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A TERRA

Aleister Crowley

Sothis Publicações
www.sothis.com.br
2004 e.v.
A TERRA

Aleister Crowley

A cr iança de milagr e s audando o mundo.

Eu es tendo minhas mãos par a as folhas e chapinho no or valho; eu s alpico or valho


s obr e vós como beij os . Eu me aj oelho e aper to a gr ama da ter r a negr a contr a o
peito; eu es mago a ter r a de encontr o aos meus lábios como s e ela fos s e um bago
de uva. E o vinho de Deméter me enr ubes ce as bochechas : elas queimam com
alegr ia da j uventude.

Por que haver ia eu de s audar o mundo? Por que meu cor ação es tá a r ebentar de
amor pelo mundo. Amor , digo eu? Por que não ar dor ? Não é ar dor for ça, e r eceio, e
a fome que apenas o infinito pode s atis faz er ?

E por que me chamo de cr iança de milagr e? Por que entr ei uma s egunda vez no
úter o de minha mãe, e eis - me nas cido. Por que à ex per iência da idade vir il voltou a
paix ão, mes mo a tolice, da adoles cência; com todo o s eu or gulho e pur ez a.

É por is to que vós me vedes es tendido s obr e a es pes s a r elva úmida, inapagável; ou
es ponj ando- me no gor do e negr o s olo fér til.

Agor a, a maneir a do milagr e foi es ta: No começo é dada a um mancebo a vis ão de


s ua companheir a. Es ta ele deve daí em diante s eguir cegamente; e muitos s ão os
encantos e des encantos . Atr avés des tes a vis ão empalidece; mes mo a fome dele s e
es gota, a não s er que ele s ej a ver dadeir amente Eleito. Mas no fim pode s er que
Deus lhe envie a outr a metade daquele S inal do Par aís o. Então, s e o homem
manteve aces o o fogo s anto, talvez com muito combus tível fals o, aquele fogo
ins tantaneamente es br as ear á e encher á o templo da alma dele. Com s ua ins is tente
ener gia, es te fogo des tr uir á até a memór ia de todos aqueles fogos de pântano que
vier am s audá- lo; e o s acer dote s e cur var á na glór ia, e agar r ar á o altar com s uas
mãos , e bater á s obr e ele com s ua fr onte s ete vez es . E es te altar é o altar de ter r a
de Deméter .

Então, compr eendendo todas as cois as à luz daquele amor , ele s aber á que is to é
amor : que is to é a alma da ter r a, que is to é fer tilidade e compr eens ão, o s egr edo
de Deméter . Não — mais até — o Or áculo talvez fale no cor ação dele, e pr ediga ou
es boce os mis tér ios maior es de Per s éfone, da Mor te, a filha do Amor .

Aqueles , também, que as s im r enas cem compr eender ão que eu que es cr evo es tas
palavr as es tou es tendido na ter r a molhada no dia da Pr imaver a. É noite, mas o mar
mur mur a de Per s éfone, tal como as es tr elas indicam Ur ânia, cuj o mis tér io é o
ter ceir o, e além. Meu cor po es tá abs or to em ar oma e toque; pois o fogo
cons umidor de minha vis ão acabou em cegueir a, e em minha boca per manece
apenas o r es s abio de um beij o infinito. A ter r a úmida queima meus lábios ; meus
dedos bus cam em volta das r aíz es da r elva. A vida da ter r a mes ma é a minha vida:
eu me alegr ar ei de s er enter r ado na ter r a. Que meu cor po s e dis s olva no dela,
apodr eça em s eu r evigor ante alambique. Aquele que s e deix a encer r ar num ataúde,
e as s im per mite que o s epar em do s upr emo abr aço, nunca amou.
É da ter r a, noiva do s ol, que toda for ça cor por al der iva. Não é imagem figur ativa
que Antéo r ecobr ava toda a s ua for ça quando tocava a ter r a. Não é pedantis mo e
loucur a dos hindus , os quais , temendo o ar dor fís ico, is olam s eus acólitos da ter r a;
não é futilidade a doutr ina deles de Pr ana e do T amo- Guna. Não é mer a cur a por
fé, es s a higiene do Padr e K neipp; e s eus fr acas s os s ão aqueles que r etém decor o e
melancolia: que s eguem a letr a, e não o es pír ito; fr ios pis ador es s obr e a ter r a, em
vez de amantes apaix onados da s ua for ça.

Não é acidente mitológico que os T itãs combater am os Deus es , e em Pr ometeu os


der r ocar am.

Foi quando Canuto fr acas s ou em r epelir o mar que s ua dinas tia per deu par a aquela
do Nor mando Guilher me, quem pegou a Mãe T er r a de mãos ambas .

Quando eu er a cr iança, eu caí; e as cicatr iz es da ter r a es tão em minha tes ta nes ta


hor a.

Quando eu er a cr iança, machuquei- me pela ex plos ão de um j ar r o de pólvor a


enter r ado; e as cicatr iz es da ter r a es tão em minha face nes ta hor a.

Des de então tenho s ido o amante da ter r a, que as s im r udemente me cor tej ou.
Muita noite dor mi eu s obr e o s eu s eio nu, em flor es tas ou geleir as , s obr e gr andes
planícies ou des penhadeir os s olitár ios , no calor e no fr io, em bom ou mau tempo; e
meu s angue é o s angue da ter r a. Minha vida é dela, e tal como ela é uma centelha
ar r emes s ada do br ilho r egir ante do s ol, as s im eu me s ei uma centelha de Deus
infinito.

B us cai a ter r a, e o céu vos s er á acr es centado! Voltai à nos s a mãe, enter r ai a pá
br ilhante no s eu úter o! Mar cai- a com s ulcos da lavour a vos s a, ela apenas s or r ir á
mais ter na!

Que vos s o s uor , o s uor do vos s o tr abalho, que é vos s a paix ão, pingue como benção
do Alto s obr e ela; ela r etr ibuir á com gr ão e vinho. T ambém, vos s a es pos a s er á
des ej ável aos vos s os olhos todos os dias de vos s a vida; e vos s a pr ole s er á for te e
bela, e a benção do Altís s imo s er á s obr e vós .

Então, deix ai vos s o agar r o r elax ar - s e na s aciedade da mor te; vos s o pes o ocupar á a
ter r a, e os pequeninos da ter r a fes tej ar ão convos co até que a r os a ins ir a s ua r aiz
em vos s o peito. Então vos s o cor po s er á um novamente com a mãe, e vos s a alma
uma novamente com o Pai, como es tá es cr ito no Livr o da L ei.

T udo is to me foi ens inado por ela cuj a pur ez a e for ça s ão mes mo como as da ter r a,
es colhida antes da fundação do T empo. Leoa com leão, pos s amos nós pas s ear à
noite entr e as r uínas de gr andes cidades , quando, fatigados de goz o demas iado
intens o mes mo par a a nos s a imor talidade, nos alheiar mos da fr agr ância e
fer tilidade da T er r a. E ao nas cer do S ol, r etor nar emos aonde os vales povoados nos
chamam: onde, br onz eados e leves , nos s as cr ianças cantam em voz alta ao enfiar a
enx ada.

Glór ia s ej a à T er r a e ao S ol e ao s anto cor po e alma do Homem; e glór ia s ej a ao


Amor , e ao Pai do Amor , a s ecr eta Unidade das cois as !

Glór ia ao Relicár io dentr o do T emplo, e ao Deus dentr o do Relicár io; glór ia à


Palavr a, e ao S ilêncio que lhe deu nas cença d’Ele que es tá além do s ilêncio e da
Fala!
T ambém, gr aças no Altís s imo pela Dádiva de todas es tas cois as , e pela j ovem em
que todas es tas cois as s ão achadas ; pelo s anto cor po e alma do homem, e pelo s ol,
e pela ter r a. AMEN.

Aleis ter Cr owley


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