fora dos sentidos; é o conjunto de processos psíquicos que influem sobre a
conduta, mas dos quais a pessoa não tem a consciência; ou ainda, é a pessoa que
instância que guarda elementos recalcados, os quais resistem a vir à instância pré-
é aquele lugar de saber constituído por um material literal, que não tem significação,
possui apenas uma dimensão. A intenção é discuti-lo numa acepção mais ampla,
enunciações, através do mesmo porta-voz. Fink (1998, p.19) utiliza esse termo
possui uma só dimensão. Um lapso de língua nos lembra imediatamente que vários
discursos podem usar o mesmo porta-voz ao mesmo tempo”. Na verdade, essa fala
envolta por esse discurso é o resultado do que o falante queria dizer, embora
também, nesse momento, escapem “coisas” que não imaginava, sequer desejava
dizer. A partir de então, é possível considerar que na fala se materializa tanto aquilo
que conscientemente se fala quanto o que está para lá da vontade de falar. Assim,
pode-se, logo agora, afirmar a existência de duas fontes da linguagem, isto é, duas
fio discursivo que remete necessariamente ao Outro. Dessa forma, uma certa fala
desordenada, incompreendida muitas vezes por parte do falante, escapa sem maior
esforço, persistindo em não ficar na linearidade. Essa fala pertence a uma outra
instância que está fora das fronteiras do eu. Esse lugar é o inconsciente. Lacan,
segundo Fink (1998, p. 20), diz que “o inconsciente é o discurso do Outro”. Muitas
pessoas afirmam que, quando falam o que não planejavam falar, estão diante do
que consideram uma mente mais veloz do que sua habilidade de articular as
freudiana, esse seria o momento em que a verdade está sendo dita, ao passo que o
falante tem a impressão de estar dizendo algo sem sentido, que falou
aleatoriamente.
Muitas pessoas não dão a atenção devida a essas falas ditas sem nexo,
sentido de descobrir o que está por trás delas. Em A Interpretação dos Sonhos,
De acordo com Dor (1989), a metáfora pode ser entendida como uma figura
sobrepostos, isto é, sentidos figurados são metáforas antigas. Lacan, então, fala da
situações, ou seja, ela aparece no lugar de outras pessoas às quais ela mesma se
refere. Os seus atos fazem não só menção, mas referência a diversas pessoas.
Esse fenômeno vem confirmar o processo do qual vem se falando - metáfora. Além
metáfora e a metonímia, juntas, podem fazer com que se entenda melhor o ponto de
estofo. Diz-se que elas estão juntas porque são a lógica do significante e se
significante. E por que falar em ponto-de-estofo? Pelo fato de Lacan considerar que,
objeto é denominado por outro termo e não o que normalmente o nomeia. É preciso
que haja ligações entre os termos; a arbitrariedade não é ilimitada a ponto de a
metonímico com a expressão ‘estar num divã’. Pode-se entendê-la como ‘estar em
análise’. O todo (a análise) está elidido, e a parte (o divã) está em seu lugar. Assim,
momento, levar o leitor a uma espécie de indagação: o que tem a ver isso com o
Lacan (1985) afirma que os significantes são jogados para além do real. Esse
pode-se perceber o jogo com as palavras, no que diz respeito ao aspecto mais
Como se acredita num sujeito para além do eu, não se pode deixar de lado a
idéia de uma alteridade que o constitui, seja um Outro ou outro. Lacan (1985) diz
circunscreve apenas no eu, pois ele é e está sempre em relação a uma espécie de
marcante.
A linguagem, aqui enxergada, situa-se num patamar que inclui o Outro como
responsável sobremaneira por ela. Pois de acordo com Lacan (1979), no Outro está
a cadeia do significante, o qual ordena tudo o que se presentifica no sujeito, ou seja,
Bakhtin. Bakhtin (2003) fala do valor axiológico como categoria para a consolidação
da alteridade, isto é, quando um indivíduo nasce, embora digam que a vida é sua,
vida dos indivíduos, trata-se de uma condição para que o sujeito seja, constitua-se
tudo, pois é a partir dele e por meio dele que o sujeito fala. Em harmonia com Lacan
significante que vem se instalar com o mesmo movimento com que é impulsionado a
reflexão de que uma criança, nos seus primeiros meses de vida, não chora com
significação do seu choro e suas atitudes são os seus pais, os quais atribuem
significado à medida que vão adivinhando o que seus filhos desejam. Fink (1998) diz
que seus desejos tomam forma determinada porque são compelidos a usar as
palavras de seus pais, que foram herdadas de seus avós, bisavós e assim por
que cresce. Há, dessa maneira, uma moldagem de seus desejos dentro das formas
sentido é determinado não pela criança, mas por quem está em sua volta, levando
tão verdade que se observa como bem ilustra Fink (1998, p.25): “analise as palavras
mas essas palavras podem estar associadas em nível inconsciente. Entretanto, para
de palavras. Basta, para isso, que o contexto seja envolvido por um sonho ou uma
fantasia, como diz Fink (1998). Isso tem razão de ser, pois a linguagem do
inconsciente obedece a um tipo de gramática (regras estabelecidas), comandando
os possíveis deslizamentos que podem aí acontecer. Por isso que mais facilmente
O recalque exerce um fator de extrema importância, uma vez que ele pode
palavra, por algum motivo, é falada com acepção diversa da que costumeiramente é,
novo papel para o falante, o de atualização do recalque originário, fazendo com que,
regrada, mas há uma sujeição a uma espécie de gramática que dita as “regras do
significantes, mais outro motivo para ser comparado à linguagem. Além dessa
criança herda a linguagem dos seus iguais, se concebe a linguagem aqui como
aquela aos moldes da que estrutura o inconsciente. Daí, se a linguagem não é uma
invenção individual, mas coletiva, por conseqüência, o inconsciente é povoado por
outras vozes.
quais são mencionadas: o Outro é visto como linguagem (não podendo, aí, deixar de
Outro como desejo, o Outro como gozo, o Outro com lugar e como sujeito. O Outro
no próprio sujeito do inconsciente, não se pode deixar esquecer o fato de que “falar
é antes de mais nada falar a outros” (LACAN, 1988, p.47). A palavra é do Outro e do
dizendo que:
da linguagem do inconsciente que o sujeito fala, fala o que quer e o que não quer,
mesmo sem saber que não quer. Vê-se nessa relação entre o Outro e o eu uma
forma de interação.
Lacan, nas palavras de Fink (1998), diz que o sujeito cartesiano também é
transitório, pois assim que faz suas elucubrações (pensa), sua necessidade de
existir cessa; ele precisa dizer para si mesmo que ‘pensa’. Depois disso, não há
mais razão para existir, embora ele continue existindo; o pensamento do sujeito em
paralelo entre o sujeito controlado, que sabe tudo, uno, pleno e o sujeito da falta, do
completa em si mesmo; ele é só, visto que não precisa do outro para constituí-lo.
Diz-se isso porque sua fala só é sua, é pensada, é produto unicamente seu. Porém,
a idéia de sujeito na psicanálise se expande mais, posto que o sujeito não sabe o
que fala, não sabe o que está nem quem está por detrás de sua fala. E se souber,
sabe parcialmente, sabe muito pouco. Mesmo sem saber precisar a existência de
sujeito recebe sua mensagem de forma invertida, visto que fala ao eu através do
com diferenças bem claras, pode-se dizer que tanto o Outro pode ser emissor
quanto destinatário, razão por que se fala em inversão de mensagem, afinal esse
ele é; do contrário, seria cartesiano, pleno e senhor de seu dizer. Isso pode ser
claramente visto a partir da máxima: “Penso onde não sou, logo sou onde não
penso”.
tu (outro), como Bakhtin previa. Segundo Lacan, falar em sujeito implica incluir um
Segundo Lacan (1985), o sujeito analítico não é sujeito na sua totalidade, pois
se assim fosse não haveria interação; cada um estaria no seu canto, completo.
planetas, que estão fechados em si, pois são redondos, não falam. E como não
falam, não interagem, conseqüentemente, não se pode falar que existe alteridade
nos planetas.
Por outro lado, o eu e o outro têm uma relação de implicação mútua, pois
para si a idéia de um outro fora de si, um outro que perpassa o centro de sua
o sujeito tem um eu no qual ele se vê, a ponto de crer que o “eu” é “ele”. O sujeito S
relação à sua imagem especular. De acordo com Dreyfuss, Jadin e Ritter (1999,
Lacan primeiro que o esquema L. O estádio do espelho passou a ser usado por
ia sendo vivenciada pelo indivíduo. É mister percorrer as fases pelas quais passa a
então ela passa por uma etapa psíquica que Lacan chama de fantasma do corpo
ver na imagem do seu corpo um outro ser, ao qual ela deseja se assemelhar. É a
entre si mesma e o outro. No segundo momento, ela percebe que o outro, tido antes
como realidade, nada mais é do que o outro imaginário. A partir desse momento, ela
essa etapa, dois “outros” são apresentados à criança, um que é seu reflexo e que se
confunde com ela e um outro que está fora dela (resultados, ambos, de uma
“estrutura” ótica). Esses outros irão fazer parte da sua constituição como sujeito e,
conseqüentemente, das interlocuções das quais ele fará parte. Dessa forma, ela
passa a ter consciência de um interlocutor real, para o qual dirige sua fala. A criança
toma consciência de que o que via no espelho era a sua própria imagem; e não um
(moi) a Autre
FIGURA 1: Esquema L
FONTE: Lacan (1985)
O outro é uma imagem virtual, pois é uma imagem inversa, assim pode-se
dizer que o eu recebe do outro especular sua própria imagem de forma invertida. O
sujeito se dirige a um semelhante, supondo estar diante de sua própria imagem, pois
aqueles com quem fala são aqueles com quem se identifica. A relação imaginária,
verdadeiro”, fazendo com que ele se identifique com um outro especular, numa
analisando. Assim:
um outro sujeito, do outro lado do muro da linguagem. Por esse motivo, o analista
deve se apagar, ficando no lugar do Outro, o verdadeiro respondente. É se
receptor sua própria mensagem de forma invertida. Nesse sentido, pode-se dizer
que AS, isto é, a linha que vai do Autre (Outro) ao sujeito da análise (representado
por S), simboliza que o sujeito recebe do Outro sua própria mensagem, a qual é
invertida.
analítico. Porém, ele não sabe o que diz. Se soubesse, estaria no lugar do Outro,
a, e é por isso que ele tem um eu. O eu é uma forma fundamental para a
Outro. No tocante ao eu e outro, Lacan (1985) diz que é sob a forma do espelho que
ele vê aquele que se chama de seu semelhante. Esta forma do outro possui uma
estreita linha divisória em relação a eu. É preciso distinguir um outro plano, que é o
passam a ser objetos. Na medida em que o sujeito põe o outro em relação com sua
própria imagem, aquele pequeno a’ é aquele com quem vai haver uma identificação,
ou seja, o eu não vai saber distinguir quem é ele mesmo e quem é o outro. Entrando
a figura do grande Outro, A, a cena de interação se amplia, uma vez que, mesmo
cada vez que pronuncia uma fala, mas sempre alcança a’, por reflexão. Assim,
Todavia, a linguagem é feita para que se possa remeter de volta ao outro objetivado,
ao outro com o qual se pode fazer tudo o que quiser, até a ponto de dizer que é um
objeto, e por ser objeto, ele não sabe o que diz, repercutindo no eu, tendo em vista a
outro e o Outro, dentro de uma certa ambigüidade. Lacan (1985, p.308) diz que “a
linguagem serve tanto para nos fundamentar no Outro como para nos impedir
que diz, e pelas mais válidas razões, porque não sabe o que é. Ele se Vê do outro
além de imaginária, pode ser considerada ilusória. O sujeito, num estágio bem
inicial, tem suas formas todas despedaçadas, mas ele desconhece tal fato. A junção
tornando cada vez mais complexa, pois, no primeiro momento, o outro pequeno é
que inicia o processo rumo à unificação do corpo esfacelado; depois vem o Outro
grande, a grande voz que conduz toda a cena, dizendo ao eu que ele não é o outro,
mais práticos, pode-se dizer que o bebê vê a si mesmo, mas não sabe que ele é
aquele exatamente. O Outro, performado pela mãe, dita quem realmente o bebê é –
visto que a mãe (grande Outro) passa a mensagem através do outro pequeno, claro
que esse raciocínio só pode ser aplicado a um sujeito neurótico que, via de regra, é
o sujeito aparentemente normal. O grande Outro não fala com o bebê diretamente;
ele fala via outro pequeno. Essa é a grande razão de dizer que o sujeito realmente
não sabe o que diz, pois diz, através do outro especular, utilizando chistes e atos
falhos, a mensagem que tem como fonte original o Outro, verdadeiro sujeito do
enviado ao eu, por intermédio do outro, razão por que se defende que o sujeito
discurso.
e um outro sócio-histórico, figurando como centro o eu, já que ele assume a fala.
Embora o outro invada o seu dizer constantemente, tem-se idéia de que esse eu
bakhtiniano se insinua mais, é mais consciente e, portanto, vez por outra, está atento
ao fato de que aquilo que diz não pertence a si, mas ao outro. Dessa maneira, trata-
se, em Bakhtin, de uma noção de outro que simplesmente ecoa no eu, constituindo-
o até, porém deve-se deixar claro que tal constituição não sucumbe à autonomia do
eu, pois este fala o que quer falar, por mais que essa fala não lhe pertença. Por
outro lado, em Lacan, essas relações são vistas de forma mais ampliada, através da
é o grande foco de toda esta discussão; é dele e para ele que as mensagens são
enviadas, embora essas mensagens tenham sempre que passar pelo filtro do muro
da linguagem. Indo um pouco mais além, a relação entre o eu, o outro e o Outro é
pequeno é o instrumento de interação utilizado pelo Outro para mediar sua presença
lingüística no eu. Assim sendo, o Outro é o lugar onde a psicanálise situa, além do
o outro, cuja voz ecoa no dizer do falante. Para Lacan, essa alteridade se dá em três
momentos, se é que é possível dividir tais fases: primeiro, o eu com o outro, o qual é
que o eu fala e ao eu que o Outro fala. Por fim, vê-se que esses três componentes
lingüística marcada por uma alteridade, indo decisivamente além do outro pequeno.
Portanto, o verdadeiro sujeito lacaniano, diga-se o Outro, não pode ser examinado
sem se falar em um eu e um outro, pois é através deles que seu potencial em termos
anterior ao sujeito que o domina mesmo sem que ele saiba que isso acontece.
Embora não haja palavra entre o eu e o outro, já que este é imaginário, não é
pode-se dizer que o liame é a linguagem, é a palavra. Por isso que o Outro pode ser
inconsciente não é um sujeito escondido dentro do próprio ser, mas deve ser
que o sujeito fala e deseja, daí a afirmar que o desejo do sujeito é o desejo do Outro.
Outro, seja um outro sócio-histórico seja um outro imaginário, que serve única
construção desta investigação, sem, contudo, excluir as outras vozes que invadiram
(de maneira muito positiva!) o ato de tecê-la. Começar pela reflexão que o sujeito faz
dele próprio enquanto falante parece ser tarefa fácil, porém a cada palavra que é
indivíduo, trafego nos espaços do mundo e das idéias e me identifico com o que a
linguagem opera, já que também a utilizo como elemento de sobrevivência. Ora, falo
dela e, através dela mesma, falo de mim, uma vez que também sou sujeito, através
Não pretendi ser inédito ao lançar uma proposta de discutir o sujeito, sob as
ponte. Entretanto, minha inquietação maior (e isso foi ficando mais claro a cada
palavra que nascia) foi e é entender como é o sujeito falante, como ele se comporta
quando a linguagem é utilizada, como é essa linguagem, de onde ela vem de fato,
se é o eu o único ponto de partida para que a linguagem tenha seu lugar, ou, se
para isso, é preciso haver um outro, com o qual o eu interage. Então, por falar em
Bakhtin e Lacan, nessa seqüência, sem evitar, vez por outra, a antecipação de
conceitos que, de início, viriam em uma ordem elencada e estanque, caso eu tivesse
seguido com rigor o plano seqüencial inicial. Essas antecipações foram úteis para
questão central que todos esses teóricos e autores mencionados trabalham direta ou
intenção foi mais exclusiva em relação a esses mencionados, isto é, lançar olhares
sobre o subjetivo, aquele que movimenta a linguagem, sem o qual ela não teria
motivos para existir; mas falo de um sujeito marcado inteiramente pelo fato de ele
Embora ela seja ‘proferida’, ‘dita’, ‘assumida’ por um eu, percebemos que esse eu é
apenas uma pequena parte diante do todo, isto é, apenas na interação entre o
sujeito e a alteridade a linguagem tem seu lugar. Narcisista até, mas é fascinante
falar de você, falar do que é seu e, em anexo, toda a sua imprescindibilidade. Então,
falei de mim, pois sou sujeito falante; falei dos outros, que estão constantemente em
meu dizer (por isso a obrigatoriedade do eu e do nós), falei até daquele que pouco
conheço, como indivíduo, mas que tentei visualizar melhor no campo do saber, da
apreensão conceitual; aquele que chamam de ‘o Outro’. E esse sim, mais do que
para as primeiras páginas desta dissertação. Achei por bem utilizá-la porque ela
parecia dar conta de elucidar o fato de que a língua, vivificada pelo sujeito, acontece
a incoerência mais do que para uma conclusão bem feita e coesa. Nesse ponto, com
que não ia além de um eu-tu. Sim! Esse tu, que mais tarde vamos chamar de
outro(s), já era entendido como aquele que constitui o eu. Mas algo faltava. Eu não
inconsciente subjaz o dizer, não sabia como fazer o link com a enunciação,
entretanto, prossegui. Mesmo não de maneira explícita, por vezes, tinha a impressão
de que, ao constituir o eu, o tu era permeado por outra voz (ou era o eu que me
passava essa idéia?). Bem, de uma maneira ou de outra, Benveniste foi muito útil,
afinal, ele é um dos pioneiros a fazer estudos sobre o sujeito na linguagem. Para a
minha finalidade, dentro das limitações que possuo, a teoria benvenistiana sobre o
sujeito me ajudou, sobretudo aí, isto é, quando ela diz que o tu constitui o eu. E isso
Chega a vez de Bakhtin entrar em cena. Como tudo acontece? Bem, certos
processos não podem ser planejados (embora devam ser). Eles vão acontecendo.
até. Isso, portanto, vai diferenciá-lo de Benveniste, para o qual a linguagem parece
só ter vez entre falantes físicos, vivendo espaços semelhantes, embora virtuais, por
quer dizer, por um outro e pelo Outro, é possível chegar, não a conclusões, mas a
profusões maiores desse sujeito que, maquiado, para não dizer ausente, no
como tri-uno, uma vez que aqui, ao falar de sujeito, entendemo-lo analogicamente a
uma equação, isto é, sujeito na linguagem = eu, outro e Outro. Digo isso, porque, ao
linguagem’, a máxima cartesiana de que o sujeito tem o controle de tudo que fala é
derrubada, dando vez a uma subjetividade que se encontra não apenas marcada
dite o que o eu fala, não fala a ele diretamente; fala ao outro especular. Como esse
outro pequeno tem uma relação direta com o eu, a qual é imaginária, o eu recebe a
A questão da interação dentro da lingüística é algo que tem seu espaço não
de muito tempo, se nos reportarmos, é claro, aos primórdios dos estudos sobre a
uma externalidade nunca antes observada, visto que tais campos lingüísticos
marca o funcionamento da linguagem por quem a utilize. Assim, pensamos que toda
ação humana procede de uma interação, e como a linguagem é uma ação, um traço
ultrapassar os limites das dicotomias propostas por ele (língua & fala, sujeito &
objeto, competência & desempenho), uma vez que a ênfase no sujeito e seus co-
considerações acerca das práticas sociais nas quais a linguagem está imersa e que
linguagem.
novo para a lingüística, passa a ser vista com uma outra roupagem, com a
seja, o prefixo inter remete à idéia de reciprocidade entre, pelo menos, dois seres.
o ato intersubjetivo, posto que diz respeito à linguagem. Assim sendo, o conceito de
linguagem como ‘ação’ entre sujeitos que interagem vem completar a concepção
social em que não pode ser pensado sem que haja a defesa em relação ao seu
caráter sócio-histórico, o qual, via de regra, jamais é neutro, pois traz em sua fala o
eco das vozes de outros, razão por que acreditamos numa linguagem circunscrita
por uma alteridade, seja ela na presença, como defende o arquétipo benvenistiano
ou como a postura bakhtiniana sobre o outro na fala de quem fala. Enquanto, para
Benveniste, a intersubjetividade é marcada pela presença física entre os falantes de
uma língua, num espaço comum entre os dois, ideal para a realização do consenso
presencial, pois ela está marcada por um outro mais distante, se não nos ativermos
somente à questão dos corpos dos falantes; trata-se, sim, de um outro ideológico,
um outro que se inscreve na fala do sujeito mesmo sem ele planejar. Detectamos
descrita por Benveniste. Tal situação nos abre caminhos para pensarmos em um
inconsciente). Então, esse inconsciente de que falamos não implica, apenas, uma
discursiva, como lugar ou mesmo como sujeito ‘da outra cena’. Por isso, o falante
desconhece, muitas vezes, o que está dizendo, da forma como está dizendo. Por
essa razão, é pertinente alargarmos o raciocínio sobre que elemento outro é esse
que constitui o eu. Será o mesmo tu benvenistiano, será o outro mesmo sócio-
acima propostos, uma vez que falar em alter (outro), povoando a fala do eu, remete
inevitavelmente ao Outro enquanto sujeito que constitui o eu, pois esse Outro age de
maneira tão escamoteada a ponto de fazer qualquer falante pensar que a sua fala
pertence a si mesmo.
Na seara psicanalítica, o termo inconsciente é tomado como sendo o lugar
desconhecido pela consciência; trata-se, de fato, de uma ‘outra cena’, como dizem
pensar que o outro bakhtiniano se exclui dessa concepção inconsciente. Isso quer
dizer que, apesar de não ser feita nenhuma alusão ao inconsciente da psicanálise,
que o falante, na visão bakhtiniana, traz em seu discurso o que não é dele, vem de
para o falante. Talvez aí resida a diferença: o sujeito, no plano lacaniano, fala muitas
vezes o que vem do Outro, através do outro pequeno, já que é ele que se relaciona,
na dimensão imaginária, com o eu. Os chistes, atos falhos, por exemplo, são
achamos que ele está na outra cena, que está para além de onde podemos vê-lo.
Nesse sentido, temos de repensar o estatuto desse sujeito falante cujas dimensões
podem ser mais bem examinadas se trouxermos para o seio da discussão a outra
linguagem’. Tal afirmação nos leva à ponderação sobre a linguagem produzida pelo
sujeito falante, uma vez que o inconsciente constitui a fala do eu. Além disso,
não vemos meio de excluí-lo no tocante ao fato de que o eu é constituído, sim, por
assenta-se no fato de que o indivíduo não é dono de sua fala; ela é anterior a ele.
mesmo de saber o que diz sua fala, começa a falar. O sujeito enquanto efeito da
linguagem é preso pelo funcionamento da língua por um outro falante mesmo antes
de vir a ser sujeito. Nesse tocante, não pertencemos a nós mesmos, mas a uma
Por essa razão, esse ato de captura do outro em relação ao sujeito falante
de o sujeito existir numa esfera física, sua ‘moldagem’ vai sendo preparada, de
início, por seus pais e, depois, pelos outros que, por ventura, se avizinhem, e, dessa
subjetiva, por meio da qual o sujeito diz algo que pode ser completamente diferente
discussão que possa fornecer meios de trazer para o palco da reflexão outros
componentes ontológicos que não devem ser esquecidos pelos saberes constituídos
certeza, mais difícil do que dar início a ele, uma vez que, pelo menos, duas
implicações se impõem: uma delas é pôr um fim, dando um limite ao trabalho. Nunca
o texto está perfeitamente acabado; sempre vão existir vozes incessantes povoando
os seus domínios. Embora se saiba que nunca é demais quando se está lidando
bastante rigorosa e formal, há um ponto em que se deve parar, mesmo que seja
a maior preocupação de quem faz ciência, pois é preciso que se tenha um número
algum à ciência, pois aquela opera por seus próprios ritos. A intersecção, portanto,
qual vai incidir proposições de uma área do saber e de outra, além de constituir
fazer com que a concepção de alteridade fosse entendida numa dimensão mais
mesmos não sejam o ideal de sujeito para este trabalho, percebe-se que foi,
Então, partiu-se para a concepção de alteridade por meio do dialogismo, veia teórica
‘invadindo’ o falar, mesmo que não seja visto; trata-se realmente daquele sujeito da
história: seu pai, sua mãe, seus avós, sua comunidade, seus antepassados, as
quais você nunca teve contato lingüístico direto: face a face, por telefone, e-mail,
dentre outros. É como se você ouvisse ressôos vindo de algum lugar, vindo de
alguém, mas também não se sabe como chegou até você, nem através de quem.
pode dizer que os contornos do sujeito que se burilaram até agora só são, em sua
principal categoria, no caso o dialogismo, para que se pudesse chegar a uma noção
mesmo aquela mais moderna, de ponta. Não que o sujeito tenha mudado de
sua presença vai sendo notada. Quer dizer, não se trata se o sujeito, de fato, habita
ou não a linguagem (ou é habitado por ela); o fato é que alguns autorizados não o
incluíram nas suas preocupações, tanto por a ênfase de seus trabalhos ser outra,
desse sujeito pode até fraturar as concepções do senso comum, pois ele é, ao
mesmo tempo, eu, outro e Outro, não havendo pontos visíveis de divisão, tampouco
de junção. Esse compósito ‘eu, outro e Outro’, de uma maneira mais pragmática, é o
verdadeiro sujeito. A teoria lacaniana fala que o verdadeiro sujeito é o grande Outro,
mas não será o verdadeiro sujeito aquele mais completo, que conta com a alteridade
com aquele grande Outro que dita as ‘regras do jogo’? Só para esclarecer, o outro
por mais que se chame de imaginário. Ele é imaginário para um eu, cujo narcisismo
é tão profundo que precisa ver em um outro qualquer sua própria reflexão, mesmo
que seja fruto da criação e ordenação do inconsciente. Por outro lado, o sujeito é
como se fosse ‘diluído’ em várias instâncias, daí o motivo de não se poder acreditar
nele como pleno, dono de sua fala. Ele é faltante, incompleto. Ele existe sim no
mundo concreto, mas regrado, em todo momento, por um Outro sujeito, muito mais
forte, pois age no silêncio e na incompletude; ele é o maestro que se afina para fazer
sujeitos que compõem a interação pela palavra. Assim, foram trazidos para trafegar
nas discussões feitas conceitos de um eu e um tu, que por vezes, foi tido como
pela alteridade.