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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

O que é História? Essa é uma pergunta que em algum momento, a partir


dos estudos do tema, surge em nossa formação. De difícil solução, integra a
realidade dos estudiosos do assunto, e assim, compreender o que é a História
como forma de conhecimento sobre o passado se torna essencial em sua
trajetória como historiador. Na disciplina de “Introdução aos Estudos Históricos”
esse foi um dos debates realizados e que procurou apontar como teóricos e
historiadores se referem ao campo do conhecimento. Agora, seguiremos esse
debate, porém com algumas pequenas diferenças. Nessa primeira unidade,
serão propostas ideias sobre o tema.
Admitindo as diversas possibilidades que existem de se tratar do
passado, aqui teremos como ponto de parida a tradição da História que
resultou no formato que hoje é debatido nas Universidades, considerada como
científica. De maneira objetiva, pode-se afirmar que o que hoje se concebe
como História nas Academias e Universidades é um estudo de caráter
científico e orientado metodologicamente sobre o passado. Mas a história
sempre teve esse formato hoje conhecido e estudado?
Nos modelos de historiográficos influenciados pela lógica ocidental,
ponto de partida utilizado de nossos estudos, a ideia da existência de uma
História com essas características remonta o desenvolvimento das ciências
modernas, aproximadamente a partir do século XVIII. Foi nesse período que
ela adquiriu atributos de uma disciplina especializada, a partir do modelo das
ciências naturais e exatas, que tiveram grande repercussão. Portanto, em
“Introdução aos Estudos Históricos”, o objetivo da disciplina foi encontrar
questões acerca dessa origem, os tipos de abordagem (mitológica,
estruturalista, moderna, antiquarista, marxista...), seu caráter científico ou não,
as possibilidades de interdisciplinaridade dentre outros aspectos.
Mas qual o objetivo da disciplina “Historiografia”? Além de estudar os
pressupostos teóricos, ela também busca analisar a História criticamente a
partir de sua própria trajetória e construção no tempo. No dicionário on line
Michaelis, o verbete “Historiografia” apresenta dois significados para a palavra:
1 A arte de escrever a história, a ciência que estuda os
eventos passados.
2 Estudos críticos sobre a história e os historiadores.1

Na primeira significação, o dicionário aponta para uma definição


etimológica da palavra, do seu sentido em si. Dessa maneira, a Historiografia é
compreendida como o estudo do ato de escrever a História. Ela aponta o
exercício da função em si, que se comprova na sua prática. Porém, na segunda
definição é apresentado outro sentido para o termo, que indica uma prática
sobre a História: o exercício crítico que é feito às obras produzidas e aos
indivíduos que a realizam. E como essas definições podem ser úteis?
A História como forma de produzir e transmitir conhecimento tem sua
própria trajetória. Essa história da História é repleta de debates e
reformulações sobre a natureza do conhecimento que ela própria produz.
Assim, pode-se afirmar que seu conhecimento efetuado é debatido e
reavaliado por seus pares no decorrer do tempo. Tal fato acaba por reafirmar a
História como campo do conhecimento e também por interferir nos seus
debates, sua teoria, sua metodologia e objetos de pesquisa. De acordo com o
historiador Jurandir Malerba:

O caráter auto-reflexivo do conhecimento histórico talvez


seja o maior diferenciador da História no conjunto das
ciências humanas. [...] o trabalho do profissional de
história exige um exercício de memória, de resgate da
produção do conhecimento sobre qualquer tema que se
investigue. Não nos é dado supor que partimos de um
“ponto zero”, decretando a morte cívica de todo um elenco
de pessoas que, em diversas gerações, e à luz delas,
voltou-se a este ou aquele objeto que porventura nos
interessa atualmente.2

1
https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/historiografia/ dia 21/08
às 15:55 h.
2
MALERBA P. 15
Portanto, segundo o autor, essa incessante reavaliação é inerente a
realização da História. O exercício da prática historiográfica parte desse diálogo
com seus iguais e do que foi produzido, sendo essa uma das principais
características de um trabalho de História. Ainda de acordo com Malerba, ao
analisar o que foi produzido anteriormente e assumir isso como prática, os
historiadores acabam também por elevar “a crítica historiográfica a fundamento
do conhecimento histórico.”3 Ou seja, reavaliar e compreender a trajetória da
história se torna parte do que é ser historiador, fundamento do exercício.
Portanto, essa característica da Historiografia é importante por alguns motivos,
dentre os quais pode-se destacar:

 Reorienta e traz para a prática historiográfica novidades teóricas e


metodológicas.
 Possibilita a revisão de temas anteriormente debatidos com novas
interpretações, não os deixando como verdades estabelecidas ou
versões finais.
 Demonstra as características de tempo e espaço correspondente a cada
historiador e do contexto em que a obra foi produzida.

Outra característica da História como campo do conhecimento útil ao


presente debate, é que não existe uma completa superação daquilo que foi
debatido e analisado em outras épocas. Diferente de outros campos do
conhecimento, como em áreas mais voltadas a desenvolvimento tecnológico,
por exemplo, uma conclusão, conhecimento ou objeto produzido num
determinado tempo normalmente não é completamente deixado de lado. O
conhecimento e a tecnologia utilizadas na produção de um artefato tecnológico,
como um computador, é facilmente esquecido no decorrer do tempo. Um
celular mais antigo, mesmo que utilize fundamentos tecnológicos semelhantes
aos mais modernos, raramente tem utilidade depois de ter surgido um mais
moderno. Tal fato não pode ser compreendido de maneira semelhante na
História e também nas Ciências Humanas e Sociais.
Mesmo que em certos estudos novas fontes ou procedimentos
metodológicos possam mudar a orientação e o entendimento sobre um
3
Malerba p. 15
determinado assunto, nem sempre uma obra é completamente superada.
Mesmo que o debate possa ser superado, o tipo de abordagem diz algo sobre
aquele tempo. Obras escritas anos atrás ainda contribuem e compõem o
debate historiográfico de forma relevante, seja em aspectos metodológicos,
filosóficos, teóricos e temáticos. Antes de superação, há na História e nas
Ciências Humanas em geral, um debate crítico, onde as conclusões indicam o
rumo das discussões.

QUADRINHO SOBRE DEBATE CRÍTICO

Diversos exemplos, de autores e obras escritas no passado, mas que


ainda são importantes para a historiografia podem ser apontados: a obra de
Leopold Von Ranke, que lança bases metodológicas para a análise de fontes
em História; Os Reis Taumaturgos, onde Marc Bloch busca, através de sua
concepção de história total, no sentido de abranger múltiplos aspectos da
sociedade como economia, cultura, fatores sociais, interdisciplinaridade, dentre
outros; Casa-Grande & Senzala, onde Gilberto Freyre utilizou elementos
culturais e sociais para compreender a formação do que se tornou o Brasil em
seu período colonial; O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de
Filipe II, de Fernand Braudel, pela forma como articula teórica e
metodologicamente a questão do tempo; A Formação da Classe Operária
Inglesa, onde aponta como a cultura, dentre outros fatores podem ser
determinantes nos acontecimentos em sociedade e na luta de classes, e não
apenas fatores econômicos, dentre outras diversas possibilidades.
Apresentado o papel da Historiografia, ainda restam duas questões: o
que caracteriza uma obra de História? Qual o papel da Historiografia perante a
sociedade? No decorrer da presente Unidade, o objetivo será responder a
essas duas questões.

O QUE CARACTERIZA UMA OBRA DE HISTÓRIA?


Como apontado até aqui, a Historiografia tem a capacidade de refletir o
conhecimento realizado pela História. Assim, faz parte do seu papel definir
quais critérios tornam uma obra relevante para o meio. Um primeiro aspecto, e
que aparentemente é simples, se refere à intenção do autor. Para ser uma obra
História, deve referir-se ao passado em relação ao humano como assunto. Mas
apenas tratar do passado é suficiente para determinar se é uma obra de
História?
Ao falar do passado, uma pesquisa ou estudo também deve ter um
compromisso com a realidade daquilo que foi ocorrido. Ou seja, não basta se
referir ao passado, mas também da necessidade de retratar algo verossímil.
Essa segunda característica, por exemplo, permite diferenciar obras que
utilizam elementos do passado como uma espécie de pano de fundo de outras
que pretendem retratar um momento histórico. Obras que tem um caráter mais
literário, e sem compromisso de relatar fielmente o que ocorreu no passado,
mas sim de entreter expressar uma visão artística.

QUADRINHO RUSEN INSPIRAÇÃO

Box de EXEMPLOS?? São inúmeros romances, filmes, séries de


televisão e novelas que utilizam uma espécie de pano de fundo histórico, sem
necessariamente ter compromisso fiel com o passado. Existem, de outra forma,
produções que buscam refletir a História com certa fidelidade, que tem
compromisso com o real. O Nome da Rosa (livro, filme); Novela Novo Mundo
(nevela com o real), A Escrava Isaura (Pano de fundo), O retorno de Martin
Guere, BOX Tais situações não fazem de um determinado livro, texto ou filme
mais ou menos dignos em suas representações, mas demonstram diferentes
visões que o uso do passado pode ter. Porém, no caso particular das Histórias
que pretendem informar a sociedade e trazer resoluções sobre fatos ocorridos,
é necessária outra maneira de visão. Como historiadores que tem formação
crítica e instrumental sobre o tema, é necessário ter ideia disso.
É importante também, a partir desse aspecto, lembrar que não apenas
pesquisadores ligados a universidades e centros de pesquisa produzem
conhecimento e debates relevantes para a Historiografia. Um exemplo é Paulo
César de Oliveira, autor de obras como Eu não sou cachorro não: música
popular e cafona na ditadura militar e Roberto Carlos em detalhes, que mesmo
com formação acadêmica atua na rede pública de ensino.

Não se pretende afirmar que apenas aquilo produzido e está de acordo


com o debatido nas academias deve ser tratado como conhecimento válido do
passado, mas sim diferenciar seus objetivos e formas de construção. Até
mesmo uma obra de ficção pode apresentar elementos históricos verdadeiros e
trazer reflexão e aprendizagem. Na verdade, para a História acadêmica, essa
busca é oposta: de forma alguma se pode estabelecer um estudo ou obra
como dado absoluto. O exame crítico das fontes deve permitir revisões, novas
metodologias e abordagens devem ser consideradas, assim como o
surgimento de novas fontes. É exatamente esse o papel da Historiografia!
Dessa maneira, tem-se a terceira característica que é possível apontar
para que uma obra possa ser considerada como relevante para a História: além
de tratar de um passado, que é verossímil, deve ser submetida à crítica e,
principalmente, ao diálogo com os pares. Por que são importantes o diálogo e a
crítica?
Como já afirmado, essas práticas compõem os fundamentos do
conhecimento histórico. Mas não é só isso. Como o historiador nunca
consegue atingir o passado completamente, seus estudos resultam de uma
espécie de “interpretação de interpretações” que alguém faz de um fato
ocorrido. De maneira simplista, é como se existisse uma inevitável barreira
entre o pesquisador e aquilo que aconteceu. Assim, os processos
metodológicos e teóricos permitiriam ao pesquisador ver nas brechas dessa
barreira um pouco daquilo que ocorreu.
O historiador francês Marc Bloch, em sua Apologia a História ou o ofício
do historiador, afirma que a história é uma ciência que se realiza no presente, e
não no passado4. Ou seja, ela diz muito também sobre o tempo em que o
pesquisador realiza seus estudos. Essa condição aproxima a subjetividade e o
lugar de tempo e espaço do pesquisador, fazendo com que a busca pela

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Caçar nota do bloch
verdade se torne um dilema epistemológico que parte não apenas do
pesquisador, mas também da sociedade em que vive.
A partir desse diálogo entre os iguais, das comparações de obras, e do
desenvolvimento de teorias e metodologias é possível conter distorções e
interpretações demasiadamente parciais ou que fogem do que habitualmente é
debatido. Isso também não significa que reviravoltas interpretativas não
possam ocorrer, mas que para elas aconteçam devem ser submetidas a um
profundo exame realizado pelo meio historiográfico. Desta maneira, a História
pode ser considerada um campo do conhecimento em constante construção,
onde a crítica e o debate interno, se não capazes de nos trazer a verdade
sobre fatos passados, auxiliam a olhar criticamente para as interpretações que
fazemos do que ocorreu.
A subjetividade do pesquisador torna a História (e também as Ciências
Humanas e Sociais) diferente de outros campos do conhecimento,
principalmente aqueles associados ao modelo científico solidificado nas
sociedades a partir do século XVIII. Por não conseguir isolar e mensurar os
elementos da pesquisa, como faz um físico, biólogo ou engenheiro, por
exemplo, os estudiosos da sociedade precisam encontrar outros meios
epistemológicos para atingir seus objetivos. Em consequência seus resultados
também terão naturezas e conclusões divergentes do modelo científico
utilizado por outros campos do conhecimento.
Mas como chegamos a conclusões sobre um tema, já que é impossível
estabelecer versões definitivas das histórias que contamos? É possível a
História trazer resoluções para a sociedade? Essas duas perguntas apontam
para o último aspecto referente a obras e estudos referendados pela
Historiografia: existe a necessidade de existir um interesse científico e da
sociedade dos temas e abordagens propostos. Assim, o tema deve compor os
debates em voga no campo do conhecimento, e consequentemente, buscar
responder os questionamentos da sociedade sobre o seu passado num
determinado presente.
Por conseguinte, procedimentos epistemológicos específicos para a
História são essenciais para não nos tornar reféns de uma única versão dos
fatos ocorridos. Os exemplos para demonstrar a necessidade de revisão e
crítica e como elas respondem aos dilemas da ciência e da sociedade são
muitos. Um bem claro e que pode ser apontado se refere ao que por muito
tempo foi tratado pela História oficial, e consequentemente reafirmado pela a
sociedade se refere ao tema do “descobrimento” do Brasil. Diversos estudos e
livros tratavam esse assunto como verdade dada, reafirmado pela
Historiografia e reproduzido na sociedade. Com o passar do tempo, novos
estudos, inovações epistemológicas, reinterpretação de fontes e surgimento de
outras passaram a apontar uma outra visão sobre o assunto. O que, por muito
tempo foi tratado como “descobrimento”, um ato heróico do português, passou
a ser reinterpretado como “conquista”.
Se compararmos os livros didáticos de 30 anos atrás com os atuais,
veremos claramente modificações na forma como esse tema é debatido. Não é
mais apresentada aos alunos a visão de que o português chegou num lugar
sem “civilização” ou “cultura”, onde apenas marcaram sua presença e tomaram
posse dessas terras. Por outro lado, são apontados os conflitos e disputas,
além da transformação cultural e do espaço a partir da chegada dos europeus
no território que se tornou o Brasil. Tal mudança de abordagem é resultado de
uma revisão crítica, possibilitada pelo diálogo que a História faz do que produz
e uma clara demonstração que ela não é um campo do conhecimento que cria
axiomas e verdades estabelecidas.
Por fim, reitera-se a importância para quem se forma como historiador,
de ter consciência da diferença de um determinado conhecimento produzido
que é ou não submetido à crítica dos seus pares. Ao mesmo tempo isso não
pode limitar a compreensão do passado apenas a visão que a História oferece.
Outras formas de refletir o passado também podem compor o debate e serem
válidas, através da arte, do jornalismo, da produção de memórias, dos debates
que ocorrem na sociedade. Cabe ao historiador demonstrar suas diferenças, a
importância da crítica e do debate, numa expressão que seja válida a todos.
Desta maneira evita-se também que o debate historiográfico fique preso as
academias e não atinja a sociedade, e ao mesmo tempo, rejeitam-se
revisionismos e reinterpretações da História qu.

É um limite entre a literatura e ciência, que parece perseguir aquilo que


se produz em História.
Ou seja, ele é refém das interpretações que alguém faz de algum fato
ocorrido. Assim, atingir

QUADRINHO SOBRE TEXTO DE MALERBA. HISTÓRIA ACADÊMICA E NÃO


ACADÊMICA

COMO PENSAR A CRÌTICA, COMO Ter SENSO Crítico

FILME CARLA

QAUDRINHO EPISTEMOLOGIA

HISTORIOGRAFIA E SOCIEDADE
Glossário

Etimologia

Epistemologia

Subjetividade
intersubjetividade
axiomas

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