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A Dor de Existir
A dor de existir e
suas formas clínicas:
tristeza, depressão, melancolia
KALIMEROS
Escola Brasileira de Psicanálise
Rio de Janeiro
Apresentação:
Antonio Quinet
Copyright © 1997, Kalimeros
Organização Geral
Consuelo Pereira de Almeida, José Marcos Moura e
Ntícleo de Pesquisa sobre a Psicose (NUPP)
da Escola Brasileira de Psicanálise
(Coordenação -Antonio Quinei)
Conselho Editorial
Maria Anita Carneiro Ribeiro,
Maria da Gloria Maron e S onia Alberti
Projeto Gráfico e Preparação
ContraCapa
1997
Todos os direitos desta edição reservados à
Contra Capa livraria Ltda
< ccapa@easynet.com.br>
Rua Barata Ribeiro 370- Loja 208
22040-000 - Rio de J aneiro - R]
Te! (55 21) 236-1999
Fax (55 21) 256-0526
SUMÁRIO
Apresentação 09
Antonio Quinet
A Grécia -parte um
Problema XXX,l 23
Aristóteles
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Antonio Quintt
II
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A Dor de Exiiiir
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A111011ÍOQllifltl
III
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A Dor de ExiJtir
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'.
Antonio Quine/
sas, temidas até pelos deuses, que· nasceram das gotas de sangue
quando da castração de Uranos. Chamadas de Eumênides (Benevo-
lentes) para aplacar sua ferocidade, de Fúrias pelos romanos, elas
tem como função a punição dos crimes; elas instigam ao crime para
vingarem outros crimes como o fizeram com Clitemnestra que ma-
tou o marido Agamenon que por sua vez sacrificara a filha Efigênia.
Figuras do gozo elas representam o imperativo do supereu com sua
lei sangrenta e paradoxal onde nenhuma fala é possível, só olhar
punitivo. É nesse âmbito, aquém da linguagem, para-além de seu
destino de rei, exilado do Outro da civilização, expulso do simbó-
lico da Pólis, que se encontra Édipo e de onde ecoa seu grito: MTJ
rppvaz. Antes não ter nascido!
Édipo se define, para o Coro, como ''banido", "desafortu-
nado", "amaldiçoado pela sorte", dizendo-se "não sou mais nada",
fazendo aparecer sua posição de rebotalho do simbólico, de objeto
rejeitado, de dejeto execrável, fora da Lei do Outro, desprotegido
de todos. Tal como Gérard de Nerval em seu poema E/ desdichado
que significa o infeliz deserdado, o banido da alegria, o tenebroso
(das trevas), o inconsolado', Édipo está fora da herança do Pai sim-
bólico que une o desejo com a Lei. Ele ainda espera um acolhimen-
to por parte de Atenas, mas nada obterá e nesse lugar mesmo, domí-
nio das Erínias, demasiadamente desumano, falecerá. "Édipo em
Co/ona, cujo ser se acha todo inteiro na fala formulada por seu desti-
no, presentifica a conjunção da morte e da vida. Ele vive uma vida
que é morte, que é morte que.está aí exatamente embaixo da vidam.
Segundo Lacan, quando a vida é desapossada de sua fala o sujeito se
depara com o masoquismo primordial. É aquilo que na vida não
quer sarar, é o que na vida só quer morrer, silenciar, calar. Lugar fora
do simbólico, para-além do princípio do prazer, onde só há o gozo
impossível de ser suportado - lugar da dor de existir sobre a qual
nos fala o melancólico. A morte é o que melhor figura para nós esse
lugar topológico da ausência da fala, do para-além do Édipo que
equivale ao aquém da linguagem, onde reina o silêncio da pulsão de
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A Dor de ExiJiir
IV
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Antonio Quinei
tência, como se ele pudesse fazer alguma coisa, e não dá conta. O não
dar conta é sempre a queixa do impotente, o que na verdade é um
prestar contas. O sujeito está sempre aquém das contas que ele tem
que prestar aos olhos do Ideal - e o credor é o supereu. Fazer as
suas contas, ou acertar as contas, é realizar que aquilo que ele se
julgava impotente para resolver é impossível. A passagem da impo-
tência (que corresponde à falência do desejo) ao impossível marca a
saída da depressão. Trata-se da passagem do "eu não dou conta" do
deprimido a "o que não tem remédio, remediado está" da castração
assumida pelo sujeito.
Freud situa o sentimento de culpa na trama edipiana entre
os dois crimes: entre o gozo da mãe e o parricídio. O sentimento de
culpa para Freud é ligado à transgressão de um limite de gozo. O exces-
so de gozo - quando o sujeito ultrapassa seu limite- ou a sua deficiên-
cia- quando não encontra o gozo prometido - provocam a tristeza e a
culpa, que se situam, portanto, entre o simbólico da lei e o real do gozo.
É justamente quando há perda do ideal e o sujeito cede ao imperativo
do supereu que a inadequação do gozo se desvela para o sujeito.
Em os Arruinados pelo êxito, .Freud situa a mína do sujeito e
seu estado depressivo não quando ele perde mas Sluando atinge o
~eal: encontro com o impossível de um gozo prometido. O sujeito,
ao atingir um ideal, se depara com o impossível, porque aquilo que
o ideal prometia não se cumpriu; o sujeito, que lutou a vida inteira
por ele, chega no momento e vê que foi tudo em vão, porque o ideal
não lhe proporcionou, no final, o gozo acenado: "Tudo perdemos -
diz Lady Macbeth - quando o que queríamos, obtemos sem ne-
nhum contentamento. Mais vale ser a vítima destruída do que, por
destrui-la, destruir com ela o gosto de viver". Lady Macbeth ficou
melancólica ao ver realizado seu desejo de ser rainha às custas do
assassinato de Duncan, que Freud faz equivaler à realização do in-
cesto pois o rei assassinado representa seu pai. A retaliação é conse-
qüência do sentimento de culpa. O sujeito então se depara com esse
impossível de suportar do gozo e a falta estrutural do desejo se
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AntonioQuinei
NOTAS
1. Em Kant com Sade (1962, p. 777), Lacan nos chama a atenção para a dor de
existir, de que fala o budismo, desvelada pelos melancólicos em seus "tor-
mentos infernais", e em Tilivision (p. 39) ele chama a depressão por seu nome
mais apropriado de tristeza definindo-a, a partir de Dante e de Spinoza, como
covardia moral.
2. Nietzche, F. Ainsi parla Zaratustra. Paris, Aubier, 1977, p. 121.
3. Freud, S., "Inibição, si ntoma e angústia", Em: Obras completas. Vol. XX. Rio
de Janeiro, Imago, 1969, p. 171.
4. Lacan, J. "Kant avec Sade", Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 777.
5. Bareau, A. "Bouddhisme - A. Le Buddha". E m: En&J'Ciopaedia U11iversalis,
vol. 3. Paris, 1988, p. 851.
6. Cf. Kristeva, J. Sol negro: depressão e melancolia. Rio de Janeiro, Rocco, 1989, p.
135-6.
7. Lacan, J. O Jef!litlário, livro 2: o eu 11a teoria de Frmd e 11a témica da psicanálise. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p. 291.
8. Lacan, J. "Subversion du sujet et dialectique du désir". Em: Écrits. Op. cit.
9. Lacan,J. "Proposition de 9 octobre de 1966 sur !e psychanalyste de I'École".
Em: Sdlicet 1, Paris, Seuil, 1968.
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A Grécia
parte um
PROBLEMA XXX,1 1
Aristótelesl
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Ariiióleles
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Aristóteles
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Ariitótelu
NOTAS DO TRADUTOR
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por vezes profano, de rasgar o véu dos sentidos vigentes, acessíveis, na tenta-
tiva romântica, talvez, de trazer à luz o frescor originário da letra grega. Opta-
mos, destarte, pela sintaxe tortuosa, pela simples transliteração quando, por
nossa herança greco-latina, a língua portuguesa nos oferece esta via. A sinta-
xe, por vezes dura, recheada de partículas (pois a pontuação grega difere da
nossa) podem, para além de questão de estilo, evidenciar também nosso des-
conhecimento acerca do pensamento do autor. Dificílima é portanto a tarefa
de traduzir um texto da Antigüidade Clássica, e a consulta a diferentes edi-
ções/traduções nem sempre é esclarecedora. Trata-se sempre de uma versão,
no sentido que este termo comporta de criação e de se voltar para. Como uma
versão, esboça uma tentativa primeira de acercarmo-nos deste texto, elemen-
tar e originário, para o que, agora, é nosso objeto de discussão. Somos especi-
almente agradecidos a Henrique Fortuna Cairus, professor de Língua e Lite-
ratura Grega da UFRJ, pela paciência e disponibilidade com que revisou nos-
so primeiro exercício de versão clássica.
2. Ao que tudo indica não havia na Antigüidade dúvidas quanto à autoria do
Problema XXX, que encontra-se editado juntamente com os demais Problemas
escritos por Aristóteles. Diógenes Laércio (1995, V, 23), embora não explicite
o teor de cada um destes, relaciona entre a vasta obra do ftlósofo os Problemas.
Cícero, em Tusculanes; Sêneca, em De tranq11illitate animi (cf. Pigeaud, 1988,
p.54) e Plutarco, em Vida dos filósofos ilustres (vol. IV), fazem referência ao
texto, citando-o como de Aristóteles. Mais tardiamente surge a hipótese do
Problema XXX ser de autoria de Teofrasto, ou algum outro discípulo de
Aristóteles. Contribui para esta hipótese o fato do próprio Diógenes Laércio
(1995,V,44) relacionar, entre as obras de Teofrasto, um texto sobre melancolia
(Peri melancholías), bem como um tratado sobre o fogo (Peripyrós), mencionado
no próprio Problema XXX. De qualquer modo, trata-se, indubitavelmente, de
um texto que se encontra no âmbito do pensamento aristotélico, bem como
situado de modo congruente com a visível herança de um tema platônico
(desenvolvido, principalmente, em o Fedro), juntamente com o Corpus
hippocraticum e toda tradição médica grega.
3. perittós/perissós- termo fundamental do Problema XXX e de difícil tradução.
Indica, originalmente, "o que ultrapassa a medida, o limite", (conforme perime-
tro, em português). Deste sentido primeiro advém: "extraordinário, o que se
distingue etc." Pode designar, também, "o supérfluo, o resto", como, por exem-
plo, "o excesso de contingente militar". Há, no próprio Problema XXX, uma
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AriJiólelu
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AriJtóteles
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29. anómalos- termo formado pelo prefixo de negação att, e do advérbio homálós
("de um modo unido, de um modo igual"). Então, anómalos designa: "não
unido, não igual; inconstante, irregular; que falta equilíbrio".
30. Há na edição original dos textos gregos uma controvérsia. Forster (um dos
editores que estabeleceu o texto grego) optou pelo termo epipólaios, superfície.
O termo constante na edição de Ruelle é tá palaiá, antigas.
31. kairrJs - momento oportuno. Conceito de tempo propriamente grego. Di-
fere do tempo cronológico (sucessão) e do eterno (an). Na medicina, indica-
va, por exemplo, o tempo crítico de uma doença, no qual a intervenção do
médico poderia salvar ou matar o paciente.
32. t kaí- Há edições que excluem a conjunção t modificação por nós utilizada
na presente tradução.
33. Frase enigmática, mesmo no texto original e para os comentadores.
34. Cf. nota 2.
35. diáthesis - "ação de dispor, arranjar (a disposição do que tem partes),
ordenância". Para Aristóteles (Mettifisica, V, 1022, 1-3) "Diáthesis se chama a
ordenação, segundo o lugar, ou segundo a potência, ou segundo a espécie, do
que tem partes; é preciso, com efeito, que haja alguma posição (thésin), como
inclusive o manifesta o nome 'disposição"'.
Referências bibliográficas
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Aristóteles
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Os clássicos
parte dois
MELANCOLIA NO SENTIDO
MAIS ESTRIT0 1
(CAPÍTULO II)
W. Griesinger
§116.
Anomalias da auto-percepção, das pulsões e da vontade. Em muitos
casos, depois de ficar num estado de mal-estar corporal e psíquico
mais ou menos vago, e de tempo variável, freqüentemente acompa-
nhado de mal humor hipocondríaco, de abatimento e de agitação, às
vezes com sensação da eminência do perigo da loucura, o doente é
progressivamente dominado por um estado de dor psíquica2 que
persiste por si, e é cada vez mais reforçado por impressões psíquicas
exteriores. Esta é a perturbação psíquica essencial da melancolia, e
essa dor se constitui para o próprio doente num sentimento de pro-
fundo mal-estar psíquico, de incapacidade para a ação, repressão de
todas as forças, de abatimento e tristeza, numa queda total da auto-
estima. Assim que este estado sensorial atinge um certo grau, dele
decorrem as conseqüências mais importantes e as mais extensas para
todo o comportamento do doente.
O humor assume um caráter absolutamente negativo
(repulsão). Uma vez que a menor impressão - anteriormente
verificada pelos doentes como bem adequada a seus espíritos - ago-
ra provoca neles a dor, os doentes não podem mais se alegrar com
nada, nem mesmo com os acontecimentos de maior felicidade;
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W. Grimi1ger
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Ir?'. Griuinger
§117
Anomalias da Representação. A concentração dolorosa do espí-
rito suprime a vivacidade e a troca sadia da representação. Poucos
pensamentos ocupam o doente de uma maneira permanente. Ele
exprime apenas queixas monótonas sobre si mesmo, sobre as mu-
danças que se produziram nele, sobre alguns acontecimentos que
apareceram no início da doença etc. A tendência às comunicações
intelectuais está de um modo geral consideravelmente diminuída;
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W Griesi11ger
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§118
Anomalias daSensibilidade e do Movimento. Estas anomalias são
freqüentes na melancolia. Trata-se em parte destas sensações deva-
zio, de mortificação da cabeça, de um membro ou mesmo de todo o
corpo; de outra parte, destas sensações penosas de toda a superfície
da pele que estimulam o delírio de ser eletrizado, ou ainda da
hiperestesia do rosto e da audição (tremor, estremecimento ao me-
nor ruído, que pode ser uma causa fundamental da panfobia).
A loucura sensorial propriamente dita, as alucinações e as
ilusões têm inteiramente o caráter e a marca da disposição dolorosa
do espírito. O doente vê os preparativos de seu suplício, escuta os
agentes da justiça que vêm prendê-lo; ele se vê cercado pelas cha-
mas do inferno; os precipícios parecem se abrir sob seus passos, os
fantasmas vêm lhe anunciar seu julgamento. Ele é perseguido por
vozes que lhe dizem injúrias, zombarias etc. Uma jovem melancóli-
ca que eu tinha observado se via penetrada por um olhar que vinha
de uma cabeça de porco do seu espelho; a partir deste momento ela
acreditou durante muito tempo que estava transformada em porco.
Onde as alucinações são mais freqüentes e mais variadas é nesta
forma grave de melaflcolia que está ligada a uma concentração com-
pleta do doente em si mesmo, e a um desaparecimento parcial da
consciência do mundo exterior (vejam mais abaixo Melancolia com
esttpor). Mesmo no olfato e no paladar são freqüentes as alucina-
ções; as do paladar, em particular um sabor metálico, dão amiúde
aos doentes a idéia de ser envenenado ou enfeitiçado por determi-
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W. Gritsinger
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•A Dor de Existir
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tes parece provir do diafragma ou dos músculos do abdome. De
resto, ainda se ignora completamente o que significa esta sensação;
isto é lastimável porque freqüentemente ela parece manter o senti-
mento de angústia dos doentes. Fazendo-a desaparecer, poderíamos
esperar aliviar consideravelmente seu estado. Numa jovem mulher
que observei em 1857 e que após um tratamento de Tartams Emetims
dado em largas doses (numa pneumonia) sofreu muito tempo de
uma úlcera crônica do estômago, os acessos de melancolia aguda
com sensação de angústia e de palpitações reapareciam com fre-
qüência na ocasião da repleção do estômago, de um leve desvio
de regime etc.
A recusa da alimentação que observamos repetidas vezes
nos melancólicos e que quando persiste muito tempo torna-se uma
complicação desagradável- porque necessitam de alimentação for-
çada e apesar disto a nutrição é bastante defeituosa - provém mui-
tas vezes do fato dos doentes temerem ser envenenados, ou ain-
da de sentirem no ventre diversas sensações anormais- eles crê-
em que seus intestinos estão· fechados e que não há mais lugar
para os alimentos- provém do fato de que a sensação de apetite
lhes falta completamente. De outras vezes eles recusam comer
porque querem se deixar morrer de fome, ou então porque crêem
expiar seus erros tendo fome, porque imaginam pecar ao tomar os
alimentos ou porque as alucinações, as vozes, lhes ordenaram jejuar
etc. Algumas vezes estas idéias parecem ser provocadas e conserva-
das pelas doenças graves da mucosa intestinal, e em particular pela
constipação aguda irritando uma grande extensão do intestino. Mas
esta recusa de comer com freqüência não passa, como criteriosamente
observaM. Guislain (cf. úçons orales, tomo I, p. 265), de uma ma-
neira de fazer oposição como a recusa de falar; enfim, ela pode
ainda ser simplesmente o resultado da imitação. O resultado de
toda esta abstinência implica um emagrecimen to rápido; a pele
fica seca, a respiração se enfraquece, as roupas não servem, a
urina é rara.
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§119
O avanço das formas simples da melancolia é freqüenternente
muito agudo, como por exemplo nos casos onde um período curto
de distúrbios do humor doloroso com angústia profunda precedeu
o desenvolvimento da mania, em particular da mania intermitente.
Geralmente o avanço da melancolia é crônico com remissões, mais
raramente com intermissões completas de duração variável. Certa
vez vi uma mulher acometida de melancolia profunda (ela tinha re-
presentações de perda de sua fortuna e se acreditava ameaçada de
morrer de fome) que apresentava um intervalo perfeitamente lúcido
de cerca de um quarto de hora sem motivo apreciável, igualmente
desaparecendo de modo brusco. Naturalmente as remissões são so-
bretudo freqüentes no início da melancolia e também nas proximi-
dades da convalescença.
A transformação da melancolia em mania e o retorno desta
à melancolia são fenômenos muito comuns; a doença na sua totali-
dade representa um círculo no qual estas duas formas mentais
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W Gnúinger
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Não olho ning11ém; me~ts olhos não se fixam sobre nenh11m objeto. Con-
centrado em minhas idéias, so11 indiferente a todo o resto. Esses são bem
evidentemente os sinais de imbecilidade.
E11 co'!fesso que posso ter tido, q11e tive mesmo alucinações; mas estou
pers11adido que essas idéias não são sem fimdamento. Eu sempre me con-
vencera q11e a expressão de me11 rosto, sobret11do de meu olhar, tem algu-
ma coisa estranha; que se lê sobre minha fisionomia os medos que me
agitam, as idéias que me atormentam, e que se abusa desta dolorosa
fraqueza de espírito, enquanto se deveria ter mais piedade. Também pro-
Cifro a solidão, a sociedade mefoz maL
Sinto 11m peso 11a cabeça, uma espécie de pressão no cérebro, e ao mesmo
tempo irritação: soufraco, desanimado; sinto-me envelhecido, experimento
um estado de sonolência e de torpor contínuo; o exercício me cansa e
não consigo permanecer parado. Há alguns meses experimento mais
o abatimento do que a irritação. Eu não fico tentado a proCIIrar brigas
com os que me insultam: apenas 11ma ve:v acontecei/ de ceder a esta tenta-
ção. Há cinco anos q11e o tédio não me deixa: tudo me incomoda, me pesa;
s011 desco!ifiado, tímtdo, embaraçado, incapaz de agir e defolar. O espí-
rito da vida se retirou de mim. Há dois anos eu comecei a me obser-
var mais e mais. Há sete meses re~~unciei completamente ao meu hábito
fimesto e no entanto me11 estado piora todos os dias".
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W. Griuinger
§120
A maneira pela qual a dor psíquica se exprime na melancolia
varia de tantos modos que, fundando-se sobre as principais diferenças
que oferece, formaram-se os gêneros e as variedades da melancolia.
Enquanto a diferença se produz apenas sobre o gênero e o
objeto do delírio, que freqüentemente coincide com as mais ressal-
tadas causas psíquicas da doença, o estabelecimento dessas varieda-
des tem apenas um valor insuficiente; sob essa relação destacam-se
as seguintes subformas:
1. Dá-se o nome de melancolia religiosa a essa forma de
melancolia, na qual o delírio gira principalmente em torno das re-
presentações religiosas, da idéia de que se fez grandes pecados, do
medo de suplícios do inferno, da idéia de que se é rejeitado por
Deus etc. Amiúde o sentimento de angústia interna é expresso em
angústia de pecado por razões absolutamente acidentais e exterio-
res. São também estas as razões que levam o doente a procurar no
seu estado de tristeza dolorosa a consolação da religião, que muitas
vezes, é verdade, ao invés de aliviar o doente tem apenas por resul-
tado exagerar sua angústia, e neste caso não se deve confundir o
efeito com a causa. Se é certo, com efeito, que a energia psíquica
paralisa quando o espírito está incessantemente preocupado com a
contrição e com o medo dos suplícios do inferno e constantemente
trabalhado por representações sombrias e ascéticas sobre a vida desse
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fazer ouvir. Esta voz falava quase sem parar durante toda a crise,
isto é, de meia hora a uma hora ou mais. Era interrompida somente
pela primeira que repetia sempre: "Reza-se com razão por você!".
Evidentemente essa voz queria representar uma pessoa que não a
doente, e dela se distinguia exatamente objetivando-a e falando da
doente na terceira pessoa. No que dizia essa voz não havia confu-
são, nem incoerência; ela falava com uma conseqüência rigorosa,
respondendo de uma maneira lógica a todas as questões ou rejeitan-
do-as com um ar de zombaria. Mas o que fazia a principal diferença
desses discursos era seu caráter moral, ou melhor imoral; eles ex-
pressavam a pretensão, a arrogância, a zombaria ou o ódio contra a
verdade, contra Deus e Cristo. "Eu sou o filho de Deus, o Salvador
do Mundo, você deve me adorar". Eis o que inicialmente dizia esta
voz; em seguida, repetia freqüentemente zombarias contra as coisas
santas, blasfêmias contra Deus, o Cristo e a Bíblia; indignações vio-
lentas contra os que amavam o bem; maldições as mais abominá-
veis, um furor excessivo mil vezes repetido e uma raiva horrível
dirigida a alguém ocupado em rezar ou mesmo com as mãos juntas.
Poderíamos considerar tudo isso como sintoma de uma influência
estranha, embora esta voz não tivesse traído ela própria o nome
daquele que fazia todas esses discursos nomeando-se o diabo, como
freqüentemente acontece. Assim que esse demônio se fazia escutar,
os traços da jovem imediatamente se alteravam de uma maneira sur-
preendente, e ela tinha então a cada vez um olhar diabólico, do qual
pode-se fazer uma idéia a partir do Messiade - o quadro do diabo
oferecendo uma pedra a Jesus.
Em 26 de janeiro às 11 horas da manhã, quer dizer à hora
onde, segundo seu dizer, um anjo lhe tinha anunciado - vários
dias antes - que ela seria libertada, todos esses fenômenos ces-
saram. A última coisa que se escutou foi uma voz saindo da boca
da doente e que dizia: "Vá, espírito imundo, retire-se dessa cri-
ança! Não sabe você que ela é o que eu tenho de mais querido?"
Após isso ela voltou a si.
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§121
2. Não é raro ver os melancólicos delirarem ter perdido sua
própria personalidade, e ter sofrido metamorfose (melancolia
metamorphosis). Nós já falamos mais acima das idéias que engendram
as anestesias gerais ou parciais: o doente se crê morto, imagina que
seus membros são de madeira etc., assim como as concepções deli-
rantes provocadas pelas alucinações fazem crer ao doente que ele
foi transformado em animal horroroso. Mas fatos mais interessan-
tes ainda do ponto de vista psicológico e patológico são esses onde
o doente crê ter o sexo mudado: homens em mulheres, mulheres em
homens. Este delírio, é verdade, não pertence de uma maneira espe-
cífica à melancolia; mas pode desenvolver-se durante o curso dessa
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1111: Griesinger
NOTAS
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nesse caso, intervalo lúcido entre os acessos. A doença pode nesse caso ser
verdadeiramente comparada a um círculo, assim como o fez Griesinger. Eu
terei, aliás, ocasião de ir mais longe sobre esta loucura de dupla forma. (Ver o
Bullelin de I'Académie de médecine, 1854, t. XIX; os Annales f!!édico-psychologiques, 2'
série, t. VI, e a tese de M. le docteur Geoffroi, 1861)".
7- Confor me os casos citados de Brodie.
8- Na tradução francesa este caso é referido a Esquirol, referência que não se
encontra no texto o riginal. Tanto o texto em fra ncês como o texto em alemão
faze m referência aos escritos originais do paciente, mas a tradução francesa
publica o caso na primeira pessoa do singular, ao passo que o texto em alemão
na terceira. Neste ponto específico optamos por traduzir a versão francesa
po r dois motivos: primeiro o original em alemão refere esse texto à publicação
de Lallemand (francês); segundo, o caso em alemão é resumido em relação a
sua versão francesa. Mantivemos inclusive as considerações de Esquirol que
aparecem no texto em francês. No texto em alemão há uma referência à
cauterização d o ureter devida a sintomas infl amatórios causando o
restabelecimento do paciente e o retorno de sua potência.
9- M. Macario, Études diniques sur la démot/Of!lallie. Em: Annales méd p!Jch. I. 1843,
p. 440-ss. Esquirol, trad uzido por Bernhard, I, p 280-ss. Com relação à posses-
são, cf: Calmeil, De la folie, I. Paris, 1845, p. 85. Albers, Arcbivf pi?J.riol. Heilk.
XIII. 1854, p. 224. Portal, Mém. mrplmiet1rs t11ahdie.r, II. p. 110. Moreau, Du hachicb etc.
p. 336-54. Baillarger, AtmaL méd P!J'ch. VI, p.152. Schützenberger, ib. VIII, p. 261.
10- Nós reproduzimos a história clínica ao pé da letra como prova da ingenui-
dade desse relato(...) N. do E. No o riginal, o autor indica a comparação desta
com as observações que se seguem sobre o estado psíquico nas crises epilép-
ticas, que não estão traduzidas no presente volume.
11- Baillarger, De l'étal dé.rigné chez le.r a/iéné.r so11.r /e 110111 de stupidité (Annales médico-
psychologiques, tome I. 1843 p. 76-ss; p. 256-ss). Um outro trabalho ulterior do
mesmo autor: De la mélancolie avec stupeur (Am1. méd.- psyc. 1853, p. 251). M.
G uislain observou esse estado em parte no êxtase.
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DO DELÍRIO DAS NEGAÇÕES 1
Jules Cotard
78
]11/es Cotard
79
A Dor de ExiJtir
80
]11/es Cotard
81
A Dor de Existir
82
]11/es Cotard
"Eles têm vergonha 011 mesmo horror de SI/a própia pessoa e se desespe-
ram pensando q11e não poderãojamais reencontrar SI/asfaCilidades perdi-
das. Eles lamentam s11a inteligência esvaecida, se11s sentimentos apagados,
ma energia desaparecida(. ..) Afirmam q11e não têm mais coração, afeição
por se11s parentes e se11s amigos, nem mesmo por seusfilhos'~
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A Dor de Exiiiir
84
]11/u Cotard
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A Dor de Existir
86
]11/es Cotard
87
A Dor de Exish'r
Uma outra doente, cuja história é relatada por Michéa, acredita-se cul-
pada, perseguida pela polícia e ameaçada de morte. Ela é internada
em uma casa de saúde e, alguns dias depois, estando a lipemania
em seu auge, percebe quase constantemente a seus pés a corda
que deve servir para estrangulá-la, e o caixão preparado para
receber seu cadáver.
Os doentes acreditam-se danados e vêem as chamas do in-
ferno, escutam tiros de fuzil e crêem que vão fuzilá-los. Guislain
fez notar a estreita conexão entre a demonofobia, o suicídio e
este gênero de alucinações onde os doentes vêem chamas por
toda parte, incêndios.
O estado alucinatório dos melancólicos ansiosos, estúpidos
ou agitados é profundamente distinto daquele dos perseguidos. Em
primeiro lugar pelas alucinações da visão que são raras nos perse-
guidos, e em seguida pelo caráter das alucinações auditivas. Como
as alucinações da visão, aquelas são simplesmente confirmativas das
idéias delirantes, e algumas vezes é difícil distinguí-las; nos ansiosos,
o fenômeno alucinatório rião apresenta esta independência, que dá
aos perseguidos uma nitidez tão grande ao mesmo tempo que uma
evolução toda especial.
O perseguido chega, pouco a pouco, a um diálogo; vemo-lo
escutar, responder com impaciência ou cólera a seus interlocutores
imaginários; nada de.semelhante no ansioso: se ele fala, é para repe-
tir sem cessar as mesmas palavras, as mesmas frases, a mesma quei-
xa, sua loquacidade tem a característica de um monólogo, de uma litania,
enquanto a do perseguido é em forma de diálogo.
Também no ansioso não se observa a repercussão do pen-
samento, o eco, nem esse vocabulário especial que permite reconhe-
cer, ao final de um instante de conversa, os perseguidos crónicos.
Indiquei no começo deste trabalho a oposição e a resistên-
cia sistemática dos delirantes por negação; encontram-se neles,
88
]11/es Cotard
89
A Dor de ExiJiir
90
•
Jules Cotard
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A Dor de ExiJiir
NOTAS
92
INTRODUÇÃO: MELANCOLIA
(CONFERÊNCIA I) I
Emil Kraepelin
94
Emi/ Kraepelin
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A Dor de Existir
96
•
Emil Kraepelill
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A Dor de Existir
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Emil Krapeli11
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A Dor de E xistir
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Emil Kraepelin
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A Dor de Existir
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Emil Krapelin
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A Dor de Existir
NOTAS
104
EXCITAÇÃO MANÍACA
(CONFERÊNCIA VII) 1
Emil Kraepelin
106
Emil Kratpelin
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A Dor de Existir
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Emil Kraepelin
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A Dor de Exiiiir
110
Emil Kraepelin
111
A Dor de Exiiiir
senvolver o mesmo estado que o aqui descrito. Por outro lado, nos-
sa doente apresentou em alguns momentos um quadro
"hipomaníaco". Aliás, isso não está ocorrendo no surto atual, que
começou há aproximadamente dois meses de forma repentina; pode
no máximo ter aparecido nos primeiros dias. Mas a doente já passou
por uma longa série de surtos maníacos que transcorreram, em par-
te, de forma bastante tênue, o que supúnhamos logo no começo, a
partir de nossos esclarecimentos iniciais.
Tem atualmente 32 anos, seu pai e seu tio paterno eram
bastante irritadiços, sendo que o último cometeu suicídio. O pai
tinha um primo alienado; uma irmã da doente apresenta retardo
mental. Sua doença começou aos 14 anos com um surto depressivo,
ao qual se seguiu, dois anos depois, um estado de excitação. Dois
anos após houve reaparecimento do surto de depressão melancólica
com auto-acusações e forte inibição. Adveio nova excitação, depois
uma depressão, após a qual manifestou uma excitação maníaca. A
partir de então, observaram-se as oscilações reiteradas entre um
humor deprimido e hipomaníaco, reconhecidas como patológicas
somente por sua mãe. A doente levou então uma vida agitada; envi-
ava anúncios de casamento, entrava nas relações amorosas sem se
preservar, relações estas sempre transitórias que lhe deixavam con-
seqüências. Para os estranhos estava se divertindo. Uma vez casou-
se realmente, mas só para divorciar-se em seguida. Apresentou por
três vezes uma excitação tão violenta que foi necessário interná-la
numa instituição. Nos estados de depressão apresentava sempre um
profundo arrependimento do que havia feito durante a excitação.
Entrementes, também havia intervalos longos nos quais não apre-
sentava nem mudança de humor triste nem alegre.
Todo este quadro de evolução é característico de uma lou-
cura maníaco-depressiva. O início na adolescência com uma mu-
dança de humor triste, a alternância posterior entre mania e depres-
são, a incidência de surtos mais sérios entremeados por acessos mais
112
Emil Krapeli11
113
A Dor d~ ExiJtir
114
Emil Krarpelin
115
A Dor de Existir
NOTAS
116
A teoria e a clínica
parte tres
"
A CLÍNICA DO SUJEITO NA DEPRESSÃO
FREUD E A MELANCOLIA1
Antonio Quinet
I. UM TIPO DE PSICOSE
O furo no psiquismo'
120
A111011io Quinei
121
A D or de E xiflir
122
AntonioQuinei
123
A Dor de Existir
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AntonioQuinei
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A Dor de Existir
126
Antonio Q11inet
A Coisa melancólica
127
A Dor de Existir
NP Das Ding
f.
Podemos dizer que existem significantes mestres que apon-
tam para a Coisa, mas nunca vão ser a representação final da Coisa,
já que a Coisa vai deslizar, e você não apreende a Coisa. No Seminá-
rio : a ética da psicanálise, Lacan vai propor dois modos de abordagem
da Coisa. Um é a peroersão, e o outro é a sublimação. Lacan vai fazer
uma articulação da sublimação com a melancolia, no caso clínico de
Melanie Klein. Queria apenas lembrar aqui que Das Ding tem rela-
ção com o significante: para o neurótico a Coisa é esvaziada de gozo,
diferentemente do psicótico, para o qual a Coisa não é esvaziada de
gozo e ela retorna para o sujeito. O sujeito é coisificado: todo o
simbólico se retira e ele se torna a "Coisa melancolizada".
Voltemos à frase de Freud de Ltto e Melancolia: "A represen-
tação da Coisa, do objeto foi abandonada pela libido". Ele diz que
algo que vinha aqui (S1, S2, Sn) foi abandonado, e o que resta é a
Coisa.
Isso também nos aponta para a psicose, pois na neurose não
há esse abandono total da representação. Freud nos diz que, quando
há um luto, há um reinvestimento de libido, mas não o abandono
total de uma representação. Ao mesmo tempo, essa aproximação da
Coisa na melancolia nos abre para o estudo da relação entre a subli-
mação e a melancolia. Isso nos permite a hipótese que precisa, sem
dúvida, ser trabalhada: será que não é essa a relação que Aristóteles
percebeu, e que todo o Renascimento consagrou, ao dizer que os
sábios, os poetas e os cientistas tinham um aumento da bile negra?
128
AlrtonioQuinei
129
A Dor de ExiJtir
130
AntonioQuinei
O desencadeamento
131
A Dor de Existir
I(A) i(a) a
OBJETO -7
Simbólico Imaginário Real
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Alrlo11io Quinei
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A Dor de Exi!lir
O processo Selbst
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AntonioQuinei
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A Dor de Exiltir
136
AntonioQuinei
I(A) ~ i(a)
137
A Dor de Existir
i(a) i(a)
--~i(a)><-<p~--
-<p -<p
I(A) i(a)
~
<I>o a
138
Antonio Q11inel
bem isso: "Ele se diz decaído do resto da humanidade. Ele não tem
mais sentimentos, nem vontade. Não é mais como todo mundo.
Está arruinado, não tem mais órgãos, não existe mais". Aparece aí a
sua posição de decaído da humanidade. Tomando a humanidade
como o Outro, o conjunto de todos os homens, ele é como um
objeto decaído do Outro. Lacan, no Seminário: a angústia, vai apontar
como o melancólico atravessa a imagem para atingir o objeto, o que
é patente na defenestração. O melancólico atinge o objeto caindo
como dejeto.
Freud mostra também que todo processo de luto revela uma
ambivalência do sujeito em relação ao objeto perdido. O enlutado
tem lembranças, nas quais demonstra um grande amor pela pessoa
perdida, mas também um grande ódio. Nesse processo de
desfolhamento das lembranças que evocam amor e ódio, o sujeito
fará o trabalho de luto. "A perda do objeto de amor é uma ocasião
privilegiada para fazer valer e aparecer a ambivalência das relações
de amor". Mas na melancolia, diz Freud, parece que toda a vertente
de Eros desapareceu e só ficou o ódio, o qual o sujeito volta contra
si mesmo, surgindo então a autotortura. É um ódio totalmente
desvinculado do amor. Vocês se lembram que Lacan inventa uma
palavra para falar justamente dessa ambivalência: enamoródio. No caso
do melancólico, podemos dizer que há uma foraclusão do Outro do
amor, ele perde esse Outro que ama e cuida, e o que lhe sobra é um
supereu extremamente cruel, que odeia o sujeito. "A tortura que o
melancólico se inflige, que indubitavelmente lhe traz um gozo, re-
presenta a satisfação das tendências sádicas e hostis que visam o
objeto, que desta maneira retornam sobre a própria pessoa". Desta-
co que gozo aqui é no sentido do para além do princípio do prazer.
Podemos afirmar isso, porque o termo usado por Freud é Gemm, e
não LIISt, que é da ordem do prazer. Freud mostra então o gozo da
autotortura na melancolia. A pulsão que o prende à vida parece ter
se despreendido: é o gozo do masoquismo que faz da melancolia a
pura cultura da pulsão de morte.
139
A Dor de Existir
O Outro reconstituído
140
Antonio Quinei
Heloísa Caldas - Com certeza para não pensar que foi por
puro acaso.
141
A Dor de Existir
142
AntonioQuine/
s1 sl
NEUROSE (Luto): - -- PSICOSE (Melancolia): - -
S(A) NP0
143
-
A Dor de Existir
d
Sz a A
144
r A11f011io Quinet
A mania
145
A Dor de Existir
146
AIIIOIIiOQtiÜJel
147
A Dor de Existir
148
AntonioQuintl
149
A Dor de Existir
150
AntonioQuinei
Eros
j, Sexualidade
Pulsão de morte ------~ ~ Destmição
\....._.,/ Vontade de poder
Masoquismo primário
151
A Dor de Existir
Pulsão de morte
I \ Pulsão de
o
Em
morte
152
AntonioQuinei
153
A Dor de E xiitir
154
,....
Antonio Quinei
155
A Dor de Existir
NOTAS
156
GAIO SABER E TRISTE VERDADE
Serge Cottet
Membro da École de la Cause Freudienne. Membro da Escola Brasileira de
Psicanálise.
158
Serge Cottet
159
A Dor de ExiJtir
160
Serge Cofiei
161
A Dor de Existir
162
S erge Coitei
NOTAS
163
A Dor de Existir
Referências bibliográficas
BREUER, J, & FREUD S. Études sur l'histérie. Paris, P UF, 1967 e 1971.
COTARD J. Contribution à l'étude sémiologique des idées délirantes de nigalion.
Bordeaux, Cadoret, 1904
FREUD, S. "Traitement psychique (fraitement d'âme)". Em: Résultats, idées,
problimes. Tome I. Paris, PUF, 1984.
FREUD, S. & FERENCZI, S. Comspondance. Tome II. Paris, Calmann-Lévy,
1996.
JANET P., De l'angoisse à l'extase: étudu SJir lu cr<!Jatlces et les sentimmts. Paris,
Éditions do CNRS, 1975.
LACAN ]. Les complexes familiaux datts la jom1ation de l'individu, mai d'ana!Jse
d'um fontion en prychana!Jse (1938). Paris, Navarin, 1984.
MOREL G., Lettn mensuelle, n. 152. École de la Cause Freudienne.
164
UM MAIS DE MELANCOLIA
Colette Soler
Membro da École de la Cause Freudienne. Membro da Escola Brasileira de
Psicanálise.
A querela da depressão
166
Coktte S oler
Sinal do tempo
167
A Dor de Exiftir
168
Coltltt S oltr
169
A Dor de Exiitir
uma pose sedutora. Quanto ao gosto mórbido pelo spleen, foi apoi-
ando-se num suposto protesto contra a asneira que ele se autorizou
- não foi, meu caro Baudelaire? - etc. Esses são apenas exemplos
dispersos, tomados do campo da sublimação religiosa ou literária,
mas que permitem- eles próprios- medir curiosamente o quanto o
discurso contemporâneo não quer bem à depressão, ele que dela
tanto fala.
Incapaz de elaborá-la em formas sublimadas, ele a pensa
como um déficit, jamais como um valor. Um defeito em relação à
saúde quando é o médico que fala, mas também como uma falta,
pois não é só o psicanalista que a toma assim: certamente uma falta
moderna contra o obscuro imperativo do otimismo que nossa civi-
lização sustenta, contra o mandamento de "ir em frente", de "en-
frentar" etc. Os próprios sujeitos a percebem em sua dimensão de
demissão e a evocam freqüentemente como uma renúncia a lutar.
Haja visto o "Eu abaixo os braços", evocado a pouco. Com certeza,
há sempre, especialmente graças à histeria, uma forte empatia pelo
sujeito combalido. Admira-se ou inveja-se o homem alegre e dinâ-
mico, mas é raro que ele suscite verdadeiramente a simpatia. Ao
contrário, cede-se mais facilmente ao contágio da tristeza do ho-
mem abatido; a compaixão está sempre pronta a se devotar e a
sustentar.
Entretanto, hoje entre nós o blues não é coletivizante, e uma
civilização que valoriza a competitividade e a conquista, mesmo se
em última análise é somente a do mercado, uma tal civilização não
pode gostar de seus deprimidos, ainda que ela cada vez mais os
engendre a título de doença do discurso capitalista (cf. Cottet, 1985).
Aliás, a empatia que evoquei é muito freqüentemente mitigada, pois
o sujeito que não cede sobre sua depressão irrita e às vezes afugenta
(Winnicott nos diria que de está sob o efeito de uma defesa maníaca!).
Não é só porque ele põe em xeque os esforços mais devotados. É
que ele faz experimentar outra coisa: além da impotência dos argu-
mentos e da inadequação das tentativas de persuasão, quer isso agrade
170
Colei/e S oler
Os ditos da depressão
171
A Dor de ExiJtir
172
Coltllt S oler
173
A Dor de Existir
174
Colefle S oler
Eficácia da castração
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A Dor de Existir
176
Co!ttlt S oler
177
A Dor de Existir
Clínica diferencial
178
Cole/te S oler
179
A Dor de Existir
Tormento 7 feminino
180
Cole/te Soler
Um nada de tristeza
181
A Dor de ExiJiir
182
Co/ette Soler
183
A Dor de Exiltir
184
Coltllt S oltr
Benefícios do bem-dizer
185
A Dor de Exitlir
NOTAS
Referências bibliográficas
COTTET, S. "La belle inercie". Em: Omicar?, n. 32. Paris, Navarin, 1985.
FREUD, S. l11hibitiofl, !JmJilôme, angoisse. Paris, PUF, 1965.
____ Introduaiofl à la P!Jthanafyse. Paris, Payot, 1964.
____ Risultats, idées, problimes. Paris, PUF, 1985.
KLIBANSKI, R. ET ALLI. Satume et la nréla11colie. Paris, Gallimard, 1989.
LACAN, J. "D'une question préliminaire à tout traitement possible de la
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_ _ _ _ "La direction de la cure et les principes de son pouvoir" (1958).
Em: Écrits. Op. cit.
_ _ _ _ "L'Étoudit" (1972). Em: Scilicet, 11. 4. Paris, Seuil, 1973
_ _ _ _ "Note aux italiens". Em: Omicar, n. 25. 1982
_ _ _ _ "Pour un congrês sur la sexualité féminine" (1958). Em: Étrits. Op cit
186
Colette Soler
_ _ _ "Remarques sur le rapport de Danid Lagache" (1960). Em: l!!crits. Op. cit
____ Le Séminaire, livre X: L'angois.re (1962-63). Inédito
- - - - Le Séminaire, livre XX: Encore (1972-73). Paris, Seuil, 1975.
- - - - Le Séminaire, livre XXI: Les non-dupes ernnt (1973-74). Inédito
- - - - " L a signification du phallus" (1958). Em: Écrit.r. Op. cit.
_ _ _ _ "Subversion du sujet et dialectique du désir" (1960). Em: Écrits.
Op. cit.
____ Télévi.rion. Paris, Seuil, 1974.
LAURENT, E. "Vers un affect nouveau". Em: Lettre men.rueJJe, 11. 149. Maio de
1996
SOLLER, C. "Leçons cliniques de la passe" (1990-92, para o cartel A). Em:
Comnmzt finis.rmtle.r anafy.re.r. Paris, Seuil, 1994
TURNHEIM, M. " ". Em: Silhouette.r du deprimé. Revt1e de I'École Freudimne.
Paris, Navarin, 1987.
187
í
A LUTA DA PSICANÁLISE CONTRA A
DEPRESSÃO E O TÉDIO
Éric Laurent
Membro da École de la Cause Freudienne. Membro da Escola Brasileira de
Psicanálise.
190
Ériç Laurmt
191
A Dor de Existir
192
Éric Laurent
Televisão e morosidade
193
A Dor de Exi!tir
194
Éric LA11rml
195
A Dor de Existir
O riso do psicanalista
196
Érü LAtire/li
NOTAS
197
DEPRESSÃO E MELANCOLIA
Stella Jimenez
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise
200
S te/la Jimenez
201
A Dor de Existir
202
S te/la ]immez
203
A Dor de Existir
204
Stella ]imenez
205
A Dor de Existir
Referências bilbiográficas
FREUD, S. "Luto e melancolia" (1915). Em: Obras Completas. Tomo I. Madrid,
Biblioteca Nueva, 1967.
LACAN, J. O semi11ário, livro 7: a ética da psicaTJálise (1959-60). Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Editor, 1986
_ _ __ Televisão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1993.
SPINOZA, B. ''A ética". Em: Os Pmsadores: SpiflotrJ. VoL II. São Paulo, Nova
Cultural, 1989.
206
SOBRE A IDENTIFICAÇÃO COM O OBJET0 1
sl ~ sl
- , - 11 %
207
A Dor de Existir
208
Romildo M Rêgo Barro1
209
A Dor de Exütir
210
Romildo do Régo Barros
Luto e Melancolia
--7
a li
211
A Dor de ExiJtir
212
Romildo do Rê.go Barros
213
A Dor de Existir
NOTAS
1. Este texto é uma patte da conferência que fiz nos Sábados da Escola da
Seção-SP da EBP em 13 de abril de 1996, e no então Pólo-PE em 15 de junho
de 1996.
2. Recíproca: "Diz-se de toda ação ou de toda relação que, sendo dados os
dois termos A e B, se exerce ou subsiste ao mesmo tempo no sentido de A a
B e no de B a A. 'O continente e o conteúdo são às vezes iguais, como acon-
tece nas proposições recíprocas"' Leibniz, Novos Ensaios W. Cap. XVII, pará-
grafo 8 (cf. Lalande, 1996, vol. II, p. 392).
3. "A impotência da fantasia em se constituir(...) torna o sujeito uma presa de
um gozo sem nome, do qual a culpa que o acompanha nas suas queixas, por
exemplo, não é mais do que o efeito da mortificação pelo puro significante"
(Cottet, 1985, p. 83).
4. Existe uma passagem de Lacan em La chose freudimne que bem poderia
servir de comentário para essa história contada por Kierkegaard:"(...) a uva
214
Ro111ildo do R~o Barros
Referências bibliográficas
215
A Dor de ExiJiir
216
OS QUADROS NOSOLÓGICOS:
DEPRESSÃO, MELANCOLIA E
NEUROSE OBSESSIVA.
Sonia Alberti
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise
Dos primórdios
Depressão e sintoma
218
r Sonia Alberli
219
A Dor de Existir
Complexo de Édipo
220
S onia Alberti
A clínica
221
A Dor de ExiJtir
222
S onia Alberti
223
A Dor de Exiiiir
berto um Outro que só lhe quer mal e frente ao qual o sujeito acaba
por ser o pior. Eis também a referência ao mau trato que sofre o eu
do melancólico pelo supereu, apontado por Freud inúmeras vezes.
A depressão algumas vezes verificada no final de uma análi-
se, não é portanto efeito do encontro com a castração mas reação
do sujeito à inexorável perda da libido vinculada à fantasia que o
sustentava até então. No lugar de uma reação terapêutica negativa-
que poderíamos traduzir como uma perda da libido investida no
próprio tratamento - , quando ao contrário se acirra aquela vinculação,
o final da análise leva o sujeito à travessia da fantasia.
Para além do luto, a depressão talvez possa trazer luz ao
tema da escolha da doença. Pois a melancolia implica essa covardia
que tão bem Lacan soube explorar a partir de Spinoza. Covardia
moral ali onde o sujeito, em princípio, se depara pela primeira vez
com seu ato.
Freud estabeleceu esse momento. Ele o descreve já no
Projeto, quando diz que é na experiência de satisfação que o sujeito
adquire os motivos morais. O Outro primordial tem sua atenção
despertada pela necessidad~ do sujeito, permitindo a este a ex-
periência de satisfação. Mas para que isso ocorra, de alguma for-
ma é preciso que o sujeito promova nesse Outro primordial o
despertar da atenção.
Se algo levasse ao querer, não haveria essa covardia de pro-
mover no Outro a atenção. Quem quer não impõe limites a este
querer e diante desse querer não se acovarda de forma que o m e-
lancólico está entre o não querer e o não poder, não querer já e
o não poder ainda, assim como o neurótico fica entre o não
penso e o não sou.
Covardia que, é claro, não se reduz à psicose, mas que nela
encontra toda sua explicação, provocando no sujeito essa dor de
existir quando não se é apossado pelo entusiasmo por uma ação.
224
S onia Alberti
225
A Dor de Existir
Referências bibliográficas
226
Sonia Alberti
227
UMA DOR DE MEDÉIA
230
Maria Anila Carneiro Ribeiro
231
A Dor de Existir
é ser uma mulher, arranjar por sua conta e risco uma maneira espe-
cífica de tornar-se mulher. É o que Lacan resume no Seminário: mais,
ainda, através das fórmulas quânticas da sexuação:
s ($)
\t
<I>
(1982[1972-73), p. 105)
232
Maria Anita Carneiro Ribeiro
[..] aqueles que tem este estmpício, que um dia qualifiquei como
penduricalho, bom, terá que se acomodar com isso, ou sda, que ele se case
com esse falo. É onde o homem nada pode. A m111her, que não ex-siste,
pode sonhar em ter 11m mas o homem é afligido por isso, ele só tem essa
m11lher (1974-75).
233
A Dor de Existir
defmiu como tal, e já que Freud se refere não a uma, mas a várias
mulheres obsessivas, só nos resta estudar esta forma específica de
"bancar o homem". Talvez seja mais fácil para nós, analistas
lacanianos, aceitarmos sem discussão a histeria masculina pelo fato
de Lacan ter dedicado dois capítulos do Seminário: as psicoses ao as-
sunto, mas não devemos nos esquecer que, em pelo menos dois
outros seminários, Lacan trabalha casos de mulheres obsessivas, sendo
que em um destes o diagnóstico é feito por ele próprio (1985[1954-55]).
É justamente neste caso, o de uma paciente de Fairbairn,
diagnosticada pelo autor como psicótica maníaco-depressiva e por
Lacan como obsessiva, que este vai nos indicar a maneira particular
da mulher obsessiva "bancar o homem": "É na medida em que ela
se identifica com o homem imaginário, que o pênis adquire valor
simbólico, e que vai haver problema" (Idem, p. 341).
Na histeria, o "bancar o homem" também vai estar suporta-
do na identificação, porém não da mesma forma. No caso Dora,
temos em primeiro lugar a identificação ao pai pela via do sintoma-
do traço simbólico - denotado na afonia, através da qual ela "banca
o pai", sustentando seu desejo. No caso, o objeto de desejo em ques-
tão é a Outra mulher, a Sra. K., na qual Dora interroga o enigma de
sua própria feminilidade. É o que fica claro quando a jovem se iden-
tifica ao Sr. K ., tolerando sua corte para melhor "bancar o homem"
na interrogação constante do que é uma mulher.
Na neurose obsessiva a questão relativa ao feminino fica
ocultada por trás da questão relativa à morte, para homens e para
mulheres. Na verdade é a mesma questão, vertida em dialeto, uma
vez que também não existe no inconsciente o significante que re-
presente a morte, o que poderia ser resumido dizendo-se que um
dos nomes d'A mulher é a morte. O homem obsessivo questiona a
morte inscrevendo-se do lado todo-fálico, todo significante, por cair
no engodo de que tem o falo.
234
Maria Anila Cameiro Ribeiro
235
A Dor de Existir
236
Maria Anila Carneiro Ribeiro
s (i)
s ~
~~
<I>
237
A Dor de Existir
v
recalque
NEUROSE OBSESSNA:
..,.. gozo . . _ d , jon11ação de .d,. b .
1rauma~ . ~ auto-remmmaçao ~~ u.ocammto~ ~ 1 e1a o sesnva
exresnvo compromisso
v
recalque
PARANÓIA:
238
Maria Anila Carneiro Ribeiro
MELANCOLIA:
239
A Dor de Existir
Referências Bibliográficas
240
Maria Anila Cameiro Ribeiro
241
A MULHER DA DÍVIDA
244
Silvana Maria EIItvu Freire
"E diante disso tudo não sei se vale mais a pena estar viva
ou estar morta" é o que diz uma senhora de meia-idade de aparên-
cia muito jovem, neurótica obsessiva, após uma longa digressão na
tentativa de formular uma queixa.
Muito inteligente e dotada de excelente fluência verbal, arti-
cula sua fala em metáforas onde tudo está subentendido. Detentora
de um saber irrefutável, tem plena "consciência de si" e de suas
mazelas que expõe num discurso narcísico repleto de chavões tais
como: "mania de onipotência", "processo de autodestruição", "ten-
dência ao masoquismo" etc. Recusa-se a contar a sua história, uma
245
A Dor de Exiitir
vez que "não gosta de falar de si, pois só tem perdas". Falar de seu
sofrimento lhe é impossível pois "simplesmente dói".
Já passou por duas análises que, segundo ela, "acabou enro-
lando e saindo fora", mas que lhe foram úteis, num dado momento,
como "reforço de ego". Hoje não acredita que análise possa lhe
ajudar porque "as palavras só servem para encobrir, para disfarçar".
Na tentativa de falar de si, fala de um "eu que teve" em
contraponto a um "eu que tem", e conclui: "Não aceito o eu que
tenho e não consigo resgatar o eu que tive. Me sinto esquizofrênica".
Quando indagada sobre o "sentir-se esquizofrênica", responde sem
titubear: "Dividida".
De tudo sabe. E o que fazer com isso tudo que sabe? Eis a
questão que ela não ousa se perguntar. Esta jovem senhora de meia-
idade se diz "absolutamente independente". Lançou-se no mercado
de trabalho ainda muito jovem e foi "muito bem sucedida". Hoje
está aposentada mas continua trabalhando no segmento de artes
plásticas. É solteira, mas em sua trajetória de vida, segundo ela, "sem-
pre teve todos os homens que quis".
Como causa de suas dificuldades atuais, destaca um episó-
dio de sua vida: a vinda de seus pais para morarem na mesma cidade
que ela, em virtude de seu único e mais novo irmão estar acometido
de doença grave já em estado avançado. Esta mudança altera toda a
sua rotina. Como o convívio com seus pais é desde sempre da or-
dem do insuportável, opta por dividir-se entre duas residências, a
sua e a deles, mesmo que isso implique em um ônus ftnanceiro, pois
seu pai "sempre trabalhou como autónomo e, por nunca ter-se pre-
ocupado com aposentadoria, hoje não tem nenhum rendimento". E
como "a eles nada pode faltar", banca o pai. Para sustentar essa
situação constrói sua vida num mar de dívidas que vão desde as
fmanceiras até as de gratidão. Como escrava, trabalha de sol a sol,
garantindo ao outro o lugar de Mestre sempre reverenciado, para
poder, assim, se manter fixada num mais de gozar.
246
Silva11a Maria EJieves Freire
247
A Dor de Existir
248
Silva11a Maria Esteves Freire
Referências bibliográficas
FREUD, S. "Luto e Melancolia" (1917). Em: Obras Completas. VoL XIV Rio
de Janeiro, Imago, 1990.
_ _ _ _ "Rascunho G" (1895). Em: Obras Completas. VoL I. Op. cit.
----"Rascunho N" (1897). Idem.
LACAN, J. "E! Psicoanalisis y su Ensei'ianza". Em: Escritos. Madrid, Siglo
XXI, 1984.
_ _ _ _ "Televisão". Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1993.
249
MEMÓRIAS (NÃO PÓSTUMAS):
0 DIALETO MANÍACO
Thais Ribeiro
252
Thais Ribeiro
253
..
A Dor de Existir
254
Thair Ribriro
255
A Dor de Existir
256
Thais Ribeiro
257
A Dor de Existir
258
Thais Ribeiro
Referências bibliográficas
259
TOXICOMANIAS ANTIDEPRESSIVAS
Lenita Rentes
Membro aderente da Escola Brasileira de Psicanálise
262
Lenila Bmtes
263
A Dor de Existir
264
Lenila BmltJ
265
A Dor de Existir
266
Lmila Bmtu
O que seu texto nos faz to listen é que com o Prozac se pode
competir mais e melhor numa era de recessão económica. O Prozac
é a mais comentada droga legalizada desde o Valimn. O Prozac difere
do Valium- uma droga relaxante - porque aumenta a disposição.
Enquanto isso, vários pesquisadores subscrevem o parecer
de que a depressão, a ansiedade, a incapacidade de lidar com a pró-
pria vida são manifestações saudáveis, e a medicalização em larga
escala dá enquadramento à insanidade. Um número expressivo de
psiquiatras brasileiros olham de forma cautelosa o entusiasmo em
torno das novas drogas e alertam para os efeitos colaterais de
antidepressivos como a imipramina, cujos efeitos a longo prazo ge-
ram conseqüências na área cardíaca.
Quando foi divulgado que o Prozac reduzia o peso- notícia
desmentida - as ações do laboratório que o fabricava subiram oito
pontos. Uma jornalista norte-americana diz tê-lo experimentado mas
prefere voltar ao vinho para curar seu baixo astral.
Para concluir, inúmeros são os benefícios que o saber da
ciência tem apartado à humanidade. São avanços da inteligência
humana. Entretanto, seduzido o homem vai ao delirio de criação
reduplicando criaturas. Os filhos do amor ou da discórdia, wanted or
umvanted, cedem a vez ao puro engenho.
267 .''
A Dor de Existir
Referências bibliográficas
FREUD, S. "O mal estar na civilização" (1930). Em: Obras Completas .Vol.
XXI. Rio de Janeiro, Imago, 1969.
GODOY, C. "A Euforia da Cocaína". Em: Pharmakon, n. 4/5. 1996, p. 87-93.
JONES, E . Vida e Obra de Sigmund Freud Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.
JORNAL DO BRASIL. Cademo Ciência e Ecologia. Rio de Janeiro, 20 de feve-
reiro de 1994.
LACAN, J. Le Sémi11aire, livre XVII: L'mvers de la P!Jchana!Jse. Paris, Seuil, 1991.
_ ___. "La ciência y la verdad" (1965). Em: Erm'tos. México, Siglo XXI, 1984.
_ ___. "Introdución teór:ica a las funciones dei psicoanalisis en criminologia
(1950). Em: Escritos. Op. cit.
LECOEUR, B. O Homem Embriagado. Belo Horizonte, Centro Mineiro de To-
xicomania, 1992.
LÉGUIL, F. ''As Depressões". Em: Correio, n. 14. 1996, p. 4-12.
268
A INTERPRETAÇÃO DA DROGA
Ernesto Sinatra
Membro da Escuela de la Orientación Lacaniana
A mensagem da cápsula
Escutar o Prozac é, como o mesmo medicamento a q11e se refere, um
acontecimmto ct!}a ressonância social repermfe para afim dos limites do
público especializado. Quatro milhões e meio de norte-americanos tonJa-
ram esse antidepressivo desde quefoi comercializado, e muitos deles adqt~i
riram maior cotifiança em si mesmos e dizem terem se tornado mental-
mente mais ágeis, maisflexíveis e resistmtes do ponto de vista emocional.
O q11e significa q11e 11ma cáps11/a tomada no café da manhã faça 11ma
pessoa timida tomar-se sociável? Pode 11m medicamento nos dizer o q11e é
caráter e o q11e é cirmnstância biokfgica? Estamos entrando na era da
farmacolcgia cosmética, na q11alpoderianJOS tomar 11m remédio para me-
lhorar nossa personalidade?" (Kramer, 1994, Introdução).
270
Ernesto Sinatra
271
A Dor de Exittir
272
Emesto Sinalra
"Ma.r e.rCIItar o Prozac me tornou tão atento à.r origens ftlogenéticas, ao.r
.ruporte.r biológicos da atuiedade e da melancolia carentes de cawa.r concre-
tas, que me foi diftcil interpretá-los como comtmicaçõe.r e.rpeciai.r que tor-
nam o.r humanos di.rtinto.r da.r bestas'~
273
A Dor de Existir
274
Emulo Sinafra
275
A Dor de Existir
Referência bibliográfica
276
A DOR NA PRÓPRIA CARNE
PSICANÁLISE E DOENÇA TERMINAL, UM CASO.
Andréa Vilanova
278
Andria Vilanova
279
A Dor de Existir
280
A11dréa Vila11ova
281
A Dor de Exiltir
282
Andréa Vilanova
283
A Dor de Existir
Referências Bibliográficas
284
AS LÁGRIMAS DE MARIA
286
Maria Vitoria Billmtollrl
287
A Dor de Existir
288
Maria Vitoria Bittençourt
289
A Dor de Existir
forte como pensava ... Seu eterno cansaço encontra sua razão de ser,
e ela decide parar essa inclinação ao sacrifício.
Nesta virada o trabalho analitico em torno dos ideais leva o
sujeito a questionar um outro ponto que pode ser articulado à expe-
riência de perda. Um dia, um comerciante lhe diz que sua filha é
muito bonita: "É o diabo". O horror desta revelação da sexualidade
de sua filha adolescente toca num ponto insuportável. Ela recrimina
o fato de sua filha querer se exibir, de vestir roupas justas, de ser
vaidosa como sua própria mãe. E, neste momento, as lágrimas vol-
tam à cena. Ela confessa: "É sua infelicidade". Para Maria essa filha
encarna "o pecado", mesmo termo utilizado para "o pecado" do pai.
O pecado de sua filha representa a sensualidade feminina da qual ela
fazia tudo para se afastar. Com efeito, 12 anos depois de ter seu primei-
ro filho, Maria fica grávida "por acaso". Uma gravidez difícil com com-
plicações de placenta, em que a hipótese de gêmeos foi evocada. Ela
teve medo de perder o bebê por não ter desejado realmente. Finalmen-
te, a filha nasce sem problemas, tudo vai bem ... até a adolescência.
Assim, essa filha que se tornava uma mulher remeteu Maria
à questão da feminilidade e de sua relação com sua mãe. Segundo
ela, esse é o "nó da questão"; sua depressão deve ser localizada nes-
te ponto, pois "ela fica louca por causa de sua ftlha(...) ela pode se
perder(...) ela roubou o que Maria amava mais: seu pai e seu mari-
do". Daí surge um outro ponto da saga da família. Quando Maria
tinha 15 anos, sua mãe descobre que seu pai tinha uma amante e
tenta se suicidar, tomando uma dose elevada de remédios. Uma
hospitalização se faz necessária, e um grande momento depressivo é
diagnosticado. Essa descoberta da mãe é um novo choque para Maria
pois ela se considera traída por seu pai pela segunda vez.
Nesse segundo tempo, a frase "uma filha que não gosta de
sua mãe" coloca em jogo a rivalidade e sobretudo o ódio na relação
mãe-filha. Por trás do personagem materno, que é apresentado como
uma vítima, se coloca a questão da mulher. A depreciação do Outro
290
Maria Vitoria Bittencourt
291
A Dor de Exülir
292
Maria Vitoria BittetJ(OIIrl
"Temos que concluir que uma dose maior de coragem moral teria
sido vantajosa para a pessoa em questão" - (em vez da histeria)
(1974[1893-95], p. 171).
Referências bibliográficas
293
O FEMININO E A DOR DE EXISTIR
Uma mulher na vida de 11m homem é algo ql/e ele m, ele crê que há l/ma,
às ve~s dilas 011 ms ... }porém lima m111her sintoma por vez É 1/m crer
absol11to, vizinho dafé. Acreditar, crer em seres q11e podem dizer alg11ma
296
Maria Luila Dure/
coisa. Q11em nos promra e nos apresenta 11m sintoma acredita. Se pede
nossa '!}tufo, éporq11e acredita q11e o sintoma sqa capaz de dizer alg11ma
coisa, q~~e basta apenas decifrar. É ig11almente do qtte se trata com ttma
m11lher; a nmlher-sintoma para o homem é a m11lher capaz de decifrá-lo.
Acredita no qJte ela di~ acredita qHe elo diga efetivammte algo. É o q1te
se chama amor. É o amor maior qHe estáfim dado nisso. Acreditar "nela"
é algo em qHe o homemfica totalmmle cego, qHe serve de rolha, de tanpa,
para tornar possível o crer absol11to" (1974-7 5).
297
A Dor de ExiJiir
"Os créditos que você realizou não são os mesmos, mas vou validar
seu diploma". Ela prossegue: ''Percebo que não sou nada. Deve existir
uma outra saída. Um dia, o Ministério da Educação ou o Conselho
vão descobrir que cometi um crime. Não me dava conta que tudo isto
tinha pés de barro. Se perder meu emprego, como irei pagar meu apar-
tamento? Onde vou morar? Sou uma sem-teto".
Na mulher, vamos encontrar a dimensão da máscara. Más-
cara que na verdade oculta o vazio angustiante da falta de um
significante que a represente. M. ao falar de si mesma faz uso de
significantes como: alta demais, desajeitada, magra, colocando-se
desta forma numa posição degradada e inferior. Quando percebe
que o médico não tem um diploma- é preciso dizer que esta noticia
também coincide com uma crise no casamento - algo claudica. O
homem, como ela, não tem. E isto provoca neste momento de sua
análise um sentimento insuportável. Por não ter, assim como o mé-
dico, é criminosa. Sem-teto, feia, sem-diploma (sublinho este
significante sem) poderá ser presa.
Incorreu no crime de "falsidade ideológica". Por isso,
diz que "não poderá ter filhos". Inicia uma crise depressiva, tudo
o que possui é "falso". Referindo-se ao marido observa: ''Acho
que nos escolhemos porque somos pobres e feios". Talvez toda
esta falsidade a que ela se refira seja sua forma de dizer "não há
relação sexual".
Em um momento preciso de sua análise M. dirá: "Mas o
que será que os homens têm de tão valioso?" Silêncio. Prossegue:
"Não pode ser só o sexo, a relação sexual, não é só isso ..."
Procura repetidas vezes uma resposta para a pergunta: "Sou
masoquista? Por que todos são melhores do que eu? Sempre há a
mulher mais bonita, atraente e inteligente". Ela coloca fotos de ami-
gas que considera "melhores" em porta-retratos espalhados em sua
casa, denunciando assim, sem dúvida, sua fantasia histérica.
298
Maria Lrtisa Dure/
Referências bibliográficas
299
AS CRIANÇAS E SUA DOR DE EXISTIR
302
Atia &th Nqjles
ferência permitiu situar uma anorexia infantil sofrida por ela aos
dois anos de idade. Tal repetição sob transferência culminou na irrupção
de uma recordação que indicava um saber recalcado2: ela se via choran-
do com a idade de dois anos enquanto sua mãe era revistada pelos
guardas de um supermercado ao ser surpreendida roubando.
Este episódio anoréxico encontrava apoio em suas identifi-
cações (ser ladra como todas as mulheres de sua fanúlia materna;
não parecer-se com sua mãe que é gorda; ser "modelo", ser como
sua amiga anoréxica que causa desespero à mãe, ser "ossuda" como
sua avó paterna), constituindo-se por isso como sintoma.
Observa-se então o gozo da castração manifestando-se sob
a forma de um "estado depressivo", gozo que irrompe no corpo no
momento de vacilação da sua posição histérica ante a aparição do
Outro gozo - feminino - que se tenta recalcar.
Colette Soler afirma que "na lalangue mais comum o estado
depressivo se diz essencialmente em metáforas corporais. Declina-
se em imagens de corpo detido, imobilizado, que "não dá mais",
que "não consegue mais", que "entrega os pontos" etc. E acrescen-
ta, fazendo referência às observações de Lacan em seu Seminário: a
angústia, que "se diz me encosto para dizer renuncio de tanto que a dor é
evocada com uma imagem de petrificação e de movimento impedido".
É assim que formula que "os ditos da depressão designam sempre uma
interseção onde se conjugam a tristeza e a inibição" (1997, p. 92).
Recordemos que Lacan afirmava que:
303
A Dor de Existir
304
A11a Rnth Najlu
305
A Dor de Existir
306
Ana F.Pth Najlu
NOTAS
Referências bibliográficas
307
A Dor de Exiitir
308
MORRER DE BANZ0 1
O banzo
Banzo e revolta
310
Maria Sue/i Peres
311
A Dor de Existir
Ela se via diminuída como pessoa e consagrava sua vida aos outros
e à revolução. Forma de duplicar a castração, de falicizar seu corpo
através de seu ideal, fazendo-o afrontar sem cessar a morte, no real
de um país estraçalhado pelo totalitarismo. Negando sua falta-a-ser,
dava consistência ao Outro. Ela localizava a falta do lado do Outro
e encontrava-se no corpo social assassinado pelos assaltos autoritá-
rios e tirânicos do Outro.
Durante aquele tempo, ela conheceu o amor e teve homens
na sua vida, mas foi ao corpo social que ela endereçou sua demanda
de amor. Era no corpo social assassinado pela tirania que ela procu-
rava encontrar o significante de seu desejo.
312
Maria Sueli Peru
Ela entra em análise e aceita que sua fala caia sob o golpe da
interpretação. Na formulação de sua demanda, ela aceita pôr em
causa o saber recalcado, mas com uma condição bem precisa que ela
indica ao analista em sua forma de proceder: ela sabe o que ela quer,
mas ela não quer nada saber do que ela deseja. Podemos dizer que
sua entrada em análise é uma entrada decidida. Mas esta decisão
resta subordinada a um impasse.
Como Lacan o diz a propósito de Dora, Louise encontra na
sua situação uma espécie de metáfora perpétua: sem poder nada
dizer disso que ela é. Prisioneira da impossibilidade de poder situar-
se em relação ao amor, ela vai encontrar um lugar na hlstorização de
seu destino, mas este lugar só pode dialetizar-se via tratamento de
sua questão, sob o olhar silencioso do analista. O sentido de sua
história não pode ressoar à distân~ia. Dito de outro modo, esse sen-
tido não é metonímico.
Descrente, incapaz de se sustentar da crença na significação
paterna, submetida a todas as significações, ela entrara em análise
como se entra em peregrinação. Ela queria resolver a invasão de
desejo do Outro materno através de um encontro impossível. Em
sua errância metafórica, Louise cultivava a esperança de um encon-
tro sobre o rastro histórico de uma viagem já feita: aquela de seus
avós vindos para o Brasil, da Espanha católica conservadora, do
lado materno, e da Espanha dos judeus convertidos, do lado paterno.
313
A Dor de Exütir
314
Maria Sue/i Peru
315
A Dor de ExiJtir
316
Maria Sueli Peres
Para concluir
É no momento da solução ed.ipiana que, confrontada ao
real da castração, ela vai desinvestir o objeto, e a esse desinvestimento
virão juntar-se os efeitos do supereu e da culpabilidade. Louise per-
manecerá então fixada em seu banzo, trairá a si mesma, empobrecerá
seu eu, e é nessa posição subjetiva que ela entrará na vida, entre
banzo e revolta.
O tempo lógico da análise de Louise vai ser determinado
pelo trabalho de verificação de seu banzo como afeto que, pela aná-
lise, é tornado o sintoma do sujeito.
NOTAS
1. Este artigo foi escrito a partir de uma exposição feita nas ]oumées d'autotJme
1996 - IA dépression et les structures cliniques da École de la Cause Frmdienne e
publicado em Letterina n. 15: Les fins de mre. Paris, janeiro de 1997.
2. No original: Devant elle se trouve une valise... e /es oijets destinés à la valise. N. do T.
O significante valise encontra em português o sinônimo valise que permite
sustentar o equívoco entre as duas línguas, o qual se perderia se traduzísse-
mos por mala.
3. No original: C'est cette tragédie qui a propu/sé ses grands-parents maternels, dans une
mal/e, vers l'exiL N. do T. Era costume que os imigrantes viessem para o Brasil
nos porões de transatlânticos no mesmo lugar destinado ao correio postal, mal/e-
pOste. Ainda, conforme o dicionário Le Robert, mal/e: "serviço marítimo; bagagem
de grandes dimensões"; mal/e-cabine: "cabine para as viagens de navio".
317
A POSIÇÃO DEPRESSIVA NO
FINAL DE ANÁLISE
320
A11a Una Ribeiro
321
A Dor dt ExiJiir
322
Ana Lúcia Ribeiro
323
A Dor de Existir
324
Ana Lúcia Ribeiro
Referências bibliográficas
325
Conexões
parte quatro
A DOR DE EXISTIR EM
FLORBELA ESPANCA
330
Elizabeth da Rocha Miranda
331
A Dor de Existir
332
Elizabeth da RtJçha Mira11da
333
A Dor de ExiJtir
Ela é pálida, triste, parece morta. "O frio que trago dentro gela e
corta /Tudo o que é sonho e graça na mulher!" (Idem, p. 156). Sua
dor responde à vida: "Que linda a cova!" (Idem, p. 139).
Referências bibliográficas
334
DOR DE EXISTIR, TRISTEZA E GOZO
Seu pai estava vivo outra vez e falava-lhe como de hábito, mas
(coisa estranha) estava realmente morto, só que não o sabia. Este
sonho se torna inteligível se após 'ele estava realmente morto' inserimos 'de
acordo com o desf!JO do sonhador~ e logo depois de 'só q11e não sabia~ que
o sonhador tinha este desqo. O filho durante o tempo em que cuidava de
seupai tinhaJreqiientemente desqado sua tJJorte;para ser exalo, ele tinha
tido um pensamento caridoso: 'a morte deveria colocar um fim a seus
sofrimentos' (1967, p. 366).
336
Marcm A11dré Vieira
Dador
337
A Dor de Existir
Da existência
338
Marcus André Vieira
339
A Dor de Existir
Da tristeza
340
Mam11 A11dri Vieira
Da análise
341
A Dor de ExiJiir
Referências bibliográficas
342
r
VINTE QUATRO HORAS NA VIDA
DE UMA MULHER
Eliane Schermann
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise
344
Eliallt S chm11am1
345
A Dor de Exútir
xar levar por forças misteriosas mais fortes que a própria vontade,
expondo num ato súbito o demoníaco de nossa natureza. Acrescen-
tamos com Miller que "as mulheres são mais amigas do real", e com
Freud, que a mulher se surpreende com seus próprios atos, excessos
e transgressões.
A altercação teria acabado mal se uma outra hóspede, a Sra
C., distinta e idosa dama inglesa, não tivesse com palavras brandas
acalmado as ondas furiosas da conversa. Indaga ela ao autor: ''Acha
que há atos que uma mulher pode julgar impraticáveis numa hora e
dos quais não possa ser julgada responsável numa outra? Se o crime
passional não é crime, para que conservar os tribunais? Pode-sedes-
cobrir em cada crime uma paixão e graças a essa paixão uma descul-
pa?". Respondendo que a missão do tribunal seria a de proteger os
costumes e as convenções sociais, além de se obrigar a condenar em
lugar de desculpar, o narrador se nega a desprezar aquela infeliz
mulher. A partir desse momento, a Sra. C. começa a buscar com
amabilidades o autor dessas palavras até convocá-lo a escutar sua
própria história.
Após a morte do marido, fugindo ao vazio torturante e ao
desejo de morrer que a perseguia, esta mulher se atira ao turbilhão
da vida e à agitação apaixonada. Passa a freqüentar as salas de jogo,
antigo hábito, "sem ser leviano", do ex-marido. Buscava na trilha
dos significantes deixados pelo marido algo que não sabia, mas que
a agarrava pelo luto à rede da inércia de um desejo desfalecente.
Nesse flanar pelas salas de jogo a Sra. C. se deixava cativar
pela indolência, nunca olhando os rostos mas os gestos das mãos
dos jogadores que, segundo seu ex-marido, pela maneira de espera-
rem quietas ou de agarrarem as cartas revelavam o âmago do ser do
jogador. Enquanto os freqüentadores das mesas de jogo de azar
logo aprendem a dominar a expressão fisionômica, ostentando a
máscara fria da impassibilidade, a mão vela e desvela sem pudor o
mais secreto.
346
Elia11e SchemJamJ
Para essa dama, cada nova mão que surgia à mesa de jogo
despertaria uma nova curiosidade que a acordasse das sombras do
desejo. Vagava pelas salas parecendo sem lugar ou paradeiro, não
podendo servir-se dos semblantes. Sua curiosidade parecia buscar
algo que ao mesmo tempo estava e não estava ali.
Numa noite, tendo entrado no Cassino, a Sra. C. ouve com
surpresa, num momento de pausa muda, plena de tensão e "durante
o qual o silêncio parecia vibrar, quando a bola estava prestes a imo-
bilizar-se, quando não oscilava mais senão entre dois números", um
ruído singular, um rangido ou estalo. Essa então jovem senhora é
arrebatada pela visão de "mãos agalmáticas, nunca antes vistas: a
direita agarrada à esquerda, como dois animais que se mordem, que
se apertam e lutam furiosamente, de um modo convulso", mas "duas
mãos de uma beleza extraordinária que a fascinavam por explodi-
rem paixão nas extremidades dos dedos" e que a impediam de afas-
tar sequer por um segundo o olhar. O essencial no enamoramento,
onde o olho se acomoda em relação àquilo que a imagem envolve,
sempre esteve ali, cuja essência é o vazio, e cuja beleza o recobre
como último véu antes do indizível. Essas mãos pertenciam a um
jovem que, perdendo tudo no jogo, abandona a sala em total deses-
pero. Arrastada por "aquela coisa superior ao lucro ou perda unica-
mente de jogo", segue pela rua aquele jovem assolado pelo vício. Ela é
tomada pelo anseio de arrancá-lo daquela indiferente insensatez, seme-
lhante ao suicídio, que o deixava prostrado num banco de praça, sob a
chuva. O luto que ela não havia elaborado desde a morte do marido
retorna no real: o par de mãos a atrai à repetição, conduzindo-a ao
encontro com o incognoscível não especularizável que era sua falta.
As mulheres são:
não-loucas de todo, antes conciliadoras: a tal ponto que não há limites às
concessões que cada uma.fazpara um homem: de seu corpo, de sua alma,
de sms bms. (. ..) Pois do amor 11ào é o sentido que conta masjwtamente
o signo (...) q11e s9a dessa insensatez por trah1reza que o realfaça s11a
mtrada no m111rdo" (Lacan, 1993, p. 70-71).
347
A Dor de Existir
348
Eliane S çhen!lall/1
349
A Dor de Exi!fir
350
Eliane S(htm1a1111
351
A Dor de Existir
Pressentimento da morte
Não lttrva, é alívio prrifundo
O gozo mais puro eforte
Da contemplação do Mundo
Referências bibliográficas
FREUD, S. "Duelo y Melancolia" (191 5). Em: Obras Completas. Vol. XIV
Buenos Aires, Amorrortu, 1996.
"Dostoievski y e! Parricidio" (1928). E m: Obras Completas. Vol.
XXI. Op. cit.
LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor, 1988
O m11inário, livro 10: a angústia. Inédito.
O seminário, livro 20: mais ainda. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1982.
Televisão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1993.
MILLER, J-A. De mi!Jeresy semblantes. Buenos Aires, Cuadernos dei Passador,
1994.
ZWEI G, S. A corrente. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1960.
352
PROVA DE NÃO EXISTÊNCIA
Vera Pollo
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise
Maurílio Rossi
Roberta Giovana de A. Martielo
"Este livro é essa resposta (...) E tudo o gue peço é gue isso
me seja concedido; gue me concedam agora o gue então poderia ter
sido uma obrigação". Com tais palavras Louis Althusser, filósofo
francês de renome mundial, introduz seu livro O futuro dura muito
tempo. Após assumir publicamente a responsabilidade pela morte por
estrangulamento de sua mulher Hélene, com guem viveu por trinta
anos, Althusser foi isentado de responder judicialmente pelo crime
homicida. Seu ato foi sancionado pela impronúncia, mas ele encon-
trou uma forma de romper esse silêncio gue lhe paracia "a pedra
sepulcral". Escrever o livro foi, em suas palavras, "expor ainda mais
abertamente à apreciação pública" aguilo gue tinha a dizer. Não por
acaso Althusser subscreve as confissões de Rousseau: "Direi com
todas as letras: eis o gue fiz, o gue pensei, o gue fui". E acrescenta:
"O gue compreendi ou acreditei compreender, isso gue não domi-
no mais totalmente, mas isso gue me tornei" (1992, p. 34).
O gue vem a ser essa resposta de Althusser se, como nos
diz, seu livro "não é um diário, nem memórias, nem autobiografia"?
Como entender seu testemunho para o gual ele identifica dois obje-
tivos: expor-se aos outros e obter algum domínio sobre o gue lhe
A Dor de Existir
escapa? Lado a lado com uma escrita que nos parece intencional-
mente votada à produção de sentido psicanalítico, chama a atenção
um certo caráter despudorado, o indício de uma "satisfação no
desmascaramento de si mesmo perante o outro", observado por.
Freud (1969 [1915(1917)], p. 253) nas auto-acusações melancóli-
cas, sugerindo-nos a possibilidade de situarmos o texto desse
livro no nível de uma elaboração do "Outro do tribunal" (Quinet,
1997, p. 147).
Entre os pareceres psiquiátricos que integraram o processo
de Althusser figurava a hipótese de 'suicídio por pessoa interposta"
ou "suicídio altruísta", que este corroborara anteriormente nos se-
guintes termos:
'~ .. estrangulei minha mulher, que era tudo para mim, durante uma crise
intensa e imprevisível de confusão menta~ em novembro de 1980, ela que
me amava a ponto de querer apenas morrer, na falta de poder viver, e
talvez eu lhe tenha, em minha confusão e em minha inconsciência, "pres-
tado esse serviço'~ do qual ela não se difendm, mas do qual morreu"
(1992, p 10-11).
II
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Vera Pollo, Ma11rílio Roui, Roberla Martielo
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Vera Pollo, Maurilio Roui, Roberta Martielo
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A Dor dt Existir
"Eu era, pois, comportado demais e p11ro, p11ro demais, como desqava
minha mãe. Posso dizer, sem risco de erro: sim eu realizei - e q11anto
tempo! Até os vinte e nove anos!! - o desqo de minha mãe, a pureza
absoluta. (. ..) Mas eu tinha sempre a inljJressão de não existir realmente,
mas de existir somente pelos artificias e nos artificias, j11Stamente nos
artificias da sedução que são vistos como imposturas e, portanto, de não ter
realmente conqtlistado minha mãe, mas de tê-la amfcial e, artificiosamen-
te, sedu!{jdo" (Idem, p. 58).
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III
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Vera Pollo, Maurilio Roui, Roberto Martielo
O sujeito nos diz que sua última internação não teve o mes-
mo efeito das anteriores, que funcionavam como "proteção para
suas crises depressivas" ou "fórmula para acalmá-las". E nos lega
como "prova de não existência" sua própria interpretação de um
"suicídio altruísta": ''A melhor prova que alguém pode se dar de não
existir é, de fato, destruir a si mesmo, destruindo aquela que o ama
e, acima de tudo, acredita na sua existência" (Idem, p. 137).
Testemunho de uma descrença derradeira ou da compulsão
inexorável, imperativa e imperiosa de um narcisismo não
humanizado? Seja como for, testemunho da radical eclipse do sujei-
to pelo objeto hostil, pois como pôde enunciar Lacan: "O suicídio
não é simples. Sem sonhar com o além, resta que o ser defunto
permanece idêntico a tudo o que articulava pelo discurso da sua
vida" (1989, p. 37).
Referências Bibliográficas
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GALA SALVADOR DALI-
0 AMOR RECOBRE A DOR DE EXISTIR
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Ana Martha Wilron Maia
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A Dor de Existir
368
Ana Marlha Wilson Maia
369
A Dor de Existir
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Ana Marlha Wilson Maia
minha mãe, minha mãe (1929). Se a Coisa pode ser representada, essa é
a sua própria representação. E Gala é o que vem preencher esse
vazio, Gala é A Mulher que existe, que Dali criou através de sua arte.
Em A acomodação do des9o (1929), o desejo materno é figurado atra-
vés de assustadoras cabeças de leão, os sintomas de que Dali se diz
curado pelo amor de Gala: "Ela seria a minha Gradiva (<aquela que
avança>), a minha vitória, a minha mulher. Mas para isso era preciso
que ela me curasse. E ela curou-me, graças ao poder indomável e
insondável do seu amor, cuja profundidade de pensamento e capa-
cidade prática ultrapassaram os mais ambiciosos métodos psicanalí-
ticos" (1952, p. 245). Dali ilustra a cura pelo amor a que Freud se
refere em seu estudo sobre o narcisismo, a escolha de "um ideal
sexual segundo o tipo narcisista que possui as excelências que ele
não p&ie atingir. Isso é a cura pelo amor que ele prefere à cura pela
psicanálise", que traz consigo "todos os perigos de uma dependên-
cia mutiladora em relação àquele que o ajuda" (1980[1914], p. 118-
119). E é assim que, num terceiro momento, o vazio deixado pelo
desejo materno aparece preenchido suavemente pelo rosto de Gala.
Refiro-me agora ao quadro Três rostos de Gala surgindo sobre rochedos
(1945), apontando que na seqüência destes três quadros há uma pas-
sagem dos buracos numa grande rocha às rochas que refletem em
sua superfície o rosto de Gala.
A partir de então, Gala está constantemente presente nas
telas de Dali. Ela enche suas telas, ela é o quadro que preenche a
janela de sua realidade. Em Ga/anna (1944-45), Dali procura descrevê-
la hiper-realisticamente: séria, com roupas da vida cotidiana e com
um seio à mostra, sem insinuar erotismo. Em quadros pintados após
a guerra, ele a transforma em deusa. Dali busca na mitologia uma
explicação para seu amor por Gala e em úda atômica (1949) ele a
transforma em Leda, a rainha de Esparta, mulher de Tindários, que
se apaixona por Zeus que para seduzi-la disfarçou-se de cisne e a
engravidou. Leda colocou dois ovos dos quais nasceram dois casais
de gêmeos. Em sua tela, Dali apresenta Gala acariciando um cisne
371
A Dor de Existir
Dali mostra através da arte que o amor pode vir como ten-
tativa de cura, de recobrimento da dor de existir. Ele inicia sua obra
com o que há de mais vil no sujeito: as calças sujas de fezes. Ele sabe
do que há de divisão e"êê'f despedaçamento no sujeito, e o expõe em
sua telas através de figuras surreais, deformadas, excêntricas, não
escondendo a condição trágica humana. É pela via do amor que
Dali tenta recobrir a dor de existir, onde ele faz existir A Mulher sob
forma de Gala e fala da busca dessa união absoluta, ao descrever "os
acontecimentos mais importantes: ser espanhol e chamar-se Gala
Salvador Dali" (1964, p. 150). No quadro Dalipintando Gala de costas,
eternizada por seis cornos virtuais, provisoriamente refletidos por seis espelhos
verdadeiros (1972-73), Dali está de costas para o sujeito que contem-
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Ana Marlha Wil.ton Maia
pla o quadro e Gala também de costas posa para ele. Os dois estão
de frente para um espelho, ou seja, o quadro mostra dois planos,
Gala e Dali, que se sobrepõem num espelho representando a junção
impossível que é buscada no amor: fazer o Um.
NOTAS
Referências bibliográficas
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A Dor de Existir
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KALiMEROS