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UNIDADE DE DIVINÓPOLIS
AS REDES SOCIAIS: 3
DIVINÓPOLIS – MG
2019
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Discente do 10.º período do curso de psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)
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Professor Orientador do Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia, Doutor em Filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais e professor do curso de psicologia da UEMG, Unidade Divinópolis,
MG.
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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de psicologia da UEMG, Unidade Divinópolis,
MG.
Para meus pais, por tudo que aprendi, pelo amor incondicional
Para Álef
“Em vez de uma realidade constituída transcendentalmente, temos uma multiplicidade de
mundos, cada um delineado por sua matriz transcendental, uma multiplicidade que não
pode ser mediada/unificada em único enquadramento transcendental mais amplo: em vez
de uma lei moral, temos a fidelidade ao Verdade-Evento que é sempre específico com
respeito a uma situação particular de um Mundo.”
( Slavoj Zizek)
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo um estudo, através de uma revisão de literatura, de como
podemos fazer uma leitura das redes sociais a partir de alguns conceitos psicanalíticos
recortados dos ensinamentos de Freud e mais especificamente, Lacan. Essa teorização
terá como eixos principais os conceitos de desejo, gozo, mais-de-gozar, pulsão, a teoria
do discurso do capitalista de Lacan. E também, usaremos os trabalhos dos chamados
teóricos da pós-modernidade como Lipovetsky, Baudrillard, Debord, Bauman e Chul-
Han, que nos darão um suporte teórico para que possamos situar as redes sociais em seu
contexto histórico e social.
Nesse trabalho procuramos refletir de uma maneira não extensa, mas específica e
recortada, sobre as redes sociais como um evento ou fenômeno típico da era
contemporânea, a qual nomeamos ora pós-modernidade ora capitalismo tardio, e algumas
vezes, “era digital”, à guisa de procuramos uma especificidade eficiente, e, dentro desse
contexto, fazermos uma ligação entre os conceitos psicanalíticos e os dos teóricos da pós-
modernidade.
E ainda, podemos destacar, toda uma era de narrativas, sejam elas subjetivas, de
massa ou artísticas, vai lentamente, se desvanecer nesse impositivo de um prazer do aqui
agora, pois “ viver livre e sem pressões, escolher seu modo de existência são os pontos
de mais significativos no social e no cultural do nosso tempo[...] (LIPOVETSKY,
1993/2005, p. XVIII). Dessa forma, os laços sociais criados na era moderna para uma
consolidação mais eficaz do capitalismo, se esgarçam em nome de nome de uma liberdade
do sujeito.
Dufour (2003) vê a pós-modernidade como “declínio do grande Sujeito”. Para
Dufour, o declínio da imago paterna do modo como Lacan a teorizou como conceito da
lei, não mais se aplica na modernidade tardia:
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DESENVOLVIMENTO
Lipovetsky (1993/2005), nos chama a atenção para o modus operandi dessa nova
era:
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As redes sociais, que se consolidaram nos anos 2000, com o advento do Facebook
(2004) e do Twitter (2006) como modelos de comunicação “online”, ou seja, em tempo
real, se projetam como o corolário de um novo tipo de meio de comunicação de massa,
um evento que ultrapassa o mero “noticiário” que caracterizava os meios tradicionais
como jornais, rádio ou televisão da era pré-digital.
Instagram ou aplicativos instantâneos como Snapchat levaram a um outro patamar
questões tão prementes nas redes sociais como o corpo e a mediação que envolve o ver e
o ser visto e as relações simbólicas que se estabelecem em torno especificamente da
pulsão escópica. Bichara nos diz:
O olhar é objeto da pulsão, ao mesmo tempo em que que ele resulta em uma
ação: o olhar agarra, ele domi- na e é constituinte do desejo. [...] Para Lacan
(1964), [...] a pulsão escópica é a própria sexualidade. A sexu- alidade, por sua
natureza, está associada ao desejo do Outro e difere, portanto, das pulsões orais
e das anais, que estão no estágio do pedido ao Outro. ( BICHARA, 2006, p.
92)
Anda-se como que em círculos nesse mundo, onde o Outro está em toda parte, e
paradoxalmente, em lugar nenhum: falamos desse mundo como de uma cartografia sem
centro, sem demarcações, pois os sentimentos e afinidades se diluem e “tudo se
desmancha no ar”.
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Desse modo, a pulsão escópica nos leva, ainda segundo Quinet, a uma sociedade
escópica. Nesse padrão social do mundo digital os sujeitos assumem-se ao mesmo tempo
como objeto de desejo e sujeito que observa (Santos, 2016). “Nas redes sociais o sujeito
se dá a ver e assistir e, nesse palco querem ser protagonistas, coloca-se em tela um gozo
em que todos gozam e se tornam objetos de gozo.” (Santos, 2016, p. 10). Ainda Quinet
afirma que “nessa separação entre o olho e o olhar encontra-se a esquize do sujeito em
relação ao campo escópico no qual se manifesta a pulsão.” (QUINET, 2002, p. 41)
Sternik (2010, p. 31) nos lembra que:
Lacan, leitor de Freud, não busca a equivalência do corpo investigado no
modelo freudiano como pulsional, erógeno e nem tampouco orgânico – embora
nenhum desses seja desses seja desconsiderado por ele - mas o corpo vinculado
ao gozo, advindo da consequência do significante fornecido pelo Outro e
incorporado pelo sujeito, cabendo ao sujeito nomeá-lo através da linguagem.
(p. 31)
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.Pizzimenti, Silva e Estevão (2019), afirmam que o narcisismo, tal qual elaborado
na trajetória do ensino de Freud, tem como ideia básica a noção de que “o eu é portanto,
dominado pela preocupação com sua integridade enquanto imagem , e tem como missão,
a conservação de si” ( p. 91)
O corpo e suas representações nos dizem que juntamente com a linguagem,
formam, nas redes sociais, uma narrativa que é perpassada pelo imaginário, em uma
dinâmica essencialmente caracterizada pela performance. Se no senso comum,
performance é como uma tarefa destinada a um conduzir a um determinado resultado, a
performance segundo o dicionário Aulete online, também é “o desempenho de uma
exibição”.
Assim, nessa performance do sujeito das redes sociais, podemos ver uma dinâmica
de repetição que nos remete a um “sujeito das redes ”, imerso em um discurso em que o
desejo e o gozo formam um campo de discurso imprescindível para a compreensão desse
mesmo sujeito.
Nas redes sociais, o desejo flutua, está sempre à espreita, está sempre à procura
de um objeto. E nesse âmbito, a libido é uma parte inerente à narrativa que se tece. De
acordo com Freud (1914 apud VALAS, 2001, p. 14), “o Eu é o grande reservatório da
libido”, e “partir do Eu, a libido se transfere para os objetos, mas fundamentalmente o
investimento do Eu pela libido permanece.” (VALAS, op. cit., p.14)
Se pensarmos as redes sociais como um “campo libidinal”, podemos levar em
consideração que a libido pode também se fixar, se concentrar em objetos, ou então,
deixá-los, substituindo um objeto por outro, como apontam Laplanche e Pontalis (1991).
Valas nos diz que “a libido para Freud conjuga o que será encontrado mais tarde em
Lacan, e conjuga-se na sua conceituação do desejo e do gozo, e mais especialmente, no
nível do gozo fálico. (VALAS, ibidem, p.15)
Para Valas (2001), desde o texto “A instância da letra no inconsciente”, de 1958,
Lacan modifica sua teoria do desejo (e do sujeito) em direção a um sujeito dividido pelo
significante e do desejo do Outro do significante. “Daí resulta que, quanto mais o sujeito
avança no caminho de realização de seu desejo, mais ele sofre os efeitos de sua destituição
subjetiva”. (VALAS, 2001, p. 16). Há essa “fragmentação” do sujeito e de seu desejo.
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“propor uma nova forma de entender o estabelecimento do laço social entre os sujeitos,
no qual há uma articulação inovadora entre o campo da linguagem e o campo do gozo”
(Coelho, 2006, p. 108).
Se nos lembrarmos que as redes sociais são regidas não só pelo imaginário mas
também por um vazio faltoso, faz sentido que “uma vez imersos no discurso, produz-se
uma perda, uma entropia de gozo. O mais-de-gozar, nessa perspectiva, inaugura na teoria
lacaniana o campo do gozo, [...] (MONTEIRO, 2019, p. 166). Nas redes sociais, no
mundo da internet o discurso do Outro, aparece como um catalizador das trocas
simbólicas mediadas pelo mais-de-gozar. Fazendo a analogia com a mais-valia de Marx,
Lacan reitera que “o mais-de-gozar é uma função de renúncia ao gozo sob o efeito do
discurso. É isso que que dá lugar ao objeto a.” (LACAN, 1968/2008, p. 19)
Se não há uma consistência no Outro (uma consistência lógica), segundo Lacan,
o próprio mais-de-gozar é quem mostrará essa incongruência, pois quando o sujeito se
estabelece no campo do Outro, uma perda sempre acontecerá, e a repetição tentará ad
infinitum recuperá-la (Monteiro, 2019). E precisamos nos lembrar que o Outro das redes
sociais também pode ser descrito dessa forma como “[...] aquilo que diante do qual vocês
se fazem reconhecer. Mas vocês só podem se fazer reconhecer por ele porque ele é em
primeiro lugar reconhecido”. (LACAN, 1954/1985, p. 6)
Monteiro (ibidem, 2019, p. 168), ressalta que “ Marx falou de mais-valia e Lacan
(1968-1969/2008) falou de mais-gozar para apontar o índice do mal-estar da civilização”
Sustentamos que o que é chamado de rede social, visto como Chul-Han (2018) e outros
como “um sintoma da era do vazio” (Lipovetsky, 2005), é um dispositivo em que a
conclamação neoliberal do goze (e consuma/consuma-se), se faz em um universo
entrópico , em que a “desordem” do sistema é essencial para que esse funcione. Mas o
mais-de-gozar também é uma marca inerente a esse dispositivo, pois se há um imperativo
do gozo, há também a impossibilidade desse gozo de efetivar, pois “o corpo é algo que
se goza, e esse gozo (...) é, por assim dizer, produto da articulação significante, que
depende da existência do Outro.“ (Arenas, 2010, p. 237, tradução nossa)
O discurso do capitalista, que acreditamos, rege a esfera do capitalismo tardio
neoliberal da contemporaneidade, desenvolveu-se a partir do conceito do discurso do
mestre, no ensino de Lacan. Quinet (2009) afirma que todo discurso é discurso de
dominação e que “os discursos de dominação se utilizam da propriedade do poder de
comando do significante em seu caráter impositivo e até mesmo ditatorial, seja sob a
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forma de poder (S1) ou de saber (S2). (ibidem, p. 36). Assim sendo, afirma, esses
discursos de dominação têm como ápice o discurso do capitalista.
A internet e as redes sociais se validam em um espaço sem centro, e sua mais-
valia é o mais-de-gozar, pois elas vivem de um imperecível autoconsumir-se que nos
mostra que a incompletude do desejo é, nelas, valor máximo de consumo. Lacan já nos
advertia: “a falta já está aí quando falo do desejo do sujeito humano no que se refere à
sua imagem, quando falo desta relação imaginária extremamente geral que se chama
narcisismo. “(1954-1955/1985, p. 402-403). O narcisismo vai de encontro a esse sujeito
que deseja e quer gozar, mas por ser castrado e dividido, fica com um resto. O “lacrar”,
“a lacração”, no jargão das redes sociais nos remete a esse narcisismo e a essa pretensão
da realização dos desejos. Mas estes como que se dissolvem: “não há circulação do mais-
de-gozar, [...] não há somente a dimensão da entropia no que se passa pelo lado do mais-
de-gozar”. (LACAN, 1969-1970/1992, p.77)
Quinet (2009) acrescenta que o discurso do capitalista “é o laço social dominante
em nossa sociedade”. (ibidem, p. 38), sendo características desse discurso, o sujeito só
relacionar-se com os objetos-mercadoria, os quais são dominados pelo significante mestre
S1, que já não é simplesmente e meramente o senhor, mas o capital ele mesmo. “O sujeito
é reduzido a um consumidor ($) de objetos. [...] suas relações sociais não estão centradas
nos laços com outros homens, diz Baudrillard, e sim na recepção e manipulação de bens
e mensagens”. (QUINET, ibidem, p. 39)
O sujeito da rede social, porta-se com se ele mesmo fosse um “gadget”, uma
mercadoria de carne e osso, perseguindo o desejo e o gozo impossíveis: esse sujeito é o
sujeito do discurso do capitalista. As imagens que circulam nas redes sociais não são
somente imaginário e suas narrativas subjetivas implícitas, mas lembranças permanentes
das chamadas novas formas de subjetivação e seus avatares, típicos da pós-modernidade
e da era digital. O lugar social de muitas vezes “vale tudo” das relações nas redes, nos
remete ao que Quinet (2009, ibidem) chama de discurso da impessoalidade ou “discurso
do excluído”. Nas redes, o discurso social do mestre se fragmenta no discurso brutal do
capitalista que faz vínculo somente ao apelar para uma mais-valia atrelada a um mais-de-
gozar que circula como em um espelho multifacetado, que reflete a incompletude, a falta
e a repetição infinita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Carolina Marra S., Psicanálise e laço social – uma leitura do seminário 17.
Mental. Barbacena, v.4, n.6, Junho, 2006.
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu. Porto Alegre: L&PM, 2017.
QUINET, Antonio. Psicose e Laço Social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.
ROCHA, Camila Bernardino; SOUZA, Pricila Pesqueira. Uma visão psicanalítica sobre
o excesso de exposição nas redes sociais. Publicado em 16 de Junho de 2019. Disponível
em http://www.scielo.br/pdf/agora/v22n2/1809-4414-agora-22-02-164.pdf . Acesso em
17 de Outubro de 2019.
SANTOS, Sara gomes. Era do espelho: a captura do olhar na redes sociais. 2016. 22
p. (trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau
de bacharel em psicologia) – Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande,
ABSTRACT
This paper aims to sudy, through a literature revision, on how the social networks can be
analysed using some psychoanalytical concepts taken from the teachings of Freud and
more specifically, Lacan. This theorization will have as main axes, the concepts of desire,
jouissance, drive and the lacanian concept of the capitalista speech. We will use, as well,
the writings of post-modernism theoreticians such as Lipovetsky, Baudrillard, Debord,
Bauman and Chul-Han, who give us the necessary support to establish the social networks
in their historical and social context.
So, therefore, we seek to outline, in a non- extensive manner but a specific one, the social
networks as an event or typical phenomenon of contemporaneity, which we will call
either post-modernity or late capitalism and sometimes “digital era”, to try to find an
efficient specificity and, inside this context, make a connection between the
psychoanalytical concepts and those of the post-modernism theoreticians.