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ISBN 978-85-352-4298-0
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ISBN 978-85-352-4298-0
CDD: 658.4
10-4626. CDU: 658.012.32
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Dedicatória
Agradeço ao amigo Ramiro Novak Filho por ter aceitado escrever o prefácio,
descrevendo sua interessante tragetória de inserção no mundo da psicologia. Agradeço
também aos autores, à editora e a todos que direta ou indiretamente colaboraram com
esta publicação.
Em especial agradeço aos meus alunos, que sempre me instigam com sua curio-
sidade, inteligência e visão do mundo.
Prefácio
Entender o comportamento humano tem sido o desafio dos gestores. Por que
as pessoas reagem de forma tão diferente a estímulos iguais? Sem entender muito
bem o que acontece partem então para a tentativa de avaliar o desempenho e punir o
comportamento inadequado. Não deixam claro o que querem dos seus liderados, mas
exigem que tenham bons resultados. Cobram iniciativa e bom senso, mas não admitem
erros. Ficam irritados com perguntas, e possessos quando os colaboradores cometem
enganos e não perguntam. Acreditam na sua intuição e na capacidade de, no olhar,
adivinhar o que se passa com os liderados. Negligenciam o diagnóstico e acabam tendo
que fazer a necropsia do fato ocorrido. Nutrem expectativas positivas e negativas sobre
as pessoas mas negam, afirmando que as decisões para punição ou promoção foram
racionais (tenho a ousadia de dizer que todas as decisões são emocionais). Comparam
as pessoas como se fossem peças de reposição. Sim, há exceções. Conheço bons admi-
nistradores. Aprendi e aprendo muito com eles como também aprendi muito com os
psicólogos, mas antes preciso esclarecer alguns pontos sobre psicólogos.
No princípio de tudo (precisamente em 1976, quando iniciei minha carreira em
Treinamento e Desenvolvimento) fui avaliado por uma psicóloga em uma dinâmica
de grupo. Passei. Só isso, passei. Algumas explicações ali e acolá, mas nada que me
deixasse satisfeito. Para tentar entender um pouco mais de psicologia fui ser “SUJEI-
TO” na faculdade de psicologia a pedido de duas psicólogas. Passei. Só isso, passei.
Desejo – e tenho certeza de que este é o desejo de todos os autores – que o livro
se torne um facilitador na compreensão das abordagens da psicologia e abra perspec-
tivas para uma prática administrativa inovadora e humana.
Boa leitura!
1
Abordagem behaviorista:
a busca do controle dos
comportamentos
1 Funcionalismo: tendência filosófica que valoriza a função das coisas. Pode remeter a relações de causa
e efeito. Exemplo: se o trabalhador for recompensado, espera-se que produza mais.
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER
2 Processos mentais: são as percepções, os pensamentos, as emoções, as motivações que não são expressos
diretamente.
Capítulo 1
Comportamento: “Em sua significação originária e precisa, o conceito designa toda atividade
física de um organismo vivo, que pode ser constatada em princípio por outros observadores
(isto é, ‘objetivamente’)” (Dorsch, 2001, p. 1591).
3 O positivismo preconiza que o conhecimento válido é aquele produzido pela ciência, por meio de
seus métodos.
Suzana da Rosa Tolfo | Narbal Silva ELSEVIER
vioristas para a construção dessa abordagem; de modo especial, Ivan Pavlov, com o reflexo
condicionado, e Burrhus Skinner, com o condicionamento operante, como veremos a seguir.
Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados
pelas consequências de sua ação. Alguns processos que o organismo humano
compartilha com outras espécies alteram o comportamento para que ele obtenha 7
um intercâmbio mais fácil e mais seguro em determinado meio ambiente. Uma
vez estabelecido um comportamento apropriado, suas consequências agem
através de processos semelhantes para permanecerem ativas. Se, por acaso, o
meio se modifica, formas antigas de comportamento desaparecem, enquanto
novas consequências produzem novas formas (Skinner, 1978, p. 15).
R → S
Resposta (rato sedento pressiona a barra) leva ao Estímulo (S) reforçador (água)
“...o estudo e a aplicação do conhecimento sobre como as pessoas agem dentro das orga-
10 nizações” (Davis & Newstrom, 1992, p. 05).
Pode ser caracterizado como um campo de estudo cujo objetivo é “prever, expli-
car, compreender e modificar o comportamento no contexto das empresas” (Wagner
III e Hollenbeck, 2006, p. 6). Essas conceituações têm suas bases no behaviorismo ou
comportamentalismo. Entretanto, na literatura, o comportamento organizacional pode
não ser sinônimo de behaviorismo, mas da aplicação dos conhecimentos da psicologia
(seja na perspectiva cognitivista, gestalt, construcionista, para citar alguns).
■ Quando se abordam os três níveis de análise dos estudos e das interven-
ções relativas a aspectos psicossociais nas organizações, têm-se os seguin-
tes: o primeiro, do comportamento micro-organizacional, é relativo ao
indivíduo em sua singularidade e inclui as aprendizagens individuais, as
decisões, as ações do líder, por exemplo. O nível meso-organizacional é in-
termediário e amplia a análise e as intervenções para as ações das pessoas
trabalhando em grupo e equipes, enquanto, no comportamento macro-
Capítulo 1
decorrentes do treinamento; e (e) valor final, que enfatiza a relação entre custos do
treinamento e seu retorno na produção ou nos serviços prestados pela organização.
Por meio das formas de avaliação, verifica-se que na avaliação da aprendizagem,
do comportamento no cargo e na organização há uma ênfase nos comportamentos. A
avaliação da aprendizagem pressupõe que aprender implica mudar comportamentos,
pois o saber posterior ao processo de treinamento é diferente do anterior. Nas avalia-
ções da aprendizagem e do comportamento, a influência do behaviorismo fica bem
Psicologia Aplicada à Administração
OBJETIVOS
■ O processo de avaliação realizado pelo setor específico ou pela própria
área pressupõe um trabalho de apreciação constante sobre o compor-
tamento dos indivíduos e das situações apresentadas na organização.
“Os ambientes organizacionais que criam a cultura da punição aos erros comuns inibem,
desastradamente, a criatividade e tolhem o processo de desenvolvimento das pessoas...
Entender a natureza do erro cometido e trabalhar para sua correção requer, por outro lado,
competência e sabedoria. Essa história de aprender com os erros é verdadeira se houver
Psicologia Aplicada à Administração
alguém que avalie o erro e estimule sua adequada correção. Uma das desculpas mais usadas
pelos maus gestores (e pais) é que a escassez de tempo impede a análise do erro e o trabalho
de correção. Não é verdade. Aceitar o erro comum, investir tempo na sua análise e planejar
a correção é um desafio gerencial dos mais difíceis. Fácil é punir!” (Cabrera, 2007).
acatavam as diretivas. A produção nos grupos sob liderança autocrática foi maior, mas
com mais sinais de agressividade, tensão e ansiedade. Alguma semelhança com o que
vemos sob liderança autocrática ainda hoje?
Os líderes democráticos proporcionavam consulta e participação aos membros,
supervisionavam as atividades, a produção era menor, se comparada à daqueles lide-
rados autocraticamente, mas de melhor qualidade, com maior coesão e comprometi-
mento. Na liderança laissez-faire, a supervisão ou controle é mínima, e a qualidade e
a quantidade de atividades realizadas eram inferiores em relação aos tipos citados. As
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1.9. REFERÊNCIAS
ATKINSON, R.L.; ATKINSON, R.C.; SMITH, E.E.; BEM, D.J.; NOLEN-HOEKSEMA.
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scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2002000300005. Acesso em: 20 maio 2010.
CABRERA, L.C.Q. Abaixo a punição. Revista VocêSa. 11 abr. 2007. Acesso em: 9 dez. 2008.
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18
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out./dez. 1996.
DORSCH, F.; HACKER, H.; STAPF, K-H. Dicionário de Psicologia Dorsch. Petrópolis:
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FIEDLER, F.E.; CHEMERS, M.M. Liderança e administração eficaz. São Paulo: Pioneira/
Edusp, 1981.
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cionais. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, Florianópolis/SC, v. 2, n. 2, 2002.
LE BOTERF, G. Desenvolvendo a Competência dos Profissionais. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2003.
LEVINSON, H. Avaliação de que desempenho? In: VROOM, V. H. Gestão de pessoas,
não de pessoal: os melhores métodos de motivação e avaliação de desempenho. Rio de
Janeiro: Campus, 1997.
Capítulo 1
A psicodinâmica é uma abordagem que estuda as forças psíquicas que agem sobre
o comportamento humano, enfatizando a relação entre motivações inconscientes e
conscientes. O objetivo deste capítulo é demonstrar as contribuições desta abordagem
para o campo da administração, analisando o impacto dos estudos de alguns autores na
origem da psicodinâmica como campo da psicanálise e, em especial, pela configuração
da vertente da psicodinâmica do trabalho.
Freud foi o primeiro a afirmar que a natureza humana é movida por um conjun-
to de forças internas e que suas ações são motivadas por fatores que não são sempre
racionais nem acessíveis à consciência. A busca pelo equilíbrio entre as instâncias do
psiquismo humano e o desenvolvimento da personalidade são os fatores que caracteri-
zam a dinâmica da vida mental dos indivíduos. A contribuição de Freud se configura,
especialmente, por colocar em foco essa dinâmica da vida psíquica, impactando estudos
subsequentes nas mais diferentes áreas.
A aplicação da abordagem psicodinâmica nas organizações, então, toma como
Psicologia Aplicada à Administração
Abordagem psicodinâmica
leis fundamentais a respeito da mente humana.
Freud percebeu que, na mente humana, assim como na natureza, nada acon-
tece por acaso e propôs o princípio do determinismo psíquico. De acordo com essa
hipótese, cada evento psíquico é determinado por aqueles que o precederam. Portanto,
apenas aparentemente nossos pensamentos parecem fortuitos ou não relacionados
com seus precedentes. Por isso, Freud afirmou não haver descontinuidade na vida
mental. Experiências comuns da vida quotidiana, como esquecer ou perder algo, são
comumente vistas como acidentais ou casuais, mas, ao investigarmos diversas dessas
ditas causalidades na vida de um indivíduo, podemos observar que cada uma delas
foi provocada por algum desejo ou intenção.
A segunda hipótese é a existência de processos mentais inconscientes, isto é,
processos que o indivíduo não percebe que aconteceram porque foram suprimidos
para o inconsciente. Podemos perceber que ambas as hipóteses encontram-se intima-
mente ligadas, uma vez que é exatamente pelo fato de tantas coisas acontecerem de
modo inconsciente em nossas mentes que aparentemente nossos pensamentos e atos 23
parecem ser descontínuos.
Com base nessas duas hipóteses, Freud desenvolveu uma teoria sobre o funcio-
namento da mente humana e um método de tratamento das psicopatologias. Vejamos,
a seguir, alguns dos principais conceitos da teoria psicanalítica que tratam da estrutura
e dinâmica da personalidade humana.
ciona segundo o princípio do prazer, isto é, evitar a dor e buscar o prazer. Quando o
nível de energia aumenta, o id age de maneira a descarregar imediatamente as tensões
desconfortáveis que resultam de estimulações internas ou externas, fazendo com que
o organismo volte a um nível de energia tolerável. Esta instância psíquica é totalmente
inconsciente, não tem contato com a realidade e, por isso, a satisfação atingida por meio
da fantasia pode ter o mesmo efeito de uma satisfação atingida através de uma ação.
Ego – O ego desenvolve-se a partir do id como uma instância que distingue as
coisas na mente das coisas no mundo externo. É regido pelo princípio da realidade, que
Psicologia Aplicada à Administração
Abordagem psicodinâmica
ao pré-consciente, enquanto o inconsciente representaria a parte submersa, propor-
cionalmente muito maior que as partes anteriores.
2003) e partem da ideia de que a dinâmica interna das pessoas é um fator importante
que merece ser considerado. A partir da teoria psicodinâmica, temas sobre como os
indivíduos se comportam ou se organizam em equipes/grupos, entre outros, foram
aprofundados nos estudos organizacionais.
Nessa perspectiva, o modo como cada pessoa atua e seus motivos são construídos
ao longo de sua história de vida, formando sua personalidade e características de ma-
neira singular e diferenciada em relação às outras pessoas. Ou seja, cada pessoa é um
universo único, e cada relação é marcada pelas diferenças individuais entre as pessoas
em interação e pelo contexto onde estão inseridas. Nesse sentido, a contribuição da
Abordagem psicodinâmica
psicodinâmica como área de conhecimento tem como mérito trazer à tona a dimen-
são da pessoa como aspecto relevante e sempre presente no cotidiano da prática nas
organizações, considerando seus paradoxos e conflitos como centrais para o debate.
Em termos gerais, os estudos sobre psicodinâmica organizacional têm sido
aplicados na administração, principalmente, em três direções: (a) desenvolvimento
dos conceitos de equipes/grupos, liderança e motivação para aplicação no contexto
de gestão de pessoas; (b) uso da teoria psicodinâmica nas estratégias de consumo e
pesquisa em marketing; e (c) uso de tipologias psicológicas para desenvolvimento de
pessoas por meio de técnicas de coaching, avaliação de características de personalida-
de, dentre outras. De forma breve, vamos expor como são utilizados os conceitos da
abordagem psicodinâmica para compreender como as pessoas – seres humanos ativos
e transformadores do meio – se comportam na organização de trabalho.
Freud (1921) sugere que a identificação de um grupo com o ideal de ego pode
acarretar resultados positivos, como a coesão, a identificação mútua e a redução da
agressividade entre seus membros. Dessa forma, a identificação das pessoas umas com
as outras em certo contexto simbólico decorre da dinâmica na relação entre elas. Nessas
interações, as pessoas atribuem a determinados conteúdos um objeto comum e central
para o grupo. O mecanismo inconsciente de identificação, portanto, promove no grupo
a coesão e a elevação no nível de comprometimento de seus membros. Tal mecanismo
gera uma dinâmica de interação da equipe que permite aos líderes fazerem emergir
suas características pessoais e as do grupo que sejam mais eficazes e valorizadas no
contexto organizacional (Bennis e Nanus, 1985, em Pauchant, 1996).
A linguagem, a comunicação, e os significados são centrais para a compreensão
do universo simbólico onde os seres humanos estão inseridos e com o qual têm o po-
tencial de se identificar e se engajar (Freud, 1996). A interação entre os membros do
grupo e destes com o líder cria condições simbólicas que favorecem ou não o compro-
metimento com metas, resultados e objetivos organizacionais. O que a psicodinâmica
28 demonstra é que se faz necessário que o contexto simbólico da equipe, dos membros,
do líder e da organização como um todo remeta à satisfação de desejos e aos modelos
idealizados pelas pessoas. O contexto simbólico da organização e da equipe, portanto,
é um aspecto relevante na psicodinâmica da vida organizacional.
Sendo assim, quanto às condições necessárias para que as pessoas se identifiquem
com a equipe ou a organização, a psicodinâmica demonstra que a busca pela satisfação
de necessidades e desejos internos é um impulso do ser humano que se concretiza
em: (a) um contexto simbólico favorável; e (b) na interação com um ideal de ego para
onde possam transferir seus desejos e se sentir satisfeitos (mesmo que parcialmente
satisfeitos). Para a administração, esse conhecimento é relevante, especialmente, para
a investigação do comprometimento e do desempenho nas organizações.
Em relação aos estudos sobre liderança, a psicodinâmica propôs novas ques-
tões para a administração. Não há novidade no campo da gestão de pessoas em se
atribuir ao líder o papel de elemento-chave nas organizações. Entretanto, o que a psi-
codinâmica propõe é a investigação de processos psíquicos relacionados à interação
Capítulo 2
Abordagem psicodinâmica
isso significa que um sentido foi compartilhado pelo grupo, que houve a identificação
deste com o líder e que a dinâmica das relações entre os membros foi direcionada
pelo mecanismo de transferência inconsciente no sentido de suprir as carências dos
membros do grupo, assim como as necessidades do líder. A contribuição teórica desta
perspectiva se configura na constatação de que a liderança não é processo simples
nem racional. Mais do que delegar a alguém responsabilidades de liderança, um líder
é constituído pelo grupo quando este o considera, simbolicamente, um modelo capaz
de atender a suas necessidades inconscientes e afetivas. O que explica, por exemplo,
o fato de uma pessoa ser aparentemente a mais capaz ou preparada para um cargo
que exija liderança, sendo a opção racionalmente mais óbvia, mas não se posicionar
como líder para o grupo.
No que diz respeito ao modo como o processo de liderança se estabelece do líder
em relação ao grupo, a discussão teórica se caracteriza pelas forças psicodinâmicas
que influenciam a personalidade do líder e a relação deste com sua equipe. Aspectos
sobre necessidade de poder, motivos para manutenção da posição de liderança, e 29
conflitos inconscientes se caracterizam como temas estudados no contexto da teoria
psicodinâmica. Nesta abordagem, portanto, o processo de liderança se configura como
complexo e imerso em tensões e conflitos inerentes às relações humanas e sua dinâmica
no contexto simbólico onde a prática do trabalho se concretiza.
Kets de Vries e Miller (1990), por exemplo, demonstram que o empreendedor se
comporta de modo a transgredir o que já existe, direcionando seus impulsos e motivos
para a criação de algo novo. O aspecto inconsciente da personalidade de um líder
empreendedor mobiliza a energia psíquica deste no sentido de reconstruir constan-
temente seu ego na relação com o outro, visando preencher carências que expressam
seus desejos. Tais necessidades demonstram que o líder empreendedor apresenta como
características principais a elevada autossuficiência e a necessidade de poder.
A teoria psicodinâmica, portanto, demonstra os conflitos inconscientes do líder
como parte da dinâmica das relações deste com os outros e com o contexto onde está
inserido. É certo que várias teorias apontam para o fato de que o estabelecimento de
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
forma como o processo for conduzido na relação com a equipe, com a organização e
com as hierarquias de poder. Dessa forma, a psicodinâmica estabelece que a liderança
e o processo de gestão de equipes não se efetuam por seus aspectos racionais de pla-
nejamento e consenso negociados, apenas. Antes disso, são processos que interagem
continuamente com as necessidades das pessoas nas organizações e a possibilidade de
satisfação de seus desejos intrínsecos. Admitir essa dinâmica faz com que a adminis-
tração anteveja a complexidade dos processos que envolvem a liderança, a formação
de equipes e a promoção do alto desempenho nas organizações.
Os conflitos inconscientes e aparentes paradoxos do líder demonstram que as
características deste se atualizam conforme a natureza de suas relações com o grupo. É
nesse sentido que se diz que a “liderança não existe no vazio”: ela é sempre uma relação
de grupo em certo contexto social, simbólico e de relações de poder. Na dinâmica dessas
relações é que o processo de motivação é investigado pelas teorias psicodinâmicas.
Em relação ao papel dos processos motivacionais, alguns autores defendem
que a motivação não pode ser entendida fora do contexto das relações interpessoais
30 e, portanto, deve ser sempre relacionada aos processos de liderança nas organizações
(Bergamini e Colda, 1997; Bergamini, 1994).
Sendo a liderança considerada a arte de mobilizar os outros de modo que estes
desejem lutar por aspirações compartilhadas, a gestão de pessoas deve, então, propiciar
a construção de sentido. Essa gestão de sentido visa estimular os líderes a que invistam
no autoconhecimento e na percepção das diferenças de cada membro da equipe. Este
aspecto, sinalizado por Bergamini (1994), visa caracterizar a ideia de que a liderança
não pode ser entendida fora do campo da motivação, na medida em que a equipe deve
avançar em direção a objetos inseridos em um contexto simbólico, compartilhado
e pelo qual “valha a pena trabalhar”. Este “valer a pena” significa que a dinâmica da
vida organizacional deve ser construída em função dos desejos e necessidades que
impulsionam o comportamento humano. Dessa forma, a motivação se caracterizaria
como uma variável relacionada diretamente à liderança, devendo ser investigada no
contexto da psicodinâmica das relações na organização de trabalho.
Capítulo 2
Abordagem psicodinâmica
atualizadas e relevantes, ou ser conscientizado de algo, não move nem motiva as pessoas
para uma ação, a não ser que se estabeleçam conexões com aspectos da psicodinâmica
pessoal. Por exemplo, uma pessoa não para de fumar simplesmente porque entende
que o cigarro faz mal a sua saúde. Mas ela pode parar com esse comportamento ao
vivenciar o sofrimento de uma pessoa que lhe é querida, por causa das consequências
do tabagismo na vida desta.
A questão enfatizada na abordagem psicodinâmica, então, é que o sentido
compartilhado é um aspecto importante na vida organizacional, que está relacionado
à motivação, liderança e formação de equipes. Entretanto, não se deve desconsiderar
a complexidade dos vários motivos que impulsionam o comportamento das pessoas,
bem como o papel da organização do trabalho para a motivação. Kets de Vries (1996),
por exemplo, considerou que a motivação se liga ao sentimento de inveja como um
fator relevante para impulsionar as ações das pessoas. Esse sentimento se expressaria
no contexto organizacional pela busca frenética de excelência devido ao desejo de
provar aos outros que é capaz ou pelo engajamento em grandes realizações como 31
forma de reparar simbolicamente algum erro no passado. Dessa forma, a gestão de
pessoas e equipes nas organizações deve considerar múltiplas motivações para que
as ações ditas motivacionais contribuam de fato para a dinâmica organizacional e os
resultados esperados.
Poderíamos, porém, considerar que a motivação se caracteriza como uma
manifestação direta daquilo que as pessoas desejam? Observar pessoas motivadas no
trabalho nos conduziria a uma compreensão mais acurada do fenômeno da motivação?
Para a teoria psicodinâmica, relacionar o trabalho com o desejo não é uma tarefa tão
simples assim.
Se, por um lado, o trabalho pode ser uma maneira de satisfazer desejos, por
outro lado, a organização do trabalho tende a prescrever tarefas que fazem com que
o indivíduo precise suprimir seus desejos pessoais para seguir normas e atingir suas
metas de produtividade. Por isso, Dejours e Abdoucheli (1994) afirmam que, em geral,
desejo e motivação se direcionam de forma oposta nas organizações, podendo gerar
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
questões relevantes para a saúde do trabalhador. Esse aspecto será discutido mais
adiante, quando tratarmos da psicodinâmica do trabalho. Porém, é importante men-
cionar que, para relacionar a motivação e o desejo no trabalho, a psicodinâmica prevê
a construção de espaços onde o indivíduo possa elaborar seus desejos pela liberdade
e criatividade no contexto organizacional.
Destacam-se, então, dois aspectos apontados como relevantes para a psicodi-
nâmica organizacional no campo da gestão: (1) a criação de condições para que as
pessoas possam satisfazer suas necessidades intrínsecas e singulares; (2) a promoção
Psicologia Aplicada à Administração
de um contexto simbólico rico e que tenha modelos com os quais as pessoas possam
se identificar. Para a administração, os estudos em comportamento organizacional
na perspectiva psicodinâmica se configuram como relevantes e profícuos em termos
de contribuições. A aplicação desses conceitos na gestão de pessoas apresenta várias
facetas e múltiplos desdobramentos.
do consumidor voltadas para a compreensão dos mecanismos que fazem com que as
pessoas tomem a decisão de comprar.
Nessas áreas, as contribuições da abordagem psicodinâmica no campo do
marketing se direcionaram especificamente para os estudos acerca de: (1) aspectos
psicológicos que influenciam a percepção dos indivíduos e os conduzem à decisão do
consumo de determinado produto (Fontenelle, 2008; Kotler e Keller, 2006; Mowen,
1995); e (2) aspectos simbólicos que atuam no comportamento de consumo e que são
responsáveis por conferir valor diferenciado a um produto ou serviço (Zatti et al.,
2005; Wolff, 2002; Kotler, 1998).
Abordagem psicodinâmica
Quanto aos aspectos psicológicos do ato de compra, os mecanismos de identi-
ficação do consumidor com determinado objeto (produto/serviço), as características
de personalidade marcadas pelas vivências em cada fase do desenvolvimento psicos-
sexual do consumidor em potencial e a compreensão da dinâmica relativa ao aparelho
mental e instâncias do id, ego e superego são temas discutidos em relação à eficácia
das estratégias de promoção.
Segundo Tomasi (2009), o modelo psicodinâmico de compreensão do com-
portamento de compra assume como premissa básica que a dinâmica e a estrutura da
personalidade do consumidor podem ser impactadas por campanhas e peças publici-
tárias que façam com que a pessoa se identifique com o contexto simbólico proposto.
Dessa forma, o comportamento de compra pode ser obtido pelo planejamento da
estratégia de promoção, especificando-a quanto à fase de desenvolvimento psicossexual
do consumidor que se pretende atingir. O propósito da promoção deve ser obter uma
relação de semelhança do contexto simbólico da promoção (anúncio, campanha etc.)
com as necessidades inconscientes de possíveis consumidores. 33
Em outras palavras, é preciso que a pessoa que está observando uma promoção
se identifique simbolicamente com o contexto veiculado nesta e atribua ao produto/
serviço o significado de uma necessidade que ele precisa atender. Ao se identificar com
a peça publicitária, então, o consumidor relegaria ao segundo plano quaisquer outros
motivos racionais que possa ter para não comprar. Dessa forma, observa-se que a
motivação inconsciente como elemento-chave para a tomada de decisão da compra se
configura como conceito da psicodinâmica aplicado aos estudos em comportamento
de consumo.
Em relação ao mecanismo inconsciente da identificação no processo de com-
pra, Zatti et al. (2005) demonstram que os diferentes estágios de desenvolvimento
da personalidade da infância moldam o comportamento do indivíduo como consu-
midor. A decisão de comprar significa que a pessoa se identificou com determinado
produto/serviço pelo modo como as instâncias do id, ego e superego o conectaram
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
1 Psicólogo austríaco que se exilou nos Estados Unidos no fim dos anos 1930, considerado o pai da
pesquisa motivacional e pioneiro na aplicação dos conceitos da psicodinâmica nos estudos em compor-
tamento do consumidor (Fontenelle, 2008, p. 148).
Capítulo 2
Outro aspecto que deve ser assinalado se refere ao fato de a pesquisa em Mar-
keting com base na psicodinâmica se concentrar no uso de instrumentos de pesquisa
motivacional, tais como entrevistas em profundidade e tipologias psicológicas. O
uso de tipologias psicológicas na investigação da personalidade do consumidor tem
Abordagem psicodinâmica
se baseado, essencialmente, nos estudos de Jung, um dissidente da psicanálise que
rearticulou os conceitos da psicodinâmica em direção ao que denominou “psicologia
analítica” (Medeiros e Cruz, 2006; Kotler, 1998). Este aspecto será analisado no pró-
ximo tópico, já que tipologias e estilos de personalidade são utilizados no campo da
administração de forma mais ampla do que na pesquisa em marketing.
2 Carl Gustav Jung (1875-1961) fez parte do Círculo de Viena, formado por Freud, no período de 1907 a
1914, e pode ser considerado um dos fundadores da psicopatologia, junto com Bleuler e outros médicos
da época. Embora tenha sido um importante colaborador de Freud, Jung é considerado um dissidente
da psicanálise e criador de uma nova vertente na psicologia, a psicologia analítica (Beauchesne, 1989).
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
estudos dos tipos psicológicos. Maccoby (2005, em Coda e Ricco, 2010) considera o
MBTI uma ferramenta útil para a compreensão de pessoas e seus comportamentos
gerenciais no trabalho.
Jung criou o teste de associação de palavras, onde uma palavra associada a
uma forte emoção demonstraria sua carga afetiva. Postulou, então, que as pessoas
apresentariam duas atitudes fundamentais: a extroversão e a introversão. Tais atitudes,
para Jung (1913, em Beauchesne, 1989), apresentariam quatro funções opostas entre
si: função racional do pensamento versus a função racional do sentimento; e função
irracional da sensação versus a função irracional da intuição. Jung, então, argumentou
que tais funções são desenvolvidas na infância, quando uma delas se configuraria como
ferramenta preferencial da vida mental do indivíduo, enquanto sua função antagônica
seria relegada ao inconsciente. A partir dessa concepção, o autor classificou oito tipos
psicológicos.
Tal tipologia psicológica, no entanto, se afasta das premissas da teoria psicodinâ-
mica postuladas por Freud, quando Jung formula a ideia de que o consciente deveria se
36 emancipar do inconsciente para se integrar à realidade (Beauchesne, 1989). Diante da
centralidade do conceito de inconsciente e da ideia de que os níveis de consciência são
planos de troca dinâmica do aparelho psíquico, a teoria que Jung desenvolveu tomou
rumos diferentes dos postulados na abordagem psicodinâmica. Vale lembrar que, para
a psicodinâmica, as tipologias podem retratar características em certo momento e con-
texto. Entretanto, as motivações inconscientes e suas relações com a personalidade são
dinâmicas e se modificam constantemente, conforme os modos pelos quais a pessoa
Abordagem psicodinâmica
a pessoa recusa em si mesma. Dessa forma, partem da hipótese de que a percepção de
cada pessoa é intermediada por elementos de sua personalidade que lhe são singulares.
Assim, quanto mais a percepção for estimulada por formas que se distanciam do que
mais ela conhece, a pessoa projetará em suas respostas elementos inconscientes para
estruturar sua apreensão deste estímulo (Silva Junior e Ferraz, 2001). O que significa
que, ao tentar dar uma resposta para uma forma que não se apresenta rotineiramente
em sua vida, cada pessoa o faz de forma única, dando-lhe um significado que se rela-
ciona aos conflitos e tensões característicos da dinâmica de sua personalidade.
Nesse sentido, Anzieu (1981, em Silva Junior e Ferraz, 2001) argumenta que
os métodos projetivos desenvolvidos por Rorschach e Zulliger apreendem uma parte
representativa da personalidade, do equilíbrio mental e da forma como a pessoa percebe
e representa o mundo. Baseados na teoria psicodinâmica, tais técnicas projetivas per-
mitem investigar as interações entre as instâncias do ego, id e superego pelo estímulo à
projeção de mecanismos inconscientes. Segundo Anzieu (1978, em Villemor-Amaral,
Machado e Noronha, 2009, p. 227), “os testes projetivos não exploram uma variável 37
única, mas descrevem um indivíduo em termos de um esquema dinâmico de variáveis
inter-relacionadas”.
Um exemplo da aplicação dessas técnicas no campo da gestão de pessoas se
observa na investigação de Ferreira e Villemor-Amaral (2005) sobre avaliação de per-
sonalidade no contexto organizacional. As autoras correlacionaram o teste de Zulliger
com um questionário de avaliação de desempenho e constataram que os profissionais
mais disciplinados e organizados, que possuíam iniciativa e visão prática e buscavam
resultados concretos, foram mais bem avaliados em desempenho do que os imaturos
emocionalmente, altamente críticos e voltados para suas necessidades em detrimento
das dos outros.
Uma vantagem das técnicas projetivas é que estas permitem observar, descrever
e classificar de forma sistemática o comportamento das pessoas, diferenciando-as
como seres únicos e singulares. Entretanto, é preciso esclarecer que testes psicoló-
gicos, e, portanto, as técnicas projetivas como as de Rorschach e Zulliger, só podem
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
ser ministrados por psicólogos. O uso desse tipo de instrumento exige preparação
especializada para aplicação correta do sistema de interpretação de seus resultados,
bem como evidências empíricas de validade e fidedignidade como ferramenta.6 Dessa
forma, a aplicação deste conhecimento no contexto organizacional exige uma ação
interdisciplinar entre profissionais da administração e da psicologia.
No cotidiano das práticas de gestão de pessoas no contexto organizacional,
uma técnica tem sido largamente utilizada como forma de conhecer características
de personalidade: a grafologia. Embora este instrumento não tenha sido desenvolvido
Psicologia Aplicada à Administração
6 O uso de testes psicológicos é privativo de psicólogos pela legislação brasileira, sendo que o sistema
de conselhos profissionais da psicologia regula sua utilização em termos de avaliação das características
dos testes, cujas pesquisas devem comprovar periodicamente que estes medem o que pretendem e são
precisos quanto aos resultados que obtêm. Sem essas evidências, os testes só podem ser utilizados por
psicólogos para pesquisas científicas. Para consultar os testes autorizados pelo Conselho Federal de Psi-
cologia para uso dos psicólogos, basta acessar o site http://www2.pol.org.br/satepsi/sistema/admin.cfm.
Capítulo 2
Abordagem psicodinâmica
culturais do caráter social e ao modo como as orientações se mesclam e predominam
em um indivíduo concreto.
Coda e Ricco (2010) defendem que o estabelecimento de perfis através de es-
tilos comportamentais e características de personalidade é um fator relevante para a
administração e, em especial, para a gestão de pessoas nas organizações contemporâ-
neas. Dessa forma, os autores aliaram quatro orientações motivacionais presentes no
diagnóstico MARE (mediadora, analítica, receptiva e empreendedora) aos estilos de
mobilização de brasileiros (EMB), criado por Ricco (2004, em Coda e Ricco, 2010). A
ideia central do EMB se vincula ao mapeamento de perfis comportamentais de gestores
brasileiros que identificam os modos peculiares e intencionais de agir na busca por
resultados nas organizações de trabalho. A premissa que se caracteriza neste modelo
é que os estilos comportamentais seriam resultantes de escolhas preferenciais, as quais
se vinculariam a características de personalidade, dando sentido à ação e gerando
padrões comportamentais identificáveis.
Uma questão que se apresenta no debate sobre a construção de perfis diz respeito 39
ao fato destes se caracterizarem como um “retrato” das orientações ou das características
de personalidade na forma de estilos. Este “retrato” não caracterizaria a psicodinâmica
das motivações nem da personalidade, mas forneceria um “instantâneo” que deno-
minamos perfil e que, por sua característica temporal, precisaria ser constantemente
reconstituído. O que significa que estilos e tipologias geram informações amplas de um
momento específico, que podem ser relevantes para a gestão de pessoas, porém não
promovem o conhecimento sobre a psicodinâmica do comportamento. Nesse sentido,
os instrumentos que mais se aproximam desse conhecimento são os testes projetivos.
Partindo dos conceitos postulados pela psicodinâmica de Freud e do desen-
volvimento desta por outros autores em suas concepções diferenciadas, o campo da
administração assume a relevância das motivações inconscientes e busca na compre-
ensão das tipologias um elemento de apoio à prática da gestão. Entretanto, observa-se
também que alguns conceitos são apropriados sem questionamento crítico de seus
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
Até que ponto o trabalho pode ser encarado como desencadeador de transtornos
mentais, patologias psíquicas e adoecimento nos trabalhadores? Qual a relação do
trabalho com a saúde mental do trabalhador? Embora Alfred Adler7 (1870-1937) já
se interessasse pelas condições de higiene e suas relações com as doenças do trabalho,
associando conceitos da psicodinâmica com a interação social do indivíduo (Beauches-
ne, 1989), o debate sobre as questões apontadas anteriormente se iniciou na tradição
francesa da psicopatologia do trabalho, inaugurada por psiquiatras como Sivadon,
Guillant, Guillon e Begoin (Merlo, 2006; Athayde, 2005; Lancman e Uchida, 2003).
Merlo (2006) argumenta que, na psicopatologia do trabalho, duas perspectivas
Abordagem psicodinâmica
preponderavam: ou se defendia que não havia evidências da relação entre adoecimento
e trabalho ou se enfatizava que o trabalhador deveria buscar a adaptação ao trabalho.
Dessa forma, o foco de investigação se centrava nas patologias, desconsiderando-se o
papel das organizações ou das relações de trabalho para a saúde.
No âmbito dessas discussões, Christopher Dejours se dedicou a investigar em-
piricamente a desestabilização psicológica dos trabalhadores em situações concretas
de trabalho. Em suas observações, Dejours percebeu o que chamou de “estado de
normalidade”, ao invés da esperada “loucura no trabalho”. Segundo Merlo e Mendes
(2009), a questão que passou a intrigar Dejours era: como os trabalhadores conseguiam
demonstrar normalidade diante das agressões mentais originárias dos processos de
trabalho?
A forma inovadora como Dejours analisa os estudos da época diante dos dados
de suas investigações empíricas fez com que ele criasse um novo campo de pesquisa a
partir da teoria que passou a denominar de psicodinâmica do trabalho. Athayde (2005)
aponta que a originalidade do trabalho de Dejours está em indicar a existência de um 41
conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico do indivíduo,
demonstrando que os trabalhadores não se posicionavam de forma passiva diante
das agressões mentais advindas da organização do trabalho. Ao contrário o trabalho
se configurava para muitos como um estruturante psíquico de sua identidade. Nesse
sentido, a psicodinâmica do trabalho desloca o foco de investigação das doenças
mentais geradas pelo trabalho para o sofrimento psíquico e os mecanismos de defesa
contra esse sofrimento.
Com base na abordagem psicodinâmica, Dejours e outros autores utilizam
os conceitos psicanalíticos no sentido de compreender como o indivíduo, portador
de uma história singular que foi construída desde a infância, se insere no mundo do
trabalho. Dejours alia à psicodinâmica conceitos da sociologia do trabalho – para
analisar as organizações de forma minuciosa e sistemática –, assim como alguns con-
7 Psicólogo austríaco que atuou em pesquisas com Freud. Tornou-se um dissidente da psicanálise fun-
dando a corrente da psicologia do desenvolvimento individual, com ênfase na dimensão social.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
Abordagem psicodinâmica
percebe que não consegue fazer mais nada para se adaptar ou para transformar a
situação de trabalho.
As condições de trabalho no contexto da gestão contemporânea remetem coti-
dianamente as pessoas a observarem suas imperfeições e a se envolverem em tarefas
que estão sempre inacabadas, dados os elevados padrões de exigência e a velocidade
do trabalho na atualidade. Lidar com essas tensões faz com que as angústias ganhem
o contorno de sofrimento psíquico no trabalho.
O sofrimento psíquico, então, emerge como um conceito central que marca
a luta entre funcionamento psíquico e mecanismos de defesa diante das pressões
organizacionais desestabilizantes. Porém, é importante ressaltar que Dejours afirma
que esse sofrimento se articula na mente humana com uma pluralidade de motivos,
que podem se constituir também em fonte de prazer. Esta é a base para o segundo
pressuposto da psicodinâmica do trabalho.
Pressuposto 2: Existe uma relação dialética entre o sofrimento vivenciado pelo tra- 43
balhador e o prazer no trabalho.
Como vimos, para esta abordagem, a luta dos indivíduos em sua relação com o
trabalho tem como objetivo conservar um equilíbrio possível ao preço do sofrimento,
onde a pessoa busca atender a critérios sociais de normalidade. Dessa forma, diante
de uma situação de opressão do ego pelas demandas da organização, a pessoa age de
acordo com suas razões pessoais e com o modo pelo qual se insere na coletividade
de trabalho.
A ideia central presente neste pressuposto é a de que a mediação na relação
entre a pessoa e a ordem coletiva é atribuída ao trabalho. Dois conceitos, então, deri-
vam deste pressuposto: (a) inteligência prática e sabedoria prática; e (b) coletivos de
trabalho como mecanismos de defesa.
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uma identidade que lhe confere liberdade, prazer e autonomia (Merlo e Mendes, 2009;
Merlo, 2006; Lancman e Uchida, 2003).
A ideia central deste pressuposto é que a solução do sofrimento no trabalho é
coletiva e, portanto, obtida na relação social com a organização de trabalho que evolui
e se transforma por meio desse processo. A organização de trabalho se define pela
constante negociação de objetivos entre quem organiza e quem faz. Nesse contexto, os
compromissos assumidos cotidianamente entre prescrições e realizações se concreti-
zam conforme a compreensão que cada pessoa tem sobre seu trabalho e conforme as
dificuldades que emergem na sua prática.
Abordagem psicodinâmica
O conteúdo de uma tarefa é tanto concreto (da atividade em si mesma) quanto
simbólico (reconhecimento de que a tarefa está imersa na dimensão social da rede de
relações do trabalhador). O que significa que é bem mais difícil para o trabalhador
investir na realização de uma tarefa em que ele não vê significado nem usa sua inte-
ligência. Então, o comprometimento com a tarefa deriva do conteúdo simbólico do
trabalho e da satisfação do trabalhador na realização desta (Betiol e Tonelli, 2001).
Dessa forma, dois conceitos derivam deste pressuposto: (a) espaço público dos
coletivos de trabalho; e (b) reconhecimento. O espaço público de circulação da palavra
se caracteriza como um processo no qual emerge a reflexão coletiva pela confrontação
de opiniões sobre o trabalho. Visa conduzir à discussão que promova uma compreensão
comum, ou seja, um entendimento que seja apropriado individual e coletivamente.
Nesse contexto, o comprometimento emerge engajado com a transformação, a mudan-
ça e a expressão da liberdade de ser do trabalhador em seus coletivos de trabalho. A
tensão negociada nos coletivos de trabalho, então, abre espaço para flexibilizar formas
de organização prescritas através da deliberação e debate abertos entre trabalhadores 45
e hierarquias superiores.
Por outro lado, a situação de trabalho pode gerar conteúdos que desafiem o
trabalhador a redirecionar sua energia psíquica na significação de uma atividade
valorizada socialmente (Merlo, 2006). Para a psicodinâmica do trabalho, o reconhe-
cimento se concretiza na escuta da organização aos coletivos de trabalho e às soluções
pensadas por estes. Reconhecimento, então, se refere à retribuição do engajamento
e do esforço dos trabalhadores em relação às suas contribuições práticas. Significa
admitir a contribuição das pessoas e demonstrar gratidão pelas soluções encontradas.
Dessa forma, a psicodinâmica do trabalho aponta duas fontes de reconheci-
mento: (1) os pares, cujo julgamento crítico é especializado; e (2) a chefia e os clientes,
que realizam um julgamento de utilidade da solução encontrada. As relações sociais
que produzem a vivência do reconhecimento social da contribuição e da qualidade do
trabalho moldam, então, a identidade dos trabalhadores no contexto organizacional.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
Abordagem psicodinâmica
2.6. REVISÃO DOS CONCEITOS APRESENTADOS
1. Como vimos neste capítulo, a psicodinâmica é uma abordagem que estuda as
forças psíquicas que agem sobre o comportamento humano. Quais as principais
contribuições desta abordagem para a psicodinâmica do trabalho?
2. Qual a contribuição teórica da abordagem psicodinâmica para compreender os
processos psicológicos envolvidos na liderança (a) do grupo em relação ao líder
(b) e do líder em relação ao grupo?
3. Como a psicodinâmica explica o perfil do consumidor atual dentro dos proces-
sos de decisão de consumo? De que maneira esses conceitos podem ser utiliza-
dos pelo marketing?
4. A psicodinâmica do trabalho tem por pressuposto de que ao trabalho é atribuí-
da a tarefa de mediação na relação entre inconsciente e ordem coletiva. Dentro
desta abordagem, como é explicada a relação do trabalho com a saúde mental 47
do trabalhador?
2.7. REFERÊNCIAS
ATHAYDE, M. Christopher Dejours: da psicopatologia do trabalho à psicodinâmica
do trabalho. Resenha/Book Reviews, Cadernos de Saúde Pública, v. 21, n. 3, p. 984-
990, 2005.
BAUMGARTL, V.O.; PRIMI, R. Evidências de validade da bateria de provas de raciocínio
(BPR-5) para seleção de pessoal. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 19, n. 2, p.
246-251, 2006.
BEAUCHESNE, H. História da psicopatologia. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1989.
BERGAMINI, C.W. Liderança: administração do sentido. São Paulo: Atlas, 1994.
___________; Coda, R. Psicodinâmica da vida organizacional. São Paulo: Atlas, 1997.
Ana Cláudia Souza Vazquez | Micheline Roat Bastianello ELSEVIER
Abordagem psicodinâmica
MOWEN, J.C. Consumer Behavior. New Jersey: Prentice Hall, 1995.
PAUCHANT, T.C. A psicologia do self na empresa: uma perspectiva kohutiana. In:
CHANLAT, J.F. (Org.). O indivíduo na organização. Dimensões Esquecidas. São Paulo:
Atlas, v. III, p.157-180, 1996.
SELIGMANN-SILVA, E. Saúde Mental e automação: a propósito de um estudo de caso no
setor ferroviário. Cadernos de Saúde Pública, v. 13, sup. 2, p. 95-109, 1997.
SILVA JUNIOR, N.; FERRAZ, F.C. O psicodiagnóstico entre as incompatibilidades de
seus instrumentos e as promessas de uma metodologia psicopatológica. Revista de
Psicologia da USP, v. 12, n. 1, 2001.
SIQUEIRA, M.M.M. Medidas do comportamento organizacional. Ferramentas de diagnóstico
e gestão. Porto Alegre: Artmed, 2008.
TOMASI, A. Saudável = Cool (como?). Quais são os apelos de comunicação mais impactantes
para o consumidor de alimentos ditos saudáveis no bairro Moinhos de Vento? Trabalho
de conclusão de curso, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, UFRGS, 2009.
TONELLI, M.J.; CALDAS, M.P.; LACOMBE, B.M.B.; TINOCO, T. Produção acadêmica 49
em recursos humanos no Brasil: 1991-2000. Revista de Administração Contemporânea,
v. 43, n. 1, p. 105-122, 2003.
VAZQUEZ, A.C.S.; HUTZ, C.S. A avaliação de desempenho nas organizações de trabalho.
In: PEREIRA, D.F.; BANDEIRA, D.R. (Org.). Aspectos práticos da avaliação psicológica
nas organizações. São Paulo: Vetor, p. 129-162, 2009.
VILLEMOR-AMARAL, A.E.; MACHADO, M.A.S.; NORONHA, A.P. O Zulliger no
sistema compreensivo: um estudo de fidedignidade. Psicologia: Ciência e Profissão,
v. 29, n. 4, 2009.
WOLFF, F. Simbolismo no comportamento do consumidor. A construção de uma nova
escala. Dissertação de Mestrado, PPGA/EA/UFRGS, 2002.
ZATTI, C.M.; MEDEIROS, D.A.G.; GARCIA, R.O.F.; BRITO, C.L. Psicologia aplicada
à publicidade. Um estudo de caso sobre propaganda da Primus... Anais do XXVIII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro, 5 a 9 set. 2005.
3
Abordagem humanista:
a crença no poder das escolhas
elementos de seu inconsciente que você desconhece? Você acredita que pode controlar
seu destino e que é senhor de suas escolhas? Mesmo que você jamais tenha se feito essas
perguntas, a abordagem humanista o ajudará a pensar sobre si e sobre os que o cercam
e sobre as variáveis que determinam – ou não – seu destino, suas ações e seu futuro.
Ao afirmar-se que esta abordagem é muito útil na reflexão acerca das políticas
de gestão de pessoas na administração, chama-se atenção para o processo de desen-
volvimento humano, que não se dá somente a partir de estímulos externos advindos
dos gestores (como talvez queiram os behavioristas!), mas, também, das motivações,
Psicologia Aplicada à Administração
anseios e necessidades internas, temas estes tão caros aos psicólogos humanistas.
no trabalho, mesmo que não ganhe um salário elevado (ou sentir-se absolutamente
desmotivado com um salário excelente!) e pode escolher ser diferente dos pais e ter
o trabalho como um valor pessoal. Naturalmente, as situações citadas estão descritas
de forma simplista, para fins didáticos, de compreensão dos pressupostos das abor-
dagens estudadas. Atualmente, mesmo os psicólogos que compartilham de um ou
outro enfoque específico reconhecem a complexidade do comportamento humano e
1 Grifos do autor.
Silvia Generali da Costa ELSEVIER
58
A teoria motivacional que acompanha a teoria X é “pão em uma mão e pau na
outra” (McGregor, 1970, p. 65). Na prática, só funciona enquanto o indivíduo “tiver
o pão insuficiente”, ou seja, ainda estiver lutando pelo atendimento das necessidades
básicas, no sentido sugerido por Maslow (1954). No momento em que essas vierem
a ser satisfeitas, os empregados vão aspirar por algo mais, como reconhecimento e
oportunidade de autorrealização. Então, a dupla “pau-pão” perde seu efeito “contro-
lador-motivador”.
A teoria Y, por sua vez, representa a integração de objetivos individuais e or-
ganizacionais, através de ações baseadas nas seguintes premissas:
■ O esforço físico e mental no trabalho é tão natural quanto o lazer ou o
descanso.
■ Controle externo e ameaça de castigo não são os únicos meios de susci-
tar esforços no sentido dos objetivos organizacionais. Movido pela auto-
Capítulo 3
2 Como nos falou Howard Gardner em Porto Alegre, em julho de 1997, Àow é um termo técnico. Não
deveria ser traduzido em outras línguas.
Silvia Generali da Costa ELSEVIER
Veja, agora, como a teoria do flow se relaciona aos demais conceitos sobre mo-
tivação, abordados anteriormente.
que recomeça a busca por variedade, por novidade e por trabalho que exija
um nível mais elevado de habilidade (2000, p. 45).
Através desse texto, Martin Seligman nos apresenta uma das propostas básicas
da psicologia positiva: a identificação, o desenvolvimento, o resgate, o estudo e a valo- 65
rização dos aspectos positivos e saudáveis do ser humano. Para a psicologia positiva,
temas como o prazer, a afetividade, a felicidade, a criatividade, a inteligência, o talento
e o bem-estar são importantes objetos de estudo. Além disso, o texto reflete a opção
pela terceira força na psicologia: nem behaviorismo nem psicanálise.
De que forma a psicologia positiva apoia a compreensão dos fenômenos orga-
nizacionais ou de que forma pode ser aplicada à gestão de pessoas? Ora, no contexto
de grandes mudanças no mundo do trabalho, em que há necessidade de resignificação
do próprio trabalho e do trabalhar, a psicologia positiva pode contribuir de forma
destacada. Qual a importância de cada trabalho? De que forma ele pode gerar satisfa-
ção e contribuir para a saúde mental do que trabalha e dos que são afetados pelo seu
trabalho? De que forma o trabalho contribui efetivamente para a autorrealização e para
uma vida mais significativa? Ele pode preencher necessidades sociais? Cooperativas?
De exercício da responsabilidade, da iniciativa e da inteligência, de forma positiva? É
possível encontrar flow no trabalho? E gerar condições para que as equipes também
Silvia Generali da Costa ELSEVIER
encontrem seu flow? Qual o perfil que o líder e o gestor deveriam buscar desenvolver
para que suas equipes e organizações se tornassem “centros” de desenvolvimento de
talentos? Como identificar talentos? Essas são apenas algumas das inúmeras contribui-
ções que a psicologia positiva pode dar ao desenvolvimento dos indivíduos, grupos e
organizações, rumo a uma gestão ética, criativa e satisfatória. Para tanto, é necessário
compartilhar dos pressupostos humanistas de que os indivíduos podem fazer escolhas
livres e positivas para si, suas carreiras e seus trabalhos e para os que os cercam.
Psicologia Aplicada à Administração
... não ajuda, a longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que não
sou [...] nunca achei que fosse útil ou eficaz nas minhas relações com as
outras pessoas tentar manter uma atitude de fachada, agindo de uma certa
maneira na superfície quando estou passando pela experiência de algo
completamente diferente (2009, p. 19).
Capítulo 3
4 Conforme observaram Glassman e Hadad (2006), não há consenso sobre o conceito de self. Seu sig-
nificado já foi associado à consciência, ao eu, à autoconsciência. Neste capítulo, para fins didáticos,
ficaremos afastados da discussão sobre o conceito de self, embora reconheçamos sua importância para
o campo da psicologia. Para os estudantes de administração aos quais nos dirigimos, proporemos que
entendam o self como a constituição e as características do eu, a partir da percepção do próprio sujeito
e das influências sociais a que está exposto.
Capítulo 3
sobre sua maneira de viver e que essas escolhas criam significado para suas vidas e suas
experiências. Psicólogos como Rollo May (1961) também contribuem para a aborda-
gem. Ele publica Existential Psychology (1961), trabalho que inclui contribuições de
Rogers e Maslow, com ênfase na questão do significado.
Para os psicólogos existencialistas, os problemas individuais são resultado de
não se conseguir solução para a questão do significado da vida, dos nossos atos, da
morte e do sofrimento. Segundo eles, não há uma resposta universal para as questões
do sofrimento e da morte, nem há nenhum significado universal para a vida. Encontrar
Psicologia Aplicada à Administração
pessoas. Há, sim, pressupostos gerais que apoiam a compreensão da natureza humana.
Os conceitos de Maslow, Rogers e outros nos levam a pensar sobre o papel do
gestor na identificação e desenvolvimento dos talentos de seus colaboradores. De que
forma a organização pode propiciar que cada colaborador desenvolva e ofereça seus
melhores conhecimentos, atitudes, talentos e habilidades? O ambiente organizacio-
nal é propício para a autorrealização? E para o autoconhecimento? Há avaliação de
desempenho e feedback construtivo?
O que se destaca nesta abordagem e que é importante para os administradores é
a proposta de reflexão ética e filosófica sobre a visão de homem. Você, como adminis-
trador, vê o homem como essencialmente capaz de contribuições positivas (sem cair
na ingenuidade)? Você compartilha da Teoria Y de McGregor? Você se imagina, como
gestor, no papel de coaching? De desenvolvedor de talentos? De apoiador de carreiras?
Se você respondeu sim a todas essas questões, provavelmente sofreu influências
humanistas ao longo da vida. Tais experiências e sua leitura pessoal dessas experiências
podem indicar que tipo de gerente você será no futuro.
72
3.12. REFERÊNCIAS
Se você tem interesse em conhecer mais sobre a abordagem humanista,
sugerimos os livros a seguir.
Esse livro é para você conhecer o autor que propôs o conceito de liderança
McCLELLAND et ali. The Achievement Motive. New York: Appleton – Century – Crofts,
1953.
McGREGOR, D. Os aspectos humanos da empresa. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora,
1970.
Para conhecer mais sobre Rogers, leia seus livros. Aqui há duas sugestões.
ROGERS, Carl R. Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
_______. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
4.1. INTRODUÇÃO
Os estudos da psicologia cognitiva iniciam pelos movimentos históricos que
originaram as bases de sua criação e evolução. Apresentam-se, também, os principais
temas aplicados pelos administradores nas organizações, como os processos de per-
cepção e os 11 sentidos, a atenção e os aspectos da memória, bem como as formas de
retenção e armazenamento das informações e conhecimentos. Abordam-se as teorias
de aprendizagem relacionadas à escola cognitivista e os principais autores. A seguir são
analisadas as fases do processo criativo do brainstorming, aplicado como técnica para
geração de ideias nas organizações. Ao final do capítulo, descortinam-se os aspectos
envolvidos e principais modelos dos processos de tomada de decisões pelos gestores
no contexto complexo do ambiente organizacional.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER
A relação com o mundo exterior é feita através dos sentidos; por isso, toda
percepção é a interpretação de um ato sensorial (sentido). É através dos sentidos que
Psicologia Aplicada à Administração
Além disso, o que a pessoa percebe pode ser influenciado pelos seus estados de
necessidades e emoções, uma vez que a percepção não é o espelho da realidade. Uma
pessoa com fome, outra sonolenta, outra que brigou com o namorado e uma quarta
que conseguiu um emprego podem perceber de maneira muito diferente a mesma
78 situação. Por isso, os processos de percepção estão diretamente relacionados às ex-
periências passadas, às expectativas futuras e ao momento físico e psicológico atual.
1. Visão;
2. Audição;
3. Gosto, paladar;
4. Olfato;
5. Somato-sensorial contato físico; tato;
A impressão da “realidade” é dada pelos sentidos; são eles que captam e reali-
zam a interação com o mundo exterior. Os sentidos detectam (percebem) a realidade,
realizam transdução (conversão) e transmitem informações sensoriais e perceptuais
que são interpretadas pelo cérebro, levando às ações e reações. 79
Em uma sala, a pessoa olha e vê logo uma lâmpada acesa; contudo, dirigindo
em uma estrada à noite, um objeto distante pode parecer uma luz isolada, a luz de um
carro ou de uma moto ou, ainda, qualquer outra coisa fruto da imaginação. O teste da
hipótese é um processo perceptivo que acontece muito rapidamente, quando a pessoa
olha para um objeto e fica hipoteticamente pensando no que é. Esta hipótese fica mais
clara diante de figuras ambíguas; neste caso, a todo o momento se mudam as percepções,
enquanto a figura parece que também se modifica. Um exemplo é o impossível Cubo
de Necker, criado pelo matemático e físico suíço Louis Necker (1730-1804) através de
Psicologia Aplicada à Administração
A atenção tanto pode ser considerada um filtro através do qual se selecionam alguns
aspectos da percepção como mais importantes, ou a concentração em algo único,
considerado mais importante. Interesses, valores e necessidades são elementos que
dirigem a atenção das pessoas, mas o que a determina são os objetivos pessoais do
momento atual da vida. De outra forma, também se presta especial atenção a eventos
inesperados ou intensos, pois isso é uma forma de sobrevivência e preservação que
ajuda a enfrentar situações inesperadas e perigos súbitos. Se as pessoas prestassem
atenção a tudo que está acontecendo à volta, iriam se perder na multidão de estímulos,
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proteger as pessoas em situações críticas, como no exemplo das mães nas guerras, que
só acordam quando ouvem o choro do bebê, e não mais com as bombas lançadas. A
diferenciação ou discriminação na qual a criança sabe e reconhece os pais de outras
pessoas também é muito útil. Em outros casos, certos tipos de negação de memórias,
como aquelas que não devem ser reprimidas nem esquecidas, é altamente pernicioso
e trarão consequências desastrosas, como nas situações em que o criminoso comenta
que cometeu o crime “por autodefesa” ou do dependente de álcool que afirma que
“não quis tomar, me obrigaram”. Enfim a arte de esquecer é conseguir discernir entre
Psicologia Aplicada à Administração
c) Fase da aquisição. Uma vez que a situação externa foi observada e percebida
com atenção, o ato de aprendizagem continua com a fase da aquisição. Envolve
a aquisição de determinados conhecimentos na memória de curta duração, para
mais tarde serem adicionados à memória de longa duração. Nesta fase, ocorre
também o processo de codificação, que é a transformação dos conhecimentos
em códigos para serem armazenados mais facilmente.
das outras pessoas que servem de modelos. Assim, podemos aprender visualizando ou
imaginando consequências ainda não vivenciadas de determinado comportamento e
tomar decisões conscientes.
Bandura também realiza pesquisas sobre a autoeficácia, entendida como o
sentido de autoestima ou de valor próprio. São as sensações de adequação e eficácia
que as pessoas sentem ao solucionar os problemas da vida. Pessoas autoeficazes, se-
gundo Bandura, são perseverantes, buscam desafios, superam obstáculos e mantêm
alto nível de confiança. Pessoas de pequena autoeficácia sentem-se impotentes diante
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C) A teoria de Bruner
Jerome Bruner (1915-), americano, doutor em psicologia pela Universidade de
Harvard e professor da Universidade de Oxford, é um dos importantes pesquisadores
cognitivistas da atualidade. Concentra seus estudos nos processos de desenvolvimento
do pensamento, na percepção, nas habilidades infantis, nas relações entre cultura e
crescimento cognitivo e principalmente na educação, no ensino e nos currículos das
escolas. Para Bruner, o currículo deve ser estruturado em forma de espiral, fazendo
com que o aluno perceba o mesmo tema em diferentes níveis de profundidade e re-
presentações.
92
A preocupação fundamental de Bruner é promover a participação do aluno no
processo de aprendizagem, principalmente através da aprendizagem por descoberta,
apresentando desafios e problemas para os alunos solucionarem. Assim, sua teoria de
aprendizagem concentra-se em como preparar ambientes para otimizar a aprendiza-
gem, de acordo com critérios diversificados, oportunizando aos alunos explorarem
situações e solucionarem problemas.
Bruner acredita que a tarefa de educar é fornecer meios e situações que levem
cada aluno a aprender a pensar; a compreender e utilizar as ferramentas de apropriação
do mundo; e a definir seu estilo próprio de pensamento e ação. Cada aluno é, também,
um elemento acrescentador no domínio do conhecimento.
As características da teoria de aprendizagem de Bruner são três: a) Indicar expe-
riências mais efetivas para despertar ou estabelecer predisposições para aprender.
A vontade de aprender se caracteriza pelo desejo de solucionar problemas e desafios;
o processo de ensino só terá sucesso se for organizado para esse objetivo. b) Indicar
Capítulo 4
4. Iluminação. É uma das fases mais importantes do processo criativo; neste mo-
mento, é o PL em pleno funcionamento. Consiste em gerar ideias e mais ideias,
associando-as umas às outras e anotando tudo. Neste momento, é fundamental
não criticar absolutamente nada, por mais estranhas que sejam as ideias, e regis-
trar tudo.
5. Incubação. É a fase de descanso para introduzir a “iluminação”; exige pratica-
mente nenhum esforço consciente, é o momento de deixar livre a imaginação,
puro PL. De Bono (2002) recomenda, inclusive, que o grupo durma e continue
Psicologia Aplicada à Administração
no dia seguinte. Nesta fase, podem surgir ideias brilhantes e insight criativos, o
insight (conceito advindo da Escola da Gestalt) pode ser entendido como um
surgimento súbito e facilmente percebido de uma solução totalmente nova. Em-
bora a percepção do insight seja repentina, ela envolveu muito esforço mental
propiciado na fase anterior.
6. Síntese e 7) Avaliação. Estas duas fases finais também andam juntas; é o PC
em ação novamente. A síntese é o oposto da fase anterior e implica reunir, re-
sumir, criticar e combinar as ideias levantadas nas fases anteriores para chegar
à solução do problema. Na avaliação, colocam-se as ideias em prática, testa-se a
validade, consolidam-se e implantam-se as ideias válidas.
seja boa o suficiente para cumprir o nível de aceitabilidade. Por exemplo, quando você
procura um novo carro, você escolhe e visita revendas e vai procurando até achar um
carro que o satisfaça; todavia, você não escolheu o melhor modelo de carro, mas, por
outro lado, não ficou quatro meses visitando as revendas. Alguém que precise tomar
uma decisão pode, ao considerar todas as opções, obter um número quase infinito
delas e não conseguir o mínimo aceitável para a tomada de decisão. Logo, quando
4.9. QUESTÕES
Apresenta-se a seguir algumas questões e exercícios a serem trabalhados pelos
leitores:
1. Analise uma situação real em uma organização, aplicando as diferentes formas
de percepção.
Sonia Mara T. Romero ELSEVIER
4.10. REFERÊNCIAS
ATKINSON; SHIFFRIN. Human memory: a proposed system and its control processes.
In: SPENCE, K.M.; SPRENCE, J.T. (Eds.). The Psychology of learning and motivation,
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motivacion. v. 8, p. 47-90. New York: Academic Press, 1974.
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1973.
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MILLER, G. The magic number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for
processing information. Psychological Review, n. 63, p. 81-93, 1956.
MOREIRA, M.A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
Capítulo 4
Psicologia evolucionista
seletivo, entendido em sentido amplo, se baseia na variedade – quando uma empresa
quer recrutar e selecionar candidatos para o suprimento de vagas, ela realiza um pro-
cesso seletivo a fim de contratar o melhor candidato, dentre vários. De acordo com
Chiavenatto (2005), a seleção é um subsistema que filtra os candidatos, diferentemente
do subsistema de recrutamento, que convoca pessoas. Assim também ocorre com o
processo de seleção natural, que favorece as características que melhor respondem
aos desafios impostos pelo ambiente. Entretanto, a variabilidade na população não é
suficiente. Quando uma característica traz benefícios ao indivíduo, é interessante que
ela permaneça na população.
Seleção natural, portanto, nada mais é do que a transferência de uma carac-
terística adaptativa para a geração seguinte, por meio de reprodução diferencial – a
quantidade adicional de filhos que um indivíduo consegue deixar na geração seguinte,
em comparação com outro indivíduo, uma vez que suas características só podem ser
transmitidas através dos seus genes.
Embora na época de Darwin não fosse conhecida a ideia de gene, atualmente 107
sabemos que é por meio das moléculas de DNA que as informações são transmitidas
de pai/mãe para filho/filha. Isso não significa dizer que se está nos genes deve ocorrer.
Na biologia moderna, fala-se em predisposições biológicas que, em interação com o
ambiente, podem ou não ser expressas. Como foi dito no primeiro tópico, a psicologia
evolucionista é uma abordagem integrativa.
Psicologia evolucionista
assim como para nós nos dias atuais. Charles Darwin, na última página de A origem
das espécies, em 1859, já postulava que suas descobertas seriam aplicadas, no futuro, à
compreensão dos fenômenos mentais e comportamentais humanos. Ele estava certo!
Tanto estava que, daqui em diante, neste capítulo, discutiremos alguns exemplos de
comportamentos e processos mentais que serviram aos nossos ancestrais e permane-
cem até os dias de hoje no nosso cérebro.
Para analisarmos como resolvemos esses problemas adaptativos nos dias de hoje
utilizando predisposições herdadas de nossos ancestrais, precisamos entender alguns
conceitos. Primeiro, o fato de a mente humana ser um modelo computacional e, por
isso, possui componentes responsáveis pela entrada e saída de informações relevantes,
do ponto de vista da sobrevivência e reprodução, provenientes do ambiente externo ou
interno. Além disso, faz-se necessário um componente para o processamento dessas
informações, para resolução de problemas específicos, mas com grande plasticidade
de resposta, possibilitando melhores ajustes às novas situações. Finalmente, um com-
ponente para o armazenamento tanto dos componentes anteriores quanto dos dados 109
processados (Oliva et al., 2008). Portanto, a mente da psicologia cognitiva, unida à
teoria da evolução proveniente da biologia evolutiva, nos permite traçar a origem da
mente humana. Entretanto, para que essa trajetória esteja completa, outro componente
deve ser acrescentado: as emoções. O próprio Darwin (1872), em A expressão das emo-
ções no homem e nos animais, dedicou-se a entender o importante papel das emoções
na filogenia (evolução) do comportamento humano. Contudo, a visão moderna da
psicologia evolucionista inclui o papel das emoções na ontogenia (desenvolvimento)
da mente e, assim, na expressão do comportamento.
Imagine a seguinte situação: você está cansado e com fome, saiu do trabalho e
está caminhando sozinho à noite em uma rua escura. De repente, você escuta barulho
de passos, mas não consegue identificar quem está caminhando atrás de você. Não é
uma das situações mais agradáveis. Das emoções básicas que podem aflorar em um
momento como esse, medo é uma delas e certamente provoca alterações significativas.
Esse exemplo é interessante para ilustrar o papel das emoções no controle da expressão
Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER
Algumas prioridades emergem e você passa a não sentir fome, não pensa mais em
como alguém pode lhe ser atraente ou aprender uma nova habilidade (como manipular
um aparelho de celular adquirido recentemente). Uma mudança no processo de me-
mória redireciona para a retomada de situações nas quais tarefas semelhantes foram
executadas. Além disso, ocorrem mudanças no processo de comunicação, a depender
das circunstâncias, você pode dar um grito de alarme ou ficar paralisado e incapaz de
emitir uma palavra sequer. A fisionomia pode se alterar para uma expressão de medo
típica da espécie de forma involuntária. Alguns processos mentais de inferência são
ativados, como concluir algo com base na aproximação do outro ou na direção de seu
olhar. Algumas pistas do comportamento do outro podem lhe dizer se ele também
sente medo por se deparar com você ou mesmo se percebeu seu medo. Mudanças
fisiológicas entram em cena, redirecionamento do fluxo sanguíneo para as extremida-
des, a quantidade de adrenalina aumenta na circulação e a frequência cardíaca pode
ir a picos elevados. Dependendo da natureza da ameaça potencial, regras de decisão
comportamental são ativadas; assim, diferentes cursos de ação serão potencializados:
enfrentamento ou luta, fuga ou mesmo imobilidade tônica. Como podemos perceber,
110 um conjunto de mudanças em todo o organismo ocorre sob influência da emoção do
momento.
Sob essa perspectiva, Cosmides e Tooby (2000) entendem a razão e a emoção
como operações mentais, favorecidas pela seleção natural que, somadas, compreendem
as capacidades cognitivas da nossa mente, as quais permitiram a nossos ancestrais
resolverem problemas adaptativos, dentre os quais destacamos detectar e evitar preda-
dores, encontrar e selecionar alimento, formar alianças e coalizões, fornecer cuidado
às crianças, reconhecer parentes, selecionar parceiros reprodutivos, dentre outros.
Dessa forma, herdamos uma mente plástica capaz de suprir necessidades básicas do
indivíduo, tomar decisões e interagir socialmente, aumentando, assim, a possibilidade
de sobrevivência e reprodução.
Esses são só alguns exemplos de como os sinais biológicos interferem no nosso
processamento cognitivo. Ambos os processos nos preparam para uma situação de
perigo, por exemplo, aumentando nossas chances de sobrevivência.
Capítulo 5
Psicologia evolucionista
uma pessoa pode avaliar opções e selecionar a opção mais adequada, dentre várias
alternativas (Sternberg, 2000).
Quando falamos em “tomar decisões”, fica implícito o caráter intencional do
sujeito da ação. Porém, pelo ponto de vista da psicologia evolucionista, intenção e
consciência de fato são coisas diferentes. Muitas vezes tomamos decisões com base em
parâmetros que nada têm a ver com o problema em si. Outras vezes a decisão é tomada
com base em aspectos dos fenômenos que nem percebemos ou nomeamos de forma
consciente. Por conta disso, dizemos que o processo decisório não é necessariamente
ligado à intencionalidade do sujeito “tomador de decisão”.
Sendo assim, podemos afirmar que outras espécies além do Homo sapiens
também avaliam diferentes possibilidades de escolha, tomam decisões e resolvem
problemas.
Conforme vimos anteriormente, a seleção natural é um processo que otimiza a
adaptação do organismo ao meio, mas essa adaptação não é perfeita: é uma “adaptação
111
com restrições”. Certo número de fatores pode restringir a evolução de um comporta-
mento (Gigerenzer, 2001). Por exemplo, passar longos períodos de tempo forrageando
(procurando alimento) em um local com abundância de alimento é um comporta-
mento importante para a sobrevivência e para o sucesso reprodutivo do organismo,
mas ao mesmo tempo pode aumentar a chance de predação, reduzindo a vantagem
do forrageamento. Dessa forma, a seleção natural aperfeiçoa o comportamento com
limitações, e essas limitações geram a seleção de outros comportamentos alternativos,
criando uma rede de condições entre os comportamentos. Podemos, assim, descrever
a “anatomia de uma decisão” (Stephens, 2008).
A Figura 5.1 mostra um esquema de como a seleção natural pode agir nos
processos de tomada de decisão. Esse mecanismo começa quando a informação, que
pode se originar no organismo tanto internamente (memória) quanto externamente
(demanda ambiental), alimenta o processo de tomada de decisão. Esse processo gera
uma decisão (por meio de uma avaliação funcional) e provavelmente vai gerar uma
Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER
ação no ambiente e, por sua vez, um resultado (efeito). Dependendo do efeito desse
resultado, o mecanismo decisório pode ser alterado, pois eles apresentam uma reali-
mentação sobre os resultados realizados em longo prazo (seleção natural), observados
no momento (aprendizagem por reforçamento) ou que já seriam esperados (expectativa
gerada pelo planejamento da avaliação funcional).
É importante notar que a aprendizagem por reforçamento pode tanto influen-
ciar a ação diretamente (através do aprendizado de um comportamento) quanto
influenciar o processo decisório (através do aprendizado de uma estratégia nova).
Psicologia Aplicada à Administração
112
O estudo das heurísticas de julgamento oferece uma forma mais realista de descrever
quais são os mecanismos que as pessoas utilizam no momento de tomar uma decisão (Gi-
gerenzer, 2001; Smith & Winterhalder, 1992). Entende-se heurística como todo estímulo,
processo ou informação que serve de base para a tomada de decisão quando estamos sob
Capítulo 5
condições de incerteza. Em outras palavras, quando não temos tempo ou dados suficientes
para tomar a decisão ideal. O estudo das heurísticas de julgamento explica quais as ca-
pacidades e limitações da mente humana, assim como sua interação com o ambiente. O
processo decisório humano sofreu pressões seletivas no sentido de ser rápido, intuitivo e
adaptado especificamente para certo contexto ambiental. Apesar de o pensamento intui-
tivo humano e em outras espécies não realizar predições com base em um processamento
resultante de análise matemática, estatística ou probabilística, isso não quer dizer que esse
processamento seja irracional ou pouco sofisticado, muito pelo contrário.
Entendendo o processo decisório dessa forma é mais fácil entender os proces-
Psicologia evolucionista
sos humanos, apesar de sua complexidade. Além disso, em um contexto mais amplo,
durante a história evolutiva do homem, o uso estereotipado de informações com base
em condições de incerteza foi fundamental para a sobrevivência.
Nos dias de hoje, temos as organizações como fenômenos complexos, media-
dos por diferentes subjetividades dos sujeitos que fazem parte dela, sujeitos esses que
possuem um aparato cognitivo moldado por milhões de anos de seleção natural. De
acordo com a abordagem culturalista, as organizações são um fenômeno intersubje-
tivo, podendo ser entendidas como tal na medida em que as pessoas compartilham
suas crenças e pressupostos individuais. Em outras palavras, as organizações são nada
mais nada menos do que um conjunto de subjetividades compartilhadas (Zanelli &
Silva, 2008).
Decisões são tomadas a todo o momento nas organizações, porém a cultura
do imediatismo, da instantaneidade e da urgência são fenômenos que instauram uma
lógica perversa que está na associação entre rapidez, eficiência e sucesso. O trabalho
bem-sucedido é aquele feito da forma mais rápida e eficiente possível. Porém, quanto 113
mais rápidas e automáticas forem as atividades, maior a chance de as decisões serem
tomadas com base em um sistema não racional de julgamento. Em outras palavras,
maior a chance de heurísticas de julgamento influenciarem o processo decisório,
gerando vieses sistemáticos e erros de interpretação. Mas qual o papel das heurísticas
de julgamento no processo decisório nas organizações?
Psicologia evolucionista
ocorreu com a empresa Apple ao desenvolver o primeiro programa para embaralhar
as músicas tocadas em um iPod. Um novo algoritmo foi desenvolvido para embara-
lhar as músicas da forma mais aleatória possível. Porém, a verdadeira aleatoriedade às
vezes gera repetições. Ao ouvirem uma música repetida ou várias músicas do mesmo
artista tocadas em sequência, os usuários acreditaram que o embaralhamento não era
aleatório. Assim, nas palavras do fundador da Apple, Steve Jobs, os programadores
tiveram de refazer o algoritmo “de forma a fazer o embaralhamento menos aleatório
para parecer mais aleatório”.
A heurística da disponibilidade se refere à facilidade com que as pessoas podem
recordar exemplos de um evento ou produto e que afetam o julgamento da frequência
com que um evento ocorre na realidade. Assim, as pessoas estimam a frequência de
uma classe ou a probabilidade de ocorrência de determinado evento pela facilidade
com que as ocorrências ou circunstâncias desse evento estão “disponíveis” na memória.
Um exemplo dessa heurística apresentado por Tversky e Kahneman (1974)
consiste em um estudo de laboratório no qual os participantes ouviram uma lista de 115
nomes de personalidades de ambos os sexos e, subsequentemente, foram perguntados
se a lista continha mais nomes de homens do que de mulheres. Diferentes listas foram
apresentadas para diversos grupos de sujeitos. Para um dos grupos, foi lida uma lista
na qual as mulheres eram relativamente mais famosas do que os homens listados, mas
que, no geral, continha um número maior de homens. Para outro grupo, a questão se
inverteu e, nesta lista, os homens eram mais famosos, mas o número de mulheres era
maior. Após ouvir a lista de seu grupo, perguntou-se aos participantes de ambos os
grupos se a lista continha mais nomes de mulheres ou de homens. Em ambos os grupos,
os participantes concluíram erroneamente que o sexo que incluía as personalidades
mais famosas era o mais numeroso. Os participantes aparentemente prestaram mais
atenção aos nomes notáveis conhecidos do que aos nomes que não eram conhecidos,
o que levou a julgamentos inexatos.
A terceira heurística identificada por Tversky e Kahneman foi a de ancoragem
e ajustamento, e a explicação original desta heurística foi baseada na ideia de que os
Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER
do valor final. Além disso, como o resultado das primeiras parcelas da multiplicação
(da esquerda para direita) é maior na sequência descendente do que na ascendente, a
primeira expressão é julgada maior que a segunda. Desse modo, conforme previsto,
a estimativa mediana da sequência descendente é 2.250 e da sequência ascendente é
512. Na verdade, a resposta correta é 40.320.
1 Ambiente ancestral dentro do qual ocorreu o processo de evolução da espécie humana, a partir de seus
ancestrais. Tradicionalmente definido como as savanas das planícies africanas, este conceito vem sendo
ampliado a fim de incluir uma maior variedade de configurações ambientais possíveis. Izar (2009) diz
que “o AAE refere-se, então, às condições do ambiente que permitiram aos indivíduos portadores da
mutação (ou recombinação) [genética] inicial, e às gerações subsequentes, deixarem mais descendentes
até que toda a população apresentasse a mesma característica (...).”
Capítulo 5
Psicologia evolucionista
ou mesmo anteriores ao surgimento dos primeiros hominídeos na Terra (Foley, 1998;
Barrett, Dunbar, & Lycett, 2002). Assim, podemos considerar que o ambiente físico
no qual nossos ancestrais enfrentaram problemas adaptativos corresponde à savana
africana (veja nota de rodapé desta página): um campo relativamente aberto, bastante
quente, com árvores espalhadas, algumas delas fonte de alimentos valiosos, como
frutos e sementes. Por ser um ambiente aberto, a exposição aos predadores era um
fator relevante.
Além de resolver problemas relacionados ao ambiente físico, nossos ancestrais
tiveram de resolver problemas relacionados ao ambiente social, ou seja, como lidar com
as outras mentes que estavam ao redor. Os grupos sociais ancestrais eram pequenos,
comparados com os grupos que podemos formar nos dias de hoje, mas apresentavam,
assim como na maioria dos primatas, uma estrutura hierárquica complexa e a formação
de alianças temporárias ou não. Dada essa característica dos grupos sociais humanos,
entendemos que a formação e a manutenção de alianças são extremamente importantes,
sejam elas formadas por laços de parentesco ou por apresentarem interesse comum. 117
A interação com indivíduos do grupo social era tão importante para a sobrevivência
quanto detectar um possível predador e escapar em segurança ou ingerir o alimento
certo, de forma a não se intoxicar.
Por essa razão, a compreensão da dinâmica entre os indivíduos de um grupo
social contribuirá para nossa compreensão do processo de evolução da mente humana.
Na verdade, Geary (2004) nos ensina que, tão logo os homens adquiriram o domí-
nio ecológico, isto é, passaram a ter maior controle sobre suas fontes de alimento e
segurança (garantindo a sobrevivência básica), as pressões sociais assumiram o papel
principal no teatro da vida, sendo apontadas como as principais responsáveis pela
evolução de grande parte do cérebro humano.
As interações sociais promoveram a seleção de determinados padrões com-
portamentais naquele ambiente físico, porque os benefícios de agir dessa forma e não
de outra superaram os custos. Isso significa dizer que os padrões de interação social
apresentados nas diversas culturas refletem, em certo nível, as pressões seletivas en-
Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER
frentadas por nossos ancestrais. Mas, como vimos anteriormente, esse ambiente social
traz consigo custos aos membros de um grupo, tais como a competição pelo alimento
disponível ou o aumento da probabilidade de ser encontrado por um predador. Em
contrapartida, os benefícios associados a essa vida em grupo também entram na ba-
lança, como aumento na eficiência de detectar predadores ou encontrar alimento, em
função do aumento do número de indivíduos; vários pares de olhos são mais eficientes
que apenas um. Além disso, contabilizou-se na balança de custos e benefícios a divisão
de trabalho e a cooperação no cuidado dos filhos.
Psicologia Aplicada à Administração
Psicologia evolucionista
um número maior de presas quando se têm mais pares de olhos procurando; a eficiência
na rapidez de encontrar e capturar presas deve ser balanceada com a quantidade de
indivíduos a serem alimentados. O que percebemos é que provavelmente os benefícios
da caça coletiva devem ter superado os custos, pois esse padrão é observado em inú-
meras sociedades humanas, além de já ter sido registrado em outros animais, como em
chimpanzés que se organizam intencionalmente para abater presas animais. Conforme
veremos a seguir, a formação e a manutenção de alianças e coalizões tiveram papel
fundamental no sucesso de sobrevivência e reprodução dos nossos ancestrais e, por
essa razão, herdamos a habilidade de nos relacionarmos de forma a atingir objetivos
individuais, mesmo que trabalhando em grupos.
Psicologia evolucionista
que o trapaceiro teria maior sucesso em termos de sobrevivência ou reprodução – ou
sucesso profissional – em relação aos não trapaceiros; (2) com o sucesso maior desses
indivíduos trapaceiros, essa estratégia – ou os genes que predispõem as pessoas a
essa estratégia – tornar-se-ia mais frequente na população; (3) finalmente, todos se
tornariam trapaceiros por ser a melhor estratégia; (4) se ninguém ajuda ninguém, as
alianças seriam desfeitas e a vida em grupo não seria mais possível.
Por essa razão, conseguimos perceber que nós, humanos, assim como todas
as espécies que vivem em grupos sociais, devemos ter encontrado alguma maneira
adaptativa de resolver esse problema do trapaceiro. Entretanto, Axelrod e Hamilton
(1981) propuseram que para a resolução desse problema adaptativo, três condições
básicas devem ser satisfeitas em qualquer situação de troca social. Primeiramente, os
indivíduos devem se encontrar de forma repetida, ou seja, se eu não o encontrarei
mais, não precisarei arcar com custos de retribuir um favor prestado a mim, apenas
aproveitar os benefícios recebidos. Em segundo lugar, os indivíduos devem ser capazes
de se reconhecer e distinguir os indivíduos encontrados anteriormente em situações 121
de trocas sociais daqueles com os quais nunca estabeleceram esse tipo de relação
ou que são totalmente estranhos. Por uma lógica muito simples, não há sentido em
gastar tempo e energia não se comportando de forma recíproca com aqueles que
nos ajudaram no passado e colaborar com completos estranhos. Finalmente, após
reencontrar e reconhecer os indivíduos envolvidos anteriormente em trocas sociais, é
extremamente importante recordar como essas pessoas agiram em relação a você nos
encontros passados, ou seja, distinguir entre os colaboradores e os trapaceiros. Assim,
para que o altruísmo recíproco aconteça e o trapaceiro não se mantenha, é necessário
que tenhamos mecanismos psicológicos evoluídos2 que nos permitam reencontrar
pessoas, reconhecê-las e recordar de suas ações.
Psicologia evolucionista
tos se tornaram famosos e, hoje, são tidos como clássicos históricos da administração
de recursos humanos. Referimo-nos, aqui, aos trabalhos desenvolvidos no bairro de
Hawthorne, em Chicago, na empresa West Electrical Company.
Coordenadas por Elton Mayo, essas pesquisas tinham por objetivo estudar
como determinadas variáveis ambientais influenciavam o processo produtivo e o
rendimento dos trabalhadores. A conclusão a que se chegou, após serem analisados os
resultados obtidos, foi a de que o controle sistemático de algumas variáveis em questão
não exerceram influência alguma sobre o comportamento dos funcionários daquela
empresa. Paradoxalmente, foi constatado que o rendimento havia melhorado, de fato,
em alguns setores. Após muitas discussões e análises, os pesquisadores descobriram
que o aumento da produtividade não se devia à manipulação de determinadas variá-
veis ambientais, mas do acordo que os trabalhadores fizeram entre si para otimizar a
produção, uma vez que sabiam que estavam fazendo parte de um estudo.
Em relativa oposição à escola clássica (taylorista) de administração, que prezava
pela racionalidade estrita e preconizava que o trabalhador não deveria pensar, apenas 123
executar, os experimentos de Hawthorne demonstraram que para além da organiza-
ção formal de trabalho existe uma organização informal que foge às estruturas do
que é hoje conhecido por organograma (Sampaio, 1998). Tais pesquisas formaram o
embrião da Escola de Relações Humanas, sistematizada por Mayo, que buscava um
maior entendimento dos fenômenos humanos no ambiente de trabalho.
Colocando as descobertas geradas por ocasião dos experimentos de Hawthorne
sob as lentes da psicologia evolucionista, podemos entender a razão do erro de Taylor
e do acerto (às cegas, é verdade...) de Mayo. Foi discutido, nas seções anteriores, que
a espécie humana enfrentou uma série de pressões sociais ao longo de sua história
evolutiva. Dentre essas pressões estavam a necessidade de formar grupos para caçar,
cuidar dos filhos, proteger o grupo de predadores e assim por diante. As mais variadas
pressões sociais, por sua vez, se tornaram extremamente importantes para a sobrevi-
vência e reprodução dos nossos ancestrais, de modo que o aparato cognitivo associado
à vida em grupo permanece em nós até hoje.
Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER
intermediação de comunicados formais que podem fazer com que o sujeito decida por
uma ou outra estratégia dentro do seu grupo de trabalho. No caso dos experimentos
de Hawthorne, Mayo descobriu apenas o que já acontece há milhões de anos: que as
pessoas interagem e buscam apoio mútuo para atingir objetivos específicos.
Decerto que tais alianças não são estanques e imutáveis. Pelo contrário, as
coalizões são formadas para que os indivíduos que pertencem àquele grupo possam
alcançar metas específicas. Tão logo os objetivos sejam atingidos, o grupo pode se
desfazer (Gonçalvez, 2009).
Psicologia evolucionista
O contato com esse tema, por ser inédito, apresenta uma série de temas de pesquisa e
reflexão ainda inexplorados dentro da administração. Esperamos que essa iniciativa
gere motivação para seu aprofundamento nos estudos desenvolvidos dentro dessa
nova área.
5.5. QUESTÕES
1. É sabido que nossa percepção dos fenômenos que nos cercam não é completa.
Muitas vezes deixamos de considerar ou perceber fatos que são importantes no
momento de tomar decisões ou propor uma nova solução. Por que você acha
que isso ocorre e quais seriam algumas alternativas para tentar minimizar esse
efeito?
2. Discuta sobre a nova expressão “dinheiro é tempo” proposta por Aubert em
seu texto sobre a lógica da urgência, como alternativa ao popular adágio de
Benjamin Franklin “tempo é dinheiro”. Você acha que essa nova afirmação é 125
procedente?
3. Como dimensionar os aspectos biológicos, cognitivos e sociais dentro das or-
ganizações? O fator humano é afetado por tais aspectos conjuntamente? Pense
em um exemplo pessoal em que tais fatores auxiliaram ou comprometeram sua
atividade profissional.
4. Observe a seguinte descrição de um estudo de caso.
Jair Bernardes era gerente de quatro departamentos na loja principal da Loja
de Departamentos Denny’s: artigos esportivos, ferramentas, utilidades domésticas e
brinquedos. Cada departamento tinha um vendedor-chefe encarregado do armazena-
mento e exposição das mercadorias, pedidos especiais e manutenção do departamento.
Esses vendedores-chefes também treinavam e avaliavam os vendedores em geral. Os
vendedores trabalhavam principalmente em regime de meio período, como forma de
pagar a faculdade. Basicamente, respondiam a perguntas e faziam vendas por telefone.
Quase não realizavam vendas diretas.
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nível de movimento de clientes não era suficiente para permitir que os departamentos
alcançassem elevados volumes de vendas. Jair informou o fato a Conrado, que respon-
deu que os balconistas teriam de empenhar mais esforço nas vendas, caso contrário
as horas de trabalho seriam reduzidas. Em seguida, Conrado instituiu um sistema de
cartões de registro nos quais cada vendedor deveria anotar as vendas realizadas. Ele
achava que assim poderia avaliar quem era inútil e despedi-lo. Os vendedores-chefes
foram incluídos nesse sistema. Esse programa foi iniciado enquanto Jair estava ausente.
O programa resultou na negligência dos vendedores-chefes em reabastecer as
prateleiras e manter a boa ordem dos departamentos, na competição entre todos os
empregados e no fim da atitude de ajuda e companheirismo entre os trabalhadores.
Além disso, o volume de vendas não aumentou. Por fim, Jair convocou uma reunião
com Conrado e Marcelo, o gerente da loja. Depois de visitar os departamentos e
discutir os resultados do programa de Conrado, Marcelo cancelou o programa de
cartões de registro. Embora a condição geral dos departamentos tivesse melhorado,
os trabalhadores ainda não cooperavam entre si e muitos achavam que, para começo
126 de conversa, Jair os havia abandonado.
Questão: Discuta sobre o problema gerado por Conrado, durante a ausência de Jair.
Quais os problemas ocorridos no processo decisório deles? Quais seriam as possíveis
heurísticas de julgamento que aparecem neste caso? Procure repetir esse raciocínio
utilizando exemplos de sua atividade profissional ou de outras experiências observadas
ou vivenciadas.
5.6. REFERÊNCIAS
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Capítulo 5
Psicologia evolucionista
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Wallisen Tadashi Hattori | Altay Alves Lino de Souza | Álvaro da Costa Batista Guedes ELSEVIER
Adriana Schujmann
Silvia Generali da Costa
6.1. INTRODUÇÃO
De modo geral, devido às exigências do mundo empresarial, passamos mais
tempo em nossos ambientes de trabalho do que em nossas casas. E, mesmo quando
estamos em casa, muitas vezes não conseguimos nos distanciar por completo das
necessidades e das demandas exigidas pelas empresas.
Ao contrário do aumento das horas destinadas ao trabalho, o tempo de lazer está
cada vez mais restrito e reduzido, o que pode acabar dificultando ou interferindo na
manutenção e no início de novos laços de amizade fora das instalações da empresa, o
que possivelmente induz a um fortalecimento dos vínculos afetivos existentes dentro
da organização.
As interações e o surgimento de amizades entre os funcionários no ambiente
de trabalho podem ocupar um papel de destaque na vida das pessoas, uma vez que
Adriana Schujmann | Silvia Generali da Costa ELSEVIER
Sociedade
Grupo
133
Relacionamento
Estrutura
Ambiente físico
sociocultural
Interações
Comportamento Individual
Fatores psicológicos
Parks e Floyd (1996) afirmam que, em virtude do tempo, na maioria dos casos, uma
relação desenvolve uma maior intimidade, cumplicidade e dependência entre as par-
tes, sendo que os envolvidos se tornam mais comprometidos, ocorrendo uma melhor
interação entre eles. Já conforme Hays (1984), o relacionamento interpessoal passa por
um desenvolvimento sistemático, ou seja, primeiramente o relacionamento é impes-
soal e superficial, evoluindo para um envolvimento de trocas de informações íntimas.
Também devido ao tempo, fica claro se o relacionamento é positivo ou negativo
para os envolvidos. O envolvimento entre os participantes é positivo quando se de-
Psicologia Aplicada à Administração
Taylor (1998), não existem regras para classificar se uma relação interpessoal é amizade
ou não. Porém, para Auhagen (1996), um relacionamento só é definido como amizade
quando ambos os envolvidos a definem como tal. Não existem responsabilidades ou
normas que regem a amizade, e sim a motivação entre as pessoas.
Amizade se diferencia das relações familiares porque não existem vínculos
formais que servem para manter uma relação estável, além de possuir as seguintes
características (Boyd e Taylor, 1998):
■ Interdependência: o comportamento de cada participante no relaciona-
Tentando caracterizar a amizade, alguns autores afirmam que ela corresponde a uma
necessidade essencial do ser humano de ir ao encontro do outro (Brun, 2007; Lacerda,
1993). Souza e Hutz (2008) e Froemming (1997) definem a amizade como um relaciona-
mento importante para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo dos indivíduos.
Amigos, de acordo com Duck1 (apud Auhagen, 1996), proporcionam uma sensa-
ção de pertencimento e estabilidade emocional, além de possibilitarem uma descoberta
interior e permitirem ajuda entre as partes envolvidas. O indivíduo se sente útil como
pessoa por ser uma fonte de ajuda para o outro. Para Auhagen (1996), as pessoas são
amigas das outras para atingir uma sensação de bem-estar.
As pessoas, de modo geral, identificam a amizade como uma manifestação de
assistência diária, divisão de atividades e autorrevelação. Aspectos como fidelidade e
lealdade são características fundamentais entre os amigos. Os resultados da pesquisa
realizada por Adams et al. (2000) indicam que os aspectos comportamentais da ami-
zade são os principais do relacionamento.
níveis de intensidade. Porém, para Grey e Sturdy (2007), amigos que, posteriormente,
se tornam colegas, ou gerente e subordinado, podem vir a ter suas amizades rompidas
pelas novas circunstâncias. A principal preocupação é com os favorecimentos e com
a difícil manutenção dos papéis.
À medida que as relações sociais entre os funcionários e seus superiores, subor-
dinados ou pares de trabalho vão crescendo e se transformando em laços afetivos de
amizade, esta pode caracterizar-se de duas formas, de acordo com Sias et al. (2004):
■ Voluntária: apesar de os indivíduos normalmente não escolherem com
Psicologia Aplicada à Administração
Uma boa indicação de satisfação no trabalho para Gini3 (apud Bernstorff, 2002) 141
é quando se tem um trabalho interessante, uma possibilidade de desenvolver as habili-
dades necessárias e conseguir visualizar os resultados do trabalho. Outro contexto em
que isso se identifica diz respeito ao local de trabalho em que “colegas sejam amigáveis,
confiáveis e dispostos a ajudar, o salário seja bom, se tenha segurança física no exer-
cício da profissão e em se manter com o emprego” (p. 2). Da mesma forma, conforme
Lacombe (2005), o grau de satisfação está vinculado às relações entre os funcionários,
à integração da equipe, aos sentimentos e emoções, entre outros fatores.
O clima organizacional é estabelecido a partir do nível de satisfação dos fun-
cionários (Lacombe, 2005). Para Sirota et al.4 (apud Araújo 2006), existem três fatores
preponderantes para um clima satisfatório:
3 GINI, A. My job, my self: work and the creation of the individual. New York: Routledge, 2001.
4 SIROTA, D.; MISCHKIND, L.A.; MELTZERI, M.I. The enthusiastic employee. Saddle River: Wharton
School of Publishing, 2005.
Adriana Schujmann | Silvia Generali da Costa ELSEVIER
Colegas de trabalho que são amigos tendem a ter uma comunicação mais ínti-
ma e com mais assuntos do que aqueles que não são. Eles trocam informações mais
completas e precisas entre si. “Especificamente, os amigos empenham-se em uma
comunicação muito mais íntima e aberta entre eles do que com os conhecidos” (Sias,
2005, p. 380).
Uma característica relevante da amizade no trabalho é o aspecto de ser, ao
mesmo tempo, movida pelo afeto e pela instrumentalidade. Ou seja, é a combinação
da instrumentalidade e do afeto que acaba produzindo uma série de dificuldades para
os envolvidos nesse tipo de relacionamento.
O contato inicial com as empresas foi feito através do setor de recursos huma-
nos, e foi este quem indicou os pares que foram entrevistados. Os referidos setores
identificaram funcionários ditos como próximos e que possuíam vínculo de amizade
antes da promoção, ressalvando-se que somente foram indicadas duplas cuja amizade
era reconhecida também pelos demais funcionários da empresa, não se tratando de
uma escolha aleatória por parte dos recursos humanos.
Todos os eventos de promoção que foram averiguados haviam acontecido
recentemente, de maneira que as lembranças vivenciadas pelos entrevistados fossem
recordadas mais facilmente. O Quadro 6.1 ilustra o perfil dos sujeitos investigados.
disso, tais limites se tornam ainda mais difusos pelo fato de os facilitadores para o
surgimento da amizade, bem como os elementos motivadores para o estabelecimento
e a manutenção dessa amizade, estarem vinculados às necessidades e às oportunidades
oriundas da organização.
Quando solicitados a caracterizarem o que seria uma amizade no ambiente
organizacional, a maioria relatou que, apesar de possuir uma afinidade com seu ami-
go de trabalho, prefere tratar de assuntos mais profissionais do que pessoais. Porém,
ao comparar um amigo com um colega de trabalho, a maioria descreve que é com o
uma peculiaridade com os sujeitos mais jovens. Estes relatam possuir um forte con-
vívio fora da organização com o amigo em situações não atreladas ao trabalho. Isso
pode ser compreendido quando estudados os diferentes momentos de vida, interesses
e percepções.
Observa-se, na fala do sujeito mais jovem e com pouco tempo de empresa, uma
diferença na compreensão dos relacionamentos no trabalho. Esse sujeito relata que a
amizade se estende “desde o gerente-geral, com quem eu me dou bem, acaba o expe-
diente ou até no expediente a gente brinca, a gente conversa, se dá bem, até a menina
do café, da limpeza, os seguranças”. Com o aumento da experiência profissional, do
estágio de carreira e da própria maturidade pessoal, percebe-se que o discurso dos
sujeitos é diferente, pois, conforme a fala de um desses, a amizade só é possível quan-
do se deixam de lado os aspectos da organização. Portanto, esses sujeitos identificam
uma maior dificuldade em manter uma relação de amizade no ambiente de trabalho
e relatam possuir poucos amigos.
Com relação ao impacto da promoção na relação de amizade no ambiente de
146 trabalho, os sujeitos relataram que a amizade entre eles permaneceu a mesma. Porém,
ao serem questionados quanto aos detalhes da amizade após a promoção, observa-se
que houve diversas mudanças. As alterações relatadas são referidas como mudanças
pequenas e insignificantes, pois eles alegam que o sentimento existente entre eles é o
mesmo. Entretanto, quando analisadas as diferenças, nota-se que estas estão fortemente
relacionadas às funções de amizade por eles indicadas, ou seja, a amizade fica mais
descaracterizada como tal e, muitas vezes, mais próxima de uma relação de colega.
A satisfação com o trabalho não está tão ligada ao fato de possuir ou não amigos
no local de trabalho. A maioria dos sujeitos alega que a satisfação é uma consequên-
cia de um local de trabalho onde existe o coleguismo e que se caracteriza por ser um
ambiente agradável de se trabalhar, havendo respeito e consideração entre a equipe.
Quando os funcionários se respeitam e se tratam de forma amigável, o ambiente de
trabalho se torna agradável.
Uma relação de amizade no ambiente de trabalho pode influenciar os resultados
dos envolvidos, mas não é algo considerado indispensável pelos investigados. Segundo
Capítulo 6
147
6.7. REVISÃO DOS CONCEITOS APRESENTADOS
A amizade é um tipo de relacionamento de destaque entre os indivíduos, que
ocorre de forma voluntária (Adams e Blieszner, 1994). Rybak e Mcandrew (2006)
afirmam que não existe uma unanimidade quanto ao conceito de amizade. Para estes
autores, somos amigos daqueles em que confiamos e de quem somos mais próximos.
Segundo Chan e Cheng (2004), a amizade corresponde a uma relação entre, no míni-
mo, duas pessoas ao longo de um período.
O ambiente de trabalho é um local que pode ocasionar o surgimento de novas
amizades. Além de passarmos boa parte do dia na empresa, muitas atividades exigem
interação e comunicação entre os funcionários, facilitando o início dos relacionamen-
tos afetivos. A proximidade no ambiente de trabalho, a frequência de comunicação,
os trabalhos e os objetivos em comum são fatores organizacionais que facilitam e
incentivam o surgimento de amizades (Jehn e Shah, 1997).
Adriana Schujmann | Silvia Generali da Costa ELSEVIER
eficácia organizacional. Uma maior exploração e pesquisa sobre as relações informais dentro
das organizações, tais como a amizade, pode ser produtiva para aumentar a compreensão
da dinâmica do comportamento organizacional, além de ser vantajosa para melhor se
entender o indivíduo no ambiente de trabalho e a própria organização como um todo.
148
5. Quais são as principais características de uma relação de amizade?
6. Qual a importância de se compreender as relações de amizade no ambiente de
trabalho?
7. Quais são os possíveis benefícios para a carreira e o desempenho organizacional
para aqueles funcionários que possuem amizade no ambiente de trabalho?
8. Por que a amizade no ambiente de trabalho é ao mesmo tempo movida pelo
afeto e pela instrumentalidade?
6.9. REFERÊNCIAS
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Capítulo 6
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ROBBINS, S.P. Comportamento organizacional. 11. ed. São Paulo: Pearson Prentice
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RYBAK, A.; McANDREW, F.T. How do we decide whom our friends are? Defining levels
of friendship in Poland and the United States. The Journal of Social Psychology, v. 146,
n. 2, p. 147-163, 2006.
1 Ressalta-se que existem divergências entre os autores em torno das datas que demarcam o início e o
¿m de cada geração.
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER
muitas vezes conflitantes. A forma de lidar com a própria carreira e as ambições dos
profissionais também são específicas de cada faixa etária, delineadas de acordo com
o contexto em que viveram seus integrantes, com as experiências que tiveram e com
a educação que receberam (Veloso, Dutra e Nakata, 2008).
Se desde os anos 1980 a gestão de pessoas busca conciliar os variados interesses
pessoais com os objetivos organizacionais, no início do século XXI, essa tentativa de con-
ciliação ganha ênfase com a acentuada ruptura de valores trazida pela geração mais recente.
Mas quem são os “profissionais Y”? Um e-mail, de autoria desconhecida, que
está circulando livremente na web nos dá algumas dicas sobre a resposta à questão
apresentada. É a “Oração do Y”. Leia e divirta-se.
Pai nosso que estais no céu, tem um tempo que venho pensando numas coisas e queria
te fazer umas perguntas, rola?
Qual é seu plano de desenvolvimento de carreira caso eu decida ir para aí?
Os anjos têm algum subsídio para treinamento, desenvolvimento etc. e tal?
154
Poderei visitar minha família na terra de vez em quando ou o trabalho é em tempo integral?
Não curto muito essa história de workaholic.
Tem mais, estou cansado de só eu falar, falar, falar e não ter um feedback direto do Senhor.
Esse lance de mandar um sinal é sutil demais pra mim. Por favor, seja claro:
Estou no caminho certo ou não? F-E-E-D-B-A-C-K. Hellooooo…
Aproveito a oportunidade para entender como consigo um mentoring com o Senhor, soube
que em outras épocas seu subordinado direto, J.C., chegou a ter até 12 coachees abaixo dele.
Acredito ter as habilidades que o Senhor procura em um mentorando…
Terei a possibilidade de ser expatriado e viver novas experiências?
Vocês têm filiais em algum outro lugar?
Falando em filiais, devo deixar claro que estudo outras propostas antes de aceitar a Sua.
Um concorrente Seu tem atraído muita gente. Dizem que o trabalho lá é pesado, mas
que pode ir com a roupa que quiser, não tem essa de ficar cantando em coro e rolam
umas festas da empresa… que pegam fogo!
Capítulo 7
Parece que o pacote de benefícios não é tão bom, mas lá eles permitem relacionamento
entre os colaboradores e posso usar a internet pra visitar o site que eu quiser.
Onde me vejo em cinco anos? Essa é fácil: no Seu lugar.
Sacrilégio? De forma alguma. O Senhor fez um ótimo trabalho, mas estamos em outros
tempos… eu trago renovação e umas ideias muito iradas!
Veja bem, eu tenho minhas ambições, meus objetivos e pretendo alcançá-los no tempo
Ao contrário das demais gerações, a geração Y é vista como não leal às empresas, pois
está sempre em busca de seu próprio bem e dá grande valor ao equilíbrio entre aspectos
da vida pessoal e profissional. “Os mais jovens não são leais a uma empresa, mas a um
conjunto de fatores que os fazem sentir-se bem, daí porque nunca deixam de buscar novas
oportunidades que contribuam para seu desenvolvimento pessoal” (Lafuente, 2009, p. 74).
A estimativa é de que 63% da geração Y deixará seus trabalhos nos próximos
dois anos, conforme afirma Amaral (2008) em estudo recente, apontando para a ne-
cessidade de um olhar estratégico acerca das organizações e equipes compostas por
membros da geração Y, além de revisar a forma como as carreiras estão planejadas, a
fim de torná-las mais atrativas para esses profissionais. 155
Essa nova geração, que está dando passos importantes no mercado de trabalho
e que em poucos anos representará a grande maioria dos profissionais, será a fonte
dos novos líderes das organizações nas próximas décadas. “Segundo um estudo do
Human Capital Forum, entre 50% e 75% dos executivos seniores norte-americanos,
no final de 2010, terão se aposentado” (Lafuente, 2009, p. 74). Com a aposentadoria
dos atuais líderes, pode-se supor que os componentes da geração Y estarão ansiosos
para assumir as posições em aberto.
Segundo Amaral (2008), a geração Y, no ano de 2008, já representava 20% da
população trabalhadora no Brasil. Já segundo Vargas (2009), no estado do Rio Grande
do Sul, em 2007, a geração Y já representava 29,27% da população de pessoas ocupadas,
ou seja, inseridas no mercado de trabalho (Vargas, 2009).
As empresas que não começarem a entender essa geração e não estiverem abertas às
mudanças necessárias, compatíveis com os valores apresentados, estarão em desvantagem
na captação de futuros talentos Y. É necessário entender o grupo de profissionais que
Natália Bertuol Maciel | Silvia Generali da Costa ELSEVIER
se deseja atingir, do mesmo modo como as empresas têm de estudar seus clientes para
se posicionar de forma inovadora e com diferencial competitivo diante de seus concor-
rentes. Quanto maior o conhecimento sobre a parcela da população que é de interesse
da organização, maiores são as chances de sucesso em lidar com ela. O entendimento
quanto às expectativas, comportamentos e preferências do profissional Y quanto à sua
carreira eleva a qualidade e a compatibilidade no desenho de políticas e práticas de gestão
de pessoas, cada vez mais alinhadas às expectativas desses profissionais.
A esse respeito, Lombardía, Stein e Ramón Pin (2008, p. 1) afirmam:
Psicologia Aplicada à Administração
surgimento de valores que iriam, mais adiante, influenciar de forma radical a geração
que ainda estava por vir, a geração Y.
não responder bem nas ocupações profissionais a atividades que exijam rotina e que
sejam repetitivas. Precisam ser constantemente desafiados com diferentes tarefas e, a
todo o momento, estimulados por diversas fontes.
Como cresceram em tempos prósperos da economia, os integrantes da geração
Y tendem a ser muito mais otimistas e propensos a arriscar e inovar. Contudo, esse
quadro teve algumas mudanças a partir do segundo semestre de 2008, quando os
jovens Y foram familiarizados com a primeira crise mundial de suas vidas. Contudo,
focada em resultados. Como nos jogos eletrônicos, seus integrantes são direcionados
a fazer o maior placar de pontuação possível, atingindo sempre a fase mais avançada
e desafiadora, levando consigo para a vida profissional tais características. Em con-
trapartida ao alcance de metas e disposição em encarar desafios organizacionais, esta
geração também espera recompensas.
O novo contexto que a geração Y traz à atualidade, de ruptura de laços e ques-
tionamentos, também evidencia que seus integrantes apresentam dificuldade em
seguir normas e processos padronizados. Portanto, esta geração busca encontrar um
Psicologia Aplicada à Administração
à autoridade para tomar decisões e à autonomia para agir” (tradução nossa). O autor
faz uma ressalva quanto a esse desejo, salientando que esta geração deve ser preparada
para ter o poder e a autonomia que seus integrantes desejam, repassando-se a eles as
diretrizes e os parâmetros, de forma a definir claramente o que podem e o que não
podem fazer, pois, quanto mais estrutura for dada a essa geração, mais livremente
eles poderão agir.
Evidencia-se, dessa forma, o novo grande desafio dos gestores e dos profissionais
de gestão de pessoas: reter, motivar e gerir esta nova geração. O aproveitamento eficaz
do grande potencial e da performance dos Y poderá contribuir significativamente para
dos aspectos que merecem devida atenção por ser um dos pontos-chave na retenção
desses talentos. Nesse sentido, Oliveira (2009, p. 181) afirma:
7.9. REFERÊNCIAS
CHEESE, P.; THOMAS, R.J.; CRAIG, E. The talent powered organization: strategies for
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LIPKIN, N.; PERRYMORE, A. Y in the workplace: Managing the “me first” generation.
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OLIVEIRA, S. Geração Y: era das conexões – tempo de relacionamentos. São Paulo: Clube
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Psicologia Aplicada à Administração
168
8
Psicologia ambiental:
intervenção essencial para a
sustentabilidade na gestão
organizacional
Cleber J. C. Dutra
Sylvia Cavalcante
da vida humana no globo parece ameaçado. Muito se fala sobre mudanças climáti-
cas, esgotamento de recursos e outras questões ligadas à sustentabilidade. Quando
se pensa que a maior parte dos desequilíbrios vistos são resultado da ação humana,
associados à poluição das indústrias e do lixo e contaminações geradas pelo consumo
da sociedade, as empresas parecem ser, direta ou indiretamente, a causa principal dos
danos. Da mesma forma, imaginar que, se todas as empresas do mundo resolvessem
seus problemas de contaminação e degradação ambiental, a maioria dos problemas
que vimos desapareceria, faz com que o mundo empresarial seja o foco das atenções
Psicologia Aplicada à Administração
no debate da sustentabilidade.
Como fazer, porém, para mudar os padrões de comportamento, para que as
ações humanas sejam mais sustentáveis? Essa é uma das questões que ocupa a área
do conhecimento da psicologia ambiental. Ao entender que a gestão empresarial
tem o poder de influenciar o modo de agir das pessoas que trabalham ou consomem
produtos das empresas, percebe-se o papel importante dos gestores. O mesmo se dá
ao considerar-se o poder das organizações públicas, capazes de mudar regras ou in-
fluenciar comportamentos via educação e cultura.
Portanto, gestores (como administradores dinâmicos) podem fazer muito nesta
questão, seja em indústrias, governo ou em associações comunitárias, contribuindo
para elevar o padrão de sustentabilidade das ações humanas. Administradores preci-
sam, porém, de ferramentas para agir, e é neste ponto que a psicologia ambiental ganha
valor de destaque na capacitação de gestores. É através de condições que esses líderes
organizacionais podem estabelecer, para mudar comportamentos menos sustentáveis,
que o rumo do debate pode mudar para melhor.
170
no Brasil sob o título Liderando mudanças (O’Toole, 1997). Dentre os casos vistos no
livro, há exemplos de ações organizacionais para fins ambientais.
Aliadas a essa perspectiva mais positiva da questão, abordagens que se apoiem na
motivação dos envolvidos parecem corresponder a melhores resultados nos estudos de
fatores psicológicos que favorecem ações para a sustentabilidade. Ter indivíduos mais en-
gajados nas ações, sejam elas voluntárias ou propostas pela gestão, aumenta as chances de
durabilidade dessas ações — contribuindo para o que se espera de padrões mais sustentá-
veis de comportamento — e é o que se observa em estudos na área (Clary & Snyder, 1999;
Psicologia Aplicada à Administração
Werner & Makela, 1998). Assim, ações que atendam aos valores e aos próprios interesses
dos envolvidos, como entende O’Toole, podem manter a motivação destes por mais tempo.
O entendimento dos aspectos psicológicos que favorecem ações ambientais
por esta linha cresce em relevância (e em consistência), se forem consideradas outras
fontes de estudos que focalizam a questão da satisfação de indivíduos atuando em
questões ambientais. Se há um conjunto de motivos que levem alguém a se sentir sa-
tisfeito com a própria participação em ações para a sustentabilidade, o que De Young
(2000) denomina de “satisfação intrínseca”, estes devem fortalecer o engajamento e
a durabilidade do envolvimento nas ações. Dentre esses fatores, deve-se considerar
a competência como um componente que influi na satisfação. É o que explicam os
estudos de Csikszentmihalyi, comentado neste livro (Capítulo 3), sobre estados de
satisfação elevada de pessoas em diversos tipos de atividade. No livro Gestão quali-
ficada, Csikszentmihalyi (2004) esclarece a relação que existe entre gradações para
“Desafios × Habilidades” na atuação de indivíduos (com ênfase em organizações) para
atingir-se o estado chamado de “flow”. Portanto, contribuições de variadas fontes para
172 abordagens da psicologia ambiental indicam possibilidades favorecedoras, na forma
de gerir ações, para alcançar comportamentos mais sustentáveis.
Certamente, a atuação de gestores para implementar ações em favor da susten-
tabilidade encontrará diversos tipos de obstáculos, conforme sintetizado em alguns
estudos (Dutra, 2010), desde (i) aspectos econômicos e políticos, com vinculações
institucionais, como os ganhos de governos e organizações com o consumismo e
forças de mercado, até (ii) fatores individuais, como a inércia dos hábitos, interesses
egoísticos, sensação de impotência, aversão a sacrifícios e apatia causada por mensa-
gens catastróficas. Por isso, perspectivas positivas podem auxiliar na construção de
propostas que superem esses obstáculos.
Estudos de cada uma dessas correntes indicam seus potenciais para promover
mudanças comportamentais para padrões mais sustentáveis, apontando, não poucas
vezes, as limitações das outras abordagens. Assim como se observa que o efeito de
campanhas informativas é reduzido em inúmeras situações, também se verifica que os
resultados de ações apoiadas em penalidades nem sempre são duradouros, principal- 175
mente quando não há um controle efetivo do comportamento das pessoas ou quando
uma norma punitiva é abolida em um contexto. Por essa razão, algumas publicações
mais consistentes destacam a importância de se aliar abordagens em programas am-
bientais, integrando contribuições de diferentes correntes.
Uma das obras que exemplifica a importância dessa agregação de conceitos é o
livro Mentes que mudam, de Howard Gardner (2005), em que o autor apresenta pro-
postas valiosas para processos de mudança comportamental, aplicáveis na psicologia
ambiental. Sendo um dos representantes da corrente de estudos cognitivos da psico-
logia, Gardner discute questões estratégicas para mudar ideias (e, com isso, condutas),
entre elas um conjunto de fatores relevantes para esta mudança. Dentre o grupo de
sete fatores abordados em sua análise, encontram-se, por exemplo, recompensas e
ressonância. Enquanto o primeiro indica afinidade com abordagens behavioristas e
reconhece sua importância para a mudança, a ressonância revela o valor da interação
social nas relações onde se promovem mudanças, se aproximando dos conceitos socio-
Cleber J. C. Dutra | Sylvia Cavalcante ELSEVIER
psicológicos. Gardner também trata da resistência como um dos sete fatores, indicando
que “obstáculos” devem ser reconhecidos na prática das iniciativas. Entretanto, todos
os outros seis fatores são apontados como favorecedores da mudança, enfatizando
perspectivas positivas para a orientação do processo de mudar comportamentos. Este
aspecto apoia a análise das publicações feita no início desta seção e traz mais um crédito
para a escolha deste enfoque na gestão das mudanças em favor da sustentabilidade.
Nos parágrafos que seguem são esclarecidos os conceitos dos campos propostos
por Fietkau e Kessel, facilitados pela apresentação do diagrama que esquematiza a
proposta dos autores. Cada um dos campos é, então, avaliado em maior detalhe, em
seções específicas, com comentários e exemplos que ajudem a estabelecer a compre-
ensão da proposta.
ser um bom exemplo de programa para ser exercitado quanto ao uso do diagrama,
permitindo que os administradores interessados na temática possam começar com
alguma iniciativa prática.
suas atitudes. Assim, toda essa dinâmica de influências internas neste campo responde
que tipo de recursos devem ser disponibilizados para criar e manter essas condições.
se planejam para o programa, outra pelas medidas previstas como formas de controle
restritivo das ações contrárias aos propósitos do programa. Embora a perspectiva de
punição dos participantes que não realizam o que é esperado pareça contrária à pro-
posta de criação de uma nova consciência a favor da sustentabilidade, entendem os
especialistas da área que a falta de um controle das ações que prejudiquem os propósitos
do programa pode levar não só à falta de mobilização das pessoas desinteressadas na
proposta como à desmotivação daqueles que, inicialmente, se engajam no programa.
Esse estado concorrerá, então, para o descrédito da proposta. Assim, tanto os estí-
mulos positivos para o engajamento no programa quanto medidas de controle para
desestimular ações contrárias à proposta são essenciais para o sucesso do programa.
Dentre os incentivos positivos para elevar a motivação e o engajamento com a
proposta, organizações variadas utilizam desde compensações monetárias (ou eco-
nômicas) para indivíduos ou grupos que alcançam resultados para o programa, até
premiações diversas que prestigiem quem realizou ações da proposta. A oferta de
vantagens de diversos tipos para estimular a realização das ações se inclui nesse gru-
186 po de medidas organizacionais. No sentido inverso, medidas que reduzam vantagens
ou penalizem economicamente aqueles que atuem de forma contrária aos objetivos
do programa têm sido empregadas em várias iniciativas. Leis que punem crimes
ambientais (como na Legislação brasileira), multas para empresas que poluem, taxas
para cargas de contaminantes emitidos, campanhas boicotando a compra de produtos
de empresas que agem em prejuízo de questões socioambientais, divulgação de casos
de contaminação causados por pessoas ou grupos (garimpo ou desmatamento ilegal,
descontrolado, como exemplos nacionais), entre outras medidas, ilustram este conceito.
Considerando que os sistemas educacionais em vários países empregam con-
ceitos apoiados em perspectivas behavioristas, estimulando bons resultados e pena-
lizando atitudes que sejam contrárias à aprendizagem — ainda que esta orientação
venha sendo substituída por abordagens mais evoluídas —, muitas pessoas percebem
esta forma de influência nos comportamentos como comum e culturalmente aceitável.
Independentemente da simpatia que se tenha ou não por esta abordagem, a prática da
gestão demonstra que seu uso favorece o alcance de resultados. Portanto, admite-se
Capítulo 8
AJZEN, I. From intention to action: a theory of planned behaviour. In: KUHL, J.; BECK-
MAN, J. (Org.). Action and control: from cognitions to behaviours. New York: Springer,
1985.
AJZEN, I. The theory of planned behaviour. Org Beh Human Dec Process, v. 50, p. 179-
211, 1991.
ARGYRIS, C. Ensinando pessoas inteligentes a aprender. Gestão do Conhecimento. Rio de
Janeiro: Campus, p. 82-107, 2001.
Psicologia Aplicada à Administração
GARDNER, H. Mentes que mudam: a arte e a ciência de mudar as nossas ideias e as dos
Narbal Silva
Suzana da Rosa Tolfo
Neste capítulo, você encontrará conteúdos que permitem conceituar ética e moral;
compreender os princípios éticos que orientam a atuação dos psicólogos, especialmente
em suas interfaces com a administração; identificar a vinculação entre ética, moral e
comportamento humano no trabalho, e a construção de sentidos aplicados dos precei-
tos éticos na administração, em especial, nas políticas e práticas de gestão de pessoas
nas organizações, expressos em ações de responsabilidade social e nos códigos de ética
profissional.
Em síntese, podemos compreender ética como a prática reflexiva (de tipo aris-
totélica), e a moral como o código de regras (de tipo kantiano) de obediência a um
princípio superior e universal (imperativo categórico) no sentido de um “dever ser”
(Nardi, 2010). Mas quando pensamos em ética e moral no contexto de trabalho? Qual
a importância de esses conceitos serem vivenciados por meio de comportamentos dos
Psicologia Aplicada à Administração
que devem orientar a ética e a moral na atuação profissional? Tal reflexão poderá
estimular questionamentos e, por conseguinte, desafiar modelos mentais que possam
estar na contramão de comportamentos considerados éticos e morais em situações de
exercício profissional (Wind, Crook e Gunther, 2006). Como contribuição de resposta
objeto físico ou social (Baró, 1988). Por sua vez, a estrutura deste conceito agrega os
seguintes três componentes que se encontram inter-relacionados: o cognitivo, que se
refere às informações existentes a respeito do objeto; o avaliativo, que pressupõe os
afetos e desafetos gerados em relação ao objeto; e o comportamental, que é a intenção
que se tem de se comportar em presença de um objeto que, por inúmeros motivos,
suscite atitudes (Ros, 2006).
Ao orientar sua atuação a partir de valores e atitudes, o psicólogo brasileiro
tem conhecimento da necessidade de alinhar os preceitos éticos da profissão com
Psicologia Aplicada à Administração
1 O artigo 6o, item b, do Código de Ética define que, na relação com outros profissionais, o psicólogo:
“Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o ca-
ráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar
o sigilo”. Disponível em http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocu-
mentos/codigo_etica.pdf.
Capítulo 9
2 Teste psicológicos: segundo Cronbach (apud PASQUALI, 2001), um teste é um procedimento sistemá-
tico para observar o comportamento e descrevê-lo com a ajuda de escalas numéricas ou categorias fixas.
PASQUALI, L. (Org.). Técnicas de exame psicológico – TEP. Manual. Vol. I: fundamentos das técnicas
psicológicas. São Paulo: Casa do Psicólogo / CFP, 2001.
3 Técnicas de dinâmica de grupo: técnicas que simulam situações próximas da realidade e permitem ob-
servar e avaliar comportamentos em grupo, como liderança, comunicação, reações diante de obstáculos,
criatividade, para citar alguns.
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER
vamos nos reportar às consequências que são geradas em termos de imagem organizacional
e percepções dos trabalhadores no que se refere à qualidade de suas vidas no trabalho.
motivo de orgulho e, muitas vezes, como canal de participação dos empregados. Além
disso, influencia decisivamente no orgulho sentido pelo trabalhador por integrar uma
organização que tem práticas de responsabilidade social. Portanto, repercute na per-
cepção que o trabalhador tem de sua qualidade de vida no trabalho.
Quadro 9.2. Penna, Gabriel. Engajamento natural. É a relação entre a empresa e a sociedade
que conquista o profissional pautado pela ética. Você S/A. Ed. 127. 11/01/2009. Disponível em:
http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/engajamento-natural-483504.shtml
Engajamento natural
Nem altos salários, nem crescimento rápido, nem estabilidade no emprego. Existe um grupo
de profissionais que coloca a ética acima de tudo na hora de definir seus passos na carreira.
Para essas pessoas, seus valores individuais devem bater com a missão da empresa e com a
forma como essa organização se relaciona com os funcionários, os parceiros de negócios
e a sociedade. Essa é uma motivação de carreira em ascensão, como mostra uma pesquisa
feita no ano passado pela Universidade da Califórnia – Santa Barbara em parceria com a
Escola de Negócios de Stanford, nos Estados Unidos. Estudantes de MBA de 11 das prin-
cipais escolas americanas disseram que estão dispostos a ganhar até 14,4% a menos para
209
trabalhar em empresas éticas e socialmente responsáveis. Para conquistar um profissional
assim, uma companhia precisa oferecer um significado maior no negócio, que transcenda
o salário polpudo, o prestígio da marca ou a perspectiva de crescer. Consciência ambiental
e inclusão social são itens que costumam ser levados em conta por quem tem esse perfil.
4 Embora existam diferentes conceitos para stakeholders, para fins deste capítulo, será considerado: “...
é um indivíduo, ou um grupo, com quem a organização interage e que nela possui algum interesse no
sentido de se sentir com algum direito a alguma demanda sobre ela” (Hanashiro, Teixeira e Zacarelli,
2007, p. 328).
Narbal Silva | Suzana da Rosa Tolfo ELSEVIER
Procuramos mostrar, neste texto, além dos conceitos, algumas aplicações da ética
e da moral e como eles se relacionam com práticas de gestão de pessoas. Como vocês
puderam ver, há princípios éticos e preceitos morais que norteiam nossos valores e
nossos comportamentos. Esses comportamentos são fonte de interesse da atuação dos
psicólogos e dos administradores que trabalham em organizações, pois gerir pessoas
é o grande desafio neste contexto.
que permitam maior qualidade de vida aos profissionais que lá trabalham. As ações
voltadas à responsabilidade social nas empresas também podem incluir indicadores
voltados ao público interno e que vão na mesma direção de comprometer-se social-
mente com aqueles que mantêm os resultados organizacionais. Certamente que muitos
são os questionamentos sobre os usos que se fazem dessas ações e suas amplitudes, mas
certamente elas representam uma ampliação no sentido de ambientes organizacionais
pautados por valores socialmente compartilhados.
■ Marisol – http://www.marisolsa.com.br/relacao_investidores/codigo_de_
etica_marisol.pdf
E códigos de ética profissional:
■
por Bethany McLean e Peter Elkind e traça um estudo sobre um dos maiores escândalos
no mundo corporativo norte-americano. Os executivos da sétima maior empresa dos
Estados Unidos fugiram com bilhões de dólares, deixando investidores e empregados
sem um tostão. O filme mostra documentos e gravações reveladoras sobre o escândalo,
mostrando a diferença absurda da hierarquia na empresa em questão, a Enron.
Em A firma, Mitch McDeere (Tom Cruise) é um jovem advogado que vai traba-
lhar com um alto salário e diversas vantagens em uma empresa em Memphis. Porém,
logo descobre que a empresa onde trabalha está envolvida com lavagem de dinheiro
da Máfia e que todos os advogados que saíram ou tentaram sair da empresa morreram
precocemente, de forma misteriosa. O filme questiona o código de ética, que mantém
em sigilo a relação do advogado com o cliente, que proíbe por toda a vida que um
crime cometido por um cliente seja revelado por seu advogado.
9.8. REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2000.
214 ALBERTI, R.; EMMONS, M. Como se tornar mais confiante e assertivo. Rio de Janeiro:
Sextante, 2008.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Introdução, tradução e notas de António de Castro
Caeiro. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
BARÓ, I. M. Acción e ideología. San Salvador: UCA Editores, 1988.
BARROS, A. Alunos deficientes nas escolas regulares: limites de um discurso. Revista
Saúde e Sociedade, v. 14, n. 3. São Paulo, set./dez. 2005.
BOCK, A.M.B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M.L.T. Psicologias: uma introdução ao estudo
da psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 3. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000.
CAMINO, C.; CAMINO, L.; PEREIRA, C. et al. Moral, direitos humanos e participação
social. Estudos de psicologia. Natal, Jan./Apr. 2004, v. 9, n. 1, p. 25-34.
Capítulo 9
MEDEIROS, A. G. Por uma ética na saúde: algumas reflexões sobre a ética e o ser ético
na atuação do psicólogo. Psicologia, Ciência e Profissão. v. 22, n. 1. Brasília, mar. 2002.
MEJIAS, N.P. O psicólogo, a saúde pública e o esforço preventivo. Revista de Saúde pública.
v. 18, n. 2, São Paulo, abr. 1984.
MORRIS, T. A nova alma do negócio: como a filosofia pode melhorar a produtividade de
sua empresa. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1998.
NAHAS, M.V. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e sugestões para um
Psicologia Aplicada à Administração
217
10
Decisão com múltiplos objetivos
– o caso do Sistema de Saúde
Quando temos que estabelecer de modo sistemático, ou formal, um processo para esco-
lha, valores e abordagens pessoais necessariamente estarão em jogo. Quando a escolha
envolve um conjunto grande, ou mesmo muito grande, de alternativas, uma adequada
percepção do problema por quem estabelece as regras, assim como sua percepção do
ambiente no qual o problema está inserido, adquirem uma importância especial para
a qualidade dos resultados. Afinal, qualquer processo sempre será concebido por pes-
soas, e sua concepção dependerá de como estas pessoas se comportam e percebem o
mundo. Essa questão vem sendo estudada há muito tempo, e há pelo menos 30 anos
já se encontra equacionada de forma a podermos estabelecer processos formais para
algumas escolhas complexas. O elemento central dessa problemática compreende a
diversidade de como os aspectos da realidade são considerados por cada um de nós.
Assim, cada um, baseado em seus objetivos pessoais, selecionados de forma a caracte-
rizar suas preferências, escolhe um carro, uma casa, seus amigos, sua profissão. Se, por
exemplo, alguém prefere carros que custem e consumam o mínimo possível e não se
contenta com qualquer carro, seus objetivos poderão privilegiar, além da economia, a
qualidade mecânica e o design. O conforto e a aparência poderão ser irrelevantes. Estas,
entretanto, são escolhas cujas consequências recaem, na grande maioria das vezes, no
círculo imediato ou na vida de quem as fez, pois são escolhas pessoais.
Embora a metodologia para a decisão com múltiplos objetivos possa ser aplicada
para interesses de âmbito pessoal, interessa-nos aqui escolhas cujas consequências
são coletivas, onde visões particulares para a determinação das regras que geram os
resultados da decisão não podem predominar. Nessas situações, necessita-se de valores,
Eduardo Ribas Santos ELSEVIER
e como, para diferenciar cada uma das alternativas (no caso, cada jovem e cada idoso
pertencente à coletividade), de forma que possa pertencer a uma categoria final para
a qual as providências sejam tomadas (por exemplo, jovens com saúde, idosos com
saúde), compreende os elementos básicos da metodologia para a decisão com múltiplos
objetivos. A metodologia para a decisão com múltiplos objetivos foi desenvolvida por
Keeney e Raiffa (1976). Além de toda a fundamentação matemática do formalismo,
os autores também desenvolveram uma metodologia para a abordagem de problemas
desse tipo. Chegar-se a um sistema, usualmente informatizado, para tratar decisões
desse porte envolve uma série de cuidados. Uma vez que o ponto-chave recai na de-
terminação dos objetivos que, explicitamente, devem caracterizar as preferências e
discriminar as alternativas consistentemente com a diversidade da coletividade objeto
da decisão, o que está em jogo é o conhecimento. Tal conhecimento pode ser elucidado,
essencialmente, de duas maneiras. A primeira é através da aplicação do formalismo (ou
do sistema), individualmente, a um número expressivo de indivíduos pertencentes à
coletividade. Por exemplo, para se conhecer as preferências de consumidores de um
produto customizado (feito um a um segundo as especificações de cada consumidor),
é possível, através de cada decisão individual resultante do processo formal de escolha
222 com múltiplos objetivos, evidenciar as categorias de consumidores. Através da base
de dados obtida com o tempo, será possível saber quais objetivos são privilegiados
e, ainda mais, como as composições do produto são preferidas pelos consumidores
(Frutos, Santos e Borenstein, 2004). Esse tipo de resultado é fundamental não apenas
para o próprio processo de customização em massa, mas também para a concepção
de novos produtos. Outra maneira de elucidar os conhecimentos para a determinação
dos objetivos é através da consulta a conhecimento já formalizado (literatura científica
e técnica) e, principalmente, através de pessoas que detenham uma experiência e um
conhecimento aprofundado da situação que envolve a decisão. Nesse caso, a coletividade
deverá estar representada por indivíduos que a conhecem bem.
A metodologia será ilustrada, a seguir, através de uma aplicação que compreende o
desenvolvimento de um sistema para marcação de consultas especializadas em um
sistema universal de saúde (Marinho, Santos e Borenstein, 2010). O trabalho segue
todas as suas etapas, onde o conhecimento de uma equipe de médicos especialistas
experientes e técnicos da área de saúde proporcionou a elucidação do processo, suas
variáveis e seus parâmetros.
Capítulo 10
Tal balanço é resolvido se, dado o conjunto de condições, uma classificação adequada
do estado clínico de cada paciente no primeiro nível for seguida de sua apropriada
alocação (ou encaminhamento) em uma clínica especializada. O problema, portanto,
pode ser resumido pela definição de categorias às quais um paciente pode se enquadrar,
de maneira a organizar seu encaminhamento à clínica mais apropriada a seu caso. O
problema também inclui os procedimentos para a identificação da categoria à qual
cada paciente pertence, em função de seu estado clínico. Note-se que há inúmeras
categorias, algumas muito menos severas do que outras, dentre os estados clínicos
Psicologia Aplicada à Administração
Vê-se, a partir desta aplicação, que a definição dos objetivos não se deu em uma
só vez. Compreendeu uma construção progressiva, onde os objetivos foram sendo
desmembrados em função da necessidade de objetividade. À exceção do objetivo
acessibilidade do paciente a cada clínica possível, cuja avaliação mostrou-se possível
a partir das informações de cadastro dos pacientes na base de dados, os dois outros
ainda encontravam-se definidos de tal maneira que uma avaliação objetiva não era
possível. A fim de integrar as informações para a avaliação de cada um dos objetivos,
novos objetivos foram definidos. A integração dessas informações é realizada a partir
de alguns cálculos que têm uma fundamentação matemática consolidada, o que ve-
remos adiante. Ainda, Keeney e Raiffa (1976) enfatizam a diferença que existe entre
o significado do termo objetivo (objective) e do termo meta (goal). Uma meta é algo
que tem um valor previamente estabelecido, constitui algo que deve ser atingido, uma
baliza, um alvo. Não atingir o valor estabelecido constitui insucesso ou sucesso parcial.
Eletrofisiologia
Cintilografia
Angioplastina
Hemodinâmica
Gravidade
o desempenho
Ecocardiograma
Eletrocardiograma
RX de tórax
Teste ergonométrico
Tempo de espera
Impacto sobre
(Cateterismo)
Grau de crença na
de repouso
cenários, de forma a verificar aquele que oferece a organização mais favorável ao que
se busca, reflete a ideia da abordagem para a decisão com múltiplos objetivos (assim
como a ideia de otimização). Veremos que, para cada cenário (no caso, um “lote” de
pacientes), podemos obter a organização dos pacientes nas clínicas mais adequadas
às necessidades clínicas e sociais dos pacientes e que fazem o melhor uso dos recursos
no problema. A Tabela 10.1 apresenta os dados para o cálculo do valor de uma dupla
“paciente-clínica”.
Tabela 10.1. Dados para o cálculo do valor de um objetivo para uma dupla “paciente-clínica”
Dados para o objetivo necessidade do paciente
10.4. REFERÊNCIAS
DA SILVA, M.E.M.; SANTOS, E.R.; BORENSTEIN, D. Implementing Regulation Policy
in Brazilian Health Care Regulation Centers. Medical Decision Making, v. 30, p. 366-
Psicologia Aplicada à Administração
379, 2010.
EDWARDS, W. Behavioral Decision Theory. Annual Review of Psychology, v. 12, p. 473-
498, 1961.
_________; FASOLO, B. Decision Technology. Annual Review of Psychology, v. 52, p. 581-
606, 2001.
FRUTOS, J.D.; SANTOS, E.R.; BORENSTEIN, D. Decision Support System for Product
Configuration in Mass Customization Environments. Concurrent Engineering, v. 12,
p. 131-144, 2004.
KEENEY, R.L.; RAIFFA, H. Decision with multiple Objectives: Preferences and value Trade-
Offs. New York: Wiley, 1976.
230
11
Psicologia aplicada a finanças:
as ilusões cognitivas nas
decisões financeiras
Jairo Procianoy
Roberto Frota Décourt
A moderna teoria de finanças assume que as decisões financeiras são tomadas por
pessoas racionais e objetivam a maximização da utilidade para a empresa. Como as
decisões de investimento de uma empresa são realizadas em um ambiente de incerteza,
os executivos responsáveis pela decisão devem avaliar o risco envolvido nessa operação
e determinar qual o retorno desejado.
O tomador de decisão, como ser racional, sempre exigirá maiores retornos para proje-
tos de maior risco. Não é racional assumir maiores riscos sem nenhuma recompensa.
Quanto de retorno adicional é exigido pelo maior risco assumido depende de caracte-
rísticas pessoais de cada um. Conservadores exigirão retornos muito altos pelo risco,
enquanto pessoas mais propensas ao risco aceitarão um pequeno acréscimo do retorno
pelo aumento do risco.
Markowitz (1952) construiu um modelo de alocação de recursos para os investidores
racionais utilizando os conceitos de risco e retorno. As decisões de investimento deve-
riam buscar a criação de um portfólio que maximizasse o retorno para determinado
nível de risco desejado.
Jairo Procianoy | Roberto Frota Décourt ELSEVIER
Fama (1970) propõe a hipótese de mercado eficiente, na qual os preços dos ativos refle-
tem todas as informações disponíveis. Dessa forma, todos os investimentos teriam valor
presente esperado nulo, ou seja, não seria possível determinar quais serão os melhores
investimentos no futuro, pois todos já estariam precificados com seus diversos retornos
ajustados aos distintos riscos.
As decisões financeiras, de acordo com os pressupostos de total racionalidade do agente
decisor e maximização da utilidade esperada, exigem apenas a coleta de informações
disponíveis e a aplicação de modelo matemático aplicado. Todavia, na década de 1970,
Psicologia Aplicada à Administração
232
A interpretação da função valor indica que o sentimento de perda é muito mais forte
que a satisfação com o ganho. Essa diferença de valor para ganhos e perdas afeta toda a
avaliação racional da relação entre risco e retorno exigido pelos investidores e empresas.
Após a importante contribuição de Kahneman e Tversky (1979), outros pesquisadores
(Thaler, 1980; Arkes e Blumer, 1985 e Shiller, 2000) investigaram comportamentos hu-
manos que afetam a racionalidade das decisões financeiras. Neste capítulo, analisaremos
três casos que demonstram alguns desses comportamentos.
Capítulo 11
No primeiro caso, observamos o efeito doação descrito por Thaler (1980). O efeito
doação faz com que as pessoas exijam para seus bens valores muito superiores aos va-
lores que estariam dispostos a pagar ao adquirir o mesmo bem, caso não o possuíssem.
nem mesmo seu salário. Os irmãos continuavam unidos e não havia má-fé ou desvios
de recursos da empresa, apenas maneiras diferentes de enxergar o mesmo negócio.
Fernando estava livre para pensar sobre o negócio. Seu distanciamento lhe
1 Excesso de confiança é uma ilusão cognitiva em que a pessoa superestima sua capacidade e subestima
os riscos. Para maiores detalhe sobre o excesso de confiança, sugerimos a leitura de Daniel, Hirshleifer
e Subrahmanyam (1998).
2 Ancoragem é uma ilusão cognitiva que leva o indivíduo a se prender a números que não têm relação
com o valor atual em questão. Para conhecer mais sobre essa ilusão, sugerimos o trabalho de Kahneman
e Tversky (1974).
Jairo Procianoy | Roberto Frota Décourt ELSEVIER
Thaler (1980) criou o termo efeito doação ao observar o caso de Mr. R., que
havia comprado uma caixa de vinho por US$ 5,00 cada garrafa e alguns anos mais
tarde recusou uma oferta de US$ 100,00 por garrafa. Mr. R. não tomava mais o vinho,
pois nunca havia pagado mais de US$ 35,00 por um vinho, mas tampouco o vendia
por US$ 100.
Kahneman, Knetsch e Thaler (1991) realizaram um experimento em que um
grupo de alunos recebeu canecas e outro grupo de alunos não. Os alunos que recebe-
ram as canecas somente aceitavam vendê-las por um valor superior ao de mercado
Psicologia Aplicada à Administração
e muito superior ao valor oferecido pelos alunos que não receberam as canecas. Esse
experimento demonstrou muito bem o efeito doação.
No caso da World Discos, Fernando não estava afetado pelo efeito doação e
percebia que US$ 6 milhões era um excelente preço de venda da empresa da família,
mas Renato tinha sua racionalidade totalmente afetada pelo efeito doação e não acei-
tava vender a empresa por um preço inferior a US$ 15 milhões.
Muito provavelmente, se Renato tivesse uma loja concorrente à World Discos,
ele não pagaria os US$ 6 milhões que recusou. Também temos que executivos que
relutam em fechar uma unidade de negócios ou terminar a produção de produtos sem
futuro não investiriam nesses produtos ou negócios se estes já não fossem da empresa.
O efeito doação é um dos principais responsáveis pelas empresas continuarem
em atividades que foram rentáveis no passado, mas atualmente apenas destroem seu
valor.
manter os investimentos mesmo com o cenário ruim, custo da madeira com tendência
de crescimento, dólar em tendência de queda e capacidade atual ociosa.
Nenhum executivo decidiria investir na ampliação da capacidade produtiva
nessa situação, muito menos dobrar a capacidade. Continuar o projeto de investimento
já em andamento não recuperaria os investimentos já realizados, mas ampliaria as
perdas dentro do cenário que se apresentava. A decisão deve sempre focar qual será
o resultado futuro dos investimentos atuais, e não quanto esforço e dinheiro já foram
investidos.
Psicologia Aplicada à Administração
Em maio de 2005, a nova unidade industrial estava equipada, mas não havia
pedidos suficientes para preencher 60% da unidade antiga e, para piorar a situação, não
havia mais folga de caixa. A situação continuou se agravando, e, em março de 2008,
a empresa necessitava de financiamento para continuar suas operações. A empresa
estava operando com margem bruta negativa, ou seja, o preço de venda não cobria os
custos de produção. Seria melhor parar de operar, pois a cada venda perdia-se dinheiro.
Todavia, o encerramento das atividades estava fora de cogitação, e o financia-
mento era a solução. A linha de financiamento com melhores taxas para empresa era
o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC). A taxa de juros era baixa e na
mesma moeda da receita da empresa, eliminando, assim, o risco cambial.
O problema é que a necessidade da empresa era maior que sua expectativa de
exportação, e foi realizada uma operação de ACC 50% superior à carteira de pedidos da
empresa. Os executivos da Movelar, prevendo que o dólar continuaria a cair, resolveram
fazer um Non Deliverable Forward (NDF), que é uma venda a termo de dólar. Dessa
forma, a dívida com ACC ficaria mais barata, e o ganho financeiro com a operação de
238 NDF geraria o ganho adicional para liquidar totalmente o ACC.
Os executivos da Movelar continuavam a tomar decisões com base em pro-
blemas passados, e não com base nas informações atuais e perspectivas futuras. Em
julho de 2008, o dólar valia R$ 1,57, e, apesar de a empresa estar totalmente inviável
operacionalmente, os executivos comemoravam a situação de obter ganhos financeiros
mesmo tendo perdas operacionais.
Em outubro de 2008, a economia global entrou em colapso com a crise no
sistema financeiro americano e o dólar subiu rapidamente, atingindo R$ 2,46 em
novembro de 2008. O prejuízo financeiro da Movelar em decorrência do NDF e ACC
foi enorme, mas os executivos da Movelar acreditavam que teriam uma boa feira em
Chicago, pois, com a alta do dólar, eles eram novamente competitivos em termos de
preços para atender à demanda.
O problema é que a economia americana estava totalmente estagnada, e os
novos pedidos dos clientes não apareceram. Não era questão de ser competitivo, mas
Capítulo 11
não havia mais mercado. A Movelar voltou de Chicago praticamente sem pedidos e
totalmente endividada em consequência das apostas erradas feitas no mercado cambial.
A situação tornou-se insustentável, e a Movelar faliu em março de 2009. Os
Essa situação começou a gerar um conflito entre eles e houve uma divisão entre
dois grupos: um formado pelos três jovens colegas e outro com os quatro profissionais
experientes. Os pacientes do grupo dos experientes eram responsáveis por mais de
80% do faturamento do laboratório. Os experientes controlavam todas as decisões com
a força de seus pacientes e a maioria numérica. Essa situação desagradava os jovens,
pois eles consideravam que a administração conservadora não permitia alcançar o
crescimento imaginado desde o sonho da universidade.
Em 1987, o fundo Onix, um fundo de investimento americano, fez uma pro-
Psicologia Aplicada à Administração
posta de aquisição de 50% do laboratório. O negócio atraía os sete sócios, mas eles
não chegavam a um acordo em relação ao valor. O grupo dos experientes, embora
todos possuíssem a mesma participação acionária, achava que eles deveriam receber
um valor maior, já que eram os principais responsáveis pelo faturamento, enquanto os
mais jovens consideravam que todos, como sócios com participações iguais, deveriam
receber o mesmo valor.
O fundo gostaria de deixar a gestão do negócio com Matias, pois, na avaliação
deles, era o mais capacitado para implementar o projeto de crescimento. O fundo
também gostaria de manter o fluxo de pacientes dos médicos mais experientes, mas
eles sabiam que os sócios mais experientes não aceitariam ficar subordinados à gestão
de Matias.
A solução encontrada foi o fundo comprar a participação dos quatro médicos
experientes e deixar a gestão com os mais jovens, liderados por Matias. O risco era
grande, pois eles sabiam que perderiam muitos dos pacientes dos médicos que dei-
xaram a sociedade.
240 Conforme esperado, o faturamento do laboratório caiu nos meses seguintes,
mas a queda foi de apenas 25%, menos do que os 40% que eles acreditavam. O bom
atendimento que os clientes recebiam foi fundamental para mantê-los.
A nova administração, com um projeto agressivo e com recursos oriundos da
capitalização realizada pelo fundo, ampliou a participação de mercado e, com outras
aquisições realizadas pelo fundo, o MioAnálise assumiu a liderança de mercado na
Bahia em 1991. A participação dos três sócios nesse processo foi diluída, e cada um
deles passou a ter apenas 6,3% do capital total da empresa.
Matias, com sua excelente capacidade de gestão, foi assumindo cada vez mais o
controle da administração da empresa, enquanto Ruy e Osvaldo perdiam espaço até
se desligarem da gestão em 1993.
O projeto do fundo de investimento de abrir o capital e negociar as ações em
bolsa de valores do MioAnálise foi concretizado em 1996. Nesse ano, foi feita uma oferta
Capítulo 11
mista, com a totalidade das ações de Ruy e Osvaldo e parte de ações do fundo, além da
emissão de novas ações para capitalizar a empresa e acelerar o projeto de crescimento.
O lançamento de ações foi um sucesso e, consequentemente, a participação de
tado, pelo acordo, os acionistas do MioAnálise ficariam com 40% da nova empresa
e que essa participação era justificada pelo crescimento do faturamento, número de
unidades, valor da marca e sinergias destacadas por Cláudio.
Martina, não satisfeita, novamente perguntou qual seria o lucro por ação e a
distribuição de dividendos após a fusão. Matias apresentou o crescimento do lucro, e
este era muito menor que o crescimento do faturamento, pois o Laboratório Neves era
muito menos rentável que o Laboratório MioAnálise. Dessa forma, a participação no
lucro dos acionistas do MioAnálise seria reduzida em 30%. A política de dividendos
Psicologia Aplicada à Administração
continuaria a mesma: distribuição anual de 40% do lucro líquido. Mas, como a base do
lucro seria menor, os dividendos também seriam menores como resultado da fusão.
Alfredo, espantado, interrompeu a resposta e perguntou qual a vantagem da
fusão para os acionistas do MioAnálise se o fluxo de dividendos seria reduzido. Ma-
tias destacou as sinergias e o melhor posicionamento de mercado. No longo prazo, o
negócio seria excelente para os acionistas.
Marcelo questionou por que os acionistas do MioAnálise ficariam com apenas
40% da nova empresa, se ela era mais rentável que o Laboratório Neves. Matias falou
que a rentabilidade atual não era o único fator considerado para definir as participa-
ções. Patrimônio líquido, participação de mercado, base de clientes e rentabilidade
futura de cada uma das empresas também foram considerados. Ainda em relação à
rentabilidade, Matias destacou que, quando ele assumisse o controle das operações do
Laboratório Neves e implementasse seu estilo de gestão, a rentabilidade cresceria e o
lucro por ação dos acionistas do MioAnálise seria muito maior que o atual.
A discussão continuava quente, mas Artur e Marcela pouco participavam. Matias
242 queria a aprovação da fusão e somente percebia vantagens na operação. Martina era
a que mais questionava o negócio, pois acreditava que os acionistas seriam prejudi-
cados. Cláudio era o grande defensor de Matias. Alfredo parecia preocupado com os
acionistas, mas sensível aos argumentos de Matias e de Martina e a cada momento
parecia mudar de posição para um lado e para outro. Ora ele parecia favorável e ora
parecia contra.
Depois de longo debate, principalmente entre Martina e Matias, com apoio
claro de Cláudio a Matias, os conselheiros votariam se aprovavam ou não a fusão. Se
terminasse empatado, Matias teria voto de minerva, mas ele gostaria de aprovar sem
a necessidade desse voto de minerva.
O voto do Cláudio estava garantido, Martina estava contra, Alfredo parecia ter
sido convencido, mas Artur e Marcela eram uma incógnita. Matias, para conquistar
o voto favorável de ambos, colocou subliminarmente que ele tinha uma forte influ-
ência nos fundos de investimento e que poderia influenciar na próxima eleição dos
respectivos conselhos de administração.
Capítulo 11
A estratégia parece que deu resultado, e a fusão foi aprovada por votos favoráveis
e somente um voto contra – o de Martina.
Essa reunião mostra claramente o conflito de agência, onde os interesses
11.4. CONCLUSÃO
Como podemos ver através desses exemplos, o processo decisório de qualquer
pessoa está calcado na combinação de elementos técnicos – finanças modernas – e de 243
elementos pessoais – finanças comportamentais.
Imaginar que o mundo econômico e empresarial é completo com os elementos
técnicos pode nos levar a erros grosseiros no entendimento da realidade.
A capacidade racional e ferramentas técnicas são importantes para uma boa
qualificação do profissional, mas aquele que se diferencia e conquista uma posição de
destaque precisa ir além e conhecer seu potencial e seus limites.
Em um ambiente altamente competitivo, com profissionais com boa formação
e altamente capacitados, são os fatores psicológicos que farão a diferença. O conheci-
mento técnico e a capacidade de utilizá-lo são requisitos básicos e, atualmente, muitos
profissionais os têm. A diferenciação será determinada pelo conhecimento psicológi-
co. O profissional capacitado que conhecer melhor a mente humana construirá uma
carreira de sucesso.
Jairo Procianoy | Roberto Frota Décourt ELSEVIER
11.5. REFERÊNCIAS
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