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Psicologia

Aplicada
à Administração
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Psicologia
Aplicada
à Administração
Silvia Generali da Costa (coord.) Micheline Roat Bastianello
Adriana Schujmann Narbal Silva
Altay Alves Lino de Souza Natália Bertuol Maciel
Álvaro da Costa Batista Guedes Roberto Frota Décourt
Ana Claudia Souza Vazquez Sonia Maria T. Romero
Cleber J. C. Dutra Suzana da Rosa Tolfo
Eduardo Ribas Santos Sylvia Cavalcante
Jairo Procianoy Wallisen Tadashi Hattori
© 2011, Elsevier Editora Ltda.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.


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transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográÀcos, gravação ou
quaisquer outros.

Copidesque: Cláudia Mello


Revisão: Marco Antonio Corrêa
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ISBN 978-85-352-4298-0

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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
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P969 Psicologia aplicada à administração / Silvia Generali da Costa


(Org.). - São Paulo: Elsevier, 2011.

Inclui bibliograÀa
ISBN 978-85-352-4298-0

1. Administração de empresas. 2. Administração de empresas -


Aspectos psicológicos. 3. Psicologia aplicada. I. Costa, Silvia Generali
da.

CDD: 658.4
10-4626. CDU: 658.012.32
_________________________________________________________________________
Dedicatória

À Sofia da Costa Romais, cujas histórias, imagens e escritos sempre me


fascinam.
Agradecimentos

Agradeço ao amigo Ramiro Novak Filho por ter aceitado escrever o prefácio,
descrevendo sua interessante tragetória de inserção no mundo da psicologia. Agradeço
também aos autores, à editora e a todos que direta ou indiretamente colaboraram com
esta publicação.
Em especial agradeço aos meus alunos, que sempre me instigam com sua curio-
sidade, inteligência e visão do mundo.
Prefácio

Entender o comportamento humano tem sido o desafio dos gestores. Por que
as pessoas reagem de forma tão diferente a estímulos iguais? Sem entender muito
bem o que acontece partem então para a tentativa de avaliar o desempenho e punir o
comportamento inadequado. Não deixam claro o que querem dos seus liderados, mas
exigem que tenham bons resultados. Cobram iniciativa e bom senso, mas não admitem
erros. Ficam irritados com perguntas, e possessos quando os colaboradores cometem
enganos e não perguntam. Acreditam na sua intuição e na capacidade de, no olhar,
adivinhar o que se passa com os liderados. Negligenciam o diagnóstico e acabam tendo
que fazer a necropsia do fato ocorrido. Nutrem expectativas positivas e negativas sobre
as pessoas mas negam, afirmando que as decisões para punição ou promoção foram
racionais (tenho a ousadia de dizer que todas as decisões são emocionais). Comparam
as pessoas como se fossem peças de reposição. Sim, há exceções. Conheço bons admi-
nistradores. Aprendi e aprendo muito com eles como também aprendi muito com os
psicólogos, mas antes preciso esclarecer alguns pontos sobre psicólogos.
No princípio de tudo (precisamente em 1976, quando iniciei minha carreira em
Treinamento e Desenvolvimento) fui avaliado por uma psicóloga em uma dinâmica
de grupo. Passei. Só isso, passei. Algumas explicações ali e acolá, mas nada que me
deixasse satisfeito. Para tentar entender um pouco mais de psicologia fui ser “SUJEI-
TO” na faculdade de psicologia a pedido de duas psicólogas. Passei. Só isso, passei.

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A sensação era de que eu era um ET e por isso elas não podiam falar nada. Entendi
então que pertencia a uma espécie diferente. Havia então uma distância abissal entre
os interesses de cada espécie. Pelo menos na minha cabeça era assim. Um dia conheci
uma psicóloga (corria o ano de 1988 e doze anos de luta inglória) chamada Maria Jose
Sterce: companheira e amiga de trabalho, confidente. Depois dela passei a respeitar a
psicologia, a entender as diferenças entre as duas espécies e como elas podem se ajudar
mutuamente. Neste momento acredito ser uma pessoa de sorte, pois fui convidado
a escrever o prefácio de um livro de psicólogos para administradores. Desde 1988,
quando li Psicologia para Administradores (Paul Hersey e Kenneth Blanchard), não
tinha tido a oportunidade de ler algo tão oportuno para auxiliar a vida dos adminis-
tradores. Eles saem da escola de administração hoje, vão para as empresas e querem
se tornar diretores amanhã sem estar muitas vezes preparados minimamente para
trabalhar com gente.
Como administrador, preciso de informações concretas que me levem a ter
interesse em ler um livro de psicologia. Logo pensei que seria oportuno contar um
pouco de cada um dos onze capítulos do livro neste prefácio para despertar o interesse
e é isso que posso fazer.
No Capítulo 1 você, administrador, terá a chance de entender o que é Behavio-
rismo. Vai poder pensar por que se tem a preocupação em enfatizar o que precisa ser
corrigido, mas pouca atenção para o reforço do que foi conseguido. É bom lembrar
que ninguém sai de casa com a ideia de errar (pelo menos na percepção da pessoa) e
que a punição por si só não altera a base do comportamento inadequado.
Se você se interessa por Sigmund Freud, terá informações relevantes no Capítulo
2 através da Abordagem Psicodinâmica. Entenderá um pouco mais sobre “ID, Ego
e Superego” além do que faz com que as pessoas se relacionem entre si e como elas
conduzem suas relações nas organizações de trabalho.
No Capítulo 3, através da Abordagem Humanista, o leitor vai poder experi-
mentar outra visão sobre a motivação humana nas organizações: sua capacidade de
crescimento, evolução e na possibilidade de autorrealização. Vai poder relembrar a
teoria holística-dinâmica das motivações (Hierarquia das Necessidades) desenvolvida
por Abraham Maslow, dos fatores higiênicos e motivacionais de Frederik Herzberg,
da teoria X e Y da Douglas MacGregor e de David MacClelland com as necessidades
de poder, afiliação e realização. Mas o que mais vai chamar sua atenção é o Flow e a
Psicologia Positiva de Mihaly Csikszentmihalyi, em que a pessoa entra no “estado de
espírito extraordinário” e dedica-se de corpo e alma a uma atividade.
No Capítulo 4, o leitor entenderá sobre cognitivismo. Essa palavra sempre dita,
mas muitas vezes pouco entendida será desvendada através de explicações simples.
Você aprenderá o real significado e entenderá como se aprende (o primeiro aprendi-

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zado foi saber que os sentidos são onze e não cinco, como eu pensava). Vai passear
pelo campo da percepção e entender por que grande parte de nossas ações e decisões
dependem dela.
Preste bastante atenção quando o tema for memória e tomada de decisão e
como a criatividade pode ajudar o administrador a encontrar soluções através do
“Brainstoring”.
Uma boa olhada no Capítulo 5 e você entenderá a evolução da espécie humana
no ambiente organizacional, através da Psicologia Evolucionista. Não podia faltar no
livro algo que muito se fala e pouco se entende: pode ou não existir amizade no local
de trabalho? O Capítulo 6 vai esmiuçar esse tema de forma peculiar e quebrar para-
digmas. Como não desenvolver amizades se passamos a maior parte do nosso tempo
útil em uma empresa com outras pessoas? Creio que não há nada de mais em se nutrir
amizades duradoras com colegas de trabalho e especialmente com superiores (um tabu
em certas empresas) uma vez que eles podem oferecer apoio e ajuda em momentos
de alegria ou tristeza.
No Capítulo 7, um tema provocante: A GERAÇÃO Y (nascidos depois de
1980). Como alguém pode ler e-mail, participar de três salas de chat,“twitar”, atender
o celular, ouvir música e desejar ser o presidente da empresa, tudo ao mesmo tempo?
É a geração botão, acelerada e sem vínculos. Não se segura alguém da geração Y com
promessas, o resultado é a curto prazo e pronto. Como segurá-los? Uma boa leitura
do capítulo vai ajudá-lo nesse particular.
Aprendi muito com a Psicologia Ambiental no Capítulo 8 e como ela explica,
muito bem por que certas ações voltadas para sustentabilidade não alcançam os re-
sultados esperados. Parece óbvio, mas as pessoas em uma organização necessitam de
esclarecimento sobre o que precisam fazer para obter o resultado esperado e precisam
ser valorizadas quando o alcançam. A sustentabilidade passa por aí e também pela
mão do administrador.
A discussão sobre ética no Capítulo 9 vai possibilitar aos administradores, à
luz de vários autores, entender por que ela é tão cultuada nos dias de hoje. Um ponto
a observar é a abordagem que os autores fazem sobre ética e moral no contexto do
trabalho.
No Capítulo 10, um estudo de caso apresenta como tomar uma decisão com
múltiplos objetivos.
Fechando o livro, o Capítulo 11 traz um tema intrigante e muito esclarecedor,
Psicologia Aplicada a Finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras.
Os autores conseguem com uma linguagem adequada fazer qualquer administrador
repensar suas posições sobre certas formas de agir e tomar decisões financeiras.

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Leiam atentamente o que acontece quando o “efeito doação” domina a mente
de quem quer tomar uma decisão (fará você pensar se neste momento você não vive
algo assim). Avalie como os “custos incorridos” podem simplesmente cegar o admi-
nistrador e prejudicar as decisões em investimentos futuros.
E por fim o “conflito de agência” quando interesses pessoais podem superar os
interesses da empresa como um todo (outro ponto para ser pensado e repensado).
Li o livro de capa a capa para entender o que cada autor pretendia com seu
respectivo capítulo. Mas você, leitor, pode escolher qualquer um deles e encontrará
informações relevantes sobre um aspecto da psicologia que vai ajudá-lo a administrar
muito melhor a sua equipe ou o seu negócio.

Obrigado, Silvia Generali da Costa, pela oportunidade.

Administradores: boa leitura!

Ramiro Novak Filho


Administrador de Empresas e Coach

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Introdução
Psicologia Aplicada à
Administração

Silvia Generali da Costa

Existem diversas maneiras de pensarmos, tratarmos e ensinarmos Psicologia


Aplicada à Administração. Em decorrência, nas ementas da disciplina oferecidas por
universidades de todo o país, podem-se observar abordagens distintas. Uma delas
oferece Psicologia Aplicada à Administração como uma proposta análoga à de com-
portamento organizacional, discutindo temas como motivação, liderança, trabalho
em equipe, conflitos, diferenças entre indivíduos na capacidade de aprendizagem, na
inteligência, nos talentos, nos valores e nas características biográficas. Nessa aborda-
gem, o termo comportamento organizacional é entendido como o comportamento
de indivíduos e grupos no trabalho e é privilegiado o estudo dos autores clássicos do
tema, como o norte-americano Stephen Robbins.
Uma segunda abordagem entende a Psicologia Aplicada à Administração como
o estudo da subjetividade no trabalho. Nesse caso, são temas de estudo a psicodinâmica
do trabalho, o trabalho imaterial, os sentidos do trabalho e o espaço e o tempo nas
organizações. Autores como Christophe Dejours e Jean-François Chanlat são alguns
dos indicados.
Essas abordagens, longe de serem incompatíveis com o estudo da Psicologia
Aplicada à Administração, apontam a riqueza do tema e a ampla gama de possibili-
dades de entendimento entre as áreas e de construção de propostas de pesquisa que
reúnam áreas distintas e atuação interdisciplinar.
A proposta do livro Psicologia Aplicada à Administração se insere em uma ter-
ceira vertente: a de apresentação das abordagens clássicas da Psicologia e de tentativa
de discussão de sua aplicabilidade à prática administrativa, sobretudo à gestão de
pessoas. Entretanto, ao elaborarmos os capítulos, percebemos que seu conteúdo já
extrapola, em muito, a gestão de pessoas. A psicologia tem oferecido subsídios para a
compreensão dos processos decisórios em finanças, marketing e pesquisa operacional,
pretensamente racionais, mas entremeados de emotividade. Como disse em correspon-
dência recente o professor Altay Souza: “... com base nas teorias do processo decisório
humano mais recentes, nenhuma decisão é de fato racional. Utilizando Hume: todas
as posições humanas frente ao mundo são emocionais. A racionalidade vem apenas
para justificar a decisão que já foi tomada emocionalmente.”
Inicia-se o texto com um capítulo, escrito por Suzana Tolfo e Narbal Silva, que
apresenta o behaviorismo ou comportamentalismo. Esta abordagem tem encantado os
estudantes de graduação, muito provavelmente pela suposta facilidade em identificar
seus “pressupostos em ação” e, mesmo, de aplicá-los pessoalmente. Remuneração
variável, punições por desempenho funcional insatisfatório, avaliação de desempe-
nho e feedback são elementos na gestão facilmente associáveis ao behaviorismo e que
não escaparam aos leigos mais atentos. A clássica imagem do ratinho que pressiona a
barra para obter alimento já foi satirizada pelo escritor Luiz Fernando Veríssimo, em
charge publicada no jornal porto-alegrense Zero-Hora. Na charge, o escritor apresenta
dois ratinhos exaustos, com olheiras profundas, fumando e conversando. Um deles
diz que precisa voltar ao laboratório para pressionar a barrinha que vai gerar uma
recompensa. O outro pergunta: “É um teste de reflexo condicionado?” E o primeiro
responde: “Não, cartão de ponto!”
A seguir, Ana Vazquez e Micheline Bastianello abordam a psicodinâmica. Que
capítulo controverso! Alguns psicanalistas consultados acreditam firmemente que
psicologia e administração não podem e não devem conversar, por diversas razões.
Entretanto, os trabalhos de Manfred Kets de Vries e de Abraham Zaleznik sobre a
psicodinâmica da liderança são provas incontestáveis de que a relação psicologia-
administração é possível. Como organizadora, parto da premissa de que a integração
entre disciplinas não só é possível, como é sempre desejável, respeitados os limites
éticos de cada campo (a respeito da ética na aplicação dos conceitos da psicologia há
um capítulo específico, desenvolvido por Narbal Silva e Suzana Tolfo). Quanto à abor-
dagem psicodinâmica, agradeço especialmente às autoras, que aceitaram a empreitada
em tempo recorde, com qualidade indiscutível.
O terceiro capítulo, como não poderia deixar de ser, trata da chamada terceira
força: a psicologia humanista. Os humanistas levam o leitor interessado a uma ver-
dadeira viagem ao seu mundo interior, incentivando o autoconhecimento, a reflexão,
a busca pela realização, pela felicidade, pelo desenvolvimento do potencial criativo e
pelo sentido da vida, para o olhar cuidadoso sobre o outro, à reflexão sobre a ética e
a atitude de cooperação. Tais elementos, por si só, já justificariam a importância da
abordagem. Sua aplicação à administração, em tempos de algumas práticas organiza-
cionais questionáveis, suscita um debate dos mais profícuos. Desenvolver o texto foi
um desafio gratificante para mim.
A seguir, também como não poderia deixar de ser, é apresentada outra aborda-
gem que, alguns acreditam, seria a legítima terceira força: a psicologia cognitiva. Esta
abordagem apresentou notáveis avanços nos últimos anos graças às descobertas da
neurociência, às tecnologias de mapeamento cerebral, ao conhecimento das áreas e
funções do cérebro e aos avanços no estudo da mente de forma geral. Como funciona
a memória, a inteligência, a aprendizagem, a percepção, a relação entre mente e corpo,
entre emoção e razão são alguns dos muitos temas interessantes dessa abordagem
que deve ser conhecida por todos aqueles que trabalham com pessoas e que buscam
o desenvolvimento de suas equipes. Sônia Romero elaborou o capítulo com precisão
e riqueza de detalhes.
A última abordagem, a psicologia evolucionista, é a que traz elementos inte-
gradores entre a psicologia cognitiva e a biologia evolutiva. Os que imaginam que
essa abordagem se restringe à aplicação do conceito de seleção natural de Charles
Darwin à administração, na compreensão da concorrência entre indivíduos e entre
empresas, ficarão agradavelmente surpresos. A psicologia evolucionista abre uma
série de perspectivas para a compreensão do comportamento humano e se apresenta
como uma abordagem integradora e fascinante. Reflexões sobre o papel da herança
genética e da influência ambiental sobre a determinação do comportamento, e sobre o
padrão de comportamento dos grupos sociais trazem insights (para utilizar um termo
da psicodinâmica) importantes para os profissionais inseridos nas organizações. Wall
Hattori, Altay Souza e Álvaro Guedes contribuíram muito para tornar a discussão da
abordagem ainda mais instigante.
Após a apresentação das abordagens clássicas, decidimos inserir no livro mais
duas seções: uma para discutir tópicos contemporâneos em Psicologia Aplicada à
Administração; e a outra para apresentar exemplos de aplicação dos conhecimentos
de psicologia em áreas distintas da gestão de pessoas.
A seção de Tópicos Contemporâneos aborda quatro temas: a) a amizade no local
de trabalho, seu conceito e suas características e influências sobre os indivíduos, grupos
e organizações. Temas como a amizade, a inveja, o amor e a paixão ainda oferecem
espaços consideráveis para a pesquisa e o debate, haja vista que há poucas décadas
as organizações propunham que “as questões pessoais não ultrapassassem a porta de
entrada da empresa”. Da mesma forma, os problemas profissionais não deveriam ser
“levados para casa”, como se o homem pudesse dissociar sua vida pessoal e sua vida
profissional. Adriana Schujmann desenvolveu o tema com independência, convicção
e qualidade, de forma clara e concisa, em sua dissertação de mestrado, a qual tive o
prazer de orientar; b) a geração Y, aqueles jovens de vinte e poucos anos que foram
criados em ambientes de alto apoio parental e alta tecnologia da informação, também
conhecidos como “a geração internet”. Como são esses jovens profissionais? De que
forma suas características impactam no desempenho organizacional e nas relações entre
indivíduos e equipes? Como a gestão de pessoas pode preparar-se para lidar com os
profissionais Y e reter os maiores talentos? Esses são alguns dos tópicos abordados no
capítulo. Natália Bertuol percebeu a importância e atualidade do tema e fico feliz por
ter tido a oportunidade de orientar suas pesquisas; c) psicologia ambiental, um tema
atual e relevante, que vai atrair a atenção de todos aqueles preocudados com a susten-
tabilidade na gestão e com as questões ambientais. Cleber Dutra e Sylvia Cavalcante
fazem um levantamento dos principais avanços e estudos na área e tratam o campo com
pragmatismo e profundidade; e d) ética na administração e na psicologia. O capítulo
discute as obrigações éticas do psicólogo nas organizações e traz elementos para que
os administradores compreendam os tipos de informação que podem e os que não
podem ser divulgados pelos profissionais de psicologia a respeito dos colaboradores
de uma empresa. Conforme citado anteriormente, Narbal Silva e Suzana Tolfo abor-
daram o tema com referências sempre oportunas ao Código de Ética dos Psicólogos.
A seção final, Casos em Psicologia Aplicada, aborda a integração dos conheci-
mentos de psicologia ao processo de tomada de decisão na área financeira (a cargo de
Jairo Procianoy e Roberto Décourt) e à decisão com múltiplos objetivos (sob a batuta
de Eduardo Ribas). Os dois capítulos trazem exemplos baseados em eventos reais, de
forma que o leitor pode facilmente compreender temas complexos. Além disso, am-
bos instigam os acadêmicos de administração a estabelecerem novas e desafiadoras
conexões entre os conteúdos discutidos neste livro e suas diversas áreas de atuação.
A qualidade do livro está na qualidade de seus autores. Foi gratificante contar
com o talento de tantos professores e profissionais de psicologia, alguns a grandes
distâncias geográficas, outros atuando lado a lado, mas todos com proximidade inte-
lectual, de interesses, motivações e entusiasmo.
Naturalmente, um livro não se materializa sem uma boa editora. Assim, regis-
tro um agradecimento especial à equipe competente da editora Campus-Elsevier, em
especial a André Wolff, Regiane Barboza e Vanessa Huguenin.
A psicóloga, administradora e gerente de pessoas Clarissa Ribeiro, que apoiou a
organização da obra, também merece destaque pelo esforço e interesse demonstrados.
Agradeço fortemente a todos pela colaboração e confiança no projeto.
Não seria possível finalizar esta introdução sem destacar que os autores foram
convidados a participar do trabalho devido à sua competência acadêmica e – não
necessariamente – devido à sua identificação com a abordagem. Sei da dificuldade
que alguns tiveram em apresentar temas que não lhes são caros. Após a conclusão
dos capítulos, suspeito que alguns autores confirmaram sua incompatibilidade com
a abordagem sobre a qual escreveram; outros reforçaram suas convicções; e outros
ainda desbravaram novos mundos com coragem e determinação. Este é mais um dos
motivos pelo qual lhes sou grata.
Quanto a mim, uma humanista convicta (mas sem perder a permeabilidade
jamais!), só me resta citar Maslow, no livro Maslow no gerenciamento (2000, p. XXIII):

... Às vezes, tenho a impressão de que o que escrevo é uma forma de me


comunicar com meus tataranetos, que, obviamente, ainda não nasceram.
Uma forma de expressão do meu amor por eles, deixando-lhes não dinheiro,
mas anotações carinhosas, conselhos e lições que aprendi e que talvez lhes
sejam úteis...

Desejo – e tenho certeza de que este é o desejo de todos os autores – que o livro
se torne um facilitador na compreensão das abordagens da psicologia e abra perspec-
tivas para uma prática administrativa inovadora e humana.
Boa leitura!
1
Abordagem behaviorista:
a busca do controle dos
comportamentos

Suzana da Rosa Tolfo


Narbal Silva

Neste capítulo, você encontrará conteúdos que permitem caracterizar a construção


histórica da psicologia como ciência do comportamento; conceituar comportamento
operante e respondente, punição e recompensa; identificar seus pressupostos, bem como
aplicações do behaviorismo à administração e à gestão de pessoas.

1.1. PARA COMEÇAR A ENTENDER O BEHAVIORISMO


O objetivo deste capítulo é introduzir o acadêmico de administração aos concei-
tos básicos da escola psicológica denominada behaviorismo, comportamentalismo
ou análise experimental do comportamento. Esta é uma abordagem psicológica
amplamente utilizada pelos administradores, pois é aquela cujos pressupostos são mais
voltados para entender o funcionamento das coisas (funcionalismo),1 no sentido de
procurar estabelecer relações entre causas e efeitos para o comportamento humano
nas organizações.

1 Funcionalismo: tendência filosófica que valoriza a função das coisas. Pode remeter a relações de causa
e efeito. Exemplo: se o trabalhador for recompensado, espera-se que produza mais.
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER

Alguns dos conceitos básicos da perspectiva comportamental, como reforço,


condicionamento e punição, são amplamente adotados nas organizações como forma
de gerir pessoas. Pense nas situações nas quais o trabalhador ou o conjunto de pessoas
não alcança as metas e recebe repreensão. Aí está ocorrendo um caso de punição, que
geralmente visa a extinção do comportamento indesejado – embora nem sempre seja
isso que acontece. Por meio dos conteúdos ora apresentados, espera-se que você se
aproprie dos principais conceitos do behaviorismo, bem como identifique sua utilização
e decorrências para a gestão das pessoas nas organizações de trabalho. O conheci-
Psicologia Aplicada à Administração

mento científico produzido em psicologia está articulado à administração, pois


parte importante do que o administrador faz é gerir pessoas e, para tanto, precisa
conhecer os comportamentos que se expressam em situações organizacionais.

1.2. UM BREVE HISTÓRICO DO BEHAVIORISMO


A psicologia se constitui em uma ciência, pois possui um objeto ou fenômeno
próprio de estudo e de intervenção. No início, os estudiosos da embrionária ciência
foram definindo o objeto e o método associados à observação, que teve como base, em
grande parte, a filosofia clássica grega de Aristóteles. O reconhecido filósofo combinou
a observação com a interpretação em uma perspectiva naturalística de comportamento,
para encontrar causas dos movimentos dos corpos e das discriminações feitas pelos
organismos, de modo que permitissem descrever categorias de comportamentos.
Após um período de obscurantismo das pesquisas e da observação na Idade Média,
René Descartes, filósofo e matemático contemporâneo de Galileu, retomou a obser-
vação e estudou o movimento corporal e suas possíveis causas mecânicas. Para ele, o
4
comportamento humano era tanto determinado por forças naturais quanto pela alma,
localizada no cérebro, que guiava tanto as ações voluntárias quanto as involuntárias.
Descartes estabeleceu as bases filosóficas que acabariam justificando uma abordagem
experimental do comportamento ao afirmar que as causas do comportamento pode-
riam ser verificadas no ambiente, por meio da observação. Até então, as compreensões
mais remotas da psique (psicologia) como estudo da alma eram baseadas na filosofia
e enfatizavam os “processos mentais”.2
O escocês Robert Whytt, no século XVIII, utilizou o princípio do estímulo de
Descartes em experimentos. Ele verificou reflexos, como de contração da pupila em
presença de luz, o que permitiu identificar relações entre dois eventos distintos: estí-
mulo externo (luz) e resposta (contração da pupila). Porém, nessa época, o estímulo
ainda não era identificado como causa do comportamento. Foi o fisiologista inglês Sir

2 Processos mentais: são as percepções, os pensamentos, as emoções, as motivações que não são expressos
diretamente.
Capítulo 1

Charles Sherrington que, no início do século XIX, formulou causas do comportamento


reflexo na forma de leis quantitativas de estímulo-resposta. Foi assim que o reflexo
foi aceito cientificamente como parte da explicação do comportamento.
Parte das bases do behaviorismo veio de contribuições da biologia, especialmente

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


de Darwin, no século XIX. No livro A origem das espécies, o autor consolidou uma
visão determinista e naturalista sobre o homem. A proximidade identificada entre o
desenvolvimento humano e animal deu subsídios importantes para a procura de “leis”
equivalentes para o comportamento humano. Marx e Hillix (1973) identificam que
essa possibilidade de “leis” regulares foi um requisito fundamental para a construção
de uma ciência psicológica e da abordagem behaviorista.
A ênfase na observação e o modelo emergente de ciência influenciaram as ten-
dências para a busca da objetividade no estudo de fenômenos psicológicos. Watson,
no século XX, é considerado o fundador do behaviorismo, também denominado de
comportamentalismo, teoria comportamental, análise experimental do comporta-
mento, análise do comportamento (Bock; Furtado; Teixeira, 2003). A origem do termo
vem de behavior, que significa comportamento. O autor enfatizou o comportamento
observável como a base dos dados psicológicos, adotou como método a comparação
entre comportamento humano e animal e criticou as concepções mentalistas, em
defesa da objetividade na psicologia.
Verifica-se que os precursores da psicologia estavam preocupados em construir
uma ciência, e o modelo adotado na época (final do século XIX) era fortemente in-
fluenciado pelos pressupostos positivistas,3 com base na objetividade e na observação.
A concepção que se tornou predominante foi, então, de que a psicologia é a ciência
que estuda o comportamento, ou seja, as ações de um organismo. 5

Comportamento: “Em sua significação originária e precisa, o conceito designa toda atividade
física de um organismo vivo, que pode ser constatada em princípio por outros observadores
(isto é, ‘objetivamente’)” (Dorsch, 2001, p. 1591).

Segundo Millenson (1976, p. 19):

Uma abordagem moderna à Psicologia toma o comportamento dos seres


humanos, assim como dos animais inferiores, como seu objeto de estudo.
Apoiando-se fortemente no cânone de que apenas o que pode ser observa-
do pode ser cientificamente estudado, este ponto de vista moderno ataca
problemas da Psicologia tradicional através da análise do comportamento.

3 O positivismo preconiza que o conhecimento válido é aquele produzido pela ciência, por meio de
seus métodos.
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER

Pense nas seguintes situações:


■ Um líder, ao tomar decisões, age.
■ Em uma situação de liderança há comportamentos manifestos, observados
diretamente.
Por meio dessas situações, se exemplifica que, na psicologia comportamentalista,
o estudo do homem em seus comportamentos observáveis é fundamental.
Na história da psicologia, diversos outros estudiosos se destacaram entre os beha-
Psicologia Aplicada à Administração

vioristas para a construção dessa abordagem; de modo especial, Ivan Pavlov, com o reflexo
condicionado, e Burrhus Skinner, com o condicionamento operante, como veremos a seguir.

1.3. OS PRINCIPAIS CONCEITOS EM PAVLOV E SKINNER


No final do século XIX, um fisiologista russo, Ivan Pavlov, realizou experimentos
nos quais verificou que, na presença de alimento na boca, o organismo apresentava
fluxo de saliva, e que a simples presença do alimento em outras situações podia pro-
vocar resposta similar. Após sucessivas observações, ele concluiu que o surgimento
do experimentador com a comida em si não eliciava resposta de salivação, mas isso
ocorria quando o emparelhamento da aparição ocorria repetidas vezes. Ou seja, com a
presença do alimento, decorriam respostas de salivação em presença do pesquisador. O
estudo detalhado desse reflexo o levou a contribuir para a compreensão do comporta-
mento, especialmente no que denominou de reflexos condicionais ou condicionamento
respondente, conforme definidos a seguir:

6 são atos desencadeados por eventos que imediatamente os precedem. O


evento desencadeador é conhecido como estímulo aliciador. Exemplo: O es-
tampido de um rifle produz um reflexo de estremecimento. Os respondentes:
■ surgem involuntariamente;
■ são controlados pelos eventos que os precedem, os estímulos eliciadores;
■ não são aprendidos e são universais.
Um respondente pode ser transferido de uma situação para outra por um
procedimento chamado condicionamento respondente, ou condicionamento
clássico (Davidoff, 2001, p. 101).

A resposta anteriormente natural foi chamada por Pavlov de resposta incondicio-


nada; o estímulo natural é o estímulo incondicionado; e o conjunto do estímulo seguido
de resposta é o reflexo condicionado.4 Vejamos um exemplo: o choro em um ambiente

4 Reflexo condicionado: Resposta persistente da pessoa em sequência a um estímulo que se tornou


condicionado.
Capítulo 1

de trabalho é um reflexo incondicionado, pois pode surgir independentemente de outros


fatores, mas o choro diante de uma situação de persistência de assédio moral por parte
da chefia é um reflexo condicionado, cuja estabilidade depende de outros fatores, prin-
cipalmente de que a resposta condicionada venha seguida de estímulo incondicionado.

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


Portanto, o comportamento respondente é condicionado devido à associação
repetida de estímulos neutros e incondicionados durante o treinamento de aquisição.
No comportamento respondente, as respostas são eliciadas – produzidas – por estí-
mulos antecedentes do ambiente.

“Quando determinados estímulos são temporalmente pareados (apresentados juntos) com


estímulos eliciadores, podem, em certas condições, eliciar respostas semelhantes a eles.” A
essas novas interações chamamos de reflexos, agora condicionados devido ao pareamento.

Pavlov estava interessado em contribuir para a ciência na generalização do


comportamento por meio de leis – “lei esta aplicável, pensou ele, a todos os estímulos
e a todos os organismos superiores” (Milenson, 1976, p. 26). Contudo, a diversidade
de comportamentos e situações ambientais que nos cercam não tem permitido esta-
belecer leis generalizantes para todas as ações humanas.
Pavlov contribuiu, então, com a concepção de reflexo condicionado, mas foi B.F.
Skinner quem se tornou um marco contemporâneo no estudo do condicionamento.
Conforme o autor:

Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados
pelas consequências de sua ação. Alguns processos que o organismo humano
compartilha com outras espécies alteram o comportamento para que ele obtenha 7
um intercâmbio mais fácil e mais seguro em determinado meio ambiente. Uma
vez estabelecido um comportamento apropriado, suas consequências agem
através de processos semelhantes para permanecerem ativas. Se, por acaso, o
meio se modifica, formas antigas de comportamento desaparecem, enquanto
novas consequências produzem novas formas (Skinner, 1978, p. 15).

No condicionamento operante, ocorre a aprendizagem de comportamentos por


meio da ação do organismo no meio e nos resultados decorrentes. O esquema que
representa esse tipo de condicionamento pode ser representado da seguinte forma:

R → S
Resposta (rato sedento pressiona a barra) leva ao Estímulo (S) reforçador (água)

O estímulo constitui-se no reforço para aumentar a probabilidade de resposta


do comportamento e pode ser positivo ou negativo. O reforço é uma consequência,
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geralmente atrativa, que, ao ser sequenciada a uma resposta, altera a probabilidade


futura de ocorrência dessa resposta. Conforme Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 50),
“...reforço positivo é todo evento que aumenta a probabilidade de futura resposta que
o produz. O reforço negativo é todo evento que aumenta a probabilidade futura da
resposta que o remove ou atenua”. A extinção de comportamento consiste em procedi-
mento no qual uma resposta deixa abruptamente de ser reforçada. Como consequência,
a frequência das respostas diminuirá, chegando até mesmo a deixar de ser emitida.
Além do reforçamento ou extinção de comportamentos, há três tipos de con-
Psicologia Aplicada à Administração

dicionamentos aversivos importantes: a punição, que é uma resposta seguida de


um evento aversivo, ruim, que objetiva suprimir a resposta; a fuga, que consiste na
aprendizagem da pessoa para dar uma resposta a fim de concluir um evento aversivo
que está ocorrendo; e a esquiva, que consiste na aprendizagem de uma reposta para
impedir que um evento aversivo inicie (Atkinson, R.L.; Atkinson, R.C.; Smith, E.E.;
Bem, D.J.; Nolen-Hoeksema, 2002). Na esquiva, os estímulos condicionados e in-
condicionados estão separados por um intervalo de tempo apreciável e possibilitam
ao indivíduo prevenir a ocorrência ou reduzir a magnitude do segundo estímulo (S)
que se tornou aversivo. Exemplo: ouvir a voz de um chefe autoritário se aproximando
(1o estímulo) e identificar que se comunicar com ele geralmente está associado a ser
desqualificado, ofendido, se tornou aversivo ao subordinado que procurará se esquivar
(desviar o percurso, por exemplo). A punição, comportamento polêmico, consiste na
apresentação de estímulo aversivo ou remoção de reforçador positivo presente. “Os
dados de pesquisas mostram que a supressão do comportamento punido só é defini-
tiva se a punição for extremamente intensa, isto porque as razões que levaram à ação
8 de punir não são alteradas com a punição. Punir ações leva à supressão temporária
da resposta sem, contudo, alterar a motivação” (Bock; Furtado; Teixeira, 2002, p. 52).
Tal conclusão dos autores é importante para a gestão de pessoas, pois reitera que a
punição não altera as bases do comportamento inadequado.
Atualmente, o comportamento é predominantemente entendido, na abordagem
behaviorista, como interação entre aquilo que o sujeito faz e o ambiente no qual este
fazer acontece. O foco está no estudo da interação entre indivíduo e ambiente, entre
as ações do indivíduo (suas respostas) e o ambiente (as estimulações), como unidade
básica para a ciência do comportamento. Os analistas experimentais do comportamento
dedicam-se a investigar os fenômenos psicológicos por meio do método experimental
e analítico, para chegar a identificar unidades de análise.

Neste caso de comportamento operante, o que propicia a aprendizagem dos


comportamentos é a ação do organismo sobre o meio e o efeito dela resul-
tante – a satisfação de alguma necessidade, ou seja, a aprendizagem está na
relação entre uma ação e seu efeito (Bock; Furtado; Teixeira, 2002, p. 49).
Capítulo 1

O comportamento operante pode ser representado conforme o esquema:

Situação antecedente – ação – consequente.

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


Em termos práticos, podemos pensar que o comportamento da pessoa decorre da
aprendizagem que teve de que uma resposta dada será seguida de determinada conse-
quência. Um exemplo é o trabalhador que aprendeu (situação antecedente) que melhorar
o desempenho (ação) será seguido de reconhecimento pela gestão (consequência).

Um dos principais autores na área da administração brasileira, Idalberto Chia-


venato (1979), identifica a contribuição do behaviorismo, especialmente de Skinner,
para a teoria contingencial da administração. A perspectiva contingencial não define, a
priori, um modelo mais eficaz de administrar, pois, conforme as contingências, poderá
ser necessário organizar ou administrar de diferentes formas. Para o autor:

A teoria contingencial deve muito a Skinner, segundo o qual o comporta-


mento é função de suas consequências. Skinner desenvolveu uma teoria
9
baseada na abordagem externa e que enfatiza o efeito das consequências
ambientais sobre o comportamento observável e objetivo. Skinner deixa
de lado o conceito de comportamento respondente (reativo), desenvolvido
por Pavlov, Watson, Thorndike, Hull e outros, baseado nas conexões de
estímulo-resposta, para adotar o conceito de comportamento operante,
que enfatiza as consequências ambientais como mecanismos controladores
do comportamento aprendido. O comportamento é operante porque opera
sobre o ambiente para produzir uma consequência: ele pode ser reforçado,
mantido, alterado ou eliminado de acordo com as consequências produzidas.
Para Skinner, as contingências são formulações específicas da interação entre
um comportamento operante de um organismo e seu ambiente. Uma relação
contingente é basicamente uma relação do tipo se-então: o comportamento
aprendido opera sobre o ambiente para produzir uma mudança ambiental;
se o comportamento causa uma mudança no ambiente, então a mudança
ambiental será contingente em relação ao comportamento.
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER

Esta concepção tem um papel importante para a atuação do administrador em


uma das suas funções clássicas, que é o controle. Por meio de mudanças e do controle
das condições, os psicólogos comportamentalistas buscam contribuir para que o ad-
ministrador possa controlar fatores que interferem nas condições de trabalho e de vida
dos trabalhadores e criar um ambiente favorável à ocorrência das ações necessárias
para a consecução dos objetivos organizacionais (Kienen e Wolff, 2002).

1.4. O COMPORTAMENTALISMO NA GESTÃO DE PESSOAS


Psicologia Aplicada à Administração

O behaviorismo é uma escola psicológica largamente adotada nas organizações.


A possibilidade de utilizar práticas mais voltadas a uma compreensão do funciona-
mento e das mudanças de comportamentos de forma sistemática parece ser o principal
motivo para tal.
A constatação de que, se há organizações, coexiste a necessidade de compreender
as pessoas e seus comportamentos permite demonstrar a importância dos estudos da
psicologia para a administração. Essa interdependência é verificável na formação do
administrador, que precisa estudar o comportamento organizacional (ou compor-
tamento humano nas organizações, para os psicólogos) para gerir pessoas. Afinal,
administrar pressupõe trabalhar com pessoas, entender suas ações e comportamentos
no contexto do trabalho.
O comportamento organizacional é

“...o estudo e a aplicação do conhecimento sobre como as pessoas agem dentro das orga-
10 nizações” (Davis & Newstrom, 1992, p. 05).

Pode ser caracterizado como um campo de estudo cujo objetivo é “prever, expli-
car, compreender e modificar o comportamento no contexto das empresas” (Wagner
III e Hollenbeck, 2006, p. 6). Essas conceituações têm suas bases no behaviorismo ou
comportamentalismo. Entretanto, na literatura, o comportamento organizacional pode
não ser sinônimo de behaviorismo, mas da aplicação dos conhecimentos da psicologia
(seja na perspectiva cognitivista, gestalt, construcionista, para citar alguns).
■ Quando se abordam os três níveis de análise dos estudos e das interven-
ções relativas a aspectos psicossociais nas organizações, têm-se os seguin-
tes: o primeiro, do comportamento micro-organizacional, é relativo ao
indivíduo em sua singularidade e inclui as aprendizagens individuais, as
decisões, as ações do líder, por exemplo. O nível meso-organizacional é in-
termediário e amplia a análise e as intervenções para as ações das pessoas
trabalhando em grupo e equipes, enquanto, no comportamento macro-
Capítulo 1

organizacional, o foco está na compreensão de fenômenos psicológicos em


toda a organização (Wagner III e Hollenbeck, 2006). Essas subdivisões dos
fenômenos psicológicos não são exclusivas do comportamentalismo, pois
a aprendizagem, por exemplo, é estudada sob diferentes perspectivas na

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


psicologia.
Os pressupostos e conceitos desenvolvidos por autores behavioristas podem ser
identificados em práticas diversas nas organizações e, para fins deste capítulo, serão
privilegiados o treinamento de pessoas, a remuneração variável, o desenvolvimento
de competências, a avaliação de desempenho, as práticas punitivas, a perspectiva
comportamental da liderança e a análise do conflito.
Um dos exemplos clássicos de aplicação da abordagem comportamental na
gestão de pessoas está no treinamento e na sua avaliação. O treinamento “[...] re-
presenta um esforço despendido pelas organizações para propiciar oportunidades
de aprendizagem aos seus integrantes. Ele está tradicionalmente relacionado à iden-
tificação e superação de deficiências no desempenho de empregados, preparação de
empregados para novas funções e adaptação da mão de obra à introdução de novas
tecnologias no trabalho” (Borges-Andrade e Abbad, 1996 apud Borges-Andrade, 2002,
p. 2) e visa a melhoria de desempenhos atuais ou futuros. Nas bases do treinamento
para o trabalho estão pressupostos de que o treinando adquira, de forma sistemática,
habilidades (motoras ou intelectuais e informações) que o tornem mais competente
para o desempenho profissional. Portanto, a expectativa predominante da gestão é de
que o trabalhador mude comportamentos e ações em decorrência dos treinamentos.
Em relação ao treinamento em situações de trabalho, pode-se utilizar os estudos
de Davidoff (2001, p. 133), que explicam as bases comportamentalistas para tratar da 11
aprendizagem, da imitação e da observação. “A aprendizagem por observação ocorre
enquanto as pessoas observam-se. As pessoas são especialmente propensas a imitar
modelos bem-sucedidos e poderosos com os quais se identificam – particularmente se
a resposta é compatível com seu estilo de vida.” Muitas vezes, o trabalhador vai imitar
o colega como forma de aprender o trabalho e atender às demandas em organizações
com pouco investimento em treinamento, desenvolvimento e educação.
Borges-Andrade (2002) cita Hamblin (1978) como um autor clássico na avalia-
ção de treinamento e a apresenta em cinco níveis: (a) reação, que consiste das atitudes
e opiniões dos treinandos sobre o treinamento, especialmente o grau de satisfação
com o treinamento; (b) aprendizagem, que avalia diferenças entre o que os treinandos
sabiam antes e depois do treinamento, ou o alcance dos objetivos instrucionais; (c)
comportamento no cargo, que verifica o desempenho dos indivíduos antes e após o
treinamento, ou se houve transferência das aprendizagens nas atividades de trabalho;
(d) organização, cuja avaliação prioriza mudanças no funcionamento da organização
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER

decorrentes do treinamento; e (e) valor final, que enfatiza a relação entre custos do
treinamento e seu retorno na produção ou nos serviços prestados pela organização.
Por meio das formas de avaliação, verifica-se que na avaliação da aprendizagem,
do comportamento no cargo e na organização há uma ênfase nos comportamentos. A
avaliação da aprendizagem pressupõe que aprender implica mudar comportamentos,
pois o saber posterior ao processo de treinamento é diferente do anterior. Nas avalia-
ções da aprendizagem e do comportamento, a influência do behaviorismo fica bem
Psicologia Aplicada à Administração

explícita: treinar implica alterar as aprendizagens anteriores ou o comportamento


para melhorar o desempenho dos empregados. Na avaliação dos resultados na orga-
nização, os gestores buscam a mudança no comportamento individual e/ou grupal
para revertê-lo em melhoria no comportamento organizacional, por meio das ações
individuais ou compartilhadas.
Atualmente, a concepção de competências é uma das máximas na gestão das
organizações e na formação dos administradores. Mas em que consiste ser compe-
tente? A base do desenvolvimento de competências está relacionada a melhorar o
desempenho do trabalhador no trabalho. Para que o alto desempenho seja alcançado,
faz-se necessário:

Um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar,


transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econô-
mico à organização e valor social ao indivíduo (Fleury, 2000).

Conforme Swieringa e Wiedersna (1995), desenvolver competências implica a


inter-relação entre saber, que remete aos conhecimentos, aos saberes teóricos; saber
12 fazer, ou habilidades; e saber agir (saber ser), referente às atitudes. A articulação entre
esses saberes constitui um ciclo de competências.
Um requisito fundamental na mobilização de competências é lidar com as situ-
ações de forma prática, com apoio em conhecimentos adquiridos, para transformá-los
quando aumenta a diversidade das situações (Zarifian, 2001). Isso significa, portanto,
que a competência só se concretiza em ação; é preciso mobilizá-la (Le Boterf, 2003),
o que reitera o pressuposto de mudança de comportamento.
A avaliação de desempenho também é uma prática de gestão de pessoas que
inclui contribuições do behaviorismo. Cada vez mais, as organizações buscam estraté-
gias para gerenciar o desempenho de seus empregados. Milkovich e Boudreau (2000)
afirmam que as informações sobre o desempenho dos empregados apresentam quatro
propósitos gerais: fornecer feedback sobre os pontos fortes e fracos de seu desempenho;
diferenciar os indivíduos, visando recompensas; avaliar e manter o sistema de recursos
humanos da organização; e gerar um arquivo documental para apoiar determinadas
Capítulo 1

ações, como a demissão de um funcionário e aumentos salariais. Oberg (1997) ainda


enfatiza a importância desses programas para ajudar ou estimular os supervisores a ob-
servarem os comportamentos de seus subordinados mais de perto e a desempenharem
melhor a função de treinadores. Lucena (1992) considera que gerenciar o desempenho

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


implica reconhecer as contribuições dos empregados e os objetivos que estão sendo
alcançados. Dessa forma, a avaliação pode se constituir em um instrumento voltado
à promoção do desenvolvimento dos empregados.
Um exemplo atual sobre a vinculação entre avaliação de desempenho e os pres-
supostos comportamentais pode ser verificado no texto em sequência, disponibilizado
em um site de consultoria em RH para administradores:

OBJETIVOS
■ O processo de avaliação realizado pelo setor específico ou pela própria
área pressupõe um trabalho de apreciação constante sobre o compor-
tamento dos indivíduos e das situações apresentadas na organização.

Quando aplicada dentro de um sistema normatizado, a “avaliação de desempenho”


nos permite:
■ padronizar formas de avaliação para toda a organização;
■ auxiliar a chefia na consideração de desempenho de seus subordinados;
■ identificar a adaptação do funcionário à empresa e ao cargo;
■ proporcionar feedback aos funcionários sobre seu desempenho;
13
■ diagnosticar necessidades de mudança;
■ detectar formas alternativas para correção de falhas; e
■ avaliar métodos seletivos adotados.
http://www.sato.adm.br/rh/av_de_desemp_ind_geral.htm (acesso 10 de abril de
2010)

Mesmo com os indicativos da eficácia da avaliação de desempenho, Levinson


(1997) afirma que nem sempre se constata seu papel estratégico em diversas orga-
nizações. Muitos sistemas de avaliação têm focado de forma equivocada a avaliação
dos resultados do comportamento (o fim) em vez do comportamento em si (os meios
ou o processo). Assim praticada, a avaliação de desempenho pode se constituir tão
somente em prática punitiva ao indivíduo, com as possíveis decorrências já levantadas
anteriormente.
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Práticas organizacionais em relação à punição são utilizadas como estratégias


de controle em algumas organizações, e os resultados de estudos comportamentais
permitem fazer afirmações sobre sua inadequação. Conforme texto da Revista VocêSA:

“Os ambientes organizacionais que criam a cultura da punição aos erros comuns inibem,
desastradamente, a criatividade e tolhem o processo de desenvolvimento das pessoas...
Entender a natureza do erro cometido e trabalhar para sua correção requer, por outro lado,
competência e sabedoria. Essa história de aprender com os erros é verdadeira se houver
Psicologia Aplicada à Administração

alguém que avalie o erro e estimule sua adequada correção. Uma das desculpas mais usadas
pelos maus gestores (e pais) é que a escassez de tempo impede a análise do erro e o trabalho
de correção. Não é verdade. Aceitar o erro comum, investir tempo na sua análise e planejar
a correção é um desafio gerencial dos mais difíceis. Fácil é punir!” (Cabrera, 2007).

A punição, apresentada na forma de estímulo aversivo ou remoção de reforçador


positivo, está presente em diversas das nossas organizações contemporâneas. A apren-
dizagem com o erro deveria ser mais utilizada como forma de alterar comportamentos
indesejáveis, pois, caso contrário, não haverá força para alterar as razões que levaram
à punição e ocorrerá a suspensão temporária da resposta, mas sem alterar os motivos.
As formas de gerir a remuneração dos empregados também podem ser baseadas
em pressupostos comportamentalistas. Ao se tratar da remuneração estratégica, nor-
malmente leva-se em conta o conjunto do contexto organizacional e a remuneração dos
indivíduos conforme sua contribuição para o sucesso do negócio, de tal modo que haja
uma combinação equilibrada de diferentes formas de remuneração. A remuneração
14 variável está entre as formas de compensação financeira consideradas uma forte ten-
dência na gestão de pessoas a partir da década de 1990 (Dellagnelo e Dellagnelo, 1996).
Para Wood Jr. e Picarelli Filho (1999, p. 46), “é vinculada a metas de desempenho dos
indivíduos, das equipes ou da organização. Inclui a participação nos lucros (utilizada
com escopo limitado) e a remuneração por resultados (utilizada com escopo amplo)”.
A participação nos lucros remete aos resultados globais da empresa, e a remuneração
por resultados implica a negociação de metas entre empresa e funcionários.
A remuneração variável apresenta como principais objetivos: alinhar esforços
para melhorar o desempenho da empresa; transformar custo fixo em variável; partilhar
bons e maus resultados; e vincular desempenho e recompensa para alcançar melhoria
contínua. Este último objetivo remete aos princípios de controle do comportamento,
recompensa e punição do behaviorismo apropriados por gestores, de modo que aqueles
comprometidos, que atingem ou superam as metas de qualidade e produtividade são
reconhecidos monetariamente pela gestão de pessoas.
Capítulo 1

No processo de gerir conflitos também se pode identificar pressupostos beha-


vioristas. Segundo Nadler, Hackman e Lawler (1983), conforme apresentado na Figu-
ra 1.1, as etapas que comumente ocorrem em uma situação de conflito devem levar
em consideração as situações antecedentes, as ações e os consequentes.

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


Figura 1.1 Episódio do conflito.

Fonte: Nadler, Hackman e Lawler. Comportamento organizacional. 1983. p. 212. 15

O esquema apresentado está no escopo dos estudos comportamentais, pois a


concepção de contingência, para Skinner, pressupõe três elementos principais: um
estado antecedente, um comportamento/ação e uma consequência. Para lidar com o
conflito, é necessário, então, analisar o que antecede a ação, a ação ou comportamento
e seu resultante.
Quando se trata da liderança, a contribuição específica do behaviorismo pode
ser identificada na abordagem comportamental. Após o desenvolvimento da Escola
de Relações Humanas, verifica-se na literatura a ênfase ao ambiente psicossocial e aos
comportamentos de liderar as pessoas no trabalho. Diversas pesquisas sobre liderança
procuravam identificar os padrões de comportamento dos líderes – estilos – voltados
para a eficiência (Marquis e Huston, 2002, p. 37). Lewin, White e Lippitt (apud Fiedler
e Chemers, 1981) caracterizaram a influência de líderes autocráticos, democráticos e
laissez-faire em participantes de grupos e nos resultados do trabalho. Os líderes auto-
cráticos controlavam rigidamente, definiam as atividades por sua conta e os seguidores
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER

acatavam as diretivas. A produção nos grupos sob liderança autocrática foi maior, mas
com mais sinais de agressividade, tensão e ansiedade. Alguma semelhança com o que
vemos sob liderança autocrática ainda hoje?
Os líderes democráticos proporcionavam consulta e participação aos membros,
supervisionavam as atividades, a produção era menor, se comparada à daqueles lide-
rados autocraticamente, mas de melhor qualidade, com maior coesão e comprometi-
mento. Na liderança laissez-faire, a supervisão ou controle é mínima, e a qualidade e
a quantidade de atividades realizadas eram inferiores em relação aos tipos citados. As
Psicologia Aplicada à Administração

principais conclusões foram que o excesso de liberalidade era prejudicial à produção,


e a liderança democrática era vantajosa.
Os estudos da liderança de origem comportamental tinham em comum a busca
por identificar o estilo do líder com base nos comportamentos e são reconhecidos pela
ampliação que representam diante das perspectivas inatistas predominantes até então.
Com o foco da liderança nos comportamentos, passou a se conceber que a liderança
poderia ser desenvolvida e aprendida, pois não era exclusivamente inata.
Finalizando a apresentação de algumas das contribuições do behaviorismo para
a gestão de pessoas, cabe reiterar a vinculação entre os conhecimentos da adminis-
tração e da psicologia. A psicologia que trata dos comportamentos e dos processos de
trabalho e organizacionais se desenvolveu no início do século passado, articulada aos
pressupostos do taylorismo e centrada no estudo da produtividade versus o esforço
despendido (Sampaio, 1998). Os principais pilares eram originários da psicologia das
diferenças individuais, do funcionalismo e do behaviorismo, pois modos de administrar
voltados ao funcionamento das organizações e das pessoas eram considerados os mais
16 adequados. Embora atualmente se questione essa visão considerada mais tradicional,
os preceitos tayloristas-fordistas ainda são amplamente utilizados na gestão de pessoas
nas organizações.
Constata-se, através da revisão de literatura, que a teoria organizacional e a
gestão de pessoas têm salientado a necessidade constante de mudanças e elaborado
novas formas de organizar e gerir o trabalho. Por seu lado, a utilização das abordagens
sobre o comportamento, quando aplicadas às organizações, muitas vezes é reduzida
à busca por respostas padronizadas acerca do homem. Isso possibilita compreender
parte das ações humanas no trabalho, mas deixa de fora contribuições importantes
sobre as consequências do excesso de controle e das punições, por exemplo. Como
se verá nos próximos capítulos, outras escolas psicológicas buscaram ampliar esse
escopo.
Capítulo 1

1.5. QUESTÕES PARA ESTUDO


Retome as aprendizagens desenvolvidas com a leitura do capítulo e disserte em
relação ao que lhe é solicitado a seguir.
■ Identifique por que o comportamentalismo se tornou uma abordagem tão

Abordagem behaviorista: a busca do controle dos comportamentos


importante para a constituição da psicologia como ciência.
■ Descreva as principais contribuições dos conceitos apresentados sobre o
behaviorismo para a prática profissional do administrador nas organizações.
■ Identifique situações de aplicabilidade da abordagem comportamental na
gestão de pessoas.

1.6. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO


Organize um fórum de discussão e debata com os colegas a seguinte questão:
■ Quais as possíveis decorrências da premiação e da punição dos trabalha-
dores para a gestão de pessoas? Encontre subsídios na Escola Behaviorista
para justificar a resposta.

1.7. SUGESTÕES DE PESQUISA


Procure observar o ambiente no qual você está inserido e verificar em que
situações manifestam-se comportamentos de punição e aversivos e quais as ações
consequentes mais comuns em presença desses comportamentos. Ou seja: os com-
portamentos de punição e aversivos tendem a gerar resultados de maior eficácia ou 17
o contrário?

1.8. REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES


Se você quiser ler mais sobre behaviorismo, procure os seguintes livros:
SKINNER, B.F.; PIAGET, J. Contingências do reforço (capítulos I,VI, VII, VIII). São Paulo:
Abril Cultural, 1975. 426 p. (Os pensadores; 51).
___________. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix: Ed. Univ. S. Paulo, 1982.
___________. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
___________. O mito da liberdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Bloch, 1973.
___________. Para além da liberdade e da dignidade. Lisboa (PT): Edições 70, 2000.
___________. Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus, 1991.
___________. Walden II: uma sociedade do futuro. São Paulo: EPU, 1977.
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER

Se você gosta de filmes, assista “A Onda”. Trata-se da história de um professor que,


para ensinar autocracia (ditadura, fascismo) a uma turma de adolescentes, resolve condu-
zir um experimento. Começa a criar regras na turma que tornam os alunos, aos poucos,
verdadeiros neonazistas. Primeiro foi a disciplina exagerada para falar, sentar. Depois,
o vestir. Depois, cumprimentos. Chegou o ponto em que todos usavam uniformes e se
prestavam continências que lembravam a saudação nazista. Por meio do filme, é possível
problematizar como nossos comportamentos podem ser condicionados.
Psicologia Aplicada à Administração

1.9. REFERÊNCIAS
ATKINSON, R.L.; ATKINSON, R.C.; SMITH, E.E.; BEM, D.J.; NOLEN-HOEKSEMA.
Introdução à psicologia de Hilgard. 13. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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de psicologia. 13. ed. São Paulo, 2003.
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Estudos em psicologia (Natal) v. 7 no especial Natal 2002. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2002000300005. Acesso em: 20 maio 2010.
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WOOD JR; T.; PICARELLI FILHO, V. Remuneração estratégica: a nova vantagem compe-
titiva. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas, 2001.
2
Abordagem
psicodinâmica

Ana Cláudia Souza Vazquez


Micheline Roat Bastianello

“Há uma interação dinâmica e contínua entre instância psíquica (in-


dividual) e experiência laboral (coletivo e social). As dinâmicas que se
processam articulam vivências individuais que, pela via da intersubjeti-
vidade, atingem a instância coletiva” (Seligmann-Silva, 1997).

A psicodinâmica é uma abordagem que estuda as forças psíquicas que agem sobre
o comportamento humano, enfatizando a relação entre motivações inconscientes e
conscientes. O objetivo deste capítulo é demonstrar as contribuições desta abordagem
para o campo da administração, analisando o impacto dos estudos de alguns autores na
origem da psicodinâmica como campo da psicanálise e, em especial, pela configuração
da vertente da psicodinâmica do trabalho.

2.1. A PSICODINÂMICA NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS


Psicodinâmica é uma teoria que se originou nos trabalhos de Sigmund Freud
como uma nova abordagem para o tratamento psicológico. A psicodinâmica parte do
pressuposto de que as pessoas são movidas por uma quantidade de energia psíquica,
que gera tensões internas em função da busca para dar vazão a seu acúmulo na mente
humana.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

Freud foi o primeiro a afirmar que a natureza humana é movida por um conjun-
to de forças internas e que suas ações são motivadas por fatores que não são sempre
racionais nem acessíveis à consciência. A busca pelo equilíbrio entre as instâncias do
psiquismo humano e o desenvolvimento da personalidade são os fatores que caracteri-
zam a dinâmica da vida mental dos indivíduos. A contribuição de Freud se configura,
especialmente, por colocar em foco essa dinâmica da vida psíquica, impactando estudos
subsequentes nas mais diferentes áreas.
A aplicação da abordagem psicodinâmica nas organizações, então, toma como
Psicologia Aplicada à Administração

ponto de partida a investigação da relação do homem com seu trabalho a partir de


conceitos que articulam a história singular das pessoas, sua dinâmica interna e suas ca-
racterísticas de personalidade. A conexão entre a dinâmica da vida psíquica e as esferas
social/organizacional se configura como um tema central nesses estudos. Nesse sentido,
duas vertentes podem ser observadas: (a) estudos em psicodinâmica organizacional,
encontrados especialmente nos trabalhos sobre comportamento organizacional; e (b)
estudos em psicodinâmica do trabalho, com ênfase na saúde do trabalhador.
Este capítulo pretende tratar dos impactos da psicodinâmica nas abordagens
que estudam a vida organizacional, os processos de trabalho e suas aplicações para
a administração. No campo da psicodinâmica organizacional serão abordadas, mais
especificamente, as investigações que se centram no comportamento das pessoas em
seu contexto produtivo, especialmente em relação a temas como equipes, liderança e
motivação. Já no campo da psicodinâmica do trabalho, será apresentada sua origem
nos trabalhos de Christophe Dejours e seus desdobramentos ao aliar à base conceitual
da psicodinâmica os estudos em sociologia do trabalho e em ergonomia.
22 Considerando as origens desta abordagem na psicanálise de Freud, faz-se neces-
sária a exposição inicial dos conceitos centrais que compõem o arcabouço teórico da
psicodinâmica nos estudos organizacionais. Em seguida, as principais contribuições
dos estudos em psicodinâmica organizacional e em psicodinâmica do trabalho serão
discutidas, destacando-as a partir de dois tópicos: (a) a perspectiva da dinâmica do
comportamento do indivíduo na vida organizacional; e (b) a relação do trabalho com
a saúde das pessoas.

2.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE SIGMUND FREUD


Sigmund Freud, neurologista vienense nascido em 1856, criou a psicanálise ao
buscar um tratamento efetivo para pacientes com sintomas histéricos e neuróticos. Por
definição, essa teoria é tríplice, pois é simultaneamente um método de investigação do
comportamento humano, um método de tratamento psicoterápico individual e um
corpo de conhecimento científico que inaugura uma nova disciplina na psicologia.
Capítulo 2

O núcleo da teoria psicanalítica é um modelo conflitual de motivação, segundo


o qual o comportamento é provocado por impulsos inconscientes, com base biológi-
ca, os quais exigem gratificação. Quando a expressão dessas exigências é bloqueada
por impedimentos da realidade, como leis, regras e constrangimentos morais, nós
negociamos compromissos comportamentais centrados nas substituições ou nas
representações simbólicas do objeto originalmente desejado.
Como todo pesquisador, Freud lançou diversas hipóteses ao longo de seus estu-
dos e da criação de sua teoria. Nem todas se confirmaram e algumas não ficaram bem
estabelecidas, porém existem duas hipóteses confirmadas que podem ser consideradas

Abordagem psicodinâmica
leis fundamentais a respeito da mente humana.
Freud percebeu que, na mente humana, assim como na natureza, nada acon-
tece por acaso e propôs o princípio do determinismo psíquico. De acordo com essa
hipótese, cada evento psíquico é determinado por aqueles que o precederam. Portanto,
apenas aparentemente nossos pensamentos parecem fortuitos ou não relacionados
com seus precedentes. Por isso, Freud afirmou não haver descontinuidade na vida
mental. Experiências comuns da vida quotidiana, como esquecer ou perder algo, são
comumente vistas como acidentais ou casuais, mas, ao investigarmos diversas dessas
ditas causalidades na vida de um indivíduo, podemos observar que cada uma delas
foi provocada por algum desejo ou intenção.
A segunda hipótese é a existência de processos mentais inconscientes, isto é,
processos que o indivíduo não percebe que aconteceram porque foram suprimidos
para o inconsciente. Podemos perceber que ambas as hipóteses encontram-se intima-
mente ligadas, uma vez que é exatamente pelo fato de tantas coisas acontecerem de
modo inconsciente em nossas mentes que aparentemente nossos pensamentos e atos 23
parecem ser descontínuos.
Com base nessas duas hipóteses, Freud desenvolveu uma teoria sobre o funcio-
namento da mente humana e um método de tratamento das psicopatologias. Vejamos,
a seguir, alguns dos principais conceitos da teoria psicanalítica que tratam da estrutura
e dinâmica da personalidade humana.

2.2.1. Modelo estrutural


Em 1923, Freud desenvolveu um modelo estrutural da personalidade a partir
da ideia de que a atividade mental é um sistema de energia que possui uma estrutura
denominada por ele de aparelho psíquico. Este é composto por três partes:
Id – O id é a parte original do aparelho psíquico. Ele dá origem às outras duas
partes – ego e superego. Caracteriza-se por tudo que é herdado e constitui o indivíduo
desde seu nascimento (instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes). Fun-
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

ciona segundo o princípio do prazer, isto é, evitar a dor e buscar o prazer. Quando o
nível de energia aumenta, o id age de maneira a descarregar imediatamente as tensões
desconfortáveis que resultam de estimulações internas ou externas, fazendo com que
o organismo volte a um nível de energia tolerável. Esta instância psíquica é totalmente
inconsciente, não tem contato com a realidade e, por isso, a satisfação atingida por meio
da fantasia pode ter o mesmo efeito de uma satisfação atingida através de uma ação.
Ego – O ego desenvolve-se a partir do id como uma instância que distingue as
coisas na mente das coisas no mundo externo. É regido pelo princípio da realidade, que
Psicologia Aplicada à Administração

introduz a razão, o planejamento e a capacidade de espera ao comportamento humano.


Desse modo, a satisfação das pulsões é retardada até o momento em que a realidade
permita satisfazê-las com um máximo de prazer e um mínimo de consequências ne-
gativas. A principal função do ego é buscar uma harmonização inicialmente entre os
desejos do id e a realidade e, posteriormente, entre estes e as exigências do superego.
Superego – O superego forma-se após o ego, durante o esforço da criança de
introjetar os valores recebidos dos pais e da sociedade a fim de receber amor e afeição.
É a parte moral da mente humana e representa as regras, as leis e os valores da socie-
dade. O superego tem três objetivos: (1) inibir (através de punição ou sentimento de
culpa) qualquer impulso contrário às regras e ideais por ele ditados; (2) forçar o ego
a se comportar de maneira moral (mesmo que irracional); e (3) conduzir o indivíduo
à perfeição – em gestos, pensamentos e palavras.

2.2.2. Energia mental


24 Como vimos anteriormente, Freud pensou estruturalmente o aparelho psí-
quico como um sistema de energia composto por três partes. Essas partes – id, ego e
superego – interagem dinamicamente a partir de um substrato energético que são as
necessidades e os desejos. Assim, cada indivíduo é movido por uma certa quantidade
de energia psíquica que poderá ser utilizada para a satisfação dos impulsos do id, para
apoiar as pressões do superego ou para dar força ao ego na luta adaptativa.

2.2.3. Modelo topológico da mente ou os níveis da consciência


Freud também supôs que o aparelho psíquico está dividido topograficamente
em três planos – consciente, pré-consciente e inconsciente – nos quais as atividades
mentais se manifestam. Vejamos cada um deles.
Consciente – é a parte inconstante da vida mental. Equivale a todos os fenôme-
nos que ocupam a atenção de um indivíduo em determinado momento. Seu conteúdo
provém tanto dos estímulos do presente quanto das lembranças passadas evocadas.
Capítulo 2

Pré-consciente – está intimamente ligado ao consciente. É o reservatório de


tudo que pode ser facilmente lembrado.
Inconsciente – é onde se encontram os impulsos primitivos não conscientes que
influenciam os comportamentos e um grupo de ideias, carregadas emocionalmente,
que foram expulsas da consciência para um plano mais profundo devido a seus as-
pectos intoleráveis. Os conteúdos do inconsciente não são acessíveis voluntariamente.
A título de ilustração, podemos imaginar a hipótese topográfica do funciona-
mento mental de Freud como um iceberg. A porção acima da superfície seria o cons-
ciente e a porção que se torna visível conforme o movimento da água corresponderia

Abordagem psicodinâmica
ao pré-consciente, enquanto o inconsciente representaria a parte submersa, propor-
cionalmente muito maior que as partes anteriores.

2.2.4. Os mecanismos de defesa


Dentro da teoria psicanalítica, os mecanismos de defesa são desenvolvidos pelo
aparelho psíquico para proteger o indivíduo contra os impulsos e afetos que ocasionam
os conflitos entre o ego, o id e o superego e se tornam fontes de angústia e sofrimento.
A seguir, alguns dos principais mecanismos descritos por Freud.
Repressão é uma operação psíquica que afasta da consciência conflitos e frus-
trações desagradáveis ou inoportunos para serem experimentados ou lembrados.
Estes são reprimidos ou recalcados para o inconsciente. Uma pessoa, por exemplo,
que sente medo de ir ao dentista pode, ao ocupar-se com outras atividades ao longo
do dia, “esquecer-se” de ir à consulta agendada.
Sublimação é a satisfação de um impulso inaceitável através de um compor- 25
tamento socialmente aceito. Por exemplo, os impulsos agressivos podem ganhar
expressão na atividade sublimada de um pintor.
Identificação é o processo pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma
característica, um atributo de outro e, assim, transforma-se segundo esse modelo. A per-
sonalidade humana constitui-se e diferencia-se a partir de uma série do identificações.
Regressão consiste no retorno do indivíduo a formas do pensamento, das rela-
ções e do comportamento característicos de uma fase de desenvolvimento que já passou.
Projeção consiste em atribuir a outros as ideias e tendências que o sujeito não
pode admitir como suas. No campo organizacional, podemos imaginar um funcioná-
rio que possui sentimentos inconscientes de hostilidade em relação ao chefe e passa a
considerar que este o persegue e discrimina, embora tais atitudes não correspondam
ao comportamento real do chefe.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

Deslocamento pode ser entendido suscintamente como o processo pelo qual


agressões ou outros impulsos indesejáveis, não podendo ser direcionados à pessoa a
que se referem, são direcionadas a terceiros (objetos ou animais). Por exemplo, fobia
de cães. Nesse caso, o deslocamento de impulsos inconscientes sobre o animal (objeto
fóbico) permite que o indivíduo objetive, localize e circunscreva a angústia.

2.2.5. As fases psicossexuais do desenvolvimento da personalidade


Psicologia Aplicada à Administração

Freud propôs que o desenvolvimento humano ocorre em fases predeterminadas,


o que quer dizer que todos os indivíduos atingirão a vida adulta passando por essa
sucessão de estágios. Durante o desenvolvimento ocorrem mudanças marcantes no
que é desejado e em como esses desejos são satisfeitos. Essas modificações nas formas
de gratificação são os elementos básicos na descrição de Freud das fases.
Fase oral – corresponde ao primeiro ano de vida da criança. Nesta fase, a energia
libidinal, que é energia que está à disposição dos impulsos de vida, está centrada na
boca. A libido está à disposição dos instintos de autopreservação, voltada à necessidade
de alimentar-se. Nos adultos, persistem alguns hábitos orais, como comer, chupar,
morder, lamber, beijar. Indivíduos que mordiscam constantemente, fumantes e os
que costumam comer demais podem ser pessoas parcialmente fixadas na fase oral.
Fase anal – corresponde aproximadamente ao segundo e terceiro anos de vida.
Neste período, a libido está concentrada no controle dos esfíncteres, sendo reforçada
pelas exigências parentais. Algumas características adultas estão associadas à fixação
parcial na fase anal, como ordem, parcimônia e obstinação. Freud observou que esses
26 três traços em geral são encontrados juntos. Ele fala do “caráter anal”, cujo comporta-
mento está intimamente ligado a experiências vividas durante esta época da infância.
Fase fálica – compreende o período que vai dos três aos cinco anos aproxima-
damente. A energia libidinal dirige-se aos órgãos genitais. É nesta fase que a criança
passa pela experiência do complexo de Édipo, que acaba por gerar a identificação da
criança com o progenitor do mesmo sexo.
Fase de latência – esta fase inicia-se logo após a fase fálica e persiste até o início
da puberdade. A libido é empregada no desenvolvimento intelectual e, aparentemente,
os impulsos do id ficam latentes.

2.3. A PERSPECTIVA DA DINÂMICA DO COMPORTAMENTO DO INDIVÍDUO NA


VIDA ORGANIZACIONAL
Os estudos em comportamento organizacional são um foco importante nas
pesquisas em administração (Vazquez e Hutz, 2009; Siqueira, 2008; Tonelli et al.,
Capítulo 2

2003) e partem da ideia de que a dinâmica interna das pessoas é um fator importante
que merece ser considerado. A partir da teoria psicodinâmica, temas sobre como os
indivíduos se comportam ou se organizam em equipes/grupos, entre outros, foram
aprofundados nos estudos organizacionais.
Nessa perspectiva, o modo como cada pessoa atua e seus motivos são construídos
ao longo de sua história de vida, formando sua personalidade e características de ma-
neira singular e diferenciada em relação às outras pessoas. Ou seja, cada pessoa é um
universo único, e cada relação é marcada pelas diferenças individuais entre as pessoas
em interação e pelo contexto onde estão inseridas. Nesse sentido, a contribuição da

Abordagem psicodinâmica
psicodinâmica como área de conhecimento tem como mérito trazer à tona a dimen-
são da pessoa como aspecto relevante e sempre presente no cotidiano da prática nas
organizações, considerando seus paradoxos e conflitos como centrais para o debate.
Em termos gerais, os estudos sobre psicodinâmica organizacional têm sido
aplicados na administração, principalmente, em três direções: (a) desenvolvimento
dos conceitos de equipes/grupos, liderança e motivação para aplicação no contexto
de gestão de pessoas; (b) uso da teoria psicodinâmica nas estratégias de consumo e
pesquisa em marketing; e (c) uso de tipologias psicológicas para desenvolvimento de
pessoas por meio de técnicas de coaching, avaliação de características de personalida-
de, dentre outras. De forma breve, vamos expor como são utilizados os conceitos da
abordagem psicodinâmica para compreender como as pessoas – seres humanos ativos
e transformadores do meio – se comportam na organização de trabalho.

2.3.1. Desenvolvimento de conceitos da teoria psicodinâmica e aplicação na


27
gestão de pessoas: equipes, liderança e motivação
O que faz com que as pessoas se relacionem entre si e como elas conduzem suas
relações nas organizações de trabalho? A premissa da psicodinâmica é que as pessoas
se movem para dar vazão à sua energia psíquica acumulada pela busca de satisfação
de desejos e necessidades que lhes são inconscientes. Nesse sentido, os conceitos
psicodinâmicos permitem compreender como as pessoas se expressam no contexto
das organizações e do mundo do trabalho. Responder às questões sobre os modos
como as pessoas se relacionam entre si e com a organização pela teoria psicodinâmica
tem remetido a investigações com ênfase, especialmente, no grupo, na liderança e na
motivação.
Em relação aos estudos sobre grupos e formação de equipes, a psicodinâmica
faz emergir três conceitos centrais: (1) ideal de ego; (2) mecanismo inconsciente de
identificação; e (3) contexto simbólico.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

Para Freud (1921, p. 126), as relações entre membros de um grupo, o relaciona-


mento com o líder e a possível coesão entre as pessoas se manifesta como uma relação
entre o ego, o ideal de ego e um objeto externo. O ideal de ego é uma instância da
personalidade que constitui um modelo com a qual a pessoa se molda ou se conforma
(Laplanche e Pontalis, 1998, p. 222). As pessoas podem atribuir à figura de um líder
ou mesmo à ideologia organizacional a função de ideal de ego. Para tanto, entra em
jogo o mecanismo de identificação que permite a transferência de afeto para o objeto
que assume o significado de ideal de ego.
Psicologia Aplicada à Administração

Freud (1921) sugere que a identificação de um grupo com o ideal de ego pode
acarretar resultados positivos, como a coesão, a identificação mútua e a redução da
agressividade entre seus membros. Dessa forma, a identificação das pessoas umas com
as outras em certo contexto simbólico decorre da dinâmica na relação entre elas. Nessas
interações, as pessoas atribuem a determinados conteúdos um objeto comum e central
para o grupo. O mecanismo inconsciente de identificação, portanto, promove no grupo
a coesão e a elevação no nível de comprometimento de seus membros. Tal mecanismo
gera uma dinâmica de interação da equipe que permite aos líderes fazerem emergir
suas características pessoais e as do grupo que sejam mais eficazes e valorizadas no
contexto organizacional (Bennis e Nanus, 1985, em Pauchant, 1996).
A linguagem, a comunicação, e os significados são centrais para a compreensão
do universo simbólico onde os seres humanos estão inseridos e com o qual têm o po-
tencial de se identificar e se engajar (Freud, 1996). A interação entre os membros do
grupo e destes com o líder cria condições simbólicas que favorecem ou não o compro-
metimento com metas, resultados e objetivos organizacionais. O que a psicodinâmica
28 demonstra é que se faz necessário que o contexto simbólico da equipe, dos membros,
do líder e da organização como um todo remeta à satisfação de desejos e aos modelos
idealizados pelas pessoas. O contexto simbólico da organização e da equipe, portanto,
é um aspecto relevante na psicodinâmica da vida organizacional.
Sendo assim, quanto às condições necessárias para que as pessoas se identifiquem
com a equipe ou a organização, a psicodinâmica demonstra que a busca pela satisfação
de necessidades e desejos internos é um impulso do ser humano que se concretiza
em: (a) um contexto simbólico favorável; e (b) na interação com um ideal de ego para
onde possam transferir seus desejos e se sentir satisfeitos (mesmo que parcialmente
satisfeitos). Para a administração, esse conhecimento é relevante, especialmente, para
a investigação do comprometimento e do desempenho nas organizações.
Em relação aos estudos sobre liderança, a psicodinâmica propôs novas ques-
tões para a administração. Não há novidade no campo da gestão de pessoas em se
atribuir ao líder o papel de elemento-chave nas organizações. Entretanto, o que a psi-
codinâmica propõe é a investigação de processos psíquicos relacionados à interação
Capítulo 2

entre as pessoas e entre as pessoas e o meio, em um contexto específico e peculiar.


Nesse sentido, os mecanismos de identificação e de transferência são caracterizados,
no contexto da liderança, como um fenômeno psicológico e remetem a questões do
tipo: quais processos fazem com que uma pessoa seja posicionada como líder pelo
grupo? Quais mecanismos psicológicos são vivenciados nesse processo? Assim, a in-
vestigação enfatiza, principalmente, dois movimentos para compreender os processos
psicológicos envolvidos na liderança: (1) do grupo em relação ao líder; e (2) do líder
em relação ao grupo.
Na abordagem psicodinâmica, quando um líder é posicionado como ideal de ego,

Abordagem psicodinâmica
isso significa que um sentido foi compartilhado pelo grupo, que houve a identificação
deste com o líder e que a dinâmica das relações entre os membros foi direcionada
pelo mecanismo de transferência inconsciente no sentido de suprir as carências dos
membros do grupo, assim como as necessidades do líder. A contribuição teórica desta
perspectiva se configura na constatação de que a liderança não é processo simples
nem racional. Mais do que delegar a alguém responsabilidades de liderança, um líder
é constituído pelo grupo quando este o considera, simbolicamente, um modelo capaz
de atender a suas necessidades inconscientes e afetivas. O que explica, por exemplo,
o fato de uma pessoa ser aparentemente a mais capaz ou preparada para um cargo
que exija liderança, sendo a opção racionalmente mais óbvia, mas não se posicionar
como líder para o grupo.
No que diz respeito ao modo como o processo de liderança se estabelece do líder
em relação ao grupo, a discussão teórica se caracteriza pelas forças psicodinâmicas
que influenciam a personalidade do líder e a relação deste com sua equipe. Aspectos
sobre necessidade de poder, motivos para manutenção da posição de liderança, e 29
conflitos inconscientes se caracterizam como temas estudados no contexto da teoria
psicodinâmica. Nesta abordagem, portanto, o processo de liderança se configura como
complexo e imerso em tensões e conflitos inerentes às relações humanas e sua dinâmica
no contexto simbólico onde a prática do trabalho se concretiza.
Kets de Vries e Miller (1990), por exemplo, demonstram que o empreendedor se
comporta de modo a transgredir o que já existe, direcionando seus impulsos e motivos
para a criação de algo novo. O aspecto inconsciente da personalidade de um líder
empreendedor mobiliza a energia psíquica deste no sentido de reconstruir constan-
temente seu ego na relação com o outro, visando preencher carências que expressam
seus desejos. Tais necessidades demonstram que o líder empreendedor apresenta como
características principais a elevada autossuficiência e a necessidade de poder.
A teoria psicodinâmica, portanto, demonstra os conflitos inconscientes do líder
como parte da dinâmica das relações deste com os outros e com o contexto onde está
inserido. É certo que várias teorias apontam para o fato de que o estabelecimento de
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

relações produtivas entre a equipe e o líder fornece as condições necessárias para o


aumento do nível de comprometimento e de motivação. A diferença é que a aborda-
gem psicodinâmica descaracteriza o “mito de herói” atribuído aos líderes e coloca em
questão as relações da equipe entre si e com o líder, com seus aparentes paradoxos,
conflitos e tensões (Pauchant, 1996).
Isso significa que o processo de liderança apresenta uma dinâmica intensiva
intrínseca às interações entre as pessoas no cotidiano da vida organizacional. Os con-
flitos podem gerar situações produtivas ou destrutivas nesse contexto, dependendo da
Psicologia Aplicada à Administração

forma como o processo for conduzido na relação com a equipe, com a organização e
com as hierarquias de poder. Dessa forma, a psicodinâmica estabelece que a liderança
e o processo de gestão de equipes não se efetuam por seus aspectos racionais de pla-
nejamento e consenso negociados, apenas. Antes disso, são processos que interagem
continuamente com as necessidades das pessoas nas organizações e a possibilidade de
satisfação de seus desejos intrínsecos. Admitir essa dinâmica faz com que a adminis-
tração anteveja a complexidade dos processos que envolvem a liderança, a formação
de equipes e a promoção do alto desempenho nas organizações.
Os conflitos inconscientes e aparentes paradoxos do líder demonstram que as
características deste se atualizam conforme a natureza de suas relações com o grupo. É
nesse sentido que se diz que a “liderança não existe no vazio”: ela é sempre uma relação
de grupo em certo contexto social, simbólico e de relações de poder. Na dinâmica dessas
relações é que o processo de motivação é investigado pelas teorias psicodinâmicas.
Em relação ao papel dos processos motivacionais, alguns autores defendem
que a motivação não pode ser entendida fora do contexto das relações interpessoais
30 e, portanto, deve ser sempre relacionada aos processos de liderança nas organizações
(Bergamini e Colda, 1997; Bergamini, 1994).
Sendo a liderança considerada a arte de mobilizar os outros de modo que estes
desejem lutar por aspirações compartilhadas, a gestão de pessoas deve, então, propiciar
a construção de sentido. Essa gestão de sentido visa estimular os líderes a que invistam
no autoconhecimento e na percepção das diferenças de cada membro da equipe. Este
aspecto, sinalizado por Bergamini (1994), visa caracterizar a ideia de que a liderança
não pode ser entendida fora do campo da motivação, na medida em que a equipe deve
avançar em direção a objetos inseridos em um contexto simbólico, compartilhado
e pelo qual “valha a pena trabalhar”. Este “valer a pena” significa que a dinâmica da
vida organizacional deve ser construída em função dos desejos e necessidades que
impulsionam o comportamento humano. Dessa forma, a motivação se caracterizaria
como uma variável relacionada diretamente à liderança, devendo ser investigada no
contexto da psicodinâmica das relações na organização de trabalho.
Capítulo 2

Seria, porém, o sentido compartilhado uma forma de direcionar os desejos para


as realizações consideradas importantes para a organização? Basta que a gestão de
pessoas ou o processo de liderança se concentrem em gerenciar os sentidos de forma
que eles gerem significados compartilhados pelo grupo na organização?
A teoria psicodinâmica demonstra que, se, por um lado, os aspectos simbólicos
e da comunicação têm o potencial de conduzir as pessoas à construção compartilhada
de significados em suas relações com os outros e com o meio, por outro lado, a di-
nâmica do desejo inconsciente não se restringe a uma gestão de sentido pelo uso da
informação ou pelo mecanismo de conscientização. Significa dizer que ter informações

Abordagem psicodinâmica
atualizadas e relevantes, ou ser conscientizado de algo, não move nem motiva as pessoas
para uma ação, a não ser que se estabeleçam conexões com aspectos da psicodinâmica
pessoal. Por exemplo, uma pessoa não para de fumar simplesmente porque entende
que o cigarro faz mal a sua saúde. Mas ela pode parar com esse comportamento ao
vivenciar o sofrimento de uma pessoa que lhe é querida, por causa das consequências
do tabagismo na vida desta.
A questão enfatizada na abordagem psicodinâmica, então, é que o sentido
compartilhado é um aspecto importante na vida organizacional, que está relacionado
à motivação, liderança e formação de equipes. Entretanto, não se deve desconsiderar
a complexidade dos vários motivos que impulsionam o comportamento das pessoas,
bem como o papel da organização do trabalho para a motivação. Kets de Vries (1996),
por exemplo, considerou que a motivação se liga ao sentimento de inveja como um
fator relevante para impulsionar as ações das pessoas. Esse sentimento se expressaria
no contexto organizacional pela busca frenética de excelência devido ao desejo de
provar aos outros que é capaz ou pelo engajamento em grandes realizações como 31
forma de reparar simbolicamente algum erro no passado. Dessa forma, a gestão de
pessoas e equipes nas organizações deve considerar múltiplas motivações para que
as ações ditas motivacionais contribuam de fato para a dinâmica organizacional e os
resultados esperados.
Poderíamos, porém, considerar que a motivação se caracteriza como uma
manifestação direta daquilo que as pessoas desejam? Observar pessoas motivadas no
trabalho nos conduziria a uma compreensão mais acurada do fenômeno da motivação?
Para a teoria psicodinâmica, relacionar o trabalho com o desejo não é uma tarefa tão
simples assim.
Se, por um lado, o trabalho pode ser uma maneira de satisfazer desejos, por
outro lado, a organização do trabalho tende a prescrever tarefas que fazem com que
o indivíduo precise suprimir seus desejos pessoais para seguir normas e atingir suas
metas de produtividade. Por isso, Dejours e Abdoucheli (1994) afirmam que, em geral,
desejo e motivação se direcionam de forma oposta nas organizações, podendo gerar
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

questões relevantes para a saúde do trabalhador. Esse aspecto será discutido mais
adiante, quando tratarmos da psicodinâmica do trabalho. Porém, é importante men-
cionar que, para relacionar a motivação e o desejo no trabalho, a psicodinâmica prevê
a construção de espaços onde o indivíduo possa elaborar seus desejos pela liberdade
e criatividade no contexto organizacional.
Destacam-se, então, dois aspectos apontados como relevantes para a psicodi-
nâmica organizacional no campo da gestão: (1) a criação de condições para que as
pessoas possam satisfazer suas necessidades intrínsecas e singulares; (2) a promoção
Psicologia Aplicada à Administração

de um contexto simbólico rico e que tenha modelos com os quais as pessoas possam
se identificar. Para a administração, os estudos em comportamento organizacional
na perspectiva psicodinâmica se configuram como relevantes e profícuos em termos
de contribuições. A aplicação desses conceitos na gestão de pessoas apresenta várias
facetas e múltiplos desdobramentos.

2.3.2. Uso de aspectos da teoria psicodinâmica nas estratégias de consumo


e pesquisa em marketing
“O ponto de partida dos estudos em Marketing reside nas necessidades e
desejos humanos” (Kotler, 1996).

A psicodinâmica impactou profundamente o marketing nos anos 1950, espe-


cialmente pelo foco no desejo e nas motivações inconscientes das pessoas. É nesse
sentido que Kotler e Keller (2006, p. 183) consideram que forças psíquicas inconscientes
moldam o comportamento das pessoas e que, por isso, seria fundamental conhecer
32 os principais fatores que influenciam o comportamento de compra e seu processo de
tomada de decisão.
Os conceitos da psicanálise de Freud mobilizaram os teóricos em marketing para
a tentativa de conduzir as fantasias dos indivíduos rumo ao consumo de determinados
produtos (Mowen, 1995). Fontenelle (2008) argumenta que a importância atribuída a
conhecer a mente do consumidor fez com que a psicodinâmica fosse central (e quase
exclusiva) nas pesquisas sobre motivação, desejos e necessidades dos consumidores
nos anos 1945 a 1960.
Dessa forma, vários autores em marketing se dedicaram a investigar como as
vendas poderiam emergir através de estratégias de promoção que atuassem no desejo
dos consumidores. Tais estudos também conduziram investigações sobre como confi-
gurar imagens e ideias que simbolicamente tivessem algum impacto sobre o possível
consumidor, impulsionando as vendas. Observa-se a influência da psicodinâmica,
principalmente, nas áreas de estratégias de promoção e de pesquisa em comportamento
Capítulo 2

do consumidor voltadas para a compreensão dos mecanismos que fazem com que as
pessoas tomem a decisão de comprar.
Nessas áreas, as contribuições da abordagem psicodinâmica no campo do
marketing se direcionaram especificamente para os estudos acerca de: (1) aspectos
psicológicos que influenciam a percepção dos indivíduos e os conduzem à decisão do
consumo de determinado produto (Fontenelle, 2008; Kotler e Keller, 2006; Mowen,
1995); e (2) aspectos simbólicos que atuam no comportamento de consumo e que são
responsáveis por conferir valor diferenciado a um produto ou serviço (Zatti et al.,
2005; Wolff, 2002; Kotler, 1998).

Abordagem psicodinâmica
Quanto aos aspectos psicológicos do ato de compra, os mecanismos de identi-
ficação do consumidor com determinado objeto (produto/serviço), as características
de personalidade marcadas pelas vivências em cada fase do desenvolvimento psicos-
sexual do consumidor em potencial e a compreensão da dinâmica relativa ao aparelho
mental e instâncias do id, ego e superego são temas discutidos em relação à eficácia
das estratégias de promoção.
Segundo Tomasi (2009), o modelo psicodinâmico de compreensão do com-
portamento de compra assume como premissa básica que a dinâmica e a estrutura da
personalidade do consumidor podem ser impactadas por campanhas e peças publici-
tárias que façam com que a pessoa se identifique com o contexto simbólico proposto.
Dessa forma, o comportamento de compra pode ser obtido pelo planejamento da
estratégia de promoção, especificando-a quanto à fase de desenvolvimento psicossexual
do consumidor que se pretende atingir. O propósito da promoção deve ser obter uma
relação de semelhança do contexto simbólico da promoção (anúncio, campanha etc.)
com as necessidades inconscientes de possíveis consumidores. 33
Em outras palavras, é preciso que a pessoa que está observando uma promoção
se identifique simbolicamente com o contexto veiculado nesta e atribua ao produto/
serviço o significado de uma necessidade que ele precisa atender. Ao se identificar com
a peça publicitária, então, o consumidor relegaria ao segundo plano quaisquer outros
motivos racionais que possa ter para não comprar. Dessa forma, observa-se que a
motivação inconsciente como elemento-chave para a tomada de decisão da compra se
configura como conceito da psicodinâmica aplicado aos estudos em comportamento
de consumo.
Em relação ao mecanismo inconsciente da identificação no processo de com-
pra, Zatti et al. (2005) demonstram que os diferentes estágios de desenvolvimento
da personalidade da infância moldam o comportamento do indivíduo como consu-
midor. A decisão de comprar significa que a pessoa se identificou com determinado
produto/serviço pelo modo como as instâncias do id, ego e superego o conectaram
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simbolicamente com um desejo inconsciente e o caracterizaram como uma satisfação


de necessidades que lhe são peculiares.
É nesse sentido que a compra pode ser encarada como um ato simbólico (Levy,
1959 em Wolff, 2002, p. 24-26). Segundo Freud (1921), o ser humano vive em um uni-
verso simbólico onde cada pessoa tem seus próprios símbolos, os quais se expressam
no inconsciente e na dinâmica de sua relação consigo mesmo, com os outros e com
o meio. Dessa forma, a realidade é simbolizada continuamente pelas pessoas, que a
representam de forma peculiar e individualizada.
Psicologia Aplicada à Administração

Tais aspectos simbólicos se caracterizam na abordagem psicodinâmica, também,


pelo modo como cada indivíduo tem o potencial de atribuir diversos sentidos a um
mesmo objeto. Nesse processo de simbolização, as pessoas atribuem valor pessoal
e social específicos aos objetos com que se identificaram. Assim, o ato de comprar
pode ser entendido como expressão do sentimento de prazer advindo do significado
inconsciente que o produto/serviço tem para a pessoa. O que diferencia um produto/
serviço dos outros e o torna único, valoroso ou necessário para a pessoa está direta-
mente relacionado à dinâmica interna do consumidor.
Assim, os conhecimentos da psicodinâmica favoreceram o marketing orientado
para o consumo na compreensão da mente de potenciais consumidores e dos processos
mentais que dirigem os atos de perceber, comprar e usar determinado produto. Nesse
sentido, Fontenelle (2008, p. 148) cita o seguinte exemplo de aplicação da psicodinâ-
mica para alavancagem da estratégia de venda, demonstrando o papel da pesquisa em
comportamento do consumidor:

Quando, em meados dos anos 1950, as empresas alimentícias tiveram


34
dificuldades com o mercado de café instantâneo – o qual foi inventado
para a conveniência dos soldados combatentes durante a II Guerra – por-
que as pessoas viam o produto como significando ociosidade na parte de
preparação, as empresas acharam que fracassaram... para impulsionar as
vendas, dada a conveniência aparentemente óbvia do café instantâneo. A
Nestlé Corporation... contratou uma pesquisa motivacional, baseada na
teoria psicanalítica. As entrevistas em profundidade mostraram que, se as
pessoas eram expostas a imagens reais dos grãos de café não processados,
elas poderiam ser mais receptivas a igualar o café instantâneo com o café
“normal”. A Nestlé... substituiu sua estratégia de marketing e passou a
veicular a ideia de que o café instantâneo foi produzido pelos mais ricos e
reais grãos de café. Enquanto isso, Ernest Dichter1 aconselhava a agência

1 Psicólogo austríaco que se exilou nos Estados Unidos no fim dos anos 1930, considerado o pai da
pesquisa motivacional e pioneiro na aplicação dos conceitos da psicodinâmica nos estudos em compor-
tamento do consumidor (Fontenelle, 2008, p. 148).
Capítulo 2

de café pan-americana... a substituir os tediosos cafés comuns por imagens


que retratassem o café instantâneo como uma sofisticada bebida, degustada
em lugares românticos... Como resultado destes projetos de pesquisas moti-
vacionais, o café instantâneo se tornou um sucesso de mercado e a imagem
do café “comum” foi decididamente transformada.

Outro aspecto que deve ser assinalado se refere ao fato de a pesquisa em Mar-
keting com base na psicodinâmica se concentrar no uso de instrumentos de pesquisa
motivacional, tais como entrevistas em profundidade e tipologias psicológicas. O
uso de tipologias psicológicas na investigação da personalidade do consumidor tem

Abordagem psicodinâmica
se baseado, essencialmente, nos estudos de Jung, um dissidente da psicanálise que
rearticulou os conceitos da psicodinâmica em direção ao que denominou “psicologia
analítica” (Medeiros e Cruz, 2006; Kotler, 1998). Este aspecto será analisado no pró-
ximo tópico, já que tipologias e estilos de personalidade são utilizados no campo da
administração de forma mais ampla do que na pesquisa em marketing.

2.3.3. Uso de tipologias psicológicas e estilos comportamentais como


ferramentas para a gestão de pessoas
Características de personalidade se sobressaem no campo da administração como
fatores-chave para obtenção de resultados organizacionais. Os seguintes desafios para a
organização contemporânea e a liderança têm sido constantemente listados na literatura
corrente: lidar com pessoas, conhecer suas características peculiares e aproveitar suas
diferenças individuais e competências para alocação estratégica do potencial humano.
Nesse sentido, Coda e Ricco (2010) defendem que a gestão de pessoas se consolida pela
35
importância da compreensão da personalidade das equipes e dos líderes organizacionais,
analisando e estabelecendo perfis que sejam válidos para a realidade brasileira.
O uso de tipologias psicológicas, técnicas projetivas e estilos comportamentais
no campo da administração não é recente, sendo que boa parte dos conceitos hoje
utilizados por estes instrumentos tiveram como marco a teoria psicodinâmica. Foi na
psicodinâmica que tanto tipologias quanto técnicas projetivas se configuraram como
ferramentas para compreensão dos mecanismos que regem o comportamento das
pessoas e suas motivações inconscientes. Nesse contexto, tais ferramentas visavam
obter acesso a materiais que revelariam aspectos inconscientes do comportamento
das pessoas, demonstrando a dinâmica de sua personalidade de forma indireta. No
âmbito da psicodinâmica, por exemplo, Jung2 criou o teste de associação de palavras

2 Carl Gustav Jung (1875-1961) fez parte do Círculo de Viena, formado por Freud, no período de 1907 a
1914, e pode ser considerado um dos fundadores da psicopatologia, junto com Bleuler e outros médicos
da época. Embora tenha sido um importante colaborador de Freud, Jung é considerado um dissidente
da psicanálise e criador de uma nova vertente na psicologia, a psicologia analítica (Beauchesne, 1989).
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e sua tipologia psicológica; Rorschach3 e Zulliger4 criaram os testes projetivos que


foram batizados com seus nomes; e Erich Fromm5 propôs orientações motivacionais
relativas ao desenvolvimento do caráter social das pessoas. Vários estudos em admi-
nistração se baseiam nessas concepções, procurando adaptá-las para aplicação na
gestão contemporânea.
Um exemplo disso é a escala Myers-Briggs Type Indicator (MBTI), amplamente
utilizada na administração em processos de desenvolvimento de pessoas. Essa esca-
la se baseia na técnica desenvolvida por Jung, em 1913, quando ele se dedicou aos
Psicologia Aplicada à Administração

estudos dos tipos psicológicos. Maccoby (2005, em Coda e Ricco, 2010) considera o
MBTI uma ferramenta útil para a compreensão de pessoas e seus comportamentos
gerenciais no trabalho.
Jung criou o teste de associação de palavras, onde uma palavra associada a
uma forte emoção demonstraria sua carga afetiva. Postulou, então, que as pessoas
apresentariam duas atitudes fundamentais: a extroversão e a introversão. Tais atitudes,
para Jung (1913, em Beauchesne, 1989), apresentariam quatro funções opostas entre
si: função racional do pensamento versus a função racional do sentimento; e função
irracional da sensação versus a função irracional da intuição. Jung, então, argumentou
que tais funções são desenvolvidas na infância, quando uma delas se configuraria como
ferramenta preferencial da vida mental do indivíduo, enquanto sua função antagônica
seria relegada ao inconsciente. A partir dessa concepção, o autor classificou oito tipos
psicológicos.
Tal tipologia psicológica, no entanto, se afasta das premissas da teoria psicodinâ-
mica postuladas por Freud, quando Jung formula a ideia de que o consciente deveria se
36 emancipar do inconsciente para se integrar à realidade (Beauchesne, 1989). Diante da
centralidade do conceito de inconsciente e da ideia de que os níveis de consciência são
planos de troca dinâmica do aparelho psíquico, a teoria que Jung desenvolveu tomou
rumos diferentes dos postulados na abordagem psicodinâmica. Vale lembrar que, para
a psicodinâmica, as tipologias podem retratar características em certo momento e con-
texto. Entretanto, as motivações inconscientes e suas relações com a personalidade são
dinâmicas e se modificam constantemente, conforme os modos pelos quais a pessoa

3 Psiquiatra suíço que fundou a Sociedade de Psicanálise de Zurique.


4 Psicólogo suíço que se filiou à Sociedade de Psicanálise de Zurique, onde conheceu Rorschach e o
ajudou na pesquisa com seu método projetivo. Adaptou este método para uma técnica teoricamente
similar, com objetivo de atuar na seleção e promoção de oficiais na Segunda Guerra Mundial. A técnica
de Zulliger foi o primeiro teste projetivo em grupo utilizado em seleção de pessoas.
5 O psicanalista Erich Fromm (1900-1980) nasceu na Alemanha e foi um dos fundadores do Instituto
de Pesquisa Social de Frankfurt, que mais tarde se tornaria conhecido como Escola de Frankfurt, ao lado
de Karl Korsch e vários outros pesquisadores. Posteriormente passou a ser identificada com os nomes de
Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin e Herbert Marcuse.
Capítulo 2

se estrutura simbolicamente em suas relações. O que se pode observar, portanto, é que


a tipologia psicológica de Jung extrapola o campo da psicodinâmica e que as escalas
que a aplicam, como o MBTI, são utilizadas para analisar o comportamento humano
como um conjunto de aspectos que podem ser classificados, regulados e modificados
na dinâmica mental das pessoas.
Por outro lado, as técnicas desenvolvidas por Rorschach e Zulliger para estudar
aspectos mais profundos da personalidade foram criadas com base na premissa de
que o mecanismo de projeção (Freud, 1996) faz com que aspectos inconscientes sejam
localizados em objetos em relação às qualidades, sentimentos, fantasias e desejos que

Abordagem psicodinâmica
a pessoa recusa em si mesma. Dessa forma, partem da hipótese de que a percepção de
cada pessoa é intermediada por elementos de sua personalidade que lhe são singulares.
Assim, quanto mais a percepção for estimulada por formas que se distanciam do que
mais ela conhece, a pessoa projetará em suas respostas elementos inconscientes para
estruturar sua apreensão deste estímulo (Silva Junior e Ferraz, 2001). O que significa
que, ao tentar dar uma resposta para uma forma que não se apresenta rotineiramente
em sua vida, cada pessoa o faz de forma única, dando-lhe um significado que se rela-
ciona aos conflitos e tensões característicos da dinâmica de sua personalidade.
Nesse sentido, Anzieu (1981, em Silva Junior e Ferraz, 2001) argumenta que
os métodos projetivos desenvolvidos por Rorschach e Zulliger apreendem uma parte
representativa da personalidade, do equilíbrio mental e da forma como a pessoa percebe
e representa o mundo. Baseados na teoria psicodinâmica, tais técnicas projetivas per-
mitem investigar as interações entre as instâncias do ego, id e superego pelo estímulo à
projeção de mecanismos inconscientes. Segundo Anzieu (1978, em Villemor-Amaral,
Machado e Noronha, 2009, p. 227), “os testes projetivos não exploram uma variável 37
única, mas descrevem um indivíduo em termos de um esquema dinâmico de variáveis
inter-relacionadas”.
Um exemplo da aplicação dessas técnicas no campo da gestão de pessoas se
observa na investigação de Ferreira e Villemor-Amaral (2005) sobre avaliação de per-
sonalidade no contexto organizacional. As autoras correlacionaram o teste de Zulliger
com um questionário de avaliação de desempenho e constataram que os profissionais
mais disciplinados e organizados, que possuíam iniciativa e visão prática e buscavam
resultados concretos, foram mais bem avaliados em desempenho do que os imaturos
emocionalmente, altamente críticos e voltados para suas necessidades em detrimento
das dos outros.
Uma vantagem das técnicas projetivas é que estas permitem observar, descrever
e classificar de forma sistemática o comportamento das pessoas, diferenciando-as
como seres únicos e singulares. Entretanto, é preciso esclarecer que testes psicoló-
gicos, e, portanto, as técnicas projetivas como as de Rorschach e Zulliger, só podem
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ser ministrados por psicólogos. O uso desse tipo de instrumento exige preparação
especializada para aplicação correta do sistema de interpretação de seus resultados,
bem como evidências empíricas de validade e fidedignidade como ferramenta.6 Dessa
forma, a aplicação deste conhecimento no contexto organizacional exige uma ação
interdisciplinar entre profissionais da administração e da psicologia.
No cotidiano das práticas de gestão de pessoas no contexto organizacional,
uma técnica tem sido largamente utilizada como forma de conhecer características
de personalidade: a grafologia. Embora este instrumento não tenha sido desenvolvido
Psicologia Aplicada à Administração

no campo da abordagem psicodinâmica, a literatura que ensina sua aplicação discorre


sobre alguns conceitos psicodinâmicos mesclados com outras teorias e pensamentos.
A principal questão acerca do uso da grafologia na administração (mesmo que minis-
trada por psicólogos) está no fato de que não existem estudos de evidência empírica
que comprovem sua validade e/ou precisão como instrumento. Alguns simpatizantes
da técnica afirmam que seu uso é milenar e apontam um conjunto de livros que já
seriam indicativos de sua importância. Esses argumentos, evidentemente, não se
sustentam e ainda deixam em aberto a necessidade de que a grafologia se confirme
como técnica eficaz. Evidências de Baumgartl e Primi (2006, p. 247) sobre processos
de seleção de pessoal caracterizam que, dentre as diferentes técnicas utilizadas, a
grafologia se apresentou como a de menor validade, com coeficiente de 0,02. O que
significa que este instrumento não mediu aquilo a que se propôs, já que seu índice
pode ser entendido como zero. Cabe a discussão da validade do uso desta técnica no
campo da administração e o investimento em pesquisas que permitam evidenciar
quais recursos e técnicas se configuram como realmente eficazes para serem utilizados
38 como ferramentas de gestão.
No que diz respeito aos instrumentos voltados para estilos comportamentais
em administração, um exemplo de sua aplicação pode ser observado no instrumento
desenvolvido por Coda (2000, em Coda e Ricco, 2010), baseado em alguns aspectos
da teoria de Erich Fromm e denominado diagnóstico MARE. Fromm (1978) postulou
que as formas de interação individuais que definem a maneira de ser das pessoas se
baseiam em comportamentos básicos que são aprendidos por sua inserção na cultura e
se moldam na forma de caráter social. O caráter social, então, prescreveria certas estru-
turas de pensamento absorvidas pelas pessoas e apresentaria dois tipos de orientação
possíveis: (a) improdutiva, a qual é observada em quatro estilos de comportamento

6 O uso de testes psicológicos é privativo de psicólogos pela legislação brasileira, sendo que o sistema
de conselhos profissionais da psicologia regula sua utilização em termos de avaliação das características
dos testes, cujas pesquisas devem comprovar periodicamente que estes medem o que pretendem e são
precisos quanto aos resultados que obtêm. Sem essas evidências, os testes só podem ser utilizados por
psicólogos para pesquisas científicas. Para consultar os testes autorizados pelo Conselho Federal de Psi-
cologia para uso dos psicólogos, basta acessar o site http://www2.pol.org.br/satepsi/sistema/admin.cfm.
Capítulo 2

(receptivo, explorador, acumulativo e mercantil); e (b) produtiva, que é caracterizada


como a essência das pessoas (produtividade). Tais orientações são desenvolvidas no
decorrer da formação da personalidade, sendo que a predominância de uma sobre as
outras ocorre devido à peculiaridade da cultura onde a pessoa vive.
O desdobramento da abordagem psicodinâmica na teoria de Fromm (1978) se
observa na maneira como o autor destaca o desejo das pessoas em agir para atender
às exigências da sociedade e na satisfação que os indivíduos sentem ao atender a tais
exigências. Entretanto, Fromm (1978) se diferencia de Freud por considerar o ser
humano essencialmente produtivo, atribuindo seus conflitos e tensões aos aspectos

Abordagem psicodinâmica
culturais do caráter social e ao modo como as orientações se mesclam e predominam
em um indivíduo concreto.
Coda e Ricco (2010) defendem que o estabelecimento de perfis através de es-
tilos comportamentais e características de personalidade é um fator relevante para a
administração e, em especial, para a gestão de pessoas nas organizações contemporâ-
neas. Dessa forma, os autores aliaram quatro orientações motivacionais presentes no
diagnóstico MARE (mediadora, analítica, receptiva e empreendedora) aos estilos de
mobilização de brasileiros (EMB), criado por Ricco (2004, em Coda e Ricco, 2010). A
ideia central do EMB se vincula ao mapeamento de perfis comportamentais de gestores
brasileiros que identificam os modos peculiares e intencionais de agir na busca por
resultados nas organizações de trabalho. A premissa que se caracteriza neste modelo
é que os estilos comportamentais seriam resultantes de escolhas preferenciais, as quais
se vinculariam a características de personalidade, dando sentido à ação e gerando
padrões comportamentais identificáveis.
Uma questão que se apresenta no debate sobre a construção de perfis diz respeito 39
ao fato destes se caracterizarem como um “retrato” das orientações ou das características
de personalidade na forma de estilos. Este “retrato” não caracterizaria a psicodinâmica
das motivações nem da personalidade, mas forneceria um “instantâneo” que deno-
minamos perfil e que, por sua característica temporal, precisaria ser constantemente
reconstituído. O que significa que estilos e tipologias geram informações amplas de um
momento específico, que podem ser relevantes para a gestão de pessoas, porém não
promovem o conhecimento sobre a psicodinâmica do comportamento. Nesse sentido,
os instrumentos que mais se aproximam desse conhecimento são os testes projetivos.
Partindo dos conceitos postulados pela psicodinâmica de Freud e do desen-
volvimento desta por outros autores em suas concepções diferenciadas, o campo da
administração assume a relevância das motivações inconscientes e busca na compre-
ensão das tipologias um elemento de apoio à prática da gestão. Entretanto, observa-se
também que alguns conceitos são apropriados sem questionamento crítico de seus
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pressupostos ou que se estabelece um recorte de aspectos teóricos, sem a caracterização


do arcabouço no qual estes conceitos estão inseridos.
Observa-se, ainda, que a análise de perfis fornece suporte para ações como
recrutamento e seleção, desenvolvimento de pessoas, coaching, mentoring, promoção
ou mudança de área, dentre outros processos de gestão. A relevância dada às infor-
mações obtidas por meio de escalas, técnicas ou testes de personalidade caracteriza a
importância atribuída às pessoas pela a organização e seus resultados no mundo de
negócios contemporâneos. É exatamente pela relevância e ampla aplicação que tais
Psicologia Aplicada à Administração

conhecimentos devem ser discutidos no campo da administração, especialmente em


relação a: (1) coerência teórica dos modelos que pretendem estabelecer tipologias,
estilos de comportamento e perfis; (2) evidências empíricas que comprovem a validade
e precisão dos instrumentos utilizados e preconizados na gestão de pessoas; (3) resul-
tados observados como eficazes para suporte das ações e pesquisa em administração;
e (4) rigor científico em sua aplicação no campo da administração.

2.4. A RELAÇÃO DO TRABALHO COM A SAÚDE DAS PESSOAS: A


PERSPECTIVA DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO
A relação do trabalho com a saúde das pessoas é um tema importante para a
gestão nas organizações, cuja aplicação mais conhecida hoje é observada em progra-
mas de qualidade de vida ou de saúde do trabalhador. De que forma estes programas
impactam o sentimento de prazer ou de sofrimento nas pessoas que compõem a orga-
nização? Como as pessoas podem se expressar no mundo do trabalho e mantendo-se
40 saudáveis e produtivas? Como as pessoas se apropriam das normas de segurança e saúde
do trabalho na vida organizacional? Por que uma pessoa deixa de adotar comporta-
mentos mais saudáveis que podem protegê-la de fato, como o uso de equipamentos
de segurança ou a participação em campanhas de saúde?
Tais questões se apresentam como relevantes para as organizações de trabalho
na atualidade e se configuram como temas de investigação e de intervenção da psi-
codinâmica do trabalho. Em termos gerais, as contribuições da psicodinâmica serão
analisadas a seguir, considerando: base teórica, pressupostos, conceitos principais e
ideias centrais.

2.4.1. Base teórica da psicodinâmica do trabalho


“A normalidade é uma conquista mediante uma luta feroz entre as exi-
gências do trabalho e a ameaça da desestabilização psíquica e somática”
(Lancman e Uchida, 2003).
Capítulo 2

Até que ponto o trabalho pode ser encarado como desencadeador de transtornos
mentais, patologias psíquicas e adoecimento nos trabalhadores? Qual a relação do
trabalho com a saúde mental do trabalhador? Embora Alfred Adler7 (1870-1937) já
se interessasse pelas condições de higiene e suas relações com as doenças do trabalho,
associando conceitos da psicodinâmica com a interação social do indivíduo (Beauches-
ne, 1989), o debate sobre as questões apontadas anteriormente se iniciou na tradição
francesa da psicopatologia do trabalho, inaugurada por psiquiatras como Sivadon,
Guillant, Guillon e Begoin (Merlo, 2006; Athayde, 2005; Lancman e Uchida, 2003).
Merlo (2006) argumenta que, na psicopatologia do trabalho, duas perspectivas

Abordagem psicodinâmica
preponderavam: ou se defendia que não havia evidências da relação entre adoecimento
e trabalho ou se enfatizava que o trabalhador deveria buscar a adaptação ao trabalho.
Dessa forma, o foco de investigação se centrava nas patologias, desconsiderando-se o
papel das organizações ou das relações de trabalho para a saúde.
No âmbito dessas discussões, Christopher Dejours se dedicou a investigar em-
piricamente a desestabilização psicológica dos trabalhadores em situações concretas
de trabalho. Em suas observações, Dejours percebeu o que chamou de “estado de
normalidade”, ao invés da esperada “loucura no trabalho”. Segundo Merlo e Mendes
(2009), a questão que passou a intrigar Dejours era: como os trabalhadores conseguiam
demonstrar normalidade diante das agressões mentais originárias dos processos de
trabalho?
A forma inovadora como Dejours analisa os estudos da época diante dos dados
de suas investigações empíricas fez com que ele criasse um novo campo de pesquisa a
partir da teoria que passou a denominar de psicodinâmica do trabalho. Athayde (2005)
aponta que a originalidade do trabalho de Dejours está em indicar a existência de um 41
conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico do indivíduo,
demonstrando que os trabalhadores não se posicionavam de forma passiva diante
das agressões mentais advindas da organização do trabalho. Ao contrário o trabalho
se configurava para muitos como um estruturante psíquico de sua identidade. Nesse
sentido, a psicodinâmica do trabalho desloca o foco de investigação das doenças
mentais geradas pelo trabalho para o sofrimento psíquico e os mecanismos de defesa
contra esse sofrimento.
Com base na abordagem psicodinâmica, Dejours e outros autores utilizam
os conceitos psicanalíticos no sentido de compreender como o indivíduo, portador
de uma história singular que foi construída desde a infância, se insere no mundo do
trabalho. Dejours alia à psicodinâmica conceitos da sociologia do trabalho – para
analisar as organizações de forma minuciosa e sistemática –, assim como alguns con-

7 Psicólogo austríaco que atuou em pesquisas com Freud. Tornou-se um dissidente da psicanálise fun-
dando a corrente da psicologia do desenvolvimento individual, com ênfase na dimensão social.
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ceitos da ergonomia – para fundamentar a discussão sobre a identificação de espaços


de prazer e sofrimento no trabalho. A incorporação destas disciplinas no campo da
psicodinâmica do trabalho deu sustentação, especialmente, aos pressupostos teóricos,
conceitos e ideias centrais que serão apresentados a seguir.

2.4.2. Principais pressupostos, conceitos e ideias da psicodinâmica do


trabalho
Psicologia Aplicada à Administração

A premissa básica da psicodinâmica do trabalho é que as tensões inerentes à


vida organizacional e ao mundo do trabalho, que se traduzem em sofrimento para as
pessoas, são, ao mesmo tempo, potenciais de produção do sentimento de prazer, desde
que algumas condições sejam satisfeitas. A partir desta concepção, algumas questões
podem ser pensadas: qual a visão de homem/pessoa/indivíduo na psicodinâmica do
trabalho? Quem é o trabalhador nesta perspectiva? Ou o que é ser trabalhador?
O trabalhador, para Dejours (1999, em Lancmann e Uchida, 2003, p. 85), é um
sujeito “responsável pelos seus atos e capaz de pensar, de interpretar os sentidos da
situação em que se encontra, de deliberar ou de decidir agir”. Pensar o ser humano
nesta perspectiva conduz o modo pelo qual a psicodinâmica se estrutura em termos
de pressupostos teóricos. Segundo a psicodinâmica do trabalho, a compreensão da
ação humana não se estabelece pelo reconhecimento de condutas manifestadas como
normais ou naturais, mas sim no entendimento do sofrimento que motiva o compor-
tamento das pessoas e as diferentes razões de sua inteligência e sabedoria práticas.
Dessa forma, para a compreensão da teoria da psicodinâmica do trabalho, três
42 pressupostos centrais serão apresentados a seguir.

Pressuposto 1: A relação entre o trabalho e a normalidade supõe sempre a existência


de um sofrimento psíquico vivenciado pelo trabalhador.

A ideia central presente neste pressuposto é que todo comportamento é moti-


vado, portanto, todo comportamento tem um significado simbólico e inconsciente.
Baseado na teoria psicodinâmica, esta concepção se vincula ao conceito psicanalíti-
co de angústia. A angústia, no sentido psicodinâmico, permite pensar a origem do
sofrimento psíquico vivenciado pelo trabalhador como preexistente ao trabalho. No
contexto das tarefas e do cotidiano da prática organizacional, portanto, o trabalhador
atualiza suas angústias inconscientes que se desenvolveram durante a formação de
sua personalidade.
Dessa forma, Dejours propõe dois conceitos a partir deste pressuposto: (a) estado
de normalidade; e (b) sofrimento psíquico do trabalhador. O estado de normalidade
Capítulo 2

se diferencia do estado saudável na psicodinâmica do trabalho. Em sua relação com


o trabalho, as pessoas apresentam um estado de normalidade que pode refletir duas
situações: (1) o equilíbrio saudável do trabalhador como indivíduo; ou (2) um equi-
líbrio precário de forças que desestruturam o indivíduo no cotidiano de sua prática
nas organizações. A tensão se faz presente nos conflitos psíquicos com que as pessoas
precisam lidar internamente para se manterem em equilíbrio diante das exigências do
mundo do trabalho. A precariedade desse equilíbrio se caracteriza como normalidade
porque as pessoas usam seus mecanismos de defesa para se adaptarem às tarefas nas
organizações. O sofrimento psíquico emerge como patologia, então, quando a pessoa

Abordagem psicodinâmica
percebe que não consegue fazer mais nada para se adaptar ou para transformar a
situação de trabalho.
As condições de trabalho no contexto da gestão contemporânea remetem coti-
dianamente as pessoas a observarem suas imperfeições e a se envolverem em tarefas
que estão sempre inacabadas, dados os elevados padrões de exigência e a velocidade
do trabalho na atualidade. Lidar com essas tensões faz com que as angústias ganhem
o contorno de sofrimento psíquico no trabalho.
O sofrimento psíquico, então, emerge como um conceito central que marca
a luta entre funcionamento psíquico e mecanismos de defesa diante das pressões
organizacionais desestabilizantes. Porém, é importante ressaltar que Dejours afirma
que esse sofrimento se articula na mente humana com uma pluralidade de motivos,
que podem se constituir também em fonte de prazer. Esta é a base para o segundo
pressuposto da psicodinâmica do trabalho.

Pressuposto 2: Existe uma relação dialética entre o sofrimento vivenciado pelo tra- 43
balhador e o prazer no trabalho.

Como vimos, para esta abordagem, a luta dos indivíduos em sua relação com o
trabalho tem como objetivo conservar um equilíbrio possível ao preço do sofrimento,
onde a pessoa busca atender a critérios sociais de normalidade. Dessa forma, diante
de uma situação de opressão do ego pelas demandas da organização, a pessoa age de
acordo com suas razões pessoais e com o modo pelo qual se insere na coletividade
de trabalho.
A ideia central presente neste pressuposto é a de que a mediação na relação
entre a pessoa e a ordem coletiva é atribuída ao trabalho. Dois conceitos, então, deri-
vam deste pressuposto: (a) inteligência prática e sabedoria prática; e (b) coletivos de
trabalho como mecanismos de defesa.
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Baseado na distinção entre trabalho real e prescrito da ergonomia, Dejours (1999,


em Betiol e Tonelli, 2001) propõe que critérios de eficácia e de utilidade da produção
se atualizam continuamente no mundo do trabalho pela cooperação, convivência e
comunicação entre as pessoas. Inteligência prática e sabedoria prática são utilizadas na
psicodinâmica para compreender o que se apresenta como resistência às prescrições
e rotinas da organização e como isso é engendrado na forma de estratégias criativas,
engenhosas e inovadoras nas tarefas e atividades cotidianas dos trabalhadores. Essa
dimensão da relação social dos trabalhadores é mediada pelo trabalho e terá reper-
Psicologia Aplicada à Administração

cussões na construção da sua identidade.


O trabalho, então, apresenta uma dimensão humana caracterizada em ações
que não são mecanizadas ou repetitivas, mas que supõem ajuste de rotinas e mobili-
zação da inteligência prática (Betiol e Tonelli, 2001). Nesse contexto de deliberações
e ações calibradas pela sabedoria prática para atender ao que foi prescrito no traba-
lho, os trabalhadores mantêm relações com sua coletividade e criam mecanismos de
proteção coletiva.
Dejours (1987, em Lancman e Uchida, 2003) defende que é possível investigar
os sofrimentos no trabalho pelo modo como os trabalhadores empregam mecanismos
de defesa no cotidiano da vida organizacional, em sua busca por soluções mais satis-
fatórias para lidar com o sofrimento e evitar o adoecimento. Nesse sentido, quando
o sofrimento impulsiona os trabalhadores para processos de alienação com os quais
eles não conseguem lidar no estado de normalidade, essa tensão conduz à formação de
coletivos de defesa. Tal estratégia visa a adaptação coletiva dos trabalhadores. Quando
os trabalhadores, individual e coletivamente, percebem que seu modo de adaptação
44 ao trabalho conduziu à criação de instrumentos de transformação da organização
naquilo que lhes produzia sofrimento, observa-se o sentimento de prazer no trabalho.
Dessa forma, as organizações de trabalho são caracterizadas nesta abordagem,
conjuntamente, como fontes de sofrimento e fontes de prazer para o indivíduo em
sua psicodinâmica. Os arranjos que conduzem à liberdade e ao prazer se configuram
no terceiro pressuposto, enfatizado a seguir.

Pressuposto 3: O processo de sublimação permite a construção de uma identidade


coletiva mediada pelo trabalho, que conduz o trabalhador à liberdade de ser.

Para a psicodinâmica do trabalho, o conceito psicanalítico de sublimação pode


ser utilizado para verificar que, entre o trabalho prescrito (concepção) e o trabalho real
(execução), o indivíduo pode sublimar as situações de sofrimento psíquico e construir
Capítulo 2

uma identidade que lhe confere liberdade, prazer e autonomia (Merlo e Mendes, 2009;
Merlo, 2006; Lancman e Uchida, 2003).
A ideia central deste pressuposto é que a solução do sofrimento no trabalho é
coletiva e, portanto, obtida na relação social com a organização de trabalho que evolui
e se transforma por meio desse processo. A organização de trabalho se define pela
constante negociação de objetivos entre quem organiza e quem faz. Nesse contexto, os
compromissos assumidos cotidianamente entre prescrições e realizações se concreti-
zam conforme a compreensão que cada pessoa tem sobre seu trabalho e conforme as
dificuldades que emergem na sua prática.

Abordagem psicodinâmica
O conteúdo de uma tarefa é tanto concreto (da atividade em si mesma) quanto
simbólico (reconhecimento de que a tarefa está imersa na dimensão social da rede de
relações do trabalhador). O que significa que é bem mais difícil para o trabalhador
investir na realização de uma tarefa em que ele não vê significado nem usa sua inte-
ligência. Então, o comprometimento com a tarefa deriva do conteúdo simbólico do
trabalho e da satisfação do trabalhador na realização desta (Betiol e Tonelli, 2001).
Dessa forma, dois conceitos derivam deste pressuposto: (a) espaço público dos
coletivos de trabalho; e (b) reconhecimento. O espaço público de circulação da palavra
se caracteriza como um processo no qual emerge a reflexão coletiva pela confrontação
de opiniões sobre o trabalho. Visa conduzir à discussão que promova uma compreensão
comum, ou seja, um entendimento que seja apropriado individual e coletivamente.
Nesse contexto, o comprometimento emerge engajado com a transformação, a mudan-
ça e a expressão da liberdade de ser do trabalhador em seus coletivos de trabalho. A
tensão negociada nos coletivos de trabalho, então, abre espaço para flexibilizar formas
de organização prescritas através da deliberação e debate abertos entre trabalhadores 45
e hierarquias superiores.
Por outro lado, a situação de trabalho pode gerar conteúdos que desafiem o
trabalhador a redirecionar sua energia psíquica na significação de uma atividade
valorizada socialmente (Merlo, 2006). Para a psicodinâmica do trabalho, o reconhe-
cimento se concretiza na escuta da organização aos coletivos de trabalho e às soluções
pensadas por estes. Reconhecimento, então, se refere à retribuição do engajamento
e do esforço dos trabalhadores em relação às suas contribuições práticas. Significa
admitir a contribuição das pessoas e demonstrar gratidão pelas soluções encontradas.
Dessa forma, a psicodinâmica do trabalho aponta duas fontes de reconheci-
mento: (1) os pares, cujo julgamento crítico é especializado; e (2) a chefia e os clientes,
que realizam um julgamento de utilidade da solução encontrada. As relações sociais
que produzem a vivência do reconhecimento social da contribuição e da qualidade do
trabalho moldam, então, a identidade dos trabalhadores no contexto organizacional.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER

Na perspectiva da psicodinâmica do trabalho, a liberdade dos trabalhadores se


exerce, mesmo que de forma limitada, na construção de sistemas coletivos capazes de
protegê-los dos desgastes e efeitos nefastos para sua saúde mental e, conjuntamente, na
formação de espaços coletivos que possibilitem que os trabalhadores sublimem seus
sofrimentos e sejam reconhecidos pelas contribuições e qualidade do seu trabalho
(Lancman e Uchida, 2003).
A teoria psicodinâmica do trabalho, com seus pressupostos, ideias e conceitos,
contribui para o campo da administração de múltiplas formas. Seus desdobramentos
Psicologia Aplicada à Administração

permitem: identificar consequências da organização do trabalho para as pessoas,


compreender a relação do trabalho com o adoecimento e a normalidade, compreender
vivências específicas das pessoas em suas realidades na prática do trabalho, dentre
outros (Merlo e Mendes, 2009). Diante do conhecimento obtido com esta abordagem,
questões sobre saúde mental e saúde do trabalhador não podem ser separadas do debate
sobre qualidade de vida no trabalho. A administração pode contribuir amplamente
para o desenvolvimento dessas áreas na aplicação crítica e criteriosa desses conheci-
mentos na gestão contemporânea.

2.5. CONTRIBUIÇÕES DA PSICODINÂMICA PARA O CAMPO NA


ADMINISTRAÇÃO
Lancman e Uchida (2003, p. 81) criticam o uso de teorias sobre comportamento
e sobre a mente humana na administração que visam enfatizar a criatividade, a flexi-
bilidade e o empowerment das pessoas nas organizações, afirmando que:
46 Ao observamos algumas das principais teorias psicológicas que foram uti-
lizadas para dar suporte teórico para os managers preocupados em formar
esse novo homem, constatamos que eles estão mais preocupados com os
processos e mecanismos psíquicos que explicam determinado comporta-
mento e sua mudança do que com os sujeitos da ação.

Mesmo considerando-se as múltiplas possibilidades do mundo contemporâneo,


não se pode negar que os modos de organização do trabalho também se caracterizam
pela precarização, subemprego, desemprego, dentre outros (Bernal, 2010). Os indiví-
duos que se mantêm empregados no mundo atual, absorvem as tensões como parte
de seu cotidiano e se inserem em uma dinâmica na qual a necessidade constante de
formação e desenvolvimento exige o dispêndio permanente de energia, sem, no entanto,
garantir o reconhecimento social desse esforço. As novas tendências de cooperação
obrigatória do trabalho, dedicação extra (individual e coletiva) e contínua elevação
do desempenho e qualidade se configuram em desafios para o equilíbrio e a saúde
mental das pessoas no trabalho.
Capítulo 2

Neste debate, a psicodinâmica é uma abordagem que apresenta contribuições


robustas que devem ser avaliadas e desenvolvidas no campo da Administração. Os
estudos em psicodinâmica organizacional e em psicodinâmica do trabalho não são
excludentes nem devem ser investigados de forma isolada um do outro. O conheci-
mento produzido pela teoria psicodinâmica certamente ainda apresenta possibilidades
de desenvolvimento nos estudos em gestão no mundo contemporâneo. No entanto,
para que não se corra o risco de aplicar modismos e ferramentas pouco confiáveis,
faz-se necessário que os exercícios da reflexão científica rigorosa e da avaliação crítica
antecedam a aplicação prática no campo da administração.

Abordagem psicodinâmica
2.6. REVISÃO DOS CONCEITOS APRESENTADOS
1. Como vimos neste capítulo, a psicodinâmica é uma abordagem que estuda as
forças psíquicas que agem sobre o comportamento humano. Quais as principais
contribuições desta abordagem para a psicodinâmica do trabalho?
2. Qual a contribuição teórica da abordagem psicodinâmica para compreender os
processos psicológicos envolvidos na liderança (a) do grupo em relação ao líder
(b) e do líder em relação ao grupo?
3. Como a psicodinâmica explica o perfil do consumidor atual dentro dos proces-
sos de decisão de consumo? De que maneira esses conceitos podem ser utiliza-
dos pelo marketing?
4. A psicodinâmica do trabalho tem por pressuposto de que ao trabalho é atribuí-
da a tarefa de mediação na relação entre inconsciente e ordem coletiva. Dentro
desta abordagem, como é explicada a relação do trabalho com a saúde mental 47
do trabalhador?

2.7. REFERÊNCIAS
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3
Abordagem humanista:
a crença no poder das escolhas

Silvia Generali da Costa

Este capítulo pretende levar o leitor a conhecer e compreender as bases conceituais da


abordagem humanista e suas possíveis aplicações à administração. Ao longo do texto
serão apresentados os principais autores da abordagem, tais como Rogers e Maslow; os
estudos em logoterapia, de Frankl; e as contribuições da psicologia positiva.

3.1. DO QUE TRATA A ABORDAGEM HUMANISTA


A psicologia humanista aplica-se prioritariamente à gestão de pessoas nos pro-
cessos de desenvolvimento humano. Por trazer em sua origem elementos da filosofia,
a abordagem humanista enseja a reflexão, a autoanálise e a autoavaliação. Não é uma
abordagem prescritiva, mas uma proposta de visão do homem que pode embasar a
discussão sobre as políticas e práticas na gestão de pessoas.
O pressuposto básico desta abordagem é a crença na capacidade humana de
crescimento, de evolução e na possibilidade de autorrealização. Neste sentido, mostra-se
contrária ao determinismo psíquico da abordagem psicodinâmica e ao determinismo
genético, ao postular que o homem é fruto de suas escolhas e que sempre há um certo
grau de liberdade para que essas escolhas sejam feitas.
Você já pensou acerca de suas próprias crenças sobre o homem? Você acredita que
seu destino é determinado por sua herança genética? Ou pelas forças do ambiente? Por
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

elementos de seu inconsciente que você desconhece? Você acredita que pode controlar
seu destino e que é senhor de suas escolhas? Mesmo que você jamais tenha se feito essas
perguntas, a abordagem humanista o ajudará a pensar sobre si e sobre os que o cercam
e sobre as variáveis que determinam – ou não – seu destino, suas ações e seu futuro.
Ao afirmar-se que esta abordagem é muito útil na reflexão acerca das políticas
de gestão de pessoas na administração, chama-se atenção para o processo de desen-
volvimento humano, que não se dá somente a partir de estímulos externos advindos
dos gestores (como talvez queiram os behavioristas!), mas, também, das motivações,
Psicologia Aplicada à Administração

anseios e necessidades internas, temas estes tão caros aos psicólogos humanistas.

3.2. ORIGENS DA ABORDAGEM HUMANISTA


A psicologia humanista teve sua origem nos Estados Unidos, na década de
1960, sendo também conhecida como a “terceira força”. O título de terceira força surge
na medida em que a psicologia humanista se opõe às duas forças – ou abordagens –
predominantes da psicologia na época: o behaviorismo ou comportamentalismo e a
psicanálise. Enquanto a psicanálise postulava que as escolhas e as ações podem ser
determinadas por fatores psíquicos inconscientes, o comportamentalismo afirmava
que o comportamento humano poderia ser controlado de fora para dentro, ou seja,
com os estímulos positivos ou negativos adequados (punições e recompensas). Am-
bas as abordagens evidenciam uma visão de homem à mercê de forças internas ou
externas que guiam suas atitudes e comportamentos, sem que ele tenha capacidade
de determinar suas ações.
52 O humanismo rejeita a ideia de que o homem é controlado por eventos externos
ou por experiências infantis. Por exemplo, tomando-se por base a motivação para o
trabalho, se considerarmos a abordagem comportamentalista, pode-se pensar que um
salário elevado é um estímulo suficiente para que o homem mantenha-se entusiasmado
com suas atividades diárias. Como disse certa vez um estudante de administração:
“Se me pagarem vinte mil reais por mês, eu sirvo cafezinho o restante de minha vida
com muita alegria”. Ora, este é um aluno que representou exemplarmente (talvez sem
o saber) a abordagem behaviorista. Já se optar-se por analisar a situação a partir da
abordagem psicanalítica, pode-se pensar que um indivíduo cujos pais nunca tiveram
uma carreira, que viveram de favores de parentes e de amigos e que desestimularam
abertamente os filhos a valorizarem o trabalho com crenças do tipo “quem trabalha
não tem tempo de ganhar dinheiro” ou “trabalhar é para os bobos”, poderá jamais
valorizar um trabalho e jamais dedicar-se a ele com alegria. Sob o enfoque humanista,
nenhuma das duas explicações é suficiente para entender o comportamento do homem
em relação ao trabalho. O trabalhador pode encontrar realização, alegria e motivação
Capítulo 3

no trabalho, mesmo que não ganhe um salário elevado (ou sentir-se absolutamente
desmotivado com um salário excelente!) e pode escolher ser diferente dos pais e ter
o trabalho como um valor pessoal. Naturalmente, as situações citadas estão descritas
de forma simplista, para fins didáticos, de compreensão dos pressupostos das abor-
dagens estudadas. Atualmente, mesmo os psicólogos que compartilham de um ou
outro enfoque específico reconhecem a complexidade do comportamento humano e

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


a variedade de causas que o determinam.
Como escreveram Glassman e Hadad (2006), há algumas crenças que caracte-
rizam a abordagem humanista:
■ A crença de que o comportamento deve ser entendido em termos da expe-
riência subjetiva do sujeito, ou seja, da maneira como o sujeito, de forma
única, percebe, vivencia, sente e interpreta os acontecimentos. Para enten-
der o comportamento, é necessário entender a pessoa que o está produzin-
do, inclusive a maneira como ela enxerga o mundo.
■ A crença de que o comportamento não é determinado pelo passado nem é
uma simples resposta a estímulos do presente.
■ A crença na importância ou o valor que uma pessoa adiciona às suas vi-
vências, ou seja, o significado que é atribuído pelo sujeito às suas próprias
experiências.

Assim, os temas básicos da psicologia humanista são a ênfase na experiência


consciente; a crença na integralidade da natureza e da conduta do ser humano; a
crença no livre-arbítrio e no poder criativo do homem; e todos os temas relacionados 53
à condição humana (Schultz; Schultz, 1981).
Os humanistas, ao contrário dos psicanalistas, voltaram seus estudos aos as-
pectos saudáveis dos indivíduos, como a criatividade, a realização, os sentimentos, a
felicidade, o bom humor e o sentido da vida. A busca pela compreensão dos aspectos
saudáveis dos indivíduos retorna com grande força nos estudos da psicologia positiva,
conforme será visto a seguir.
Um dos principais representantes humanistas é o psicólogo Abraham Maslow.

3.3. ABRAHAM MASLOW: O PAI DA PSICOLOGIA HUMANISTA

Abraham Maslow é considerado o pai espiritual da Psicologia Humanista,


e é provável que tenha feito mais do que ninguém para difundir o movi-
mento e conferir-lhe um certo grau de respeitabilidade acadêmica (Schultz;
Schultz, 1981, p. 395).
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Maslow nasceu em 1908, em Nova York, e faleceu em 1970. Filho de imigrantes


judeus, formou-se na universidade de Wisconsin, ensinou psicologia no Brooklin
College, foi chefe do departamento de psicologia da Brandeis University e atuou, em
1967 e 1968, como presidente da American Psychological Association.
Uma das principais contribuições de Maslow foram seus estudos sobre a au-
torrealização, “... uma força interna que direciona o desenvolvimento humano rumo
a seu potencial mais elevado” (Glassman e Hadad, 2006, p. 299).
Psicologia Aplicada à Administração

Abraham Maslow desenvolveu sua teoria holística-dinâmica das motivações


na década de 1950, com base nos estudos de diversos outros psicólogos, psicanalistas
e filósofos, como Reich, Jung, Adler, Fromm e Freud.
A teoria que entre os estudantes de administração é conhecida como “Hierar-
quia das Necessidades de Maslow” parte do princípio de que o comportamento de um
indivíduo em determinado momento é acionado a fim de buscar a satisfação de uma
necessidade que, ainda que coexista com diversas outras, está, naquele momento, se
manifestando com mais intensidade. Maslow (1954) agrupou as necessidades humanas
em cinco categorias:
■ Necessidades fisiológicas: Refere-se ao corpo em busca da manutenção
do estado de homeostase e da necessidade de saciar fome, sede, sono, abri-
go. É a mais forte das necessidades, ou seja, caso todas as necessidades
estejam insatisfeitas, o indivíduo direcionará suas ações no sentido de,
primeiramente, satisfazer suas necessidades fisiológicas. As outras neces-
sidades, ainda que insatisfeitas, não terão o mesmo poder motivador do
comportamento. Como lembraram Hersey e Blanchard (1977), em nossa
54 sociedade, a satisfação das necessidades fisiológicas está associada à ob-
tenção de dinheiro, contrário ao que acontecia entre povos primitivos, que
associavam-na à força física, rapidez e destreza. Esta necessidade é de tal
forma imperiosa que, quando fortemente insatisfeita, é capaz de alterar
a percepção, memória, pensamento, emoções, desejos e visão de futuro,
tudo com o objetivo de satisfazê-la. Naturalmente, a satisfação das neces-
sidades fisiológicas permite a “ascensão” de outro tipo de necessidade na
hierarquia, e as atenções e esforços do indivíduo se voltam em sua direção.
Como disse Maslow (1954, p. 38), “é realmente verdadeiro que o homem
vive só de pão – quando não há pão”.
■ Necessidades de segurança: Esta categoria se refere às necessidades de
estabilidade, dependência, segurança propriamente dita, existência de or-
dem, de estrutura, leis e limites, sentir-se livre do medo, da ansiedade, dos
imprevistos e do caos. São necessidades, acima de tudo, de preservar o
que se possui também no dia de amanhã, seja o alimento, o abrigo ou o
Capítulo 3

emprego. Em termos profissionais, a pessoa voltada para a segurança pode


tornar-se pouco competitiva, insegura e inflexível, uma vez que não de-
senvolveu adequadamente a capacidade de lidar com tensão, frustração e
angústia (Hersey; Blanchard, 1977).
■ Necessidades de pertencer e ser amado: Também chamadas de necessi-

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


dades sociais, emergem quando as necessidades fisiológicas e as de segu-
rança encontram-se satisfeitas. Esta categoria de necessidades, quando não
satisfeitas, aponta para os sentimentos de solidão, desamparo, rejeição, de
não pertencer a um grupo determinado, de não se sentir acolhido, aceito.
As necessidades sociais incluem dar e receber amor, sentir-se parte inte-
grante de um grupo com o qual possa identificar-se, estar entre amigos,
participar, ter suas ideias e comportamentos aceitos, comunicar-se.
■ Necessidades de estima: As necessidades de estima podem ser divididas
em duas categorias. A primeira delas trata do desejo de conhecimento, au-
toconfiança, força, independência, liberdade e desenvolvimento. A segun-
da categoria está relacionada aos desejos de obter boa reputação, prestígio
e reconhecimento social, o que é demonstrado pela fama, glória, status,
poder, atenção e importância conferida pelos outros.
■ Necessidades de autorrealização: Nas palavras de Maslow, “aquilo que
o homem pode ser, ele deve ser, verdadeiro para com sua própria natu-
reza” (1954, p. 46),1 em uma referência ao desenvolvimento máximo das
capacidades e potencialidades do indivíduo. Para o autor, neste nível de
necessidades, as diferenças individuais são enormes quanto à forma de
satisfazê-las. Assim como um mesmo comportamento pode estar a serviço 55
de diferentes necessidades, também a mesma necessidade pode ser satis-
feita através de diferentes tipos de comportamentos. Por exemplo, o com-
portamento sexual pode atender a diversos níveis de necessidades, como
as fisiológicas, as sociais e as de estima. Por outro lado, as necessidades
de autorrealização podem ser atendidas através da arte, dos negócios, das
obras sociais, do esporte e de infinitas outras formas.
É importante salientar que o surgimento de uma necessidade não está obriga-
toriamente condicionado à integral satisfação da necessidade anterior. Os níveis de
satisfação para cada necessidade variam de sociedade para sociedade. Certamente
nos países assolados por conflitos bélicos, as necessidades fisiológicas e de segurança
predominam sobre as demais, o que não deve ocorrer em países estáveis, com elevados
índices de desenvolvimento humano. De qualquer modo, a satisfação, ainda que parcial,

1 Grifos do autor.
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

de qualquer nível de necessidades implica o surgimento de outras necessidades como


predominantes (Hersey; Blanchard, 1977).
As necessidades de autorrealização são consideradas necessidades de cresci-
mento, ou metamotivos, ou seja, são necessidades que não são desencadeadas por um
déficit, mas que impulsionam os processos de busca pela competência e pela criati-
vidade, levando ao desenvolvimento do indivíduo. Já as necessidades fisiológicas, de
segurança, de amor e afiliação e de estima são chamadas de motivos de deficiência,
ou seja, o motivo é desencadeado por uma deficiência básica.
Psicologia Aplicada à Administração

A contribuição de Maslow, porém, não se resume à Hierarquia das Necessidades,


à qual tem sido sempre associado. Em Maslow encontram-se conceitos inovadores,
apresentados em Maslow no gerenciamento (2000). Nessa obra, o autor apresenta o
conceito de gerência esclarecida, na qual o gerente tem o papel de identificar e desen-
volver os talentos de seus subordinados, além de adotar sempre uma atitude respeitosa
para com eles. Para aqueles que se dedicam aos estudos da Liderança, sugere-se ler
Maslow no gerenciamento tendo em mente uma possível correlação com a Liderança
transformacional, de Burns (2003).

3.4. CONTEXTUALIZANDO: MASLOW NÃO ESTAVA SÓ NOS ESTUDOS SOBRE


A MOTIVAÇÃO HUMANA
Embora não sejam citados, em muitas obras, como representantes da Escola
Humanista, diversos psicólogos e pesquisadores contemporâneos de Maslow buscaram
compreender as raízes da motivação durante as décadas de 1950 e 1960. Na época, a
56 teoria clássica da administração já era severamente criticada pelo quase desprezo com
que tratava as questões afetivas, e a teoria das relações humanas já estava em condições
de evoluir de suas concepções ingênuas e românticas originais acerca da natureza do
homem, para os conceitos que embasaram a teoria comportamental (Maximiano,
2000). Os principais estudiosos da motivação são aqui apresentados para que se com-
preenda o estado da arte no período; para que se perceba que Maslow desenvolvia suas
pesquisas em um contexto e em um espírito de época favorável a este tipo de estudo
e lado a lado com outros colegas interessados no tema.
Um dos trabalhos, hoje ainda estudado, que obteve grande destaque quando de
seu lançamento no final da década de 1950, foi a Teoria dos dois fatores, de Frederick
Herzberg. O autor, então professor de psicologia na Western Reserve University, con-
centrou sua pesquisa na motivação para o trabalho. Partindo do princípio de que o
trabalho pode ser, ao mesmo tempo, fonte de satisfação ou de aborrecimento, o autor
entrevistou cerca de 200 indivíduos de 11 indústrias na área de Pittsburgh (Estados
Unidos), pertencentes a dois dos mais importantes grupos de técnicos da indústria
Capítulo 3

da época: engenheiros e contadores. Nas entrevistas, os profissionais respondiam a


questões sobre suas atividades de trabalho, indicando quais os deixavam mais satis-
feitos ou mais insatisfeitos. Pelas respostas, Herzberg percebeu que os fatores que
causavam satisfação eram indicadores de sucesso ou apontavam para a possibilidade
de crescimento profissional. Já os sentimentos de insatisfação não estavam associados
ao trabalho propriamente dito, mas às condições do ambiente em que o trabalho era

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


realizado. Analisando os dados da pesquisa, o autor concluiu existir no homem duas
categorias de necessidades independentes entre si, influenciando o comportamento de
diferentes formas (Herzberg; Mausner; Snyderman, 1959; Hersey; Blanchard, 1977).
São elas:
■ Fatores higiênicos (relacionados ao ambiente): Quando não estão pre-
sentes em níveis aceitáveis pelos empregados, geram aumento da insatis-
fação. No entanto, sua presença, mesmo em termos ótimos, não aumenta
a satisfação, apenas impede a insatisfação. Para Herzberg, o incremento
desses fatores eliminaria os obstáculos ao desenvolvimento de uma atitude
positiva diante do trabalho. Sua ausência, em níveis adequados, represen-
taria uma psicopatologia do ambiente organizacional. Os fatores higiêni-
cos são: supervisão, relações interpessoais, condições físicas de trabalho,
salário, políticas organizacionais e práticas administrativas, benefícios e
segurança.
■ Fatores motivacionais (relacionados à tarefa): Sua presença está direta-
mente relacionada à autorrealização dos funcionários, ao desenvolvimento
de seu potencial intelectual e de suas habilidades inatas e criativas. Os am-
bientes nos quais as próprias tarefas permitem recompensas e a realização 57
das aspirações de cada colaborador são os que revelam fatores motivacio-
nais amplamente desenvolvidos. Fatores motivadores são: oportunidade
de realização, reconhecimento e tarefas desafiadoras, que possam ser rea-
lizadas com autonomia, criatividade e responsabilidade, oportunizando o
desenvolvimento profissional e aprendizagem contínua.

De sua pesquisa, Herzberg concluiu que os administradores têm a capacidade


de influenciar positivamente a motivação, a satisfação e a performance de seus empre-
gados pelo enriquecimento de cargos e pelo aumento dos níveis de desafio da tarefa
e do grau de responsabilidade dos técnicos.
Outro autor cuja teoria é amplamente conhecida nos meios acadêmicos é
Douglas McGregor.
A Teoria X e Y de Douglas McGregor foi publicada primeiramente em 1960 sob
o título The Human Side of Enterprise. O autor, então membro da School of Industrial
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Management do Massachusetts Institute of Technology, procurou, com sua pesquisa,


responder à pergunta formulada por Alfred Sloan, na época membro da Comissão
Consultiva da MIT’s School of Industrial Management: “Os dirigentes verdadeiramente
eficientes são natos ou fazem-se por si?”
McGregor parece concordar integralmente com os pontos de vista teóricos de
Argyris (1957), para quem “uma gestão eficiente depende – não exclusivamente, mas
de maneira significativa – da habilidade em prever e orientar o comportamento huma-
no” (McGregor, 1970, p. 18). Assim, os que desejam ser bons administradores devem
Psicologia Aplicada à Administração

desenvolver meios apropriados de adaptar seus objetivos e necessidades à natureza


humana, ao invés de tentar adaptar a natureza humana ao controle de sua vontade.
Isso implica não só um limite para o exercício do controle e da autoridade, mas uma
interdependência entre superiores e subordinados, uns necessitando dos outros para
atingir seus objetivos.
Na visão de McGregor (1970), a teoria X representa as seguintes ideias tradi-
cionais sobre o controle do comportamento humano no trabalho:
■ O ser humano em geral não gosta intrinsecamente de trabalhar, e trabalha
o mínimo possível.
■ Por essa razão, a maior parte das pessoas precisa ser coagida, vigiada,
orientada, ameaçada com castigos, a fim de fazer o devido esforço para
alcançar os objetivos da organização.
■ O ser humano médio prefere ser dirigido, desejando evitar responsabilida-
des; é pouco ambicioso, procurando segurança acima de tudo.

58
A teoria motivacional que acompanha a teoria X é “pão em uma mão e pau na
outra” (McGregor, 1970, p. 65). Na prática, só funciona enquanto o indivíduo “tiver
o pão insuficiente”, ou seja, ainda estiver lutando pelo atendimento das necessidades
básicas, no sentido sugerido por Maslow (1954). No momento em que essas vierem
a ser satisfeitas, os empregados vão aspirar por algo mais, como reconhecimento e
oportunidade de autorrealização. Então, a dupla “pau-pão” perde seu efeito “contro-
lador-motivador”.
A teoria Y, por sua vez, representa a integração de objetivos individuais e or-
ganizacionais, através de ações baseadas nas seguintes premissas:
■ O esforço físico e mental no trabalho é tão natural quanto o lazer ou o
descanso.
■ Controle externo e ameaça de castigo não são os únicos meios de susci-
tar esforços no sentido dos objetivos organizacionais. Movido pela auto-
Capítulo 3

orientação e pelo autocontrole, o indivíduo se colocará a serviço dos obje-


tivos que se empenhou a alcançar dentro da organização.
■ O empenho em alcançar objetivos é função das recompensas atribuídas ao
êxito da tarefa.
■ Em condições apropriadas, o ser humano, em média, aprende não só a

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


aceitar, mas a procurar responsabilidades.
■ A capacidade de exercitar, em grau relativamente elevado, a imaginação, o
talento e o espírito criativo na solução de problemas organizacionais está
distribuída ampla, e não escassamente, entre as pessoas.
■ Nas condições da vida industrial moderna, as potencialidades intelectuais
do ser humano são, em média, utilizadas apenas parcialmente.

De acordo com os pressupostos básicos da teoria Y, o ser humano possui uma


série de potencialidades cujo desenvolvimento exige um ambiente organizacional pro-
pício, o que raramente ocorre. McGregor menciona Chris Argyris em Personalidade
e organização (1957), segundo o qual as organizações podem tratar seus funcionários
como se fossem seres imaturos, pouco aptos a colaborar e sempre necessitando de
controle. Isso seria equivalente à teoria X. Já a teoria Y pressupõe seres adultos, ma-
duros e sadios, em busca de autorrealização:

Acima de tudo, a concepção da Teoria Y dá destaque ao fato de os limites


da colaboração humana no âmbito organizacional não serem os limites
da natureza humana, mas da capacidade dos dirigentes para descobrirem
a maneira de realizar o potencial representado pelos recursos humanos a 59
seu dispor (McGregor, 1970, p. 75).

McGregor encaminha sua análise para a orientação de dirigentes de empresas,


habilitando-os a obterem melhores resultados de suas equipes com menor uso de con-
troles e maior participação e satisfação dos funcionários. Propõe, ainda, programas de
aperfeiçoamento de dirigentes e cursos de desenvolvimento de liderança, respondendo,
dessa forma, à questão proposta por Sloan.
É necessário citar também, entre as abordagens clássicas da Escola Comporta-
mental, a teoria motivacional de McClelland.
David McClelland (1953) identificou três necessidades secundárias, ou ad-
quiridas socialmente: poder, afiliação e realização. Cada uma delas está relacionada
a alguma forma de comportamento que pode influenciar a carreira do indivíduo de
forma positiva ou negativa, de acordo com as exigências do cargo, do clima e da cultura
organizacional. A definição e as características das três necessidades são as seguintes:
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

■ Necessidade de poder: É a necessidade de exercer algum tipo de influ-


ência sobre o comportamento dos demais indivíduos. Segundo Hampton
(1983), a necessidade de poder pode estar por trás de dois estilos de geren-
ciamento diferentes: o que enfatiza o poder pessoal, que pode se manifes-
tar através de atitudes dominadoras ou de um perfil mais carismático, que
inspire os colaboradores; e o que enfatiza o poder institucional, que não
exige obediência à pessoa do gerente, mas lealdade às normas da empresa
e dedicação às exigências da tarefa.
Psicologia Aplicada à Administração

■ Necessidade de afiliação: É a necessidade de ser apreciado, pertencer e ser


aceito pelo grupo e de estabelecer relações de caráter social. Os gerentes
cuja necessidade predominante é a de afiliação preocupam-se com as pes-
soas, seus sentimentos, problemas e motivações, são empáticos e amisto-
sos. Sempre que possível, exercerão funções nas quais o contato social seja
parte integrante da tarefa.
■ Necessidade de realização: “Quando esta necessidade é particularmente
forte em uma pessoa, manifesta-se frequentemente em uma intensa preo-
cupação em estabelecer metas profissionais moderadamente arriscadas e
difíceis, em perseguir essas metas, saber se o desempenho foi bom e rece-
ber reconhecimento pelo sucesso” (Hampton, 1983, p. 56-57). Os indiví-
duos com necessidade de realização são orientados para a tarefa, buscam
elevados níveis de qualidade naquilo que fazem e necessitam de ambien-
tes em que possam trabalhar com desafios, receber feedback e reconhe-
cimento. “De acordo com McClelland, as pessoas que demonstram forte
60 necessidade de realização são particularmente responsivas aos ambientes
de trabalho nos quais podem atingir o sucesso através de seus próprios
esforços. Por exemplo, os empresários procuram esse tipo de ambiente. Na
realidade, a motivação pela realização é, em grande parte, uma teoria para
empreendedores” (Montana; Charnov, 1998, p. 213).

Assim, esse conjunto de psicólogos, cada um a seu modo e de acordo com


os resultados de suas pesquisas, procurou encontrar explicações para a natureza da
motivação e da autorrealização. Embora seus estudos remontem às décadas de 1950
e 1960, seus pressupostos ainda são amplamente utilizados na administração para a
compreensão do comportamento do homem no trabalho.
A seguir, será apresentado um panorama da psicologia positiva e das pesquisas
do psicólogo contemporâneo Mihaly Csikszentmihalyi, cujas bases teóricas encontram
forte aproximação com os achados de Maslow.
Capítulo 3

3.5. O FLOW DE CSIKSZENTMIHALYI E A PSICOLOGIA POSITIVA


Quando muitos acreditavam que tudo já havia sido dito em termos de motivação,
surge no cenário acadêmico um novo conceito: a experiência máxima, apresentada
por Mihaly Csikszentmihalyi no livro Flow: The Psychology of Optimal Experience,
traduzido na versão brasileira por Psicologia da felicidade, título que não retrata a

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


complexidade do tema (Csikszentmihalyi, 1991, 1992).
Csikszentmihalyi, um dos principais autores da psicologia positiva, preocupa-se
com os aspectos criativos, cognitivos e motivacionais dos indivíduos (Csikszentmihalyi,
1991 e 1992). O autor percebeu que o mesmo “estado de espírito extraordinário” en-
contrado em artistas (o pintor que pinta uma aquarela, por exemplo) também poderia
ser encontrado em outras pessoas que trabalhavam em atividades “sem atrativos”,
comuns, “desglamourizadas”. A obra de Csikszentmihaliy quer, assim, restituir às
pessoas comuns a possibilidade de obter satisfação no dia a dia, não somente através
de acontecimentos excepcionais, inesperados e raros.
Em primeiro lugar, o que é chamado aqui de “estado de espírito extraordinário”
é o que Csikszentmihalyi chamou da experiência de fluir ou flow.2 Esse estado ocorre
quando o indivíduo, motivado e capacitado para a atividade, sente-se desafiado pela
tarefa, concentra-se de forma extrema na sua resolução até o ponto de perda da noção
de tempo e emprega ao máximo suas capacidades. Ao mesmo tempo que realiza gran-
des esforços, não os percebe como tal, pelo menos no sentido negativo do termo (no
sentido de sacrifício, de exaustão), justamente porque os esforços são realizados em
direção a suas próprias metas, e não a fim de atender metas alheias. Há uma sensação
de controle (da situação e de autocontrole), em que a atividade é o fim em si mesma.
61
A satisfação não se encontra apenas nos resultados, mas no processo como um todo,
o que permite, por si só, uma sensação muito mais prolongada e enriquecedora. Essa
é, aliás, a origem do termo empregado muitas vezes pelo autor, autotélico. Do grego,
auto (por si mesmo) e telos (finalidade), daí a personalidade autotélica, aquela que
busca a satisfação independentemente das circunstâncias, que aprecia o caminho, e
não somente a chegada.
O flow é diferente de apenas sentir prazer. O prazer, embora indispensável à
felicidade humana, pode ser considerado um elemento absorvido passivamente, de
caráter fugidio, que não traz lembrança de satisfação e não gera crescimento pessoal.
Por outro lado, o flow é duradouro, há sensação de controle dos eventos e crescimento
pessoal, advindo a satisfação da superação dos obstáculos. Enquanto o prazer é um
importante componente da qualidade de vida, mas não traz felicidade por si só, o flow

2 Como nos falou Howard Gardner em Porto Alegre, em julho de 1997, Àow é um termo técnico. Não
deveria ser traduzido em outras línguas.
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

gera crescimento psicológico e aumenta a complexidade do ser. As diferenças entre


prazer e satisfação ficam nítidas quando se pensa nas formas de aproveitamento das
capacidades sensoriais. No que se refere ao paladar, por exemplo, pode-se devorar um
prato de comida e obter o prazer de saciar a fome ou pode-se saborear lentamente
uma refeição requintada, identificando os temperos, ervas, aromas e sabores ou, ainda,
tentar preparar o próprio alimento, enfrentando os desafios de combinar adequada-
mente os ingredientes. Csikszentmihalyi (1992) enfatiza que as experiências de flow
podem não ter sido exatamente agradáveis na época em que ocorreram. Um certo grau
Psicologia Aplicada à Administração

de sofrimento e angústia, grande esforço e momentos de incerteza quase sempre são


associados aos processos que conduzem ao flow. A diferença está em que, depois que
as experiências acontecem, elas podem ser recordadas como positivas e ensejadoras
de crescimento pessoal.
Para que a experiência de satisfação plena possa ocorrer, necessitamos de um
equilíbrio dinâmico entre capacidades e desafios. A combinação de alta capacidade
e baixo desafio leva ao tédio; a combinação de alto desafio e baixa capacidade leva
à ansiedade. Segundo o autor, é impossível fazermos por um longo tempo a mesma
tarefa, com o mesmo nível de complexidade, sem ficarmos frustrados ou entediados.
Logo, o flow está no aumento gradual da complexidade das tarefas, levando a um
incremento também gradual de nossas capacidades, ou seja, ao desenvolvimento de
nossos potenciais. É a busca por satisfação que nos leva à procura de novos desafios
e de oportunidades de realização. (Csikszentmihalyi, 1996, 1997).
Assim, estariam presentes no flow os seguintes elementos: o desafio, as capacida-
des para enfrentá-lo, o “perder-se” na tarefa e a satisfação que leva a esquecer do tempo
62 que passa. Os que alcançam o flow conseguem focar a atenção em atividades ligadas a
suas metas, controlam sua realidade subjetiva de forma a libertar-se de recompensas
externas inatingíveis e encontram recompensas na atividade atual, à qual se entregam
sem reservas, de forma ativa, dedicada e responsável. A personalidade autotélica cria
condições de flow, transformando atividades áridas em atividades complexas, e reco-
nhece oportunidades de ação onde outros não reconhecem (Csikszentmihalyi, 1992).
A capacidade de “entrar em flow” não se restringe às questões profissionais. É
possível passar do estado do puro tédio à experiência do flow nas áreas familiar, social,
cultural e até mesmo no lazer. Para tanto, necessitamos estar conscientes de que a satisfa-
ção não ocorre de forma casual, para alguns afortunados que passam por acontecimentos
empolgantes. Ao contrário, o flow é resultado de um esforço consciente pela definição
de nossas próprias metas, desenvolvimento de potencial, busca constante de recursos
internos, menor dependência de fontes externas de gratificação e identificação clara do
que é nosso interesse e do que é interesse alheio. Como se vê, a busca do flow não é uma
tarefa fácil. É, porém, compensadora para aqueles que a experimentam.
Capítulo 3

Veja, agora, como a teoria do flow se relaciona aos demais conceitos sobre mo-
tivação, abordados anteriormente.

3.6. A INEGÁVEL CONTRIBUIÇÃO DE MASLOW PARA A TEORIA DO FLOW


Ao ler Maslow no gerenciamento, publicado em 2000, chama atenção a incrível

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


aproximação dos pressupostos do autor da Hierarquia das Necessidades com os concei-
tos do flow. Maslow, a exemplo de Csikszentmihalyi, preocupa-se com as questões da
vocação, da autorrealização, da criatividade, da felicidade no trabalho, do significado
do próprio trabalho, da frustração, da resistência à mudança, da construção de uma
sociedade melhor a partir de uma vida melhor para seus membros e do desenvolvi-
mento dos talentos individuais.
Para o autor, a busca da felicidade não é um caminho direto, mas o subproduto de
um esforço árduo, intencional e comprometido com um trabalho pleno de significado
para o indivíduo que o realiza. Ora, quem não recordaria as palavras de Csiksentmihalyi
sobre a necessidade do esforço na busca da felicidade, da intencionalidade das ações
e da busca de um significado3 nos trabalhos mais áridos?
O termo desafio, tal qual usado na teoria do flow, aparece em Maslow no ge-
renciamento no pressuposto número 21, subjacente ao que ele chamou de “Política
de Gerenciamento Esclarecido”. O gerenciamento esclarecido implica uma série de
crenças dos gerentes sobre as pessoas com as quais trabalham (e sobre si mesmos), de
que essas pessoas possuem elevada motivação para a autorrealização e para a busca
do mais alto nível de desenvolvimento pessoal. “A economia e a gerência esclarecidas
pressupõem que todo mundo prefira ser um desbravador a um ajudante passivo, uma 63
ferramenta ou uma rolha de cortiça arremessada às ondas” (Maslow, 2000, p. 25). No
pressuposto 21, o autor compara o desenvolvimento infantil ao desenvolvimento da
gerência esclarecida e, ao lê-lo sem o conhecimento da autoria, poder-se-ia supor a
leitura de algum trecho da Psicologia da Felicidade, de Csikszentmihalyi. Diz Maslow:

... um pré-requisito para a gerência esclarecida é o prazer da novidade, de


novos desafios, de novas atividades e da variedade, em novas atividades
que não são tão fáceis, mas que, mais cedo ou mais tarde, tornam-se fa-
miliares e, portanto, desinteressantes e, até mesmo, entediantes, de forma

3 Csikszentmihalyi trabalha com o conceito de busca de desa¿o, e não propriamente de signi¿cado.


Pode-se aqui sugerir dois tipos de entendimento: primeiro, o fato de se encontrar algum tipo de desa¿o
no trabalho torna-o, de alguma forma, signi¿cativo; ou, em uma segunda interpretação, a existência de
um desa¿o leva o indivíduo ao crescimento e torna sua vida mais signi¿cativa, no sentido proposto por
Viktor Frankl (1991).
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

que recomeça a busca por variedade, por novidade e por trabalho que exija
um nível mais elevado de habilidade (2000, p. 45).

E como não relacionar o flow e o “perder-se” com a citação de Maslow transcrita


a seguir? Lembre-se que o termo “perder-se” é descrito por Csikszentmihalyi como
o alcance de um nível tão elevado de envolvimento com a atividade que há perda da
noção de tempo e concentração tão alta que tudo o mais é temporariamente relegado.

Um ponto a destacar sobre este negócio [autorrealização e tolerância à


Psicologia Aplicada à Administração

frustração] é que o trabalho de autorrealização transcende o eu, sem tentar


fazê-lo, e alcança o tipo de perda de consciência e de autoconsciência que
os orientais, os japoneses, os chineses e povos assim continuam tentando
alcançar (Maslow, 2000, p. 12).

Prossegue o autor, enfatizando a total entrega do indivíduo ao trabalho sig-


nificativo, em estado de flow: “...porque a causa para a qual se trabalha no trabalho
de autorrealização é ‘introjetada’ e se torna parte do eu, de forma que não há mais
diferença entre o mundo e o eu” (Maslow, 2000, p. 12).
O que Csiksentmihalyi chamou de flow pode ser comparado diretamente
ao conceito de experiência culminante, de Maslow. “Experiência Culminante, para
Maslow, é uma experiência transitória, de profunda intensidade, que envolve uma
maior consciência e que com frequência é acompanhada por sentimentos de se estar
‘totalmente vivo’” (Maslow, apud Glassman e Hadad, 2006, p. 306).
Obviamente, não se pretende, em momento algum, negar a originalidade do
trabalho de Csikszentmihaliy. Todo o conhecimento se constrói a partir de conheci-
64 mentos preexistentes. Um cirurgião que desenvolve uma nova técnica de transplante
cardíaco não tem mérito menor por não ter sido o primeiro anatomista a localizar o
coração e descrever suas funções. Destaca-se aqui, ao contrário, a grande interação
entre os autores das teorias motivacionais, a começar pelo próprio Maslow, que comenta
McGregor e tantos outros, e o salto qualitativo dado pelo autor de flow, ao resgatar e
ampliar conceitos quase esquecidos pela história da administração e considerados de
menor importância em Maslow.

3.7. MAIS SOBRE A PSICOLOGIA POSITIVA


Conforme dito anteriormente, Csikszentmihaliy é apenas um dos representantes
da psicologia positiva. Diversos outros pesquisadores, como Martin Seligman, C. R.
Snyder, Shane J. Lopez, entre outros, têm buscado estudar e desenvolver os aspectos
mais saudáveis da mente humana, a partir de uma visão não determinista, conferindo-
lhes um espaço entre os humanistas.
Capítulo 3

Martin Seligman (apud Snyder e Lopez, 2009, p. 18), presidente da American


Psychological Association, afirma que “antes da Segunda Guerra Mundial, a psicologia
tinha três missões: curar as doenças mentais, tornar a vida das pessoas mais satisfatória
e identificar e cultivar talentos superiores”. Após a Segunda Grande Guerra, entretanto,
os psicólogos encontraram ampla demanda de trabalho e oferta de financiamentos
para pesquisas em transtornos mentais. Veteranos de guerra, famílias devastadas,

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


situações de estresse e necessidades de readaptação e reconstrução de lares e de vidas
apresentaram-se como campos férteis de atuação e necessidade de dedicação de esforços
consideráveis por parte dos profissionais de psicologia da época. Tal situação gerou,
como seria de se esperar, notáveis progressos no tratamento dos transtornos mentais.
Restou, entretanto, uma lacuna na missão da psicologia: identificar e cultivar talentos.

Viramos uma vitimologia. Os seres humanos passaram a ser vistos como


focos passivos: os estímulos chegavam e geravam “respostas”, ou “reforça-
mentos” externos enfraqueciam ou fortaleciam “respostas”, ou conflitos da
infância comandavam o ser humano. Considerando o ser humano como
essencialmente passivo, os psicólogos tratavam a doença mental dentro de
um quadro teórico voltado a consertar hábitos problemáticos, infâncias
problemáticas e cérebros problemáticos. [...] quero lembrar à nossa área
que ela se desviou. A Psicologia não é apenas o estudo da fraqueza e do
dano, mas também o estudo da qualidade e da virtude. Tratar não significa
apenas consertar o que está com defeito, mas também cultivar o que temos
de melhor (Seligman apud Snyder e Lopez, 2009, p. 18).

Através desse texto, Martin Seligman nos apresenta uma das propostas básicas
da psicologia positiva: a identificação, o desenvolvimento, o resgate, o estudo e a valo- 65
rização dos aspectos positivos e saudáveis do ser humano. Para a psicologia positiva,
temas como o prazer, a afetividade, a felicidade, a criatividade, a inteligência, o talento
e o bem-estar são importantes objetos de estudo. Além disso, o texto reflete a opção
pela terceira força na psicologia: nem behaviorismo nem psicanálise.
De que forma a psicologia positiva apoia a compreensão dos fenômenos orga-
nizacionais ou de que forma pode ser aplicada à gestão de pessoas? Ora, no contexto
de grandes mudanças no mundo do trabalho, em que há necessidade de resignificação
do próprio trabalho e do trabalhar, a psicologia positiva pode contribuir de forma
destacada. Qual a importância de cada trabalho? De que forma ele pode gerar satisfa-
ção e contribuir para a saúde mental do que trabalha e dos que são afetados pelo seu
trabalho? De que forma o trabalho contribui efetivamente para a autorrealização e para
uma vida mais significativa? Ele pode preencher necessidades sociais? Cooperativas?
De exercício da responsabilidade, da iniciativa e da inteligência, de forma positiva? É
possível encontrar flow no trabalho? E gerar condições para que as equipes também
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

encontrem seu flow? Qual o perfil que o líder e o gestor deveriam buscar desenvolver
para que suas equipes e organizações se tornassem “centros” de desenvolvimento de
talentos? Como identificar talentos? Essas são apenas algumas das inúmeras contribui-
ções que a psicologia positiva pode dar ao desenvolvimento dos indivíduos, grupos e
organizações, rumo a uma gestão ética, criativa e satisfatória. Para tanto, é necessário
compartilhar dos pressupostos humanistas de que os indivíduos podem fazer escolhas
livres e positivas para si, suas carreiras e seus trabalhos e para os que os cercam.
Psicologia Aplicada à Administração

3.8. A CONTRIBUIÇÃO DE ROGERS: NO CENTRO DAS PROPOSTAS HUMANISTAS


Carl Rogers nasceu em 1902, em Chicago, e faleceu em 1987. Um dos princi-
pais representantes da abordagem humanista, Rogers iniciou suas atividades clínicas
trabalhando com orientação infantil. Em uma de suas atividades mais importantes
para a definição do que viria a ser seu trabalho e sua abordagem, foi contratado como
psicólogo no Child Study Department, da Associação para a Proteção à Infância, em
Rochester, Nova York, na qual atuou por 12 anos. O período em Rochester o levou a
amadurecer alguns dos pressupostos de sua terapia humanista, conhecida como tera-
pia centrada na pessoa, entre os quais, “de que é o próprio cliente que sabe aquilo que
sofre, qual a direção a tomar, quais problemas são cruciais, que experiências foram
profundamente recalcadas” (Rogers, 2009, p. 13).
Após as experiências em Rochester, Rogers se dividia entre a academia e a
clínica. Em 1940, foi contratado pela Universidade de Ohio, na qual passou cinco
anos. A seguir, Rogers trabalhou 12 anos na Universidade de Chicago e quatro na
66 Universidade de Wisconsin.
Em seu livro Tornar-se pessoa (2009), Rogers apresenta alguns pressupostos,
construídos a partir de suas vivências na clínica e de profundas reflexões pessoais,
que viriam a embasar sua prática como psicólogo e, mais do que isso, refletir as bases
de sua psicologia humanista.
Rogers concluiu que, em sua relação com as pessoas, seria sempre mais útil ser
verdadeiro, mostrar como realmente está se sentindo, aceitar a si próprio e ser o que se
é. Para Rogers, a autoaceitação é o caminho para a aceitação incondicional do outro,
o que pode ser uma experiência profundamente transformadora. Para ele, as atitudes
de simulação são indesejáveis sob quaisquer pontos de vista.

... não ajuda, a longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que não
sou [...] nunca achei que fosse útil ou eficaz nas minhas relações com as
outras pessoas tentar manter uma atitude de fachada, agindo de uma certa
maneira na superfície quando estou passando pela experiência de algo
completamente diferente (2009, p. 19).
Capítulo 3

Rogers, a exemplo de Maslow, sugere que a questão da vocação e da percepção


clara sobre si mesmo são essenciais: “... quando sinto que uma atividade é boa e que
vale a pena prossegui-la, devo prossegui-la” (2009, p. 26).
Uma atitude independente também transparece em seus pressupostos: “a ava-
liação dos outros não me serve de guia [afirmou ele]. Os juízos dos outros, embora

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


devam ser ouvidos e levados em consideração pelo que são, nunca me poderão orientar”
(2009, p. 27). Pode-se compreender a construção desse pressuposto considerando as
resistências iniciais que Rogers encontrou à sua abordagem, às suas opções profissio-
nais e às suas ideias.
Outro pressuposto afirma que a experiência e a análise dos fatos são essenciais
para a aprendizagem e para as descobertas. “Os fatos são amigos”, disse Rogers.
Entretanto, entre todos os pressupostos apresentados pelo autor, o que parece
representar o cerne da psicologia humanista é a crença nas qualidades humanas. “A
experiência mostrou-me que as pessoas têm fundamentalmente uma orientação posi-
tiva” (2009, p. 31). Não que Rogers mostre-se um crente acrítico na bondade humana.
Ao contrário, ele afirma que

Não tenho uma visão ingenuamente otimista da natureza humana. Te-


nho perfeita consciência do fato de que, pela necessidade de se defender
dos seus terrores mais íntimos, o indivíduo pode vir a se comportar e se
comporta de maneira incrivelmente feroz, horrorosamente destrutiva,
imatura, regressiva, antissocial, prejudicial! Mas um dos aspectos mais
animadores e revigorantes da minha experiência é o trabalho que levo a
cabo com indivíduos desse gênero, e a descoberta das tendências orientadas
muito positivamente existentes neles todos, e em todos nós, nos níveis mais 67
profundos (2009, p. 31-32).

Rogers expressa sua crença no fluxo constante de transformações e possibilidades


que a vida enseja. “A vida, no que tem de melhor, é um processo que flui, que se altera,
e onde nada está fixo” (2009, p. 32).
O autor acreditava que existe um motivo amplo que direciona nossas vidas e
que é considerado por ele como “uma propriedade intrínseca da vida”.

Este motivo, denominado tendência para a realização, reflete o desejo de


crescer, de se desenvolver e de melhorar suas próprias competências [...] É
a tendência para a realização que estimula a criatividade, que nos leva a
buscar novos desafios e habilidades e que motiva o crescimento saudável
em todos os múltiplos aspectos de nossas vidas (Glassman e Hadad, 2006,
p. 288).
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Rogers aponta que a compreensão de desenvolvimento saudável da persona-


lidade e de sua integração envolve a percepção do indivíduo acerca de quem ele é
(self)4 e de quem gostaria de ser (self ideal). Tal desejo e tal percepção podem variar de
momento a momento na vida do indivíduo, sendo, portanto, elementos dinâmicos. Se
a nossa noção de self e de self ideal se aproximam, experimentamos o sentimento de
congruência. Caso o self e o self ideal não se aproximem, experimentamos sentimentos
de mal-estar e conflito.
Finalmente, Rogers ressalta que, para o desenvolvimento saudável da perso-
Psicologia Aplicada à Administração

nalidade, o indivíduo precisa de aceitação, “... uma necessidade de contatos sociais


positivos, como o amor...”. Alguns indivíduos, para obterem aceitação, quando esta
não é incondicional por parte de figuras significativas em sua vida, como os pais, por
exemplo, evitam a livre autoexpressão, restringindo as manifestações espontâneas
de sua personalidade. Por aceitação incondicional entende-se que “é a aceitação e a
consideração dadas a uma pessoa como ser humano, sem impor condições sobre o
modo como a pessoa se comporta” (Glassman e Hadad, 2006, p. 293). Tal situação
gera um dilema entre o que a pessoa entende que deveria ser para ser aceita e o que ela
realmente gostaria de ser ou sente que é, e impõe importantes restrições à manifesta-
ção espontânea da personalidade. O “dilema do gostaria-deveria é o conflito entre as
próprias necessidades, expresso através da tendência para a realização e as exigências
das outras pessoas expressas através do self ideal” (p. 292).
Outras condições apresentadas por Rogers para o crescimento do indivíduo,
além da aceitação incondicional, é a abertura, na qual a pessoa se expressa livremente
sem esconder-se por trás de uma fachada; e a empatia, que é a capacidade de alguém
68 de compreender os sentimentos, percepções, necessidades e valores de outras pessoas.
Para os administradores, de que poderiam ser úteis os pressupostos humanistas
de Rogers, desenvolvidos na prática clínica e aplicados na psicoterapia?
Bem, o próprio Rogers responde a esta questão, ao menos em parte, em seu
livro Sobre o poder pessoal (2001). Nessa obra, o autor relata um evento no qual teve
“a oportunidade de apresentar aos dirigentes de grandes empresas a possibilidade de
utilizarem, em administração, uma abordagem centrada-na-pessoa” (Rogers, 2001,
p. 104). Rogers sugere que a liderança eficaz está baseada na influência e no impacto,
em vez de se basear no poder e no controle. A influência e o impacto são exercidos

4 Conforme observaram Glassman e Hadad (2006), não há consenso sobre o conceito de self. Seu sig-
nificado já foi associado à consciência, ao eu, à autoconsciência. Neste capítulo, para fins didáticos,
ficaremos afastados da discussão sobre o conceito de self, embora reconheçamos sua importância para
o campo da psicologia. Para os estudantes de administração aos quais nos dirigimos, proporemos que
entendam o self como a constituição e as características do eu, a partir da percepção do próprio sujeito
e das influências sociais a que está exposto.
Capítulo 3

através de comportamentos de apoio, delegação, estímulo à aprendizagem, encora-


jamento, oferecimento de feedback, aceitação da criatividade, expressão de ideias e
concessão de autonomia. Escreveu Rogers:

Minha influência tem sempre aumentado quando compartilho meu poder e


autoridade. Recusando-me a coagir ou dirigir, penso que tenho estimulado

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


a aprendizagem, a criatividade e a autodireção. [...] Ao encorajar a capa-
cidade das pessoas de autoavaliarem-se, tenho estimulado a autonomia, a
autorresponsabilidade e a maturidade. Ao liberar as pessoas para ‘fazerem
suas coisas’, tenho enriquecido suas vidas e aprendizagens, tanto quanto
a minha (2001, p. 106).

Assim, temos como um dos legados de Rogers o estímulo à prática de estilos


de liderança mais democráticos, éticos e capazes de criar condições favoráveis ao
desenvolvimento pleno do potencial humano nas organizações.
Além disso, os pressupostos de Rogers, assim como todos os pressupostos huma-
nistas, servem de base para a reflexão sobre a qualidade das relações nas organizações,
sobre os princípios éticos que as norteiam e sobre as possibilidades de desenvolvimento
humano no ambiente de trabalho.
Pode-se pensar na aceitação da diversidade nas organizações como uma con-
dição essencial para a autorrealização dos funcionários. Pode-se pensar também na
capacidade de empatia, necessária aos gestores para apoiar o pleno desenvolvimento de
suas equipes. Pode-se, ainda, pensar na distância entre self e self ideal e a importância
do feedback construtivo e do coaching para a redução de sentimentos de incongruência.
Você conhecerá, agora, um pouco do trabalho de Viktor Frankl, um psicólogo
69
que esteve em campos de concentração nazistas na Segunda Guerra Mundial e que, a
partir de suas experiências, desenvolveu o conceito de logoterapia.

3.9. A PSICOLOGIA EXISTENCIAL E A LOGOTERAPIA DE VIKTOR FRANKL


A psicologia existencial tem por base as crenças de que o comportamento só
pode ser entendido a partir da experiência subjetiva de um sujeito e de que o homem
não é vítima do determinismo, sendo responsável por suas escolhas. Nesse sentido, a
psicologia existencial compartilha muitas das características da abordagem humanista,
sendo, por essa razão, aqui apresentada.
Suas origens encontram-se na filosofia do início do século XX e nos questio-
namentos sobre o sentido da vida no período posterior à Primeira Guerra Mundial.
Os filósofos existencialistas, dentre os quais destaca-se Jean Paul Sartre, inspiraram os
psicólogos a repensarem o sentido da existência e do sofrimento, sobretudo após mais
uma Guerra Mundial. Sartre afirmava que os indivíduos são capazes de fazer escolhas
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

sobre sua maneira de viver e que essas escolhas criam significado para suas vidas e suas
experiências. Psicólogos como Rollo May (1961) também contribuem para a aborda-
gem. Ele publica Existential Psychology (1961), trabalho que inclui contribuições de
Rogers e Maslow, com ênfase na questão do significado.
Para os psicólogos existencialistas, os problemas individuais são resultado de
não se conseguir solução para a questão do significado da vida, dos nossos atos, da
morte e do sofrimento. Segundo eles, não há uma resposta universal para as questões
do sofrimento e da morte, nem há nenhum significado universal para a vida. Encontrar
Psicologia Aplicada à Administração

significado para as questões existenciais é o caminho para o desenvolvimento saudável.


Entre os existencialistas mais famosos está o médico judeu Viktor Frankl
(1905/1997). Contemporâneo de Freud, Frankl estudou medicina em Viena e fez
doutorado em filosofia. Rejeitando muitas das suposições da análise freudiana, Frankl
entendia que, em vez das pulsões da sexualidade e da agressão, o motivo mais im-
portante do comportamento humano era o desejo de encontrar um significado para
a vida. Tal crença, base da psicologia existencialista, constituiu a base da logoterapia,
uma abordagem psicoterápica centrada na busca de sentido para a vida. Seu livro mais
conhecido é Man’s Search for Meaning, traduzido no Brasil por Em busca de sentido.
Muitos dos questionamentos de Frankl surgiram diante de sua própria vivência de
sofrimento. Perseguido pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, optou
por não fugir para não abandonar seus pais e acabou sendo levado aos campos de
concentração de Dachau e Auschwitz, entre outros, nos quais passou três anos de sua
vida. Nesses lugares de horror, violência e indignidade, Frankl percebeu que a morte
acolhia mais cedo aqueles que não encontravam mais sentido para suas vidas. Estes
iam “para o fio”, ou seja, cometiam suicídio lançando-se sobre as cercas eletrificadas
70 que circundavam os campos de concentração para impedir a fuga dos detentos. Por
outro lado, aqueles que percebiam que tinham uma missão, um propósito, um sentido
para sua vida fora do campo, como uma descoberta científica, rever os netos ou ver
a família a salvo, sobreviviam por mais tempo, nas mesmas condições degradantes
(Frankl, 1991). Frankl dizia que, se a vida tem um significado, o sofrimento também
o teria e que cada um encontraria em si mesmo este significado.
A psicologia existencial nega o determinismo biológico ou psíquico, ao postu-
lar que o homem, ao menos em certa medida, determina a si mesmo. Há condições
que limitam essa liberdade, mas a questão central é a possibilidade e a liberdade de
assumir uma postura diante das condições que se apresentam. Assim, o significado da
experiência só pode ser determinado pelo indivíduo que tem a experiência.
Frankl sugere que o significado pode ser encontrado na preocupação e no cui-
dado com o outro. “Quanto mais uma pessoa esquece de si, mais humana ela é e mais
ela se realiza” (Glassman e Hadad, 2006). Para ele, a vida só tem significado em termos
da maneira como nos relacionamos com nosso entorno. Nesse sentido, as crenças
culturais podem influenciar negativamente a busca por significado.
Capítulo 3

Embora Frankl não defenda um significado particular para a vida ou um


conjunto específico de valores, ele sugere três maneiras como o significado pode ser
descoberto na vida: pela realização, por uma experiência transcendente e pela atitude
que uma pessoa assume diante do sofrimento inevitável. Nos estudos da relação do
homem com as organizações, a obra de Frankl tem servido de base para as pesquisas
sobre o sentido do trabalho e sobre os fatores que afetam positiva ou negativamente

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


a noção de sentido, como, por exemplo, a organização do trabalho, a contribuição
para a sociedade, as oportunidades de aprendizagem e de relacionamentos sociais
gratificantes, a autonomia, a existência de desafios e a variedade, o ambiente ético e a
segurança. Ao preocupar-se com a questão da autorrealização, ao valorizar a liberdade
de escolha e ao negar pressupostos deterministas no comportamento humano, Frankl
encontra seu lugar como um dos representantes da abordagem humanista.
Bem, mas de que forma todas esses conceitos podem apoiar o administrador a
desenvolver seu trabalho de forma mais eficaz? Vejamos a seguir alguns pontos para
reflexão que podem ajudar a responder a essa questão.

3.10. A ABORDAGEM HUMANISTA NA ADMINISTRAÇÃO


Csikszentmihalyi, um dos psicólogos representantes da psicologia positiva
estudados neste capítulo, afirma – em seu livro Gestão qualificada – que as organiza-
ções deveriam existir para fazer as pessoas felizes. Nada pode ser mais humanista do
que essa afirmativa! Entretanto, o que se observa no mundo contemporâneo é que as
organizações não são constituídas, organizadas, geridas e controladas para a busca da
felicidade humana, seja de seus funcionários, seja de seus clientes ou das comunidades 71
em que atuam. Só recentemente (se pensarmos em termos históricos) conceitos como
responsabilidade social, gestão ambientalmente responsável e desenvolvimento huma-
no nas organizações começaram a entrar na pauta das discussões corporativas. Lado
a lado com preocupações com a qualidade de vida no trabalho, controle do estresse,
desenvolvimento de talentos, trabalho em equipe estão as ameaças de demissão, a
sobrecarga de trabalho, o assédio moral, os estilos de liderança moralmente abusivos
e as práticas antiéticas.
De que serve, então, para os administradores, o estudo da abordagem humanista?
Em primeiro lugar, conforme diria o psicanalista francês Christophe Dejours (1988),
as organizações são ambientes privilegiados tanto para o adoecimento quanto para o
favorecimento da saúde mental. É no trabalho que muitos indivíduos encontram sua
maior fonte de realização e de autorrealização, a possibilidade de mostrar-se social-
mente útil e de exercer atividades julgadas relevantes – pelo próprio trabalhador e/ou
pela sociedade. Assim, é fundamental pensar no que leva as pessoas a se realizarem
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

no trabalho, o que as motiva, o que as torna mais saudáveis e o que as enlouquece,


adoece, retira o significado.
Os humanistas fazem pensar que o homo economicus de Taylor (1990) está defi-
nitivamente afastado e que há motivações mais profundas na realização de um trabalho
do que somente a recompensa financeira. Esta abordagem nos faz pensar, também, que
cada indivíduo enseja um tratamento diferente, uma vez que a gama de necessidades,
sentimentos e interesses é imensa e que cada um interpretará e reagirá à realidade de
acordo com suas experiências subjetivas. Assim, não há “receita de bolo” na gestão de
Psicologia Aplicada à Administração

pessoas. Há, sim, pressupostos gerais que apoiam a compreensão da natureza humana.
Os conceitos de Maslow, Rogers e outros nos levam a pensar sobre o papel do
gestor na identificação e desenvolvimento dos talentos de seus colaboradores. De que
forma a organização pode propiciar que cada colaborador desenvolva e ofereça seus
melhores conhecimentos, atitudes, talentos e habilidades? O ambiente organizacio-
nal é propício para a autorrealização? E para o autoconhecimento? Há avaliação de
desempenho e feedback construtivo?
O que se destaca nesta abordagem e que é importante para os administradores é
a proposta de reflexão ética e filosófica sobre a visão de homem. Você, como adminis-
trador, vê o homem como essencialmente capaz de contribuições positivas (sem cair
na ingenuidade)? Você compartilha da Teoria Y de McGregor? Você se imagina, como
gestor, no papel de coaching? De desenvolvedor de talentos? De apoiador de carreiras?
Se você respondeu sim a todas essas questões, provavelmente sofreu influências
humanistas ao longo da vida. Tais experiências e sua leitura pessoal dessas experiências
podem indicar que tipo de gerente você será no futuro.
72

3.11. PARA PENSAR E PARA RECORDAR


■ Se você fosse encarregado de elaborar o Código de Ética de sua empresa,
de que forma poderia utilizar os pressupostos humanistas para suas refle-
xões acerca da construção desse documento?
■ Quais os processos de gestão de pessoas que mais poderiam se beneficiar
das reflexões e das propostas da abordagem humanista?
■ Alguns críticos entendem que a abordagem humanista é completamente
incompatível com a prática administrativa, por ser ingênua, pouco prag-
mática e não alinhada com estratégias de aumento da produtividade e do
lucro. O que você pensa a respeito?
■ Se fosse assumir um cargo de liderança na sua empresa, você aceitaria as
sugestões que Rogers faz no livro Sobre o poder pessoal e que foram citadas
neste capítulo? Justifique.
Capítulo 3

3.12. REFERÊNCIAS
Se você tem interesse em conhecer mais sobre a abordagem humanista,
sugerimos os livros a seguir.

Esse livro é para você conhecer o autor que propôs o conceito de liderança

Abordagem humanista: a crença no poder das escolhas


transformacional, conceito este que, se for examinado cuidadosamente, sugere estar
fortemente embasado em pressupostos humanistas.
BURNS, J.M. Transforming Leadership. New York: Grove Press, 2003.

Para conhecer mais sobre o flow, somente lendo o próprio Csikszentmihalyi.


Snyder e Lopez apresentam um excelente trabalho sobre a psicologia positiva.
CSIKSZENTMIHALYI, M. Finding Flow. New York: Basic Books, 1997.
_______. Creativity. New York: Harper Collins, 1996.
_______. A psicologia da felicidade. São Paulo: Saraiva, 1992.
_______. Flow – The Psychology of Optimal Experience. New York: Harper Perennial, 1991.
_______. Gestão Qualificada: a conexão entre felicidade e negócio. Porto Alegre: Book-
man, 2004.
SNYDER, C.R.; LOPEZ, S.J. Psicologia Positiva: uma abordagem científica e prática das
qualidades humanas. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Se você quiser saber mais sobre a psicologia existencial e a logoterapia, mais


uma vez, sugerimos ler o autor que desenvolveu o conceito. 73

FRANKL, V.E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. São Leopoldo:


Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2. ed. 1991.

O livro a seguir apresenta as diferentes abordagens da psicologia de forma


simples e, ao mesmo tempo, profunda. Muitos dos conceitos aqui apresentados se
basearam em Glassman e Hadad. Não deixe de ler.
GLASSMAN, W.E.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais. 4. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2006.

Para conhecer ainda mais as teorias motivacionais, leia os autores a seguir.


HERZBERG, F.; MAUSNER, B.; SNYDERMAN, B. The Motivation to Work. 2. ed. New
York: John Wiley & Sons, 1959.
Silvia Generali da Costa ELSEVIER

McCLELLAND et ali. The Achievement Motive. New York: Appleton – Century – Crofts,
1953.
McGREGOR, D. Os aspectos humanos da empresa. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora,
1970.

Aqui estão algumas sugestões de leitura das obras de Maslow.


MASLOW, A. Motivation and Personality. 2. ed. New York: Harper & Row Publishers, 1954.
Psicologia Aplicada à Administração

_______. Maslow no gerenciamento. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2000.

Para conhecer mais sobre Rogers, leia seus livros. Aqui há duas sugestões.
ROGERS, Carl R. Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
_______. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Os livros a seguir também foram consultados para a elaboração deste capítulo.


ARGYRIS, C. Personalidade e organização: o conflito entre o sistema e o indivíduo. Rio
de Janeiro: Renes, 1957.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 1988.
FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias da Personalidade. São Paulo: Harbra, 1986.
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
HAMPTON, D.R. Administração contemporânea. São Paulo: McGraw-Hill, 1983.
74
HERSEY, P.; BLANCHARD, K. Psicologia para administradores de empresas. 2. ed. São
Paulo: EPU, 1977.
MAXIMIANO, A.C.A. Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade
na economia globalizada. São Paulo: Atlas, 2000.
MAY, R. Existential Psychology. São Paulo: McGraw-Hill, 1969.
MONTANA, P.J.; CHARNOV, B.H. Administração. São Paulo: Saraiva, 1998.
SCHULTZ, D.P.; SCHULTZ, S.E. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1981.
TAYLOR, Frederick W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1990.
4
Cognitivismo: o que acontece no
“interior” das pessoas

Sonia Mara T. Romero

Conceitos apresentados neste capítulo


Este capítulo apresenta os principais conceitos do cognitivismo, advindos da psicologia
cognitiva, que estuda os pressupostos básicos sobre os aspectos de percepção, atenção
e memória, aprendizagem, criatividade e tomada de decisão.

4.1. INTRODUÇÃO
Os estudos da psicologia cognitiva iniciam pelos movimentos históricos que
originaram as bases de sua criação e evolução. Apresentam-se, também, os principais
temas aplicados pelos administradores nas organizações, como os processos de per-
cepção e os 11 sentidos, a atenção e os aspectos da memória, bem como as formas de
retenção e armazenamento das informações e conhecimentos. Abordam-se as teorias
de aprendizagem relacionadas à escola cognitivista e os principais autores. A seguir são
analisadas as fases do processo criativo do brainstorming, aplicado como técnica para
geração de ideias nas organizações. Ao final do capítulo, descortinam-se os aspectos
envolvidos e principais modelos dos processos de tomada de decisões pelos gestores
no contexto complexo do ambiente organizacional.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

4.2. UM BREVE HISTÓRICO E ATUALIDADES DA PSICOLOGIA COGNITIVA


Todo movimento histórico é, ao mesmo tempo, uma contrariedade e uma evo-
lução. É contrariedade porque, na maior parte das vezes, um novo movimento surge
como uma resposta ao movimento antigo. Nesse aspecto, a psicologia cognitiva é uma
rebeldia ao movimento comportamentalista que se preocupava com os aspectos exter-
nos, expressos pelo “comportamento”. O movimento também é evolucionista porque
apresenta novas perspectivas, pesquisas, experimentos e descobertas sobre os processos
mentais, com foco na cognição. Desse modo, o cognitivismo centra a preocupação
Psicologia Aplicada à Administração

sobre o estudo do comportamento observável e dos processos mentais não manifestos


ou cognitivos; o fundamental é entender como eles acontecem no “interior” da pessoa.
O importante nesses processos é extrair elementos do ambiente e decidir as ações a
serem tomadas. Os principais processos do cognitivismo incluem atenção, percepção,
aprendizagem, memória, linguagem, resolução de problemas, raciocínio e pensamento.
A psicologia cognitiva então estuda como as pessoas percebem, aprendem, lembram
e pensam sobre as informações advindas do mundo exterior.
Sobre a história do movimento, não se pode determinar um único fundador:
vários estudiosos têm suas raízes no comportamentalismo e migraram para o cogniti-
vismo. Com base nos autores Schultz e Schultz (1992) e Sternberg (2008), apresenta-se
os principais pesquisadores do cognitivismo. Entre os principais estudiosos, podem-se
citar: George Miller (1920-), norte-americano, centrado em linguística e comunicação;
diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade de Harvard, juntamente
com Jerome Bruner (1915-) americano, pesquisador da aprendizagem por descoberta
apresentando desafios e problemas para os alunos solucionarem. Ainda na educação,
pode-se citar: Robert Mills Gagné (1916-1992), entendendo a aprendizagem como um
76 processo que envolve interação com o ambiente externo, resultando em modificação
do comportamento; Albert Bandura (1925-) e seus estudos sobre modelagem (o aluno
aprende internamente, através da observação de modelos externos); David Ausubel
(1928-) com o conceito de aprendizagem significativa e subsunçores (ideia ou conjunto
de ideias amplas que geram âncoras nas quais novas ideias vão se fixar); e Ulric Neisser
(1928-), alemão, atuante nos Estados Unidos, autor de Cognitive Psychology (1967), que
afirmou ser a cognitiva, e não a humanista, a terceira força da psicologia. Em setembro
de 1956, dois eventos importantes consolidam a psicologia cognitiva. O Simpósio
sobre Teoria da Informação no MIT, Instituto Massachusetts de Tecnologia, com as
presenças de pesquisadores como George Miller; Noam Chomsky (1928-), linguista;
Allen Newell (1927-1992), psicólogo; e Herbert Simon (1916-2001), economista; e a
Conferência de Dartmouth, com as presenças de Chomsky, Miller, Newell e Simon.
Nesses eventos, foram apresentados estudos sobre tomada de decisão, embasando a
inteligência artificial e os sistemas de computação. Desde então, a psicologia cognitiva
tem evoluído suas pesquisas com o apoio do processamento de informações.
Capítulo 4

A psicologia cognitiva apresenta quatro abordagens básicas de estudos, conforme


Eysenck e Keane (2007):
a) Psicologia cognitiva experimental: envolve os estudos de pessoas saudáveis em
condições controladas de laboratório.
b) Neuropsicologia cognitiva: estuda deficiências cognitivas em pacientes com le-

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


sões de diversas origens para facilitar o entendimento dos processos mentais.
c) Neurociência cognitiva: envolve o estudo do mapeamento cerebral, descobrin-
do onde e quando ocorrem no cérebro os processos cognitivos, bem como as
áreas cerebrais que se ativam durante determinada tarefa.
d) Ciência cognitiva computacional: estuda a modelagem computacional, os pro-
gramas de computadores que imitam certas atividades cerebrais humanas.

Então, a ciência cognitiva é um campo transdisciplinar que aplica ideias, mo-


delos e métodos da psicologia cognitiva, psicobiologia, inteligência artificial, filosofia,
linguística e antropologia. A seguir apresentam-se os principais elementos de estudo
da psicologia cognitiva, como: percepção, atenção e memória, aprendizagem, criati-
vidade e tomada de decisão.

4.3. PERCEPÇÃO: O MUNDO INTERIOR


Os estudos sobre o sistema de percepção e seus elementos são fundamentais
para o entendimento da compreensão sobre as ações, tomada de decisões e reações
das pessoas. A palavra percepção vem do latim, perceptione, e significa ato, efeito ou 77
faculdade de perceber: é a recepção, pelos centros nervosos, das impressões colhidas
pelos sentidos. O mundo exterior que nos cerca, “a realidade”, é constituída de estímu-
los, todavia cada pessoa também constrói seu mundo interior, formado de “realidades”
que somente têm sentido para ela própria. O que cada pessoa percebe, sente e imagina
advém de seu funcionamento cerebral e neural, de sua condição biológica e do am-
biente físico e social no qual ela está inserida. As decisões e ações das pessoas em suas
vidas pessoal e profissional dependem, em grade parte, dos processos de percepção.
Cada pessoa se relaciona, age e reage com o mundo exterior através das infor-
mações perceptuais. É a percepção que faz a interface entre o mundo interior e único,
e o mundo exterior. Na maioria das vezes, o que cada pessoa pensa e age depende
mais das situações e experiências do mundo interior do que da realidade exterior e
objetiva. Pode-se afirmar que existe um mundo interior, íntimo e desconhecido para a
maioria, com filtros individuais, que controla a maneira de pensar, agir e reagir; e que
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

resulta, em grande parte, da forma como as pessoas percebem a realidade. Pode-se,


então, conceituar a percepção da seguinte forma:

Percepção é o processo de organizar e interpretar dados sensoriais recebidos (sensações e


sentidos) para desenvolvermos a consciência do ambiente que nos cerca e de nós mesmos.

A relação com o mundo exterior é feita através dos sentidos; por isso, toda
percepção é a interpretação de um ato sensorial (sentido). É através dos sentidos que
Psicologia Aplicada à Administração

os objetos e movimentos são percebidos, que as situações são vivenciadas e que as


comunicações se estabelecem. A forma como cada pessoa percebe uma informação,
situação ou fato é diferente; e o modo como cada pessoa pensa, age e se comporta
resulta, em grande parte, da sua forma de perceber a realidade. Todavia, ação e per-
cepção estão intimamente ligadas, porque a pessoa age e reage em relação ao modo
como ela percebe.

O que eu penso advém da percepção que eu tenho da realidade,


e a minha maneira de agir e reagir estão ligadas,
diretamente, com o meu modo de pensar.

Além disso, o que a pessoa percebe pode ser influenciado pelos seus estados de
necessidades e emoções, uma vez que a percepção não é o espelho da realidade. Uma
pessoa com fome, outra sonolenta, outra que brigou com o namorado e uma quarta
que conseguiu um emprego podem perceber de maneira muito diferente a mesma
78 situação. Por isso, os processos de percepção estão diretamente relacionados às ex-
periências passadas, às expectativas futuras e ao momento físico e psicológico atual.

4.3.1. Sistema sensorial: os 11 sentidos


As pessoas são diariamente influenciadas pela atuação conjunta dos sentidos
ou do sistema sensorial. Às vezes, um sentido se sobressai a outro, mas o conjunto
predomina. A pessoa, como um sistema organizado, mobiliza praticamente todos os
sentidos ao perceber ou aprender algo, e as reações imediatas dessa percepção também
são refletidas e manifestas por todos os sentidos. Cada sentido tem um elemento de
detecção denominado receptor, que é composto por uma única célula ou um grupo de
células especificamente responsável por determinada função. Então, quantos sentidos
existem? São somente cinco ou mais? Conforme os estudos de Vernont (1974), Penna
(1993) e outros, existem 11 sentidos que formam o sistema sensorial, são eles:
Capítulo 4

1. Visão;
2. Audição;
3. Gosto, paladar;
4. Olfato;
5. Somato-sensorial contato físico; tato;

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


6. Somato-sensorial temperatura: calor, frio;
7. Somato-sensorial pressão profunda;
8. Somato-sensorial dor;
9. Proprioceptivo cinestésico: receptores dos músculos, tendões e articulações de
cinestesia, sensibilidade nos movimentos; posição relativa das partes do corpo
durante os movimentos, articulações;
10. Proprioceptivo vestibular: órgãos vestibulares, equilíbrio e orientação: sensibi-
lidade labiríntica e vestibular. Informa o movimento e a orientação da cabeça e
do corpo em relação à terra quando estes se movimentam sozinhos ou quando
são impulsionados através do espaço por automóveis, aviões, barcos e outros
meios de transporte;
11. Cenestésico: cenestesia, sensibilidade visceral, sede, fome.

A impressão da “realidade” é dada pelos sentidos; são eles que captam e reali-
zam a interação com o mundo exterior. Os sentidos detectam (percebem) a realidade,
realizam transdução (conversão) e transmitem informações sensoriais e perceptuais
que são interpretadas pelo cérebro, levando às ações e reações. 79

4.3.2 Percepção como aptidão cognitiva multiforme


A percepção, então, envolve inúmeras atividades cognitivas. Por exemplo, en-
quanto você olha a TV, pode concentrar-se apenas no som ou nas imagens; na sala
de aula, você pode concentrar-se somente na voz do colega ao lado, nos sons de seu
estômago ou no conteúdo apresentado. Sempre que a pessoa usa a atenção, é mais fácil
encontrar sentido nas informações e captá-las para lembrar-se mais tarde. O estado de
consciência também influencia a percepção: um dia nublado para quem está muito feliz
pode ser considerado ótimo ou extremamente deprimente para quem está muito triste.
Por outro lado, a memória também está presente na percepção através dos sentidos que
podem evocar lembranças semelhantes às situações presentes, tanto boas quanto ruins.
No momento da percepção, as pessoas fazem comparações e processam as informações,
decidindo ao que se deve dar mais ou menos atenção. A linguagem também participa,
moldando indiretamente a percepção e influenciando o que é verbalizado.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

Em uma sala, a pessoa olha e vê logo uma lâmpada acesa; contudo, dirigindo
em uma estrada à noite, um objeto distante pode parecer uma luz isolada, a luz de um
carro ou de uma moto ou, ainda, qualquer outra coisa fruto da imaginação. O teste da
hipótese é um processo perceptivo que acontece muito rapidamente, quando a pessoa
olha para um objeto e fica hipoteticamente pensando no que é. Esta hipótese fica mais
clara diante de figuras ambíguas; neste caso, a todo o momento se mudam as percepções,
enquanto a figura parece que também se modifica. Um exemplo é o impossível Cubo
de Necker, criado pelo matemático e físico suíço Louis Necker (1730-1804) através de
Psicologia Aplicada à Administração

uma imagem tridimensional.

Figura 4.1 Cubo de Necker.

Fonte: Krech e Crutchfiel (1973, p. 125).

Outros exemplos são os desenhos do artista gráfico Mauritus Cornelis Escher


(1898-1972), como este Côncavo e Convexo de 1955.

Figura 4.2 Côncavo e Convexo.


80

Fonte: Escher, M. C. The Official Website (2010).


Capítulo 4

A percepção envolve numerosas atividades cognitivas. Mesmo em uma sala de


aula, você pode concentrar-se no ruído externo, em uma dor que está sentindo ou no
sussurrar de um colega, não “percebendo” o que está sendo dito. Portanto, sempre que
você prestar “atenção” é mais fácil perceber e entender o que está sendo apresentado,
porque dessa forma você encontra “sentido” nas informações que captou, associando-
as a outras informações ou experiências vivenciadas, sendo capaz de “aprender” e

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


lembrar-se mais tarde do que apreendeu, através da memória. As pessoas tendem
a focalizar mais o ambiente externo do que o interno, prestando especial atenção a
acontecimentos que são novidades, coisas inesperadas ou intensas. Essa forma de agir
é muito importante para a sobrevivência, ajudando as pessoas a responder a perigos
súbitos, localizar e manipular objetos e movimentar-se sem colisões.
Existem dois limiares de percepção dos estímulos visuais: a) percepção limiar
subjetiva, que ocorre quando há uma falha da pessoa em relatar a consciência consciente
de um estímulo; b) percepção limiar objetiva é também uma incapacidade para tomar
decisões precisas, contudo com escolha obrigatória em relação a um estímulo (por exemplo,
adivinhar se é ou não uma carta sem ser ao acaso). Pode-se perguntar, então, se a percepção
subliminar realmente existe. Segundo Pratkanis e Aronson (1992), uma reportagem de um
experimento desenvolvido em 1957 por Vicary deixou dúvidas no tema. Vicary projetou
palavras como pipoca e beba Coca-Cola por frações de segundos, várias vezes em um filme,
resultando no aumento das vendas de 18% do refrigerante e 58% da pipoca. Contudo, no
filme havia cenas de pessoas comendo e bebendo, pode-se supor que essas cenas tenham
aumentado as vendas. Em mais de 200 estudos realizados posteriormente, existem poucas
evidências de que a propaganda subliminar realmente seja eficaz. Todavia, é possível que
a percepção subliminar exista. Então, a percepção subliminar pode ocorrer no cotidiano 81
quando não se presta a devida atenção a um estímulo, percebendo-o sem a devida cons-
ciência. Além do mais, há evidências de imagens cerebrais de processamento sensorial,
semântico e motor de estímulos para os quais não houve uma percepção consciente.
A conduta diária das pessoas no ambiente de trabalho reflete as influências do
clima, das cores, da roupa, dos relacionamentos que nascem ou que se deterioram, dos
aspectos financeiros, políticos e econômicos do país e de outros tantos. Todos esses
fatores podem determinar uma maior ou uma menor predisposição para perceber
as coisas ao redor, retê-las na memória e tomar decisões acertadas no trabalho, nos
estudos e nos relacionamentos.

4.4. ATENÇÃO E MEMÓRIA: ESQUECER E/OU LEMBRAR!


A atenção é a forma pela qual é processada e selecionada uma quantidade limi-
tada de informações, através dos sentidos e das experiências armazenadas na memória.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

A atenção tanto pode ser considerada um filtro através do qual se selecionam alguns
aspectos da percepção como mais importantes, ou a concentração em algo único,
considerado mais importante. Interesses, valores e necessidades são elementos que
dirigem a atenção das pessoas, mas o que a determina são os objetivos pessoais do
momento atual da vida. De outra forma, também se presta especial atenção a eventos
inesperados ou intensos, pois isso é uma forma de sobrevivência e preservação que
ajuda a enfrentar situações inesperadas e perigos súbitos. Se as pessoas prestassem
atenção a tudo que está acontecendo à volta, iriam se perder na multidão de estímulos,
Psicologia Aplicada à Administração

formas, situações e eventos, principalmente no atual mundo da informação.


A atenção pode ter algumas características principais, como a intensidade e a
limitação da capacidade. A intensidade ocorre quando a pessoa assiste a um concerto
concentrando-se somente no som de um instrumento. A limitação da capacidade é o
uso da atenção em várias situações; por exemplo, quando se dirige um carro, pode-se
pensar em outras coisas, todavia, quando se soluciona um problema complexo, precisa-
se de toda a atenção concentrada naquele momento. Então, as pessoas possuem uma
quantidade fixa de atenção e podem usá-la conforme as necessidades das situações
cotidianas.
A atenção também pode ser dividida em duas formas: a) atenção focalizada
ou seletiva ocorre quando são apresentados vários estímulos e o indivíduo escolhe
concentrar-se somente em um deles; e b) atenção dividida, quando se apresentam
também vários estímulos, mas a pessoa concentra a atenção em vários deles. Neste
segundo caso, um exemplo que ilustra é quando ocorre um acidente em uma estrada
e vários carros param para ver o que está acontecendo, surgindo, então, uma situação
82 extremamente perigosa, com riscos de novos acidentes para quem está passando.
Todavia, estudos de Navom e Gopher (1979) apresentam que as pessoas podem usar
a atenção em tarefas concorrentes quando diferentes modalidades sensoriais estão
envolvidas. Por exemplo, você pode ouvir música e escrever, mas fica mais difícil de
ouvir o noticiário e escrever, porque, no segundo caso, ambas as tarefas são verbais no
sentido de envolver a linguagem e, no primeiro caso, o uso de dois recursos atencionais
diferentes (música e linguagem) não representa dificuldade de atenção. A atenção é
constituída pela focalização, concentração e consciência, resultando no armazenamento
na memória; por isso, atenção e memória estão intimamente ligadas.

4.4.1. Modelo de memória


Um modelo de memória é uma maneira de explicar como ela opera. Um dos
estudos mais importantes sobre modelo de memória é o de Atkinson e Shiffrin (1968).
Este modelo de memória apresenta-se em três etapas, focando nas condições de acesso
e armazenagem das informações.
Capítulo 4

■ Armazenagem sensorial ou memória sensorial, MS. Inicialmente, as


informações advindas dos sentidos ficam retidas momentaneamente em
um sistema de armazenamento identificado como MS, memória sensorial,
depósito sensorial ou, ainda, armazenagem sensorial. Essas informações
podem desaparecer em menos de um segundo, se outras informações sur-
gem sem tempo hábil de serem adicionadas aos outros dois sistemas. Este

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


armazenamento pode dividir-se em icônico ou visual (ícones, do grego)
e ecoico ou auditivo. Estudiosos como Sperling (1960) entendem que a
armazenagem icônica é um registro sensorial visual em forma de ícones,
ou símbolos, parecidos com qualquer coisa que está sendo apresentada e
envolve, no máximo, nove itens que declinam em cerca de meio segundo.
Este componente forma a memória visual, o que torna o indivíduo capaz
de lembrar-se de objetos, formas e pessoas. Essas pesquisas são muito im-
portantes porque demonstram a necessidade de símbolos para ajudar na
retenção das informações. Já no armazenamento ecoico, a duração tempo-
ral de informações auditivas é de, no máximo, dois segundos. Por exem-
plo, quando alguém lhe fala alguma coisa e você pergunta “o quê?” mas
imediatamente percebe o que foi dito, você está acessando a armazenagem
sensorial ecoica.
■ Armazenagem de curto prazo, armazenagem temporária, memória
imediata, memória de curto prazo ou memória de curta duração, MCD.
A MCD retém as informações, experiências, objetos e situações cotidianas
que podem ser lembrados, a menos que a informação seja repetida; neste
caso, aciona-se a memória de longa duração. Este tipo de memória possui 83
duas características fundamentais: capacidade limitada de material arma-
zenado (cerca de sete dígitos) e fragilidade de armazenamento (de 15-30
segundos), uma vez que qualquer tipo de distração provoca esquecimento.
A memória de curto prazo pode ser dividida em: armazenamento tempo-
rário e armazenamento geral. No armazenamento temporário, as informa-
ções são facilmente perdidas; já no armazenamento geral, as informações
podem passar para a memória de longa duração, desde que devidamente
repetidas. A MCD armazena as informações através do que Miller (1956)
chamou de “mágico número sete, mais ou menos”, ou seja, se você precisa
se lembrar de uma sequência de 20 letras ou números, faça um agrupa-
mento em 7 itens com significado, assim consegue-se lembrar. Exempli-
ficando: Tente lembrar-se da seguinte sequência 10100100010000100100;
agrupando-os, temos: 10, 100, 1000, 10000, 100 e 100, sendo possível a
lembrança. É comum as pessoas irem buscar alguma coisa e esquecerem
imediatamente, voltando a lembrar-se; neste exemplo, está sendo aciona-
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

da a MCD. As informações nesta memória estão em constante estado de


ativação e podem ser acessadas imediatamente, sem esforço. A MCD se
forma rapidamente e serve por um período intermediário, enquanto são
construídas e retidas as informações na memória de longa duração.
■ Armazenagem de longo prazo, memória remota, depósito a longo
prazo, memória de longo prazo ou memória de longa duração, MLD.
Este tipo de memória guarda informações por anos, décadas e até para
sempre, portanto precisa de tempo para ser construída; simbolizando, é
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igual a uma gigantesca biblioteca. Exemplificando, neste espaço são guar-


dados nomes e imagens de pessoas, locais das coisas, organização da agen-
da, entre outras tantas; é o que mantém as pessoas ativas e produtivas no
cotidiano. Também é a memória que as pessoas temem perder quando
têm determinado excesso de atividades a realizar ou quando envelhecem.
Os limites da memória de longo prazo não são mensuráveis, assim como
sua capacidade de reter volumes de informações e conhecimentos; por
exemplo, são retidas informações muito antigas, adquiridas na infância,
como o aprendizado de uma língua estrangeira e as bases da matemática.
Transferir simples e pequenas informações da MCD para a MLD exige a
repetição, mais conhecida como “decorar”, mas transferir informações e
conhecimentos complexos requer um processamento profundo, feito atra-
vés de vários processos, como, por exemplo: prestar atenção deliberada às
informações e fazer conexões e associações entre novas e antigas informa-
ções e conhecimentos.
84 Desde o surgimento deste modelo, vários outros estudiosos, como Baddeley e
Hitch (1974) e Baddeley (1992) e Izquierdo (2004), desenvolveram modelos diferentes
que incluem a chamada memória de trabalho, MT, ou memória ativa. A memória de
trabalho dura entre alguns segundos a três e seis horas e funciona também como uma
forma de gerenciamento central entre a MCD e a MLD, ou seja, aciona, insere e retira
dados. Esta memória é formada por partes da memória de longa duração, através
dos conhecimentos recentemente ativados e também possui partes da memória de
curta duração, tendo a capacidade de mover ativamente as informações entre essas
duas memórias. A MCD, MLD e a MT podem ser consideradas esferas concêntricas,
nas quais a MT contém porções ativadas recentemente da MLD e está contida em
pequenas partes da MCD.

4.4.2. Sistemas de memória: suas memórias


Múltiplos sistemas estão incluídos na memória, podendo ser divididos em duas
grandes áreas, conforme os estudos de Squire (1993): memória explícita ou declarati-
Capítulo 4

va, utilizada quando se necessita de recordações conscientes de experiências anteriores;


e memória implícita ou não declarativa, quando não se necessita de recordações
anteriores conscientes; esta última exige menor esforço para ser acessada de forma
automática. Suas subdivisões são apresentadas no esquema a seguir:

Figura 4.3 Sistemas de memória.

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


MEMÓRIA EXPLÍCITA MEMÓRIA IMPLÍCITA

Semântica Episódica Procedural ou


Condicionament o
processual

Priming Não associativa

Fonte: Adaptado de Squire (1993).

A memória explícita envolve a semântica (que guarda conhecimentos, palavras,


raciocínio e significado das coisas) e a episódica ou autobiográfica (eventos da vida
do indivíduo, como infância, relações com os pais, primeiro beijo, ato da formatura e
outras espaciais e temporais). Esta primeira memória é acionada para novos conheci-
mentos e informações. Já na memória implícita, apresentam-se a memória procedural,
com o sistema de representação processual (envolve atividades motoras aprendidas
que não são mais esquecidas, como, por exemplo, andar de bicicleta) e são de difícil
modificação. O priming, que envolve a capacidade de evocar lembranças em rede,
acionando esquemas perceptuais maiores com facilidade, como, por exemplo, conse-
guir lembrar-se de uma lista de palavras após dias e completá-las no conhecido jogo
de forca. O condicionamento clássico simples, por exemplo, pensar em um limão 85
e sentir o gosto dele; e, por último, a não associativa, que envolve a habituação e a
sensibilização, por exemplo, os hábitos de higiene e a forma de sensibilizar-se diante
de determinadas situações.
É importante salientar que certas informações da memória implícita (como
habilidades motoras e hábitos cotidianos) precisaram, primeiro, ser estruturadas na
memória explícita para depois serem automatizadas na memória implícita. Alguns
autores referem outros sistemas de memória já abordados no assunto dos sentidos,
como, por exemplo, a memória visual, que faz a pessoa se lembrar de rostos e objetos,
a memória auditiva, na qual a pessoa retém mais as informações ouvindo. Atualmente,
a maioria das pessoas desenvolve mais a memória visual do que a auditiva porque,
no mundo de hoje, as informações e os estímulos visuais são muito maiores do que
os auditivos. Ainda pode-se citar a memória topocinética, relacionada ao sistema
proprioceptivo cinestésico, praticada quando a pessoa registra as posições do corpo
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

em relação ao espaço e que determina as formas de orientação espacial, como dobrar


à direita ou à esquerda.
A capacidade da MLD possui alguns processos básicos e importantes: a) codifi-
cação é o modo pelo qual as informações que receberam atenção são processadas para
serem armazenadas, em formas de desenhos, sons, texturas e cheiros; b) armazena-
mento, processo de “guarda” das informações anteriormente citadas; c) evocação ou
recuperação é o processo de lembrar-se das informações e conhecimentos; quando
as informações advêm da memória implícita, o processo é fácil e rápido (como, por
Psicologia Aplicada à Administração

exemplo, lembrar-se de amarrar os sapatos ou do nome completo de sua mãe), todavia,


quando se necessitam evocar conhecimentos da memória explícita, pode ser difícil e
irritante, como, por exemplo, lembrar-se do nome de um autor e sua classificação para
um tipo de assunto. Por último, d) consolidação ou período de consolidação, envolve o
tempo para que as informações e conhecimentos alcancem uma forma estável na MLD.
Várias técnicas foram criadas para aprimorar o uso da MLD. Pessoas com notá-
veis habilidades de memória são chamadas de mnemônicas, pois conseguem traduzir
informações e conhecimentos em formas de sons, símbolos e formatos. A palavra
mnemônica advém de Mnemosine, o nome da deusa que personificava a Memória
na mitologia grega. Por exemplo, um mnemonista consegue dizer que as palavras têm
“peso”. Existem várias técnicas para desenvolver a habilidade mnemônica, como, por
exemplo: fazer rimas com as palavras; visualizar imagens e associá-las às palavras; e
recodificação, ou seja, criar novos códigos com significado, por exemplo, primeira
letra da palavra ou palavras-chave.
Esquecer para lembrar é um dos lemas do autor Izquierdo (2004), uma vez que
86 lembrar-se ou esquecer-se de tudo pode destruir a vida de alguém. Como exemplo,
pode-se citar o caso da americana Jill Price, que, aos 44 anos, nunca esqueceu nada de
sua vida e consegue lembrar-se do que comeu e bebeu nos últimos anos, com detalhes
de fatos, horas e datas, apresentando uma memória autobiográfica extremamente
superior às demais pessoas.
Novas pesquisas de Izquierdo e Cammarota (2004) demonstram o envolvimento
do sistema dopaminérgico na formação e consolidação da memória. Os resultados
apontam que a formação de memórias é um processo separado de seu arquivamento
dentro do cérebro. Um evento importante e crucial acontece em uma região cerebral
12 horas após a aquisição da memória. É como se o cérebro “passasse a limpo” as
lembranças para determinar se elas devem ou não ser arquivadas na MLD.
O momento de maior perda neural ocorre entre 9 e 13 meses de idade; neste
período, a pessoa está com todo o sistema neural, mas o fato de tornar-se bípede e
aprender a caminhar resulta na perda de vários neurônios desnecessários pela falta
súbita do uso. A partir de então, a pessoa vai perdendo neurônios e conexões neurais
Capítulo 4

gradativamente até o fim dos dias. O esquecimento é comum, falhas na codificação,


armazenagem e recuperação acontecem com todas as pessoas, principalmente se os
componentes do estresse negativo e da ansiedade estiverem envolvidos. Em alguns
casos, o esquecimento durante a codificação ocorre porque a mente está a quilôme-
tros de distância da fonte; exemplificando, um aluno que não se concentra na aula ou
na leitura pode comentar que lê e que vai à aula, mas que não se lembra de nada. As

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


falhas no armazenamento são explicadas pela teoria da deterioração, as lembranças
da MLD são como jornais que, com o tempo e a falta de uso, se deterioram, como,
por exemplo, se você aprendeu nado crawll e pretende aprender nado livre, poderá
ser extremamente penoso. As falhas na recuperação envolvem informações de difícil
localização, ocorrem em face de anomalias como patologias, pessoas que sofreram
derrames ou quem possui a doença de Alzheimer. Neste caso, se todas as falhas de
memória ocorrem na recuperação, pode-se concluir que o esquecimento não existe,
mas sim a falta de localização das lembranças. A incidência do mal de Alzheimer aco-
mete 30-40% dos adultos após os 70 anos e mais de 50% após os 80 anos. Esta doença
é caraterizada pela perda das conexões neurais, mais especificamente das memórias
explícitas, dos últimos 20-30 anos. A pessoa não reconhece mais seus filhos e esposo/a,
esquece-se de ler, escrever e cozinhar, mas lembra-se claramente dos acontecimentos
de sua infância, adolescência e idade adulta. Os espelhos precisam ser excluídos porque
a pessoa pode levar um susto ao olhar-se porque tem sua autoimagem da juventude, e
as portas dos roupeiros precisam ser identificadas com ilustrações dos tipos de roupas
existentes; aparentemente a fala fica mais comprometida do que a memória icônica, que
também decresce, todavia mais lentamente. Além do mais, com o avanço da doença,
as atividades rotineiras da memória implícita, como cuidar da saúde (esquecer que
87
tomou banho e que almoçou), hábitos de higiene (esquecer de levantar a tampa do
vaso) e funções básicas como a deglutição ficam no esquecimento, levando ao óbito.
Na autobiografia de Gabriel Garcia Marquez (2003), ele salienta que a vida não
é a que a gente viveu, mas a que a gente lembra, e, como se lembra dela, pode contá-
la. Assim sendo, os processos da arte de esquecer, como a falsificação de memórias, a
extinção, os esquecimentos, a habituação e a diferenciação são importantes sistemas
que protegem as pessoas de patologias, como estresse pós-traumático, fobias e pâni-
co, e preservam as memórias mais importantes. A falsificação de memórias também
pode, na dose certa, ser aplicada como um mecanismo de defesa; por exemplo, um
filho de alcoolista cujo pai morreu, prefere lembrar-se do pai como uma pessoa
que praticava caridade e não como uma pessoa cambaleando e brigando pela casa.
Os esquecimentos históricos das atrocidades do nazismo fizeram com que o povo
alemão fosse capaz de reconstruir sua história. A habituação, a repetição gradual de
estímulos leva à diminuição gradual das respostas, como, por exemplo, um técnico no
aeroporto não presta mais tanta atenção às decolagens. A habituação também pode
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

proteger as pessoas em situações críticas, como no exemplo das mães nas guerras, que
só acordam quando ouvem o choro do bebê, e não mais com as bombas lançadas. A
diferenciação ou discriminação na qual a criança sabe e reconhece os pais de outras
pessoas também é muito útil. Em outros casos, certos tipos de negação de memórias,
como aquelas que não devem ser reprimidas nem esquecidas, é altamente pernicioso
e trarão consequências desastrosas, como nas situações em que o criminoso comenta
que cometeu o crime “por autodefesa” ou do dependente de álcool que afirma que
“não quis tomar, me obrigaram”. Enfim a arte de esquecer é conseguir discernir entre
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memórias importantes que levam ao crescimento e memórias sem importância que


podem ser descartadas.

4.5 APRENDIZAGEM: COMO APREENDER


A aprendizagem é um processo interno, então, na realidade, como afirma Paulo
Freire (1996), ninguém ensina ninguém: os homens aprendem mediatizados pelo
mundo que os cerca. Portanto, é um processo pessoal, mas que pode ser influenciado
por estímulos e incentivos do mundo exterior. Na realidade, uma criança de quatro
anos tem todas as capacidades cognitivas para ser capaz de escrever, ler, fazer operações
matemáticas básicas e aprender uma língua estrangeira. O meio familiar oportuno,
com pais intelectualizados, as facilidades e oportunidades de acesso às informações
exteriores, mídia e arte e as experiências passadas são determinantes exteriores e
ambientais para maior facilidade no processo de aprendizagem.
Alguns conceitos básicos são importantes para o entendimento dos aspectos
88 relacionados aos processos de aprendizagem. Segundo Romero (2010), a palavra apren-
dizagem deriva do latim aprehendere e significa tomar conhecimento, ficar sabendo.
Refere-se à capacidade da pessoa de modificar sua forma de pensar e agir, baseada
nos resultados de experiências vivenciadas. É essa capacidade que torna possível toda
e qualquer ação de natureza educativa. Junto com o conceito de aprendizagem vem
a palavra aluno, que também deriva do latim alumnus, advindo do latim antigo pelo
verbo alere ou alitum = alimentar, nutrir, fazer aumentar, crescer = criança de peito,
criança que se dá para criar; no sentido figurado, discípulo, alguém que busca o forta-
lecimento, o desenvolvimento. Equivocadamente usava-se a origem da palavra aluno
de lúmen, alguém sem luz, mito que permaneceu muito tempo entre os educadores.
O conceito de pedagogia também é importante, advém do grego: pais, paidós, que
significa criança; agein que significa conduzir; e logos, igual a tratado, ciência. Assim,
pedagogia é a ciência de conduzir a criança ao saber. Na Grécia antiga surgiram os
primeiros pedagogos: escravos contratados por famílias nobres que acompanhavam
literalmente as crianças à escola, reforçando os ensinamentos em casa. Atualmente,
o termo não se restringe à educação de crianças, mas a todo processo de ensino-
Capítulo 4

aprendizagem que envolve a filosofia, a ciência e a técnica da educação. Já na educação


de adultos, aplica-se o conceito de andragogia, derivado do grego: aner, andros, que
significa adulto; agein, igual a conduzir; e logos, tratado, ciência. Desse modo, andra-
gogia refere-se à ciência de conduzir os adultos ao saber. É pouco aplicada nos meios
acadêmico e organizacional, porém fundamental para determinar os pressupostos da
área de treinamento e desenvolvimento que se preocupa com os processos de aprendi-

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


zagem organizacional. Finalmente, ensino, também do latim insignares, significa gravar
um sinal, marcar. É o recurso utilizado pela educação para alcançar plenamente os
objetivos preestabelecidos. É o processo que orienta a aprendizagem ou as mudanças
de comportamento no sentido dos objetivos determinados. Compõe a orientação e a
avaliação dos treinandos no processo de ensino-aprendizagem. Cabe salientar que as
teorias de aprendizagem procuram explicar como se aprende, e não como se ensina,
uma vez que o ensino se baseia na forma como o aluno aprende.
Dentro da linha da psicologia cognitiva, existem vários estudos e teorias de
aprendizagem; os mais importantes são os estudos de Gagné, Bandura, Bruner e
Ausubel, apresentados a seguir, conforme Romero (2010), Moreira (1999) e Schultz
e Schultz (1992).

A) A teoria dos princípios essenciais de gagné


Robert Mills Gagné (1916-1992), psicólogo americano, doutor em psicologia
da Universidade de Brown e professor de educação da Universidade do Estado da
Califórnia, primeiramente faz parte do grupo de pesquisadores da Escola Compor-
tamentalista; no entanto, evolui em seus estudos, aliando-se à Escola Cognitivista.
89
Gagné considera que não se pode reduzir a aprendizagem humana aos esquemas
de condicionamento, insight ou estímulo-resposta. Para ele, a aprendizagem é um pro-
cesso do qual são capazes certos tipos de organismos vivos (seres humanos e animais)
de modificar seu comportamento de modo relativamente rápido, de uma forma mais
ou menos permanente, de tal modo que não tenha de ocorrer frequentemente em
cada nova situação. Elabora, então, uma hierarquia de fases de aprendizagem que vai
desde a motivação para aprender à complexidade da solução de problemas. A apren-
dizagem ocorre através de um processo interno, provocado por estímulos externos
do professor como orientador e facilitador. A aprendizagem é entendida como um
processo que envolve interação com o ambiente externo, resultando em modificação
do comportamento. A teoria de Gagné leva o professor ou instrutor a planejar uma
metodologia variada, na qual cada assunto ou conteúdo exige um método, técnica e
recurso audiovisual adequado a sua estrutura.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

No ato da aprendizagem, Gagné identifica oito fases. As fases formam um mo-


delo e apresentam níveis de aprendizagem diferenciados e hierarquizados, que exigem
estratégias de ensino também diferenciadas e adequadas.
a) Fase da motivação. Envolve o estabelecimento da motivação para aprender, as-
sim como a comunicação dos objetivos aos alunos e a confirmação de expecta-
tivas; é a fase preparatória para o ato da aprendizagem. Refere-se às condições
internas do treinando em apresentar motivação para aprender; o processo inter-
no envolvido é o estabelecimento de expectativas.
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b) Fase da apreensão. Nesta fase, o aluno, recebendo a devida estimulação, presta


atenção aos aspectos relevantes para seu aprendizado. Os processos internos
envolvidos são a atenção e a percepção seletiva. O professor deve focar a atenção
do grupo variando os estímulos da situação de ensino-aprendizagem.

c) Fase da aquisição. Uma vez que a situação externa foi observada e percebida
com atenção, o ato de aprendizagem continua com a fase da aquisição. Envolve
a aquisição de determinados conhecimentos na memória de curta duração, para
mais tarde serem adicionados à memória de longa duração. Nesta fase, ocorre
também o processo de codificação, que é a transformação dos conhecimentos
em códigos para serem armazenados mais facilmente.

d) Fase da retenção. É a fase em que os conhecimentos aprendidos são alterados


90 pelo processo de codificação, entrando no depósito da memória de longa du-
ração. O que é aprendido fica armazenado de forma permanente; no entanto,
alguns conhecimentos se “enfraquecem” com o passar do tempo, gerando o que
chamamos de esquecimento.

e) Fase da rememoração. A fim de estabelecer uma mudança de comportamento


mais ou menos permanente, o ato de aprender deve incluir a rememoração, fase
em que a modificação aprendida é relembrada e passa a ser exibida como um
desempenho. O professor necessita saber como ocorreu o processo de aprendi-
zagem no aluno, para favorecer o processo de rememoração.

f) Fase da generalização. Nesta fase, ocorre a generalização do que já foi apren-


dido, ou seja, é a aplicação a novos e diferentes contextos. Chama-se de transfe-
rência da aprendizagem ou apenas transferência o processo que envolve a lem-
brança do que foi aprendido e sua aplicação a novas situações.
Capítulo 4

g) Fase do desempenho. Envolve o desempenho real do aluno, manifestando o


que foi aprendido. O professor deve promover troca de ideias ou solicitação de
respostas no grupo para verificar se está ocorrendo o desempenho esperado, de
acordo com o que foi aprendido, preparando, assim, o grupo para a última fase.

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


h) Fase do feedback. Uma vez exibido o novo desempenho, torna-se possível
ao aluno perceber que atingiu aos resultados. O fornecimento desse feedback
pelo professor pode ser considerado a essência do reforço da aprendizagem.
O feedback é a confirmação das expectativas levantadas na fase de motivação;
dessa forma, o ciclo de aprendizagem está completo.

Gagné salienta cinco categorias principais como resultados da aprendizagem: a)


Informação verbal. É a mais familiar entre as categorias de capacidades apreendidas.
Envolve a aprendizagem de fatos, nomes, princípios e generalizações, e se constitui
no método principal de transmissão de conhecimentos. b) Habilidades intelectuais.
Consideram as capacidades aprendidas que tornam o aluno apto a aplicá-las, princi-
palmente através da demonstração, a um ou mais casos particulares. c) Estratégias
cognitivas. São capacidades internamente organizadas, as quais o aluno utiliza para
guiar sua própria ação, aprendizagem, rememoração e pensamento. d) Atitudes.
Também chamadas de escolhas de ação pessoal, se referem a determinadas atitudes
que afetam as interações sociais, como tolerância às diferenças individuais e empatia
com os sentimentos alheios. e) Habilidades motoras. Envolvem atividades de apren-
dizagens motoras e psicomotoras que são manifestas, como fazer uma curva com o
carro, retroceder e outras. 91

A teoria de Gagné traz importantes avanços nas teorias de aprendizagem ao


considerar a aprendizagem um processo interno e ao envolver o professor como or-
ganizador das condições para a aprendizagem.

B) A teoria cognitivo-social de Bandura


Albert Bandura (1925-), nascido no Canadá, doutor em psicologia e docente
da Universidade de Stanford, inicialmente identificado como comportamentalista,
desenvolve, a partir dos anos 1960, sua teoria cognitivo-social. Mesmo sendo de base
comportamentalista, o sistema de Bandura identifica-se com a Escola Cognitivista.
A pesquisa de Bandura concentra-se na observação do comportamento de
pessoas em interação. Bandura aponta que toda a aprendizagem (tanto acertos quanto
erros) pode ser realizada através do reforço vicário, ou seja, pela observação do com-
portamento de outras pessoas. O aluno aprende através da modelagem, ou seja, através
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das outras pessoas que servem de modelos. Assim, podemos aprender visualizando ou
imaginando consequências ainda não vivenciadas de determinado comportamento e
tomar decisões conscientes.
Bandura também realiza pesquisas sobre a autoeficácia, entendida como o
sentido de autoestima ou de valor próprio. São as sensações de adequação e eficácia
que as pessoas sentem ao solucionar os problemas da vida. Pessoas autoeficazes, se-
gundo Bandura, são perseverantes, buscam desafios, superam obstáculos e mantêm
alto nível de confiança. Pessoas de pequena autoeficácia sentem-se impotentes diante
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de problemas, desesperançadas e acreditam que não têm capacidade para solucionar


os problemas, desistindo facilmente.
A abordagem da teoria de aprendizagem de Bandura é fundamentalmente
social, pois estuda como o comportamento é formado e modificado pelas influências
das interações com outras pessoas nas situações sociais.

C) A teoria de Bruner
Jerome Bruner (1915-), americano, doutor em psicologia pela Universidade de
Harvard e professor da Universidade de Oxford, é um dos importantes pesquisadores
cognitivistas da atualidade. Concentra seus estudos nos processos de desenvolvimento
do pensamento, na percepção, nas habilidades infantis, nas relações entre cultura e
crescimento cognitivo e principalmente na educação, no ensino e nos currículos das
escolas. Para Bruner, o currículo deve ser estruturado em forma de espiral, fazendo
com que o aluno perceba o mesmo tema em diferentes níveis de profundidade e re-
presentações.
92
A preocupação fundamental de Bruner é promover a participação do aluno no
processo de aprendizagem, principalmente através da aprendizagem por descoberta,
apresentando desafios e problemas para os alunos solucionarem. Assim, sua teoria de
aprendizagem concentra-se em como preparar ambientes para otimizar a aprendiza-
gem, de acordo com critérios diversificados, oportunizando aos alunos explorarem
situações e solucionarem problemas.
Bruner acredita que a tarefa de educar é fornecer meios e situações que levem
cada aluno a aprender a pensar; a compreender e utilizar as ferramentas de apropriação
do mundo; e a definir seu estilo próprio de pensamento e ação. Cada aluno é, também,
um elemento acrescentador no domínio do conhecimento.
As características da teoria de aprendizagem de Bruner são três: a) Indicar expe-
riências mais efetivas para despertar ou estabelecer predisposições para aprender.
A vontade de aprender se caracteriza pelo desejo de solucionar problemas e desafios;
o processo de ensino só terá sucesso se for organizado para esse objetivo. b) Indicar
Capítulo 4

como organizar e estruturar a forma do conhecimento. O conhecimento pode ser


apreendido por qualquer pessoa, desde que adequadamente estruturado. Dessa forma,
qualquer ideia complexa pode ser decomposta em ideias simples, conforme o estágio
intelectual do aluno. c) Citar a sequência mais eficiente para as matérias ou discipli-
nas de ensino. As disciplinas devem ser criteriosamente estudadas e analisadas para
que respeitem uma sequência lógica eficiente para a aprendizagem do aluno.

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


Bruner afirma que é possível ensinar qualquer coisa a uma criança, desde que
seja na sua linguagem. A teoria de aprendizagem de Bruner não se restringe ao estudo
das interações entre alunos e professores, mas também envolve toda uma proposta
de reformulação do processo educacional. Atualmente, seus conceitos principais,
como especificar as experiências dos alunos, selecionar um volume de conhecimen-
tos adequados ao nível do grupo e escalonar os conhecimentos de forma a facilitar a
compreensão, estão sendo aplicados no ensino à distância.

D) A teoria de Ausubel – Escola Cognitivista


David Paul Ausubel (1928-), americano, doutor em psicologia, está ligado à
Escola Cognitivista, apesar de que alguns autores identificam sua teoria com o modelo
construtivista. A ideia central da teoria de Ausubel é a aprendizagem significativa,
processo através do qual uma nova informação relaciona-se com um aspecto relevante
da estrutura do conhecimento da pessoa.
O processo de aprendizagem significativa acontece de modo mais fácil se o
conteúdo a ser aprendido for significativo para a pessoa. São necessárias duas con-
dições fundamentais para que ocorra a aprendizagem significativa: a predisposição
93
para aprendizagem e o material ser potencialmente significativo. a) Para que ocorra a
aprendizagem, é necessário que o aluno esteja predisposto a estabelecer o relaciona-
mento entre os novos conceitos e os conceitos relevantes disponíveis em sua estrutura
cognitiva, conforme salienta Ausubel. Caso o aluno não esteja com essa predisposição,
mesmo que possua ideias relevantes adequadas aos novos conceitos, estará adqui-
rindo uma aprendizagem mecânica, ou seja, aquela aprendizagem em que os novos
conceitos apresentam pouca ou nenhuma relação com os conceitos já existentes em
sua estrutura cognitiva. b) O material de aprendizagem potencialmente significativo
deve possuir duas características básicas, de acordo com Ausubel: natureza substan-
tiva e não arbitrária. Um material é considerado substantivo quando está relacionado
às ideias pertinentes ao conteúdo desenvolvido, porém, este fator deve estar aliado às
ideias relevantes em relação ao tema já contidas na estrutura cognitiva do aluno. Tais ideias
servirão de esteio ao novo conteúdo a ser aprendido. O material não arbitrário é aquele que
se relaciona à estrutura cognitiva do aluno sem alterar seu significado. Isso se refere ao
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

fato de determinados símbolos ou palavras apresentarem sempre o mesmo significado


para o aluno, independentemente da ocasião ou das formas como estão relacionadas.
Dessa forma, o processo de aprendizagem envolve a interação da nova infor-
mação com uma estrutura de conhecimento específico já existente na pessoa. Essa
estrutura já existente é o que Ausubel chama de conceito subsunçor, ou simplesmente
subsunçor (de subsumer). Pode-se conceituar subsunçor como sendo uma ideia ou
conjunto de ideias mais amplas que formam um esteio ou âncora, no qual novas ideias
vão se fixar para formar novas proposições mais significativas. Assim, a aprendizagem
Psicologia Aplicada à Administração

acontece quando o novo conhecimento se ancora sobre essa estrutura já existente e


fica retido, formando novas estruturas.
Os subsunçores podem ser organizados de diversas maneiras na estrutura
cognitiva da pessoa. Verifica-se sua organização especialmente por diferenciação
progressiva e reconciliação integrativa.
a) A organização dos subsunçores por diferenciação progressiva estabelece que
o conteúdo deve ser programado de maneira que as ideias mais gerais e in-
clusivas venham primeiro, diferenciando-se progressivamente em função dos
detalhes e de suas especificidades. Em suma, parte-se dos subsunçores maiores
(mais inclusivos) para os subsunçores menores (menos inclusivos). O princípio
orientador indica que é mais fácil para o aluno aprender as partes de um todo
mais amplo do que aprender a partir de partes desconexas para chegar a um
conceito mais geral. Também se considera que as ideias ou subsunçores ocupam
a mente da pessoa de maneira hierárquica, na qual os subsunçores mais inclu-
sivos localizam-se no ápice, incluindo os demais conceitos e proposições mais
94 diferenciados.

b) A organização de subsunçores por reconciliação integrativa caracteriza-se


pelo fato de que, em função de novas informações adquiridas, os subsunçores já
existentes se reorganizam e adquirem novos significados. Os organizadores pré-
vios ou materiais de ensino podem ser escritos de maneira a facilitar este tipo
de organização de subsunçores. Para tanto, deve-se salientar de que maneira as
novas informações relacionam-se às informações (subsunçores) aprendidas an-
teriormente. Portanto, na estrutura cognitiva do aluno, devem estar disponíveis
os subsunçores específicos com os quais o novo conhecimento vai se relacionar.
Além disso, o aluno também já deve ter uma predisposição para aprender.

O princípio da assimilação, para Ausubel, é o resultado da interação que ocor-


re entre o novo material a ser aprendido e a estrutura cognitiva existente. Acontece
Capítulo 4

uma assimilação de antigos e novos significados que contribuem para a modificação


diferenciada da estrutura cognitiva do aluno.
Existem três tipos de aprendizagem significativa, para Ausubel:
a) Aprendizagem representacional. Consiste no tipo básico de aprendizagem sig-
nificativa da qual os demais tipos de aprendizagem dependem. Identificação de

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


símbolos e palavras. Exemplo: o significado da palavra “pasta” para o aluno.

b) Aprendizagem de conceitos. Consiste em um tipo mais complexo de aprendi-


zagem representacional; é realizado através da aprendizagem por descoberta.
Exemplo: o conceito cultural de “pasta” para o aluno e os tipos de pastas exis-
tentes.

c) Aprendizagem proposicional. Consiste em aprender o significado de ideias em


forma de proposições ou frases. Exemplo: a proposição da Lei de Ohm (lei da
Eletricidade) só será aprendida significativamente depois que forem aprendidos
os conceitos (lei e Ohm) que, combinados entre si, formam a proposição.

A aprendizagem significativa pode ser verificada através da solução de proble-


mas, testes de compreensão, relação entre ideias semelhantes e tarefas que envolvam
sequências de conteúdos. A aprendizagem, portanto, é um processo de interação entre
processos específicos e relevantes e novos conhecimentos, de forma hierarquizada
(ordem crescente). Ausubel considera que o armazenamento do conhecimento é feito
de modo complexo, através de uma hierarquia conceitual. 95
A preocupação central do professor deve ser facilitar a aprendizagem signi-
ficativa para promover o crescimento cognitivo e afetivo do seu grupo de alunos.
Assim, é importante oferecer materiais didáticos potencialmente significativos, assim
como esclarecer para os alunos os objetivos do processo ensino-aprendizagem, que
devem ser claros e de alcance imediato, porque, para Ausubel, a motivação é a própria
aprendizagem.
Joseph Novak (2005), sucessor de Ausubel, reforça a importância de esquemas
e diagramas para ilustrar a aprendizagem significativa e inclui o conceito de mapa
conceitual, que envolve a apresentação, em forma de uma cartografia hierarquizada,
de todos os conceitos presentes em um conhecimento. Atualmente, os mapas concei-
tuais são amplamente aplicados na Educação, inclusive na construção de hipertextos
educacionais.
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4.6. CRIATIVIDADE: O EXERCÍCIO DO PODER DA MENTE


A criatividade pode ser entendida como uma capacidade de produção e gera-
ção de uma coisa nova, ideia, produto ou solução, resultante de um esforço mental.
Portanto, não é integralmente inata, podendo ser desenvolvida através de exercícios
mentais. Poeticamente, pode-se dizer que a criatividade é o encontro da ciência e da
arte, da racionalização e da intuição. Algumas pessoas afirmam que não se usa toda
a capacidade criativa. O genial Einstein, por exemplo, teria usado 10% de sua capaci-
Psicologia Aplicada à Administração

dade mental, enquanto geralmente as pessoas usariam somente 1%. A capacidade de


pensamento em geral é de 600 palavras/minuto, quando se fala usa-se entre 150 a 200
palavras por minuto; portanto, sobram ainda 400 p/m em que pensar. Um livro comum
tem, aproximadamente 1.300.000 palavras; a Enciclopédia Britânica tem 1.300.000.000;
e a capacidade humana pode equivaler a 10.000 Enciclopédias Britânicas.
O cérebro utiliza o pensamento através de ondas eletromagnéticas, produzidas
pela atividade elétrica nas células cerebrais. Essa atividade é medida em ciclos por se-
gundo, CPS, ou HZ (Hertz) através de aparelhos como o eletroencefalógrafo ou EEG.
Essas ondas mudam conforme os estados de consciência. Pode-se dividir em quatro
esses estados de frequência: ondas beta, alfa, teta e delta.
Quando a pessoa está acordada, no estado de ondas beta, ela mantém o pen-
samento consciente, crítico e aberto a novas informações e conhecimentos; o cérebro
está concentrado e preparado para as atividades diárias e de trabalho; os sentidos estão
despertos; e a atenção é constante. Neste estado, a atividade cerebral opera entre 20 CPS.
No estado alfa, as ondas baixam para 10 CPS. Neste momento, o indivíduo está
parcialmente adormecido, relaxado ou em pré-sono; é o momento ideal para pensa-
96
mentos criativos, novas aprendizagens e busca de soluções para problemas. A técnica
da meditação é a habilidade de induzir este estado, mesmo acordado e consciente.
Na frequência teta, as ondas passam para 7 CPS; a atividade cerebral está em
sono e mistura a realidade com a imaginação. Neste estado, podem-se incluir o in-
consciente e as memórias esquecidas.
Na frequência delta, as pessoas estão em sono profundo; as ondas giram em
baixíssima frequência, abaixo de 4 CPS. Neste momento, é liberado o hormônio do
crescimento; é um estado de hipnose profunda; o corpo está nas funções automático
e inconsciente.
Apesar de as funções cerebrais serem divididas pelo cérebro como um todo, os
dois hemisférios cerebrais envolvem-se em atividades distintas de pensamento, inter-
ligados e integrados por um feixe de fibras nervosas, chamado de corpo caloso. Esses
hemisférios – iguais na fisiologia, mas diferentes na função – são determinantes no
processo criativo. O hemisfério esquerdo é a morada da razão; é a sede do raciocínio
Capítulo 4

lógico, da linguagem (letras), da escrita e das bases matemáticas. O hemisfério direito


é a sede da intuição, da música e das artes; portanto, da criatividade e da imaginação.
No quadro a seguir estão as palavras-chave dos dois hemisférios.

Figura 4.4 Atividades de pensamento dos hemisférios cerebrais.


Hemisfério esquerdo Hemisfério direito

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


Apolíneo Verbal Dionisíaco Não verbal
(De Apolo: ordem, re- Matemático (De Dionísio: festa, vi- Artístico
gras, normas, leis) Intelectual nho, brincadeiras) Criativo
Racional Detalhista Emocional Amplo
Escrita Cético Imagens Receptivo
Passivo Nomes Ativo Imagem facial
Competitivo Fechado Cooperativo Aberto
Lógico Conservadorismo Imaginativo Inovação
Analítico Vertical Intuitivo Horizontal
Linguagem (fala) Detalhes Sensações Amplitude
Quantidade Objetivo Qualidade Subjetivo
Cautela Concreto Ousadia Abstrato
Fechado Consciente Aberto Inconsciente

Os estudos de De Bonno (2002) sobre a criatividade são embasados nos dois


hemisférios e nos tipos de pensamentos decorrente: o pensamento concreto e o pensa-
mento difuso. O pensamento concreto, PC, ou pensamento convergente, é processado
no hemisfério esquerdo e é exato, específico e consistente. O pensamento lateral, PL,
ou pensamento difuso ou divergente, é processado no hemisfério direito e é a sede da
criatividade, lida bem com contrastes e ambiguidades; podem existir várias respostas,
semelhanças e conexões entre as coisas. O desenvolvimento e o cultivo do pensamento
lateral exigem mudanças no sistema de percepção, necessitando, muitas vezes, que a
pessoa abra sua mente para olhar as coisas de outro modo; é característico dos povos 97
do Oriente.
Um dos processo de criatividade muito aplicado em todas as organizações é
conhecido como brainstorming. O criador deste processo é Osborn (1987), que, por
mais de 15 anos, se dedicou às pesquisas de novos produtos nas mais variadas orga-
nizações, desde o exército americano até a General Electric, GE. Orborn identifica
sete fases no processo criativo, também conhecidas como o Ciclo para a Solução de
Problemas. São elas:
1. Direção. Chamada também de orientação, consiste em determinar exatamente
o problema a ser solucionado, evitando desperdícios da energia criativa. Caso
seja muito grande, recomenda-se dividi-lo em subproblemas e analisar em se-
parado.
2. Preparação e 3) Análise. Estas fases andam juntas; aplica-se, neste momento,
o PC. Na preparação, juntam-se as informações existentes e novas; na análise,
ocorre o estudo e o reconhecimento em profundidade desse material.
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4. Iluminação. É uma das fases mais importantes do processo criativo; neste mo-
mento, é o PL em pleno funcionamento. Consiste em gerar ideias e mais ideias,
associando-as umas às outras e anotando tudo. Neste momento, é fundamental
não criticar absolutamente nada, por mais estranhas que sejam as ideias, e regis-
trar tudo.
5. Incubação. É a fase de descanso para introduzir a “iluminação”; exige pratica-
mente nenhum esforço consciente, é o momento de deixar livre a imaginação,
puro PL. De Bono (2002) recomenda, inclusive, que o grupo durma e continue
Psicologia Aplicada à Administração

no dia seguinte. Nesta fase, podem surgir ideias brilhantes e insight criativos, o
insight (conceito advindo da Escola da Gestalt) pode ser entendido como um
surgimento súbito e facilmente percebido de uma solução totalmente nova. Em-
bora a percepção do insight seja repentina, ela envolveu muito esforço mental
propiciado na fase anterior.
6. Síntese e 7) Avaliação. Estas duas fases finais também andam juntas; é o PC
em ação novamente. A síntese é o oposto da fase anterior e implica reunir, re-
sumir, criticar e combinar as ideias levantadas nas fases anteriores para chegar
à solução do problema. Na avaliação, colocam-se as ideias em prática, testa-se a
validade, consolidam-se e implantam-se as ideias válidas.

Praticamente todos os inventos que existem passaram pelas etapas do processo


criativo. Várias empresas investem milhões de dólares em cursos para desenvolver o
pensamento criativo de seus gestores e colaboradores, e os programas de geração de
ideias têm um retorno altamente positivo. Uma reunião de brainstorming considerando
98 as fases de Orborn (1987) pode gerar até 200 ideias, sendo que, destas, mais de 20%
podem ser altamente viáveis.

4.7. TOMADA DE DECISÃO: O QUE FAZER?


No decorrer da vida, as pessoas constantemente tomam decisões e fazem
escolhas sobre a vida emocional, amigos, família, estudos e atividades profissionais.
Portanto, a tomada de decisão refere-se ao processo de julgamento, escolha e análise de
consequências mais eficientes para os alcances dos objetivos, diante de uma situação.
Um dos mais reconhecidos estudiosos do processo decisório é Simon (1970 e
1977), que afirma ser a administração um sinônimo para tomar decisões, uma vez que
toda ação gerencial ou administrativa tem natureza decisória. A estratégia de tomada
de decisão, para Simon, é denominada de satisfação, ou satisficing, é o uso do Modelo
de Racionalidade Limitada, que gera soluções eficazes. Neste modelo, considera-se
cada opção entre um número possível de opções válidas e depois se seleciona uma que
Capítulo 4

seja boa o suficiente para cumprir o nível de aceitabilidade. Por exemplo, quando você
procura um novo carro, você escolhe e visita revendas e vai procurando até achar um
carro que o satisfaça; todavia, você não escolheu o melhor modelo de carro, mas, por
outro lado, não ficou quatro meses visitando as revendas. Alguém que precise tomar
uma decisão pode, ao considerar todas as opções, obter um número quase infinito
delas e não conseguir o mínimo aceitável para a tomada de decisão. Logo, quando

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


decide ajustar o nível mínimo considerado adequado para cumprir a estratégica de
satisfação, como determinar preço, modelo e características básicas, a decisão final
fica muito mais eficaz.
Existem duas maneiras básicas de pensar sobre a tomada de decisão nas orga-
nizações. A primeira é o pensamento linear, que supõe que cada problema é único,
portanto, existe uma única solução. Apesar de fácil e sedutor, este tipo de pensamento
repercute negativamente em toda a organização por vários motivos: as tomadas de
decisões afetam vários setores e pessoas, repercutindo na organização com um todo;
focando em uma única solução, acaba-se ignorando os inter-relacionamentos exis-
tentes, bem como as mudanças rápidas e contextuais. O outro pensamento é chamado
de pensamento sistêmico. A aplicação deste pensamento à solução de problemas
considera a complexidade e os relacionamentos que a situação apresenta, bem como
a repercussão em toda a organização. Além do mais, as implementações envolvem
controle, feedback e avaliação, principalmente diante do atual contexto de mudanças
constantes.
Na tomada de decisão, três elementos são fundamentais, em geral um conti-
nuum: a certeza, o risco e a incerteza. Na certeza, sabe-se o que pode acontecer no
futuro; este nível é de fácil solução. O risco é considerado uma condição na qual os 99
resultados de uma decisão podem ser reconhecidos e descrito em termos de probabi-
lidade. Riscos até 1 são considerados reconhecíveis, abaixo de 0 são mais dificilmente
identificados, entrando no campo das probabilidades. Por exemplo, se a probabilidade
de um jogador fazer gols é de 0,2 (dois décimos), ele fará 20 gols a cada 100 chutes; a
probabilidade de fazer gols é de 20/100, ou seja, 20%. Essas são formas de expressar o
risco envolvido nas situações. O terceiro elemento é incerteza, quando não é possível
calcular as probabilidades, e talvez nem mesmo os possíveis resultados. Este terceiro
elemento é o que gera mais insegurança nos gestores em momentos de tomada de
decisões e o que exige mais preparo e treinamento.
Todavia, as decisões podem ser divididas em estratégicas, táticas e operacio-
nais. As decisões estratégicas envolvem objetivos organizacionais e estão diretamente
relacionadas à complexidade do negócio, à sobrevivência da organização no ambiente
externo e altamente competitivo. As decisões táticas ou administrativas envolvem
decisões um pouco menos complexas, ligadas à realização das metas definidas estra-
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

tegicamente. Já as decisões operacionais se referem ao curso das operações diárias e


envolvem a operacionalização das metas decididas na área tática.
Todavia, não se pode esquecer que a irracionalidade está presente na tomada
de decisão. Segundo Simon (1970 e 1977), as pessoas possuem uma racionalidade
limitada, ou seja, diante de várias situações, os tomadores de decisão são impedidos de
funcionar diante de uma racionalidade perfeita, e nem sempre as decisões permitem
um cálculo exato do risco envolvido. Deve-se considerar que existem dois tipos fun-
damentais de decisões nas quais as pessoas se envolvem nas organizações, conforme
Psicologia Aplicada à Administração

Simon (1970 e 1977): a) decisões programadas, com baixo nível de complexidade,


podem ser facilmente delegadas; são aplicadas a problemas repetitivos e rotineiros e
quase sempre possuem prescrições já testadas e aprovadas e com baixo risco e alta
certeza; e b) decisões não programadas, indicadas para problemas novos, com pouca
estrutura e singulares, exigindo muito mais dos gestores. Estas últimas possuem alto
risco e altas incertezas e representam grandes desafios para os gestores. Estas decisões
direcionam ações futuras, e, como o futuro é incerto, as decisões não programadas têm
sérias implicações para os administradores e para as organizações. Como não têm um
modelo, acabam correndo o risco de cair na irracionalidade ou na não decisão. Assim,
estas últimas são o foco dos treinamentos em tomada de decisão nas organizações. O
modelo de decisão proposto por Simon (1970 e 1977) possui três fases principais: a)
identificar o momento em que a decisão deve ser tomada, coletando todas as infor-
mações necessárias; b) identificar os possíveis cursos de ação, as possíveis alternativas
e soluções e; c) tomar a decisão conforme as alternativas escolhidas.
Atualmente, os modernos sistemas de gestão aplicados à administração con-
100 seguem, através de computadores, elaborar simulações complexas para auxiliar os
administradores nas tomadas de decisões.
Existem várias barreiras e dúvidas na tomada de decisão dentro da complexidade
das organizações. A não decisão é tão ou mais importante do que as decisões, porque
não decidir é uma forma negativa de decidir e pode ser considerada uma das grandes
barreiras do processo decisório. Entendendo que as consequências da não decisão
são graves, surge a segunda barreira: a decisão por impulso. O administrador aceita a
primeira alternativa à mão, evitando a análise necessária e certamente errando. Outra
barreira é a fuga, ou seja, a transferência da decisão e, consequentemente, da culpa
pelos erros, geralmente para um subordinado; este processo é popularmente conheci-
do como “passar a batata quente”. E, por último, o adiamento extremo em função do
medo de decidir pode e certamente acarreta adoecimentos e patologia pelo aumento
da pressão imposta pela própria pessoa (tenho de decidir tal coisa) e pelo grupo (ela
ainda não decidiu?).
Capítulo 4

O modelo de Vroom (1976) esclarece os tipos de estilos de decisões administrati-


vas e a participação do grupo nos resultados, analisando até que ponto os colaboradores
podem e quando precisam se envolver. O modelo é um continuum, dependendo do
tipo de decisão exigida. A Figura 4.5 ilustra o modelo.

Figura 4.5 Modelo do processo decisório.

Cognitivismo: o que acontece no “interior” das pessoas


Para todos os problemas Para problemas individuais Para problemas de grupo
AI) O gestor tem todas as infor- GI) O gestor compartilha com CII) O gestor compartilha o problema
mações disponíveis e toma a um colaborador o problema e com o grupo em reunião, obtendo
decisão. juntos tomam a decisão. ideias e sugestões e tomando a deci-
são que pode ou não receber influên-
cia do grupo.
AII) O gestor solicita somente as DI) O gestor delega a decisão a GII) O gestor, em conjunto, compar-
informações necessárias ao gru- um dos colaboradores, fornecen- tilha, produz e avalia as alternativas,
po e toma a decisão. do todas as informações neces- chegando a um consenso, estando
sárias e dando o apoio para a disposto a aceitar a solução que vem
decisão tomada. do grupo.
CI) O gestor compartilha o pro-
blema individualmente com os
colaboradores que detêm as in-
formações e toma a decisão, po-
dendo ou não receber influência
do grupo.
Fonte: Adaptado de Vroom (1976).

As pesquisas de Vroom tendem a chegar a soluções eficazes, principalmente


para os tipos de decisões não programadas. Outros elementos são importantes nas
decisões dos gestores: a) estabelecer prioridades; b) sempre obter as informações,
tanto as básicas quanto as resultantes da implementação da decisão; e c) proceder
metodicamente e com cuidado. 101

4.8. REVISÃO DOS CONCEITOS APRESENTADOS


O capítulo apresentou uma breve história da psicologia cognitiva, com seus
principais estudiosos representantes.

4.9. QUESTÕES
Apresenta-se a seguir algumas questões e exercícios a serem trabalhados pelos
leitores:
1. Analise uma situação real em uma organização, aplicando as diferentes formas
de percepção.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER

2. Elabore um esquema dos diferentes tipos de memórias e suas inter-relações.


Relate uma lembrança marcante na sua atividade de trabalho e analise por que
até hoje você se lembra dela.
3. Analise as teorias de aprendizagem, escolha uma delas e elabore um exemplo
aplicando-a a uma disciplina que você estudou.
4. Solucione um problema gerencial em grupo, aplicando a técnica do brainstor-
ming, conforme indicado por Osborn.
Psicologia Aplicada à Administração

5. Escolha uma decisão tomada em relação a um problema complexo real que


aconteceu em uma situação de trabalho e aplique o modelo de tomada de deci-
são.

4.10. REFERÊNCIAS
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5
Psicologia
evolucionista

Wallisen Tadashi Hattori


Altay Alves Lino de Souza
Álvaro da Costa Batista Guedes

Uma abordagem integrativa


“Evolução significa mudança nos seres vivos por
descendência com modificação” (Ridley, 2006).

A psicologia evolucionista é uma abordagem de estudo do comportamento humano que


nos permite compreender sua função com base em sua história evolutiva. Aqui, apre-
sentamos a base teórica desta abordagem e alguns padrões comportamentais relevantes
para a formação e manutenção de grupos sociais, especialmente grupos de trabalho.

5.1. O QUE É PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA?


Desde a antiguidade, inúmeros grupos humanos vêm buscando a melhor ma-
neira de resolver problemas de ordem prática de forma organizada e sistemática; por
exemplo, o sistema econômico proposto por Ptolomeu no Egito antigo ou a Constitui-
ção de Chow e as regras de administração pública de Confúcio, na China. No mundo
ocidental, grandes organizações foram bem-sucedidas e ganham destaque na história
na arte de organizar o trabalho a fim de alcançar certos objetivos, dentre as quais estão
Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER

a Igreja Católica Romana e as Forças Armadas. Embora essas organizações pudessem


ter usado técnicas aparentemente distintas, o que nos interessa é que elas apresentam
um ponto em comum: a eficiência de suas técnicas administrativas desenvolvidas
para exercer influência sobre os demais do grupo social, o que inclui influência sobre
o comportamento das pessoas, sejam elas fiéis ou combatentes (Chiavenato, 2009).
O sucesso de muitas dessas técnicas pode ser compreendido se olharmos a origem
do comportamento humano. Uma das formas de compreender a origem do compor-
tamento humano é através da visão evolucionista, conforme veremos neste capítulo.
Psicologia Aplicada à Administração

Tradicionalmente, a psicologia é definida como a ciência que estuda o compor-


tamento. Talvez a ausência do complemento “humano”, depois de “comportamento”,
cause alguma estranheza. Isso é proposital, uma vez que, ao longo da história, os
psicólogos experimentais (aqueles dedicados ao trabalho em laboratório) investiram
muito tempo na pesquisa com animais não humanos. Talvez esta última expressão
tenha causado ainda mais surpresa. Você pode estar se perguntando: “Como assim,
‘animais não humanos’? E desde quando nós somos animais?”. Em outras palavras, a
compreensão do comportamento, assim como de outras características dos organismos
vivos, está fundamentada sob a ideia de que todos os organismos vivos estão sujeitos
às mesmas leis naturais. É nesta premissa que está alicerçada a psicologia evolucionista
(Barkow, Cosmides & Tooby, 1992; Otta & Yamamoto, 2009), de que somos apenas
mais uma espécie única (Foley, 1997).
A partir do olhar da ciência, fomos inseridos no reino animal, de uma vez
por todas, em 1859, quando o naturalista britânico Charles Darwin lançou A origem
das espécies, livro que apresentou sua experiência a bordo do navio H. M. S. Beagle
106 – viagem que durou algo em torno de cinco anos e percorreu boa parte do mundo
– e outras pesquisas que realizou ao longo de sua vida. Nessa obra, Darwin expõe as
bases do que viria a ser a moderna ciência da evolução. Sua teoria básica, largamente
aceita até os dias de hoje, era a de que os organismos, ao longo das gerações, sofreram
modificações sucessivas, pequenas e graduais, de modo que sua estrutura ancestral
foi se modificando, até que eles se transformassem no que conhecemos atualmente.
O mecanismo pelo qual essas modificações eram mantidas foi chamado por Darwin
de “seleção natural”.
Diferentemente do que pensa boa parte da população leiga, o princípio delinea-
do pelo naturalista inglês não preconizava a ideia de sobrevivência do mais forte. Ao
contrário, a proposição original era a de que os organismos mais “adaptados” sobre-
viveriam. Adaptação, tal como empregado por Darwin, só faz sentido se for interpre-
tado sob uma perspectiva relativista, ou seja, uma característica não é adaptativa per
se, ela é sempre uma vantagem em relação ao ambiente. O possuidor de determinada
característica obterá vantagens competitivas no caso – e somente neste caso – de ela
Capítulo 5

atender a demandas específicas impostas pelo meio. Nesse sentido, a presença de


pelos pode ser considerada adaptativa se, por exemplo, a temperatura ambiente for
relativamente baixa, sendo útil, então, dispor de mecanismos de manutenção da tem-
peratura corpórea; se o ambiente for quente, o inverso é verdadeiro (Souza, Baiao &
Otta, 2003). Para além deste exemplo simples, é imprescindível que toda característica,
seja ela anatômica, fisiológica ou comportamental, nunca seja tida como adaptativa
sem antes ser levado em conta o contexto no qual ela está inserida.
Há três implicações básicas para que haja seleção natural: (1) variabilidade; (2)
hereditariedade; (3) reprodução diferencial (Ridley, 2006). De início, qualquer processo

Psicologia evolucionista
seletivo, entendido em sentido amplo, se baseia na variedade – quando uma empresa
quer recrutar e selecionar candidatos para o suprimento de vagas, ela realiza um pro-
cesso seletivo a fim de contratar o melhor candidato, dentre vários. De acordo com
Chiavenatto (2005), a seleção é um subsistema que filtra os candidatos, diferentemente
do subsistema de recrutamento, que convoca pessoas. Assim também ocorre com o
processo de seleção natural, que favorece as características que melhor respondem
aos desafios impostos pelo ambiente. Entretanto, a variabilidade na população não é
suficiente. Quando uma característica traz benefícios ao indivíduo, é interessante que
ela permaneça na população.
Seleção natural, portanto, nada mais é do que a transferência de uma carac-
terística adaptativa para a geração seguinte, por meio de reprodução diferencial – a
quantidade adicional de filhos que um indivíduo consegue deixar na geração seguinte,
em comparação com outro indivíduo, uma vez que suas características só podem ser
transmitidas através dos seus genes.
Embora na época de Darwin não fosse conhecida a ideia de gene, atualmente 107
sabemos que é por meio das moléculas de DNA que as informações são transmitidas
de pai/mãe para filho/filha. Isso não significa dizer que se está nos genes deve ocorrer.
Na biologia moderna, fala-se em predisposições biológicas que, em interação com o
ambiente, podem ou não ser expressas. Como foi dito no primeiro tópico, a psicologia
evolucionista é uma abordagem integrativa.

5.1.1. As origens da psicologia evolucionista: psicologia cognitiva e biologia


evolutiva
Mais recentemente, algo entre as décadas de 1930 e 1940, foi travado um com-
bate epistemológico, por assim dizer, entre psicólogos experimentais e os emergentes
etólogos – etologia é a ciência que estuda o comportamento animal. Apesar de ambas
as classes de cientistas estarem fazendo ciência do comportamento (Volpato, 2006),
de um lado os psicólogos enfatizavam a importância de se estudar os mecanismos de
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aprendizagem e, de outro, os etólogos enfatizavam os comportamentos inatos, que não


dependem de aprendizagem para serem emitidos. Uma vertente não negava a outra
– apesar de a maioria dos livros de história da psicologia colocar dessa forma –, mas
realmente enfatizavam aspectos diferentes e, na época, eram aparentemente irrecon-
ciliáveis (Yamamoto, 2006). Nos dias de hoje, porém, o debate “inato x aprendido” já
foi superado, e não há lógica alguma em perguntar se um comportamento qualquer é
inato ou aprendido. Ambos os componentes sempre estão presentes em algum grau. A
natureza, para se expressar em toda sua plenitude, depende de condições ambientais
Psicologia Aplicada à Administração

específicas. Caso as condições não sejam satisfeitas, muito provavelmente haverá um


déficit de desenvolvimento daquele fator natural. Assim, ao longo das décadas, muito
tem se perguntado a respeito do que nos torna humanos. A resposta é paradoxalmente
simples: genes (natureza) e ambiente (criação) ou, como colocado por Ridley (2004),
natureza via criação.
É no bojo da discussão a respeito de onde viemos e o que somos que surge a
ciência da psicologia evolucionista. Grosso modo, psicologia evolucionista é uma união
epistemológica que envolve dois campos científicos, a saber: psicologia cognitiva e
biologia evolucionista; Ades (2009) joga com as palavras e diz que esta abordagem é
resultado de uma coevolução da psicologia com a biologia. A proposta da psicologia
evolucionista é unir conhecimentos dessas duas ciências para chegar a uma explicação
científica completa da natureza humana (Barkow, Cosmides & Tooby, 1992) e, por esta
razão, precisamos entendê-las se quisermos entender o comportamento humano (Evans
& Zarate, 1999). É importante salientar que a psicologia evolucionista é uma aborda-
gem à psicologia, ou seja, um modo de ver o ser humano, e não uma área específica de
108 atuação do psicólogo, como psicologia organizacional ou clínica (Yamamoto, 2009).
Como uma das fontes de conhecimento que alicerça a psicologia evolucionista, a
psicologia cognitiva é devotada ao estudo dos processos psicológicos superiores ou men-
tais (cognição, linguagem, emoção, inteligência, memória, percepção...), com forte base
computacional e neurológica. Ela transformou a psicologia de um conjunto vago de ideias
pouco claras em uma ciência de verdade, baseada nas ideias de que as ações são causadas
pelos processos mentais e de que a mente é um computador (Evans & Zarate, 1999).
A biologia evolutiva, que teve origem com A origem das espécies, por sua vez,
procura entender como os organismos evoluíram ao longo das gerações, isto é, como
e por que a seleção natural favoreceu as características presentes nas espécies con-
temporâneas, conservando ou modificando características das espécies ancestrais
(Futuyma, 1998). A partir da lógica de alterações sucessivas ao longo das gerações,
podemos compreender que os seres humanos são descendentes de ancestrais primatas
comuns a outras espécies atuais e, em última análise, um único ancestral comum deu
origem a todos os seres vivos da Terra.
Capítulo 5

Portanto, a psicologia cognitiva nos mostra o quanto a mente humana é com-


plexa, enquanto a biologia evolutiva nos diz que estruturas complexas só podem surgir
na natureza em resposta às pressões seletivas. Dessa forma, é muito provável que a
mente humana tenha evoluído através do processo de seleção natural.
Segundo a abordagem da psicologia evolucionista, durante a história evolutiva
humana, inúmeros mecanismos psicológicos foram naturalmente selecionados por
contribuir na resolução de problemas do passado, ou seja, os mecanismos psicológi-
cos adaptados permitiram resoluções de problemas que aumentavam as chances de
sobrevivência e reprodução dos nossos ancestrais, os chamados problemas adaptativos,

Psicologia evolucionista
assim como para nós nos dias atuais. Charles Darwin, na última página de A origem
das espécies, em 1859, já postulava que suas descobertas seriam aplicadas, no futuro, à
compreensão dos fenômenos mentais e comportamentais humanos. Ele estava certo!
Tanto estava que, daqui em diante, neste capítulo, discutiremos alguns exemplos de
comportamentos e processos mentais que serviram aos nossos ancestrais e permane-
cem até os dias de hoje no nosso cérebro.
Para analisarmos como resolvemos esses problemas adaptativos nos dias de hoje
utilizando predisposições herdadas de nossos ancestrais, precisamos entender alguns
conceitos. Primeiro, o fato de a mente humana ser um modelo computacional e, por
isso, possui componentes responsáveis pela entrada e saída de informações relevantes,
do ponto de vista da sobrevivência e reprodução, provenientes do ambiente externo ou
interno. Além disso, faz-se necessário um componente para o processamento dessas
informações, para resolução de problemas específicos, mas com grande plasticidade
de resposta, possibilitando melhores ajustes às novas situações. Finalmente, um com-
ponente para o armazenamento tanto dos componentes anteriores quanto dos dados 109
processados (Oliva et al., 2008). Portanto, a mente da psicologia cognitiva, unida à
teoria da evolução proveniente da biologia evolutiva, nos permite traçar a origem da
mente humana. Entretanto, para que essa trajetória esteja completa, outro componente
deve ser acrescentado: as emoções. O próprio Darwin (1872), em A expressão das emo-
ções no homem e nos animais, dedicou-se a entender o importante papel das emoções
na filogenia (evolução) do comportamento humano. Contudo, a visão moderna da
psicologia evolucionista inclui o papel das emoções na ontogenia (desenvolvimento)
da mente e, assim, na expressão do comportamento.
Imagine a seguinte situação: você está cansado e com fome, saiu do trabalho e
está caminhando sozinho à noite em uma rua escura. De repente, você escuta barulho
de passos, mas não consegue identificar quem está caminhando atrás de você. Não é
uma das situações mais agradáveis. Das emoções básicas que podem aflorar em um
momento como esse, medo é uma delas e certamente provoca alterações significativas.
Esse exemplo é interessante para ilustrar o papel das emoções no controle da expressão
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do comportamento, seja ativando, desativando ou modificando o funcionamento de


inúmeros mecanismos que interagem nessa expressão.
Vejamos alguns exemplos da atuação das emoções (Cosmides & Tooby, 2000).
Em momentos de medo como o descrito, algumas mudanças emergem (se
preferir, pode imaginar outra situação de medo que tenha vivenciado). Ocorrerá uma
alteração em sua atenção e percepção, as quais serão direcionadas para estímulos
específicos, como a reação do outro, se ele acelera ou mantém o ritmo da caminhada.
Psicologia Aplicada à Administração

Algumas prioridades emergem e você passa a não sentir fome, não pensa mais em
como alguém pode lhe ser atraente ou aprender uma nova habilidade (como manipular
um aparelho de celular adquirido recentemente). Uma mudança no processo de me-
mória redireciona para a retomada de situações nas quais tarefas semelhantes foram
executadas. Além disso, ocorrem mudanças no processo de comunicação, a depender
das circunstâncias, você pode dar um grito de alarme ou ficar paralisado e incapaz de
emitir uma palavra sequer. A fisionomia pode se alterar para uma expressão de medo
típica da espécie de forma involuntária. Alguns processos mentais de inferência são
ativados, como concluir algo com base na aproximação do outro ou na direção de seu
olhar. Algumas pistas do comportamento do outro podem lhe dizer se ele também
sente medo por se deparar com você ou mesmo se percebeu seu medo. Mudanças
fisiológicas entram em cena, redirecionamento do fluxo sanguíneo para as extremida-
des, a quantidade de adrenalina aumenta na circulação e a frequência cardíaca pode
ir a picos elevados. Dependendo da natureza da ameaça potencial, regras de decisão
comportamental são ativadas; assim, diferentes cursos de ação serão potencializados:
enfrentamento ou luta, fuga ou mesmo imobilidade tônica. Como podemos perceber,
110 um conjunto de mudanças em todo o organismo ocorre sob influência da emoção do
momento.
Sob essa perspectiva, Cosmides e Tooby (2000) entendem a razão e a emoção
como operações mentais, favorecidas pela seleção natural que, somadas, compreendem
as capacidades cognitivas da nossa mente, as quais permitiram a nossos ancestrais
resolverem problemas adaptativos, dentre os quais destacamos detectar e evitar preda-
dores, encontrar e selecionar alimento, formar alianças e coalizões, fornecer cuidado
às crianças, reconhecer parentes, selecionar parceiros reprodutivos, dentre outros.
Dessa forma, herdamos uma mente plástica capaz de suprir necessidades básicas do
indivíduo, tomar decisões e interagir socialmente, aumentando, assim, a possibilidade
de sobrevivência e reprodução.
Esses são só alguns exemplos de como os sinais biológicos interferem no nosso
processamento cognitivo. Ambos os processos nos preparam para uma situação de
perigo, por exemplo, aumentando nossas chances de sobrevivência.
Capítulo 5

5.2. TOMADA DE DECISÃO


O processo de tomada de decisão caracteriza alguns dos comportamentos mais
básicos para todos os seres vivos. Tomar uma decisão é um processo resultante de
uma escolha e faz parte da resolução de um problema. Assim, o que chamamos de
tomada de decisão se refere ao processo completo da escolha de um curso de ação; e
julgamento se refere aos componentes do processo de tomada de decisão que se ocu-
pam da avaliação, estimação e dedução dos eventos que podem ocorrer e das reações
do tomador de decisão quanto aos possíveis resultados desses eventos (Hastie, 2001).
Quer dizer, julgamento e tomada de decisão são processos cognitivos pelos quais

Psicologia evolucionista
uma pessoa pode avaliar opções e selecionar a opção mais adequada, dentre várias
alternativas (Sternberg, 2000).
Quando falamos em “tomar decisões”, fica implícito o caráter intencional do
sujeito da ação. Porém, pelo ponto de vista da psicologia evolucionista, intenção e
consciência de fato são coisas diferentes. Muitas vezes tomamos decisões com base em
parâmetros que nada têm a ver com o problema em si. Outras vezes a decisão é tomada
com base em aspectos dos fenômenos que nem percebemos ou nomeamos de forma
consciente. Por conta disso, dizemos que o processo decisório não é necessariamente
ligado à intencionalidade do sujeito “tomador de decisão”.
Sendo assim, podemos afirmar que outras espécies além do Homo sapiens
também avaliam diferentes possibilidades de escolha, tomam decisões e resolvem
problemas.
Conforme vimos anteriormente, a seleção natural é um processo que otimiza a
adaptação do organismo ao meio, mas essa adaptação não é perfeita: é uma “adaptação
111
com restrições”. Certo número de fatores pode restringir a evolução de um comporta-
mento (Gigerenzer, 2001). Por exemplo, passar longos períodos de tempo forrageando
(procurando alimento) em um local com abundância de alimento é um comporta-
mento importante para a sobrevivência e para o sucesso reprodutivo do organismo,
mas ao mesmo tempo pode aumentar a chance de predação, reduzindo a vantagem
do forrageamento. Dessa forma, a seleção natural aperfeiçoa o comportamento com
limitações, e essas limitações geram a seleção de outros comportamentos alternativos,
criando uma rede de condições entre os comportamentos. Podemos, assim, descrever
a “anatomia de uma decisão” (Stephens, 2008).
A Figura 5.1 mostra um esquema de como a seleção natural pode agir nos
processos de tomada de decisão. Esse mecanismo começa quando a informação, que
pode se originar no organismo tanto internamente (memória) quanto externamente
(demanda ambiental), alimenta o processo de tomada de decisão. Esse processo gera
uma decisão (por meio de uma avaliação funcional) e provavelmente vai gerar uma
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ação no ambiente e, por sua vez, um resultado (efeito). Dependendo do efeito desse
resultado, o mecanismo decisório pode ser alterado, pois eles apresentam uma reali-
mentação sobre os resultados realizados em longo prazo (seleção natural), observados
no momento (aprendizagem por reforçamento) ou que já seriam esperados (expectativa
gerada pelo planejamento da avaliação funcional).
É importante notar que a aprendizagem por reforçamento pode tanto influen-
ciar a ação diretamente (através do aprendizado de um comportamento) quanto
influenciar o processo decisório (através do aprendizado de uma estratégia nova).
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O estudo dos mecanismos que regulam o processo decisório baseava-se na no-


ção de que as pessoas podiam acessar toda a informação relevante para uma decisão e
chegar ao resultado mais adequado com base na lógica, na racionalidade e em modelos
estatísticos e probabilísticos (como a lei de Bayes, modelos de regressão ou a teoria da
utilidade esperada). Porém, em uma visão mais realista, entendemos que as pessoas
chegam às decisões mais adequadas não com base em um processamento exaustivo
de probabilidades ou em um julgamento puramente racional. Na verdade, as pessoas
se comportam como se fossem de fato racionais, mesmo não utilizando modelagem
estatística ou racionalidade cartesiana.

Figura 5.1 O mecanismo de decisão e o processo de seleção.

112

O estudo das heurísticas de julgamento oferece uma forma mais realista de descrever
quais são os mecanismos que as pessoas utilizam no momento de tomar uma decisão (Gi-
gerenzer, 2001; Smith & Winterhalder, 1992). Entende-se heurística como todo estímulo,
processo ou informação que serve de base para a tomada de decisão quando estamos sob
Capítulo 5

condições de incerteza. Em outras palavras, quando não temos tempo ou dados suficientes
para tomar a decisão ideal. O estudo das heurísticas de julgamento explica quais as ca-
pacidades e limitações da mente humana, assim como sua interação com o ambiente. O
processo decisório humano sofreu pressões seletivas no sentido de ser rápido, intuitivo e
adaptado especificamente para certo contexto ambiental. Apesar de o pensamento intui-
tivo humano e em outras espécies não realizar predições com base em um processamento
resultante de análise matemática, estatística ou probabilística, isso não quer dizer que esse
processamento seja irracional ou pouco sofisticado, muito pelo contrário.
Entendendo o processo decisório dessa forma é mais fácil entender os proces-

Psicologia evolucionista
sos humanos, apesar de sua complexidade. Além disso, em um contexto mais amplo,
durante a história evolutiva do homem, o uso estereotipado de informações com base
em condições de incerteza foi fundamental para a sobrevivência.
Nos dias de hoje, temos as organizações como fenômenos complexos, media-
dos por diferentes subjetividades dos sujeitos que fazem parte dela, sujeitos esses que
possuem um aparato cognitivo moldado por milhões de anos de seleção natural. De
acordo com a abordagem culturalista, as organizações são um fenômeno intersubje-
tivo, podendo ser entendidas como tal na medida em que as pessoas compartilham
suas crenças e pressupostos individuais. Em outras palavras, as organizações são nada
mais nada menos do que um conjunto de subjetividades compartilhadas (Zanelli &
Silva, 2008).
Decisões são tomadas a todo o momento nas organizações, porém a cultura
do imediatismo, da instantaneidade e da urgência são fenômenos que instauram uma
lógica perversa que está na associação entre rapidez, eficiência e sucesso. O trabalho
bem-sucedido é aquele feito da forma mais rápida e eficiente possível. Porém, quanto 113
mais rápidas e automáticas forem as atividades, maior a chance de as decisões serem
tomadas com base em um sistema não racional de julgamento. Em outras palavras,
maior a chance de heurísticas de julgamento influenciarem o processo decisório,
gerando vieses sistemáticos e erros de interpretação. Mas qual o papel das heurísticas
de julgamento no processo decisório nas organizações?

5.2.1. A decisão do homem das cavernas


Suponhamos que um homem esteja andando há 100 mil anos e veja uma ca-
verna com um grande urso em frente dela. A pergunta seria: você acha que o homem
tentaria entrar na caverna? A resposta da grande maioria das pessoas é não. Porém,
no dia seguinte, esse mesmo homem passa na frente da mesma caverna e o urso não
está mais lá. Pergunto novamente: esse homem deveria entrar na caverna agora? A
resposta instantânea da grande maioria das pessoas continua sendo não.
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Seria necessário um estudo mais sistemático para verificar a validade desse


achado, mas algumas suposições podem ser feitas. Quando pergunto às pessoas sobre
o porquê de o homem não entrar na caverna mesmo quando o urso não está lá, elas
respondem: ele pode estar dentro da caverna! Se ele tentar entrar e o urso estiver lá,
ele vai ser morto. Ele não pode “dar sopa para o azar”!
Pensando pelo viés estatístico do século XIX, nosso espaço amostral é compos-
to de apenas duas observações: um dia com o urso e outro sem o urso. Logo, nossa
probabilidade de acerto ou erro seria 50%. Porém, com base na teoria bayesiana e na
Psicologia Aplicada à Administração

teoria da utilidade proposta por David Kahneman, temos de ponderar a probabilidade


de escolha com base na utilidade relativa de cada uma das opções. Apesar de a pro-
babilidade simples não permitir uma opção em detrimento da outra, a opção “entrar
na caverna” é muito mais custosa (tem uma curva de utilidade maior) do que a opção
“não entrar na caverna”. Essa teoria unificada da probabilidade é mais explicativa dos
fenômenos presentes na escolha das pessoas. Além disso, nos coloca a hipótese de
que, no passado evolutivo, os indivíduos tomavam decisões com base em um número
limitado de observações (muitas vezes, apenas uma) e generalizavam sua decisão com
base nisso para outras situações.
Esse é um comportamento muito útil diante do risco, pois aumenta a chance
de sobrevivência do indivíduo. Por outro lado, as decisões tomadas com base nesse
processo podem levar a erros sistemáticos, já que o critério utilizado para tomar a
decisão pode não ter nada a ver com o problema em si.
Como serão discutidas neste capítulo, as decisões são tomadas com base em
evidências limitadas ou incompletas e, além disso, as pessoas frequentemente não
114 percebem que informações relevantes estão faltando. Essa insensibilidade leva as
pessoas a tratarem uma pequena quantidade de informação como se fosse altamente
significativa e, sob certas circunstâncias, conduzem a julgamentos equivocados (Kardes
& Kalyanaram, 1992).

5.2.2. As heurísticas de julgamento


Em 1974, Tversky e Kahneman publicaram uma pesquisa seminal na área de
julgamento sob condições de incerteza. Essa pesquisa indicou que as pessoas utilizam
um número limitado de heurísticas para transformar tarefas complexas em proces-
sos mais simples para a tomada de decisão. Essas heurísticas tipicamente produzem
julgamentos corretos, mas podem ocasionar erros sistemáticos. Eles identificaram as
três principais meta-heurísticas comumente utilizadas pelas pessoas nos processos de
julgamento, que são, respectivamente: representatividade, disponibilidade e ancoragem
e ajustamento.
Capítulo 5

Os indivíduos utilizam a heurística da representatividade para avaliar a pro-


babilidade de um item pertencer a uma população com base no grau em que este
item é similar a outros elementos ou propriedades dessa população. Por exemplo,
uma sequência de lançamentos de uma moeda que contém uma regularidade óbvia
não é representativa (Kahneman & Tversky, 1972). Dessa maneira, os participantes
rotineiramente acharam que a sequência de caras (Ca) ou coroas (Co) Ca-Co-Ca-Co-
Co-Ca era mais provável do que a sequência Ca-Ca-Ca-Co-Co-Co, que não ‘parece’
aleatória, e mais provável do que a sequência Ca-Ca-Ca-Ca-Co-Ca, que não representa
a mesma probabilidade para caras ou coroas. Um exemplo prático dessa heurística

Psicologia evolucionista
ocorreu com a empresa Apple ao desenvolver o primeiro programa para embaralhar
as músicas tocadas em um iPod. Um novo algoritmo foi desenvolvido para embara-
lhar as músicas da forma mais aleatória possível. Porém, a verdadeira aleatoriedade às
vezes gera repetições. Ao ouvirem uma música repetida ou várias músicas do mesmo
artista tocadas em sequência, os usuários acreditaram que o embaralhamento não era
aleatório. Assim, nas palavras do fundador da Apple, Steve Jobs, os programadores
tiveram de refazer o algoritmo “de forma a fazer o embaralhamento menos aleatório
para parecer mais aleatório”.
A heurística da disponibilidade se refere à facilidade com que as pessoas podem
recordar exemplos de um evento ou produto e que afetam o julgamento da frequência
com que um evento ocorre na realidade. Assim, as pessoas estimam a frequência de
uma classe ou a probabilidade de ocorrência de determinado evento pela facilidade
com que as ocorrências ou circunstâncias desse evento estão “disponíveis” na memória.
Um exemplo dessa heurística apresentado por Tversky e Kahneman (1974)
consiste em um estudo de laboratório no qual os participantes ouviram uma lista de 115
nomes de personalidades de ambos os sexos e, subsequentemente, foram perguntados
se a lista continha mais nomes de homens do que de mulheres. Diferentes listas foram
apresentadas para diversos grupos de sujeitos. Para um dos grupos, foi lida uma lista
na qual as mulheres eram relativamente mais famosas do que os homens listados, mas
que, no geral, continha um número maior de homens. Para outro grupo, a questão se
inverteu e, nesta lista, os homens eram mais famosos, mas o número de mulheres era
maior. Após ouvir a lista de seu grupo, perguntou-se aos participantes de ambos os
grupos se a lista continha mais nomes de mulheres ou de homens. Em ambos os grupos,
os participantes concluíram erroneamente que o sexo que incluía as personalidades
mais famosas era o mais numeroso. Os participantes aparentemente prestaram mais
atenção aos nomes notáveis conhecidos do que aos nomes que não eram conhecidos,
o que levou a julgamentos inexatos.
A terceira heurística identificada por Tversky e Kahneman foi a de ancoragem
e ajustamento, e a explicação original desta heurística foi baseada na ideia de que os
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tomadores de decisão, no desenvolvimento de suas estimativas finais, ajustavam o valor


da âncora considerada, mas tendiam a ajustar insuficientemente a partir deste ponto.
Em um estudo, dois grupos de estudantes do ensino médio estimaram, em cinco segun-
dos, o resultado de uma expressão numérica escrita no quadro-negro. A expressão do
primeiro grupo era 8x7x6x5x4x3x2x1 e do segundo grupo era 1x2x3x4x5x6x7x8. Para
responder a tais questões, as pessoas fazem cálculos superficiais, multiplicam apenas
os primeiros números e estimam o produto final por extrapolação ou ajustamento.
Como os ajustamentos são insuficientes, este procedimento leva a uma subestimação
Psicologia Aplicada à Administração

do valor final. Além disso, como o resultado das primeiras parcelas da multiplicação
(da esquerda para direita) é maior na sequência descendente do que na ascendente, a
primeira expressão é julgada maior que a segunda. Desse modo, conforme previsto,
a estimativa mediana da sequência descendente é 2.250 e da sequência ascendente é
512. Na verdade, a resposta correta é 40.320.

5.2.3. Conflito entre a lógica do mercado e a lógica do indivíduo


Hoje em dia, temos uma inversão do famoso adágio de Benjamin Franklin
“tempo é dinheiro”, que representa o início da indissociável integração do tempo com
o processo produtivo e econômico. Assim, na sociedade contemporânea do hipertexto,
que é pautada pela cultura da urgência, “dinheiro é tempo”.
O conflito entre os diferentes “tempos” – da economia, da política, das empre-
sas e dos próprios indivíduos – caracteriza a pressão organizacional que boa parte
das pessoas sente dentro de suas empresas, onde ocorre a “hiper-responsabilização”
pessoal em vez das práticas de avaliação constantes, que são um processo mais lento e
116
dispendioso (Aubert, 2003). Essa dinâmica acaba se voltando contra a organização na
medida em que gera uma crença excessiva nos processos de controle computacionais
(por serem mais rápidos) e deixa de lado uma série de vulnerabilidades que não são
percebidas quando levamos em conta apenas os registros e as informações documen-
tadas (Peled & Dror, 2009).
Todos estes aspectos descritos até aqui: a cultura da urgência (Aubert, 2003),
a sociedade do hipertexto (Ascher, 2002) e a crença nos processos (Peled & Dror,
2009) são fatores que também influenciam o processo decisório e são próprios de
uma sociedade moderna muito diferente do ambiente de adaptação evolutiva (AAE).1

1 Ambiente ancestral dentro do qual ocorreu o processo de evolução da espécie humana, a partir de seus
ancestrais. Tradicionalmente definido como as savanas das planícies africanas, este conceito vem sendo
ampliado a fim de incluir uma maior variedade de configurações ambientais possíveis. Izar (2009) diz
que “o AAE refere-se, então, às condições do ambiente que permitiram aos indivíduos portadores da
mutação (ou recombinação) [genética] inicial, e às gerações subsequentes, deixarem mais descendentes
até que toda a população apresentasse a mesma característica (...).”
Capítulo 5

5.3. O AMBIENTE SOCIAL


Neste momento, precisamos falar de como era o ambiente físico e social no qual
o processo evolutivo da mente humana aconteceu, ou seja, o ambiente onde as habili-
dades para resolução de problemas adaptativos surgiram em função das necessidades
locais. Vale lembrar que estamos falando de habilidades que foram favorecidas pelo
processo de seleção natural. Dada a recente emigração da África de nossos ancestrais,
cerca de 100.000 anos atrás (tempo relativamente curto, do ponto de vista evolutivo),
podemos esperar que as adaptações presentes em nossa mente tenham surgido em
um período anterior à saída dos primeiros ancestrais para outras partes do mundo

Psicologia evolucionista
ou mesmo anteriores ao surgimento dos primeiros hominídeos na Terra (Foley, 1998;
Barrett, Dunbar, & Lycett, 2002). Assim, podemos considerar que o ambiente físico
no qual nossos ancestrais enfrentaram problemas adaptativos corresponde à savana
africana (veja nota de rodapé desta página): um campo relativamente aberto, bastante
quente, com árvores espalhadas, algumas delas fonte de alimentos valiosos, como
frutos e sementes. Por ser um ambiente aberto, a exposição aos predadores era um
fator relevante.
Além de resolver problemas relacionados ao ambiente físico, nossos ancestrais
tiveram de resolver problemas relacionados ao ambiente social, ou seja, como lidar com
as outras mentes que estavam ao redor. Os grupos sociais ancestrais eram pequenos,
comparados com os grupos que podemos formar nos dias de hoje, mas apresentavam,
assim como na maioria dos primatas, uma estrutura hierárquica complexa e a formação
de alianças temporárias ou não. Dada essa característica dos grupos sociais humanos,
entendemos que a formação e a manutenção de alianças são extremamente importantes,
sejam elas formadas por laços de parentesco ou por apresentarem interesse comum. 117
A interação com indivíduos do grupo social era tão importante para a sobrevivência
quanto detectar um possível predador e escapar em segurança ou ingerir o alimento
certo, de forma a não se intoxicar.
Por essa razão, a compreensão da dinâmica entre os indivíduos de um grupo
social contribuirá para nossa compreensão do processo de evolução da mente humana.
Na verdade, Geary (2004) nos ensina que, tão logo os homens adquiriram o domí-
nio ecológico, isto é, passaram a ter maior controle sobre suas fontes de alimento e
segurança (garantindo a sobrevivência básica), as pressões sociais assumiram o papel
principal no teatro da vida, sendo apontadas como as principais responsáveis pela
evolução de grande parte do cérebro humano.
As interações sociais promoveram a seleção de determinados padrões com-
portamentais naquele ambiente físico, porque os benefícios de agir dessa forma e não
de outra superaram os custos. Isso significa dizer que os padrões de interação social
apresentados nas diversas culturas refletem, em certo nível, as pressões seletivas en-
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frentadas por nossos ancestrais. Mas, como vimos anteriormente, esse ambiente social
traz consigo custos aos membros de um grupo, tais como a competição pelo alimento
disponível ou o aumento da probabilidade de ser encontrado por um predador. Em
contrapartida, os benefícios associados a essa vida em grupo também entram na ba-
lança, como aumento na eficiência de detectar predadores ou encontrar alimento, em
função do aumento do número de indivíduos; vários pares de olhos são mais eficientes
que apenas um. Além disso, contabilizou-se na balança de custos e benefícios a divisão
de trabalho e a cooperação no cuidado dos filhos.
Psicologia Aplicada à Administração

Essa lógica de considerar os custos e benefícios de determinado padrão compor-


tamental não deve ser novidade para os administradores. Como Taylor (1990) já havia
proposto em seu livro Princípios da administração científica, os métodos desenvolvidos
buscam assegurar seus objetivos de produção máxima a custos mínimos. Claro que
outras teorias opositoras ou integrativas surgiram desde a publicação de Taylor, que
data originalmente do início do século XX. Entretanto, o que nos interessa, aqui, é
como nossos ancestrais se organizavam e como essa organização pode ser comparada
com nossa forma de vida em grupo atualmente. Devemos considerar que as mudanças
ambientais são enormes e que alguns comportamentos apresentados no mundo con-
temporâneo podem parecer deslocados, mas, quando contextualizados neste mundo
ancestral, podem nos fornecer as pistas necessárias para as perguntas sobre as origens
do comportamento humano.
Como já foi dito, os grupos sociais eram pequenos, e, embora a organização
fosse complexa, alguns pontos-chave devem ser considerados. Se destacarmos uma
unidade familiar de um grupo social ancestral e analisarmos, observaremos uma divi-
118 são de trabalho baseada no sexo dos membros dessa unidade. Vale lembrar que essas
inferências são provenientes de estudos com diversas sociedades não industrializadas
(até mesmo pequenas sociedades compostas de caçadores e coletores) do mundo con-
temporâneo e de pesquisa básica sobre o comportamento humano, além dos registros
fósseis (Foley, 1998; Izar, 2009).
Em uma unidade familiar, as mulheres desempenhavam tarefas importantes,
como coleta de alimentos vegetais, especialmente frutos e tubérculos, além do cuidado
direto dos filhos; os homens participavam de atividades como caça, que fornecia a
proteína necessária à dieta, além de prover proteção e segurança ao grupo. Se combi-
narmos os traços biológicos a esses padrões, podemos entender como a seleção natural
pode ter favorecido sua manutenção na população. A biologia reprodutiva feminina
obriga a permanência da mulher próxima ao bebê, especialmente nos primeiros anos
de vida, o que inclui a amamentação e a posterior provisão de alimentos sólidos, o que
não é o caso da biologia reprodutiva dos homens. Além disso, a necessidade de força
e agilidade em determinadas atividades como a caça e a provisão de proteção podem
Capítulo 5

ser combinadas com o desenvolvimento mais acentuado da musculatura masculina


em relação à feminina.
Esse arranjo de divisão de trabalho é um cenário bastante provável para a manu-
tenção das alianças e coalizões nos grupos sociais ancestrais e, assim, a vida em grupos.
Se examinarmos o exemplo da caça como fonte de alimento nos grupos ancestrais,
podemos destacar alguns pontos relevantes que devem ter favorecido a formação de
alianças entre membros do grupo social. Ao compararmos a caça solitária à caça co-
letiva, entendemos que a presença de muitos indivíduos pode afugentar as presas em
potencial, embora a taxa de sucesso possa ser aumentada pela facilidade de encontrar

Psicologia evolucionista
um número maior de presas quando se têm mais pares de olhos procurando; a eficiência
na rapidez de encontrar e capturar presas deve ser balanceada com a quantidade de
indivíduos a serem alimentados. O que percebemos é que provavelmente os benefícios
da caça coletiva devem ter superado os custos, pois esse padrão é observado em inú-
meras sociedades humanas, além de já ter sido registrado em outros animais, como em
chimpanzés que se organizam intencionalmente para abater presas animais. Conforme
veremos a seguir, a formação e a manutenção de alianças e coalizões tiveram papel
fundamental no sucesso de sobrevivência e reprodução dos nossos ancestrais e, por
essa razão, herdamos a habilidade de nos relacionarmos de forma a atingir objetivos
individuais, mesmo que trabalhando em grupos.

5.3.1. Cooperação e altruísmo recíproco


Parece fácil perceber como determinadas atividades como a caça coletiva podem
ter favorecido a formação de alianças em grupos ancestrais pequenos. Entretanto, a
119
formação de alianças não é uma atividade simples, e sua complexidade aumenta com
o aumento dos grupos sociais, tornando não só a formação mas também sua manu-
tenção ainda mais importante.
A base da formação de alianças está fundamentada em um acordo de troca de
favores, algo como “você coça minhas costas que eu coço as suas” (Nowak & Sigmund,
2005). Esse tipo de acordo é chamado de altruísmo recíproco e foi apresentado por
Trivers (1971) em um artigo de revisão teórica, no qual o argumento foi construído
com base em três exemplos observados na natureza: (a) a simbiose de limpeza entre
indivíduos de espécies diferentes, por exemplo, o bodião-limpador (Labroides dimi-
diatus) retira ectoparasita (Copépodes caligídeos) da boca da garoupa (Epinephelus
striatus); (b) o chamado de alarme em pássaros ao avisar a presença de um predador,
que podem chamar a atenção dos predadores para si mesmo, mas se todos fizerem uma
vez ou outra, as chances de predação podem diminuir; e (c) altruísmo recíproco em
humanos, que pode aparecer nas mais variadas atividades, como ajuda em momentos
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difíceis, partilha de alimento ou conhecimento ou execução de atividade que exige


mais de um indivíduo para ser realizada.
A partir desses modelos apresentados por Trivers (1971), uma questão importan-
te foi levantada: quais benefícios o indivíduo deve receber por se comportar de forma a
ajudar outros? É bastante razoável esperar favores futuros em troca da ajuda oferecida.
Além disso, esses benefícios devem ser maiores que os custos associados ao comporta-
mento exibido. Entendemos que os fatores que induzem ou inibem comportamentos
altruístas exercem influência no sentido de favorecer o indivíduo que o exibe, e não
Psicologia Aplicada à Administração

pelo bem ou pela sobrevivência do grupo. Conforme vimos anteriormente, a seleção


natural atua favorecendo os comportamentos que garantem benefícios maiores que os
custos para o indivíduo que os exibe e, se os apresentamos ainda hoje, possivelmente
benefícios estão sendo alcançados. Assim, algumas características foram selecionadas
para favorecer esse sistema complexo de regulação de trocas.
Dentre as características selecionadas, está nossa capacidade de desenvolver
afeição por outros, não necessariamente aparentados. Gostamos de certas pessoas e
com elas colaboramos, por exemplo, compartilhando bens materiais, conhecimento ou
influência social, protegendo. Com essas mesmas pessoas desenvolvemos laços traba-
lhistas a fim de conquistar benefícios individuais através de objetivos comuns. Assim,
a formação de laços de amizade e emoções que promovem a ligação ou ruptura dessas
relações nos motiva a agir de forma recíproca com determinadas pessoas. Entretanto,
a seleção deve ter favorecido criar laços de amizade com indivíduos os quais também
são altruístas, assim o sistema de trocas e partilhas pode manter-se funcional. Não
há sentido em colaborar com aqueles que não retribuem os favores recebidos. Nas
120 organizações de trabalho, a situação não é diferente: é necessário retribuir os favores
oferecidos para a manutenção dos laços de reciprocidade.
Como qualquer contrato social, aqueles que envolvem altruísmo recíproco
também podem apresentar problemas, e um deles é a probabilidade de um indivíduo
receber o favor e não retribuir no futuro. Isso significa que, naquela balança de cus-
tos e benefícios, esse indivíduo que não age de forma recíproca recebe o máximo de
benefícios sem arcar com qualquer custo. Seria algo como uma empresa consumir a
produção de outra, sem prestar contas dos produtos consumidos. Isso é conhecido
como o problema do trapaceiro (free-rider) e trata-se de um dos problemas adaptativos
relevantes no que concerne ao sucesso de sobrevivência e reprodução dos indivíduos
inseridos em qualquer grupo social – o que sempre é o caso, na espécie humana.
Aquelas espécies que não conseguem resolver o problema dos trapaceiros prova-
velmente não sobrevivem vivendo em grupos. Caso o trapaceiro não seja descoberto, ele
aumentará enormemente suas chances de sobrevivência e reprodução, comparadas às
do trapaceiro descoberto. É possível imaginar a interação de membros de uma mesma
Capítulo 5

organização agindo de forma cooperativa, buscando objetivos aparentemente comuns.


Entretanto, dada a natureza dos benefícios individuais, há possibilidade de surgimento
de trapaceiros, visto que o custo associado ao tempo e à energia executando uma tarefa
pode ser transferido para outro membro da organização. Quem nunca se sentiu usado
no ambiente de trabalho? Aquela sensação de estar fazendo o trabalho do outro. Mas,
se você se colocar no outro lado desse jogo, vai perceber que assumir os benefícios da
produção sem arcar com seus custos pode ser extremamente vantajoso. E de fato é!
Então, devemos nos perguntar: por que essa estratégia não prevalece na população?
A resposta segue um raciocínio de quatro passos bem simples: (1) não há dúvidas de

Psicologia evolucionista
que o trapaceiro teria maior sucesso em termos de sobrevivência ou reprodução – ou
sucesso profissional – em relação aos não trapaceiros; (2) com o sucesso maior desses
indivíduos trapaceiros, essa estratégia – ou os genes que predispõem as pessoas a
essa estratégia – tornar-se-ia mais frequente na população; (3) finalmente, todos se
tornariam trapaceiros por ser a melhor estratégia; (4) se ninguém ajuda ninguém, as
alianças seriam desfeitas e a vida em grupo não seria mais possível.
Por essa razão, conseguimos perceber que nós, humanos, assim como todas
as espécies que vivem em grupos sociais, devemos ter encontrado alguma maneira
adaptativa de resolver esse problema do trapaceiro. Entretanto, Axelrod e Hamilton
(1981) propuseram que para a resolução desse problema adaptativo, três condições
básicas devem ser satisfeitas em qualquer situação de troca social. Primeiramente, os
indivíduos devem se encontrar de forma repetida, ou seja, se eu não o encontrarei
mais, não precisarei arcar com custos de retribuir um favor prestado a mim, apenas
aproveitar os benefícios recebidos. Em segundo lugar, os indivíduos devem ser capazes
de se reconhecer e distinguir os indivíduos encontrados anteriormente em situações 121
de trocas sociais daqueles com os quais nunca estabeleceram esse tipo de relação
ou que são totalmente estranhos. Por uma lógica muito simples, não há sentido em
gastar tempo e energia não se comportando de forma recíproca com aqueles que
nos ajudaram no passado e colaborar com completos estranhos. Finalmente, após
reencontrar e reconhecer os indivíduos envolvidos anteriormente em trocas sociais, é
extremamente importante recordar como essas pessoas agiram em relação a você nos
encontros passados, ou seja, distinguir entre os colaboradores e os trapaceiros. Assim,
para que o altruísmo recíproco aconteça e o trapaceiro não se mantenha, é necessário
que tenhamos mecanismos psicológicos evoluídos2 que nos permitam reencontrar
pessoas, reconhecê-las e recordar de suas ações.

2 O termo “evoluídos”, aqui, não é empregado no sentido de “melhor”, “superior” ou “sofisticado”. Ao


dizermos “mecanismos psicológicos evoluídos”, estamos sinalizando, apenas, que tais mecanismos psi-
cológicos passaram por um processo de evolução por meio de seleção natural, ou seja, passaram por
mudanças adaptativas ao longo de milhares (milhões) de anos.
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Herdamos de nossos ancestrais mecanismos psicológicos adaptados para puni-


ção ou recompensa e, quando as três condições propostas por Axelrod são satisfeitas,
somos capazes de punir um trapaceiro por não colaborar, por exemplo, não retri-
buindo mais favores a eles; somos capazes, também, de recompensar o colaborador,
por exemplo, retribuindo favores oferecidos por eles. Assim como a Lei do Talião, o
problema do trapaceiro pode ser resolvido com base no olho-por-olho e dente-por-
dente (se você cooperou comigo no passado, eu coopero com você agora; se você
trapaceou comigo no passado, eu trapaceio com você agora), o que torna a estratégia
Psicologia Aplicada à Administração

do trapaceiro desvantajosa e a cooperação entre membros de grupo social possível,


mantendo sua coesão.
Entretanto, nosso passado evolutivo permitiu satisfazer as três condições pro-
postas por Axelrod? Como comentamos anteriormente, nossos ancestrais viviam em
grupos pequenos, e os encontros com grupos vizinhos eram raros, o que possibilitava
encontros repetidos entre os mesmos indivíduos; possuímos um módulo bem sofistica-
do de reconhecimento de faces e, por essa razão, conseguimos distinguir conhecidos de
estranhos; finalmente, nossa memória é eficaz o suficiente para promover a lembrança
de interações sociais, incluindo a ligação emocional desses eventos. Assim, temos
mecanismos psicológicos bem eficazes e sofisticados que possibilitaram a resolução
do problema do trapaceiro e da manutenção de laços sociais importantes. É valido
lembrar que, apesar de termos registro de quanto e o que cada indivíduo fez por nós,
na maioria das vezes tomamos a decisão de cooperar com outro de forma não tão
eficiente, como vimos na Seção 5.2.
A partir de situações simples de troca social envolvendo dois indivíduos, pode-
122 mos inferir mecanismos psicológicos que nos permitem “medir” o valor dos favores
que os outros nos fazem e, de alguma forma, comparar com o valor dos favores que
fazemos a eles. Através dessa lógica, Tooby, Cosmides e Price (2006) argumentam que
adaptações cognitivas para as trocas sociais surgiram por meio de interações em díades
e possibilitaram a resolução de problemas adaptativos em situações que envolvem mais
de dois indivíduos. Vale lembrar que os custos e benefícios de qualquer tipo de favor
prestado não podem ser fixados antecipadamente, pois dependem do contexto. Assim
como nos grupos socais dos nossos ancestrais, em geral, as organizações são compostas
de interações cooperativas estáveis ou relações de troca as quais envolvem grupos de
pessoas. Portanto, é esperado que nossa mente apresente um conjunto de mecanismos
especializados herdados de nossos ancestrais para resolver os problemas adaptativos
das trocas sociais, conforme apresentado anteriormente, incluindo cooperação e de-
tecção de trapaceiro. Por essa razão, esses pesquisadores do Centro para Psicologia
Evolucionista e da Escola de Administração Olin defendem que o mapeamento dos
mecanismos psicológicos que permitem a resolução de problemas de cooperação entre
Capítulo 5

muitos indivíduos pode contribuir para a construção de um fundamento teórico sólido


para a compreensão do comportamento humano nas organizações. Dessa forma, é
possível verificar “quais variáveis governam a dinâmica, o sucesso e a falência de várias
formas organizacionais”.

5.3.2. Os experimentos de Hawthorne à luz da psicologia evolucionista


No início do século XX, algo em torno da década de 1920, foram realizados
inúmeros experimentos como parte de um amplo projeto de pesquisa. Tais experimen-

Psicologia evolucionista
tos se tornaram famosos e, hoje, são tidos como clássicos históricos da administração
de recursos humanos. Referimo-nos, aqui, aos trabalhos desenvolvidos no bairro de
Hawthorne, em Chicago, na empresa West Electrical Company.
Coordenadas por Elton Mayo, essas pesquisas tinham por objetivo estudar
como determinadas variáveis ambientais influenciavam o processo produtivo e o
rendimento dos trabalhadores. A conclusão a que se chegou, após serem analisados os
resultados obtidos, foi a de que o controle sistemático de algumas variáveis em questão
não exerceram influência alguma sobre o comportamento dos funcionários daquela
empresa. Paradoxalmente, foi constatado que o rendimento havia melhorado, de fato,
em alguns setores. Após muitas discussões e análises, os pesquisadores descobriram
que o aumento da produtividade não se devia à manipulação de determinadas variá-
veis ambientais, mas do acordo que os trabalhadores fizeram entre si para otimizar a
produção, uma vez que sabiam que estavam fazendo parte de um estudo.
Em relativa oposição à escola clássica (taylorista) de administração, que prezava
pela racionalidade estrita e preconizava que o trabalhador não deveria pensar, apenas 123
executar, os experimentos de Hawthorne demonstraram que para além da organiza-
ção formal de trabalho existe uma organização informal que foge às estruturas do
que é hoje conhecido por organograma (Sampaio, 1998). Tais pesquisas formaram o
embrião da Escola de Relações Humanas, sistematizada por Mayo, que buscava um
maior entendimento dos fenômenos humanos no ambiente de trabalho.
Colocando as descobertas geradas por ocasião dos experimentos de Hawthorne
sob as lentes da psicologia evolucionista, podemos entender a razão do erro de Taylor
e do acerto (às cegas, é verdade...) de Mayo. Foi discutido, nas seções anteriores, que
a espécie humana enfrentou uma série de pressões sociais ao longo de sua história
evolutiva. Dentre essas pressões estavam a necessidade de formar grupos para caçar,
cuidar dos filhos, proteger o grupo de predadores e assim por diante. As mais variadas
pressões sociais, por sua vez, se tornaram extremamente importantes para a sobrevi-
vência e reprodução dos nossos ancestrais, de modo que o aparato cognitivo associado
à vida em grupo permanece em nós até hoje.
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Considerando a importância que a formação de alianças e coalizões assumiu


na composição do pool de habilidades cognitivas da espécie humana, seria de se es-
perar que tais alianças e coalizões também se formassem nos ambientes de trabalho.
Afinal, estamos falando de seres humanos interagindo diariamente em uma atividade
de grande relevância para suas vidas.
O jogo de interesses presente nas organizações enseja o aparecimento das cha-
madas organizações informais, que são justamente os processos intersubjetivos que
escapam à teia da monitoração de pessoas. São interações humanas diárias, sem a
Psicologia Aplicada à Administração

intermediação de comunicados formais que podem fazer com que o sujeito decida por
uma ou outra estratégia dentro do seu grupo de trabalho. No caso dos experimentos
de Hawthorne, Mayo descobriu apenas o que já acontece há milhões de anos: que as
pessoas interagem e buscam apoio mútuo para atingir objetivos específicos.
Decerto que tais alianças não são estanques e imutáveis. Pelo contrário, as
coalizões são formadas para que os indivíduos que pertencem àquele grupo possam
alcançar metas específicas. Tão logo os objetivos sejam atingidos, o grupo pode se
desfazer (Gonçalvez, 2009).

5.4. REVISÃO DOS CONCEITOS APRESENTADOS


Todos os temas discutidos até aqui apresentam aspectos que são corriqueiros
dentro do ambiente organizacional. Porém, por conta de sua frequência, normalmente
não percebemos sua importância e do seu papel a favor de uma melhor compreensão
dos fenômenos comportamentais entre as pessoas e na sua relação com a atividade
124 profissional.
Um ponto importante seria compreender que nossa percepção não é falha.
Muito pelo contrário. A maneira que utilizamos para entender e explicar o mundo
é muito completa e plástica. O que ocorre é que temos viéses que muitas vezes não
permitem que consideremos certas coisas como importantes. Uma percepção crítica
dos comportamentos humanos, bem como a compreensão de que somos uma espécie
muito bem adaptada a nosso ambiente, assim como todas as outras presentes em nossa
biosfera, pode trazer a importância que a psicologia evolucionista apresenta como
forma de explicação de certos fenômenos que não eram considerados relevantes até
os dias de hoje.
A formação interdisciplinar na interseção entre psicologia, biologia, economia
e administração gera a base de onde emergiu a psicologia evolucionista. Alguns dos
teóricos mais proeminentes desse campo de pesquisa são oriundos de uma ou mais
das áreas citadas.
Capítulo 5

Essa percepção mais integradora do fenômeno organizacional nos permite en-


tender atividades prosaicas como a conversa com os colegas de trabalho, as decisões
tomadas no dia a dia, a percepção do outro como alguém confiável ou, ainda, como
e quando cooperar com seus parceiros em um projeto. Muitos problemas de grande
repercussão nas empresas têm origem em comportamentos triviais como esses. Nosso
objetivo neste capítulo é oferecer ferramentas para que você possa pensar sua atividade
como administrador ou como ator social dentro do seu ambiente de trabalho de uma
forma diferente do que tem pensado até hoje. Este livro é o primeiro que apresenta um
capítulo sobre psicologia evolucionista voltada para profissionais de administração.

Psicologia evolucionista
O contato com esse tema, por ser inédito, apresenta uma série de temas de pesquisa e
reflexão ainda inexplorados dentro da administração. Esperamos que essa iniciativa
gere motivação para seu aprofundamento nos estudos desenvolvidos dentro dessa
nova área.

5.5. QUESTÕES
1. É sabido que nossa percepção dos fenômenos que nos cercam não é completa.
Muitas vezes deixamos de considerar ou perceber fatos que são importantes no
momento de tomar decisões ou propor uma nova solução. Por que você acha
que isso ocorre e quais seriam algumas alternativas para tentar minimizar esse
efeito?
2. Discuta sobre a nova expressão “dinheiro é tempo” proposta por Aubert em
seu texto sobre a lógica da urgência, como alternativa ao popular adágio de
Benjamin Franklin “tempo é dinheiro”. Você acha que essa nova afirmação é 125
procedente?
3. Como dimensionar os aspectos biológicos, cognitivos e sociais dentro das or-
ganizações? O fator humano é afetado por tais aspectos conjuntamente? Pense
em um exemplo pessoal em que tais fatores auxiliaram ou comprometeram sua
atividade profissional.
4. Observe a seguinte descrição de um estudo de caso.
Jair Bernardes era gerente de quatro departamentos na loja principal da Loja
de Departamentos Denny’s: artigos esportivos, ferramentas, utilidades domésticas e
brinquedos. Cada departamento tinha um vendedor-chefe encarregado do armazena-
mento e exposição das mercadorias, pedidos especiais e manutenção do departamento.
Esses vendedores-chefes também treinavam e avaliavam os vendedores em geral. Os
vendedores trabalhavam principalmente em regime de meio período, como forma de
pagar a faculdade. Basicamente, respondiam a perguntas e faziam vendas por telefone.
Quase não realizavam vendas diretas.
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Os vendedores eram remunerados por hora com um salário ligeiramente maior


que o salário mínimo. O ambiente nos departamentos era saudável, as prateleiras eram
abastecidas, os departamentos eram organizados e todos punham mãos à obra e se
ajudavam mutuamente.
Apesar disso, as vendas estavam caindo nos quatro departamentos. Conra-
do, supervisor de Jair, informou-lhe que esperava que as vendas em pouco tempo
se elevassem ao mesmo nível dos outros departamentos. Jair reuniu-se com seus
vendedores-chefes para discutir o declínio no volume de vendas. O consenso foi que o
Psicologia Aplicada à Administração

nível de movimento de clientes não era suficiente para permitir que os departamentos
alcançassem elevados volumes de vendas. Jair informou o fato a Conrado, que respon-
deu que os balconistas teriam de empenhar mais esforço nas vendas, caso contrário
as horas de trabalho seriam reduzidas. Em seguida, Conrado instituiu um sistema de
cartões de registro nos quais cada vendedor deveria anotar as vendas realizadas. Ele
achava que assim poderia avaliar quem era inútil e despedi-lo. Os vendedores-chefes
foram incluídos nesse sistema. Esse programa foi iniciado enquanto Jair estava ausente.
O programa resultou na negligência dos vendedores-chefes em reabastecer as
prateleiras e manter a boa ordem dos departamentos, na competição entre todos os
empregados e no fim da atitude de ajuda e companheirismo entre os trabalhadores.
Além disso, o volume de vendas não aumentou. Por fim, Jair convocou uma reunião
com Conrado e Marcelo, o gerente da loja. Depois de visitar os departamentos e
discutir os resultados do programa de Conrado, Marcelo cancelou o programa de
cartões de registro. Embora a condição geral dos departamentos tivesse melhorado,
os trabalhadores ainda não cooperavam entre si e muitos achavam que, para começo
126 de conversa, Jair os havia abandonado.
Questão: Discuta sobre o problema gerado por Conrado, durante a ausência de Jair.
Quais os problemas ocorridos no processo decisório deles? Quais seriam as possíveis
heurísticas de julgamento que aparecem neste caso? Procure repetir esse raciocínio
utilizando exemplos de sua atividade profissional ou de outras experiências observadas
ou vivenciadas.

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6
Amizade no
local de trabalho

Adriana Schujmann
Silvia Generali da Costa

Principais conceitos apresentados neste capítulo


Ao longo deste capítulo são explorados os temas: relações interpessoais, amizade e
amizade no ambiente de trabalho. Para melhor compreender e ilustrar a amizade no
ambiente de trabalho, no final, apresentam-se os resultados de um estudo de caso.

6.1. INTRODUÇÃO
De modo geral, devido às exigências do mundo empresarial, passamos mais
tempo em nossos ambientes de trabalho do que em nossas casas. E, mesmo quando
estamos em casa, muitas vezes não conseguimos nos distanciar por completo das
necessidades e das demandas exigidas pelas empresas.
Ao contrário do aumento das horas destinadas ao trabalho, o tempo de lazer está
cada vez mais restrito e reduzido, o que pode acabar dificultando ou interferindo na
manutenção e no início de novos laços de amizade fora das instalações da empresa, o
que possivelmente induz a um fortalecimento dos vínculos afetivos existentes dentro
da organização.
As interações e o surgimento de amizades entre os funcionários no ambiente
de trabalho podem ocupar um papel de destaque na vida das pessoas, uma vez que
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“uma forte amizade no trabalho é particularmente importante quando os empregados


trabalham longas horas e têm poucas oportunidades de desenvolver amizades fora do
trabalho” (Riordan e Griffeth, 1995, p. 151).
Os amigos, segundo Bauman (2007), são aqueles em quem podemos confiar e
com os quais podemos contar em todos os momentos, ajudando-nos quando necessi-
tamos. “Em um ambiente líquido, imprevisível e de fluxo rápido, precisamos, mais do
que nunca, de laços firmes e seguros de amizade e confiança mútua” (p. 142). Sennett
(2001), por sua vez, acredita que as instituições modernas, por serem caracterizadas
Psicologia Aplicada à Administração

por esquemas de curto prazo, limitam o amadurecimento da confiança informal. “Os


laços fortes, em contraste, dependem de associações de longo prazo. E, mais pessoal-
mente, da disposição de estabelecer compromissos com outros” (p. 25).
Em um local estressante de trabalho, os amigos podem fornecer apoio, com-
preensão e ajuda. A troca de experiência entre os envolvidos é uma rica ferramenta
para possibilitar a sobrevivência no trabalho e a aprendizagem de como lidar com
determinadas situações na empresa (Riordan e Griffeth, 1995). Dessa forma, segundo
Sias et al. (2004), perder um amigo no ambiente de trabalho significa deixar de ter
uma fonte de apoio e ajuda. O rompimento de um relacionamento de amizade em
uma organização pode ocorrer por vários motivos, entre eles: as personalidades dos
envolvidos no relacionamento, as expectativas conflituosas, as traições e as promoções.

6.2. O QUE SÃO RELAÇÕES INTERPESSOAIS?


Os seres humanos, segundo Furman (2001), são biologicamente predispostos
132 à afiliação com outras pessoas conhecidas. Essa aproximação entre os indivíduos re-
sulta em relacionamentos. Para conseguir desenvolver e manter um relacionamento,
um indivíduo possui um conjunto de habilidades sociais, ou seja, um conjunto de
comportamentos a serem usados e explorados conforme a necessidade das situações
sociais (Del Prette e Del Prette, 2007).
Segundo Del Prette e Del Prette (2007), os relacionamentos sociais têm como
base as interações dos indivíduos entre si e com a natureza. O processo da sociabilidade
humana compreende as alterações na qualidade e na natureza das relações e das inte-
rações com outras pessoas, nos processos cognitivos, afetivos e comportamentais, ao
longo do ciclo vital. Esses autores defendem a ideia de que os indivíduos “socialmente
competentes” (p. 33) são aqueles que proporcionam a maximização dos ganhos e a
minimização das perdas para si e para o outro com o qual interagem.
Souza e Hutz (2008) definem relacionamento como um processo dinâmico.
Já Hinde (1996) acrescenta que, além de ser dinâmico, o relacionamento também
possui diferentes processos. Porém, tentar fazer uma descrição completa de qualquer
Capítulo 6

relacionamento é uma tarefa considerada impossível devido às diferenças existentes


nos envolvimentos das pessoas. Através dos relacionamentos, os indivíduos buscam
proteção, cooperação e interação social, sendo atraídos pelos aspectos psíquicos, de
personalidade e de caráter dos envolvidos (Hare, 2003).
De modo geral, cada relacionamento possui sua própria história e característi-
cas. Segundo Souza e Hutz (2008, p. 258), o relacionamento “se desenvolve ao longo
do tempo e se modifica conforme as etapas da vida, sendo influenciado por normas
sociais e aspectos culturais”. Dessa forma, estes estão diretamente ligados ao contexto

Amizade no local de trabalho


e ao meio em que acontecem, alterando-se conforme a realidade e o momento de vida
dos envolvidos (Bidart e Lavenu, 2005).
Hinde (1996) argumenta que as variáveis envolvidas nos relacionamentos ao
mesmo tempo em que sofrem influência das demais também as influenciam. Blums-
tein e Kollock (1988) acrescentam o fato de que, nos relacionamentos, os participantes
são interdependentes, ou seja, o comportamento de um influencia o comportamento
do outro. A Figura 6.1 ilustra o contexto no qual os relacionamentos estão inseridos,
demonstrando os diferentes níveis de interação possíveis e as variáveis envolvidas.

Figura 6.1 Relações nos níveis da complexidade social.

Sociedade

Grupo

133
Relacionamento
Estrutura
Ambiente físico
sociocultural
Interações

Comportamento Individual

Fatores psicológicos

Fonte: Hinde (1996, p. 10).

Com o passar do tempo, o relacionamento se modifica, alterando-se em alguns


aspectos. Para Chan e Cheng (2004), ocorre um aumento na variedade de temas abor-
dados, nas atividades realizadas e nas formas de comunicação entre as pessoas. Além
disso, os envolvidos tendem a revelar questões pessoais quando sua relação progride.
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Parks e Floyd (1996) afirmam que, em virtude do tempo, na maioria dos casos, uma
relação desenvolve uma maior intimidade, cumplicidade e dependência entre as par-
tes, sendo que os envolvidos se tornam mais comprometidos, ocorrendo uma melhor
interação entre eles. Já conforme Hays (1984), o relacionamento interpessoal passa por
um desenvolvimento sistemático, ou seja, primeiramente o relacionamento é impes-
soal e superficial, evoluindo para um envolvimento de trocas de informações íntimas.
Também devido ao tempo, fica claro se o relacionamento é positivo ou negativo
para os envolvidos. O envolvimento entre os participantes é positivo quando se de-
Psicologia Aplicada à Administração

senvolve uma intimidade e uma cumplicidade. A intimidade, segundo Hinde (1996),


caracteriza-se por um sentimento de compreensão e cuidado. Porém, o envolvimento é
negativo quando gera inveja, raiva, conflitos ou outros tipos de situações desagradáveis
entre os participantes do relacionamento (Hare, 2003).
A maneira como os indivíduos agem nos relacionamentos demonstra suas motivações,
ou seja, o que os indivíduos fazem juntos pode ser considerado uma classificação do tipo de
relacionamento diante das necessidades e dos desejos das pessoas envolvidas, identificando
o que esse relacionamento satisfaz. Dessa forma, o que os indivíduos fazem juntos em um
relacionamento é tão importante que é considerado o ponto de partida para diferenciar os
tipos de relacionamento (Hinde, 1996). A amizade se diferencia das demais interações quando
se avalia a questão da confiabilidade. Só chamamos de amigos aqueles com quem possuímos
uma relação afetiva e um grande nível de proximidade (Rybak e McAndrew, 2006).

6.3. ENTENDENDO A AMIZADE


134 A amizade foi um assunto abordado com muita dedicação por vários filósofos
da antiguidade. Estes tinham interesse em descobrir quais seriam as qualidades de
um amigo ideal, o papel desempenhado pela amizade e, também, sua função na vida
dos envolvidos. Por sua vez, os filósofos da Renascença despenderam pouco tempo
de dedicação a esse estudo. Somente no século XX ocorre uma retomada do tema e
este volta a ser explorado. Entretanto, desta vez, as pesquisas passam a ser feitas por
sociólogos, psicanalistas e psicólogos (Baldini, 2000).
Segundo Rybak e McAndrew (2006), ainda não existe uma definição de amizade
unânime aceita por todos os estudiosos. Amizade, segundo Auhagen (1996), pode ter
um significado diferente conforme a sociedade, o período histórico e a geração. Tal
questão “tem sido uma longa investigação por várias disciplinas, e diferentes defini-
ções de amizade podem ser encontradas na literatura” (Chan e Cheng, 2004, p. 305).
De acordo com Souza e Hutz (2008), há décadas os cientistas sociais pesquisam
sobre os benefícios dos relacionamentos interpessoais. “Amizade é um dos tipos mais
comuns de relacionamento interpessoal” (Chan e Cheng, 2004, p. 305). Segundo Boyd e
Capítulo 6

Taylor (1998), não existem regras para classificar se uma relação interpessoal é amizade
ou não. Porém, para Auhagen (1996), um relacionamento só é definido como amizade
quando ambos os envolvidos a definem como tal. Não existem responsabilidades ou
normas que regem a amizade, e sim a motivação entre as pessoas.
Amizade se diferencia das relações familiares porque não existem vínculos
formais que servem para manter uma relação estável, além de possuir as seguintes
características (Boyd e Taylor, 1998):
■ Interdependência: o comportamento de cada participante no relaciona-

Amizade no local de trabalho


mento é influenciado pelo comportamento dos demais;
■ Continuidade: o aumento da interação ao longo de um período de tempo;
■ Interdependência voluntária: a amizade não é uma consequência necessá-
ria da posição que um indivíduo ocupa;
■ Socioemocionais: companheirismo, apoio emocional, incentivos etc.

Tentando caracterizar a amizade, alguns autores afirmam que ela corresponde a uma
necessidade essencial do ser humano de ir ao encontro do outro (Brun, 2007; Lacerda,
1993). Souza e Hutz (2008) e Froemming (1997) definem a amizade como um relaciona-
mento importante para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo dos indivíduos.

Amizade é um relacionamento de díade pessoal e informal. As duas pessoas


envolvidas são definidas como amigos. A existência da amizade é baseada
na reciprocidade. Para cada um dos amigos a amizade possui um valor
diferente, que pode incluir diferentes elementos (Auhagen, 1996, p. 230).
135
Apesar de as pessoas identificarem e saberem quem é seu amigo e quem não é,
a amizade não possui características claras e precisas. A autora considera esse fato o
paradoxo da amizade.

A amizade é uma relação social diferente da maioria dos outros relaciona-


mentos por não exigir quaisquer responsabilidades instrumentais. Como
resultado de sua base voluntária e caráter aberto, a amizade proporciona
às pessoas uma rica experiência. Em suma, a função da amizade é a
construção e a manutenção de uma boa forma de união entre as pessoas
(Auhagen, 1996, p. 242).

Para Ingram e Zou (2008), amizade é um relacionamento pessoal e afetivo entre


os envolvidos. A base da relação é a intimidade e a troca de sentimentos. A amizade
se caracteriza pelo tipo de relacionamento no qual ocorre uma mútua preocupação,
atenção e assistência entre os amigos (Krappmann, 1996). Portanto, para esta autora,
os “amigos aceitam uns aos outros do jeito que eles são” (p. 47).
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Os amigos, de acordo com Andrew e Montague (1998), ajudam-se, trocam in-


formações e conhecimentos especializados, proporcionam uma sensação de segurança
e um sentimento de autoafirmação. As pessoas acreditam que seus amigos não vão
abandoná-las em momentos de dificuldade (Krappmann, 1996).
Segundo Sharabany (1994), as amizades possuem algumas características em
comum, sendo elas sinceridade, espontaneidade, sensibilidade, conhecimento, ape-
go, troca, atividades em comum e confiança. Essas características podem variar em
qualidade e quantidade, mas elas revelam o nível de intimidade do relacionamento.
Psicologia Aplicada à Administração

Amigos, de acordo com Duck1 (apud Auhagen, 1996), proporcionam uma sensa-
ção de pertencimento e estabilidade emocional, além de possibilitarem uma descoberta
interior e permitirem ajuda entre as partes envolvidas. O indivíduo se sente útil como
pessoa por ser uma fonte de ajuda para o outro. Para Auhagen (1996), as pessoas são
amigas das outras para atingir uma sensação de bem-estar.
As pessoas, de modo geral, identificam a amizade como uma manifestação de
assistência diária, divisão de atividades e autorrevelação. Aspectos como fidelidade e
lealdade são características fundamentais entre os amigos. Os resultados da pesquisa
realizada por Adams et al. (2000) indicam que os aspectos comportamentais da ami-
zade são os principais do relacionamento.

A amizade se caracteriza pela reciprocidade razoavelmente equilibrada de


expressão de sentimentos positivos e negativos e de atitudes voltadas para
o bem-estar e a felicidade do outro (Del Prette e Del Prette, 2007, p. 98).

As pesquisas de Jones (1991) sobre amizade demonstraram que a intimidade,


136 a cumplicidade e o afeto são associados ao companheirismo, que, segundo o autor, é
o fator mais importante para verificar os níveis de satisfação entre os amigos. Argyle
e Henderson2 (apud Auhagen, 1996) atribuíram algumas funções especiais à amizade:
■ Função de troca: partilhar as notícias de sucesso com os outros, demons-
trar apoio emocional, ajudar em momentos de necessidade, tentar fazer o
outro feliz e trocar favores.
■ Função de intimidade: acreditar e confiar no amigo.
■ Terceira função: ser tolerante com outros amigos, não criticar o amigo em
público, manter confidências, não ser invejoso ou criticar as outras rela-
ções do amigo.
■ Função cordial: respeitar a privacidade do amigo.

1 DUCK, S. Friends for life. Brighton: Harvester Wheatssheaf, 1983.


2 ARGYLE, M.; HENDERSON, M. The rules of friendship. Journal of Social and Personal Relationship,
v. 1, 1984, p. 211-237.
Capítulo 6

Conforme Adams e Blieszner (1994) e Auhagen (1996), a amizade implica uma


interação voluntária entre duas pessoas ao longo do tempo. Como a amizade é um valor,
o significado de amizade deve sempre compreender, no mínimo, um ideal envolvido
na relação (Richard, 1999). Para ser amigo de alguém, é necessário ter obrigações
específicas para com essa pessoa, incluindo uma disponibilidade emocional e uma
vontade de ajudar. Por mais que a amizade seja classificada como um relacionamento
de díade, ela também se caracteriza por ocorrer em grupos de pessoas.
Para Hare (2003), as pessoas se tornam amigas de quem possui atitudes similares

Amizade no local de trabalho


às suas, sendo motivadas pelas semelhanças de ações e conduta. Dessa forma, quanto
mais os amigos competem e concorrem entre si, menos eles ficarão satisfeitos com
o relacionamento de amizade. Durante essas situações, os envolvidos ficam tensos e
vivenciam sentimentos ruins uns pelos outros (Singleton Jr. e Vacca, 2007).
Os maiores prejuízos relacionados à amizade, segundo pesquisas realizadas
por Hays (1985), são o tempo gasto e a quantidade de sentimentos despendidos. Eles
sempre ocorrem, pois, a partir do momento em que a amizade se desenvolve, os sen-
timentos investidos pelas pessoas tendem a aumentar. “Se o relacionamento oferecer
os benefícios desejáveis suficientemente, os indivíduos ficam dispostos a sofrer os
prejuízos possíveis” (p. 922).
Adams et al. (2000) afirmam que a amizade pode adquirir inúmeras formas,
variando o propósito, a intimidade, a duração e o estilo, entre outros atributos. De
forma geral, as pessoas buscam relacionamentos motivadas pelas necessidades e preo-
cupações características de cada estágio da vida (Souza e Hutz, 2008). Ao contrário
dos jovens, os adultos buscam o que lhes é mais útil, enquanto os primeiros querem
encontrar o agradável e o prazer. Essa diferença estabelece os diversos motivos e tipos 137
de amizades que se estabelecem em cada momento da vida (Froemming, 1997).
Conforme Yanger (2002), a amizade pode ser dividida em três categorias,
conforme o nível de intimidade, sendo elas: amigo casual, amigo próximo e melhor
amigo. Quando se trata de amigos casuais, fica implícito o fato de existir um elo forte
entre eles, porém este tipo de amizade não é tão íntimo ou exclusivo quanto os outros.
Especialmente nas organizações, os amigos casuais são mais comuns do que as outras
categorias de amizade. No caso do amigo próximo, os envolvidos se sentem seguros
para compartilhar seus segredos e pensamentos mais íntimos e profundos. O melhor
amigo, por sua vez, possui todas as características de um amigo próximo, porém tem
uma maior exclusividade e demanda mais tempo para sua manutenção.
A amizade, na sociedade, é uma relação que não possui regras fixas, proce-
dimentos, obrigações e exigências, variando conforme o caso (Richard, 1999), não
envolvendo, portanto, um roteiro de conduta e obrigações institucionalizadas (Adams
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e Plaut, 2003). “Consequentemente, a amizade é um relacionamento pessoal e privado,


sem a imposição de valores ou normas culturais” (Souza e Hutz, 2008, p. 259).
Duas pessoas não se tornam amigas imediatamente em um primeiro encontro; a
amizade possui um processo de desenvolvimento (Auhagen, 1996). Conforme Adams
e Blieszner (1994), ela possui um início quando as pessoas se familiarizam, um meio
quando os parceiros se solidarizam e, decorrido algum tempo, ela pode aumentar,
diminuir ou permanecer igual, chegando até mesmo a acabar por variadas razões.
Não existe um critério formal para o término da amizade (Auhagen, 1996). As fases
Psicologia Aplicada à Administração

da amizade variam de acordo com as situações e com as pessoas envolvidas.


A fase díade se caracteriza pelo movimento de familiaridade entre os envolvi-
dos. No início, os indivíduos se aproximam e passam a se conhecer um pouco me-
lhor, havendo trocas de informações pessoais (Adams e Blieszner, 1994). “No início
do relacionamento, a frequência das interações determina a qualidade da amizade”
(Auhagen, 1996, p. 239). Já a fase de manutenção é considerada o período no qual os
amigos devem dispor de mais tempo para com os outros. Por último, na fase de redes,
ocorre o envolvimento de grupos (Adams e Blieszner, 1994).
Hays (1985) afirma que, ao longo do tempo, a partir do momento em que a
amizade se desenvolve, o relacionamento se torna menos dependente da quantidade
de interações. Por outro lado, ocorre um aumento na qualidade do envolvimento entre
os amigos. Portanto, para este autor, a qualidade das interações entre os envolvidos é a
melhor forma de avaliar a intensidade do relacionamento. Quanto maior a qualidade
da amizade, mais estável a relação será (Bukowski et al., 1994). Tanto para os homens
quanto para as mulheres, segundo Jones (1991), as características individuais e as
138 características do relacionamento determinam a percepção da qualidade da amizade
dos envolvidos.
Quando se trata de amizade, é possível, segundo Hays (1985), identificar algumas
diferenças entre os homens e as mulheres. Estas tendem a se envolver de forma mais
afetuosa do que os homens. Estes, por sua vez, tendem a ser mais companheiros do
que as mulheres nos seus envolvimentos. As mulheres costumam ser mais comunica-
tivas do que os homens no início da amizade, enquanto eles são companheiros desde
o princípio do relacionamento. A ligação, em ambos os casos, pode ser forte; porém,
a forma como isso é demonstrado ocorre de forma diferente.
Devido às características e atributos do relacionamento de amizade, Buote et
al. (2008) afirmam, em suas pesquisas, que o desenvolvimento de amizades em novas
situações, como, por exemplo, em um novo ambiente de trabalho, é um dos fatores
determinantes de como os indivíduos se adaptarão a essas mudanças.
Capítulo 6

6.4. AMIZADE NO AMBIENTE DE TRABALHO


A maioria das pessoas passa uma parte significativa de suas vidas no local de
trabalho. Como resultado disso, é comum o surgimento de relações interpessoais como
a amizade entre os colaboradores. A amizade pode ser vista como uma consequência
dos relacionamentos nas organizações (Ingram e Zou, 2008). Portanto, entender a
amizade no ambiente de trabalho ajuda a compreender melhor as relações humanas
dentro de uma organização (Riordan e Griffeth, 1995).
As relações interpessoais no ambiente de trabalho possuem peculiaridades,

Amizade no local de trabalho


segundo Neuberger (1996):
■ Ocorrem dentro de um espaço definido e de certos limites, como um de-
partamento, uma seção ou um setor da empresa.
■ São orientadas para a eficiência organizacional.
■ Muitas das relações são desenvolvidas e motivadas por questões relaciona-
das ao recebimento e manutenção de um salário.

Entretanto, em alguns casos, de acordo com Grey e Sturdy (2007), as pessoas,


nas organizações, costumam se reunir em contextos variados; dessa forma, a amizade
pode acontecer entre pessoas que trabalham em áreas diferentes da organização. Até
o momento, segundo Riordan e Griffeth (1995), ainda não se sabe o que interfere nas
oportunidades de amizade no ambiente de trabalho.
As amizades no ambiente de trabalho, segundo Ingram e Zou (2008), têm se
tornado cada vez mais comuns. Portanto, como o trabalho exige o contato entre os
indivíduos, o surgimento de amizade fica inevitável (Boyd e Taylor, 1998). 139

Qualquer atuação profissional envolve interações com outras pessoas onde


são requeridas muitas e variadas habilidades sociais, componentes da
competência técnica e interpessoal necessária para o desenvolvimento de
um processo produtivo (Del Prette e Del Prette, 2007, p. 56).

Riordan e Griffeth (1995) ressaltam que, apesar de as amizades não fazerem


parte das organizações formais, fazem parte do cotidiano das empresas. A amizade,
segundo Grey e Sturdy (2007), está presente nas organizações e é importante, apesar
de não ser fundamental para a organização.
“A amizade no ambiente de trabalho é um relacionamento interpessoal único
que os funcionários desenvolvem e mantêm por opção, não por coerção, e os amigos
passam tempo juntos além do necessário para seu papel na organização” (Sias, 2005).
No ambiente empresarial, ao mesmo tempo que se é amigo, também se é colega de
trabalho, concorrente, superior etc. Por isso, a amizade no trabalho possui diferentes
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níveis de intensidade. Porém, para Grey e Sturdy (2007), amigos que, posteriormente,
se tornam colegas, ou gerente e subordinado, podem vir a ter suas amizades rompidas
pelas novas circunstâncias. A principal preocupação é com os favorecimentos e com
a difícil manutenção dos papéis.
À medida que as relações sociais entre os funcionários e seus superiores, subor-
dinados ou pares de trabalho vão crescendo e se transformando em laços afetivos de
amizade, esta pode caracterizar-se de duas formas, de acordo com Sias et al. (2004):
■ Voluntária: apesar de os indivíduos normalmente não escolherem com
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quem vão trabalhar, eles decidem quem serão seus amigos.


■ Personalizada: os indivíduos tratam os demais como pessoas, e não como
“posições de trabalho” (p. 322).

Para Yanger (2002), as amizades entre funcionários de mesmo nível hierárquico


tendem a ter menos conflitos do que as amizades entre funcionários de níveis diferentes,
como um funcionário e seu supervisor.
Para os funcionários, de acordo com Riordan e Griffeth (1995), que possuem
longas horas de trabalho e têm pouca oportunidade de desenvolver amizades fora
do ambiente de trabalho, a amizade no trabalho se torna importante para suas vidas.
Uma consequência significativa desse relacionamento é o fato de os funcionários
passarem tempo com seus amigos da empresa tanto na organização quanto fora do
ambiente de trabalho (Nielsen et al., 2000). Entretanto, alguns funcionários preferem
diferenciar os amigos do trabalho e os amigos que não são do trabalho (Ingram e
140 Zou, 2008).
Esses mesmos autores, a partir de pesquisas realizadas sobre as relações de
amizade no ambiente de trabalho, identificaram uma série de benefícios para a car-
reira e para o desempenho organizacional. Tais benefícios decorrem das qualidades
afetivas dessas relações, através dos mecanismos de confiança, empatia e compaixão.
De modo geral, os amigos na empresa podem fornecer apoio social, compreensão
e conselhos necessários para que se consiga lidar com o dia a dia do trabalho, uma
vez que um deles pode ter experimentado semelhante situação de estresse e tensão
(Riordan e Griffeth, 1995).
O apoio social é a relação amigável com os colegas e chefes, “serve como um
paliativo, minimizando os efeitos negativos” do trabalho, incluindo o estresse (Robbins,
2002, p. 442). Para Wagner III e Hollenbeck (2002), é a concessão ativa de solidariedade
e cuidado. Já para Stackman e Pinder (1999), o apoio social é visto como necessário
para alcançar sucesso, sobrevivência e satisfação no trabalho. De acordo com Lindorff
(2005), existem três tipos de apoio social, sendo eles:
Capítulo 6

■ Apoio emocional: caracteriza-se pelo afeto, respeito e aceitação.


■ Apoio de informação: envolve informação, conhecimento e aconselha-
mento.
■ Apoio material: diz respeito ao respaldo material para bens ou serviços.

Os funcionários, segundo estudos realizados por Nielsen et al. (2000), que


apresentaram maiores níveis de amizade no ambiente de trabalho eram aqueles que
estavam mais satisfeitos com os trabalhos. Os respondentes que possuem oportunidades

Amizade no local de trabalho


e predomínio de amizade no trabalho aparentam ser mais ligados emocionalmente às
suas organizações e menos propensos a abandonarem o emprego.
A qualidade da amizade no trabalho está diretamente relacionada à satisfação
profissional, segundo os resultados das pesquisas de Winstead et al. (1995). A ami-
zade pode influenciar diretamente no envolvimento no trabalho, na satisfação e no
comprometimento organizacional, e indiretamente na intenção de sair da empresa.
As oportunidades de amizade são associadas a um aumento na satisfação no trabalho,
um envolvimento no trabalho, um comprometimento com a organização e uma signi-
ficativa diminuição da rotatividade (Riordan e Griffeth, 1995). Conforme Bernstorff
(2007, p. 2), a satisfação profissional

[…] é um estado emocional prazeroso ou não conforme obtenção ou frus-


tração de valores implícitos ou explícitos com um julgamento consciente ou
inconsciente da relação trabalho-valor individual em um contexto físico e
social do trabalhador.

Uma boa indicação de satisfação no trabalho para Gini3 (apud Bernstorff, 2002) 141
é quando se tem um trabalho interessante, uma possibilidade de desenvolver as habili-
dades necessárias e conseguir visualizar os resultados do trabalho. Outro contexto em
que isso se identifica diz respeito ao local de trabalho em que “colegas sejam amigáveis,
confiáveis e dispostos a ajudar, o salário seja bom, se tenha segurança física no exer-
cício da profissão e em se manter com o emprego” (p. 2). Da mesma forma, conforme
Lacombe (2005), o grau de satisfação está vinculado às relações entre os funcionários,
à integração da equipe, aos sentimentos e emoções, entre outros fatores.
O clima organizacional é estabelecido a partir do nível de satisfação dos fun-
cionários (Lacombe, 2005). Para Sirota et al.4 (apud Araújo 2006), existem três fatores
preponderantes para um clima satisfatório:

3 GINI, A. My job, my self: work and the creation of the individual. New York: Routledge, 2001.
4 SIROTA, D.; MISCHKIND, L.A.; MELTZERI, M.I. The enthusiastic employee. Saddle River: Wharton
School of Publishing, 2005.
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■ Equidade: sentimento de justiça diante das atitudes dos supervisores em


relação aos funcionários, sendo essas atitudes em relação à remuneração,
às avaliações, entre outras.
■ Realização: sentimento de estar bem na organização, satisfeito com o que
o faz sentir-se respeitado pelos outros.
■ Companheirismo: apesar dos conflitos existentes nas organizações, as pes-
soas optam por uma relação amistosa “porque assim têm uma maior pos-
sibilidade de manutenção na posição” (p. 5).
Psicologia Aplicada à Administração

Colegas de trabalho que são amigos tendem a ter uma comunicação mais ínti-
ma e com mais assuntos do que aqueles que não são. Eles trocam informações mais
completas e precisas entre si. “Especificamente, os amigos empenham-se em uma
comunicação muito mais íntima e aberta entre eles do que com os conhecidos” (Sias,
2005, p. 380).
Uma característica relevante da amizade no trabalho é o aspecto de ser, ao
mesmo tempo, movida pelo afeto e pela instrumentalidade. Ou seja, é a combinação
da instrumentalidade e do afeto que acaba produzindo uma série de dificuldades para
os envolvidos nesse tipo de relacionamento.

O bem-estar de uma pessoa que mantém uma amizade no ambiente de


trabalho pode ser presumivelmente aumentado com qualquer benefício
instrumental que esse relacionamento traz e diminuído em função das
tensões interpostas pela combinação de afeto e instrumentalidade (Ingram
142 e Zou, 2008, p. 179).

Algumas normas das empresas são incompatíveis com a questão de recipro-


cidade da amizade. Por mais que a relação de amizade no ambiente de trabalho seja
intensamente afetiva, ela pode ter sido inicialmente motivada por uma preocupação
instrumental, como o lucro, a promoção, o desempenho e a carreira (Ingram e Zou,
2008). Já para Grey e Sturdy (2007), a instrumentalidade e a burocracia das organiza-
ções são incompatíveis com a lógica da amizade.
De acordo com Neuberger (1996) e Grey e Sturdy (2007), as relações no ambiente
de trabalho são instrumentalizadas e funcionalizadas. Portanto, elas não possuem uma
finalidade em si mesmas, mas representam uma forma de as organizações conseguirem
realizar as tarefas, com o intuito de ofertarem produtos e serviços. Essa racionalidade
instrumental, de acordo com Grey e Sturdy (2007), é vista como uma barreira para a
lógica espontânea da amizade.
A pesquisa realizada por Souza e Garcia (2008) revela que, na empresa estu-
dada, as relações sociais do ambiente de trabalho não são relações despretensiosas e
Capítulo 6

construídas ao acaso. As relações de amizade visam a disputa de poder e são estraté-


gias adotadas para a formação de grupos de apoio dentro da organização. “Assim, as
amizades são desenvolvidas com forte objetivo instrumental, para que um dos grupos
tenha posição de maior destaque na organização” (p. 247).
Já as pesquisas realizadas por Jehn e Shah (1997) relatam que a amizade no tra-
balho provoca uma mistura de resultados relacionados aos benefícios e aos problemas
no desempenho das atividades. A perda de uma amizade significa a perda de uma fonte
de apoio, além de poder gerar uma queda no volume ou no desempenho dos negócios

Amizade no local de trabalho


(Boyd e Taylor, 1998). Song e Olshfski (2008), por sua vez, afirmam que a maioria dos
estudos sobre amizade no ambiente de trabalho retrata o lado negativo, dizendo que
a amizade pode ser relacionada a nepotismo, favoritismo e intrigas.
Em relação aos principais motivos para a deterioração das amizades no am-
biente de trabalho, os estudos realizados por Sias et al. (2004) apontam os seguintes
aspectos: as personalidades dos envolvidos, as expectativas conflituosas, as promoções
e as traições. O vínculo emocional entre os amigos não ameniza a concorrência entre
eles para uma promoção (Ingram e Zou, 2008).

6.5. COMPREENDENDO A AMIZADE NO AMBIENTE DE TRABALHO – OS


RESULTADOS DE UM ESTUDO DE CASO
Em um local estressante de trabalho, os amigos podem fornecer apoio, com-
preensão e ajuda. A troca de experiência entre os envolvidos é uma rica ferramenta
para possibilitar a sobrevivência no trabalho e a aprendizagem de como lidar com
determinadas situações na empresa (Riordan e Griffeth, 1995). Dessa forma, segundo 143
Sias et al. (2004), perder um amigo no ambiente de trabalho significa deixar de ter
uma fonte de apoio e ajuda. O rompimento de um relacionamento de amizade, em
uma organização, pode ocorrer por vários motivos, entre eles: as personalidades dos
envolvidos no relacionamento, as expectativas conflituosas, as traições e as promoções.
As organizações, quando promovem seus funcionários, independentemente do
tipo de promoção, selecionam somente alguns para serem “premiados”. Essa diferen-
ciação, que pode ser feita através de vários parâmetros, como mérito ou até mesmo
afinidade, pode acabar afetando e interferindo no relacionamento dos indivíduos que
foram e que não foram promovidos.
Dessa forma, no caso a seguir apresentado, optou-se por explorar as promoções,
independentemente do seu tipo, como possíveis motivos para a mudança nos relacio-
namentos de amizade. Portanto, buscou-se compreender, a partir da percepção dos
sujeitos entrevistados, a influência da promoção profissional nas relações de amizade
entre as incidências investigadas.
Adriana Schujmann | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Foram examinadas seis incidências de amizade no trabalho, entre os meses de


junho e agosto de 2009. No total, as entrevistas foram feitas em quatro empresas de
grande porte e de ramos distintos localizadas em Porto Alegre.
A incidência se caracteriza por uma dupla de pessoas que trabalham na mes-
ma organização. São pessoas que trabalhavam juntas, sendo pares e se considerando
amigas, de maneira que, em algum momento, somente uma delas é promovida. A
pessoa que é promovida pode ocupar uma posição no mesmo departamento, em outro
departamento ou até mesmo vir a ser a chefe da outra.
Psicologia Aplicada à Administração

O contato inicial com as empresas foi feito através do setor de recursos huma-
nos, e foi este quem indicou os pares que foram entrevistados. Os referidos setores
identificaram funcionários ditos como próximos e que possuíam vínculo de amizade
antes da promoção, ressalvando-se que somente foram indicadas duplas cuja amizade
era reconhecida também pelos demais funcionários da empresa, não se tratando de
uma escolha aleatória por parte dos recursos humanos.
Todos os eventos de promoção que foram averiguados haviam acontecido
recentemente, de maneira que as lembranças vivenciadas pelos entrevistados fossem
recordadas mais facilmente. O Quadro 6.1 ilustra o perfil dos sujeitos investigados.

Quadro 6.1 Descrição detalhada dos sujeitos da pesquisa


Sexo Idade Tempo de Cargo Área de atuação
empresa
Masculino 31 10 anos Supervisor de Desenvolvimento de Recursos Recursos Humanos
Humanos
Feminino 33 6 anos Analista de Recursos Humanos Recursos Humanos
Feminino 33 4 anos Analista de Recursos Humanos Recursos Humanos
144 Feminino 28 3 anos Supervisora de Recursos Humanos Recursos Humanos
Feminino 37 8 anos Gerente de Relacionamento Gold Relacionamento Gold
Feminino 42 5 anos Gerente de Relacionamento Relacionamento
Masculino 26 2 anos Gerente de Atendimento Atendimento
Masculino 22 1 ano e meio Gerente de Novos Negócios Novos Negócios
Feminino 29 5 anos e meio Chefe de Recursos Humanos Recursos Humanos
Feminino 29 5 anos e meio Assessora Técnica de Recursos Humanos Recursos Humanos
Masculino 26 6 anos Analista de Sistemas Sênior Informática
Feminino 43 7 anos Analista de Sistemas Pleno Informática

Os resultados do estudo possibilitaram um maior entendimento e compreensão


das relações de amizade nas organizações, evidenciando algumas características de
como se configuram as relações interpessoais existentes nas empresas. O impasse está
no momento em que não existe um consenso sobre o que é um amigo do trabalho,
da mesma forma que existe uma dificuldade de definir as fronteiras existentes entre o
amigo de fora do trabalho, o amigo do local de trabalho e o colega de trabalho. Além
Capítulo 6

disso, tais limites se tornam ainda mais difusos pelo fato de os facilitadores para o
surgimento da amizade, bem como os elementos motivadores para o estabelecimento
e a manutenção dessa amizade, estarem vinculados às necessidades e às oportunidades
oriundas da organização.
Quando solicitados a caracterizarem o que seria uma amizade no ambiente
organizacional, a maioria relatou que, apesar de possuir uma afinidade com seu ami-
go de trabalho, prefere tratar de assuntos mais profissionais do que pessoais. Porém,
ao comparar um amigo com um colega de trabalho, a maioria descreve que é com o

Amizade no local de trabalho


amigo que eles possuem uma relação mais aberta e pessoal.
Então, a amizade no trabalho é pessoal ou não? Sim, desde que isso não venha a
interferir ou prejudicar o trabalho do sujeito. Conforme os relatos, quando os assuntos
pessoais são direcionados para questões de carreira, os entrevistados optam por não
abordarem esse tipo de assunto com seus amigos.
Analisando-se a fala de alguns entrevistados, compreende-se que a dificuldade
em caracterizar um amigo do trabalho pode decorrer também da resistência quanto
a possuírem relações de amizade na empresa. Outro aspecto relevante para essa difi-
culdade é o fato de que a maioria das relações de amizade só foram possíveis devido à
organização, além de que a maioria das funções atribuídas ao amigo têm cunho pro-
fissional. Nesse sentido, cita-se o próprio papel da conversa como uma possibilidade
de desabafo no local de trabalho, assim como a troca de experiências profissionais,
a ajuda em momentos delicados na empresa, o fazer o outro se sentir bem e a defesa
do amigo na organização.
Outro ponto que acirra a problemática da definição da relação de amizade
no trabalho diz respeito à dificuldade de gerenciar os diferentes papéis no ambiente 145
empresarial, conforme comentado por alguns sujeitos. Grande parte dos investigados
relata que o início da amizade se deu por questões relacionadas à empresa e que a
afinidade entre eles só veio a facilitar esse relacionamento.
Da mesma forma, a maioria defende que ser amigo de alguém no trabalho não
indica que essa pessoa não será vista como concorrente, ou seja, os interesses profis-
sionais estão acima da amizade, acrescendo-se a isso o fato de que, independentemente
da relação existente, um conflito com o amigo não deve atrapalhar o desempenho no
trabalho. Portanto, existe uma preocupação maior com as exigências da organização
do que com a amizade.
Do mesmo modo, um sujeito tem a preocupação de não ajudar somente o amigo,
pois o contexto empresarial não permite isso. Percebe-se, então, que a instrumentali-
dade da organização é o que rege a amizade no trabalho, sendo esta mais importante
que o afeto inerente às relações de amizade.
Adriana Schujmann | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Outro aspecto que pode dificultar a definição das relações interpessoais no


ambiente de trabalho é o fato de que, da mesma forma que um amigo pode perceber
o outro como concorrente, ele pode acabar tendo sentimentos ambivalentes pelo ami-
go, sentindo, ao mesmo tempo, felicidade e desconforto com as conquistas do amigo.
Esses sentimentos foram identificados por aqueles sujeitos pesquisados que não foram
promovidos e tinham interesse em uma promoção.
Lembre-se, ainda, que, para a maioria, os vínculos entre os amigos fora da
empresa são oriundos e proporcionados pela própria organização. Porém, observa-se
Psicologia Aplicada à Administração

uma peculiaridade com os sujeitos mais jovens. Estes relatam possuir um forte con-
vívio fora da organização com o amigo em situações não atreladas ao trabalho. Isso
pode ser compreendido quando estudados os diferentes momentos de vida, interesses
e percepções.
Observa-se, na fala do sujeito mais jovem e com pouco tempo de empresa, uma
diferença na compreensão dos relacionamentos no trabalho. Esse sujeito relata que a
amizade se estende “desde o gerente-geral, com quem eu me dou bem, acaba o expe-
diente ou até no expediente a gente brinca, a gente conversa, se dá bem, até a menina
do café, da limpeza, os seguranças”. Com o aumento da experiência profissional, do
estágio de carreira e da própria maturidade pessoal, percebe-se que o discurso dos
sujeitos é diferente, pois, conforme a fala de um desses, a amizade só é possível quan-
do se deixam de lado os aspectos da organização. Portanto, esses sujeitos identificam
uma maior dificuldade em manter uma relação de amizade no ambiente de trabalho
e relatam possuir poucos amigos.
Com relação ao impacto da promoção na relação de amizade no ambiente de
146 trabalho, os sujeitos relataram que a amizade entre eles permaneceu a mesma. Porém,
ao serem questionados quanto aos detalhes da amizade após a promoção, observa-se
que houve diversas mudanças. As alterações relatadas são referidas como mudanças
pequenas e insignificantes, pois eles alegam que o sentimento existente entre eles é o
mesmo. Entretanto, quando analisadas as diferenças, nota-se que estas estão fortemente
relacionadas às funções de amizade por eles indicadas, ou seja, a amizade fica mais
descaracterizada como tal e, muitas vezes, mais próxima de uma relação de colega.
A satisfação com o trabalho não está tão ligada ao fato de possuir ou não amigos
no local de trabalho. A maioria dos sujeitos alega que a satisfação é uma consequên-
cia de um local de trabalho onde existe o coleguismo e que se caracteriza por ser um
ambiente agradável de se trabalhar, havendo respeito e consideração entre a equipe.
Quando os funcionários se respeitam e se tratam de forma amigável, o ambiente de
trabalho se torna agradável.
Uma relação de amizade no ambiente de trabalho pode influenciar os resultados
dos envolvidos, mas não é algo considerado indispensável pelos investigados. Segundo
Capítulo 6

estes, os resultados devem ser obtidos independentemente de se possuir um amigo ou


não no local de trabalho. Porém, os casos de pessoas que trabalham juntas e não se
gostam podem gerar impactos negativos para o alcance dos resultados. De outro lado,
possuir amigos no local de trabalho pode ajudar em alguns momentos, facilitando a
resolução de alguns assuntos devido a uma maior liberdade existente entre os ami-
gos, gerando uma maior motivação diante do trabalho e até mesmo proporcionando
promoções, como foi o caso de uma das incidências.
Uma relação de amizade no ambiente de trabalho pode ser vista tanto como

Amizade no local de trabalho


uma oportunidade para os funcionários buscarem facilidades inerentes ao trabalho,
quanto como uma fonte potencial estratégica para as próprias empresas, caso estas
invistam na utilização das afinidades existentes entre os amigos com fins de alcançar
maiores resultados.

6.6. QUESTÕES SOBRE O CASO


1. Para você, é possível existir amizade no ambiente de trabalho?
2. Até que ponto ser amigo de alguém no ambiente de trabalho influenciará sua
tomada de decisão na empresa?
3. Para se ter satisfação no ambiente de trabalho, é necessário possuir amigos ou
apenas um local onde se tem coleguismo já é o suficiente?
4. Se você ocupasse um cargo de gestão, como lidaria com as relações de amizade
dos seus funcionários?

147
6.7. REVISÃO DOS CONCEITOS APRESENTADOS
A amizade é um tipo de relacionamento de destaque entre os indivíduos, que
ocorre de forma voluntária (Adams e Blieszner, 1994). Rybak e Mcandrew (2006)
afirmam que não existe uma unanimidade quanto ao conceito de amizade. Para estes
autores, somos amigos daqueles em que confiamos e de quem somos mais próximos.
Segundo Chan e Cheng (2004), a amizade corresponde a uma relação entre, no míni-
mo, duas pessoas ao longo de um período.
O ambiente de trabalho é um local que pode ocasionar o surgimento de novas
amizades. Além de passarmos boa parte do dia na empresa, muitas atividades exigem
interação e comunicação entre os funcionários, facilitando o início dos relacionamen-
tos afetivos. A proximidade no ambiente de trabalho, a frequência de comunicação,
os trabalhos e os objetivos em comum são fatores organizacionais que facilitam e
incentivam o surgimento de amizades (Jehn e Shah, 1997).
Adriana Schujmann | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Nem sempre a convivência na empresa, por si só, garante o surgimento de ami-


zades, pois, no ambiente de trabalho, existem vários obstáculos para a manutenção
dos vínculos de amizade. Entre os principais motivos de desgaste e rompimento das
amizades estão as personalidades dos envolvidos no relacionamento, as expectativas
conflituosas, as traições e as promoções (Sias et al., 2004).
Cabe salientar que as investigações sobre amizade, segundo Riordan e Griffetch
(1995), são necessárias para esclarecer o papel da relação de amizade no trabalho no
contexto organizacional e também para identificar as relações existentes entre amizade e
Psicologia Aplicada à Administração

eficácia organizacional. Uma maior exploração e pesquisa sobre as relações informais dentro
das organizações, tais como a amizade, pode ser produtiva para aumentar a compreensão
da dinâmica do comportamento organizacional, além de ser vantajosa para melhor se
entender o indivíduo no ambiente de trabalho e a própria organização como um todo.

6.8. QUESTÕES GERAIS


Após a leitura deste capítulo, tente responder às seguintes perguntas:
1. De modo geral, o que as pessoas buscam em seus relacionamentos?
2. De que forma o momento de vida dos envolvidos interfere em seus relaciona-
mentos?
3. Quais as principais mudanças que ocorrem nos relacionamentos em função do
tempo?
4. Por que é tão difícil definir uma relação de amizade?

148
5. Quais são as principais características de uma relação de amizade?
6. Qual a importância de se compreender as relações de amizade no ambiente de
trabalho?
7. Quais são os possíveis benefícios para a carreira e o desempenho organizacional
para aqueles funcionários que possuem amizade no ambiente de trabalho?
8. Por que a amizade no ambiente de trabalho é ao mesmo tempo movida pelo
afeto e pela instrumentalidade?

6.9. REFERÊNCIAS
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7
Geração Y:
o desafio na retenção de talentos

Natália Bertuol Maciel


Silvia Generali da Costa

Conceitos apresentados neste capítulo


Atualmente, tem-se acompanhado nos ambientes organizacional e acadêmico discussões
e estudos acerca das diferenças entre gerações, e em especial sobre o perfil da geração
Y. Seguindo esta tendência, o capítulo abordará os principais conteúdos relacionados
ao tema. São eles: as características das gerações que antecedem a geração Y (vetera-
nos, baby boomers e geração X); o perfil dos integrantes de cada geração; os valores
e os motivos de satisfação e permanência no trabalho para a geração Y; e a gestão de
talentos dos profissionais Y.

7.1. DIFERENTES GERAÇÕES, DIFERENTES VALORES

Geração: os indivíduos nascidos em uma mesma época.


(Rocha, 1996, p. 306)

Vivenciamos no meio organizacional a convivência entre profissionais de di-


ferentes gerações: veteranos, baby boomers, geração X e geração Y. Cada indivíduo
pode definir-se como pertencente a uma geração a partir de sua data de nascimento.1

1 Ressalta-se que existem divergências entre os autores em torno das datas que demarcam o início e o
¿m de cada geração.
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Veteranos Nascidos antes de 1946


Baby boomers Nascidos entre 1946 e 1964
Geração X Nascidos entre 1965 e 1980
Geração Y Nascidos depois de 1980
Fonte: Lafuente, 2009.

Observa-se a existência de valores, costumes e linguagens próprias de cada


faixa etária, cuja diversidade enseja desafios à gestão de pessoas, na medida em que
as empresas têm de aprender a lidar com expectativas profissionais e visões de mundo
Psicologia Aplicada à Administração

muitas vezes conflitantes. A forma de lidar com a própria carreira e as ambições dos
profissionais também são específicas de cada faixa etária, delineadas de acordo com
o contexto em que viveram seus integrantes, com as experiências que tiveram e com
a educação que receberam (Veloso, Dutra e Nakata, 2008).
Se desde os anos 1980 a gestão de pessoas busca conciliar os variados interesses
pessoais com os objetivos organizacionais, no início do século XXI, essa tentativa de con-
ciliação ganha ênfase com a acentuada ruptura de valores trazida pela geração mais recente.
Mas quem são os “profissionais Y”? Um e-mail, de autoria desconhecida, que
está circulando livremente na web nos dá algumas dicas sobre a resposta à questão
apresentada. É a “Oração do Y”. Leia e divirta-se.

Pai nosso que estais no céu, tem um tempo que venho pensando numas coisas e queria
te fazer umas perguntas, rola?
Qual é seu plano de desenvolvimento de carreira caso eu decida ir para aí?
Os anjos têm algum subsídio para treinamento, desenvolvimento etc. e tal?
154
Poderei visitar minha família na terra de vez em quando ou o trabalho é em tempo integral?
Não curto muito essa história de workaholic.
Tem mais, estou cansado de só eu falar, falar, falar e não ter um feedback direto do Senhor.
Esse lance de mandar um sinal é sutil demais pra mim. Por favor, seja claro:
Estou no caminho certo ou não? F-E-E-D-B-A-C-K. Hellooooo…
Aproveito a oportunidade para entender como consigo um mentoring com o Senhor, soube
que em outras épocas seu subordinado direto, J.C., chegou a ter até 12 coachees abaixo dele.
Acredito ter as habilidades que o Senhor procura em um mentorando…
Terei a possibilidade de ser expatriado e viver novas experiências?
Vocês têm filiais em algum outro lugar?
Falando em filiais, devo deixar claro que estudo outras propostas antes de aceitar a Sua.
Um concorrente Seu tem atraído muita gente. Dizem que o trabalho lá é pesado, mas
que pode ir com a roupa que quiser, não tem essa de ficar cantando em coro e rolam
umas festas da empresa… que pegam fogo!
Capítulo 7

Parece que o pacote de benefícios não é tão bom, mas lá eles permitem relacionamento
entre os colaboradores e posso usar a internet pra visitar o site que eu quiser.
Onde me vejo em cinco anos? Essa é fácil: no Seu lugar.
Sacrilégio? De forma alguma. O Senhor fez um ótimo trabalho, mas estamos em outros
tempos… eu trago renovação e umas ideias muito iradas!
Veja bem, eu tenho minhas ambições, meus objetivos e pretendo alcançá-los no tempo

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


que eu determinei. Não quero ficar igual à minha avó, que Lhe dedicou a vida inteira e o
Senhor nem pra dar uma folguinha pra ela nessa altura do campeonato!
Se quiser me encontrar, estou no Facebook, me procura no Google. Obrigado.
Amém.
Ah! Me follow no Twitter! E divulga para os amigos, hein!
Amém de novo.

Ao contrário das demais gerações, a geração Y é vista como não leal às empresas, pois
está sempre em busca de seu próprio bem e dá grande valor ao equilíbrio entre aspectos
da vida pessoal e profissional. “Os mais jovens não são leais a uma empresa, mas a um
conjunto de fatores que os fazem sentir-se bem, daí porque nunca deixam de buscar novas
oportunidades que contribuam para seu desenvolvimento pessoal” (Lafuente, 2009, p. 74).
A estimativa é de que 63% da geração Y deixará seus trabalhos nos próximos
dois anos, conforme afirma Amaral (2008) em estudo recente, apontando para a ne-
cessidade de um olhar estratégico acerca das organizações e equipes compostas por
membros da geração Y, além de revisar a forma como as carreiras estão planejadas, a
fim de torná-las mais atrativas para esses profissionais. 155
Essa nova geração, que está dando passos importantes no mercado de trabalho
e que em poucos anos representará a grande maioria dos profissionais, será a fonte
dos novos líderes das organizações nas próximas décadas. “Segundo um estudo do
Human Capital Forum, entre 50% e 75% dos executivos seniores norte-americanos,
no final de 2010, terão se aposentado” (Lafuente, 2009, p. 74). Com a aposentadoria
dos atuais líderes, pode-se supor que os componentes da geração Y estarão ansiosos
para assumir as posições em aberto.
Segundo Amaral (2008), a geração Y, no ano de 2008, já representava 20% da
população trabalhadora no Brasil. Já segundo Vargas (2009), no estado do Rio Grande
do Sul, em 2007, a geração Y já representava 29,27% da população de pessoas ocupadas,
ou seja, inseridas no mercado de trabalho (Vargas, 2009).
As empresas que não começarem a entender essa geração e não estiverem abertas às
mudanças necessárias, compatíveis com os valores apresentados, estarão em desvantagem
na captação de futuros talentos Y. É necessário entender o grupo de profissionais que
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se deseja atingir, do mesmo modo como as empresas têm de estudar seus clientes para
se posicionar de forma inovadora e com diferencial competitivo diante de seus concor-
rentes. Quanto maior o conhecimento sobre a parcela da população que é de interesse
da organização, maiores são as chances de sucesso em lidar com ela. O entendimento
quanto às expectativas, comportamentos e preferências do profissional Y quanto à sua
carreira eleva a qualidade e a compatibilidade no desenho de políticas e práticas de gestão
de pessoas, cada vez mais alinhadas às expectativas desses profissionais.
A esse respeito, Lombardía, Stein e Ramón Pin (2008, p. 1) afirmam:
Psicologia Aplicada à Administração

Só compreendendo o contexto em que seus membros [de cada geração]


cresceram, as tendências culturais às quais estiveram expostos e as mudan-
ças políticas e sociais por que passaram será possível compreender o que os
motiva e o que são capazes de oferecer.

Já é possível perceber que há características que tornam a geração Y significati-


vamente diferente das gerações anteriores. Para que se possa compreender o impacto
dessas diferenças, será feita uma retrospectiva das gerações que a antecederam.

7.2. GERAÇÕES QUE ANTECEDERAM A GERAÇÃO Y


As diferentes gerações são compostas não somente de um grupo de pessoas
nascidas na mesma época, mas de um grupo de pessoas que, além disso, têm caracte-
rísticas e valores muito semelhantes.
Você já se perguntou por que as pessoas de mesma geração possuem valores e
expectativas semelhantes?
156
De acordo com Oliveira (2009), as semelhanças existentes entre as pessoas nascidas
na mesma época são reflexo de vivência dos mesmos acontecimentos mundiais, os quais
acabaram influenciando sua vida e seu modo de pensar. A educação recebida dos pais
também influencia a visão de mundo. Geralmente, os pais educam seus filhos de modo a
evitar que passem pelas mesmas dificuldades enfrentadas por eles. A tendência a proteger
a prole faz parte da natureza humana. No caso dos pais da geração X, por exemplo, que
viveram dificuldades em se manterem no mercado de trabalho em determinados pe-
ríodos de suas vidas, a proteção significa preparar os filhos para garantir trabalho e renda.
Observa-se que tais características não são regras, mas, sim, tendências para
uma maioria de pessoas. Esses valores podem variar de intensidade de acordo com o
país de nascimento, com a classe social, com o padrão educacional recebido, uma vez
que essas variáveis fazem com que o indivíduo seja mais ou menos exposto a certos
acontecimentos do que os demais.
Capítulo 7

São três as gerações que antecederam a geração Y no mercado de trabalho


contemporâneo: os veteranos, os baby boomers e a geração X.
A primeira geração, chamada de veteranos, é formada pela população dos
nascidos antes do ano de 1946. Os veteranos tiveram sua identidade marcada pela
vivência em uma época de guerras, conflitos e crises financeiras. Em decorrência das
dificuldades de sobrevivência, da necessidade de organização e persistência, do cres-
cimento em um mundo militarizado, os veteranos desenvolveram atitudes voltadas à

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


disciplina e a valores conservadores. Para Robbins (2004, p. 17):

Veteranos são aqueles que cresceram influenciados pela Grande Depressão,


pela Segunda Guerra Mundial e pelo muro de Berlim e entraram para a força
de trabalho em meados dos anos 1950 e começo dos anos 1960 e acreditam
em trabalho árduo, no status quo e na figura da autoridade.

Em consequência das experiências que tiveram, os veteranos levaram para seus


ambientes de trabalho a observância às normas e aos padrões e o respeito à autoridade,
representados pela hierarquia.
Cabe ressaltar que os acontecimentos trazidos pela literatura como influencia-
dores na construção da identidade da geração dos veteranos, mesmo sendo aconte-
cimentos de repercussão internacional, afetaram de forma mais direta a população
norte-americana e europeia. Eventos como as guerras mundiais não foram tão dra-
máticos para a população brasileira e, possivelmente, não foram tão determinantes
para o delineamento do perfil da geração dos veteranos brasileiros.
A segunda geração, denominada de baby boomers, é representada pelas pessoas
nascidas entre os anos de 1946 e 1964. De acordo com Oliveira (2009), o nome “geração
157
baby boomers” está relacionado ao aumento surpreendente das taxas de natalidade em
todo o planeta, com o final da Segunda Guerra Mundial. Esta geração ainda conviveu
em meio a guerras, como a do Vietnã, e por isso trouxe, de forma semelhante à geração
anterior, o respeito à autoridade e à disciplina.
Contudo, os membros desta geração tiveram a oportunidade de acompanhar o
surgimento do movimento hippie e de outros movimentos de revolução, principalmente
nos meios musicais e artísticos, evidenciando sua insatisfação com a realidade em que es-
tavam vivendo. Como reflexo dos movimentos de lutas por ideais, possuem valores como
a busca pela realização e pelo sucesso pessoal, sendo leais às suas carreiras (Oliveira, 2009).
A terceira e última geração, que antecede à geração Y, é a geração X, formada
pela população nascida entre os anos de 1965 e 1980. Segundo Oliveira (2009), esta
geração iniciou o contato com o movimento da globalização e com a televisão. Jun-
tamente com a convivência com a televisão, seus integrantes foram expostos a uma
grande oferta e ao apelo a marcas de diversos produtos que viraram moda na época,
como, por exemplo, as calças Lee e os tênis Kichute.
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Oliveira (2009) refere que, nesse contexto de consumo, a população valorizava


ainda mais o dinheiro, o qual era visto como um indicador de desempenho profissional.
Paralelamente, esta geração passou a dar maior valor à família e ao relacionamento
do que as demais gerações que a antecederam, assim como diminuiu o grau de ênfase
na disciplina e na autoridade.
Segundo Robbins (2004, p. 18): “na busca pelo equilíbrio, os membros dessa
geração mostram-se menos dispostos a fazer sacrifícios pessoais pelos seus emprega-
dores do que as gerações anteriores”. Esta condição proposta por Robbins demonstra o
Psicologia Aplicada à Administração

surgimento de valores que iriam, mais adiante, influenciar de forma radical a geração
que ainda estava por vir, a geração Y.

7.3. A FORMAÇÃO DE VALORES


A partir da união de uma série de condutas sociais ou práticas que as pessoas
estimam, forma-se um conjunto de valores que representam os elementos que as
pessoas julgam ser o correto.

VALOR: 1 Qualidade do que tem força. 2 Valentia; coragem; esforço; mérito.


3 Preço. 4 Valia; estimação. 5 Importância (Rocha, 1996, p. 631).

Robbins (2004) afirma que é possível classificar os valores em duas abordagens –


valores terminais e valores instrumentais –, com base em um trabalho conhecido como
Levantamento de Valores, de Rokeach (1973), conforme apresentado no Quadro 7.1.
Os valores terminais formam um grupo composto por valores finais desejáveis,
158 os quais são formados pelas metas que uma pessoa gostaria de atingir durante a vida.
Já os valores instrumentais são compostos por um grupo de modos preferenciais de
comportamento ou pelos meios de atingir os valores terminais (Robbins, 2004).

Quadro 7.1 Valores terminais e valores instrumentais (Rokeach)


Valores terminais Valores instrumentais
Vida confortável (próspera) Ambição (dedicação ao trabalho, vontade)
Sentido de realização (principal contribuição) Capacidade (competência, eficácia)
Um mundo de paz (livre de guerras ou conflitos) Alegria (contentamento, disposição de espírito)
Um mundo de beleza (na natureza e nas artes) Limpeza (asseio, arrumação)
Igualdade (fraternidade, oportunidades iguais para todos) Coragem (defesa dos ideais)
Segurança familiar (cuidado com os entes queridos) Ser prestativo (trabalhar pelo bem-estar de todos)
Liberdade (independência, liberdade de escolhas) Honestidade (sinceridade, ser verdadeiro)
Felicidade (contentamento) Imaginação (ousadia, criatividade)
Harmonia interior (ausência de conflito interior) Lógica (coerência, racionalidade)
Prazer (uma vida agradável e confortável) Afetividade (carinho, ternura)
Salvação (salvaguarda, vida eterna) Obediência (ser respeitável, cumpridor dos deveres)
Reconhecimento social (respeito, admiração) Polidez (cortesia, boas maneiras)
Amizade verdadeira (forte companheirismo) Responsabilidade (compromisso, confiabilidade)

Fonte: Robbins (2004, p. 16).


Capítulo 7

Conhecer e analisar os valores de cada geração de profissionais pode ser o


diferencial competitivo de uma organização interessada em desenvolver uma gestão
estratégica de pessoas.

7.4. VALORES E SATISFAÇÃO NO TRABALHO: ELEMENTOS DE RETENÇÃO


DOS PROFISSIONAIS QUALIFICADOS

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


SATISFAÇÃO: 1 Ato de satisfazer ou de satisfazer-se. 2 Qualidade de ou
estado de satisfeito; prazer; contentamento. 3 Explicação; justificação;
desculpa (Rocha, 1996, p. 558).

Ao estudarmos o sistema de valores de um indivíduo, verificamos que seu


atendimento interfere na satisfação ou insatisfação em diversas áreas, inclusive a
profissional. Quando o trabalhador percebe conflitos entre seus valores pessoais e os
valores organizacionais, sua insatisfação será capaz de influenciar negativamente o
clima de toda a equipe. Ao contrário, quando o indivíduo tem seus valores pessoais
respeitados e compreendidos, sente-se satisfeito.
A respeito disso, Robbins (2004, p. 29) observa:

Por que é importante para o administrador conhecer os valores de uma


pessoa? Embora não tenham impacto direto sobre o comportamento, os
valores influenciam fortemente as atitudes dos indivíduos. Portanto, o
conhecimento do sistema de valores pode ajudar no entendimento de suas
atitudes. [...] o desempenho e a satisfação com o trabalho tendem a ser
maiores quando os valores do trabalhador coincidem com os da empresa.
159
Assim, acredita-se que um dos fatores-chave da retenção de talentos nas orga-
nizações seja o conhecimento e o respeito aos valores individuais. Garantindo a satis-
fação dos funcionários, as organizações terão trabalhadores engajados e dispostos a
“ir além”. Segundo Ulrich (1998), funcionários engajados – aqueles que acreditam que
são valiosos – dividem ideias, trabalham além do mínimo necessário e se relacionam
melhor com o cliente. Enfatizando a importância de se ter colaboradores satisfeitos e
engajados, o autor afirma que uma das funções da gestão de pessoas é assegurar que os
profissionais sintam-se comprometidos com a organização e contribuam plenamente.

7.5. O PERFIL DA GERAÇÃO Y: CARACTERÍSTICAS E VALORES


A geração Y ou “geração do milênio”, nascida após o ano de 1978, foi fortemente
influenciada por dois marcos do contexto mundial: a globalização e o desenvolvi-
mento da tecnologia, que geraram um ambiente organizacional de constante fluxo de
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informações e de crescimento sob os mais diversos aspectos (Tulgan, 2009). Segundo


Lipkin e Perrymoe (2009), o modo como esta nova geração se comunica tem mudado,
e a comunicação da mídia digital tornou-se a língua nativa dos Y.
Assim, desde muito cedo, as pessoas nascidas na geração Y convivem com a
tecnologia da informação e, sobretudo, com sua velocidade e seu constante aperfei-
çoamento. A prática da inovação e do desenvolvimento de equipamentos de vanguarda
tecnológica acostumou a geração ao novo e ao descarte de modelos que são substituídos
em pouco tempo por novas versões com recursos sempre mais inovadores. A grande
Psicologia Aplicada à Administração

intensidade de criação de novos produtos e de inovações tecnológicas enfatizou o


caráter de consumismo da geração Y, uma geração estimulada pela mídia e pela tec-
nologia, com muito mais intensidade do que a geração X.
No cenário da internet, da velocidade da informação, onde tudo é instantâneo,
desde as conversas virtuais em chats até o imediatismo das notícias, convive-se com
o senso de rapidez e de tudo “para agora”. Não se precisa mais esperar o jornal do dia
seguinte, pode-se ficar sabendo o que está acontecendo em qualquer lugar do mundo
por meio da internet.
Tal quadro alterou radicalmente os hábitos de estudo e de aquisição de co-
nhecimentos. A nova geração não tem o costume de folhear um livro nem mesmo
de pesquisar em uma biblioteca. Os jovens estudantes acessam a internet no mesmo
momento em que necessitam da informação e podem baixar uma versão digital do
livro que pesquisariam em uma biblioteca tradicional, além de encontrarem diversas
outras fontes de informação.
Esse ambiente rodeado por ferramentas instantâneas de comunicação influen-
160 ciou a nova geração, gerando impaciência e senso de imediatismo entre seus membros.
Hoje os jovens querem “tudo para ontem”. Possuem planos de curto prazo e prezam
por viver “o agora”. Assim, segundo Tulgan (2009), o que realmente preocupa a geração
Y são as oportunidades e recompensas no curto prazo.
Desde muito cedo, os pais da geração Y, pertencentes às gerações de baby
boomers e X, estimularam seus filhos matriculando-os nas melhores escolas, em
cursos de línguas, em atividades extracurriculares de artes, canto ou instrumentos
musicais e ainda em atividades esportivas como futebol, judô, dança ou tênis. Assim,
os membros desta geração foram acostumados a realizar uma grande diversidade
de atividades no dia a dia.
Essa característica marcada por multitarefa se estende para a rotina dos jovens
em suas casas, onde costumam escutar músicas em seus iPods enquanto assistem à
televisão, escrevem em seus blogs, mandam mensagens em seus celulares para uma
agenda eletrônica de contatos e conversam com diversos amigos ao mesmo tempo
em seus messengers e salas de bate-papo. Em virtude dessas experiências, costumam
Capítulo 7

não responder bem nas ocupações profissionais a atividades que exijam rotina e que
sejam repetitivas. Precisam ser constantemente desafiados com diferentes tarefas e, a
todo o momento, estimulados por diversas fontes.
Como cresceram em tempos prósperos da economia, os integrantes da geração
Y tendem a ser muito mais otimistas e propensos a arriscar e inovar. Contudo, esse
quadro teve algumas mudanças a partir do segundo semestre de 2008, quando os
jovens Y foram familiarizados com a primeira crise mundial de suas vidas. Contudo,

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


deve-se levar em consideração o fato de que essa crise afetou de forma mais intensa os
Estados Unidos e a Europa do que o Brasil. Cabe pensar se esse novo cenário de crise
trará mudanças nos valores e expectativas dos jovens da geração Y.

Desenvolver a carreira em um contexto de alta disputa por profissionais,


associado a uma série de mudanças socioculturais (como o fato de esses
jovens terem crescido conectados à internet, por exemplo), resultou em uma
geração para a qual as antigas regras de convivência corporativa já não
faziam sentido. Fidelidade à empresa? De jeito nenhum. Infiéis, impacientes
e até um tanto insubordinados, eles agora enfrentam a primeira fase de
reais desafios em sua carreira (Rocha, 2009, p. 52).

A geração Y é extremamente questionadora: questionam constantemente suas


carreiras profissionais e não estão dispostos a passar 30 anos na mesma organização.
Os Y viram seus pais se dedicarem intensamente a seus empregos e carreiras, deixan-
do em segundo plano o convívio com a família, para serem depois descartados pelos
empregadores quando já não atendiam às expectativas do mercado ou em virtude de
sucessivos processos de redução de quadro.
161
A geração Y questiona se os valores da organização condizem com seus valores
pessoais. Sobre esse aspecto, Smith (2009, p. 83) faz a seguinte afirmação: “[os profis-
sionais Y] Querem trabalhar para uma boa empresa, que, em sua visão, é aquela que
consegue o equilíbrio entre seus funcionários, sua comunidade e seu ambiente”. O
autor constata que os jovens aprenderam, observando os pais, o quanto lhes custou a
dedicação à empresa e o menor convívio com a família, por isso valorizam intensa-
mente o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
Segundo Oliveira (2009), dentre os equipamentos oriundos do desenvolvimento
tecnológico, como o computador, a televisão e o iPod, o videogame é o equipamento
que mais ocasionou reflexos na personalidade da geração Y. Desde pequenos, seus
integrantes passam horas em frente à televisão jogando jogos eletrônicos em seus
modernos videogames. Esses jogos são caracterizados por fases, onde, a cada fase, os
desafios a serem enfrentados são ainda maiores; e pelos placares, os quais contêm a
informação da pontuação atingida pelo jogador durante o jogo como resposta propor-
cional ao seu desempenho. O videogame tornou esta geração ainda mais competitiva e
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

focada em resultados. Como nos jogos eletrônicos, seus integrantes são direcionados
a fazer o maior placar de pontuação possível, atingindo sempre a fase mais avançada
e desafiadora, levando consigo para a vida profissional tais características. Em con-
trapartida ao alcance de metas e disposição em encarar desafios organizacionais, esta
geração também espera recompensas.
O novo contexto que a geração Y traz à atualidade, de ruptura de laços e ques-
tionamentos, também evidencia que seus integrantes apresentam dificuldade em
seguir normas e processos padronizados. Portanto, esta geração busca encontrar um
Psicologia Aplicada à Administração

ambiente flexível, tanto no que diz respeito à liberdade de pensamento, ao estímulo e


valorização da inovação e da criatividade, quanto ao que diz respeito aos horários e
locais de trabalho. Como ilustração, pode-se citar o caso da Google apresentado por
Lafuente (2009, p. 74):

Nos escritórios da Google, por exemplo, entre outras peculiaridades, há es-


paços abertos para a interação e lugares privados de trabalho, que são mon-
tados e desmontados com rapidez, por um sistema de painéis dobráveis. Os
funcionários trabalham em equipes e nos horários que melhor lhes convêm.

Outro reflexo da flexibilidade em combinação com o avanço tecnológico está


no grande aumento da prática do home office. Esta prática consiste em os profissio-
nais trabalharem à distância, não necessitando estar presente nos espaços físicos das
empresas para realizarem seus trabalhos. Os colaboradores podem trabalhar em suas
casas, podendo acessar a rede de suas empresas, possibilitando tanto a flexibilidade
de horário de trabalho quanto do local.
Contudo, a flexibilidade não é somente uma condição trazida pelos mais jovens,
162
mas uma necessidade das organizações. Segundo Saxenian (1996 apud Veloso, Dutra
e Nakata, 2008), a necessidade de flexibilidade se impõe às organizações para que elas
tenham condições de atuar em um ambiente altamente competitivo, de mercados
abertos de trabalho que permitam aos indivíduos e empresas experimentar e aprender
continuamente, recombinando conhecimento local, qualificações e tecnologia.
Outra característica dos membros da geração Y é a confiança que possuem
em si mesmos. Desde cedo esta geração tem sido guiada pelos pais tanto no âmbito
pessoal quanto no profissional. Os pais desses jovens têm atuado como direciona-
dores, criadores e até mesmo como coaches, exercendo um papel de superproteção.
Segundo Tulgan (2009), se por um lado as crianças crescem muito rápido atualmente
(costuma-se dizer que as crianças de 12 anos são as novas crianças de 19 anos), por
outro lado, elas parecem permanecer fortemente “amarradas” aos pais até mesmo
após os 20 anos de idade.
Capítulo 7

Segundo Lipkin e Perrymoe (2009), os pais dos membros da geração Y têm


tido uma forte presença nas decisões da vida (e trabalho) de seus filhos da geração Y.
Mesmo após a infância, os membros desta geração estão mais próximos dos pais que
qualquer outra geração e parecem respeitar fortemente a sua opinião. A proteção
que os pais deram aos filhos Y resultou em uma pobre habilidade em aprender com
os erros.
Os componentes da geração Y buscam uma experiência de trabalho que seja

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


condizente com o estilo de vida que eles estão construindo. Em virtude de terem sido,
desde muito cedo, superprotegidos e orientados pelos pais, eles nunca estarão satis-
feitos em trabalhar calma e obedientemente em um ambiente de alta competitividade
e tensão. Dessa forma, estão menos propensos a crer no sistema ou na organização
para fazer laços de longo prazo. Tulgan (2009, p. 10) descreve a necessidade da gestão
de expectativas quando se trata da geração Y:

Eles (membros da geração Y) possuem expectativas muito altas, primeira-


mente sobre eles mesmos, mas também por seus empregadores. E também
possuem as maiores expectativas pelo seu superior imediato. E neste ponto
estão mais propícios a discordar abertamente das missões, políticas e de-
cisões do empregador, condições de desafios do emprego e do sistema de
recompensas estabelecido pelo empregador. (tradução nossa)

Uma característica marcante da geração Y é a existência de expectativas de


resultados em curto prazo. Veem-se jovens almejando um rápido crescimento dentro
de suas carreiras nas organizações, pois querem ser reconhecidos rapidamente pelos
seus trabalhos. Nesse sentido, Oliveira (2009, p. 67) define a nova geração:
163
Fazer questionamentos constantemente, demonstrar ansiedade e impa-
ciência em quase todas as situações, desenvolver ideias e pensamentos
com superficialidade, buscar viver com intensidade cada experiência, ser
transitório e ambíguo em suas decisões e escolhas. São essas as principais
características atribuídas à Geração Y.

Levando-se em consideração o imediatismo típico desta geração, os emprega-


dores devem fornecer informações sobre o que a empresa tem a oferecer aos jovens
talentos hoje, amanhã, nos próximos meses e no primeiro ano. Poucas serão as chan-
ces de atrair a atenção e interesse destes jovens profissionais se a organização tratar
apenas de assuntos relacionados ao futuro, analisando circunstâncias e possibilidades
dos próximos 10, 20 ou 30 anos. Assim, os melhores projetos a serem delegados aos
jovens talentos são os projetos de curto prazo, em que eles poderão usufruir do alcan-
ce de metas e resultados mais palpáveis em um período de tempo que alimente suas
expectativas e os mantenham interessados nos seus desafios.
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Outro valor relevante para a geração Y é a autonomia nas atividades. Os jovens


desta geração, como citado anteriormente, desejam ser desafiados, mas também de-
sejam ter liberdade de ação e para fazerem suas escolhas sobre o modo de trabalhar.
Pode-se relacionar o desejo de autonomia à flexibilidade na utilização do tempo e na
determinação dos locais de trabalho, mas, mais do que isso, os jovens desta geração
desejam autonomia para tomar decisões e agir segundo suas próprias convicções.
Tulgan (2009, p. 134) relaciona o desejo de autonomia ao desejo de poder: “Para a
geração Y, o poder está relacionado ao controle dos recursos, ao exercício de status,
Psicologia Aplicada à Administração

à autoridade para tomar decisões e à autonomia para agir” (tradução nossa). O autor
faz uma ressalva quanto a esse desejo, salientando que esta geração deve ser preparada
para ter o poder e a autonomia que seus integrantes desejam, repassando-se a eles as
diretrizes e os parâmetros, de forma a definir claramente o que podem e o que não
podem fazer, pois, quanto mais estrutura for dada a essa geração, mais livremente
eles poderão agir.

7.6. RETENÇÃO DA GERAÇÃO Y: UM DESAFIO PARA AS ORGANIZAÇÕES


CONTEMPORÂNEAS
A retenção de talentos está relacionada às boas práticas de gestão em atendi-
mento às expectativas e valores pessoais dos profissionais. Segundo Tulgan (2009), os
gestores de colaboradores Y devem definir as expectativas a cada etapa do trabalho e
vincular recompensas concretas ao cumprimento dessas expectativas.
Gerir pessoas nunca foi um assunto tratado na administração como uma ati-
164 vidade fácil. Esta é uma relação em que são feitas negociações entre as necessidades e
expectativas das duas partes, empregado e empregador, na qual as duas partes devem
estar satisfeitas com as entregas feitas uma para a outra.
A retenção, além de ser uma ação estratégica para manter os talentos na organização,
reduz o custo de recrutar novos profissionais. Quando se perde um profissional, há diversas
perdas tangíveis e intangíveis: há o custo com a contratação de um substituto; a perda do
investimento feito em treinamento formal e acompanhamento; a perda das competências
desenvolvidas e do conhecimento adquirido dentro da organização; a necessidade de novo
investimento na capacitação e adaptação do profissional que vai substituí-lo.
Quando o caso é o da perda de um profissional que permaneceu na organiza-
ção por um curto período, o desperdício de investimentos com treinamentos é ainda
maior, pois o profissional não permaneceu na empresa tempo suficiente para trazer o
retorno do investimento realizado. Além desses aspectos, a saída de um profissional de
forma voluntária pode desestabilizar uma equipe e até mesmo os fluxos de trabalho.
Segundo Tulgan (2009, p. 4):
Capítulo 7

Dentre todas as gerações, a geração Y será a mais difícil de recrutar, reter,


motivar e gerir. Mas também será a geração com a mais alta performance
na história da força de trabalho para aqueles que souberem como geri-los
[os membros da geração Y] corretamente. (tradução nossa)

Evidencia-se, dessa forma, o novo grande desafio dos gestores e dos profissionais
de gestão de pessoas: reter, motivar e gerir esta nova geração. O aproveitamento eficaz
do grande potencial e da performance dos Y poderá contribuir significativamente para

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


o alcance de metas e para a prosperidade dos negócios. A partir da compreensão do
perfil destes jovens profissionais, as empresas poderão desenvolver políticas e práticas
de gestão de pessoas que evitem a perda dos talentos para a concorrência. Algumas
dessas políticas e práticas estão apresentadas a seguir.
Em primeiro lugar, o jovem Y dá grande valor à recompensa baseada no alcance
de metas e no reconhecimento do seu trabalho. Assim, é importante que a empresa
ofereça políticas de remuneração variável e metas de curto prazo, que respondem
melhor ao valor que a geração Y dá ao imediatismo.
Em segundo lugar, é clara a importância que esta nova geração dá às oportuni-
dades de desenvolvimento, realizado formal ou informalmente. Nesse sentido, o papel
do gestor imediato é de grande importância para este jovem perante seus desafios
profissionais. Ele terá um papel fundamental em exercer ações de desenvolvimento do
profissional da geração Y, como orientador e mestre, e será uma das grandes chaves
na retenção deste talento.
A alternativa encontrada por muitas empresas é a definição de um mentor ou
adviser para o profissional. Nesses casos, é definido um líder experiente que vai acom-
panhar e ser o tutor do jovem em sua trajetória profissional na empresa. O adviser 165
estará em contato com o membro da geração Y desde o primeiro dia de trabalho e
será responsável por delegar responsabilidades, orientar a carreira e disponibilizar
treinamento. Também será papel do adviser acompanhar o desempenho do jovem
profissional e avaliar com ele quais os aspectos técnicos e comportamentais que pre-
cisam ser desenvolvidos.
De acordo com Tulgan (2009), quanto mais tempo e intensidade for empre-
gada no amparo e apoio a este público, mais valor será obtido dos colaboradores da
geração Y.
Uma vez que o talento da geração Y possua um líder presente no dia a dia que
atue como seu orientador e lhe dê feedback constante, ele estará identificando no
trabalho uma grande oportunidade de desenvolvimento e reconhecimento. Nesse
sentido, relata o autor (Tulgan, 2009, p. 17): “Eles precisam que você (líder) os guie,
direcione e ofereça suporte a cada passo de seus caminhos. Em troca, eles terão a mais
alta performance da força de trabalho da história” (tradução nossa).
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

Em relação à prática do feedback como uma ferramenta de autodesenvolvimento,


Oliveira (2009) afirma que o feedback também está relacionado à oportunidade de
contato com profissionais experientes, de desenvolvimento, de aprendizado contínuo
e, principalmente, ao sentimento de a empresa estar “investindo” no seu crescimento.
Tulgan (2009) afirma que os membros da geração Y apreciam e respeitam os mais
velhos e experientes. Assim, esta geração tem desfrutado da criação de relações posi-
tivas com os mais velhos.
Os jovens desta geração dão grande valor aos desafios a eles delegados. Esse é um
Psicologia Aplicada à Administração

dos aspectos que merecem devida atenção por ser um dos pontos-chave na retenção
desses talentos. Nesse sentido, Oliveira (2009, p. 181) afirma:

A Geração Y é motivada por desafios que promovam o próprio crescimento.


Quando não identifica essa possibilidade, rapidamente se mobiliza na dire-
ção de outros desafios. As empresas estão notando isso quando veem que a
rotatividade de seus funcionários está crescendo de forma mais acentuada.
A simples troca de emprego já não está associada apenas a benefícios finan-
ceiros, e sim à “falta de desafios” coerentes para as expectativas dos jovens.

Ao comentar os resultados da pesquisa citada anteriormente, Tulgan (2009,


p. 29) afirma: “em nossa pesquisa, aprendemos que o significado do trabalho para
a geração Y pode mudar a qualquer momento, dependendo do que estiver aconte-
cendo em suas vidas” (tradução nossa). Na pesquisa realizada, o autor identifica oito
fatores que atraem os jovens que estão buscando no trabalho uma oportunidade de
crescimento, os quais buscam aprender, crescer e colher provas de suas capacidades
para agregar-lhes valor. De acordo com o autor, este grupo considera que, enquanto a
166 empresa permanecer dando suporte para seu autodesenvolvimento, eles trarão para
a empresa o melhor desempenho por mais tempo. A pesquisa aponta oito fatores de
autodesenvolvimento para a geração Y:
a) Performance baseada na compensação financeira: nesta situação, a geração Y
quer estar segura de que quanto mais e melhor trabalhar, melhor será recom-
pensada financeiramente, de forma diretamente proporcional ao valor por eles
agregado à empresa.
b) Agenda flexível: os membros da geração Y querem, à medida que vão alcançando
suas metas, ter maior controle sobre sua própria agenda.
c) Local flexível: buscam, à medida que vão alcançando suas metas, ter maior con-
trole sobre o local onde vão trabalhar.
d) Habilidades vendáveis: procuram oportunidades de treinamento formal e in-
formal e buscam a garantia de que estarão construindo habilidades e conheci-
mento tão rápido quanto podem se tornar obsoletos.
Capítulo 7

e) Acesso aos tomadores de decisões: querem construir relacionamento com im-


portantes líderes, gestores, clientes, consumidores, vendedores e trabalhadores.
f) Crédito pessoal pelos resultados alcançados: não querem trabalhar para que
outra pessoa pareça competente. Querem ter seus nomes associados aos resul-
tados tangíveis que eles produzam.
g) Área clara de responsabilidades: querem ter 100% de controle sobre alguma

Geração Y: o desafio na retenção de talentos


coisa, para que eles utilizem esta área de responsabilidade como um terreno
para provar-se.
h) Chance para expressão criativa: querem um retrato claro dos parâmetros que
delimitarão sua criatividade, podendo, assim, imaginar o terreno no qual terão
liberdade de fazer as coisas da sua própria maneira.

De acordo com as referências citadas, pode-se delinear o autodesenvolvimen-


to como um dos valores e expectativas que estes jovens trazem para o ambiente de
trabalho. A empresa, através de seus líderes e da área de gestão de pessoas, terá um
papel decisivo nesse aspecto.

7.7. QUESTÕES PARA REVISÃO DOS CONTEÚDOS


1. Por que as pessoas de uma mesma geração possuem características e valores
semelhantes?
2. Quais são as gerações que antecederam a geração Y? Quais são as principais
características de cada uma dessas gerações? 167
3. Quais são as principais características da geração Y e quais acontecimentos con-
tribuíram para o desenvolvimento dessas características?
4. Descreva por que é importante conhecer as características dos profissionais da
geração Y.
5. Quais as políticas e práticas que as organizações podem adotar para a retenção
dos talentos da geração Y?

7.8. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO EM GRUPO


1. Quais são os principais desafios das organizações perante as características da
geração Y?
2. Como você analisa as relações entre membros de diferentes gerações dentro de
um mesmo ambiente organizacional?
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER

7.9. REFERÊNCIAS
CHEESE, P.; THOMAS, R.J.; CRAIG, E. The talent powered organization: strategies for
globalization, talent management and high performance. London: Kogan Page, 2007.
LIPKIN, N.; PERRYMORE, A. Y in the workplace: Managing the “me first” generation.
USA: Career Press, 2009.
OLIVEIRA, S. Geração Y: era das conexões – tempo de relacionamentos. São Paulo: Clube
dos Autores, 2009.
Psicologia Aplicada à Administração

ROBBINS, S.P. Fundamentos do Comportamento Organizacional. 7. ed. São Paulo: Prentice


Hall, 2004.
TULGAN, B. Not everyone gets a trophy: how to manage generation Y. San Francisco:
Jossey-Bass, 2009.
ULRICH, D. A new mandate for Human Resources. Harvard Business Review, Boston:
Local, jan./fev. 1998.
VELOSO, E.F.; DUTRA, J.; NAKATA, L. Percepções sobre carreiras inteligentes: diferen-
ças entre as gerações Y, X, e baby boomers. Anais... XXXII Encontro da Anpad, Rio de
Janeiro, set. 2008.

168
8
Psicologia ambiental:
intervenção essencial para a
sustentabilidade na gestão
organizacional

Cleber J. C. Dutra
Sylvia Cavalcante

Conceitos apresentados neste capítulo


Este capítulo se destina à revisão de conceitos vinculados à psicologia ambiental,
apresentando-a como abordagem ainda em construção. Atendendo à proposta do livro,
o texto apresenta algumas abordagens que podem ser aplicadas à administração como
ferramentas de apoio à gestão. Para melhor entendimento dos conceitos, são exempli-
ficadas situações práticas em que se verifica a importância da aplicação dos conceitos
de psicologia ambiental na administração. Dessa forma, o capítulo oferece apoio para
gestores que, hoje, mais do que nunca, precisam implementar ações de sustentabilidade
em suas organizações.

8.1. A PSICOLOGIA AMBIENTAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA A GESTÃO


VOLTADA À SUSTENTABILIDADE
Cinema, TV, notícias na Internet, entrevistas e várias outras situações do dia a
dia recordam que o planeta está passando por um momento crítico, em que o destino
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

da vida humana no globo parece ameaçado. Muito se fala sobre mudanças climáti-
cas, esgotamento de recursos e outras questões ligadas à sustentabilidade. Quando
se pensa que a maior parte dos desequilíbrios vistos são resultado da ação humana,
associados à poluição das indústrias e do lixo e contaminações geradas pelo consumo
da sociedade, as empresas parecem ser, direta ou indiretamente, a causa principal dos
danos. Da mesma forma, imaginar que, se todas as empresas do mundo resolvessem
seus problemas de contaminação e degradação ambiental, a maioria dos problemas
que vimos desapareceria, faz com que o mundo empresarial seja o foco das atenções
Psicologia Aplicada à Administração

no debate da sustentabilidade.
Como fazer, porém, para mudar os padrões de comportamento, para que as
ações humanas sejam mais sustentáveis? Essa é uma das questões que ocupa a área
do conhecimento da psicologia ambiental. Ao entender que a gestão empresarial
tem o poder de influenciar o modo de agir das pessoas que trabalham ou consomem
produtos das empresas, percebe-se o papel importante dos gestores. O mesmo se dá
ao considerar-se o poder das organizações públicas, capazes de mudar regras ou in-
fluenciar comportamentos via educação e cultura.
Portanto, gestores (como administradores dinâmicos) podem fazer muito nesta
questão, seja em indústrias, governo ou em associações comunitárias, contribuindo
para elevar o padrão de sustentabilidade das ações humanas. Administradores preci-
sam, porém, de ferramentas para agir, e é neste ponto que a psicologia ambiental ganha
valor de destaque na capacitação de gestores. É através de condições que esses líderes
organizacionais podem estabelecer, para mudar comportamentos menos sustentáveis,
que o rumo do debate pode mudar para melhor.
170

8.2. ABORDAGENS DA PSICOLOGIA AMBIENTAL


O gestor que buscar publicações sobre as abordagens da psicologia ambiental
terá dificuldades em encontrar obras tratando do assunto. Ainda há diálogos na
academia nacional sobre as definições desta área do conhecimento. Alguns poucos
artigos esclarecem esta fase de estabelecimento das abordagens no Brasil, indicando
algumas alternativas de evolução das abordagens (Dutra e Costa, 2009; Moser, 2005).
Tendo em vista o momento de urgência comentado no início deste capítulo,
adota-se para a elaboração do conteúdo que segue uma posição mais pragmática. Se
é preciso oferecer aos administradores uma leitura de apoio para suas ações na área,
a escolha que se faz é pelo acesso à ampla literatura internacional que seja sustentada
por critérios de rigor científico. Dessa forma, as seções que seguem trazem conteúdos
de textos publicados em revistas científicas sobre assuntos da psicologia ambiental.
Capítulo 8

Para que o entendimento do tema seja facilitado, são destacadas as questões

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


mais relevantes das fontes originais, extraindo-se delas os conceitos que sejam de
compreensão mais imediata e que tenham maior facilidade de aplicação. O tema deve
despertar interesse em leituras mais aprofundadas e, caso haja interesse em estudos
mais detalhados, são indicadas referências de apoio ao longo do texto e ao fim do
capítulo. Devem-se abrir portas para aqueles que querem “salvar o planeta”.

8.2.1. Tópicos mais relevantes no tema


Como uma área do conhecimento que ainda está “em construção”, a psicologia
ambiental reúne contribuições de abordagens bem variadas, focalizadas no comporta-
mento e em suas relações com as questões ambientais. Também se destaca o interesse
pelas possíveis influências do comportamento sobre aspectos ligados à sustentabilidade,
como alvo final dos estudos na área.
Dessa forma, diferentes correntes de estudos da psicologia trazem suas contri-
buições para o tema, assim como oferecem suas propostas de como ajudar no alcance
do alvo desejado, que é o comportamento sustentável ou ambientalmente adequado.
Algumas dessas vertentes são apresentadas resumidamente mais adiante. Há, porém,
tópicos que são abordados mais frequentemente em diferentes fontes, indicando que
alguns dos assuntos devam ser mais relevantes para o entendimento.
Um desses tópicos é o da resistência, atribuída ao indivíduo confrontado em
seus hábitos regulares, quando se espera dele uma mudança comportamental em favor
de benefícios ambientais. Se essa resistência existe, qual é sua origem e quais seriam
os possíveis meios de superá-la, para que se alcancem padrões mais sustentáveis de 171
comportamento? Ações promovidas por administradores em organizações podem
ser sujeitas a fracasso, caso aspectos relativos a essa questão sejam desconsiderados.
Assim, alguns autores vêm discutindo a resistência como tema em organizações,
em busca de abordagens que ajudem a evitá-la ou, no caso de sua ocorrência, como
superar sua influência (Kotter, 1995; Agócs, 1997; Dent e Goldberg, 1999; Coghlan,
1993; O’Toole, 1996).
Uma perspectiva que se contrapõe a esse entendimento é a de que a forma de
liderar as ações nas organizações é o fator decisivo ao se iniciar uma mudança. Nessa
visão, a liderança passa a ocupar lugar de destaque nas discussões. Interesses dos
integrantes da organização, assim como seus valores, tornam-se o foco das atenções
para essas abordagens, tendo em vista que as mudanças que atendem às aspirações
das pessoas envolvidas não devem originar “resistências”. É o que se observa em casos
colecionados em anos de estudos empresariais por James O’Toole (1996), publicados
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

no Brasil sob o título Liderando mudanças (O’Toole, 1997). Dentre os casos vistos no
livro, há exemplos de ações organizacionais para fins ambientais.
Aliadas a essa perspectiva mais positiva da questão, abordagens que se apoiem na
motivação dos envolvidos parecem corresponder a melhores resultados nos estudos de
fatores psicológicos que favorecem ações para a sustentabilidade. Ter indivíduos mais en-
gajados nas ações, sejam elas voluntárias ou propostas pela gestão, aumenta as chances de
durabilidade dessas ações — contribuindo para o que se espera de padrões mais sustentá-
veis de comportamento — e é o que se observa em estudos na área (Clary & Snyder, 1999;
Psicologia Aplicada à Administração

Werner & Makela, 1998). Assim, ações que atendam aos valores e aos próprios interesses
dos envolvidos, como entende O’Toole, podem manter a motivação destes por mais tempo.
O entendimento dos aspectos psicológicos que favorecem ações ambientais
por esta linha cresce em relevância (e em consistência), se forem consideradas outras
fontes de estudos que focalizam a questão da satisfação de indivíduos atuando em
questões ambientais. Se há um conjunto de motivos que levem alguém a se sentir sa-
tisfeito com a própria participação em ações para a sustentabilidade, o que De Young
(2000) denomina de “satisfação intrínseca”, estes devem fortalecer o engajamento e
a durabilidade do envolvimento nas ações. Dentre esses fatores, deve-se considerar
a competência como um componente que influi na satisfação. É o que explicam os
estudos de Csikszentmihalyi, comentado neste livro (Capítulo 3), sobre estados de
satisfação elevada de pessoas em diversos tipos de atividade. No livro Gestão quali-
ficada, Csikszentmihalyi (2004) esclarece a relação que existe entre gradações para
“Desafios × Habilidades” na atuação de indivíduos (com ênfase em organizações) para
atingir-se o estado chamado de “flow”. Portanto, contribuições de variadas fontes para
172 abordagens da psicologia ambiental indicam possibilidades favorecedoras, na forma
de gerir ações, para alcançar comportamentos mais sustentáveis.
Certamente, a atuação de gestores para implementar ações em favor da susten-
tabilidade encontrará diversos tipos de obstáculos, conforme sintetizado em alguns
estudos (Dutra, 2010), desde (i) aspectos econômicos e políticos, com vinculações
institucionais, como os ganhos de governos e organizações com o consumismo e
forças de mercado, até (ii) fatores individuais, como a inércia dos hábitos, interesses
egoísticos, sensação de impotência, aversão a sacrifícios e apatia causada por mensa-
gens catastróficas. Por isso, perspectivas positivas podem auxiliar na construção de
propostas que superem esses obstáculos.

8.2.2. Resumo das abordagens mais reconhecidas


Nem todas as contribuições como as citadas nos tópicos se enquadram, exa-
tamente, em algumas das abordagens mais destacadas nas publicações em revistas
Capítulo 8

científicas da área da psicologia ambiental, embora sirvam de orientação válida para

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


a gestão. Para conhecimento dessas correntes mais estabelecidas da área, porém, seria
necessário um estudo ampliado das fontes que foram estudadas para a elaboração deste
capítulo. Como o intuito do capítulo é informar o leitor sobre que apoios podem ser
encontrados neste ramo da psicologia, para aplicá-los na administração, apresenta-se
a seguir um breve relato sobre essas abordagens.
■ Abordagens educacionais — considerando as influências marcantes que o
ensino pode trazer na definição do comportamento, vários estudos se dedi-
cam à investigação dos suportes que a psicologia pode oferecer à educação,
de modo a contribuir para padrões mais sustentáveis de comportamento.
Dentro deste campo, reúnem-se estudos para todos os níveis de educa-
ção formal, assim como publicações voltadas à capacitação de indivídu-
os atuando em organizações. Programas de educação ambiental atraem a
atenção desta corrente, analisando-se, por exemplo: o repasse de informa-
ções relevantes, o emprego de motivações específicas, o desenvolvimento
de habilidades comportamentais etc.; aspectos que levem à capacitação de
indivíduos para agirem de modo ambientalmente mais correto (Kollmuss
e Angyeman, 2002; Oskamp, 2002).
■ Abordagem política — pesquisas científicas vêm sendo financiadas por go-
vernos interessados em receber apoio da psicologia para a formulação de
programas que visem a elevação dos padrões de sustentabilidade do com-
portamento da população do país. Este é um resultado prático, avançado
na atualidade, dentro do que é esperado por estudiosos desta corrente, que
visa influenciar programas nacionais e internacionais através de lideran- 173
ças e representantes governamentais (Kurz, 2002; Howard, 2000; Oskamp,
2000a; 2000b).
■ Abordagem cultural — esta corrente é aliada à anterior, quando se dedica a
explorar as raízes culturais de comportamentos de indivíduos em uma so-
ciedade ou população, visando explicar padrões comportamentais prejudi-
ciais para o ambiente. São analisadas tendências materialistas, consumistas
etc. de uma cultura, para avaliar os impactos de tais padrões nos danos e
riscos causados (Howard, 2000).
■ Abordagens de “Foco orientado para Problemas” — estudiosos desta linha
optam pela estratégia de agregar conhecimentos e mobilizações por pers-
pectivas interdisciplinares, definindo um foco de elevada atração para
o entendimento. “Problemas” atraem a atenção e o interesse, e muitas
ações são originadas a partir de situações problemáticas. Assim, partindo
de aspectos problemáticos atuais, como ameaças ambientais ao planeta,
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

são analisadas as possíveis direções, pela ótica da psicologia, para onde


os esforços devem alcançar maior impacto. Esta corrente, talvez por esta
visão mais estratégica da atuação da psicologia, é a que apresenta maior
volume de publicações nas revistas científicas. Dentre suas contribui-
ções, sugerem-se vantagens táticas para programas pró-sustentabilidade
que objetivem “agir em organizações” — causadoras de maior impacto e
danos ambientais —, por serem, em termos de alcance de resultados efe-
tivos, melhores alvos que “indivíduos” (Oskamp, 2002; Oskamp, 2000a;
Psicologia Aplicada à Administração

2000b; Stern, 2000).


■ Abordagens racional-econômicas — estudos desta corrente têm afinidades
tanto com a anterior quanto com a abordagem política, considerando o
poder de influência de medidas econômicas sobre o comportamento. A
aplicação de taxações verdes, incentivos financeiros e outros aspectos eco-
nômicos, conforme se conhece na história da legislação ambiental de al-
guns países, vem promovendo mudanças relevantes no comportamento de
empresas e consumidores, elevando os padrões de sustentabilidade dessas
sociedades.
■ Abordagens neoanalíticas — apoiados em conceitos da escola freudiana,
estudiosos desta linha buscam aplicar entendimentos das razões que orien-
tam os comportamentos humanos, como motivações e defesas, dirigidos
inconscientemente por instintos, para analisar ações que impliquem danos
ambientais. Segundo estas análises, as pessoas racionalizam seus compor-
tamentos insustentáveis, utilizando-se de justificativas para consumismo,
174 ou utilizam de negação ou deslocamento para afastar a ansiedade causada
por notícias alarmantes sobre danos socioambientais. Como forma de pro-
mover melhorias, adeptos desta corrente (como integrantes da linha eco-
psicologia) alertam para as necessidades de conexão do ser humano com
as fontes naturais da vida. São propostas terapias e processos de reequilí-
brio emocional dos indivíduos através da conscientização e ativação dos
sentimentos de ligação com aspectos ambientais de suas vidas.
■ Abordagens behavioristas — Apesar de os estudos desta linha se apoiarem
no suporte empírico do behaviorismo, suas abordagens não se limitam a
examinar estímulos. Aliada à perspectiva da gestão do controle de estímu-
los, que avalia mudanças nos estímulos que precedem comportamentos,
a base dos estudos prevê a gestão da contingência, que propõe mudanças
nos reforços que sucedem os comportamentos (Dwyer et al., 1993). Al-
guns de seus princípios são vistos em outras linhas, como nas abordagens
Capítulo 8

racional-econômicas, quando se observa que o uso de recompensas e pena-

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


lidades pode gerar efeitos na mudança de comportamentos.
■ Abordagens sociopsicológicas — esta corrente enfatiza a base social de com-
portamentos e crenças relevantes, considerando que as pessoas se guiam
pelas ações exercidas por outras pessoas do contexto em que se encontram,
influenciando a definição do que sejam “ações mais apropriadas”, inclusive
para o aspecto ambiental. Dessa forma, os estudos desta linha analisam
como indivíduos passam a orientar as mudanças de seus comportamentos,
fazendo o que “outros fazem” e permitindo-se influenciar pelo comporta-
mento dos outros (Cialdini et al., 1991).
■ Abordagens cognitivas — o poder da informação sobre os comportamentos
é estudado nesta corrente pela perspectiva da percepção do indivíduo e
como este a compreende através de suas habilidades cognitivas. Campa-
nhas informativas em favor das questões da sustentabilidade são atividades
centrais para as mudanças comportamentais na visão dos estudiosos desta
abordagem. Segundo sua ótica, as percepções e pensamentos das pessoas
sobre questões ambientais, ao serem alterados pelas informações, passam
a influenciar novas formas de estas se comportarem.

Estudos de cada uma dessas correntes indicam seus potenciais para promover
mudanças comportamentais para padrões mais sustentáveis, apontando, não poucas
vezes, as limitações das outras abordagens. Assim como se observa que o efeito de
campanhas informativas é reduzido em inúmeras situações, também se verifica que os
resultados de ações apoiadas em penalidades nem sempre são duradouros, principal- 175
mente quando não há um controle efetivo do comportamento das pessoas ou quando
uma norma punitiva é abolida em um contexto. Por essa razão, algumas publicações
mais consistentes destacam a importância de se aliar abordagens em programas am-
bientais, integrando contribuições de diferentes correntes.
Uma das obras que exemplifica a importância dessa agregação de conceitos é o
livro Mentes que mudam, de Howard Gardner (2005), em que o autor apresenta pro-
postas valiosas para processos de mudança comportamental, aplicáveis na psicologia
ambiental. Sendo um dos representantes da corrente de estudos cognitivos da psico-
logia, Gardner discute questões estratégicas para mudar ideias (e, com isso, condutas),
entre elas um conjunto de fatores relevantes para esta mudança. Dentre o grupo de
sete fatores abordados em sua análise, encontram-se, por exemplo, recompensas e
ressonância. Enquanto o primeiro indica afinidade com abordagens behavioristas e
reconhece sua importância para a mudança, a ressonância revela o valor da interação
social nas relações onde se promovem mudanças, se aproximando dos conceitos socio-
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

psicológicos. Gardner também trata da resistência como um dos sete fatores, indicando
que “obstáculos” devem ser reconhecidos na prática das iniciativas. Entretanto, todos
os outros seis fatores são apontados como favorecedores da mudança, enfatizando
perspectivas positivas para a orientação do processo de mudar comportamentos. Este
aspecto apoia a análise das publicações feita no início desta seção e traz mais um crédito
para a escolha deste enfoque na gestão das mudanças em favor da sustentabilidade.

8.3. MODELOS COMO FERRAMENTAS PARA ESTUDOS E PARA A GESTÃO


Psicologia Aplicada à Administração

A atuação de administradores nos processos de mudança em organizações


merece atenção especial na elaboração e na implementação de programas ambientais,
conforme comentado no início deste capítulo. A prática desses processos de gestão, no
entanto, não é simples. Resultados insatisfatórios de tais iniciativas podem ser vincu-
lados à resistência, como citado antes, mas esta não deve ser vista como única razão.
A complexidade da tarefa de gerir essas mudanças estaria sendo negligenciada por
esta ótica, estando os gestores que adotassem esta lógica sujeitos ao risco de ignorar
alternativas mais competentes para conduzir o processo.
Negligências ou compreensões limitadas como esta ocorreram na trajetória dos
estudos sobre mecanismos que expliquem comportamentos nas questões ambientais,
como será indicado a seguir. E é a partir do entendimento mais completo que se tem
hoje dessa complexidade que se sugere aos gestores tomar conhecimento de ferramen-
tas que lhes ajudem no planejamento e no gerenciamento de programas e projetos
voltados a ampliar níveis de sustentabilidade nas organizações onde venham a atuar.
176 Modelos que representem a lógica da ocorrência ou mudança de comportamentos
podem servir à finalidade de ajudar na gestão. A partir deles pode-se alcançar um
entendimento mais completo das situações e acontecimentos ligados ao processo de
implementação e, assim, ter-se melhores bases para tomadas de decisão que visem
melhorar os programas.
Embora ainda não existam modelos plenamente reconhecidos como capazes
de abranger toda a complexidade dos fenômenos relativos ao processo de mudança
de comportamentos voltados à sustentabilidade, há propostas que podem atender
às principais funções da gestão de programas na área. Utilizando essas ferramentas,
administradores interessados em obter resultados mais satisfatórios em iniciativas
ambientais em suas organizações ampliarão suas chances de serem bem-sucedidos
em suas ações. Esta seção se propõe a comentar alguns aspectos mais relevantes dos
modelos que têm sido mais aplicados atualmente, apontando vantagens e limitações
e indicando uma dessas propostas, a ser detalhada na seção seguinte.
Capítulo 8

De acordo com estudos sobre o desenvolvimento de modelos que expliquem

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


como o comportamento humano se processa, o entendimento inicial dos especialistas
no assunto era de que havia uma linha direta de influência entre alguns elementos.
Apesar de essa visão “linear” do processo comportamental ainda influenciar certas
iniciativas ambientalistas hoje em dia, o que se verificou ao longo dos anos foi uma
complexificação crescente dos modelos (Dutra, 2010). Segundo essa visão inicial,
novas “informações” levavam a novas “atitudes” a respeito da questão ambiental, de-
terminando novos “comportamentos” ambientalmente mais corretos. É o princípio
que se identifica, ainda hoje, em campanhas voltadas à conscientização sobre danos
causados pela ação humana sobre o ambiente, com baixa efetividade no alcance de
mudanças comportamentais.
A aplicação de propostas mais efetivas de gestão deve combinar o uso de abor-
dagens que auxiliem na compreensão das questões associadas ao comportamento com
o emprego de modelos que facilitem a operacionalização de ações. Por essa razão, este
capítulo apresentou, inicialmente, uma breve explanação sobre as abordagens, como
suporte para entendimento das feições dos modelos. A evolução dos modelos, obvia-
mente, se dá em decorrência dos avanços nas abordagens, demonstrando que estes
precisam ser aperfeiçoados.
Nesse sentido, a evolução do modelo “linear” de entendimento do compor-
tamento ocorreu em função de melhorias nas abordagens acerca dos fatores que
influenciam as ações. Dos avanços sobre o entendimento limitado da influência das
atitudes sobre o comportamento foi desenvolvido um dos modelos mais empregados
em estudos organizacionais atualmente, que é o da teoria do comportamento planejado
(TCP) (Ajzen, 1985; 1991). 177
Segundo esta proposta, há uma contribuição importante para o comportamento,
adicional à atitude, por parte da intenção de se realizar uma ação. Esta intenção passa
a ser o principal determinante da ação, influenciada pela atitude (positiva ou negativa
em relação àquela ação), mas também por uma noção de norma que se tenha a respeito
do ato a realizar, assim como da percepção do controle que o indivíduo tenha sobre
essa ação. De acordo com a TCP, as atitudes são, por sua vez, determinadas pela força
das crenças a respeito das consequências do comportamento e de avaliações dessas
consequências. Como aperfeiçoamento ainda, a TCP considera os valores da pessoa
como fatores que pesam no resultado das avaliações.
Conforme se observa, o resultado dos aperfeiçoamentos feitos alterou de forma
complexa a proposta inicial de visão linear do processo de ocorrência do comporta-
mento. Os possíveis elementos de influência sobre a realização de uma ação se multi-
plicaram e passaram a ter relações entre si. A ideia original de que as atitudes fossem
influenciadas pelas informações foi substituída por uma rede de relações que resulta
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

não mais no “comportamento”, mas na “intenção de” realizar este comportamento. Ao


passo que esta “intenção” ainda recebe influências de mais outros dois elementos, e não
apenas das atitudes. Com isso, a TCP vem sendo empregada em diversas pesquisas,
em diferentes tipos de organizações, desde empresas até bairros de cidades onde se
avalia, por exemplo, o comportamento dos moradores na forma de lidar com o lixo
produzido em suas casas.
Embora não sejam encontradas publicações de língua inglesa esclarecendo
um modelo proposto por Fietkau e Kessel (1981) para compreensão de campos de
Psicologia Aplicada à Administração

influência no processo de conscientização ambiental, esta proposta vem sendo am-


plamente aplicada em programas empresariais e educacionais na Alemanha, graças a
seu poder de facilitar o entendimento do comportamento ambientalmente apropriado
(Rambow, 1998). Os campos de influência sugeridos por Fietkau e Kessel indicam
aspectos psicológicos importantes, comentados antes em diferentes abordagens
citadas neste capítulo, que contribuem para favorecer a adoção de comportamentos
mais sustentáveis. A forma clara de exposição dessas fontes de influência ajuda ges-
tores de programas tanto no processo de planejamento de um programa ambiental
quanto no acompanhamento das ações de sua implementação. As vantagens de
seu uso, comparadas com a TCP, para iniciativas em administração, justificam sua
escolha como oferta de ferramenta de apoio para gestores neste capítulo e, por isso,
ela será detalhada na próxima seção.
A tradição do emprego da TCP, como em inúmeros estudos no Reino Unido,
se deve às facilidades de aplicação de questionários para conhecer as intenções de
ação das pessoas que sejam selecionadas em uma amostra de estudos comporta-
178 mentais. Entretanto, a TCP vem recebendo críticas por limitar-se à determinação da
“intenção” das pessoas agirem, enquanto indivíduos nem sempre “agem” conforme
“declaram” (Tudor, 2006; Tudor; Barr; Gilg, 2007). Tais questões são discutidas
por psicólogos eminentes no campo empresarial, como Chris Argyris, quando
esclarecem a diferença entre “teoria esposada” e “teoria em uso” (Argyris, 2001;
Argyris e Schön, 1978; 1996). Além disso, a TCP, apesar de simples, é pouco clara
e negligencia aspectos que são esclarecidos por alguns dos campos da proposta
de Fietkau e Kessel.
Além do detalhamento sobre os campos propostos por Fietkau e Kessel, a
próxima seção traz exemplos de situações práticas em que o entendimento dos
conceitos desses autores se torna mais fácil. Outras vantagens do modelo são
apresentados também, como a capacidade de integrar contribuições de diferentes
correntes da psicologia ambiental. Como a intenção deste capítulo é apoiar ad-
ministradores em suas iniciativas, entende-se que a escolha feita atende melhor
ao propósito desejado.
Capítulo 8

8.4. APLICAÇÃO DO DIAGRAMA DE FIETKAU & KESSEL NA GESTÃO

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


No fim da década de 1970, Fietkau e Kessel conduziram múltiplos estudos na
Alemanha, identificando que, apesar de elevado conhecimento sobre diversas questões
ambientais, pessoas em diferentes setores da sociedade alemã não expressavam de
forma correspondente esse conhecimento em seus comportamentos. Ou seja, a prática
das ações mostrava um distanciamento na aplicação, em iniciativas a favor das questões
ambientais, daquilo que se sabia sobre essas questões. As revelações dos estudos de
Fietkau e Kessel trouxeram novas visões para “o que torna possível o exercício de um
comportamento sustentável”, além da simples “transmissão da informação relevante”
sobre aspectos ambientais, como já ocorria no sistema de Educação do país. Com isso,
mudanças nas políticas e diversos programas voltados para melhorias dos padrões de
sustentabilidade da Alemanha elevaram o grau de efetividade das propostas na Legis-
lação e outras iniciativas públicas e empresariais. Regiões industrializadas do país são,
hoje, das mais “verdes” do planeta, atendendo a vários requisitos do que se espera de
“regiões sustentáveis”. Este é um exemplo prático da aplicação dos conhecimentos da
psicologia ambiental na gestão e seus resultados benéficos.
Dessa forma, a aplicação dos conceitos propostos por Fietkau e Kessel por ad-
ministradores em suas organizações, mesmo no Brasil, também pode trazer resultados
satisfatórios. Apesar das diferenças culturais que existem entre os países, os estudos
da psicologia oferecem conhecimentos que se referem ao comportamento humano,
havendo bases científicas para aplicá-los em qualquer região do mundo onde pessoas
exerçam suas ações. Para isso, as contribuições da psicologia aplicada à administração
têm seu valor para gestores interessados em melhorar os resultados almejados por
suas organizações. 179

Nos parágrafos que seguem são esclarecidos os conceitos dos campos propostos
por Fietkau e Kessel, facilitados pela apresentação do diagrama que esquematiza a
proposta dos autores. Cada um dos campos é, então, avaliado em maior detalhe, em
seções específicas, com comentários e exemplos que ajudem a estabelecer a compre-
ensão da proposta.

8.4.1. O diagrama e seus campos


Os estudos de Fietkau e Kessel (1981) revelaram a existência de cinco campos
de influências capazes de interferir na realização de comportamentos, cada um destes
campos estando associado, de alguma forma, a conceitos da psicologia. À medida
que os campos forem comentados adiante, será possível recordar princípios que são
mencionados na seção sobre as abordagens da psicologia ambiental. O diagrama,
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

com seus cinco campos capazes de influenciar um comportamento ambientalmente


relevante, é representado na Figura 8.1.

Figura 8.1 Representação esquemática do modelo de Fietkau e Kessel,


incorporando elucidações pertinentes aos seus princípios (Fietkau e Kessel, 1981).
Psicologia Aplicada à Administração

Os campos representados na Figura 8.1, além de suas relações diretas de influ-


ência sobre o comportamento, conforme representadas pelas setas, também exibem
relações entre si, como se explica nos esclarecimentos sobre cada um deles, a seguir.
■ O campo do conhecimento – incluindo as informações e seus processos de
transmissão, indica o efeito de relações formais e informais, como ativi-
180 dades educacionais, sociais, culturais, da pessoa, envolvendo o estabeleci-
mento de conceitos próprios, através da interação constante com o próxi-
mo campo, que influencia os conteúdos deste.
■ O campo dos valores e concepções – é onde se estabelecem e fortalecem as
definições de visões, crenças, atitudes, capazes de influenciar, por sua vez,
mais diretamente as decisões de efetuar determinado comportamento, em
dependência de seu maior ou menor grau de prevalência sobre os outros
três campos restantes.
■ O campo das oportunidades – representa parte considerável dos fatores
externos relativos às condições físicas, temporais, organizacionais e con-
textuais, sem as quais um comportamento não pode ser exercido. Dentre
essas condições, vários recursos tangíveis e intangíveis podem ser consi-
derados como fatores que, existindo (ou não) ou estando disponíveis (ou
não) para a pessoa, determinam a existência de uma oportunidade (ou
não) para que ela exerça o comportamento em questão.
Capítulo 8

■ O campo dos estímulos – indica tanto os incentivos positivos quanto os

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


negativos capazes de exercer forte influência nas tomadas de decisão como
fatores externos, em parte complementares aos itens contextuais mencio-
nados no campo anterior.
■ O campo das consequências – tem suas importantes influências considera-
das em três perspectivas: no efeito das expectativas da pessoa pelos resul-
tados esperados da ação sobre sua tomada de decisão; no efeito das con-
sequências diretas obtidas com os resultados do comportamento exercido;
e no efeito dessas consequências sobre o campo dos valores e concepções.

Nessa forma simplificada de representação, é possível compreender-se mais


diretamente como a promoção de cada um desses campos, por parte da gestão, pode
favorecer a realização de determinado comportamento. Esse aspecto de “providenciar”
os conteúdos de cada campo é representado na Figura 8.1 pelas setas externas em
cada um dos cinco campos. Para melhor esclarecimento das intervenções da gestão
em cada um desses campos, apresentam-se nas seções seguintes alguns comentários
e exemplos de situações práticas.

8.4.2. A gestão atuando no campo do conhecimento


Embora pareça óbvio que sem “saber o que fazer” é impossível alguém exercer
um comportamento que se espera dentro de um contexto onde se sabe o que é para
ser feito, muitas situações práticas indicam que a gestão negligencia a importância da
informação relevante. Assim, administradores esperam que colaboradores realizem 181
certas ações, sem se questionarem se esses colaboradores estão devidamente capacita-
dos para a execução. O mesmo ocorre na realização de programas na área ambiental.
A informação relevante sobre o que fazer em determinada situação pode ser um
fator determinante para que uma pessoa realize uma ação ambientalmente correta.
Ao “saber” que a água é um recurso escasso em determinadas regiões e que o custo
para seu tratamento para o abastecimento é elevado, uma pessoa pode agir com mais
cuidado para não desperdiçá-la. Em regiões do mundo onde este conhecimento faz
parte da cultura local, as pessoas utilizam a água com o devido zelo, para preservá-la.
Campanhas e treinamentos para esclarecer sobre o valor dos recursos, como
água e energia, são fundamentais para os bons resultados de projetos ambientais.
Da mesma forma, capacitar pessoas para lidar de modo competente com diferentes
situações associadas a esses recursos é condição essencial para possibilitar que elas
atuem adequadamente para utilizar esses recursos da forma mais sustentável possível.
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

No quadro adiante são comentados alguns aspectos para os quais os gestores


devem dar atenção, tomando como exemplo a elaboração e a gestão de um programa
de coleta seletiva, especificamente quanto aos cuidados ligados ao campo do conhe-
cimento. Para facilitar a coerência do exemplo e o entendimento mais completo da
aplicação do diagrama, o mesmo tipo de programa será utilizado para as discussões
dos próximos campos. Espera-se, com essa proposta, também oferecer aos gestores
de diferentes tipos de organização um caso que seja comum para todos os gêneros de
situação organizacional, desde empresas a comunidades sociais. Além disso, este pode
Psicologia Aplicada à Administração

ser um bom exemplo de programa para ser exercitado quanto ao uso do diagrama,
permitindo que os administradores interessados na temática possam começar com
alguma iniciativa prática.

Exemplo de situação deste campo: “informações” em um programa de coleta seletiva


O uso adequado do campo do conhecimento em um programa de coleta seletiva permite
ao gestor se ocupar com diversos aspectos tanto do planejamento quanto do gerencia-
mento do programa. Se as pessoas “devem saber” quais cores serão correspondentes a que
tipo de resíduo, isso “deverá ser informado” de várias formas, para que se assegure que
o conhecimento sobre “que tipo de resíduo” deverá ir para “que recipiente colorido” faça
parte da cultura dos usuários. Assim, se é esperado que “resíduos plásticos” devam ser
armazenados em “recipientes vermelhos”, não deve haver dúvida, por parte dos usuários,
sobre onde colocar uma garrafa plástica, para que ela não seja encontrada, mais tarde, em
um recipiente “amarelo”, onde deveriam estar somente resíduos de “papel”, por exemplo.
Certamente não faltará estágio avançado de conhecimento sobre diferentes aspectos do
Programa, exigindo sempre novas formas de comunicação, treinamento, reuniões infor-
182 mativas, manuais e outros tipos de texto esclarecedor. Saber os problemas que a mistura
de resíduos diferentes traz para a reciclagem dos materiais coletados, por exemplo, indica
um nível mais avançado de conhecimento do que apenas saber “a cor do recipiente a que
corresponde um tipo de resíduo”.

8.4.3. A gestão atuando no campo dos valores e concepções


O campo dos valores e concepções é o mais complexo para as considerações
da gestão, tendo em vista o conjunto de elementos psicológicos que ele abrange:
entendimentos, visões, crenças, atitudes e os próprios valores, é claro. Além disso,
as interações constantes entre este campo e o do conhecimento indicam o quanto as
concepções a respeito de várias questões ambientais de uma pessoa devem se alterar,
à medida que novas informações sobre aquelas questões lhe são constantemente
oferecidas por diversos meios de comunicação formais e informais. Suas concepções
interferem, obviamente, em suas visões de mundo, suas crenças e, em graus variados,
Capítulo 8

suas atitudes. Assim, toda essa dinâmica de influências internas neste campo responde

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


por uma correspondente complexidade na sua constituição.
A gestão deste campo demanda, portanto, atenção cuidadosa. O exemplo que
um gestor dê, demonstrando suas atitudes quanto a uma questão ambiental, pode
influenciar de modo marcante as atitudes daqueles com quem ele atua, sem necessa-
riamente depender da transmissão verbal de uma informação. Muitos colaboradores
em uma organização se orientam, nas suas formas de agir, mais pelo modo de atuar de
seus líderes do que pelas instruções que estejam descritas em um texto sobre procedi-
mentos. Uma área de estudos da administração se dedica a entender a aprendizagem
em organizações, constituindo apenas uma parte dos aspectos cognitivos a serem
considerados neste campo do diagrama.
Um dos exemplos complexos de que o conhecimento exerce efeito limitado
sobre as ações das pessoas, por estar possivelmente em oposição com suas crenças ou
valores, é o caso de profissionais da saúde que fumam. Não se deve esperar que esses
profissionais “não tenham conhecimento” dos danos que os cigarros trazem à sua saúde;
entretanto, apesar desse saber, eles não alteram seu comportamento como fumantes.
Valores organizacionais são uma fonte relevante de influências para determinar
a cultura daqueles que integram, por exemplo, uma empresa, sendo estes definidos
não apenas por declarações escritas em sua política, mas principalmente pelos valo-
res demonstrados nas ações diárias daqueles que a lideram. Tais valores da cultura
desse grupo social interferem nas atitudes de seus integrantes, influenciando também
seus comportamentos. Portanto, as atenções de um gestor empenhado em planejar e
implementar programas para a sustentabilidade em organizações devem abranger e
examinar a coerência e a consistência de todo o conjunto de elementos deste campo 183
do diagrama, de modo a ser auxiliado pela dinâmica de suas interações e não, ao revés,
ter as ações de sua proposta constrangidas pela força de suas oposições.
Alguns desses aspectos complexos são comentados no exemplo do programa de
coleta seletiva, destacados no quadro que se segue. Questões específicas dos valores e
das crenças foram utilizadas para exemplificar os conceitos comentados nesta seção.

Exemplo de situação deste campo: “Valores e crenças” em um programa de coleta seletiva


Analisando a atuação da gestão neste campo, há situações em que fica evidente a influência
de valores e crenças no alcance de bons resultados, não bastando a simples informação. É
o que pode ser observado em programas de coleta seletiva, quando, apesar de todas as
informações sobre que tipos de resíduos devem ser destinados a que cores de recipientes,
um colaborador vê seu superior colocando um resíduo de um tipo em um recipiente de cor
“errada”. A partir desse instante, este colaborador passa a perder a “crença” na seriedade do
programa. Se “valores” indicam “aquilo que é importante”, a atitude do superior indica para
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

o colaborador que a proposta do programa “não é importante”, ou seja, que os conceitos


da proposta não correspondem aos valores deste superior.
Dessa forma, se os responsáveis pela gestão do programa, no grupo dos quais estão todos
os representantes da administração da organização, não adotam os “valores” que são
transmitidos como conhecimento a ser aplicado pelos usuários do programa, estes usuários,
mais cedo ou mais tarde, podem perder a “crença” na ideia. Assim, as atitudes de todos os
representantes da administração devem ser coerentes com os valores que o programa se
Psicologia Aplicada à Administração

propõe a instituir junto aos integrantes da organização.

8.4.4. A gestão atuando no campo das oportunidades


As atenções da Gestão, ao utilizar os conceitos deste campo, devem se concentrar
em avaliar as condições necessárias para que o comportamento esperado se efetue. Ou
seja, se não são criadas as oportunidades necessárias para o comportamento se realizar,
dificilmente alguém vai praticar as ações que se esperam de um programa. Por outro
lado, se condições são criadas no início de um programa, mas não são mantidas du-
rante sua implementação, as ações previstas para serem realizadas pelo programa serão
descontinuadas ou reduzidas, impedindo que os resultados propostos sejam atingidos.
A utilização de meios de transporte público é um caso claro dos princípios deste
campo. Há campanhas ambientalistas incentivando as pessoas a usarem ônibus para ir
ao trabalho. Porém, pouco se avaliam as condições oferecidas aos usuários. Se alguém,
para ir ao trabalho, precisa caminhar 10 minutos até um ponto de ônibus, esperar 20
minutos por ele para entrar em um veículo lotado, sem ar condicionado em regiões
184 quentes, para um trajeto de 40 minutos, em pé, até chegar ao ponto mais próximo do
trabalho, talvez esta pessoa pense em alternativas. Nesse caso, para quem pode utilizar
um carro próprio, ainda que velho e em más condições, mas que reduza este trajeto
para 20 minutos, esta alternativa parece mais atraente. Carros em más condições são
fontes de emissões e contaminação. Se metade dos usuários de ônibus desse trajeto
possuir carros próprios em condições ruins e decidir reduzir seu sacrifício de se sub-
meter às dificuldades citadas, haverá um aumento evidente na poluição ocasionada por
essa escolha. A pergunta que se faz, nesta análise, é “que oportunidades foram dadas a
esses usuários, para eles exercerem o comportamento ambientalmente desejável que
se divulga nas campanhas pelo transporte público?”.
Por isso, a criação de oportunidades para a realização de um comportamento
envolve não só a oferta das condições necessárias, mas das condições que permitam ao
usuário (ou a pessoa que deverá realizar a ação esperada) agir “sem se sentir penalizado”
por isso. As condições devem ser tais que não gerem “incômodo” para quem realiza o
comportamento esperado. Nesse sentido, a gestão deve avaliar mais detalhadamente
Capítulo 8

que tipo de recursos devem ser disponibilizados para criar e manter essas condições.

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


Tais recursos podem ser vistos como tangíveis e intangíveis. Muitas vezes, o “trans-
porte adequado para o trabalho” pode requerer um conjunto de recursos mais ou
menos tangíveis, desde o veículo com assento confortável e ambiente climatizado até
o ambiente agradável (limpo, de boa aparência, com lotação não excessiva, conduzido
de modo agradável, frequentado por pessoas simpáticas etc.) para quem vai utilizá-lo.
Cabe à gestão avaliar esses aspectos importantes das condições.
Especificamente no ambiente organizacional, há inúmeros tipos de recursos que
definem as condições necessárias para que um comportamento possa ser realizado. É
comum a gestão oferecer condições físicas para a realização de ações de um programa
e, não raras vezes, negligenciar os recursos menos tangíveis. Assim como na questão
do transporte, se as pessoas se “sentirem mal” para realizar aquela ação esperada pelo
programa, deve-se esperar resultados menos satisfatórios com o programa. Dessa
forma, há gestores que propõem tarefas a serem realizadas no programa, mas não
permitem aos colaboradores “tempo” para executá-la; ou lhe atribuem novas fun-
ções, sem a devida autoridade para exercê-las; ou nomeiam alguém para liderar uma
campanha e não definem os poderes que este líder deve ter para realizar as ações da
campanha. Todos esses recursos menos tangíveis são fundamentais para o sucesso de
um programa. Por essa razão, o campo das oportunidades exige atenção especial dos
gestores em ações voltadas à sustentabilidade.
No quadro a seguir, apresentam-se comentários relativos às questões deste
campo, dirigidos para o programa de coleta seletiva, conforme o exemplo escolhido
para o capítulo.
185
Exemplo de situação deste campo: “Oportunidades” em um programa de coleta seletiva
As atenções da gestão com o campo das oportunidades em programas de coleta seletiva
devem, portanto, se orientar para o estabelecimento das condições necessárias para que
as ações do programa possam ser realizadas. Se os participantes estão informados sobre o
que fazer, dão valor à proposta, acreditam que o programa merece seus esforços, mas não
há sistema de recipientes coloridos, por exemplo, disponíveis para receber os resíduos, as
ações do programa não podem ocorrer. Ou, por outro lado, se os participantes precisarem
despender muito esforço para chegar até o local onde devem armazenar os resíduos de tipos
diferentes, entende-se que as condições não são as mais favoráveis para que se alcancem bons
resultados. Tudo deve ser planejado (e realizado) de forma que as atividades previstas para
serem feitas pelos participantes possam ser realizadas nas melhores condições possíveis.
Com isso, um acompanhamento constante, por parte dos gestores, deve ser feito, para
que as condições apropriadas sejam mantidas, ou ajustadas para melhor, em função dos
desdobramentos do programa. Com a evolução das ações, ou com possíveis alterações nas
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

atividades da organização, é provável que o sistema de coleta tenha de ser aperfeiçoado


ou modificado. Assim, a revisão das condições é essencial para que se garantam resultados
satisfatórios permanentemente.

8.4.5. A gestão atuando no campo dos estímulos


A gestão dos aspectos relacionados ao campo dos estímulos pode ser coordenada
para, pelo menos, duas vertentes principais. Uma pelo lado dos incentivos positivos que
Psicologia Aplicada à Administração

se planejam para o programa, outra pelas medidas previstas como formas de controle
restritivo das ações contrárias aos propósitos do programa. Embora a perspectiva de
punição dos participantes que não realizam o que é esperado pareça contrária à pro-
posta de criação de uma nova consciência a favor da sustentabilidade, entendem os
especialistas da área que a falta de um controle das ações que prejudiquem os propósitos
do programa pode levar não só à falta de mobilização das pessoas desinteressadas na
proposta como à desmotivação daqueles que, inicialmente, se engajam no programa.
Esse estado concorrerá, então, para o descrédito da proposta. Assim, tanto os estí-
mulos positivos para o engajamento no programa quanto medidas de controle para
desestimular ações contrárias à proposta são essenciais para o sucesso do programa.
Dentre os incentivos positivos para elevar a motivação e o engajamento com a
proposta, organizações variadas utilizam desde compensações monetárias (ou eco-
nômicas) para indivíduos ou grupos que alcançam resultados para o programa, até
premiações diversas que prestigiem quem realizou ações da proposta. A oferta de
vantagens de diversos tipos para estimular a realização das ações se inclui nesse gru-
186 po de medidas organizacionais. No sentido inverso, medidas que reduzam vantagens
ou penalizem economicamente aqueles que atuem de forma contrária aos objetivos
do programa têm sido empregadas em várias iniciativas. Leis que punem crimes
ambientais (como na Legislação brasileira), multas para empresas que poluem, taxas
para cargas de contaminantes emitidos, campanhas boicotando a compra de produtos
de empresas que agem em prejuízo de questões socioambientais, divulgação de casos
de contaminação causados por pessoas ou grupos (garimpo ou desmatamento ilegal,
descontrolado, como exemplos nacionais), entre outras medidas, ilustram este conceito.
Considerando que os sistemas educacionais em vários países empregam con-
ceitos apoiados em perspectivas behavioristas, estimulando bons resultados e pena-
lizando atitudes que sejam contrárias à aprendizagem — ainda que esta orientação
venha sendo substituída por abordagens mais evoluídas —, muitas pessoas percebem
esta forma de influência nos comportamentos como comum e culturalmente aceitável.
Independentemente da simpatia que se tenha ou não por esta abordagem, a prática da
gestão demonstra que seu uso favorece o alcance de resultados. Portanto, admite-se
Capítulo 8

que estes mecanismos de influência sejam relevantes para o planejamento e gerencia-

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


mento dos programas.
O quadro adiante ilustra possibilidades de aplicação para a gestão deste campo
do diagrama. Algumas das relações complexas entre os campos são indicadas nos
comentários, mostrando que, apesar da visão mais simples da gestão deste campo,
os gestores devem buscar um entendimento mais amplo de todos os conceitos do
diagrama.

Exemplo de situação deste campo: “Estímulos” em um programa de coleta seletiva


Ao utilizar medidas como estímulos em um programa de coleta seletiva, a gestão deve con-
siderar que formas de incentivo são mais apropriadas para promover motivações a favor
da proposta, assim como algumas normas que definam modos de desestimular ações que
prejudiquem o alcance dos resultados esperados. Se o que se espera é que, por exemplo,
departamentos da organização recolham todos os resíduos tipificados no programa de
forma selecionada, sem mistura de resíduos incorretos nos recipientes designados para a
coleta, a medição do percentual de mistura (por volume ou peso) pode ser uma base para
regulamentar tanto premiações quanto penalidades. Assim, concursos entre departamen-
tos podem oferecer prêmios para os primeiros colocados, motivando-os a manterem seus
bons resultados. Se a forma de divulgação das colocações incluir todos os departamentos,
aqueles com os piores resultados podem ver neste mecanismo uma forma de penalidade
para o alcance insatisfatório da separação de seus resíduos.
A atitude das lideranças da organização e do programa representa fator relevante nesses
mecanismos de premiação e penalidade, tendo em vista seu peso nas relações sociais da
organização. Se um departamento recebe um prêmio diretamente do presidente da orga-
187
nização, isso se reflete fortemente na motivação de seus integrantes. Se um superior, pelo
contrário, vê algum colaborador depositando um resíduo em um recipiente incorreto e não
comenta nada, isso pode representar, para o colaborador que vê essa atitude indiferente
do superior, que as normas do programa não são importantes para a organização, não
atribuindo valor a elas.

8.4.6. A gestão atuando no campo das consequências


Conforme se percebe no quadro de exemplo do campo anterior, as relações entre
os campos, ainda que não completamente explicitadas no diagrama, devem merecer
atenção destacada dos gestores. O campo das consequências demonstra essas relações
de forma mais evidente, e este aspecto será esclarecido a seguir. Após comentarem-se
suas influências sobre o comportamento, serão discutidas suas relações com o campo
dos valores e concepções, de acordo com o que indica a seta entre esses campos na
Figura 8.1, que representa o diagrama.
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

As influências do campo das consequências, indicadas na Seção 8.4.1 como liga-


das a três perspectivas principais, teriam efeito direto sobre o comportamento para as
duas primeiras, enquanto seu efeito seria indireto na terceira perspectiva. A primeira
influência que se indica é aquela em que, por “esperar” determinado resultado, alguém
realiza uma ação, desejando obter aquele resultado, ou deixa de realizá-la, para evitar
que ele ocorra como consequência da ação. Dessa forma, entende-se que o campo das
consequências tem um efeito na realização das ações, através das expectativas de uma
pessoa. Na segunda perspectiva, embora alguém não “espere” determinado resultado,
Psicologia Aplicada à Administração

a realização de determinada ação pode trazer consequências benéficas diretas para


quem a realizou, passando esta ação a representar algo que seja agradável de se fazer.
Isso também pode ser entendido pelo sentido inverso, quando as consequências não são
agradáveis. Essa forma de influência pode ser equivalente aos efeitos que se analisam,
pelas perspectivas behavioristas, sobre o comportamento.
A terceira forma de influência, através do campo dos valores e concepções, se
vincula a análises dos conceitos cognitivos dos estudos psicológicos. Através dessa
perspectiva, as consequências da ação realizada são percebidas pelo seu autor, que as
processa através de seu entendimento. Dessa forma, sua compreensão sobre a ação é
modificada pela análise dos resultados obtidos pela ação, alterando suas concepções
a respeito de como se comportar ante aquela situação. É nessa perspectiva que se
entendem, também, as alterações na forma de agir do colaborador citado no quadro
de exemplo do campo anterior, cujos valores são influenciados ao perceber que seu
superior não reage ao ver que ele colocou um resíduo de um tipo em um recipiente
errado. Como consequência dessa avaliação da atitude de seu superior, o colaborador
188 passa a atribuir menor valor ao programa, modificando seu comportamento. Análises
como essas trazem indicações das relações complexas entre os conceitos dos diferentes
campos propostos por Fietkau & Kessel, convidando os gestores de programas a de-
senvolverem suas competências de análise psicológica da gestão que realizam. Essa é
uma forma de demonstrar a importância da aplicação dos conceitos da psicologia na
prática administrativa, para o alcance de resultados mais satisfatórios em organizações.
Ainda neste campo de influências sobre o comportamento, é possível entender-se
melhor a importância dos mecanismos empregados em sistemas de gestão organizacio-
nal, conhecidos como “gestão à vista”. A organização que utiliza várias formas visuais
(informativas) de divulgar os resultados alcançados por suas ações está estabelecen-
do um canal valioso de comunicação com seus integrantes, capaz de influenciar o
comportamento destes, pelo fato de apresentar as consequências das ações realizadas
por todos. Ao ver resultados satisfatórios alcançados pela organização para as ações
empreendidas, seus integrantes compreendem melhor que seus esforços estão promo-
vendo o alcance dos objetivos de todos. Ao observarem que os resultados não são os
Capítulo 8

desejados, os integrantes da organização entendem que é necessário rever e reformular

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


suas ações, no sentido de melhorar o alcance dos propósitos organizacionais. Por meio
desse mecanismo, a atuação da gestão torna-se mais efetiva para obter o engajamento
dos integrantes da organização e para implementar ações que favoreçam atingir os
objetivos de seus programas. O campo das consequências é, portanto, de relevante
valor para a atuação bem-sucedida dos gestores.
Exemplos de aspectos relativos à gestão dos conceitos do campo das conse-
quências são destacados no quadro adiante, ilustrando questões que correspondem
ao uso deste campo em um programa de coleta seletiva. Também neste quadro são
indicados vínculos com os conceitos dos outros campos, para favorecer a compreensão
dos gestores quanto às relações existentes entre eles.

Exemplo de situação deste campo: “Consequências” em um programa de coleta seletiva


Há várias situações organizacionais que demonstram as influências das consequências
sobre o comportamento de participantes em um programa de coleta seletiva. Se a gestão
do programa adotasse o sistema de premiações comentado no quadro do campo anterior,
seria fácil compreender que os colaboradores passariam a orientar suas ações com a “ex-
pectativa” de receberem um prêmio. Assim, departamentos que se empenhassem para obter
100% de separação dos resíduos, sem nenhuma mistura dos diferentes tipos de resíduo,
poderiam estar agindo assim “esperando” receber alguma premiação. Da mesma forma, os
departamentos com baixa colocação no programa passariam a evitar misturar os resíduos,
“esperando” não ter o nome do departamento divulgado “entre os últimos colocados”. Por
outra perspectiva, os colaboradores que fazem a coleta seletiva corretamente apenas para
atender às normas da organização, ao verem resultados da gestão nos quadros de aviso
189
— que a empresa obteve ótimos resultados com a coleta e doou seus ganhos para uma
entidade beneficente —, podem se sensibilizar com os benefícios sociais que o programa
está trazendo para a sociedade local e passar a agir com uma motivação que não existia
ainda. Esta consequência poderia ser interpretada por uma análise cognitiva, enquanto uma
mudança de comportamento de um colaborador por receber uma bonificação monetária
inesperada, ao agir corretamente, poderia ser analisada pela perspectiva behaviorista.
Um exemplo muito comum de influência negativa observada através da análise das relações
do campo das consequências sobre o campo dos valores é o daquele colaborador que se
engaja no programa, influenciado por todas as ações da gestão usando todos os campos,
quando vê, apesar de todos os seus esforços, que o caminhão da coleta municipal recolhe os
resíduos selecionados “separadamente” e os “mistura” na caçamba. Para este colaborador, a
visão desta consequência traz um efeito forte sobre suas crenças, pois ele passa a se perguntar
qual é a razão de ele realizar todo o esforço da separação, quando o resultado final é “nulo”.
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

8.4.7. O diagrama como auxílio para a gestão


Conforme procurou-se demonstrar nesta seção, o diagrama de Fietkau & Kessel
oferece recursos de análise tanto para o planejamento de um programa socioam-
biental quanto para sua implementação, capazes de auxiliar seus gestores no alcance
de melhores resultados com este programa. Dentre as vantagens que se destaca para
isso, encontram-se a forma simples de representar os conceitos de algumas corren-
tes da psicologia ambiental que podem ser aplicadas na gestão; a visão facilitada de
suas influências sobre o comportamento; e suas relações entre os campos propostos.
Psicologia Aplicada à Administração

Um aspecto fundamental a destacar, contudo, como aspiração estratégica da área da


psicologia ambiental, é que o diagrama favorece o emprego integrado de diferentes
abordagens. Esta talvez seja uma das mais relevantes contribuições de seus autores
para auxiliar gestores a obterem resultados bem-sucedidos de suas iniciativas.

8.5. A PSICOLOGIA AMBIENTAL NA ADMINISTRAÇÃO


É importante relembrar, conforme discutido no início do capítulo, que os
gestores de diversos tipos de organização vêm sendo indicados como principais res-
ponsáveis pelo alcance da sustentabilidade em nosso planeta. Essa responsabilidade
elevada, e com certo sentido lógico, exige dos administradores de empresas e outras
formas de organização o domínio de certas competências que incluem a capacidade
de aplicar conceitos da psicologia no exercício de sua gestão. Sem o desempenho bem
qualificado desses gestores, reduzem-se as chances de que padrões mais sustentáveis
de comportamento sejam alcançados na sociedade, em diferentes regiões do mundo.
190 Dentro dessa perspectiva de análise, entende-se que não apenas os gestores
de empresas estejam envolvidos nessa elevada responsabilidade. Organizações civis,
incluindo até associações de bairros ou mesmo condomínios residenciais, podem
contribuir muito para o alcance da sustentabilidade. Assim, os auxílios que a psico-
logia ambiental oferecem para elevar o padrão dos comportamentos na dimensão
socioambiental trazem aos gestores, em diferentes locais e campos de atuação, opor-
tunidades mais efetivas de cumprirem com seu papel nesta área em que vêm sendo
muito demandados.
Essa atribuição de papéis aos diversos setores sociais não é tão recente, se forem
consideradas as orientações propostas pela Agenda 21, aprovada na Conferência das
Nações Unidas do Rio de Janeiro, em 1992. Como a administração é campo do conhe-
cimento que se destina a todos os setores da sociedade, as diretrizes da ONU devem
ser fonte de orientação para todas as atividades administrativas, desde as realizadas por
empresas privadas e organizações não governamentais até as atividades de governos
em níveis locais, regionais e nacionais.
Capítulo 8

Os desdobramentos de políticas melhoradas a partir das contribuições de

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


Fietkau e Kessel, nos âmbitos privado e público, na Alemanha, são exemplos claros
de atuações na área da administração. Outros países também vêm recorrendo aos
conceitos da psicologia ambiental para aperfeiçoar suas políticas. Se forem analisadas
as recentes integrações de conceitos obtidos de investimentos elevados em pesquisa
da psicologia ambiental no desenvolvimento de novas estratégias oficiais do Reino
Unido, será possível observar que as políticas voltadas à sustentabilidade do governo
britânico são das mais avançadas na atualidade.
A aplicação de conceitos da Psicologia Ambiental em organizações é, portanto,
das mais promissoras para elevar os padrões sustentáveis dos comportamentos da
sociedade. Tendo em vista que um grande percentual da população mundial trabalha
ou atua em diferentes tipos de organizações, se mudanças nos comportamentos dessas
pessoas forem alcançadas dentro destas organizações, deve-se esperar que as melhorias
comportamentais obtidas em favor das questões socioambientais venham a se refletir
no restante da população. Se for considerado o papel relevante das instituições de en-
sino como “organizações” que promovem padrões de comportamento na sociedade,
apenas como um exemplo de local onde se podem aplicar os conceitos da psicologia
ambiental, fica evidente o potencial de alcance de mudanças promissoras de que a
administração pode dispor para sua atuação.
Refletindo sobre o momento crítico pelo qual a humanidade vem passando,
mencionado anteriormente, entende-se que, se os gestores se engajarem na aplicação
dos conceitos propostos pela psicologia ambiental, os rumos previstos para o destino
do planeta em vários documentários podem mudar para melhor. Desse modo, caso
administradores empreguem o elevado poder que, em geral, se associa à sua atuação, 191
as chances de se alcançarem padrões de comportamento sustentáveis no futuro são
elevadas, se os conceitos vistos aqui lhes servirem de orientação. Encerra-se o capítulo,
então, com a aspiração de que seu conteúdo possa colaborar para que a atuação dos
gestores que por ele se interessarem seja a mais bem-sucedida possível.

8.6. REFLETINDO E REVISANDO


Considerando o debate sobre a resistência como tópico de discussão na área
das mudanças comportamentais a favor da sustentabilidade, propõe-se como tema
para reflexão e revisão deste capítulo a análise das abordagens que podem ajudar
a superá-la. Uma possibilidade para as reflexões aqui propostas é a organização
de discussões em grupos, que poderiam optar por alguma(s) da(s) abordagem(ns)
citada(s), apresentando os resultados de suas reflexões para os demais grupos.
Alguns grupos poderiam, por exemplo, relacionar práticas que promovam mo-
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

tivação ou satisfação com ações socioambientais, ou pela perspectiva do flow de


Csikszentmihalyi e suas implicações para evitar ou reduzir a resistência dos en-
volvidos com essas práticas. Outros poderiam, por exemplo, explorar aspectos da
liderança baseada em valores de James O’Toole como formas de atuação da gestão
para superar resistências. Posteriormente, grupos poderiam discutir os possíveis
vínculos entre essas perspectivas.
Outra possibilidade de atividade de reflexão, que também poderia ser realizada
em grupos, com posterior apresentação de resultados, seria a discussão sobre o desafio
Psicologia Aplicada à Administração

de “integração” de abordagens, comentada como alvo para alcance de resultados mais


efetivos. Alguns autores entendem que há relutâncias, dentro do campo da psicologia,
para que as correntes colaborem entre si (Dutra e Costa, 2009; Glassman e Hadad,
2006), e esta dificuldade reduz as possibilidades de ampliação do poder de promoção
de mudanças comportamentais, pelo somatório de contribuições das diferentes cor-
rentes. Nesse sentido, grupos poderiam avaliar, por exemplo, os alcances de mudanças
através de abordagens isoladas. Em um momento posterior, poderia ser proposta uma
discussão sobre os ganhos da complementação das abordagens em programas de gestão
integrando seus conceitos.
Uma sugestão de atividade de reflexão posterior, voltada para a revisão das
possibilidades de emprego do diagrama de Fietkau & Kessel na gestão, poderia ser a
discussão de casos (diferentes situações ou programas para diversos grupos), com a
proposição de ideias ou planos de como aplicar medidas correspondentes aos campos
para os casos analisados. Com isso, cada grupo poderia apresentar sua proposta de
plano de medidas a ser aplicado no caso que o grupo analisou. Após essa atividade, os
192 grupos poderiam refletir sobre o alcance de seus planos, considerando o emprego de
abordagens complementares (de cada campo do diagrama), pelo fato de as medidas
somarem seus efeitos, de forma integrada. Esta atividade favoreceria uma reflexão
sobre o tópico de discussão do parágrafo anterior.
Tendo em vista que este livro apresenta diferentes abordagens da psicologia
a serem aplicadas na administração, uma atividade de reflexão valiosa poderia
ser realizada através da discussão das possibilidades de integração dos conceitos
apresentados em cada capítulo, em uma perspectiva de complementação dessas
abordagens para programas socioambientais. Esta atividade favoreceria não apenas
a revisão dos demais capítulos, mas a correlação de seus conceitos com cada uma
das abordagens da psicologia ambiental comentadas neste capítulo. Discussões
nesta linha poderiam promover a consolidação do entendimento das propostas
que cada capítulo traz, de como aplicar conhecimentos da psicologia na prática
da administração.
Capítulo 8

8.7. QUESTÕES E SUGESTÕES DE ESTUDO

Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


As propostas a seguir visam complementar as atividades da seção anterior com
pesquisas individuais ou em grupo, permitindo aprofundar o entendimento de aspectos
acadêmicos e práticos dos conceitos abordados no capítulo.
1. Desenvolva uma enquete, a ser aplicada na sua instituição de ensino ou em uma
empresa ou outro tipo de organização, para avaliar que argumentos as pessoas
usam para explicar por que elas não adotam comportamentos socioambiental-
mente mais sustentáveis.
2. Analise as respostas obtidas, categorizando-as como diferentes “tipos” de resis-
tência às mudanças comportamentais em favor da sustentabilidade.
3. Avalie que propostas, seguindo as abordagens comentadas neste capítulo, po-
deriam ser sugeridas, para integrar um plano de gestão, com o propósito de
superar os tipos de resistência identificados na atividade anterior.
4. Se você fosse elaborar um programa ambiental em seu condomínio, que medi-
das proporia para empregar os conceitos dos campos do diagrama de Fietkau &
Kessel?
5. Como você avaliaria as possibilidades de iniciar um programa de coleta seletiva
na organização em que atua?
6. Elabore um plano de medidas para compor um programa socioambiental a ser
implementado em uma organização que você conhece, levando em considera-
ção os aspectos culturais de seus integrantes, incluindo as características das
lideranças dessa organização.
193

8.8. REFERÊNCIAS E LITERATURA DE APOIO


Se seu interesse pelas questões discutidas neste capítulo vão além da simples
leitura dos conteúdos aqui elaborados, há sugestões de textos propostos ao longo do
capítulo que podem ampliar seus conhecimentos nesta área. Dependendo de suas
facilidades com idiomas ou do grau de aprofundamento que quer alcançar com seus
estudos complementares, o conjunto de referências listadas a seguir pode oferecer
opções de leituras de mais ou menos simples acesso e maior ou menor nível de com-
plexidade dos conceitos. Uma sugestão de escolha é começar pelos temas (para os
quais são citadas as referências no capítulo) que sejam mais ligados ao seu interesse e
que sejam de leitura mais acessível ao seu grau de conhecimento. Boas leituras e bons
sucessos na sua tarefa de ajudar-nos a salvar o planeta!
AGÓCS, C. Institutionalized resistance to organizational change: Denial, inaction and
repression. Journal of Business Ethics, v. 16 (9), p. 917-931, 1997.
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER

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Psicologia Aplicada à Administração

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Capítulo 8

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Psicologia ambiental: intervenção essencial para a sustentabilidade na gestão organizacional


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GLASSMAN, W.E.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais. 4. ed. Porto Alegre: Art-
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9
Processos psicossociais na
construção de sentido ético
nas organizações

Narbal Silva
Suzana da Rosa Tolfo

Neste capítulo, você encontrará conteúdos que permitem conceituar ética e moral;
compreender os princípios éticos que orientam a atuação dos psicólogos, especialmente
em suas interfaces com a administração; identificar a vinculação entre ética, moral e
comportamento humano no trabalho, e a construção de sentidos aplicados dos precei-
tos éticos na administração, em especial, nas políticas e práticas de gestão de pessoas
nas organizações, expressos em ações de responsabilidade social e nos códigos de ética
profissional.

9.1. ÉTICA E MORAL, PSICOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO: APROXIMAÇÕES E


INTERFACES
O objetivo central deste capítulo é ajudar os acadêmicos dos cursos de graduação,
de pós-graduação e profissionais que atuam ou prestam serviços para organizações,
interessados na compreensão das múltiplas interfaces entre psicologia e administração,
a compreenderem a relevância e as possibilidades de construção de significados éticos
nas estruturas e processos das organizações.
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

Durante um longo tempo, desde o surgimento de organizações que materia-


lizaram instituições como o exército e a igreja, as questões relativas à ética, à moral
e, sobretudo, ao comportamento ético nas organizações, não constavam como
preocupações fundamentais das políticas e práticas de gestão. Tais elementos eram
objeto de interesse quase exclusivo da filosofia, expresso em conjecturas e refutações,
permeadas por níveis de abstração que se distanciavam do pragmatismo necessário
à gestão. Entretanto, nas últimas décadas do século XX começaram a surgir diversos
questionamentos de natureza ética relacionados ao cotidiano das organizações, tais
Psicologia Aplicada à Administração

como: os trabalhadores quando em situações de atuação profissional têm caracteri-


zado seus comportamentos de modo ético? O que é ética e quais princípios e valores
fundamentais distinguiriam comportamentos éticos e não éticos nas organizações?
Qual a contribuição da psicologia como ciência e profissão na construção de cons-
ciência ética nos gestores e demais trabalhadores das organizações? De que modos
efetivos os Códigos de Ética ou de Conduta podem contribuir para a construção de
relações de trabalho pautadas por comportamentos éticos dentro e fora das organi-
zações? Quais as possíveis relações entre cultura organizacional e princípios éticos
vivenciados por meio de comportamentos? Por fim, quais as relações entre práticas
de responsabilidade social e ambiental e adoção de princípios éticos na gestão das
organizações? Tais questões, ao servirem como norteadoras deste capítulo, impõem
um enorme desafio à sua construção. Com o intuito de enfrentar essa provocação,
vamos iniciar nossa exposição refletindo a respeito do que é ética e moral, em especial,
sobre o sentido que adquirem os valores e princípios éticos quando efetivamente
vivenciados por meio de comportamentos dos gestores e demais trabalhadores nas
organizações.
198

9.2. O QUE É ÉTICA?


Existem diversas abordagens teóricas que historicamente tratam do conceito
de ética. Também há um número ainda maior de perspectivas conceituais que se
reportam aos significados do que são ideias morais. A origem dos estudos a respeito
de ética e moral endereça inevitavelmente ao pensamento dos filósofos gregos. Em
geral, os filósofos gregos compreendiam a ética como o estudo dos meios necessários
para encontrar a felicidade (eudaimonia). Por conseguinte, realizavam investigações
com o intuito de descobrir os significados do que é ser feliz. Na Idade Média, a filo-
sofia passou a ser influenciada pelo cristianismo e pelo islamismo. Em razão disso, a
ética passou a significar a interpretação dos mandamentos e preceitos religiosos. Por
fim, no Renascimento, os filósofos resgataram a compreensão dos filósofos gregos do
conceito de ética. Ou seja, o estudo dos meios para alcançar bem-estar e felicidade
(Abbagnamo, 2000).
Capítulo 9

Na atualidade, o pensamento grego tem contribuído sobremaneira à compreen-


são e aplicação do conceito de ética na vida organizacional. Por exemplo, Aristóteles
(2009) assegura que encontrar a felicidade (eudaimonia) não pressupõe obtenção de
prazeres ou riquezas eminentemente materiais, mas a construção de uma vida virtuosa.

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


A virtude (areté), por sua vez, poderá ser alcançada por meio do equilíbrio entre os
extremos, o que pressupõe prudência (phronesis) e educação por meio da construção
de hábitos considerados corretos para o convívio social. Nessa perspectiva, o filósofo
grego relaciona ética com costumes e situações práticas, direcionadas para a realização
de fins.
Ainda em relação a Aristóteles, além de fundar a ética como disciplina filosó-
fica, ele também definiu a maior parte dos problemas que posteriormente passaram
a ocupar o pensamento dos filósofos morais, tais como: a relação entre as normas e
os bens; a relação entre a ética individual e a social; a classificação (precedida pela
platônica) das virtudes; o exame da relação entre a vida teórica e a vida prática, entre
outros (Stim, 2006).
Outro filósofo que também contribuiu imensamente para a concepção atual do
que compreendemos como sendo ética foi Kant (1993). Para ele, o ser deve tolerar a
presença do outro sem prejudicá-lo, uma vez que tal direito é inerente a toda a espécie
humana. Portanto, é essencial exercitar a tolerância de modo que se possa conviver de
modo saudável. O relacionamento humano está na construção dos direitos de cada
um, sendo imprescindível o entendimento e o respeito aos direitos dos outros de modo
que se possa garantir as condições necessárias e fundamentais para o estabelecimento
de interações humanas de fato construtivas.
A partir dessas bases filosóficas, como podem ser compreendidos os preceitos 199
éticos e morais? E suas relações? Conforme Chauí (1995), a ética se constitui em filo-
sofia moral que permite refletir, discutir, problematizar e interpretar o significado dos
valores morais. Já os valores considerados morais se relacionam ao bem e ao mal, ao
permitido e ao proibido, ao certo e ao errado, ao que é considerada conduta correta
e, por isso, válida para todos. Dessa forma, a moral reporta-se à normatividade que
emana da sociedade, no que diz respeito aos costumes, normas e regras que permeiam
o cotidiano e que objetivam orientar as relações estabelecidas entre as pessoas no
contexto social. Neste caso, implica princípios orientadores dos comportamentos,
que, compartilhados na sociedade ou grupos, se tornam costumes aceitos (Hanashiro,
Teixeira, Zacarelli, 2007).
A ética, portanto, se constitui na reflexão crítica sobre a moral, o que pressupõe
pensar a respeito do que se faz, repensar os costumes, normas e regras vigentes na
sociedade (Medeiros, 2002). Portanto, o comportamento pode ser moral ou não, mas
sempre pressupõe uma ética, pois reflete alguma abordagem, um ramo da filosofia.
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

A ética pode ser entendida como “reflexão a respeito do que se encontra


acima do conjunto de regras próprias a cada cultura, buscando os funda-
mentos do sentido de obrigação implícitos na noção de moral” (Nardi, 2010).

Em síntese, podemos compreender ética como a prática reflexiva (de tipo aris-
totélica), e a moral como o código de regras (de tipo kantiano) de obediência a um
princípio superior e universal (imperativo categórico) no sentido de um “dever ser”
(Nardi, 2010). Mas quando pensamos em ética e moral no contexto de trabalho? Qual
a importância de esses conceitos serem vivenciados por meio de comportamentos dos
Psicologia Aplicada à Administração

trabalhadores nas organizações da atualidade? É isso que procuraremos verificar na


seção que segue.

9.3. A ÉTICA E A MORAL NO CONTEXTO DE TRABALHO


Ao nos reportarmos à ética e à moral nas organizações, vamos inicialmente
recuperar a essência das contribuições de Max Weber por meio de seu relevante
trabalho denominado de A ética protestante e o espírito do capitalismo (no original
em alemão Die protestantische Ethik und der ‘Geist’ des Kapitalismus) (Weber, 2004).
Nesta obra de Weber, economista e sociólogo alemão, são identificados os motivos
de o capitalismo ter se construído primeiro em países como a Inglaterra e Alema-
nha, concluindo que isso se deve à mundividência e aos hábitos de vida instigados
ali pelo protestantismo. Ainda neste livro, Weber elabora a ideia de que a ética e as
ideias puritanas influenciaram o desenvolvimento do capitalismo. Tradicionalmente,
na Igreja Católica Romana, a devoção religiosa estava acompanhada da rejeição dos
200 assuntos mundanos, incluindo as questões econômicas. Por que não foi o caso com
o protestantismo? Weber demonstrou que certos tipos de protestantismo (em espe-
cial, o calvinismo) estimulavam comportamentos econômicos racionais e que a vida
terrena (em contraste com a vida “eterna”) recebeu um sentido espiritual e moral
positivo. Para o autor, por meio do calvinismo foi estabelecida a ideia de que as com-
petências humanas exercitadas a partir do trabalho representavam bênçãos divinas e
que, por isso, deveriam ser estimuladas. A partir das contribuições de Weber, a ética
do trabalho passou a ter como princípios a valorização dos resultados individuais; o
adiamento de gratificações imediatas em nome da virtude e do acúmulo de dinheiro;
a aceitação do trabalho como obrigação moral, mesmo que sofrido; a aceitação das
ordens do empregador; e a identificação do trabalho como central na vida e gerador
de significados (Nardi, 2010).
Então, ao considerarmos o que significa ética e moral na atual sociedade e como
seu significado é compartilhado nas organizações, podemos formular a seguinte per-
gunta: de que modos são apropriados nas organizações os princípios fundamentais
Capítulo 9

que devem orientar a ética e a moral na atuação profissional? Tal reflexão poderá
estimular questionamentos e, por conseguinte, desafiar modelos mentais que possam
estar na contramão de comportamentos considerados éticos e morais em situações de
exercício profissional (Wind, Crook e Gunther, 2006). Como contribuição de resposta

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


ao questionamento anteriormente feito, podemos nos reportar à essência da ética
nas organizações como a possibilidade do ser humano se desenvolver dentro de um
contexto de trabalho favorável à construção de relacionamentos saudáveis, ou seja,
desenvolve-se nos aspectos físicos, psicológicos e espirituais, com relacionamentos
socialmente harmônicos (Morris, 1998), por meio de políticas e ações de gestão de
pessoas. Outro modo de entender o que possa significar ética e moral no contexto de
trabalho é pensar em interações humanas expressas por meio de comportamentos e
de valores congruentes, cujas consequências não impliquem qualquer tipo de prejuízo
às pessoas que integram essas relações.
Os princípios que regem a cultura e os comportamentos considerados corretos
ou adequados em dada organização baseiam-se em valores; estes, por sua vez, apre-
sentam cinco características essenciais: (1) um valor é uma crença pertinente a fins
considerados desejáveis ou a modos de se comportar preferíveis; (2) que extrapola
situações específicas; (3) que orienta a seleção ou avaliação de comportamentos, pes-
soas e acontecimentos; e (4) que se organiza por sua importância relativa em relação
a outros valores considerados menos relevantes, construindo desta forma; (5) um
sistema de prioridade de valores (Schwartz, 2006).
Ao se considerarem tais características, pode-se mencionar que os valores cons-
tituem certezas referentes ao que se entende como relevante à consecução de objetivos
considerados desejáveis. Expressam aquilo que é preferível ou não, significativo ou 201
não, certo ou errado para uma pessoa, grupo, organização ou sociedade (Tamayo e
Borges, 2006). Quando reunidos, compõem conjuntos que denotam importância e
significado para conceitos como igualdade, liberdade, saúde, qualidade de vida, har-
monia, responsabilidade social, desenvolvimento pessoal e profissional, acessibilidade,
dignidade, entre outros (Zanelli e Silva, 2008). Além disso, podem ser classificados
em dois tipos: os arraigados, relativamente estáveis e duradouros, expressos por meio
de atitudes e comportamentos consistentes ao longo do tempo, e os esposados ou
racionalizados, que são idealizados, porém, ainda não praticados ou vivenciados por
meio de comportamentos de modo consistente e contínuo (Schein, 1987). Se forem
percebidos como não vivenciados por meio de comportamentos coerentes e sucessivos,
em situações de atuação profissional, são meros ideais.
Em qualquer circunstância na qual se assume uma disposição ou postura ava-
liativa, a favor ou contra, a alguém ou algo, está se gerando atitudes. Logo, as atitudes
podem ser concebidas como orientações avaliativas, emocionais ou afetivas sobre um
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

objeto físico ou social (Baró, 1988). Por sua vez, a estrutura deste conceito agrega os
seguintes três componentes que se encontram inter-relacionados: o cognitivo, que se
refere às informações existentes a respeito do objeto; o avaliativo, que pressupõe os
afetos e desafetos gerados em relação ao objeto; e o comportamental, que é a intenção
que se tem de se comportar em presença de um objeto que, por inúmeros motivos,
suscite atitudes (Ros, 2006).
Ao orientar sua atuação a partir de valores e atitudes, o psicólogo brasileiro
tem conhecimento da necessidade de alinhar os preceitos éticos da profissão com
Psicologia Aplicada à Administração

suas práticas profissionais? Tais práticas têm expressado os princípios fundamentais


e respectivos valores centrais estabelecidos em seu código de ética profissional? Essas
questões explicitam preocupações referentes à dissociação entre o dizer e o fazer éticos,
o que requer compreensão mais precisa do que seja ética, de modo que se possa com-
preender o conceito no exercício profissional da psicologia. Conforme mencionado por
Teixeira (1999), a Declaração dos Direitos Humanos (1948) se constitui em um bom
exemplo de dissociação entre o “dizer” e o “fazer” evidenciando que no decorrer da
história da humanidade, foram expressas prerrogativas humanas que deixaram de ser
cumpridas. Ao considerarmos os significados de ética e moral nas relações de trabalho,
na seção que segue vamos examinar as possibilidades de contribuição da psicologia
expressas nas práticas profissionais do psicólogo, na ampliação da consciência ética
dos trabalhadores nas organizações em que atuam.

9.4. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES

202 Grande parte do trabalho que os psicólogos realizam nas organizações é na


interface com administradores. Por isso, esperamos que você possa encontrar nesta
seção subsídios que permitam compreender o que caracteriza sua atuação. A configu-
ração do campo de atuação profissional pode ser representada em diversos subcampos:
administração de pessoal (atividades profissionais como análise do trabalho, recruta-
mento e seleção, planejamento de cargos, movimentação e desligamento, remuneração
e benefícios, controle de RH, planejamento de RH); qualificação e desenvolvimento
(treinamento, avaliação de desempenho, estágios e formação de mão de obra, desen-
volvimento de carreiras e sucessão, desenvolvimento gerencial e desenvolvimento de
equipes); comportamento organizacional (desempenho produtivo, grupos e liderança,
motivação/satisfação/comprometimento, conflito e poder, cultura organizacional);
condições e higiene do trabalho (segurança e acidentes, ergonomia, saúde e manejo
do estresse, programa de bem-estar, assistência psicossocial); relações de trabalho
(programa de integração e socialização, regulação de conflitos, padrões de gestão,
organização do trabalho); e mudança organizacional (diagnóstico organizacional,
qualidade de vida no trabalho e programas de qualidade total). Cada atividade men-
Capítulo 9

cionada permite intervenções em nível técnico, estratégico ou político (Zanelli; Bastos,


2004). Tal campo pode ser representado, de forma sintética, por meio da Figura 9.1.

Figura 9.1. Representação do campo de atuação do psicólogo das organizacional e do trabalho.

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


Não raro, os profissionais de outras áreas desconhecem as especificidades das
práticas e técnicas próprias da psicologia e surgem questionamentos do tipo: por que
não podemos aplicar testes psicológicos? Quando teremos acesso a todos os dados
dos processos seletivos conduzidos por psicólogos? O que fazem os psicólogos na
nossa organização? Esses são exemplos de questões fundamentais que podem surgir
na interface existente entre os papéis desempenhados por psicólogos e administra-
dores nas organizações. Em relação à última questão, é preciso ter consciência de que
a clareza do papel profissional é fundamental. Isso significa que, para que os outros 203
possam saber quais são as minhas possibilidades de contribuição, é essencial que eu
tenha clareza das expectativas existentes em relação ao meu desempenho profissional.
Se eu não tenho consciência das minhas possibilidades de atuação, como esperar que
os demais profissionais, em especial, os administradores, saibam quais são? A outra
parte das respostas referentes aos âmbitos de atuação está no fato de que o exercício
profissional do psicólogo deve se orientar pelo Código de Ética do Psicólogo, como
veremos a seguir.
Estão dispostos no Código de Ética Profissional do Psicólogo Brasileiro, reso-
lução CFP número 010/05, os seguintes princípios fundamentais éticos que devem
orientar a atividade desse profissional:

“I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liber-


dade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado
nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de


quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. III. O psicólogo atuará com responsabilidade social,
analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social
e cultural. IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do con-
tínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento
da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática. V.
O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da
Psicologia Aplicada à Administração

população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos


serviços e aos padrões éticos da profissão. VI. O psicólogo zelará para que
o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações
em que a Psicologia esteja sendo aviltada. VII. O psicólogo considerará as
relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações
sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e
em consonância com os demais princípios deste código” (Código de Ética
Profissional do Psicólogo, 2005, p. 7).

Os princípios éticos fundamentais constituem eixos norteadores que devem


orientar as relações do psicólogo com a sociedade, com a profissão, com as entidades
profissionais e com a ciência. Ou seja, conforme as orientações apresentadas no código
de ética profissional, os princípios fundamentais e os respectivos valores que lhes são
centrais devem orientar o comportamento do psicólogo em qualquer local no qual
ele venha a atuar profissionalmente.
Ao pautar suas práticas no código de ética da profissão, o psicólogo tem como
204 requisito básico para a atuação o sigilo profissional.1 Isso significa que as informações
disponibilizadas ao psicólogo pelo cliente ou trabalhador somente poderão ser compar-
tilhadas com outros profissionais naquilo que não envolva a exposição da privacidade
ou outros aspectos que possam resultar em algum tipo de prejuízo a quem prestou
a informação. O sigilo inclui desde a utilização de técnicas, a análise dos resultados
(como em casos de processos seletivos), assim como sua divulgação. Também está
previsto que a atuação nas organizações deve respeitar sua missão e valores e, caso haja
discordância com os preceitos do código profissional, o psicólogo deverá suspender
seu contrato e apresentar denúncia, caso esta, na sua avaliação, se justifique.

1 O artigo 6o, item b, do Código de Ética define que, na relação com outros profissionais, o psicólogo:
“Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o ca-
ráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar
o sigilo”. Disponível em http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocu-
mentos/codigo_etica.pdf.
Capítulo 9

Algumas outras questões práticas remetem à delimitação no uso de métodos e


técnicas e suscitam as seguintes questões: por que somente o psicólogo aplica e avalia
testes psicológicos?2 E a condução de técnicas de dinâmica de grupo pode ser realizada
por outros profissionais? No caso dos testes psicológicos, estes são instrumentos de

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


avaliação psicológica, ou seja, mensuram inteligência geral, personalidade, aptidões,
interesses. Como se tratam de aspectos psicológicos e objetos de estudos da psicologia,
são considerados de uso exclusivo do psicólogo. A condução e a avaliação de técnicas de
dinâmica de grupo3 não são privativas do psicólogo. Entretanto, é mais adequado que
ele o faça ou ajude na condução do processo, pois a utilização de técnicas e o manejo
do grupo pressupõem conhecimentos e experiências referentes aos comportamentos
individuais e grupais. Caso o profissional não esteja preparado para lidar com situações
e comportamentos imprevistos que emergem no grupo, o trabalho poderá resultar em
conflitos destrutivos e insatisfações.
Após essas definições sobre ética e moral, sobre a atuação do psicólogo e o
Código de Ética que deve nortear as práticas profissionais, cabe formular a seguinte
questão: o Código de Ética Profissional do Psicólogo se caracteriza efetivamente como
um código de ética ou como um código moral?
A moral tem a ver com os aspectos normativos que emanam da sociedade,
referentes aos costumes, normas e regras que permeiam o cotidiano e que objetivam
orientar as relações estabelecidas entre as pessoas no contexto social. Já os preceitos
éticos representam subsídios para fazer reflexão crítica sobre a moral, o que pressupõe
pensar a respeito das consequências do que se faz, reconsiderar costumes, normas e
regras vigentes na sociedade (Medeiros, 2002). Portanto, se compreendemos que cabe à
moral dominante em determinada época identificar valores que definam o que é certo 205
e errado, bom ou mau, com vistas a prescrever comportamentos aceitos ou rejeitados,
os códigos prescritivos sobre o que deve ser feito, que regulam as condutas humanas,
se referem, mais especificamente, à moral, não à ética.
A atuação profissional do psicólogo, na atualidade, vem ocorrendo dentro de
um contexto onde o destaque conferido à ética nas organizações ou nos negócios têm
se acentuado nos últimos tempos, o que, por sua vez, tem suscitado questionamentos
constantes. É este aspecto que procuraremos avaliar na seção que segue.

2 Teste psicológicos: segundo Cronbach (apud PASQUALI, 2001), um teste é um procedimento sistemá-
tico para observar o comportamento e descrevê-lo com a ajuda de escalas numéricas ou categorias fixas.
PASQUALI, L. (Org.). Técnicas de exame psicológico – TEP. Manual. Vol. I: fundamentos das técnicas
psicológicas. São Paulo: Casa do Psicólogo / CFP, 2001.
3 Técnicas de dinâmica de grupo: técnicas que simulam situações próximas da realidade e permitem ob-
servar e avaliar comportamentos em grupo, como liderança, comunicação, reações diante de obstáculos,
criatividade, para citar alguns.
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

9.5. UM CASO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL QUE SUSCITOU DILEMAS ÉTICOS


Neste caso, é relatada uma situação que retrata, por meio de impresso promo-
cional de divulgação de curso de atualização direcionado para profissionais de recursos
humanos, promovido por uma consultoria, no qual consta o nome de uma psicóloga,
ministrante da disciplina “Astrologia aplicada à seleção de pessoal”. O curso foi divul-
gado em jornal, identificando a psicóloga e explicitando as relações que ela estabelece
entre a astrologia e o perfil de candidatos na ocupação de postos de trabalho.
Psicologia Aplicada à Administração

Quadro 9.1. Descrição geral do caso

Em folder de divulgação de curso de atualização para profissionais de recursos humanos


promovido pela consultoria X, consta o nome da psicóloga B, ministrante da disciplina
“Astrologia aplicada à seleção de pessoal”. O curso também foi divulgado em jornal de
circulação local, identificando a psicóloga B e explicitando as relações que ela estabelece
entre a astrologia e o perfil de candidatos na ocupação de postos de trabalho. Essas relações
podem ser observadas no trecho do anúncio: “A astrologia pode revelar características de
personalidade e tendências das pessoas, facilitando o trabalho do profissional de recursos
humanos na área de seleção. Dirigido não só para os interessados em seleção, essa disciplina
é de interesse para todos que nutrem curiosidade pela Astrologia”. Ao ser questionada por
profissionais de recursos humanos e psicólogos que atuam em organizações a respeito das
evidências empíricas que possam dar sustentação às relações entre psicologia e astrologia, a
psicóloga B argumentou que possui larga experiência em estudos e aplicação da astrologia
com o intuito de compreender e prever o comportamento humano. Também enfatizou que
tem estudado as possíveis associações entre psicologia e astrologia, embora reconheça que
se tratam de áreas distintas. Ainda mencionou que utiliza a astrologia como conhecimento
206 e instrumento complementar nas suas práticas de seleção. Ao ser questionada se o uso da
astrologia em sua prática profissional caracterizaria infração ética, argumentou o seguinte:
1. que não compreende por que a aplicação de conhecimentos da astrologia em sua prática
profissional possa ser caracterizada conduta profissional não ética; 2. que os ensinamentos
professados pela astrologia vêm ganhando credibilidade dos estudiosos diante das evi-
dências incontestáveis que confirmam sua base científica; 3. que a astrologia determinou
o ritmo das principais decisões da política norte-americana na época de Reagan, além de
ser, na atualidade, amplamente consultada por altos executivos de multinacionais em suas
decisões consideradas polêmicas e complexas. Fez, ainda, referência ao parágrafo VI do
art. 50 da Constituição Federal que assegura a inviolabilidade de consciência e de crença,
que ninguém será privado de direitos por convicção filosófica (inciso VIII) e que é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença (inciso IX). Por fim, alertou para o fato de que a astrologia e a psico-
logia são configuradas como artes que integram aspectos científicos, filosóficos e religiosos.
Fonte: SILVA, N.; ZANELLI, J.C.; TOLFO, S.R. Dilemas éticos na atuação do psicólogo. Brasileiro. In: BASTOS, A.V.;
GONDIM, S.M.G. (Orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Bookman – Artmed, 2010.
Capítulo 9

O que podemos aprender com os argumentos proferidos pela psicóloga neste


caso? Seus argumentos podem estar associados à ideia de que as pessoas são livres para
efetuar escolhas? E que o código de ética não deve servir de instrumento cerceador dos
direitos de expressão e de opção dos psicólogos? A respeito disso, Wachelke, Andrade

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


e Natividade (2004) referem que nem sempre os princípios fundamentais do código
de ética são devidamente considerados. O que pode ser observado é uma relativa dis-
sociação entre o escrito e o fazer ético (Teixeira, 1999). Além do desconhecimento ou
utilização em benefício próprio do código, tal dado também pode estar significando
não distinção entre psicologia como ciência e profissão em relação à arte, doutrinas
místicas e concepções de senso comum. Por conseguinte, as pessoas podem passar a
fazer inferências de assuntos psicológicos de forma negligente e/ou fazer afirmações e
tirar conclusões sem oferecer evidências consistentes que lhes deem sustentação (Da-
vidoff, 2001). Ao associar psicologia e astrologia, a psicóloga B se ampara em um tipo
de conhecimento e ocupação considerado pela comunidade profissional-científica algo
que se move entre a “penumbra do misticismo” e a “fluidez da religião” (Venuto, 1999).
Uma questão que também merece ser apreciada é a seguinte: ao se constituir
a astrologia em conhecimento de relativo acesso à população em geral, estaria tal
fato associado e confundido com o princípio de acesso da psicologia à população?
Embora não se possa afirmar categoricamente isso, também não se pode descartar tal
possibilidade. Tais afirmações por parte da psicóloga parecem demonstrar as múlti-
plas compreensões, nem sempre amparadas em evidências, entre psicologia e outros
campos de conhecimento, sejam eles de natureza científica ou não.
Neste caso, o entendimento da referida profissional é o de que psicologia, reli-
gião e astrologia se encontram em âmbitos similares. Ou seja, tudo se resume a uma 207
questão de fé! A respeito disso, Huffman, Vernoy e Vernoy (2003) asseveram que não
existe base científica para as várias pseudopsicologias populares, que tentam explicar
diferenças de comportamento ou de personalidade por meio da utilização de métodos
não científicos. Pseudopsicologias incluem a astrologia, que pode ser compreendida
como o mapeamento da influência das estrelas e planetas na personalidade e vida
afetiva das pessoas. Embora tais pseudopsicologias possam consistir em um entrete-
nimento, não existe prova documental de que expliquem legitimamente o complexo
comportamento humano. Constituem práticas não reconhecidas como instrumentos
de avaliação psicológica pelo Conselho Federal de Psicologia. Embora alguns gestores
possam solicitar o trabalho do profissional para usar técnicas como a astrologia, o tarô,
a numerologia, cabe ao psicólogo recusar o uso de tal recurso.
Outro argumento a ser considerado é que no campo de atuação clínica parece
ainda persistir a motivação para ajudar as pessoas, baseada em experiências de vida,
conhecimento de senso comum, crenças pessoais, nem sempre devidamente acompa-
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

nhadas de bases científicas consistentes que expliquem e orientem práticas efetivas e


éticas de intervenção. Em relação a isso, Bock, Furtado e Teixeira (1999) mencionam
que no dia a dia é comum ouvir a palavra psicologia. Qualquer um parece ou pensa
entender um pouco dela. As pessoas em geral têm a “sua psicologia”. As respostas
para essas questões remetem à necessidade de realizar estudos que possam construir
conhecimentos que contribuam para o esclarecimento de tais indagações.
Na seção que segue, vamos discorrer a respeito das possibilidades de se conferir
sentido aplicado aos conceitos de ética e de moral nas organizações da atualidade. Também
Psicologia Aplicada à Administração

vamos nos reportar às consequências que são geradas em termos de imagem organizacional
e percepções dos trabalhadores no que se refere à qualidade de suas vidas no trabalho.

9.6. A ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES POR MEIO DO ESTABELECIMENTO DE


PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL E ELABORAÇÃO DE CÓDIGOS
DE ÉTICA
A preocupação com a ética nos negócios é muito recente (final do século XX),
se comparada com a ênfase grega encontrada nos filósofos clássicos. Mas por que se
apropriar de um objeto de interesse da filosofia para torná-lo pragmático nas orga-
nizações? Se considerarmos que as decisões dos administradores impactam tanto no
ambiente interno quanto externo das organizações, há que se considerar as consequên-
cias dessas decisões para a comunidade, os grupos e as pessoas com quem mantêm
relações. Isso pressupõe adotar posturas responsáveis nos negócios, na política e nas
relações interpessoais como forma de responder aos desafios que as ambiguidades
208 sociais e de valores atuais nos colocam (Srour, 2000). Cabe lembrar que existem diver-
sas possibilidades de se pensar sobre abordagens éticas que reflitam comportamentos
moralmente adequados. Contudo, para fins deste capítulo, privilegiaremos os códigos
de ética e as ações de responsabilidade social nas organizações.
O cenário complexo e contraditório de poder e vulnerabilidade de determina-
dos grupos faz com que diversas organizações identifiquem um ambiente propício à
adoção de valores e de práticas baseadas em princípios de responsabilidade social. Isso
significa uma atuação socialmente voltada a diminuir e/ou eliminar necessidades que
impedem ou dificultam o amplo desenvolvimento de grupos sociais nos quais essas
organizações se inserem e/ou com os quais interagem (Fischer, 2002).
A preocupação com valores voltados para o bem faz com que responsabilizar-se
pelo social esteja inserido no conceito de cidadania. Contempla questões de respon-
sabilidade econômico-financeira e de ordem política, cultural e social que compõem
a textura das organizações e da sociedade. Por seu reconhecimento moral em termos
de comportamento desejável, a existência dessa função nas organizações é vista como
Capítulo 9

motivo de orgulho e, muitas vezes, como canal de participação dos empregados. Além
disso, influencia decisivamente no orgulho sentido pelo trabalhador por integrar uma
organização que tem práticas de responsabilidade social. Portanto, repercute na per-
cepção que o trabalhador tem de sua qualidade de vida no trabalho.

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


Algumas organizações buscam a aproximação entre negócio e atuação social,
de modo a garantir a otimização do emprego de recursos próprios para os projetos
sociais. Há o reconhecimento da importância de um conjunto de ações que suplantam
os interesses próprios, individuais, para pensar em valores e necessidades coletivas. E
atualmente esses valores começam a atrair profissionais que vão esperar da gestão de
pessoas mais do que salários, benefícios e qualificação, conforme o exemplo apresen-
tado no Quadro 9.2, cujo conteúdo foi retirado da revista Você S/A:

Quadro 9.2. Penna, Gabriel. Engajamento natural. É a relação entre a empresa e a sociedade
que conquista o profissional pautado pela ética. Você S/A. Ed. 127. 11/01/2009. Disponível em:
http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/engajamento-natural-483504.shtml

Engajamento natural
Nem altos salários, nem crescimento rápido, nem estabilidade no emprego. Existe um grupo
de profissionais que coloca a ética acima de tudo na hora de definir seus passos na carreira.
Para essas pessoas, seus valores individuais devem bater com a missão da empresa e com a
forma como essa organização se relaciona com os funcionários, os parceiros de negócios
e a sociedade. Essa é uma motivação de carreira em ascensão, como mostra uma pesquisa
feita no ano passado pela Universidade da Califórnia – Santa Barbara em parceria com a
Escola de Negócios de Stanford, nos Estados Unidos. Estudantes de MBA de 11 das prin-
cipais escolas americanas disseram que estão dispostos a ganhar até 14,4% a menos para
209
trabalhar em empresas éticas e socialmente responsáveis. Para conquistar um profissional
assim, uma companhia precisa oferecer um significado maior no negócio, que transcenda
o salário polpudo, o prestígio da marca ou a perspectiva de crescer. Consciência ambiental
e inclusão social são itens que costumam ser levados em conta por quem tem esse perfil.

A perspectiva atual de negócios que verdadeiramente contemple a visão dos


stakeholders4 pressupõe levar em conta princípios universais de igualdade, que, neste
caso, são expressos na possibilidade de contemplar os interesses das diversas pessoas
ou grupos que influenciam ou são influenciados pela organização. À gestão cabe
equilibrar os interesses dos diversos envolvidos, conforme os valores considerados
moralmente corretos naquele contexto. Por sua vez, as ações de responsabilidade social

4 Embora existam diferentes conceitos para stakeholders, para fins deste capítulo, será considerado: “...
é um indivíduo, ou um grupo, com quem a organização interage e que nela possui algum interesse no
sentido de se sentir com algum direito a alguma demanda sobre ela” (Hanashiro, Teixeira e Zacarelli,
2007, p. 328).
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER

devem levar em consideração tanto o ambiente interno quanto o externo (Hanashiro,


Teixeira e Zacarelli, 2007), conforme está representado na Figura 9.2.

Figura 9.2. Responsabilidade social perante o ambiente interno e externo.


Psicologia Aplicada à Administração

Os autores identificam no ambiente externo a gestão do meio ambiente e a res-


ponsabilidade social perante a cadeia logística e produtiva. Eles traduzem as questões
relativas ao ambiente interno como as que envolvem relações gestores-empregados e as
estratégias de gestão de pessoas; e que podem ser comunicadas e reguladas conforme
prescrito, como veremos em sequência, em códigos de ética.
Como parte de ações voltadas para normatizar a ética organizacional se en-
contram os Códigos de Ética ou de Conduta. A elaboração desses códigos começou
a ocorrer no final dos anos 1990, com vistas a explicitar comportamentos esperados
tanto dos gestores da empresa quanto dos trabalhadores. Por meio deles são declara-
210 dos valores, intenções ou ações relativas aos comportamentos morais vigentes para
um grupo organizacional. Tais códigos se caracterizam como morais de conduta que
supõem uma orientação ética, já que subjacentes aos comportamentos morais há
intenções e estas traduzem uma ética (Hanashiro, Teixeira e Zacarelli, 2007).
Vale também lembrar que as organizações não se restringem a definir os com-
portamentos moralmente aceitáveis em seus códigos. Elas podem incluir aspectos da
cultura organizacional e de práticas de gestão de pessoas, como, por exemplo: missão,
visão, princípios da organização, gestão do código, prescrições nas relações com os
stakeholders (acionistas, empregados, fornecedores, comunidade e clientes). No que
rege as relações com os empregados é onde se encontra maior detalhamento do que
é permitido e esperado, o que é bom ou mau, com conteúdos amplamente veicula-
dos na mídia quanto aos limites no uso de recursos e equipamentos da empresa; no
recebimento de presentes ou contrapartidas financeiras decorrentes do exercício do
cargo; na divulgação de informações sobre o trabalho; na ocorrência de erros por
Capítulo 9

desinteresse e que poderão ser penalizados; na limitação do tratamento de questões


pessoais ao mínimo possível.
Há também organizações, como o Instituto Ethos,5 que vão se nortear por

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


princípios éticos como razão de existir e servem como orientadoras para outras or-
ganizações que desejem se guiar por práticas de responsabilidade social e por códigos
de ética. Como parte de suas ações, o Instituto desenvolveu uma série de indicadores
de responsabilidade social que permitem a avaliação da organização em relação a
esses indicadores.
Os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial constituem
ferramenta de aprendizado e avaliação da gestão no que se refere à incorporação
de práticas de responsabilidade social empresarial ao planejamento estratégico e ao
monitoramento e desempenho geral da organização. Trata-se de um instrumento de
autoavaliação e aprendizagem de uso interno. A organização interessada em avaliar
suas práticas de responsabilidade social e se comparar com outras poderá responder
aos Indicadores Ethos e verificar quais os pontos fortes da gestão e as oportunidades
de melhoria. Os indicadores abrangem os temas valores, transparência e governança,
público interno, meio ambiente, fornecedores, consumidores e clientes, comunidade
e governo e sociedade (acesso em 12/07/2010 em http://www1.ethos.org.br).
No que se refere ao público interno é que o Instituto apresenta indicadores
mais relacionados à gestão de pessoas, quais sejam:
■ diálogo e participação: relações com sindicatos e gestão participativa;
■ respeito ao indivíduo: valorização da diversidade, compromisso com a não
discriminação e promoção da equidade racial e de gênero e relações com
211
trabalhadores terceirizados;
■ trabalho decente: política de remuneração, benefícios e carreira; cuida-
dos com saúde, segurança e condições de trabalho; compromisso com o
desenvolvimento profissional e empregabilidade; comportamento nas de-
missões e preparação para a aposentadoria.

Procuramos mostrar, neste texto, além dos conceitos, algumas aplicações da ética
e da moral e como eles se relacionam com práticas de gestão de pessoas. Como vocês
puderam ver, há princípios éticos e preceitos morais que norteiam nossos valores e
nossos comportamentos. Esses comportamentos são fonte de interesse da atuação dos
psicólogos e dos administradores que trabalham em organizações, pois gerir pessoas
é o grande desafio neste contexto.

5 Para descobrir mais, acesse www.ethos.org.


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Também salientamos que os códigos de ética profissional ou os de conduta


das empresas buscam definir o que é certo e/ou errado nos relacionamentos com
clientes, colegas, chefias e gestores das organizações. A visão de stakeholders ampliou
e complexificou a rede de relacionamentos internos e externos à empresa, e tanto os
conselhos profissionais quanto os empresários se preocupam em definir regras que
permitam uma convivialidade adequada. Ao se preocupar em formular normas e re-
gras baseadas em valores como justiça, equidade, respeito, aceitação da diversidade,
os gestores organizacionais estão se pautando por valores éticos voltados a princípios
Psicologia Aplicada à Administração

que permitam maior qualidade de vida aos profissionais que lá trabalham. As ações
voltadas à responsabilidade social nas empresas também podem incluir indicadores
voltados ao público interno e que vão na mesma direção de comprometer-se social-
mente com aqueles que mantêm os resultados organizacionais. Certamente que muitos
são os questionamentos sobre os usos que se fazem dessas ações e suas amplitudes, mas
certamente elas representam uma ampliação no sentido de ambientes organizacionais
pautados por valores socialmente compartilhados.

9.7. PARA PENSAR NAS APRENDIZAGENS DO CAPÍTULO


Vamos verificar:
■ Quais as aproximações e as diferenças entre ética e moral?
■ Por que a ética empresarial somente passou a ser fonte de interesse das
organizações nas últimas décadas?
■ Problematize o que é responsabilidade social e sua importância para a éti-
212 ca das empresas.
■ Defina por que o Código de Ética visa padronizar comportamentos e quais
os conteúdos principais ligados à gestão de pessoas.
Tópicos para discussão. Organize um fórum de discussão e debata com os
colegas as seguintes questões:
■ Quais as principais contribuições dos Códigos de Ética para a gestão de
pessoas em organizações?
■ Quais as possíveis dificuldades para a realização de ações socialmente res-
ponsáveis pelas organizações no Brasil?
Sugestões de pesquisa – Procure navegar pela internet, em sites de empresas, e
tomar contato com códigos de ética ou ações de responsabilidade social. Oferecemos
algumas dicas iniciais de acesso para códigos de ética ou de conduta.
■ Bradesco – http://www.bradescori.com.br/site/conteudo/interna/default3.
aspx?secaoId=594Referências complementares
Capítulo 9

■ Marisol – http://www.marisolsa.com.br/relacao_investidores/codigo_de_
etica_marisol.pdf
E códigos de ética profissional:

Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


Psicologia – www.pol.org.br › Pol › Legislação
■ Administração – http://www.cfa.org.br/download/cgs0268.pdf
■ Direito – http://www.eticaempresarial.com.br/imagens_arquivos/artigos/
File/Eticaenegocios/CodEticaDisciplina%20OAB.pdf
■ Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo
Federal – www.planalto.gov.br/ccivil_03/.../d1171.htm

Algumas empresas nacionais que apresentam programas de responsabilidade


social:
■ Banco do Brasil – http://www.bb.com.br/portalbb/page22,8305,8456,0,0,1,6.
bb?codigoNoticia=4584&codigoMenu=3805
■ Boticário – http://internet.boticario.com.br/portal/site/internetbr/
■ Bradesco – http://www.bancodoplaneta.com.br/site/
■ Instituto HSBC – http://www.porummundomaisfeliz.org.br/
■ Petrobras – http://www2.petrobras.com.br/portal/responsabilidade.htm

Dê uma espiada sobre ética empresarial no site www.eticaempresarial.com.br e


sobre responsabilidade social no conhecido site do Instituto Ethos: http://www1.ethos.
org.br/EthosWeb/pt/295/aprenda_mais/publicacoes/publicacoes.aspx e no http://www. 213
responsabilidadesocial.com/institucional/institucional_view.php?id=4.
Se você quer ler mais sobre questões éticas, sugerimos alguns livros:
BORGES, M.; DALL’AGNOL, D.; DUTRA, D. Ética. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002, 141 p.
DEL NERO, C. Problemas de ética profissional do psicólogo. Vetor Editora Psicopedagógica,
1997.
DENNY, E.A. Ética e sociedade. Capivari: Opinião E., 2001.
FRANKENA, W.K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo. Pioneira, 1999.
NASH, L. Ética nas empresas: boas intenções à parte. São Paulo: Makron Books, 2001.
PENA, A.G. Introdução à filosofia da moral. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
WHITAKER, M.C. Ética na vida das empresas. Depoimentos e experiências.
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Se você gosta de filmes, não perca:


Desejos para estudar a ética profissional de um psiquiatra. O thriller apresenta
um ambiente sinistro desde o início: Barr (Richard Gere) quebra a ética profissional
ao envolver-se com a atraente irmã (Kim Basinger) de uma cliente com problemas
(Uma Thurman). Ele é um especialista notável na sua área e torna-se presa como parte
de um enredo que envolve assassinato e dinheiro.
Enron – os mais expertos da sala é um documentário baseado em best-seller escrito
Psicologia Aplicada à Administração

por Bethany McLean e Peter Elkind e traça um estudo sobre um dos maiores escândalos
no mundo corporativo norte-americano. Os executivos da sétima maior empresa dos
Estados Unidos fugiram com bilhões de dólares, deixando investidores e empregados
sem um tostão. O filme mostra documentos e gravações reveladoras sobre o escândalo,
mostrando a diferença absurda da hierarquia na empresa em questão, a Enron.
Em A firma, Mitch McDeere (Tom Cruise) é um jovem advogado que vai traba-
lhar com um alto salário e diversas vantagens em uma empresa em Memphis. Porém,
logo descobre que a empresa onde trabalha está envolvida com lavagem de dinheiro
da Máfia e que todos os advogados que saíram ou tentaram sair da empresa morreram
precocemente, de forma misteriosa. O filme questiona o código de ética, que mantém
em sigilo a relação do advogado com o cliente, que proíbe por toda a vida que um
crime cometido por um cliente seja revelado por seu advogado.

9.8. REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2000.
214 ALBERTI, R.; EMMONS, M. Como se tornar mais confiante e assertivo. Rio de Janeiro:
Sextante, 2008.
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Caeiro. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
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BARROS, A. Alunos deficientes nas escolas regulares: limites de um discurso. Revista
Saúde e Sociedade, v. 14, n. 3. São Paulo, set./dez. 2005.
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da psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
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Bertrand Brasil, 2000.
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social. Estudos de psicologia. Natal, Jan./Apr. 2004, v. 9, n. 1, p. 25-34.
Capítulo 9

CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In: BÓGUS, L.; YAZBEK, M.C.; BELFIORE-WAN-


DERLET, M. (Org.). Desigualdade e a questão social. São Paulo: Educ, 1997, p. 15-48.
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Processos psicossociais na construção de sentido ético nas organizações


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Zz6xz&sig=LgLFPeyv4tPFEvcKANj322nGa8c&hl=pt-BR&ei=sGU3TPPaK8Hfl-
gfK4KDVBw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=3&ved=0CBwQ6AEwAg
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217
10
Decisão com múltiplos objetivos
– o caso do Sistema de Saúde

Eduardo Ribas Santos

Quando temos que estabelecer de modo sistemático, ou formal, um processo para esco-
lha, valores e abordagens pessoais necessariamente estarão em jogo. Quando a escolha
envolve um conjunto grande, ou mesmo muito grande, de alternativas, uma adequada
percepção do problema por quem estabelece as regras, assim como sua percepção do
ambiente no qual o problema está inserido, adquirem uma importância especial para
a qualidade dos resultados. Afinal, qualquer processo sempre será concebido por pes-
soas, e sua concepção dependerá de como estas pessoas se comportam e percebem o
mundo. Essa questão vem sendo estudada há muito tempo, e há pelo menos 30 anos
já se encontra equacionada de forma a podermos estabelecer processos formais para
algumas escolhas complexas. O elemento central dessa problemática compreende a
diversidade de como os aspectos da realidade são considerados por cada um de nós.
Assim, cada um, baseado em seus objetivos pessoais, selecionados de forma a caracte-
rizar suas preferências, escolhe um carro, uma casa, seus amigos, sua profissão. Se, por
exemplo, alguém prefere carros que custem e consumam o mínimo possível e não se
contenta com qualquer carro, seus objetivos poderão privilegiar, além da economia, a
qualidade mecânica e o design. O conforto e a aparência poderão ser irrelevantes. Estas,
entretanto, são escolhas cujas consequências recaem, na grande maioria das vezes, no
círculo imediato ou na vida de quem as fez, pois são escolhas pessoais.
Embora a metodologia para a decisão com múltiplos objetivos possa ser aplicada
para interesses de âmbito pessoal, interessa-nos aqui escolhas cujas consequências
são coletivas, onde visões particulares para a determinação das regras que geram os
resultados da decisão não podem predominar. Nessas situações, necessita-se de valores,
Eduardo Ribas Santos ELSEVIER

ou princípios, que tenham reconhecimento coletivo, para que os resultados também


possam ser aceitos pela coletividade onde recaem as consequências. As preferências,
com sua explicitação através da determinação de quais são os objetivos relevantes,
devem favorecer a coletividade, em toda a sua diversidade. Para que isso tenha efeito,
todos os aspectos cujas consequências atingem diferenciadamente a coletividade de-
vem estar incluídos nos princípios que regem a obtenção dos resultados da decisão.
Por exemplo, se jovens e idosos pertencem à coletividade atingida pelos resultados de
uma decisão relacionada à saúde, esta poderá levar em conta, por exemplo, o fato de
que jovens são menos expostos a certas doenças do que idosos. O que levar em conta,
Psicologia Aplicada à Administração

e como, para diferenciar cada uma das alternativas (no caso, cada jovem e cada idoso
pertencente à coletividade), de forma que possa pertencer a uma categoria final para
a qual as providências sejam tomadas (por exemplo, jovens com saúde, idosos com
saúde), compreende os elementos básicos da metodologia para a decisão com múltiplos
objetivos. A metodologia para a decisão com múltiplos objetivos foi desenvolvida por
Keeney e Raiffa (1976). Além de toda a fundamentação matemática do formalismo,
os autores também desenvolveram uma metodologia para a abordagem de problemas
desse tipo. Chegar-se a um sistema, usualmente informatizado, para tratar decisões
desse porte envolve uma série de cuidados. Uma vez que o ponto-chave recai na de-
terminação dos objetivos que, explicitamente, devem caracterizar as preferências e
discriminar as alternativas consistentemente com a diversidade da coletividade objeto
da decisão, o que está em jogo é o conhecimento. Tal conhecimento pode ser elucidado,
essencialmente, de duas maneiras. A primeira é através da aplicação do formalismo (ou
do sistema), individualmente, a um número expressivo de indivíduos pertencentes à
coletividade. Por exemplo, para se conhecer as preferências de consumidores de um
produto customizado (feito um a um segundo as especificações de cada consumidor),
é possível, através de cada decisão individual resultante do processo formal de escolha
222 com múltiplos objetivos, evidenciar as categorias de consumidores. Através da base
de dados obtida com o tempo, será possível saber quais objetivos são privilegiados
e, ainda mais, como as composições do produto são preferidas pelos consumidores
(Frutos, Santos e Borenstein, 2004). Esse tipo de resultado é fundamental não apenas
para o próprio processo de customização em massa, mas também para a concepção
de novos produtos. Outra maneira de elucidar os conhecimentos para a determinação
dos objetivos é através da consulta a conhecimento já formalizado (literatura científica
e técnica) e, principalmente, através de pessoas que detenham uma experiência e um
conhecimento aprofundado da situação que envolve a decisão. Nesse caso, a coletividade
deverá estar representada por indivíduos que a conhecem bem.
A metodologia será ilustrada, a seguir, através de uma aplicação que compreende o
desenvolvimento de um sistema para marcação de consultas especializadas em um
sistema universal de saúde (Marinho, Santos e Borenstein, 2010). O trabalho segue
todas as suas etapas, onde o conhecimento de uma equipe de médicos especialistas
experientes e técnicos da área de saúde proporcionou a elucidação do processo, suas
variáveis e seus parâmetros.
Capítulo 10

10.1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA


Nesta primeira etapa, foram definidos os elementos principais que compõem
o problema, tais como as características da sistemática utilizada para a marcação das
consultas, as especialidades, os atributos das clínicas para tratamento especializadas e

Decisão com múltiplos objetivos – o caso do Sistema de Saúde


os problemas relacionados à marcação de consultas especializadas em geral. Nas regiões
com alta densidade populacional, o sistema de saúde opera em três níveis. No primeiro,
é oferecido atendimento de casos que não são de urgência por médicos generalistas,
assim como serviços de pediatria, ginecologia, obstetrícia, vacinas e procedimentos
simples de enfermaria. Estes serviços são prestados em postos de saúde localizados em
áreas residenciais. Nesses postos de saúde, os médicos generalistas, dependendo dos
resultados da consulta, podem encaminhar o paciente a tratamentos especializados,
tais como de cardiologia, neurologia e oftalmologia. A realização desses tratamentos
constitui o segundo nível. Dependendo do tipo de tratamento diagnosticado, os pa-
cientes podem ser encaminhados a um hospital, o que compreende o terceiro nível do
sistema de saúde. Para que passem para o segundo nível, os pacientes são encaminhados
a este através de um sistema para marcação de consultas especializadas. Esse sistema
encaminha os pacientes às clínicas para tratamento especializado levando em conta
as agendas com consultas disponíveis. Por outro lado, o sistema para marcação das
consultas é responsável pela avaliação das necessidades de cada paciente, de maneira
que seja encaminhado adequadamente.
Muitos problemas estão envolvidos nesse complexo processo de encaminhamen-
to. Dentre eles, destacam-se um número excessivo de pacientes que são incorretamente
encaminhados, assim como a falta de uma especificação clara e formal das necessi-
dades do paciente pelo médico generalista. Em decorrência, o uso de critérios para a 223
priorização dos atendimentos de forma a organizá-los para que os tratamentos sejam
efetivos não é possível. A combinação desses fatores exerce um efeito extremamente
negativo na maneira como o sistema opera na prática. O sistema torna-se sobrecar-
regado, com longos tempos de espera para o tratamento dos pacientes e, ainda, gera
uma alta taxa de não comparecimento às consultas agendadas.
Apesar da existência do sistema para marcação das consultas e da competência
dos médicos, sua efetividade depende da forma como são integrados o primeiro e o
segundo níveis do sistema de saúde. No primeiro nível, o diagnóstico do paciente,
baseado em uma avaliação geral de seu estado, deve se dar de forma que o melhor grau
possível de confiança, levando em conta os recursos disponibilizados neste nível, seja
atingido. Uma vez que o paciente é transferido para o segundo nível, todos os recursos
necessários para a validação das hipóteses (do diagnóstico prévio) devem estar dis-
poníveis. Assim, o desempenho do sistema depende de um balanço adequado entre a
economia de recursos no primeiro nível e a disponibilidade dos recursos no segundo.
Eduardo Ribas Santos ELSEVIER

Tal balanço é resolvido se, dado o conjunto de condições, uma classificação adequada
do estado clínico de cada paciente no primeiro nível for seguida de sua apropriada
alocação (ou encaminhamento) em uma clínica especializada. O problema, portanto,
pode ser resumido pela definição de categorias às quais um paciente pode se enquadrar,
de maneira a organizar seu encaminhamento à clínica mais apropriada a seu caso. O
problema também inclui os procedimentos para a identificação da categoria à qual
cada paciente pertence, em função de seu estado clínico. Note-se que há inúmeras
categorias, algumas muito menos severas do que outras, dentre os estados clínicos
Psicologia Aplicada à Administração

possíveis. Há também o problema do não comparecimento às consultas marcadas.


Usualmente, o tempo de espera é utilizado como medida para avaliar o desem-
penho de um sistema de marcação de consultas, e deve ser definido em função da
avaliação do estado clínico dos pacientes. No caso em questão, entretanto, em sistemas
de saúde onde há leis de regulação, não é suficiente. A medida de efetividade integra
de forma mais adequada os aspectos envolvidos, que incluem a qualidade dos serviços.
No contexto deste problema, essa medida deve incluir a avaliação das condições do
paciente em termos de suas necessidades clínicas, a capacidade de resolução de cada
clínica especializada, assim como a dificuldade de acesso dos pacientes ao local das
clínicas.
Esta etapa é a mais difícil e demorada. Neste trabalho, envolveu não só a equipe
de especialistas e técnicos, mas também meses de pesquisa na literatura relacionada,
inúmeros seminários com discussões e uma análise extensa do sistema de saúde
operante. Várias tentativas foram necessárias para explicitar o problema tal qual
está exposto. A percepção original era de que, uma vez que uma assustadora fila de
224 pacientes se formava, o problema deveria ser resolvido por simulações matemáticas
com métodos estatísticos. Dar-se conta de que a questão era estrutural, organizacional
e informacional consumiu muito debate e dedicação. O emprego da metodologia da
decisão com múltiplos objetivos tornou-se evidente.

10.2. DEFINIÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DOS OBJETIVOS


A partir do conhecimento adquirido na primeira etapa, os objetivos podem ser
formalmente definidos e estruturados em uma hierarquia. Essa estrutura hierárquica
permitirá, a partir de seus elementos terminais, o cálculo da medida de efetividade.
Neste problema, efetividade é o objetivo topo, através do qual cada caso de encaminha-
mento poderá ser caracterizado. A estrutura resultante não é definitiva; ao contrário,
necessita normalmente de várias revisões realizadas pela equipe de especialistas, até
que seja considerada adequada à realidade. Para desenvolver o modelo de decisão com
múltiplos objetivos, a equipe de médicos foi constituída por dois médicos generalistas,
Capítulo 10

três médicos especialistas cada um em uma especialidade, dois médicos encarregados


do sistema de regulação e um médico da gestão de saúde municipal. Também fizeram
parte da equipe um técnico em informática, um técnico responsável pela marcação das
consultas e um representante dos pacientes. Toda equipe tinha grande experiência em
atuar tanto no primeiro quanto no segundo nível do sistema de saúde, assim como ex-

Decisão com múltiplos objetivos – o caso do Sistema de Saúde


periência em vários centros para marcação de consultas. Efetividade foi primeiramente
desmembrado em três objetivos: necessidade do paciente, acessibilidade do paciente a
cada clínica possível e capacidade de tratamento da clínica. Note-se aqui que os objeti-
vos referem-se a duplas formadas por um paciente sendo encaminhado a uma clínica
possível, e cada dupla “paciente-clínica” constitui uma variável do modelo de decisão.
No decorrer das reuniões, um dos membros da equipe deu-se conta de que as
bases de dados em uso no sistema de marcação de consultas não poderiam prover as
informações necessárias para a avaliação de todos os três objetivos até então definidos.
Assim, verificou-se ser necessária a criação de um novo protocolo a ser preenchido
pelo médico generalista com as informações necessárias para a avaliação dos objeti-
vos. O novo protocolo proporcionou a adequada apropriação das informações para o
encaminhamento dos pacientes ao segundo nível do sistema de saúde. Nesse protocolo
foi incluído um campo informacional onde é indicado o código da doença definido na
Classificação Internacional de Doenças (International Classification of Diseases – ICD).
Outras informações também foram incluídas, de maneira que o objetivo necessidade
do paciente, desmembrado em mais quatro objetivos, pudesse ser avaliado para cada
dupla “paciente-clínica”. Definiram-se, assim, para compor necessidade do paciente,
os objetivos gravidade, impacto no desempenho, grau de crença na hipótese diagnósti-
ca e tempo de espera. Estes quatro objetivos foram formalmente descritos, incluindo
sua forma de avaliação. Para avaliar a natureza subjetiva do objetivo gravidade, os 225
especialistas criaram uma escala com valores entre 1 e 9 relacionada à gravidade de
cada doença no ICD, cujos valores expressam objetivamente os “graus de gravidade”.
O objetivo impacto no desempenho foi avaliado através do grau de interferência que a
doença provoca nas atividades do dia a dia do paciente, em três níveis: baixo (valor =
1), médio (valor = 5) e alto (valor = 9). O grau de crença na hipótese diagnóstica expressa
o quanto o médico generalista tem confiança na hipótese que foi capaz de estabele-
cer para o diagnóstico do paciente durante a consulta, com valor zero se sua crença
for fraca e 1 se for forte. Uma avaliação do tempo de espera para obter uma consulta
especializada foi introduzida com a finalidade de contemplar o aspecto relacionado à
“igualdade” de oportunidades entre os pacientes candidatos.
A avaliação do objetivo acessibilidade do paciente a cada clínica possível, para
cada dupla paciente-clínica, foi feita através da razão entre a distância da clínica mais
próxima à residência do paciente e a distância da clínica em questão. As informações
foram extraídas da base de dados do sistema de saúde. Finalmente, para avaliar o
Eduardo Ribas Santos ELSEVIER

objetivo capacidade de tratamento da clínica, este foi desmembrado de maneira a


formar, para cada especialidade, um conjunto dos procedimentos para tratamento
especializado disponibilizados pelo total das clínicas. Uma vez que nem todas as
clínicas disponibilizam todos os tratamentos, a avaliação do objetivo baseia-se na
contagem dos tratamentos disponibilizados em uma dada clínica. Clínicas que não
podem atender à doença diagnosticada não são consideradas, ou seja, não é formada
a dupla “paciente-clínica”. A Figura 10.1 apresenta a estrutura hierárquica final para
os objetivos da especialidade cardiologia.
Psicologia Aplicada à Administração

Vê-se, a partir desta aplicação, que a definição dos objetivos não se deu em uma
só vez. Compreendeu uma construção progressiva, onde os objetivos foram sendo
desmembrados em função da necessidade de objetividade. À exceção do objetivo
acessibilidade do paciente a cada clínica possível, cuja avaliação mostrou-se possível
a partir das informações de cadastro dos pacientes na base de dados, os dois outros
ainda encontravam-se definidos de tal maneira que uma avaliação objetiva não era
possível. A fim de integrar as informações para a avaliação de cada um dos objetivos,
novos objetivos foram definidos. A integração dessas informações é realizada a partir
de alguns cálculos que têm uma fundamentação matemática consolidada, o que ve-
remos adiante. Ainda, Keeney e Raiffa (1976) enfatizam a diferença que existe entre
o significado do termo objetivo (objective) e do termo meta (goal). Uma meta é algo
que tem um valor previamente estabelecido, constitui algo que deve ser atingido, uma
baliza, um alvo. Não atingir o valor estabelecido constitui insucesso ou sucesso parcial.

Figura 10.1. Hierarquia de objetivos para a especialidade cardiologia.


efetividade
226

necessidade acessibilidade capacidade


Angiorressonância
hipótese diagnóstica

Eletrofisiologia
Cintilografia
Angioplastina

Hemodinâmica
Gravidade

o desempenho

Ecocardiograma

Eletrocardiograma

RX de tórax

Teste ergonométrico
Tempo de espera
Impacto sobre

(Cateterismo)
Grau de crença na

de repouso

O significado do termo objetivo pressupõe aspectos muito distintos, e com con-


sequências também distintas. Objetivo constitui algo que se busca e que dificilmente se
chega lá. Essa noção é essencial para a ideia de otimização, onde se exploram muitos
cenários de maneira a ver qual deles oferece a melhor alternativa. Melhor alternativa
não significa, porém, um valor preestabelecido que se supõe ser o melhor! Explorar
Capítulo 10

cenários, de forma a verificar aquele que oferece a organização mais favorável ao que
se busca, reflete a ideia da abordagem para a decisão com múltiplos objetivos (assim
como a ideia de otimização). Veremos que, para cada cenário (no caso, um “lote” de
pacientes), podemos obter a organização dos pacientes nas clínicas mais adequadas
às necessidades clínicas e sociais dos pacientes e que fazem o melhor uso dos recursos

Decisão com múltiplos objetivos – o caso do Sistema de Saúde


oferecidos pelas unidades de tratamento especializado. Isso é possível devido à natu-
reza da abordagem, onde nossa subjetividade de expressão é utilizada como recurso.
Uma noção que inclui muitos aspectos, ou à qual muitos significados podem ser
atribuídos, pode efetivamente ser tornada mais clara se nos servirmos, primeiramente,
de recursos para uma representação estruturada, capaz de integrar consistentemente
esses vários aspectos. A possibilidade de relacionarmos cada aspecto a um objeto
do mundo real permite-nos definir formas para designar este objeto em relação aos
demais. O fato de que podemos estabelecer diferenças entre os objetos torna possível
o processo para sua avaliação objetiva, ou seja, que pode ser confirmada por outras
pessoas com experiências similares. Enfim, a abordagem da decisão com múltiplos
objetivos constitui um instrumento cognitivo, um instrumento para aprendizagem.
Sua aplicação leva a um processo de repensar socialmente a realidade, de reorganizá-la
em concordância com objetivos que, por sua vez, também são dinâmicos.

10.3. BALANCEAMENTO DOS OBJETIVOS E AVALIAÇÃO DAS ALTERNATIVAS


Naturalmente atribuímos importâncias diferentes a aspectos de um mesmo
problema. Por isso, o balanceamento dos objetivos, em cada ramo da hierarquia de
objetivos e em um mesmo nível, é necessário para que a importância relativa de cada 227
objetivo seja representada. A cada objetivo deve ser atribuído um peso w, um número
que situa sua importância em relação aos demais. Vários métodos são apresentados
na literatura para a definição dos pesos. Entretanto, independentemente do método
utilizado, a definição dos pesos é baseada nos julgamentos de valor dos indivíduos
participantes do processo, por consenso. Essa tarefa deve ser realizada, portanto, por
pessoas com profundo conhecimento do problema. Por exemplo, no caso apresentado,
os pesos finais para os objetivos que compõem o objetivo necessidade do paciente foram:
wgravidade=9, wimpacto no desempenho=3, wgrau de crença na hipótese diagnóstica=2 e wtempo de espera=1.
Por outro lado, o que se quer, em última instância, é situar cada alternativa da
escolha em relação a seu conjunto. A avaliação de cada alternativa por meio dos ob-
jetivos é realizada através de uma função que traduza a proporção que tem o valor de
um dado objetivo para uma dada alternativa em relação ao conjunto das alternativas,
avaliadas pelo mesmo objetivo. Nesta aplicação, onde a simplicidade era um requisito
importante, utilizou-se uma função linear aditiva para avaliação, ou seja, uma função
Eduardo Ribas Santos ELSEVIER

onde o valor de cada objetivo em cada alternativa é linearmente traduzido para um


intervalo entre zero e 1:
vnorm = (v – vmin) / (vmax – vmin),
onde vnorm é o valor normalizado (entre zero e 1) atribuído à alternativa; vmax e vmin
são, respectivamente, o “melhor” e o “pior” valor atribuído às alternativas em todo o
conjunto; e v é o valor (o valor como está representado em sua escala de medida) do
objetivo na alternativa. Por exemplo, para uma alternativa que se refere a uma dupla
Psicologia Aplicada à Administração

“paciente-clínica” (no caso apresentado, paciente 79 com possível encaminhamento


ao Instituto de Cardiologia), onde o paciente tem suspeita de uma doença com grau
de gravidade = 9 dentre um “lote” de pacientes cujo “melhor” grau de gravidade = 9 e
o “pior” grau de gravidade = 5, terá um grau de gravidade normalizado = 0,80.
Finalmente, o que se quer é avaliar cada alternativa através do conjunto de ob-
jetivos de forma integrada. Esse cálculo é possível mediante as propriedades de uma
função designada como função aditiva de valor, ou seja, através da soma (ponderada)
dos valores dos objetivos para cada alternativa. Conforme a teoria, uma função v pode
ser expressa em uma forma aditiva
v(x,y,z) = vX(x) + vY(y) + vZ(z),
onde vX, vY e vZ são objetivos únicos de uma função de valor, se e somente se {X,Y} é
preferencialmente independente de Z, {X,Z} é preferencialmente independente de Y, e
{Y,Z} é preferencialmente independente de X. Ou seja, para que os valores dos objetivos
que avaliam uma alternativa possam ser integrados através de sua soma, os objetivos
devem ser preferencialmente independentes. Esse é um requisito matemático que, se
não for observado durante a definição dos objetivos em sua estrutura hierárquica, leva
228
a resultados inconsistentes. No caso apresentado, um cuidado especial foi dado a essa
questão por meio de várias abordagens do problema junto aos médicos.
Dessa maneira, o cálculo do valor de um objetivo “pai” na hierarquia, para uma
alternativa dada, é realizado através da soma do peso de cada objetivo “filho” multipli-
cado por seu valor na alternativa. O resultado deve ser dividido pela soma dos pesos
dos objetivos “filhos”, de maneira a se obter um valor normalizado para o objetivo
“pai”. Vê-se que este cálculo é feito de forma ascendente na hierarquia: inicia-se pelo
cálculo do valor de cada objetivo no nível mais baixo de maneira a se obter o valor de
cada objetivo “pai”, até chegar-se no valor do objetivo topo. O valor do objetivo topo
integra, portanto, todos os valores de seus descendentes, e é o valor que será atribuído
à alternativa, relativo ao conjunto de todas as alternativas.
Como se vê, a avaliação de cada uma das alternativas a situa em relação às
demais e contém uma apreciação de todos os aspectos considerados relevantes a ela
Capítulo 10

no problema. A Tabela 10.1 apresenta os dados para o cálculo do valor de uma dupla
“paciente-clínica”.

Tabela 10.1. Dados para o cálculo do valor de um objetivo para uma dupla “paciente-clínica”
Dados para o objetivo necessidade do paciente

Decisão com múltiplos objetivos – o caso do Sistema de Saúde


Gravidade Impacto no desempenho Grau de crença Tempo de espera
valor (v) na alternativa 9 9 0 130 dias
vmin 5 1 0 48 dias
vmáx 10 9 1 154 dias
vnorm 0,80 1 0 0,77
peso (w) 9 3 2 1
valor (normalizado) do objetivo = 0,73

O sistema desenvolvido foi testado pelos médicos especialistas para um “lote”


real e expressivo de pacientes a serem encaminhados para tratamento especializado.
Com base nos novos protocolos, solicitou-se aos médicos que organizassem o enca-
minhamento dos pacientes baseando-se em seus conhecimentos. Verificou-se que a
organização gerada pelo sistema superou a dos médicos em aproximadamente três
dentre cada 30 alternativas. Os médicos não foram capazes de encontrar outra orga-
nização melhor.
A abordagem da decisão com múltiplos objetivos fundamenta-se em ideias
lançadas na década de 1950 por pesquisadores com formação em psicologia. Dentre
eles, destaca-se o professor Ward Edwards (Edwards, 1961; Edwards e Fasolo, 2001),
falecido em 2005. O professor Edwards, em sua vida, esteve interessado pela questão:
como devem ser tomadas as decisões? Qual decisão é a melhor, e como alguém, ao
decidir sobre algo, pode encontrá-la, reconhecê-la e pô-la em prática? Perguntas desse 229
gênero estão presentes em quase todas as situações nas quais o desempenho humano
requer o emprego de habilidades ou de conhecimento. Como proceder nessas situações?
Como comportar-se adequadamente perante a situação? Como medir e atribuir um
valor a comportamentos possíveis, de maneira a avaliar sua adequação? Como um
valor detido por alguém pode ser traduzido e desenvolvido? Atualmente, dispomos de
vários instrumentos, facilitados pelo progresso da informática, com os quais é possível
abordar nem tudo, mas boa parte dessas questões.
Nesta apresentação de caso, procuramos privilegiar o que está relacionado a
conhecimento e aprendizagem. O trabalho desenvolvido por este grupo de profissionais
dedicados esclareceu um princípio caro ao próprio professor Edwards, de que uma
consistente evolução do conhecimento pode ser adquirida por meio de representações
do mundo designadas como “normativas”. Podemos interpretá-la como uma forma de
abordar nossas decisões a partir de um princípio de busca pelo equilíbrio. Os resulta-
dos reforçam essa maneira de pensar. O sistema gerou distribuições que equilibram
Eduardo Ribas Santos ELSEVIER

as necessidades dos pacientes e os recursos disponíveis, mais justas levando em conta


nossas limitações. Este ponto de partida abre portas para a incorporação de novos
conhecimentos, consistentes com os princípios iniciais estabelecidos.

10.4. REFERÊNCIAS
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230
11
Psicologia aplicada a finanças:
as ilusões cognitivas nas
decisões financeiras

Jairo Procianoy
Roberto Frota Décourt

A moderna teoria de finanças assume que as decisões financeiras são tomadas por
pessoas racionais e objetivam a maximização da utilidade para a empresa. Como as
decisões de investimento de uma empresa são realizadas em um ambiente de incerteza,
os executivos responsáveis pela decisão devem avaliar o risco envolvido nessa operação
e determinar qual o retorno desejado.
O tomador de decisão, como ser racional, sempre exigirá maiores retornos para proje-
tos de maior risco. Não é racional assumir maiores riscos sem nenhuma recompensa.
Quanto de retorno adicional é exigido pelo maior risco assumido depende de caracte-
rísticas pessoais de cada um. Conservadores exigirão retornos muito altos pelo risco,
enquanto pessoas mais propensas ao risco aceitarão um pequeno acréscimo do retorno
pelo aumento do risco.
Markowitz (1952) construiu um modelo de alocação de recursos para os investidores
racionais utilizando os conceitos de risco e retorno. As decisões de investimento deve-
riam buscar a criação de um portfólio que maximizasse o retorno para determinado
nível de risco desejado.
Jairo Procianoy | Roberto Frota Décourt ELSEVIER

Fama (1970) propõe a hipótese de mercado eficiente, na qual os preços dos ativos refle-
tem todas as informações disponíveis. Dessa forma, todos os investimentos teriam valor
presente esperado nulo, ou seja, não seria possível determinar quais serão os melhores
investimentos no futuro, pois todos já estariam precificados com seus diversos retornos
ajustados aos distintos riscos.
As decisões financeiras, de acordo com os pressupostos de total racionalidade do agente
decisor e maximização da utilidade esperada, exigem apenas a coleta de informações
disponíveis e a aplicação de modelo matemático aplicado. Todavia, na década de 1970,
Psicologia Aplicada à Administração

dois psicólogos israelenses, Amos Tversky e Daniel Kahneman, colocaram em dúvida


esses pressupostos adotados na teoria financeira.
Segundo eles, as decisões dos gestores podem ser afetadas por vieses e heurísticas
que podem desviá-las da racionalidade, características estas conhecidas como ilusões
cognitivas.
Uma das conclusões de Kahneman e Tversky (1979) é que a função do valor em rela-
ção ao ganho é diferente da função do valor em relação à perda. A função valor para
perdas é convexa, enquanto a função valor para ganhos é côncava, conforme mostrado
na Figura 11.1.

Figura 11.1. Gráfico da função valor.

232

A interpretação da função valor indica que o sentimento de perda é muito mais forte
que a satisfação com o ganho. Essa diferença de valor para ganhos e perdas afeta toda a
avaliação racional da relação entre risco e retorno exigido pelos investidores e empresas.
Após a importante contribuição de Kahneman e Tversky (1979), outros pesquisadores
(Thaler, 1980; Arkes e Blumer, 1985 e Shiller, 2000) investigaram comportamentos hu-
manos que afetam a racionalidade das decisões financeiras. Neste capítulo, analisaremos
três casos que demonstram alguns desses comportamentos.
Capítulo 11

No primeiro caso, observamos o efeito doação descrito por Thaler (1980). O efeito
doação faz com que as pessoas exijam para seus bens valores muito superiores aos va-
lores que estariam dispostos a pagar ao adquirir o mesmo bem, caso não o possuíssem.

Psicologia aplicada a finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras


No segundo caso, temos a influência de custos já incorridos nas decisões futuras. Arkes e
Blumer (1985) observaram que custos já incorridos e não recuperáveis afetam a decisão
sobre investimentos futuros.
No terceiro caso, fica clara a existência do conflito de agência. Jensen e Meckling (1976)
identificaram que há conflitos de interesses entre diversos agentes dentro de uma empresa
e cada um desses agentes busca o caminho que será mais vantajoso individualmente,
ou seja, os interesses individuais podem superar os interesses da empresa como um
todo. Neste caso, a decisão que não maximizará a utilidade dos sócios da empresa não
é consequência de problemas cognitivos, mas, sim, resultado de decisões individuais
que maximizarão a utilidade do próprio agente responsável pela decisão.

11.1. CASO LOJA DE DISCOS – EFEITO DOAÇÃO


Em setembro de 1952, no Rio de Janeiro, começou a acontecer a transformação
de uma típica família de classe média. Germano, na época, tinha 27 anos e trabalhava
como engenheiro em uma construtora, enquanto sua esposa Marlene cuidava do lar
e dos dois filhos Renato e Fernando, de quatro anos e dois anos, respectivamente.
A família tinha casa própria, carro e levava uma vida confortável. Não eram
ricos, mas não se podia dizer que levavam uma vida com restrições e, principalmente,
não assumiam muitos riscos. Em função do emprego estável de Germano, o futuro
não era uma preocupação para eles.
233
Tudo mudou quando Germano comunicou à família que havia um ponto à
venda no coração de Copacabana e que lá ele abriria uma loja de discos! Para cuidar
de sua loja, teria de pedir demissão de seu confortável emprego. Marlene foi totalmente
contra e argumentou que eles tinham duas crianças pequenas e, dessa forma, Germano
não poderia se dar ao luxo de abandonar a estabilidade obtida para ingressar em um
projeto sem nenhuma garantia de renda atual e futura.
De nada adiantaram os argumentos de Marlene e as diversas brigas que o casal
teve nos dias seguintes. Germano estava confiante e decidido a levar seu projeto até o
fim. Assim nasceu a World Discos.
Não demorou muito para que a loja se transformasse em um ponto de encontro
de artistas, cantores e apreciadores de boa música. Naquela época, os lançamentos nos
Estados Unidos demoravam mais de um ano para chegar ao Brasil, mas Germano
importava direto os últimos lançamentos, e seus clientes sabiam onde encontrar as
novidades. Era na World Discos.
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Música de qualidade, os mais novos álbuns e pessoas bacanas eram a marca


da World Discos. Germano também inovava constantemente em suas promoções e
propagandas. Em 1980, o negócio era a maior rede de discos do Brasil, com lojas em
São Paulo e Rio de Janeiro.
Nessa época, Renato, com 32 anos, que trabalhava com o pai desde os 16, assumiu
o controle do negócio e acelerou o crescimento da rede. O irmão, Fernando, nunca se
interessou pelos negócios e manteve-se afastado da administração, seguindo carreira
de médico com muito sucesso.
Psicologia Aplicada à Administração

A década de 1980 foi excelente, e a rede se expandiu para o interior de São


Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e para quase todos os shopping centers de São Paulo
e do Rio de Janeiro.
Apesar de distante dos negócios, o feito de Germano nunca foi esquecido,
muito pelo contrário, suas histórias eram sempre contadas por Renato para todos da
empresa como uma lenda e uma mensagem de determinação e busca dos sonhos. E
ele sempre lembrava que, se o pai não tivesse assumido os riscos que se apresentavam
naquele momento inicial e tivesse ouvido a mãe Marlene, eles ainda seriam uma fa-
mília de classe média. O enorme patrimônio da família foi fruto de muito trabalho,
mas também de uma boa dose de risco assumido por Germano.
A história dessa família teve outro momento importante em 1990, quando
Germano, viúvo havia dois anos, morreu antes de completar 65 anos. A rede de dis-
cos enfrentava dificuldades, o CD que substituiu o LP de vinil começava a enfrentar
a pirataria e as lojas de discos enfrentavam a concorrência dos grandes magazines.
A rentabilidade das lojas estava decrescente e alguns pontos foram fechados, mas
234
Renato continuava confiante que a crise seria passageira e que logo os bons tempos
voltariam. Seguindo o exemplo do pai, não deveria se amedrontar por causa dos riscos.
Fernando, que nunca teve uma ligação emocional com a rede de discos, mas mantinha
um alto padrão de vida graças à receita adicional que advinha das lojas, sentiu mais a
crise, pois não estava recebendo mais nenhum dividendo e não participava do dia a
dia da empresa para ter direito a salário.
Fernando tinha uma carreira de médico bem-sucedida e se sentia feliz profis-
sionalmente, mas a World Discos era responsável por mais da metade de sua renda.
Com essa crise, Fernando passou a enfrentar dificuldade para manter o padrão da
família, e essa falta de dinheiro passou a se refletir em brigas conjugais.
O irmão Renato dizia que eles estavam passando por um momento de dificul-
dade e que não havia sobras de caixa para serem distribuídas. O próprio Renato, que
administrava o negócio, também não estava fazendo nenhuma retirada de recursos –
Capítulo 11

nem mesmo seu salário. Os irmãos continuavam unidos e não havia má-fé ou desvios
de recursos da empresa, apenas maneiras diferentes de enxergar o mesmo negócio.
Fernando estava livre para pensar sobre o negócio. Seu distanciamento lhe

Psicologia aplicada a finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras


permitia vislumbrar a empresa sem paixões. Ele poderia analisar a perspectiva sob
uma ótica totalmente racional e queria muito vender a rede. Renato já tinha uma
forte ligação emocional com a rede e estava psicologicamente preso à World Discos.
Renato não conseguia fazer uma análise imparcial, pois ela era prejudicada pela longa
história vivida e pelos desafios enfrentados desde o início de sua vida profissional e,
ainda, pela convivência com o falecido pai.
Renato era totalmente contra a venda do negócio e acreditava totalmente que
dias melhores viriam e que ele se recuperaria,1 Fernando insistia na venda e, em 1992,
encontrou um investidor disposto a pagar US$ 6 milhões pela rede.
Renato recusou a oferta e afirmou que não venderia por menos de US$ 15 mi-
lhões. Renato acreditava que a crise era passageira e dizia que o irmão, como médico,
não tinha capacidade de avaliar qualquer negócio, muito menos este.
Os anos se passaram, a crise se agravava e o valor da empresa continuava a de-
clinar. Em 1996, os irmãos receberam uma oferta de US$ 500 mil, mas desta vez nem
mesmo Fernando estava disposto a vender por esse preço, pois estava preso à oferta2
de US$ 6 milhões, ocorrida quatro anos antes.
Em 1998, Renato fechou definitivamente as portas da última loja da World Dis-
cos sem que os irmãos recebessem um único centavo. Um triste fim para o negócio!
Renato tinha toda a capacidade de avaliar a perspectiva futura dos negócios
da família e perceber que a oferta de US$ 6 milhões era um excelente negócio, mas, 235
como estava dominado pelo efeito doação, sua racionalidade foi encoberta naquele
momento. A venda não foi concretizada em 1992, pois os irmãos não perceberam
que Renato não estava em condições de avaliar o negócio da família racionalmente.
Diversas empresas continuam com seus negócios deficitários, mantêm a pro-
dução de produtos sem mercado e sem perspectiva futura, pois seus atuais executivos,
quando ingressaram na empresa, receberam esses negócios e produtos como símbolo
de sucesso da empresa. O efeito doação os impede de avaliar o real valor e tomar uma
decisão racional.

1 Excesso de confiança é uma ilusão cognitiva em que a pessoa superestima sua capacidade e subestima
os riscos. Para maiores detalhe sobre o excesso de confiança, sugerimos a leitura de Daniel, Hirshleifer
e Subrahmanyam (1998).
2 Ancoragem é uma ilusão cognitiva que leva o indivíduo a se prender a números que não têm relação
com o valor atual em questão. Para conhecer mais sobre essa ilusão, sugerimos o trabalho de Kahneman
e Tversky (1974).
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Thaler (1980) criou o termo efeito doação ao observar o caso de Mr. R., que
havia comprado uma caixa de vinho por US$ 5,00 cada garrafa e alguns anos mais
tarde recusou uma oferta de US$ 100,00 por garrafa. Mr. R. não tomava mais o vinho,
pois nunca havia pagado mais de US$ 35,00 por um vinho, mas tampouco o vendia
por US$ 100.
Kahneman, Knetsch e Thaler (1991) realizaram um experimento em que um
grupo de alunos recebeu canecas e outro grupo de alunos não. Os alunos que recebe-
ram as canecas somente aceitavam vendê-las por um valor superior ao de mercado
Psicologia Aplicada à Administração

e muito superior ao valor oferecido pelos alunos que não receberam as canecas. Esse
experimento demonstrou muito bem o efeito doação.
No caso da World Discos, Fernando não estava afetado pelo efeito doação e
percebia que US$ 6 milhões era um excelente preço de venda da empresa da família,
mas Renato tinha sua racionalidade totalmente afetada pelo efeito doação e não acei-
tava vender a empresa por um preço inferior a US$ 15 milhões.
Muito provavelmente, se Renato tivesse uma loja concorrente à World Discos,
ele não pagaria os US$ 6 milhões que recusou. Também temos que executivos que
relutam em fechar uma unidade de negócios ou terminar a produção de produtos sem
futuro não investiriam nesses produtos ou negócios se estes já não fossem da empresa.
O efeito doação é um dos principais responsáveis pelas empresas continuarem
em atividades que foram rentáveis no passado, mas atualmente apenas destroem seu
valor.

236 11.2. CASO FÁBRICA DE MÓVEIS – CUSTOS JÁ INCORRIDOS


A Movelar foi fundada em 1991 no interior de Santa Catarina e sempre focou
em produtos com design diferenciado e materiais mais nobres. A empresa se diferen-
ciava pela qualidade de seus produtos e, com essa estratégia, conseguia agregar maior
valor de venda a seus produtos, o que resultava em margens brutas maiores que as de
seus concorrentes.
Em 1999, com o fim da banda cambial e o início do regime de câmbio flutuante,
foi sugerido à Movelar o ingresso no mercado externo, uma vez que seus produtos
com design diferenciado e alta qualidade seriam amplamente aceitos na Europa e nos
Estados Unidos.
A ideia foi bem aceita na empresa, e eles tomaram a iniciativa de participar de
uma feira do ramo moveleiro em Chicago em novembro de 1999. Conforme esperado,
os produtos foram muito bem aceitos. O câmbio (R$ 1,93 / US$ 1 naquele momento)
estava favorável para a empresa, e as exportações apresentavam uma margem melhor
do que as obtidas no mercado interno.
Capítulo 11

A empresa continuou investindo no mercado externo, e sua participação foi


crescendo em volume e em importância. Em novembro de 2001, novamente na feira
de Chicago, eles conseguiram concluir um excelente pedido com uma rede de lojas

Psicologia aplicada a finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras


americana e, para melhorar, o dólar valia R$ 2,78. Com esse pedido, o mercado externo
já representava 55% do faturamento da Movelar.
A partir de 2002, a Movelar resolveu concentrar todos os seus esforços no mer-
cado externo, e os resultados foram compensadores. O dólar havia atingido R$ 3,93
em outubro de 2002, quando finalizavam a linha de produtos que seria apresentada em
novembro em Chicago. A empresa cresceu 70% em termos de faturamento, e o mercado
externo foi responsável por mais de 80% da receita com vendas naquele momento.
Os resultados continuaram excelentes em 2003 e mesmo a queda do dólar para
um valor médio em torno de R$ 3,00 ao longo do ano não desanimou os executivos
da Movelar. Os pedidos continuavam a crescer, e a margem continuava muito boa.
No final de 2004, a empresa já dependia quase totalmente do mercado externo e
trabalhava com capacidade total de produção. O mercado interno havia sido deixado
de lado. Toda a estrutura de venda para essa região havia sido extinta. O câmbio estava
estável em torno de R$ 2,80, o que garantia boa margem aos seus produtos.
Nesse momento, os executivos da Movelar decidiram investir em uma nova
unidade de produção que ampliaria a capacidade da empresa em 100%. Compraram
o terreno ainda no final de 2004 e iniciaram a construção do galpão industrial em
abril de 2005.
Em novembro de 2005, a obra estava quase finalizada e seria necessária a compra
do maquinário para estruturar a linha de produção da nova unidade. O resultado da
237
feira de Chicago não foi bom. O custo da madeira havia crescido 40% no último ano,
e o dólar continuava a cair e valia R$ 2,16. Os preços sugeridos aos clientes americanos
ficavam muito acima dos desejos deles, resultando em menos pedidos e com margens
muito inferiores às anteriormente obtidas.
Os pedidos obtidos na feira em Chicago sinalizam que a Movelar não teria
produção para ocupar nem 70% da capacidade instalada. A empresa estava bem ca-
pitalizada em decorrência dos bons resultados dos anos anteriores. A construção do
galpão industrial consumiu boa parte desses recursos, mas ainda assim os executivos
imaginavam que a empresa poderia sobreviver a alguns anos de resultados inferiores
ou até ruins.
Os executivos da Movelar deveriam decidir se manteriam a decisão de investi-
mento em maquinário ou se adiariam esse investimento. Eles estavam presos às decisões
passadas e aos custos já incorridos. Eles tiveram suas decisões afetadas e decidiram
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manter os investimentos mesmo com o cenário ruim, custo da madeira com tendência
de crescimento, dólar em tendência de queda e capacidade atual ociosa.
Nenhum executivo decidiria investir na ampliação da capacidade produtiva
nessa situação, muito menos dobrar a capacidade. Continuar o projeto de investimento
já em andamento não recuperaria os investimentos já realizados, mas ampliaria as
perdas dentro do cenário que se apresentava. A decisão deve sempre focar qual será
o resultado futuro dos investimentos atuais, e não quanto esforço e dinheiro já foram
investidos.
Psicologia Aplicada à Administração

Em maio de 2005, a nova unidade industrial estava equipada, mas não havia
pedidos suficientes para preencher 60% da unidade antiga e, para piorar a situação, não
havia mais folga de caixa. A situação continuou se agravando, e, em março de 2008,
a empresa necessitava de financiamento para continuar suas operações. A empresa
estava operando com margem bruta negativa, ou seja, o preço de venda não cobria os
custos de produção. Seria melhor parar de operar, pois a cada venda perdia-se dinheiro.
Todavia, o encerramento das atividades estava fora de cogitação, e o financia-
mento era a solução. A linha de financiamento com melhores taxas para empresa era
o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC). A taxa de juros era baixa e na
mesma moeda da receita da empresa, eliminando, assim, o risco cambial.
O problema é que a necessidade da empresa era maior que sua expectativa de
exportação, e foi realizada uma operação de ACC 50% superior à carteira de pedidos da
empresa. Os executivos da Movelar, prevendo que o dólar continuaria a cair, resolveram
fazer um Non Deliverable Forward (NDF), que é uma venda a termo de dólar. Dessa
forma, a dívida com ACC ficaria mais barata, e o ganho financeiro com a operação de
238 NDF geraria o ganho adicional para liquidar totalmente o ACC.
Os executivos da Movelar continuavam a tomar decisões com base em pro-
blemas passados, e não com base nas informações atuais e perspectivas futuras. Em
julho de 2008, o dólar valia R$ 1,57, e, apesar de a empresa estar totalmente inviável
operacionalmente, os executivos comemoravam a situação de obter ganhos financeiros
mesmo tendo perdas operacionais.
Em outubro de 2008, a economia global entrou em colapso com a crise no
sistema financeiro americano e o dólar subiu rapidamente, atingindo R$ 2,46 em
novembro de 2008. O prejuízo financeiro da Movelar em decorrência do NDF e ACC
foi enorme, mas os executivos da Movelar acreditavam que teriam uma boa feira em
Chicago, pois, com a alta do dólar, eles eram novamente competitivos em termos de
preços para atender à demanda.
O problema é que a economia americana estava totalmente estagnada, e os
novos pedidos dos clientes não apareceram. Não era questão de ser competitivo, mas
Capítulo 11

não havia mais mercado. A Movelar voltou de Chicago praticamente sem pedidos e
totalmente endividada em consequência das apostas erradas feitas no mercado cambial.
A situação tornou-se insustentável, e a Movelar faliu em março de 2009. Os

Psicologia aplicada a finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras


investimentos passados impediram os executivos da Movelar de fazer uma análise
racional da situação.
A decisão racional deve considerar apenas os fatos presentes e as expectativas
futuras. Custos já incorridos não devem afetar a decisão racional.
Todavia, Arkes e Blumer (1985) e Tversky e Kahneman (1981) verificaram que
as decisões dos indivíduos são afetadas pelos custos já incorridos. A decisão não é
racional e baseada apenas nas informações atuais. As decisões passadas, apesar de
irrecuperáveis, continuam presentes e influenciam as decisões presentes. Foi isso que
ocorreu com os executivos da Movelar. Apesar de os executivos da empresa terem
capacidade de fazer uma análise racional, foram afetados psicologicamente pelas de-
cisões passadas e não conseguiram enxergar a decisão mais adequada para a empresa
no momento correto e necessário.

11.3. CASO LABORATÓRIO – CONFLITO DE AGÊNCIA


O Conselho de Administração do Laboratório MioAnálise estava reunido para
discutir a viabilidade de fusão com o Laboratório Neves. O Laboratório MioAnálise
tinha sido fundado em Salvador-BA havia 32 anos, em 1978, por um grupo de sete
médicos.
A primeira unidade foi inaugurada no andar térreo do prédio onde os sócios
possuíam seus consultórios, e a clientela era basicamente os pacientes dos próprios 239
médicos. A ideia de criar o laboratório era antiga. Ruy, Osvaldo e Matias planejavam
a sociedade desde o início da faculdade. Os três foram colegas de turma e, além da
paixão pela medicina, tinham também um espírito empreendedor que os uniu desde
o primeiro ano do curso de medicina.
Os outros quatro sócios, Carlos, Rodrigo, Paulo e Sérgio, eram mais velhos e se
interessaram pelo projeto dos três médicos-empresários. A participação dos quatro
médicos mais experientes era importante, pois eles tinham uma base de clientes muito
maior e também uma boa reputação entre os colegas, o que agregaria credibilidade
ao laboratório.
Após alguns anos, apesar do bom atendimento, resultados clínicos confiáveis e
preço adequado, o laboratório ainda dependia muito dos pacientes dos sete sócios e
não conseguia aumentar sua participação de mercado.
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Essa situação começou a gerar um conflito entre eles e houve uma divisão entre
dois grupos: um formado pelos três jovens colegas e outro com os quatro profissionais
experientes. Os pacientes do grupo dos experientes eram responsáveis por mais de
80% do faturamento do laboratório. Os experientes controlavam todas as decisões com
a força de seus pacientes e a maioria numérica. Essa situação desagradava os jovens,
pois eles consideravam que a administração conservadora não permitia alcançar o
crescimento imaginado desde o sonho da universidade.
Em 1987, o fundo Onix, um fundo de investimento americano, fez uma pro-
Psicologia Aplicada à Administração

posta de aquisição de 50% do laboratório. O negócio atraía os sete sócios, mas eles
não chegavam a um acordo em relação ao valor. O grupo dos experientes, embora
todos possuíssem a mesma participação acionária, achava que eles deveriam receber
um valor maior, já que eram os principais responsáveis pelo faturamento, enquanto os
mais jovens consideravam que todos, como sócios com participações iguais, deveriam
receber o mesmo valor.
O fundo gostaria de deixar a gestão do negócio com Matias, pois, na avaliação
deles, era o mais capacitado para implementar o projeto de crescimento. O fundo
também gostaria de manter o fluxo de pacientes dos médicos mais experientes, mas
eles sabiam que os sócios mais experientes não aceitariam ficar subordinados à gestão
de Matias.
A solução encontrada foi o fundo comprar a participação dos quatro médicos
experientes e deixar a gestão com os mais jovens, liderados por Matias. O risco era
grande, pois eles sabiam que perderiam muitos dos pacientes dos médicos que dei-
xaram a sociedade.
240 Conforme esperado, o faturamento do laboratório caiu nos meses seguintes,
mas a queda foi de apenas 25%, menos do que os 40% que eles acreditavam. O bom
atendimento que os clientes recebiam foi fundamental para mantê-los.
A nova administração, com um projeto agressivo e com recursos oriundos da
capitalização realizada pelo fundo, ampliou a participação de mercado e, com outras
aquisições realizadas pelo fundo, o MioAnálise assumiu a liderança de mercado na
Bahia em 1991. A participação dos três sócios nesse processo foi diluída, e cada um
deles passou a ter apenas 6,3% do capital total da empresa.
Matias, com sua excelente capacidade de gestão, foi assumindo cada vez mais o
controle da administração da empresa, enquanto Ruy e Osvaldo perdiam espaço até
se desligarem da gestão em 1993.
O projeto do fundo de investimento de abrir o capital e negociar as ações em
bolsa de valores do MioAnálise foi concretizado em 1996. Nesse ano, foi feita uma oferta
Capítulo 11

mista, com a totalidade das ações de Ruy e Osvaldo e parte de ações do fundo, além da
emissão de novas ações para capitalizar a empresa e acelerar o projeto de crescimento.
O lançamento de ações foi um sucesso e, consequentemente, a participação de

Psicologia aplicada a finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras


Matias foi reduzida para apenas 4% do capital da empresa, mas ele estava cada vez
mais forte como principal executivo da empresa.
O ritmo de crescimento continuou acelerado até que, em 2010, o MioAnálise
tinha 80% do mercado da Bahia e 30% do mercado do Nordeste. Agora havia a pos-
sibilidade de fusão com o Laboratório Neves, que também tinha 30% do mercado do
Nordeste e 50% do mercado do Centro-Oeste.
O fundo Onix ainda era o maior acionista do MioAnálise, mas com apenas 18%
do capital e dois representantes no conselho de administração, Alfredo e Marcela. Ma-
tias, com apenas 3% do capital e sendo o poderoso presidente do laboratório, também
tinha o assento de presidente do conselho de administração. Outros dois fundos que
possuíam 11% e 9% do capital tinham cada um deles um representante no conselho de
administração, Cláudio e Artur. Os demais minoritários reunidos tinham conseguido
colocar Martina como sua representante no conselho de administração.
Esse conselho estava reunido para decidir essa grande fusão com o Laborató-
rio Neves. O projeto fora apresentado por Matias, idealizador e grande defensor do
projeto. Em sua apresentação, Matias deu grande ênfase ao crescimento de unidades,
faturamento, visibilidade e importância da empresa. Sua apresentação foi entusiasmada
e rica em gráficos que mostravam como os números absolutos da empresa ficariam
todos maiores, apresentando, portanto, ganho para todos os acionistas.
Cláudio, muito amigo de Matias, pediu a palavra logo após a apresentação feita e
241
falou que o mercado de laboratórios estava em plena consolidação, ainda destacou que
o Laboratório Neves tinha convênios com alguns planos de saúde que não trabalhavam
com o MioAnálise e que poderiam aumentar ainda mais a base de clientes. Cláudio
ainda ressaltou que haveria algumas sinergias que gerariam um substancial ganho na
fusão de ambas as empresas. Por fim, Cláudio fez uma previsão de crescimento muito
grande para o setor de laboratório na região atendida por ambas para os próximos
anos, o que tornaria a fusão um excelente negócio para todos.
Martina, uma profissional muito capaz e totalmente independente da admi-
nistração do MioAnálise, levantou alguns aspectos não bem explorados por Matias
em sua apresentação, mas muito importantes para os acionistas, como diluição na
participação e mudança na geração de caixa e lucro por ação e, consequentemente,
nos dividendos por ação.
Matias, que desde o início da apresentação estampava um enorme sorriso no
rosto, fechou o semblante, esboçou um meio sorriso e falou que, conforme apresen-
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tado, pelo acordo, os acionistas do MioAnálise ficariam com 40% da nova empresa
e que essa participação era justificada pelo crescimento do faturamento, número de
unidades, valor da marca e sinergias destacadas por Cláudio.
Martina, não satisfeita, novamente perguntou qual seria o lucro por ação e a
distribuição de dividendos após a fusão. Matias apresentou o crescimento do lucro, e
este era muito menor que o crescimento do faturamento, pois o Laboratório Neves era
muito menos rentável que o Laboratório MioAnálise. Dessa forma, a participação no
lucro dos acionistas do MioAnálise seria reduzida em 30%. A política de dividendos
Psicologia Aplicada à Administração

continuaria a mesma: distribuição anual de 40% do lucro líquido. Mas, como a base do
lucro seria menor, os dividendos também seriam menores como resultado da fusão.
Alfredo, espantado, interrompeu a resposta e perguntou qual a vantagem da
fusão para os acionistas do MioAnálise se o fluxo de dividendos seria reduzido. Ma-
tias destacou as sinergias e o melhor posicionamento de mercado. No longo prazo, o
negócio seria excelente para os acionistas.
Marcelo questionou por que os acionistas do MioAnálise ficariam com apenas
40% da nova empresa, se ela era mais rentável que o Laboratório Neves. Matias falou
que a rentabilidade atual não era o único fator considerado para definir as participa-
ções. Patrimônio líquido, participação de mercado, base de clientes e rentabilidade
futura de cada uma das empresas também foram considerados. Ainda em relação à
rentabilidade, Matias destacou que, quando ele assumisse o controle das operações do
Laboratório Neves e implementasse seu estilo de gestão, a rentabilidade cresceria e o
lucro por ação dos acionistas do MioAnálise seria muito maior que o atual.
A discussão continuava quente, mas Artur e Marcela pouco participavam. Matias
242 queria a aprovação da fusão e somente percebia vantagens na operação. Martina era
a que mais questionava o negócio, pois acreditava que os acionistas seriam prejudi-
cados. Cláudio era o grande defensor de Matias. Alfredo parecia preocupado com os
acionistas, mas sensível aos argumentos de Matias e de Martina e a cada momento
parecia mudar de posição para um lado e para outro. Ora ele parecia favorável e ora
parecia contra.
Depois de longo debate, principalmente entre Martina e Matias, com apoio
claro de Cláudio a Matias, os conselheiros votariam se aprovavam ou não a fusão. Se
terminasse empatado, Matias teria voto de minerva, mas ele gostaria de aprovar sem
a necessidade desse voto de minerva.
O voto do Cláudio estava garantido, Martina estava contra, Alfredo parecia ter
sido convencido, mas Artur e Marcela eram uma incógnita. Matias, para conquistar
o voto favorável de ambos, colocou subliminarmente que ele tinha uma forte influ-
ência nos fundos de investimento e que poderia influenciar na próxima eleição dos
respectivos conselhos de administração.
Capítulo 11

A estratégia parece que deu resultado, e a fusão foi aprovada por votos favoráveis
e somente um voto contra – o de Martina.
Essa reunião mostra claramente o conflito de agência, onde os interesses

Psicologia aplicada a finanças: as ilusões cognitivas nas decisões financeiras


pessoais se sobressaem em relação ao que seria melhor para a empresa. Matias teria
controle a um fluxo de dinheiro muito maior, o que aumentaria seu poder e seus
benefícios particulares. Cláudio, seu amigo há muitos anos e que fora indicado ao
conselho por ele, dessa forma, era mais fiel ao presidente do que aos acionistas que
o elegeram.
Martina era independente e trabalhava realmente em benefício da empresa e
dos acionistas. Alfredo apresentava limitações técnicas e não tinha capacidade de fazer
uma análise adequada e, apesar de tentar tomar a melhor decisão, era influenciado por
Matias e Martina e provavelmente tomou a decisão mais confortável.
Artur e Marcela estavam pouco interessados na maximização de valor da empre-
sa e preocupavam-se mais com os próprios cargos; dessa forma, a estratégia de Matias
de reforçar sua influência entre os acionistas foi decisiva para atraí-los para seu lado.
As decisões financeiras podem ser analisadas racionalmente com objetivo de
maximizar o valor da empresa, mas, como vimos, os caminhos escolhidos nem sempre
o maximizam, pois os interesses pessoais ou a incapacidade daqueles que devem tomar
as decisões podem desviar a empresa do caminho ideal.

11.4. CONCLUSÃO
Como podemos ver através desses exemplos, o processo decisório de qualquer
pessoa está calcado na combinação de elementos técnicos – finanças modernas – e de 243
elementos pessoais – finanças comportamentais.
Imaginar que o mundo econômico e empresarial é completo com os elementos
técnicos pode nos levar a erros grosseiros no entendimento da realidade.
A capacidade racional e ferramentas técnicas são importantes para uma boa
qualificação do profissional, mas aquele que se diferencia e conquista uma posição de
destaque precisa ir além e conhecer seu potencial e seus limites.
Em um ambiente altamente competitivo, com profissionais com boa formação
e altamente capacitados, são os fatores psicológicos que farão a diferença. O conheci-
mento técnico e a capacidade de utilizá-lo são requisitos básicos e, atualmente, muitos
profissionais os têm. A diferenciação será determinada pelo conhecimento psicológi-
co. O profissional capacitado que conhecer melhor a mente humana construirá uma
carreira de sucesso.
Jairo Procianoy | Roberto Frota Décourt ELSEVIER

11.5. REFERÊNCIAS
ARKES, H.R.; BLUMER, C. The Psychology of sunk costs. Organizational Behavior and
Human Decision Processes. ScienceDirect, v. 35, n. 1, p. 124 – 140, 1985.
DANIEL, K.; HIRSHLEIFER, D.; SUBRAHMANYAM, A. Investor psychology and security
market under and overreactions. Journal of Finance, v. 53, p. 1839-1885, 1998.
FAMA, E.F. Efficient Capital Markets: a review of theory and empirical work. Journal of
Finance, Chicago: American Finance Association, v. 25, p. 383-417, 1970.
Psicologia Aplicada à Administração

JENSEN, M.; MECKLING, W. Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs, and
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