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Trabalho de Conclusão de Curso

PÓS-GRADUAÇÃO
EM PSICOLOGIA POSITIVA,
CIÊNCIA DO BEM-ESTAR E
AUTORREALIZAÇÃO

ALUNO: Felipe Cruz de Oliveira


ORIENTADORA: Andreia Mendes dos
Santos
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

SUMÁRIO

1. Introdução_____________________________________________________02
2. Desenvolvimento____________________________________________22
3. Relevância e Impacto Social____________________________________55
4. Fontes______________________________________________________83

01
DIVULGAÇÃO DO CONHECIMENTO PARA
JORNAL, REVISTA OU MÍDIAS SOCIAIS

A RELAÇÃO ENTRE O MINDSET DE SUCESSO ATUAL NA


SOCIEDADE PAULISTANA, COM A DIFICULDADE DE SE
DESENVOLVER O FLORESCIMENTO EM SEUS INDIVÍDUOS.

Texto de divulgação de conhecimento que apresenta um estilo claro e conciso,


caracterizado pelo esforço exaustivo de apresentar os fatos, manter com eles uma
relação de honestidade e saber hierarquizá-los. Deve ter algumas propriedades, como
credibilidade, oportunidade, precisão, abrangência, consistência, que, em conjunto,
produzem sua propriedade fundamental: a utilidade.

1. INTRODUÇÃO

O ESQUISITO HOJE

Você deve ter visto essa notícia, e se não viu, é melhor ver:

A depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo,


afetando mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde,
incluindo câncer e doenças cardíacas. Segundo a OMS, a depressão
será também a doença que mais gerará custos econômicos e sociais
para os governos, devido aos gastos com tratamento para a
população e às perdas de produção. (SBCM, 2010?).

Eu queria saber como essa notícia faz você se sentir, porque estou

precisando de pessoas que sintam um certo medo; um incômodo, ao ler

algo assim. Pessoas que se preocupam com os nossos amanhãs. E se

você não se considera uma delas, acho que não se interessa-rá muito pelo

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que vim falar, mas quero que saiba, antes de decidir ir embora, que seria

importantíssimo, pelo menos, você tentar, pois isso está afetando

negativamente todos nós - inclusive sua família e amigos - e quanto mais

pessoas se preocuparem, mais chances temos de encontrar soluções para

esse grande problema da humanidade, que já está presente e só cresce a

cada dia.

Essa notícia é muito impactante para mim, mas sei que é só a ponta

do iceberg - o que torna tudo muito mais tenebroso. O restante dele não

conseguimos ver claramente. Somos, nesse momento, o Titanic indo em

direção ao seu desastre, e o pior, é que não sabemos direito como

navegar nessas águas, porque se o obstáculo fosse apenas a depressão,

ficava “fácil”.

Há uns meses atrás eu li um artigo que saiu no The New York

Times que fala sobre definhamento humano (se você nunca ouviu falar

disso, continue lendo que vou explicar), e cita o estudo de um dos ilustres

cientistas que tive o prazer de conhecer na minha pós-graduação em

psicologia positiva, Dr. Corey Keyes.

Eu adorei o artigo, e vi bilhões de pessoas nele. Amei conhecer

mais a fundo o trabalho, a percepção e intenção de Keyes, e de outros,

que estão se dedicando a essas pessoas que aparentam estar bem, mas,

na verdade, não estão.

Ler esse artigo gerou duas emoções distintas ao mesmo tempo em

mim. Fiquei triste, porque sei que o número de pessoas que vivem isso

aumenta a cada dia. Mas a felicidade também teve seu lugar, porque me

deu mais confiança de que estou construindo uma alternativa que pode

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ajudar (você saberá logo mais do que estou falando).

O artigo tem como título: “There’s a Name for the Blah You’re

Feeling: It’s Called Languishing”. Vale muito a pena conferir, se já não o

fez.

Definhamento humano…isso me chamou muita atenção, pois com

certeza eu estava vivendo níveis disso e até de depressão durante grande

parte da minha curta vida.

Definhamento humano, como ele diz no artigo: “[...]é o filho do meio

negligenciado da saúde mental. É o vazio entre a depressão e o

florescimento.” (GRANT, 2021). (Só para você não ficar confuso, vou

explicar melhor o que é florescimento humano mais para frente, aguenta

aí).

A pesquisa de Keyes indica que as pessoas que não têm nenhum

problema de doença mental, hoje, são as que terão, provavelmente, na

próxima década (KEYES; DHINGRA; SIMÕES, 2011), porque o definhar, é

algo que é quase imperceptível, vai acontecendo de pouquinho em

pouquinho - e como muitos de nós estamos vivendo sob ele - achamos

normal, que não tem nenhum problema em viver sem realmente viver.

Dificuldade de concentração, de absorver aprendizados, de ter

hábitos saudáveis, de persistência, constância e inúmeros outros. Não

existe alegria e esperança - pelo menos não tanto quanto gostaríamos. Os

objetivos não te motivam para quebrar sua zona de conforto. Os

significados de sua vida não são uma questão, assim como os seus

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propósitos - esses exemplos de alguns sintomas do definhamento são

baseados na minha observação dele agindo em mim. Mas vamos falar de

algo maior, o primeiro grande problema no meu ponto de vista: achar algo

normal que não deveria ser achado normal. Esse é o grande problema

para mim, porque nos leva a inércia, ao comodismo e a completa inação a

favor da melhora, pois se é normal, não se precisa fazer nada e já está

tudo bem.

Esses achismos de “normal” em nossas sociedades sempre

causaram problemas e continuam causando. É “normal” jogar lixo na rua.

É “normal” querer brigar com quem te ofende. É “normal” despejarmos

nossas aflições de maneiras negativas nas pessoas que mais temos

intimidade, ou que temos algum tipo de controle e poder. É “normal”

falarmos mal dos outros pelas costas. É “normal” poluirmos o mundo e

desmatá-lo, não sermos solidários, quanto menos caridosos. É “normal”

tentarmos reprimir e suprimir nossas emoções e sentimentos mais

dolorosos, e tentarmos esconder as nossas sombras e defeitos por trás de

máscaras e armaduras alienadas pela sociedade, feitas sob medida por

nós mesmos para nós mesmos.

Nossa! Peguei pesado, né!? Mas consegue me dizer que é mentira?

Então o primeiro passo é quebrarmos essa ilusão de que,

basicamente, não sentir a vida, não se importar verdadeiramente com

nada é normal, porque não é. Nós, humanos que somos, devemos sentir,

chorar, sorrir, amar e até sofrer. Isso é normal! Essa luta contra nós

mesmos tem que mudar. O controle que buscamos só acontece quando

aceitamos profundamente o que existe no agora. Curioso, não!?

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Precisamos “largar mão”, para termos nas palmas das mãos.

Então, o que está faltando de verdade para sermos normais na

íntegra?

Eu não tinha nenhuma teoria nem para começar a responder essa

pergunta, até porque vivia assim também, fingindo e mentindo para mim

mesmo e para o mundo que eu estava bem. Meus pensamentos, de vez

em quando, até pousavam na gratidão, tipo: “tenho um teto; me alimento

sempre que eu quiser; não passo nenhuma necessidade; tenho um bom

trabalho, ganho mais do que o suficiente; tenho boas relações; tenho que

ser feliz”, esse papo que, às vezes, lemos por aí, ou recebemos de

conselho de alguém que, talvez, não esteja nos ouvindo de verdade - não

querendo dizer que pensar nas coisas boas não faz bem - mas não dá

mais pra gente ficar preso nesse simples positivismo, simplesmente,

porque nossas questões de hoje não são nada simples. Então o que

acontece com a gente que traz esse vazio que experienciamos? Por que

tanta dificuldade de nos encontrarmos com o florescimento? (Desculpa por

não ter explicado ainda).

Eu vou tentar começar a responder essas perguntas com um pouco

da minha história.

O FAMOSO “NÃO SEI”

Durante toda a minha vida eu nunca soube direito o que eu queria.

Fazia uma coisa e largava, fazia outra e largava também. Não gostava de

estudar, não me interessava verdadeiramente por quase nada que

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colocavam na minha frente. Mas para não ser completamente injusto e

fingido, fiz sim algumas atividades que me dei bem e gostava, mas cedo

ou tarde desistia delas, assim, sem mais nem menos. Hoje eu acredito que

sei um pouco do porquê disso, e quero compartilhar com você, servirá de

contexto para a reflexão que quero trazer.

Eu lembro de uma história que minha mãe me contou, há pouco, de

quando eu estava na primeira série, devia ter uns 5 anos. Ela me disse

que um dia uma das minhas professoras comentou que eu tinha uma

conexão especial com a música. Vivia cantarolando e batucando, tinha

uma comunicação auditiva alta e poderosa. Olha que legal! Isso era uma

grande informação sobre o que era inato e valioso para mim, e que, com

certeza, poderia ter auxiliado o meu desenvolvimento desde aquela época

- não que eu precisasse virar um músico profissional - mas a música

poderia me levar para outro patamar de aprimoramento. Pena que não foi

o que aconteceu. Meus pais não ligaram muito para essa informação, e

isso, com certeza, dificultou essa questão de vivenciar profundamente

atividades que se conectam com o meu eu.

Nota importante: em nenhum momento quero dizer que meus pais

são culpados pelos meus problemas e dificuldades, até porque eles

sempre acharam que estavam fazendo o melhor para mim. Eles não veem

o que eu vejo hoje.

Meu pai e minha mãe seguiram suas crenças e valores e tomaram

decisões validadas por elas. Mas essa falta de importância dos meus pais

sobre o que era realmente valioso para mim quando criança, fazendo com

que eu não aprendesse a estar conectado de verdade com o que eu

amava e com o que era valioso para mim, vêm de onde? É exatamente

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essa pergunta que eu quero tentar responder agora. Meus pais não deram

importância para a informação que minha querida professora passou por

um único e específico motivo ao meu ver. A música não tinha lugar no tipo

de sucesso que eles almejavam para mim, simples assim. Eu tenho

certeza que se eles tivessem uma visão de sucesso mais vinculada a

música, ou de que, pelo menos, ela poderia me auxiliar para que eu

alcançasse o modelo de sucesso que eles tinham em mente, tudo ia ser

diferente, e vai saber o que teria acontecido comigo.

Durante minha infância até a adolescência, fiz natação, karatê,

capoeira, futebol e até aula de guitarra, mas infelizmente, como acontece

com a grande maioria de nós, não aprendi a ver o sucesso como algo

único, especial e presente no meu dia a dia. Eu aprendi a vê-lo apenas na

conquista, apenas no reconhecimento que eu poderia obter das outras

pessoas. Nas coisas materiais, no título, nas palmas e tapinhas nas

costas. Nas emoções e sentimentos “nobres”. E aprender isso com essa

vista, é umas das maiores crueldades que acontecem conosco, porque ela

é geradora de muitos defeitos - e já para adiantar, em especial em mim,

um deles é o orgulho (vou me aprofundar nisso mais tarde).

Como eu vou continuar batalhando para ser mestre de capoeira, por

exemplo, se eu não consigo ver sucesso nisso? Se eu não aprendi a

acreditar, também, no meu coração, ao invés, de unicamente, na lógica

existencial que tanto ouço e vejo? Era mais fácil desistir do que batalhar

por algo que o mundo me negava o seu sucesso. E isso começou a

construir meus padrões de pensamentos e, consequentemente, meus

hábitos. Carol S. Deweck fez gloriosos estudos sobre esse assunto. Eu

ainda não li seu livro “Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso”, que, pelo

que vi, fala muito sobre o quão o esforço e os desafios são importantes e

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nos desenvolvem de inúmeras formas se vistos com olhos voltados ao

progresso - posso me arriscar aqui e dizer: com os olhos sem as lentes do

sucesso estrutural.

Todos nós sabemos que ter hábitos salutares exige muito de nós,

tanto que eles são raros. Mas será que precisa ser tão difícil assim? Será

que se o sucesso fosse tratado de uma forma diferente, tudo não poderia

ser mais fácil?

Sabe o que temos adquirido com tudo isso? Falta de clareza do que

somos, do que amamos, do que achamos valioso de verdade, e da

importância que devíamos dar a isso. Todos os dias essas questões são

cada vez mais enterradas pelo que a sociedade acha que é melhor para

nós. Aprendemos assim a cada instante, a cada - “não, isso não é para

você”, ou -“veja, o sucesso está ali”. E é aí que tudo se complica, porque

isso nos cega para o nosso real sucesso, e cegos ensinamos ao próximo.

Ao meu ver, isso tem tudo a ver com esse conceito disseminado - de

incontáveis formas - do que é ser bem-sucedido em todos os lugares e

falas, desde que as sociedades surgiram.

Imagine se minha mãe achasse, minimamente, que a música

poderia ter a ver com o tipo de sucesso que ela almejava para mim. Eu

tenho certeza que ela e meu pai utilizariam essa potente ferramenta que

eu tinha dentro de mim para alavancar meus resultados aonde fosse, e me

ensinariam a dar valor aos processos e as jornadas do que eu amava

fazer, pois por si só, isso já me faria ser bem-sucedido. Aqui, entro em

algo ainda mais poderoso, profundo e que merece sempre nossa atenção.

O amor.

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QUEM SABE O QUE É O AMOR?

Eu sei, é difícil entendê-lo, quanto mais aplicá-lo, pois como todas

as virtudes e defeitos humanos, ele tem muitas facetas e nuances. Mas

quero trazer um tipo de visão do amor que amo. Pertence a Ximena

Dávila, e retirei de uma entrevista com a mesma e Humberto Maturana:

“Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma incondicional e


não se exige ou se espera nada como recompensa. Amar implica
ocupar-se do bem-estar do outro e do meio ambiente. Em vez de
oferecer instruções do que e como fazer, amar é respeitar o espaço do
outro para que ele exista em plenitude.” (REIS, Cecília. “Entrevista:
Humberto Maturana e a importância do amor | CASA.COM.BR.” Casa
Abril, 4 July 2012).

Essa é uma poderosa citação sobre o amor, e ela se encaixa

perfeitamente no que eu quis dizer com essa parte da minha história que

você acabou de ler. Nossa visão de sucesso teria que se atrelar a essa

visão de amar e, assim, conseguiríamos permitir aos outros serem quem

são, e a nós sermos quem somos.

Agora mesmo, escrevendo este artigo, eu consigo viver um pouco

disso, mas encontro diversos bloqueios. É complicado desaprender algo já

tão enraizado nas minhas crenças e hábitos.

Comecei a escrevê-lo no meio do mês de maio de 2020, mais ou

menos, e estou amando o processo. Mas não consigo me sentir totalmente

realizado e satisfeito no simples fazer, e isso dificulta muito a minha

disciplina, entusiasmo e comprometimento com ele, porque é uma tarefa

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complicada, que exige muito de mim. Exige concentração, muita leitura

repetitiva, lutas com meu ego, criatividade, reflexões profundas sobre

como vejo o mundo e a minha vida. E como eu não aprendi que todo esse

trabalho árduo e prazeroso já poderiam fazer parte do meu sucesso e,

consequentemente, do meu florescer, neste instante, a briga é boa. Muitas

vezes me peguei vislumbrando o que esse artigo poderia me proporcionar

depois de pronto. Me imaginei seguindo a carreira de escritor-professor,

um grande acadêmico, reconhecido e admirado. Imaginei que este poderia

ser o começo de uma linda revolução na vida da humanidade.

Sonhar essas coisas não é, necessariamente, o problema. Não

estou dizendo que ter ambições e sonhos é ruim. O ruim é ter ambições e

sonhos e achar que só se terá sucesso e felicidade ao atingi-los, e isso

ainda é uma dificuldade constante para mim, porque essas ambições não

deveriam importar tanto quanto a luta laboral para se conquistá-las. Esse

é um dos motivos do porque nossas capacidades mentais estão como

estão no meu ponto de vista. As pessoas crescem sendo ensinadas a

alcançar um tipo específico de sucesso, por pessoas que também

cresceram sendo ensinadas a alcançar esse mesmo tipo de sucesso. Só

que esse sucesso não foi construído por nenhuma delas. Ele já vem

pronto, modelado por todos nós e feito, exclusivamente, para nenhum de

nós. E o que dificulta é que tudo acontece quase que subliminarmente, nos

intoxicando e nos iludindo com grandezas vazias e pequenas. Tem muito

pouco amor nessas construções e modelagens, basta observar. O que é

inerente de nós, não é normalmente validado pelo sucesso estrutural em

que crescemos, e desaparece de nossos corações por conta disso.

Quantas habilidades e talentos não somem completamente das pessoas,

dia após dia?

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É raro pessoas que constroem o seu próprio sucesso, ou ajudam de

maneira edificante outros a construírem. Mas quando isso acontece, temos

seres humanos caminhando de mãos dadas com o florescimento, porque

o que nos faz florescer, é o que nos traz bem-estar e felicidade, e isso

pode se desvincular, totalmente, dos quesitos do que é entendido como

ser bem-sucedido em nossas sociedades atuais - o que não deveria

acontecer, porque se desliga completamente do amor. E é esse o novo

grande paradigma que quero que entremos. O desrespeito que temos uns

com os outros pelas nossas incomensuráveis individualidades por falta de

amor, destrói o verdadeiro sucesso e, consequentemente, dificulta o

florescimento.

Vou te contar mais uma parte da minha história para elucidar tudo

isso.

A BUSCA POR SI

Quando eu estava na faixa dos 10 anos gostava muito de pagode,

era um pagodeiro nato. Só ouvia isso. Eu tinha alguns amigos aqui onde

moro. Amigos que conheci quando tinha 5 anos de idade, e nenhum deles

gostava muito pelo que me lembro. Mas mantive a minha postura e não

mudei por conta deles, pelo menos não por conta desses primeiros

amigos. Alguns anos mais tarde, o meu estilo musical mudou radicalmente

e eu sofri um pouco por conta disso. Mas para você conseguir entender

melhor, vou te explicar um pouco a estrutura das minhas amizades de

infância e a geografia de onde eu moro.

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Não sei se você conhece a cidade de São Paulo, mas aqui é

comum termos vilas fechadas, de casas. As pessoas que moram em ruas

sem saída, às vezes, se unem e colocam um portão na entrada da rua, e

pronto, temos uma vila. Isso parece bem lógico agora que estou falando, e

talvez, não seja uma característica comum só daqui. Enfim. Eu moro numa

dessas vilas desde os meus 5 anos de idade. Mas a minha vila não tem

apenas uma rua, tem duas, além de uma praça que as conecta. Imagine o

seguinte: na entrada de uma rua de paralelepípedos há um portão grande

com uma guarita. Passando por ele, você está dentro da vila, e logo a

frente, tem uma grande praça redonda que divide essa rua em duas ruas,

uma de cada lado, que vão além dessa praça cada uma em um sentido. E

por que estou citando isso? Porque tínhamos uma rixa por conta dessa

divisão. Os meninos da rua X, contra os meninos da rua Y. E o meu lado

era o mais bonzinho, o chamado lado dos “bobos” - claro que chamado

pelos outros meninos. Esses outros meninos eram os mais atentados, que

vinham zoar a gente de vez em quando.

Quando eu fiz uns 13, 14 anos, nós nos unimos, viramos todos

amigos, e um desses meninos da outra rua causou um grande impacto na

minha vida. Ele era muito conectado com música também, tocava violão,

guitarra, bateria e eu fui muito influenciado por ele, fazendo com que eu

me transformasse. Parei de ouvir pagode e comecei a ouvir rock,

principalmente Nirvana, que era sua banda preferida. Comprei camisetas,

comecei a me vestir que nem os grunges. Fui do pagode nacional dos

anos 90 ao som de Seattle, e o mais interessante, é que passei a ter

vergonha de gostar de pagode e comecei a recriminar o estilo musical. Eu

sei, eu sei, isso até que é normal, muitos pré-adolescentes se portam

assim, não é nada surpreendente. Mas lembra do porquê de eu ter te

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trazido nessa história? Queria falar sobre o desrespeito com nossas

individualidades, e agora tenho contexto para isso.

Teste surpresa: O que você acha que aconteceu depois que eu me

transformei por causa do meu amigo?

A. Nada, tudo permaneceu como antes.

B. Todos os meus amigos acharam maravilhoso e me apoiaram.

C. Fui zoado e menosprezado.

Acho que você nunca respondeu um teste tão fácil, não é!?

Alguns amigos começaram a tirar sarro de mim, me chamar de

“paga pau”, e com isso, óbvio, veio o desrespeito. Eu sofri um pouco por

conta disso, como pode imaginar, e todo esse julgamento me fez ficar

ainda mais confuso sobre quem eu era, queria ser e o que era melhor ser.

Eu gostava daquela minha nova fase, mas ouvir os meus amigos me

zombando por conta dela, fazia com que eu me questionasse se eu estava

certo. Será que eu não podia mudar e ser quem eu achava legal? Por que

era questão de zombaria eu ter uma referência e me moldar a partir dela?

Tudo bem, me rendo, eu não estava sendo muito sensato e fui hipócrita, e

isso abriu margem para o acontecido.

Olha como são as coisas. Meus amigos me zoavam porque eu

estava “copiando” um outro amigo, pois isso contradiz o que se espera de

um pré-adolescente “legal”, porque o “legal” é termos a nossa própria

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personalidade e autenticidade, além de aprendermos que caçoar dos

outros e tentar controlar suas decisões é normal e bem visto perante o

coletivo. Comunidades tem muito disso, infelizmente. Mas para mim, fazia

muito sentido ser daquele jeito naquele momento. Me abriu um outro

mundo, novas possibilidades, novas paixões, novos pontos de vista, e isso

era o que eu queria, isso era o meu ser autêntico daquela época, mesmo

sem tanto o ser. Eu não ligava para o que o mundo estava esperando de

mim, pelo menos, não por enquanto.

Essa resistência durou pouco tempo. Por conta das pressões

sociais que se intensificaram nesta época, eu cedi, e cedi cada vez mais.

Tudo isso tem a ver com o desrespeito - que fui bombardeado de todos os

lados - de não poder ser quem eu gostaria de ser sem sofrer as

consequências da zombaria, da exclusão e do controle, fazendo com que

eu fosse me moldando a sociedade, aprisionando o meu ser autêntico e

fazendo com que eu me maltratasse, inconscientemente, por isso.

A falta de amor e de seu entendimento causa muitos problemas

sociais e mentais, e vou lhe dar uma prova contando o que aconteceu

comigo.

O SUCESSO GOELA ABAIXO

Eu cresci em uma família com uma boa condição financeira, se

formos comparar com o restante da população do Brasil. Durante minha

infância brinquei muito na rua, onde convivi com esses amigos que citei.

Nós temos, praticamente, a mesma linha de idade. Mas tínhamos uma

diferença relacionada ao poder aquisitivo familiar. Uns tinham menos, uns

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bem menos e uns um pouco mais. Eu - como você já deve imaginar -

estava na faixa dos que tinha um pouco mais, e por isso, sempre estudei

em colégios particulares, onde também fiz grandes amizades. E é com

essa correlação que minha teoria começou a ganhar vida.

Cresci nesses dois nichos, os amigos de infância, com uma

diversidade socioeconômica maior, e os amigos da escola, que tem,

praticamente, o mesmo nível socioeconômico - e claro que existem outras

inúmeras diferenças sociais e culturais entre eles, posso vê-las - mas

quando falamos de sucesso o papo é quase sempre o mesmo. Ter uma

ótima renda é o principal, o mais querido por todos, o mais almejado - e

não tem nada de errado nisso - como querer ser famoso, ou revolucionar o

mundo de alguma maneira, ter a casa própria, um belo carro, uma linda

família, uma empresa de sucesso, ser músico profissional...ok, eu poderia

falar sobre muitos desejos que englobam o que é ser bem-sucedido, mas

uma das grandes questões que quero trazer, é que estou percebendo que,

mesmo os que estão conquistando e alcançando seus objetivos tão

preciosos, não consigo encontrar muito florescimento em suas vidas, não

há evolução do ser, não há felicidade genuína contínua, não há muitos

hábitos salutares, atitudes edificantes consigo, com o próximo e com o

mundo (pelo menos, no que eu consigo enxergar). O que há, é muita

felicidade hedônica espalhada pelos seus dias, fingindo que é a única

felicidade e a mais verdadeira - e isso é uma grande ilusão. Sabemos que

ela é superficial, passageira, depende apenas do externo e cria espaço

para esconder o que realmente se passa em nossas mentes e corações -

mesmo também sendo necessária. O que há, é muita fuga, como usufruir

do álcool excessivamente, abuso de drogas, uma importância e

significância falha e tortuosa sobre mulheres e outros tipos de relações,

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preconceitos generalizados, mentalidades fixas, falta de amor, de

compaixão, de caridade uns com os outros, medos inconscientes que

trazem inúmeros hábitos ruins, entre outras coisas. E como eu vejo e sei

de tudo isso? Sou um deles, tentando arduamente, neste instante, me

libertar para me transformar.

Nota importante: Eu amo meus amigos! Pois sei que a única coisa

que nos aproxima - como me aproxima de todos os seres humanos - é que

queremos nos livrar dos nossos sofrimentos e estar felizes o máximo de

tempo possível. Todos nós somos falhos e temos muito o que aprender,

assim, como eu também aprendo muito com eles e tento aprender com

todos que se apresentam nos bastidores e palcos da minha vida.

Antes de continuar, quero dar uma breve e simples explicação

sobre os tipos de felicidade, deixei vago esse assunto.

A felicidade hedônica e a felicidade eudaimônica são os dois tipos

de felicidade que ajudam a compor o nosso bem-estar subjetivo. Uma

delas vêm pelos prazeres externos, quando compramos um carro, por

exemplo, ou comemos algo que gostamos. É como se fosse a felicidade

que o mundo te proporciona. A outra vêm pelos prazeres internos, quando

ajudamos alguém, por exemplo, ou nos sentimos gratos por algo. É como

se fosse a felicidade que você proporciona para o mundo. Uma delas,

como fica bem claro, é mais complexa e difícil de se obter, gera mais

benefícios para a vida e por isso é a mais importante no meu ponto de

vista. Ela tem como nome: eudaimônica.

Nota importante: as duas felicidades são bem-vindas e constituem

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parte no nosso bem-estar subjetivo. Quanto mais profundo for o nosso

conhecimento sobre nós mesmos, mais fácil conseguiremos encontrar os

meios de florir as duas felicidades em nossas vidas com o equilíbrio

necessário para termos uma felicidade mais completa, uma felicidade

genuína.

CADÊ MEU FLORESCIMENTO NESSE SUCESSO TODO?

O ponto que quero chegar aqui é o mesmo já tratado desde o

começo deste artigo. O que entendemos como “ser bem-sucedido” e como

isso vem nos distanciando do nosso florescimento? (não esqueci da minha

promessa de explicá-lo).

Fiz essa pergunta para mim mesmo de várias formas, e percebo,

cada vez mais, que essa percepção do que é ser bem-sucedido é muito

falha, implícita, manipuladora, muito reproduzida pelas mídias, famosos,

influencers, pela sociedade em si. Está nos nossos ciclos sociais, como

família, amigos, trabalho e redes, gritando alto silenciosamente, o que

devemos ser, ter, conquistar, realizar e alcançar. E isso tudo é muito

prejudicial para florescermos no meu ponto de vista atual. O sucesso em si

é totalmente subjetivo e deveria ser tratado com muito mais

individualidade, autonomia, cuidado, atenção e, principalmente, respeito.

Mas não é isso que acontece com a grande maioria, e aprendemos e

absorvemos desde de criança um tipo de sucesso ilusório.

“O homem mais do que formador da sociedade, é produto dela.”

(Emile Durkheim).

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Para trazer ainda mais força para esse ponto de vista, vou citar

Leandro Karnal respondendo a uma pergunta sobre como podemos ser

bem-sucedidos:
Primeiro, decidir qual é o padrão de sucesso que a pessoa quer. Se
ela mirar no sucesso alheio, no sucesso que o mundo define, ela pode
estar perseguindo um falso objetivo[...]você pode ter uma vida de uma
perfeita pessoa feliz, sendo que o seu sucesso é cozinhar para sua
família. (KARNAL, Leandro - Admiradores, 2019).

Falando em família, vou usar a minha como exemplo - e de novo

vou repetir. Não culpo meus pais por nada de ruim que me aconteceu,

tento sempre culpá-los pelo que tenho de bom. Mas vou ser honesto e

realista, eles não conseguiram me ensinar muito o que buscar para ser

bem-sucedido, para alcançar o meu modelo de sucesso.

Meu pai, quando eu tinha 1 ano, montou a empresa dele, e nos 8 a

9 anos seguintes prosperou, e por isso, lembro de ser um pouco

pressionado por ele para me engajar, mas nunca demonstrei o mínimo

interesse, o que o levou a se frustrar comigo um pouco e vice e versa,

gerando um certo desafeto entre nós, que piorou ao longo do tempo.

Nunca fomos amigos íntimos, sempre tivemos uma relação pai e filho, e

ponto. Mais uma vez o mindset de sucesso nos atrapalhando a amar.

Consegue ver o mindset de sucesso do meu pai entrando em confronto

com o meu e atrapalhando nossa relação?

Minha mãe já era das que tentava entender um pouco melhor os

meus quereres reais e equilibrava um pouco essa pressão do meu pai,

mas com certeza tinha também a sua definição de sucesso construída em

si, mesmo que no seu subconsciente, como todos nós.

Eu não sei com quem eu realmente aprendi que um cargo e um

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salário altíssimos, um bom patrimônio, uma boa mulher ao lado e filhos,

vão me fazer feliz e eu serei bem-sucedido aí. Sei que a mídia, também,

tem muito a ver com tudo isso. Me ensinou que quem festeja, quem tem

muito dinheiro e fama, quem tem feições simétricas e tem um corpo

fitness, quem viaja para lugares paradisíacos, quem tem status, poder e

influência é feliz e é bem-sucedido aí. Os meus amigos - principalmente

quando estão em grupo - me ensinaram que quem “pega” mais mulher,

quem bebe demais, quem faz os outros rirem, quem tira sarro dos outros,

quem ganha muita grana e pode gastar com bens materiais, festas e afins,

é feliz e é bem-sucedido aí. Ninguém me ensinou a olhar para mim

mesmo, para o que eu realmente queria, para o que minha intuição e

minha essência sussurravam, e como eu não aprendi a linguagem delas,

não tinha como entendê-las e sucumbi aos ventos das vozes do mundo,

pois essa linguagem, eu aprendia desde o primeiro choro que dei. Esses

ventos emprestados só me levaram a portos em que eu não conseguia

pertencer, mesmo tentando arduamente. A falta de pertencimento é muito

triste, nos traz inúmeros transtornos emocionais, e se você não sabe lidar

bem com emoções e sentimentos desconfortáveis, como eu não sabia, só

tem um caminho, problemas bem sérios.

Claro que minha família, a mídia e meus amigos não trouxeram só

isso. Sou o que sou por conta de todos e de tudo o que vivi, e hoje, tenho

muito orgulho de quem sou e de quem estou me tornando. Mas o que você

acha que eu quis até pouco tempo atrás? Ficava correndo atrás de tudo o

que acreditei ser a felicidade, parecia um cachorro quando corre atrás de

uma moto - não sabe o que está fazendo e nem o que faria se alcançasse,

sem se dar conta que não terá nenhuma felicidade genuína nessa

conquista - e o que me aconteceu, foi que fui muito mais infeliz do que feliz

020
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

por grande parte da minha vida, mesmo crescendo em um lar acolhedor,

com pai e mãe e irmã que se dão bem, mesmo tendo vários amigos de

bom coração - que percebo em suas individualidades - mesmo nunca

passando dificuldades extremas, como fome e abusos, mesmo tendo

muito mais do que o suficiente para uma vida humana decente, eu me

perdi, vivi confuso, sem saber quem ser direito, sem saber como me

comportar comigo mesmo e com o mundo, sem entender vários tipos de

porquês, e em alguma época parei de perguntá-los, só reagia, e hoje

percebo que é o que vem acontecendo com grande parte da nossa

sociedade, e isso tem que mudar.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

2. DESENVOLVIMENTO

O QUE O SUCESSO FEZ COMIGO

Vou me dilacerar aqui para você entender melhor. Abusei, também,

de álcool e drogas. Comecei a beber com 13 anos de idade. Sabe aqueles

meus amigos de infância que citei? Então, eu era o mais novo deles, e

você já deve imaginar como agi. Fui um pré-adolescente sem muita

“personalidade própria” e que queria muito pertencer, simples assim.

Depois desse meu primeiro porre (lembro até de ter feito xixi nas

calças por estar bêbado demais e não ter controle nenhum sobre nada),

nunca mais parei de beber. Praticamente todos os “rolês” tinham álcool e

conversas sobre “pegar as mina”. Beleza, isso pode até ser visto como

uma coisa natural. Todos éramos adolescentes e é isso o que eles fazem -

merda - pelo menos grande parte deles. Mas isso não desce suave na

minha garganta, sinto que tem algo errado e muito mais profundo do que o

simples fato das ações em si.

Quando fiz 15, já estava fumando maconha e cigarro

esporadicamente. Com 17 fumava os dois todos os dias. Com 18

experimentei cocaína, e a partir daí, foi a maior montanha-russa que já

andei até hoje.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Eu comecei a usar cocaína esporadicamente em minhas semanas,

e óbvio, com muita bebida e cigarro também. Quando fiz 25 anos minha

montanha-russa já estava bem intensa. Tinha conseguido parar algumas

vezes, mas sempre voltava. Fiz algumas sessões de terapia e já

conseguia entender, minimamente, que viver assim seria péssimo, mas

mesmo assim, não adiantava. Por que eu não conseguia me livrar dos

maus hábitos e dos vícios?

Lembro-me perfeitamente do dia em que conheci minha primeira

namorada. Foi dia 17/10/2015, um sábado, eu tinha 25. Quando a conheci

estava limpo de drogas ilícitas a algumas semanas, mas a bebida e o

cigarro ainda estavam presentes.

Namoramos por 2 anos e foi a primeira vez que fiquei limpo tanto

tempo - aquela famosa história de substituir o romance por algum vício -

mas como era de se esperar, tive uma recaída, um dos motivos pelo qual

terminei com ela e a nossa relação foi por água abaixo.

O ponto é: sempre que as coisas entravam em confusão dentro de

mim e eu não sabia o que buscar, fazer e/ou ser, eu fugia para as drogas e

os excessos. Foi assim que eu aprendi a lidar.

Tiveram inúmeras coisas que me fizeram voltar a cocaína naquela

época e, hoje, percebo claramente que era apenas falta de clareza e

entendimento desse sucesso que quero fazer germinar. Eu só precisava

de um pouco de autoconhecimento e de inteligência emocional, e não

apenas do conhecimento e da inteligência da nossa sociedade que eu

adquiri enquanto vivia nela.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Tentei ser o que não era na frente de outras pessoas, fiz coisas

desonestas, trabalhei muito e com muito afinco para ganhar bastante

dinheiro, competi comigo mesmo e com os outros de uma maneira não

muito saudável, tratei mal pessoas que amo, me pressionava para

conquistar mulheres lindas e estonteantes e me desconectei física,

psicológica e espiritualmente de mim mesmo. É, foi tudo bem intenso.

O LADO BOM DAS COISAS “RUINS

Viver dessa forma me trouxe uma vontade que nunca imaginei que

tinha, e isso me deu uma fome de entender, de conhecer, de me

aprofundar em mim mesmo; nos meus conceitos, nos meus valores, nas

minhas crenças, convicções, fraquezas, medos e defeitos. Do divino ao

mundano.

Hoje sou outro ser, me reconectei comigo mesmo de verdade e sei,

nesse exato momento, o que é ser bem-sucedido para mim. Sei, cada dia

mais, o que sou e o que realmente prezo no agora - até porque tudo isso é

muito volátil e tento manter uma flexibilidade e abertura gigante para tudo

o que constrói essa definição de ser bem-sucedido que quero trazer aqui,

pois as mudanças nunca acabarão - e adivinha se os meus propósitos e

objetivos atuais têm alguma coisa a ver com tudo o que foi implantado em

mim nesse turbilhão que citei acima sobre ser bem-sucedido. Se você

respondeu: não. Acertou em cheio.

O ponto dessa história é: enquanto não permitirmos

incondicionalmente - através do amor - as pessoas serem quem elas são

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

ou quem elas querem ser, por conta do que é esperado pela sociedade e

por nossas próprias conclusões sobre o que é melhor para elas, teremos

muita dificuldade de nos conhecermos profundamente, de sermos livres

para tomar as decisões que podem ser as mais certas para nos levar a

nossa verdadeira felicidade, pois ela só se encontra no momento presente

em que tudo isso está acontecendo. Não há felicidade amanhã, ou daqui

um minuto, ou ontem. Ou ela está aqui agora, ou ela não existe. E se eu

não aproveito os mínimos detalhes do meu presente para ser feliz, como

eu posso pensar em ser bem-sucedido e, consequentemente, vir a

florescer?

O MEU GRANDE SONHO

O grande sonho de todos nós é sermos bem-sucedidos. Podemos

até encontrar alguém que diga que não, mas tenho certeza de que se essa

pessoa se inteirar do tipo de sucesso que quero apresentar para você, ela

jamais falaria isso.

Será que você já se perguntou o que é ser bem-sucedido para

você? E se já, como você tem certeza absoluta de que é isso mesmo que

fará bem para sua vida? De que é nisso mesmo que você deveria focar

todo o seu tempo, o seu intelecto e a sua energia? Perguntas estranhas,

mas muito perspicazes.

Você deve estar um pouco curioso sobre o que fiz e tenho feito para

transformar a minha vida para melhor. E é esse o grande intuito deste

trabalho, compartilhar minhas pseudo descobertas.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Eu quero averiguar qual é a relação desse conceito do que é ser

bem-sucedido que a sociedade paulistana imputa em nós; que ouvimos,

lemos e aprendemos a acreditar tão piamente, e como isso nos afasta do

nosso florescimento individual, levando-nos até a questionar e refletir

sobre a importância da desconstrução e reconstrução desse conceito em

nossas sociedades atuais, para que o florescimento aconteça mais

naturalmente, com mais frequência e trazendo mais equanimidade para

todos os indivíduos, nesse assunto.

Para coroar esse momento, cito Abraham Maslow: “Um músico

deve fazer música, um artista deve pintar, um poeta deve escrever. O que

um homem pode ser, ele deve ser”. Isso é o que deveria estar dentro do

nosso conceito de sermos bem-sucedidos.

PELO QUE ESTAMOS LUTANDO?

Hoje sabemos que é a felicidade que traz o verdadeiro sucesso, e

não o contrário (explicarei melhor isso). Agora pense comigo. Estamos

lutando diariamente por algo que acreditamos que nos fará feliz, mas ao

alcançá-lo, não sentimos o que acreditávamos que iríamos sentir, ou se

sentimos, é por pouco tempo. Agora imagine o quanto de angústia e

confusão tudo isso traz pras nossas mentes. Imagine o tanto de descrença

que surge. Normalmente, é muita luta para pouca glória.

Quando deixamos de acreditar, por exemplo, na felicidade e/ou no

sucesso, perdemos a esperança, para dizer no mínimo. Perder a

esperança é uma das principais causas da depressão e de outras

patologias, e isso não pode mais acontecer com a frequência que vem

026
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

acontecendo. Então como manter a esperança acesa em cada um de

nós?

Com certeza eu não tenho a única e definitiva resposta, até porque

ela não existe, sendo que somos seres únicos. Mas acredito que estou

construindo um caminho iluminado para responder algumas ótimas

perguntas.

Nós deixamos inúmeras oportunidades de sermos felizes em

nossos aprendizados e desenvolvimentos ao longo do caminho - assim

vamos perdendo várias oportunidades de desenvolver o florescimento -

correndo atrás de ilusões fabricadas dentro de nós pela sociedade e sua

cultura do sucesso atual, sem nem nos darmos conta disso.

Será que você quer, realmente, aquele carro? Será que você quer,

realmente, aquele cargo? Será que você precisa de tanto dinheiro assim?

Se você prestar bastante atenção, não é difícil vermos de onde vêm

tudo isso.

Meus pais aprenderam com os pais deles, que aprenderam com os pais

dos pais deles, e todos nós aprendemos na escola da sociedade em que

vivemos, isso é um ciclo destrutivo e sem fim. Por isso quero tentar

quebrá-lo, começar do zero, não importa quanto tempo for demorar. Eu

posso vir a falecer de velhice e não ver o que eu gostaria, mas sinto que

esse é um dos caminhos que nos levarão a um melhor e mais fácil

florescimento (não esqueci, ainda vou explicar, prometo).

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

ALGUÉM NOS ACUDA, POR FAVOR

Talvez você esteja um pouco confuso agora, questionando muita

coisa, ou não entendendo muito bem ainda aonde quero chegar. Está tudo

bem, eu entendo e sei que não será nada fácil essa trajetória que estou

tentando trilhar contigo.

Para explanar minhas intenções quanto a isso, quero te fazer

algumas perguntas que fiz para mim mesmo, e continuo fazendo.

Por que os níveis de transtornos mentais e emocionais estão em

constante aumento no mundo todo? Por que suicídios são cada vez mais

comuns? Por que é tão difícil ver pessoas florescendo? Por que o

consumo de drogas lícitas e ilícitas só cresce? Por que os excessos estão

presentes em nossas vidas? Por quê tanta fuga?

Eu sei, é muito difícil responder essas perguntas com simples

respostas, estou tentando respondê-las aqui também. E fico pensando:

“isso não deveria estar acontecendo, não atualmente, com tanta gente

assim querendo ajudar.” Pesquise no Google: ser bem-sucedido; ser feliz;

bem-estar e afins, e veja o que acontece. São incontáveis dicas do que

fazer, do que ser, do que não fazer, do que não ser, para onde ir, para

onde não ir, o que pensar, o que sentir...tá vendo! Tem muita gente

preocupada com isso e é por isso que não faz nenhum sentido. Como

ninguém consegue ajudar, de uma maneira mais simples e direta, a

gente?

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Sinceramente eu não sei se estou certo, preciso testar essa minha

teoria além de mim mesmo. Mas como ela está fazendo sentido e grande

diferença em minha vida, quero compartilhá-la com você, pois sei que

você pode me ajudar a aprimorá-la.

Eu não sei ainda se você conseguiu entender o que quero trazer,

como eu já disse, mas peço que continue dando uma chance, porque

nosso mundo precisa de um novo rumo. A Covid-19 mostra isso

claramente. Ela veio para mudar nossos hábitos, nossa economia, nossos

comportamentos, nossas prioridades, nossas sociedades em si, desde

suas estruturas mais antigas e sólidas. Veio gritar em prol do meio-

ambiente e da proteção animal. Veio para mostrar que a colaboração e a

cooperação não são mais uma escolha, elas são essenciais para a nossa

sobrevivência como humanidade. E quer saber!? Eu acho que ela está

certa, e não existe melhor momento para um reset do que agora. Um reset

do que achamos “normal”, que tal!?

Você pode ter certeza que o que eu quero, é tentar começar um

pequeno reset. O reset do conceito do que é ser bem-sucedido e seus

imperativos, porque no meu ponto de vista atual, é isso que traz tanta

desordem, tanta confusão, tanta desconexão com a verdade e,

consequentemente, com o mundo, fazendo com que nos distanciemos do

nosso florescimento. E quero fazer isso contando mais da minha história,

das minhas descobertas e feitos, que estão me levando numa jornada

cheia de florescimento pessoal.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

APRENDENDO A DESAPRENDER E A REAPRENDER

Antes de continuarmos quero te pedir um favor. Um não! Cinco. Isso

ajudará você a internalizar melhor todo esse processo.

1º. Mantenha sua cabeça bem aberta e flexível. Tente, enquanto lê,

deixar em segundo plano tudo o que sabe, ou acredita saber. Esvazie sua

xícara.

2º. Tente ver o ontem, o hoje e o amanhã. Quanto mais no passado

e no futuro você conseguir ir e misturá-los em nosso presente, melhor.

3º. Faça um esforço para aceitar essa reflexão que eu trago; não

como uma verdade absoluta, mas como um dos possíveis caminhos para

nossa melhora.

4º. Seja um questionador positivo e teça suas próprias reflexões e

conclusões.

5º. Entre de cabeça e me ajude a ampliar esses horizontes.

Se você ainda não conseguiu enxergar bem esse delicado

paradigma que estou trazendo - o que é justo - deixa eu te trazer uma

referência atual que dá suporte para esse meu ponto de vista.

Li um artigo maravilhoso na TAB Uol. Nesse artigo, Júlia conta

sobre a entrevista que a TAB fez em videoconferência com Jack

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Halberstam, professor titular da Universidade de Columbia (EUA), e ele

diz, mais ou menos, o que eu queria ouvir:

Neste momento, acho que só será possível promover mudanças por


meio do fracasso. Por que sabe o que pôs a gente neste caos? O
sucesso! A lógica do sucesso em si, que entende as pessoas como
alguém que precisa ganhar, precisa lucrar, precisa vencer, precisa
avançar, precisa se desenvolver...ou, ao menos, ter a aparência de
vitória. O problema está aí. O discurso orientado somente pela vitória
e pelo sucesso omite o que há na realidade e nos impede de mudá-
la[...]segundo Halberstam, essa busca incessante pelo sucesso
impacta todas as esferas da vida social contemporânea, e vem
também atrelada a um discurso de meritocracia, a aparente ideia de
que qualquer pessoa pode ter sucesso caso se esforce o bastante e
atenda aos padrões esperados para alcançar a vitória. (PESSÔA,
2020).

Essa fala de Jack Halberstam tem muito a ver com o que eu estou

trazendo para você, mas a minha linha de pensamento é um pouco mais

heterodoxa do que a dele, porque o que ele diz nessa última frase, ainda é

com aquele tom do conceito de sucesso que existe e eu gostaria tanto de

destruir. Mas vamos um pouco mais adiante com esse conceito que ele

trouxe, talvez você ainda não esteja convencido. Por isso, vou te relembrar

uma parte da minha história que já contei e puxar uma nova teoria.

Lembra que eu disse que não conseguia ter continuidade em

nada!? E contei a história que minha professora da primeira série viu em

mim uma habilidade musical!? Vamos voltar um pouco mais a isso.

Minha querida mãe, com certeza, não levou isso a sério pelos

motivos que eu já expliquei um pouco atrás, e para dar força a isso, tenho

uma outra teoria que servirá de auxílio a esta.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

QUEM É DAIMON, E O QUE ELE TEM A VER COMIGO?

Você sabe o que é o “daimon”? Aquele que Aristóteles deixou para

nós. Aristóteles foi aquele grande filósofo da Grécia antiga, discípulo de

Platão, e que nos deixou muito ao que pensar, inclusive esse “daimon”.

Para Aristóteles, todos nós temos cargas específicas de competências e

conhecimentos que ele dava esse nome: daimon. E para se viver uma vida

virtuosa, temos que viver exercendo nossos daimons. Era isso o que ele

dizia.

Está conseguindo ver um caminho aí?

As crianças dão pistas a todo o momento de seus daimons - como

eu estava dando e minha professora percebeu - e se nós observássemos

com lentes de sucesso “vazias”, aprimoradas com aquele tipo de amor que

eu citei acima, conseguiríamos enxergar como deveríamos - com muito

apreço e valor - pois são esses daimons que ajudarão a cada ser

encontrar o seu único e específico tipo de sucesso, não o que nossas

sociedades imputam em nós e imputaram em nossos ancestrais o tempo

inteiro; do rádio a TV, do blog aos livros, das relações e vidas “ideais” que

devemos ter, as redes sociais atuais. Essa desconexão que aprendemos a

ter com os nossos daimons, vem muito por conta da busca desse

imperativo de sucesso contemporâneo, e no meu ponto de vista, traz as

mais horrendas faces do homem, como o orgulho, o egoísmo, a inveja,

entre outros. Mas essa é outra história…

Minha mãe e meu pai, com certeza - como todos os pais que se

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

preocupam - tem uma leve ideia de sucesso que querem para seus filhos -

mesmo que inconscientemente. E essa ideia nem sempre condiz com o

que a criança apresenta, fazendo-os dar um suporte distorcido, levando-as

a caminhos que não são especialmente para elas, orientando-as,

normalmente, para um distanciamento da vida virtuosa e bem-sucedida,

consequentemente, dificultando a felicidade e o acesso ao florescer (eu

juro que eu ainda vou explicar). Pois se vivemos no caminho de um

sucesso que não nos traz sentimentos exitosos e/ou não o entendemos, a

tristeza e a frustração, com certeza, estarão mais presentes do que o

contentamento e a alegria e, provavelmente, correremos atrás de meras

ilusões. Ou mesmo se estivermos no nosso devido caminho, desistiremos

por conta das dificuldades e provas que cada jornada traz, achando que

tudo deveria ser mais fácil de como se apresenta para nós, como acontece

com muitas pessoas. Falo por experiência própria.

É complicado, eu sei, mas neste momento vou tentar exemplificar

melhor.

Eu vivi - e posso dizer que ainda vivo em alguns momentos -

acreditando num sucesso que só me distanciou da minha felicidade

genuína, e a minha autoconfiança, autonomia e personalidade sempre

foram subjugadas pelas inseguranças e medos que os imperativos do

nosso atual modelo de sucesso me trouxeram.

Por que eu vou me dedicar a aprender karatê, se nada do que eu

vejo e aprendo sobre ser bem-sucedido tem a ver com isso? Por que eu

vou destrinchar a minha vida e colocar reflexões tão pessoais e difíceis

num artigo que só vale nota e que, talvez, não me leve a lugar nenhum?

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Só porque eu gosto e acredito? Sim! Só porque eu gosto e acredito.

O ser que inicia uma jornada, nunca é o mesmo quando a termina.

Por que o que acontece quando não se tem essa perspectiva, não

se tem muito suporte, incentivo, e ainda tem que ultrapassar grandes

batalhas para se manter fazendo o que se gosta - só porque se gosta -

sabendo que aquilo não vai te trazer o tão almejado “sucesso”?

Definhamento!? Depressão!? Ansiedade!? É de se pensar, não é!? É por

isso que quero tanto implementar essa grande reconstrução do modelo de

sucesso, porque atualmente, para grande maioria das pessoas, não há

sucesso no presente. Parece que ele só está no futuro, lá longe, naquela

conquista, naquela realização, naquela outra pessoa, mas não aqui e

agora, no simples acordar de manhã e fazer o que o nosso coração pede,

buscando nossos daimons a cada momento, e assim, lutarmos com muito

mais força e verdade contra nossos inimigos internos para sermos seres

humanos melhores. Sem falar nas pessoas que acreditam ser bem-

sucedidas, mas sentem grandes vazios.

Uma boa premissa, é desmaterializá-lo aos poucos; desvinculá-lo,

mais e mais, da matéria. Dinheiro, cargos, títulos, patrimônio material,

prazeres mundanos, entre outros, não podem ser mais o composto total

dele. Temos que equilibrar esse jogo.

FELICIDADE: A MÃE DO SUCESSO

Todo esse processo de pensamento me fez lembrar de um livro que

li há um tempo atrás: O Jeito Harvard de Ser Feliz. Este livro, com certeza,

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

me ajudou a elaborar todo esse processo de desconstrução sobre o

sucesso, porque lembro perfeitamente do seu final, que diz:

[...]avanços recentes na psicologia positiva e na neurociência nos


ensinaram que o sucesso orbita em torno da felicidade, e não o
contrário[...]essa constatação é ainda mais revolucionária do que
poderíamos ter imaginado. Isso porque agora também sabemos que
não é só o nosso próprio sucesso individual que gira em torno da
nossa felicidade. Ao promover mudanças em nós mesmos, podemos
propagar os proveitos do Benefício da Felicidade às nossas equipes,
empresas e a todas as pessoas que nos cercam. (ACHOR, 2012, p.
215).

Então, o que diabos estamos fazendo? Será que se

conseguíssemos nos encontrar com a criança que fomos um dia, e com o

idoso(a) que seremos, eles sentiriam orgulho das nossas decisões, ou

sentiriam desprezo por elas? Essa pergunta, eu juro, que não sei

responder. Mas se a felicidade é o caminho para o sucesso, por que o

sucesso só está vinculado a vitórias, conquistas, realizações, títulos,

reconhecimentos…? Por que o sucesso não está atrelado também à luta,

ao suor, às lágrimas, ao anonimato, à simplicidade, às relações, ao

perdão, à vergonha, à dor, se isso também pode trazer felicidade e

satisfação? Sabe o que expomos em alto e bom som? Que se você luta

por algo que você quer muito, com toda a sua potência, fazendo isso

diariamente com amor, vontade e alegria, você é um coitado se não

conseguir; é um fracassado e ponto final. Que mundo estamos construindo

com uma fala dessas?

Shaw Achor termina o seu magnífico livro com algo que me deu

muito no que pensar, principalmente sobre a nossa tão querida felicidade.

Os estudos que estão sendo feitos em relação a isso, como o livro mostra,

dão suporte a minha teoria. Descobrimos que o sucesso vem mais

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

facilmente se estivermos felizes com a nossa jornada, com cada momento

de nossas vidas. E se continuarmos podando as pessoas que “fracassam”

perante a sociedade, ou não fazem algo que seja convincente em prol

desse “sucesso” atual, continuaremos podando a nossa felicidade, nos

distanciando do verdadeiro sucesso. Como eu gosto de chamar: sucesso

genuíno.

Como diria um dos meus mentores, Tony Robbins: “não existe

fracasso, apenas resultados”. Esse é um dos grandes pontos de vista para

nos aproximarmos do nosso florescimento individual.

Acho que você está conseguindo entender melhor - mesmo eu

sabendo que ainda deve ter suas ressalvas e dúvidas - e fico muito feliz se

isso estiver acontecendo. Não há coisa mais importante para o bem de

uma verdade do que o ceticismo. Mas eu não consigo mais desistir dessa

linda e louca teoria, e um dos motivos disso está acontecendo neste exato

momento, enquanto leio e escrevo este artigo, porque eu sempre gostei de

ler e escrever, e isso é algo que estava faltando na minha vida e no meu

sucesso genuíno. É um dos meus daimons perdidos que estou

reencontrando. Você não tem ideia do prazer e da felicidade que sinto por

ter redescoberto isso. Porque o jogo é esse. Não é tão difícil de entender.

O difícil é ter que ficar aflorando isso no dia a dia, porque depois de 31

anos vivendo o outro jogo, eu ainda me perco nesse labirinto e caio nas

ilusões impostas pelo que ainda sou e quero tanto deixar de ser.

Se para termos sucesso genuíno precisamos estar felizes no

processo de sua busca, não seria muito mais fácil se estivéssemos

vivendo com nossos daimons em atividade, e assim assimilando

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

compulsoriamente que já vivemos no sucesso genuíno, independente dos

resultados e de como o mundo te vê? Por que, como estarmos felizes no

nosso dia a dia, se não estivermos conectados, minimamente, com o que

é valioso e importante para nós? Será muito difícil perdurar a felicidade,

não acha!? Sendo que os caminhos com desafios e obstáculos são

permanentes, e essas questões nos trazem mais frustração, tristeza,

ansiedade do que outra coisa, como ter coragem de se intitular bem-

sucedido?

A esperança de um futuro melhor não pode mais ser um privilégio

para poucos. Todos temos missões nobres e alcançáveis que podem

constituir nosso único e exclusivo sucesso genuíno, só nos falta enxergar

melhor.

"A felicidade não é a ausência da dor, é a real compreensão de sua

finalidade." (Divaldo Franco)

Eu descobri, recentemente, que eu preciso de pouco dinheiro para

ser, realmente, feliz. Que eu não preciso de um Porsche. Eu não preciso

nem de um carro, na verdade. E você pode estar pensando: “isso é muito

fútil, muita gente vive com esse tipo de pensamento”. E você está certo,

então quero compartilhar ainda mais um pouco das profundezas do meu

ser.

Eu ainda almejo ser muito bem reconhecido por algo, não vou

negar. Talvez por ter problemas parentais por conta da falta disso, e luto

com esse meu ego orgulhoso e vaidoso constantemente agora, porque sei

que a minha felicidade e sucesso genuínos não estão nisso mais. Eles

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

estão aqui, em cada palavra que escrevo e apago, em cada meditação

que aprendo, em cada água levada aos meus amigos em situação de rua

quando saiu nas minhas caminhadas, e em cada batalha que o sucesso

estrutural gera em mim.

A sociedade em que vivemos não está certa sobre nossas

subjetividades, mas mente para nós a cada momento dizendo que nos

conhece melhor do que nós mesmos, fazendo com que nos distanciemos

da nossa felicidade e do nosso sucesso genuíno - e nem vou pontuar a

questão do florescimento, até porque eu ainda não o expliquei, não é!?

Eu falei ali atrás que era simples de entender, mas vou voltar atrás

nessa minha fala. É difícil, sim, de entender, quanto mais conseguir

incorporar e viver isso.

Quero desenvolver com muito cuidado toda essa minha teoria.

Então vamos por partes. Primeiro, já que tudo pode começar com os

daimons, como podemos encontrá-los depois de adultos? Porque eu

entendi a questão disso nas crianças, pelo menos na teoria. Mas e nós?

AUTOCONHECIMENTO!? BALELA!

Recentemente eu criei uma estratégia para mim, que deu certo e

está mudando a minha vida para melhor todos os dias, e ela tem tudo a

ver com isso que estou discutindo aqui contigo. Mas antes de entrarmos

na estratégia, é melhor darmos um passo para trás e focarmos nessa

questão dos daimons mais um pouco.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Os daimons para mim, hoje, são a clareza do que realmente somos,

do que realmente achamos valioso, do que é inegociável e inato. É

reconhecer nossas essências; redescobri-las. E quando uso essa palavra

(essências), quero dizer reconhecer e redescobrir nossos mais íntimos

valores, princípios, aspirações, paixões, medos, defeitos, fraquezas, forças

que temos conosco, com as pessoas ao nosso redor e com o mundo, ao

mesmo tempo em que tentamos ser corajosamente autênticos dando

vazão e aceitando tudo isso. E você vai pensar: "Ah, você está falando de

autoconhecimento, não é!?”. É! Mas essa palavra parece que perdeu a

sua importância de tanto que é usada, virou um clichêzinho falado por

muitos falsos gurus e por isso muitas pessoas não se preocupam em

entender o seu real significado, além dos que acham que já o tem. E esse

é o principal paradoxo do autoconhecimento para mim. Se você acredita

que já o possui, você já o perdeu, porque não é algo que se possa ter, ele

é algo que vamos desembrulhando, como um presente que nunca chegará

a ser totalmente descoberto. As coisas mudam todos os dias e cada vez

mais rápido. Então como possuir o autoconhecimento, se nós temos que

mudar por conta das mudanças que a jornada da vida traz?

Eu não vou me aprofundar nisso - mesmo querendo muito - porque

te prometi a explicação do que é florescimento faz tempo e chegou a hora.

Mas antes de começar eu quero deixar frases que podem te ajudar nessa

reflexão sobre o autoconhecimento. Frases que não me pertencem. Elas

pertencem a Sócrates, grande filósofo da Grécia antiga e, tecnicamente,

mentor de Aristóteles. E a Leandro Karnal, professor, historiador, e

também um dos meus mentores.

Sócrates disse: “Conhece-te a ti mesmo” e “Só sei que nada sei”.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Essas duas pequenas frases estão muito vinculadas ao que acabei de te

apresentar. E para complementar, cito, mais uma vez, Leandro Karnal:

[...]a muitos sentidos para a palavra autoconhecimento, mas se você


não souber quem você é, seus valores, o que é importante para você,
o que faz com que você saia de um lugar e vá para outro, se você não
souber isso, você vai ser surpreendido por você mesmo. (ANJOS,
Santos, 2017).

Ele também cita essa frase a seguir, que não consegui descobrir de

quem é a autoria: “A pior luta é aquela que o exército local sabota a si

mesmo” (ANJOS, Santos, 2017). E completa: “conhecer seus limites, suas

metas, o que você pode e quer fazer é fundamental.” (ANJOS, Santos,

2017).

Desculpe por não entrar profundamente nesse assunto, mas a ideia

aqui é apenas te dar conteúdo para você conseguir seguir comigo com

mais facilidade. Confio no seu pensamento independente e no seu estudo

autodirigido para te guiar nisso a partir daqui. Mas lembre-se:

desembrulhar o conhecimento sobre si mesmo é um dos fatores

primordiais para conseguirmos chegar ao florescimento.

Agora juro que chegou a hora de você se inteirar sobre ele, e vou

dar o meu melhor para te apresentar esse conceito tão lindo da psicologia

positiva.

MINHA PRIMEIRA VEZ COM O FLORESCIMENTO

Eu não sei se você conhece esses nomes que vou citar, mas quero

trazê-los porque sem eles nada disso que vamos discutir existiria. Quero

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honrá-los aqui. Essas pessoas são cientistas de verdade, fizeram muitas

pesquisas, experimentos, criaram hipóteses, teses, testaram-nas e

chegaram a conclusões específicas e objetivas. Mas quero focar em

apenas dois componentes nesse momento, que vieram através dos

estudos de Martin Seligman, Mihaly Csikszentmihalyi e Carol Diane Ryff:

engajamento e interesse (preste bastante atenção, comecei a descrever

quais são os fatores do florescimento humano). Para nós nos engajarmos

e termos interesse de verdade por algo, precisamos realizar atividades que

achamos desafiadoras, mas que não nos leve ao burnout. O desafio nos

instiga, mas a percepção de que é impossível completar a tarefa

escolhida, leva a lugares destrutivos. Basicamente, é só estarmos

próximos ou dentro do famoso estado de Flow da psicologia positiva. Se

você nunca ouviu falar nele, te explico sucintamente com as palavras do

próprio autor:

[...]um estado de concentração tão focado que equivale à absorção


absoluta em uma atividade. Todo mundo experiencia o Flow de tempo
em tempo e reconhecerá suas características: as pessoas tipicamente
se sentem fortes, alertas, em controle sem esforço, autoconscientes, e
no pico de suas habilidades. Ambos, o senso de tempo e os
problemas emocionais parecem desaparecer, e há uma sensação
estimulante de transcendência. (CSIKSZENTMIHALYI, 1990, tradução
nossa).

O estado de Flow “[...]pode ser controlado, e não apenas deixado

ao acaso, estabelecendo desafios para nós mesmos[...]”

(CSIKSZENTMIHALYI, 1990, tradução nossa). Nossas habilidades são

suficientes para estes desafios, possíveis e escaláveis ao nosso ver, nos

colocando nesse estado de Flow, fazendo com que o nosso engajamento

e interesse fiquem em altos níveis.

Para entrarmos nesse Flow, precisamos estar fazendo algo que nos

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faça, relativamente, bem, que seja um tanto difícil e que seja significativo

de alguma forma, certo!? Para mim faz sentido, até porque sem isso não

vejo como entrar nele. Maravilha, estamos caminhando para algum lugar.

Mas agora te pergunto: como alguém que não conhece os próprios

valores, princípios, aspirações e paixões (parte do autoconhecimento),

pode atingir constância no Flow para estar engajado e interessado?

Difícil, não é!? A pessoa pode até encontrar tarefas que levem-na a

esses estágios sem conhecer as suas essências conscientemente, mas eu

duvido que isso perdure.

Outros cientistas pontuam também, que para se atingir o

florescimento, é necessário ter emoções positivas (fique esperto, acabei

de citar mais um componente do florescimento). Para você entender

melhor, essas emoções positivas estão relacionadas ao nosso passado,

presente e futuro, é como nos sentimos em relação a esses tempos de

nossas vidas, e elas estão ligadas diretamente à felicidade, com destaque

para 10 delas, incluindo a esperança, o amor e a gratidão.

Mas me diz, como ter emoções positivas sobre o nosso passado,

presente e futuro, se não conseguimos nos engajar e ter interesses

significativos e duradouros? Também tenho essa resposta. Será

impossível mantê-las com qualidade e por longos períodos.

Acho que você deve estar entendendo o caminho que eu estou

criando aqui. Mas vamos continuar e deixar esse de lado também. Vamos

para algo mais amplo, talvez tenhamos mais sorte com o conceito de

Corey Keyes de bem-estar psicológico (mais um pedaço do florescimento)

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que envolve “autoaceitação - manter atitudes positivas em relação a si

mesmo, reconhece, gosta de muitas partes de si mesmo, personalidade.”

(KEYES, 2007, tradução nossa), “crescimento pessoal - busca desafios,

tem uma visão do próprio potencial, sente uma sensação de

desenvolvimento contínuo.” (KEYES, 2007, tradução nossa), “propósito na

vida - acha que a própria vida tem uma direção e um significado.” (KEYES,

2007, tradução nossa), “domínio do ambiente - exercita a capacidade de

selecionar, gerenciar e moldar ambientes pessoais para atender às

necessidades.” (KEYES, 2007, tradução nossa), “autonomia - é orientado

por padrões e valores internos próprios e socialmente aceitos.” (KEYES,

2007, tradução nossa) e “relações positivas com os outros - tem, ou pode

formar, relacionamentos pessoais calorosos e de confiança.” (KEYES,

2007, tradução nossa).

Preciso mesmo te perguntar!? Eu posso falar sobre todos os

aspectos que envolvem e que vão ajudar a gerar o florescimento em

nossas vidas, além dos já citados (atenção que aqui vão mais alguns

deles): relacionamentos significativos; significado de vida e propósito;

bem-estar psicológico; bem-estar social. Mas nenhum deles será possível

alcançar de verdade sem nos conhecermos profunda e intimamente,

aceitando tudo o que somos na essência, sem brigar e negar a todo

momento com nossos defeitos, erros, falhas e, perplexamente, também

com nossas forças e virtudes, porque tentamos, também, suprimi-las

muitas vezes, por conta dos meios que vivemos em nossas sociedades

que, em muitos casos, bloqueiam a nossa luz. Foi assim que nosso

cérebro aprendeu, fazendo com que percamos dados valiosíssimos para

nossa própria transformação, que seriam coletados analisando essas

questões mais amedrontadoras. E é essa a grande questão. Porque não

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são apenas nossos defeitos que nos assustam, muito pelo contrário,

morremos de medo de nossa luz também, e para destacar isso, deixo uma

frase que conheci no filme “Coach Carter - Treinando Para a Vida”, e me

apaixonei mesmo não a entendendo completamente na época:

O nosso maior medo não é sermos inadequados. O nosso maior medo


é sermos infinitamente poderosos. É a nossa própria luz, não a nossa
escuridão, que nos amedronta. Sermos pequenos não engrandece o
mundo. Não há nada de transcendente em sermos pequenos, pois
assim os outros não se sentirão inseguros ao nosso lado. Todos
estamos destinados a brilhar, como as crianças. Não apenas alguns
de nós, mas todos. E, enquanto irradiamos a nossa admirável luz
interior, inconscientemente estamos a permitir aos outros fazer o
mesmo. E, quando nos libertarmos dos nossos próprios medos, a
nossa presença, automaticamente, libertará os medos dos outros.
(CARTER Coach, 2005).

Linda, não é!? E hoje eu posso dizer que eu a compreendo

perfeitamente em minha vida, só não consegui descobrir o autor(a).

Eu queria muito entrar mais nesse ponto também, de como nossos

defeitos, erros, falhas, medos, vergonhas e até as coisas boas - tudo o que

achamos difícil de lidar - podem servir para nos alimentar e nos fortalecer,

levando-nos a utilizar nossa verdadeira potência. Mas vou seguir adiante,

novamente, porque o que precisava ser dito, nesse momento, foi dito.

QUE JORNADA É ESSA, MEU FILHO!?

É nessa jornada que estou te levando. A jornada de poder enxergar

com novos olhos uma coisa que vem sendo espalhada de forma errônea,

ao meu ver, em nossas sociedades desde que elas nasceram, até hoje.

Precisamos nos livrar dessas correntes que vêm sendo colocadas

enquanto vamos crescendo, pois o que temos como resultado disso são

grandes humanos acorrentados em conceitos que não deveriam mais

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existir, pelo menos, não da mesma forma.

Eu posso estar sendo um pouco presunçoso e ambicioso aqui, mas

o florescimento humano pode estar muito mais próximo de todos nós do

que imaginamos, além de ser mais do que ele, atualmente, é.

Imagine viver sabendo lidar bem com tudo o que te acontece,

ressignificando suas circunstâncias sempre para o bem, aprendendo a

utilizar suas dores e alegrias a seu favor, se conhecendo cada vez mais a

cada dia que passa e se alimentando de seus defeitos assim como de

suas virtudes.

Imagine ter bem-estar contínuo, aquela sensação de serenidade e

paz na maior parte do tempo. Uma força de vontade de experienciar a

vida, de fazer coisas diferentes e novas que você tem paixão e que estão

escondidas.

Imagine chorar todos os dias, mas de gratidão, de felicidade, e

quando for por dor, sabendo que ela lhe trará uma nova versão de si

mesmo melhorada e você não tem com o que se preocupar.

Imagine um povo que tem tanta autocompaixão, que é impossível

não ter compaixão pelo outro.

Imagine não se preocupar tanto com os ontens e nem com os

amanhãs. Viver em harmonia consigo e com os que te rodeiam, não

precisando ganhar, nem se sentir perdendo. Poder estar sempre

conectado com o seu sucesso genuíno, sem se preocupar se os outros

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vão te aplaudir ou não, não dando espaço para se perder nessa grande

bagunça em que vivemos por causa dessa forma que vemos o sucesso

atualmente.

Você pode estar me achando meio maluco agora, mas prometo que

darei o meu melhor para que tudo faça sentido no final, até porque, mais

para frente vou usar mais da minha própria história para dar força a esta

teoria. Mas antes, quero entrar mais a fundo num dos pontos cruciais

deste projeto.

QUEM É VOCÊ PARA ME DIZER ONDE ESTÁ O MEU

SUCESSO?

Sucesso. Por que corremos tanto atrás dele? O que, realmente,

entendemos dele? Como ele age em nossas vidas?

Sucesso no dicionário, significa: consequência exitosa positiva; um

resultado feliz; algo que te traga êxito. Ok, mas isso não tem nada a ver

com o sucesso que a gente vive e busca, tem!? Talvez para alguns, mas

com certeza para a grande maioria de nós, essa busca está totalmente

distorcida, e adivinha por quem? Por nós mesmos, seres humanos,

inteligentes, magníficos, seres supremos da Terra...só que não, não é!?

Nós deturpamos esse conceito tão lindo, tão presente e tão

poderoso. E pelo quê? Por números extravagantes numa conta bancária.

Por infinitos bens materiais. Por poder, por ganância e muita, muita

vaidade, orgulho, luxúria e egoísmo.

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O ser bem-sucedido de verdade se perdeu faz tempo em nossas

arrogâncias egóicas. Nós estamos o destruindo a cada dia que passa

olhando apenas para nossos próprios umbigos, e falando em alto e bom

som, para todos, através das nossas ações e falas, o que é importante

buscar. E olha que irônico. Esses umbigos na realidade nem são

verdadeiramente nossos, porque a maioria das pessoas quer ser e ter o

que o outro finge que é e tem, escondendo a verdade por trás de sorrisos

fotográficos, falas superficiais e bens materiais que não trazem o que

parecem trazer. E eu me pergunto: onde isso vai nos levar?

Estamos nos afogando em comparações por trás das lentes da

cultura do like e dos números das visualizações. Perdemos nossas

essências há muito tempo atrás - na verdade nem sei se um dia às

tivemos - e isso fez com que fosse construído um conceito do que é ser

bem-sucedido, que não traz de verdade o que o dicionário diz que é. Traz

o que está nos holofotes do mundo, e isso não me interessa mais, não

com essa especificidade generalizada.

A grande verdade é que a maioria de nós não sabe o que,

realmente, trará felicidade e sucesso genuíno, e por isso, o que está em

evidência tem que servir. Como diz a música “Mágico de Oz” do Racionais

Mc 's (1997): “Dizem que quem quer segue o caminho certo. Ele se

espelha em quem tá mais perto.”

Nos influenciamos pelo que o mundo diz que é ser bem-sucedido e,

talvez, passamos a nossa vida inteira sem nos questionarmos se é isso

mesmo que queremos e que nos fará felizes de verdade, porque

acreditamos nas nossas crenças forjadas pelo que ouvimos e vemos

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desde nossa saída do útero, afetando todo o caminhar, até o túmulo.

E, novamente, coroando um momento, Abraham Maslow: “Não é

normal saber o que queremos. Saber o que queremos é uma conquista

psicológica difícil e rara.”

As pessoas, mais do que nunca, estão precisando de atalhos e

novidades para lhes trazer lucidez sobre o que é realmente valioso, e

assim terem níveis mais elevados de felicidade, que as levem ao bem-

estar e ao sucesso genuíno, para então, acessarem o seu próprio

florescimento com mais facilidade. E eu não estou aqui para ditar o que

cada um precisa. Essa busca é unicamente de cada ser pensante, que

tem suas infinitas individualidades em constante mutação. Eu estou aqui

para tentar desenhar o começo de um mapa, de um guia, algo que ajudará

a todos nós de alguma forma.

SIGA-ME, EU TAMBÉM ESTOU PERDIDO.

O “ser bem-sucedido” de hoje que é disseminado

descontroladamente por todos os lados, sem nenhum respeito, sem

nenhum cuidado, é o que atrapalha todo esse processo em nós. Como eu

disse a algumas estrofes acima. Dê uma olhada no Google. Você

encontrará tudo sobre ser bem-sucedido, mas nada feito especificamente

para você, e é aí que está uma das minhas maiores preocupações. As

pessoas estão tentando nos ajudar a sermos bem-sucedidos, só que elas

não percebem que, em sua maioria, estão nos prejudicando, trazendo

inúmeras dicas que não fazem o que supostamente deveriam fazer, nos

colocando mais próximos da frustração e do não pertencimento, nos

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levando a lugares não muito felizes, para dizer o mínimo.

“O maior respeito que nós podemos prestar a alguém, é não pensar

que sabemos quem ele é” (Elizabeth Mattis Namgyel)

Eu disse que não ia me aprofundar muito no tema do

autoconhecimento e do meu entendimento sobre daimons, mas eu

preciso, pelo menos um pouco mais, e para fazer isso vou te contar mais

um pouco da minha história.

Meus pais, quando eu tinha uns 12 anos, eram católicos. Não

daqueles fervorosos, mas seguiam a tradição do nosso país. E nessa

época eu fiz catequese, mesmo não querendo muito, até aí tudo bem,

porque qualquer tipo de estudo é válido, e uma criança de 12 anos,

provavelmente, vai tentar fugir de qualquer sala de aula mesmo,

principalmente eu.

Debaixo das escadarias da igreja que eu comecei a frequentar,

ouvia sons de bateria sempre que eu passava, e lembro de ter ficado com

vontade de tocar. Enchi a paciência da minha mãe por conta disso. Ela

descobriu que eles davam aula naquele local, mas nunca cheguei a fazer

e, sinceramente, não sei o porquê. Só sei que essa conexão com a música

que eu buscava tanto, só ficava cada vez mais de lado dentro de mim, e

esse é um dos motivos que acredito de eu nunca me sentir muito

pertencente a nada, levando-me a tentativas de me encaixar no que o

mundo apontava como bom, o que me levou a lugares não muito felizes,

como você já sabe.

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O que quero trazer de volta a essa nossa troca, é que sem os

daimons em nossas vidas, começamos a nos sentir vazios, e a ânsia do

humano de pertencer, ser útil, amar, ser amado, começará a ser

preenchida com o que nossa sociedade diz que é valioso e importante, e

assim começamos a nos acorrentar em superficialidades que nunca

preencherão de verdade esses buracos, pois eles pertencem aos nossos

daimons e não a essas falsas verdades.

Uma preocupação em tudo isso, é que a grande maioria de nós não

aceitará essa possível verdade em si.

-“Como pode eu não saber o que quero?” -“Como assim minto para

mim mesmo?” -“Você acha que sou manipulado? Nunca!”. E assim por

diante. Eu também sou orgulhoso para algumas coisas, sei bem como

funciona. É difícil mesmo aceitar essa realidade. Imagine saber, de

repente, que você - sua vida inteira - está lutando por algo que, lá no seu

íntimo, você não quer tanto assim.

Para te dar mais abertura em prol da aceitação disso, vou citar mais

uma referência. Não sei se você já ouviu falar da Dra. Maria Lívia Moretto.

Eu a conheci, recentemente, nas minhas pesquisas e fiquei encantado por

um episódio que assisti do Café Filosófico, ministrado por ela: “É preciso

ser feliz - o sofrimento na nossa cultura do sucesso.”

Ela expõe - com muita qualidade - pensamentos que dão suporte ao

que estou discutindo aqui com você. E olha que isso foi publicado em

2015. Ela discute os imperativos que se sobrepõem aos ideias de alguns

conceitos, como de: completude, felicidade, beleza, autonomia,

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autenticidade e, claro, sucesso.

Por exemplo: todos nós somos bombardeados todos os dias com frases

“seja feliz”, “seja autêntico”, “tenha autonomia”, etc, e é exatamente esse o

ponto. Ideais tão lindos que poderiam estar nos ajudando, estão sendo

substituídos por imperativos dentro de nossas cabeças, que só nos

prejudicam. É como se falássemos assim: obedeça a mim, mas seja você

mesmo. E para ilustrar melhor isso, quero deixar registrado uma das falas

da doutora nesse episódio: [...]os imperativos, diferente dos ideais,

produzem fracassados, porque os imperativos quase sempre são

afirmativas que trazem essa ordem do impossível, pelo menos na

singularidade. (BOITEMPO, TV, 2015). E é na singularidade que temos

que trabalhar para alçarmos mais facilmente o florescimento, não tem

outro jeito. Temos que facilitar o sucesso genuíno, mas com essa atitude

atual não vamos conseguir. Por todos os lados temos pessoas que sabem

exatamente o que nos dizer para sermos bem-sucedidos, e isso deveria

ser maravilhoso, deveria estar ajudando a humanidade a chegar aonde

deseja, mas, infelizmente, pelo que eu vejo e percebo, o contrário está

acontecendo. Quase ninguém se importa em ouvir mais, em se interessar

nas profundezas do outro para assim poder auxiliá-lo em algum tipo de

progresso. Elas só querem “ensinar”, jogando infinitos comportamentos,

atitudes e hábitos que devemos ter perante as nossas próprias vidas. E eu

te pergunto: o que acontece com a gente quando falharmos nessas

obrigações e buscas incessantes? Porque é isso que tem acontecido.

Tentamos loucamente seguir esses ideais maravilhosos, mas em sua

maioria, sem sucesso. Como não se apaixonar por falas como essa?:

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‘Eu quero, eu posso e eu vou conseguir.’ Este poderia ser facilmente o


mantra da pessoa bem-sucedida, pois não lhe falta autoconfiança para
crer que tudo é possível, e também o sentimento de obstinação que
lhe faz acreditar piamente que nasceu para realizar grandes coisas,
tornar seus sonhos reais ou para cumprir uma poderosa missão de
vida. (MARQUES, 2018).

Tirei esse trecho do site de um dos institutos mais famosos de

coaching do Brasil. Ele está em um artigo que se chama: “As principais

qualidades de uma pessoa bem-sucedida”, no subtítulo “Obstinação e

Autoconfiança”.

Eu não posso negar que é uma fala bonita e que pode, sim, trazer

benefícios para algumas pessoas, porque sei que pode. O artigo inteiro é

lindo, e essa, acredito, será a maior dificuldade que vou encontrar para

que a minha visão seja aceita.

Como eu posso ir contra esses ensinamentos tão poderosos? Essa

será mais uma das grandes batalhas. Mas eu não estou aqui para dizer

que isso não presta, preste atenção, não é isso. Eu estou aqui para dizer

que tais ensinamentos - como esses que envolvem “sucesso” - têm que

ser feitos com muita cautela e muito mais respeito.

Imagine uma pessoa que está com a auto-estima baixa, se sentindo

insegura, sem um sentido de vida naquele momento, e com seus

propósitos escondidos dentro de si, lendo esse trecho que citei.

O que é mais provável que aconteça?

A. Ela se inspirar e perceber que tudo o que ela precisa para ser

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bem-sucedida está ali dentro dela.

B. Não absorver direito à informação, interpretando que é apenas

mais um texto bonito falando o que eu tenho que ser, automaticamente,

desacreditando mais um pouco que alguém possa ajudá-la, perdendo mais

de sua esperança em ser bem-sucedida.

C. Piorar, porque irá comparar a sua vida atual àquele modelo que

está sendo descrito para ela do que é feita uma pessoa bem-sucedida, e

que pelo visto, ela não é uma delas.

A resposta está diante de nossos olhos, é só observar as pessoas

ao seu redor. Quantas estão vivendo, de verdade, dentro do

florescimento?

Observação: Percebi, agora, que preciso me aprofundar na

explicação do que é o florescimento, e te garanto que farei isso ainda. Mas

como não quero perder a linha de raciocínio, te peço, gentilmente, mais

um pouco de paciência.

Essas falas, como essa que transcrevi do site de coaching, podem

nos levar a uma identificação com a impotência e não nos empoderam,

porque viram imperativos dentro de nós, e se eu não consigo me sentir

alinhado com o conceito, eu já perdi. E olha que irônico. Eu sempre amei

ler esse tipo de coisa. Sempre busquei livros de auto-ajuda, filmes

inspiradores, frases impactantes…mesmo não conseguindo aplicá-las com

tanto êxito na minha vida, porque acontecia, exatamente, o que estou

tentando explicar aqui. Ao invés de me empoderar, me enfraquecia.

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Entrando um pouco em contradição comigo mesmo, sei que toda

essa busca me ajudou e me ajuda, pois nutriu raízes, imprimindo mindsets

que me modelam até hoje. Entretanto, atualmente, vejo como também me

atrapalharam em momentos mais frágeis, trazendo inúmeras inseguranças

por não estar à altura desses tão desejados ensinamentos, assim, me

levando ao definhar, a uma leve depressão e, consequentemente, criação

de maus hábitos.

Quero compartilhar mais uma frase que irá te ajudar nesse

entendimento.

“As pessoas realmente se tornam completamente extraordinárias

quando elas começam a pensar que elas conseguem fazer coisas.

Quando elas acreditam em si mesmas, elas adquirem o primeiro segredo

do sucesso.” Esse é Norman Vincent Peale, pastor e escritor

estadunidense. Seu grande destaque profissional, acredito, foi o livro best-

seller “O Poder do Pensamento Positivo”.

Acho que não preciso falar muito mais, não é!? Essa citação que fiz

de Norman Peale está totalmente relacionada com nossa autoconfiança, e

como disse e repito, muitas falas por aí com a intenção de ajudar estão

atrapalhando essa poderosa força de germinar. Consegue enxergar o

respeito sobre a individualidade do outro nela? Ele dá espaço para

encaixarmos o nosso momento e o nosso tempo de aprendizado, a nossa

individualidade.

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3. RELEVÂNCIA E
IMPACTO SOCIAL

UM VERDADEIRO FLORESCER DIANTE DOS SEUS OLHOS

Estou sentindo que agora é um bom momento para me aprofundar

mais no conceito de florescimento, e quero retomar isso do zero, porque

tem muito mais a ser dito, inclusive das partes que já expus levemente.

Vou começar sendo ridiculamente honesto: eu preciso estudar e

ampliar muito mais minhas fronteiras cognitivas, filosóficas, sociológicas,

reflexivas, sobre esse tema, não vou negar. O conceito de florescimento

humano que a psicologia positiva vem estudando e ampliando é

surpreendentemente novo se comparado ao tempo existente e de estudo

da psicologia tradicional, e por isso, tem muito espaço para crescer, se

transformar e ser muito mais do que é. É por isso que quero deixar aqui

registrado um leve medo de entrar em algo tão poderoso, complexo e, sim,

científico. A minha intuição diz que estou no caminho certo, mas ela

também me diz que preciso ter muita humildade, cuidado e respeito, para

ajudar a construir a trajetória desse conceito.

Comecei a dar atenção a ele por conta da minha própria vida, e de

um dia para o outro - não sei muito bem te contar como aconteceu - defini

esse tema para este artigo e comecei a me aprofundar nele.

Foi uma surpresa, pois na pós-graduação que fiz de psicologia

positiva se falou muito pouco sobre ele diretamente. E mais estranho

ainda, é que, conscientemente, eu nunca fui ávido ser bem-sucedido,

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nunca me preocupei muito com o futuro, sempre fui um aluno relapso, uma

pessoa inconstante e me sentia confortável assim. Mas isso está

mudando. E posso afirmar, com todo o meu coração, que desenvolver

este trabalho é um dos principais motivos das mudanças drásticas e

positivas na minha vida hoje.

Para fazer isso que estou prestes a fazer, vou te contar sobre a

minha última grande queda e recomeço.

No final de julho de 2020 tive uma grande crise existencial

relacionada a minha carreira profissional e cai, em diversas áreas do self,

no definhamento novamente, talvez até numa leve depressão - isso já

tinha acontecido outras vezes, por outros indecifráveis motivos.

Eu nunca soube lidar bem com as minhas emoções, sentimentos e

conflitos internos, e quando tudo se tornava muito difícil eu fugia, como

você já sabe.

Já usei muitas coisas como muleta, mas nessa última vez fugi para

algo que tinha se tornado familiar durante esses anos. Cama, TV, cocaína,

álcool, tabaco e descaso por todas as minhas relações, inclusive a

principal delas, comigo mesmo.

Não conseguia mais trabalhar e desisti de tentar. A empresa em

que eu estava, tentou arduamente me ajudar. Me deu espaço, auxílio e

tempo, mas não adiantou, e pedi demissão no começo de novembro. Aí já

se passaram 3 meses.

Eu não sabia direito o que estava acontecendo, mas algo dentro de

mim não se conformava mais em trabalhar na área comercial de uma

fintech de crédito, apesar de eu adorar a área, que foi onde passei a minha

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vida profissional inteira, e também adorar a empresa e até o produto que

vendia ali. Toda essa confusão veio depois de assistir uma aula da minha

pós. Uma aula que mudou a minha vida. Por causa dela, eu senti que não

estava no lugar certo, que não estava usando meu potencial onde deveria,

que eu poderia fazer muito mais pela humanidade do que estava fazendo

ali e, provavelmente, pelo caminho que iria trilhar por aqueles méritos

laborais rotineiros, se ali continuasse. Não via mais uma carreira

satisfatória no meu presente e breve futuro, e tudo foi por água abaixo

num piscar de olhos - nessa época, diferente de hoje, eu dava uma

importância demasiada para o “eu” profissional dentro da minha vida como

um todo.

Hoje vejo que muita coisa ruim que me impede de seguir em frente,

de ter coragem de enfrentar a vida como ela é e fazer o que tem que ser

feito com resiliência, resignação, otimismo, esperança - como aconteceu

neste pequeno relato - é culpa de um orgulho e uma vaidade que eu

confeccionei desde a primeira infância por inúmeros motivos que não vem

ao caso agora, mas que venho desembrulhando dia após dia depois da

minha “volta por cima”, se assim posso dizer. E tenho descoberto muitas

nuanças em todas as minhas imperfeições, fazendo com que elas me

manipulem e me iludam em diversas ocasiões - esse papo já tem a ver

com o autoconhecimento. Como eu falei, uma coisa está interligada a

outra.

Foi apenas no final do mês de fevereiro que consegui me

reorganizar e recomecei novamente, e creio que sei exatamente por onde

tudo começou.

Foram 7 meses de fuga dessa vez, só para registrar.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Não sei se lembra. Mas quando eu citei os componentes do

florescimento, comentei sobre o bem-estar psicológico e o bem-estar

emocional, e é exatamente por eles que nosso aprofundamento irá

começar.

Eu queria poder citá-los separadamente, descrevê-los

minuciosamente, mas não vai ser possível, porque eles não aconteceram

sucessivamente comigo. Eles aconteceram ao mesmo tempo, um

apoiando o outro.

MUDAR OU NÃO MUDAR? EIS A QUESTÃO

A primeira grande mudança para todas as mudanças é a vontade

de mudar, o querer incondicional, e foi exatamente por aí que, mais uma

vez, eu comecei mais um recomeço.

Eu sabia há muito tempo que viver daquela forma que estava

vivendo não ia me levar a lugar nenhum. Quer dizer, até ia, mas a lugares

que ninguém escolheria ir de boa vontade, e então, mais uma vez, decidi

que não ia mais me drogar e beber, e fiz uma promessa de ficar limpo por

um mês. Essa foi a primeira decisão - cheia de força de vontade operante -

que aflorou os primeiros sintomas do florescimento em mim. Isso

aconteceu no dia 27/02/2021, um sábado. Esse pequeno feito decisório

me trouxe otimismo, autoaceitação, autonomia e autodeterminação. Eu

não sei qual veio primeiro e como eles se apoiaram um no outro, mas sei

que isso aconteceu e que, também, tiveram o suporte do afeto positivo

(vou explicá-lo melhor daqui a pouco), que se ampara nas emoções

positivas.

Observação: não saberei elucidar, minuciosamente, os nascimentos

058
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

desses itens, fatores e componentes em ordem. Na verdade, não sei nem

se isso seria possível. O que sei é que eles, com certeza, vão florescendo

uns sobre os outros, se apoiando e se alimentando deles mesmos,

cocriando essa evolução e progresso em direção ao meu florescimento,

que pelo que percebo hoje, nunca terá um fim e muda constantemente.

Esses itens e fatores iniciais (otimismo; autoaceitação; autonomia;

autodeterminação), para mim, fazem parte do meu bem-estar psicológico,

mas a uma separação deles nos estudos científicos que li.

Corey Keys e Jonathan Haidt, pelo que entendi, desenvolveram e

se apoiam no componente de bem-estar psicológico, e desses itens que

citei, apenas a autoaceitação e a autonomia fazem parte dele (KEYES,

2007). O otimismo e a autodeterminação vêm apoiados por estudos de

Felicia Huppert, Timothy So (HUPPERT; SO, 2013), Martin Seligman,

Mihaly Csikszentmihalyi (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2014),

Christopher Peterson (PETERSON, 2000), Richard Ryan e Edward Deci

(RYAN; DECI, 2000). O que é um pouco confuso para mim, pois como

disse, isso tudo, ao meu ver, faz parte do meu bem-estar psicológico. Em

síntese, esses fatores, automaticamente, foram trazendo emoções

positivas - até já comentei também brevemente sobre elas - mas quero

acrescer sobre.

Emoções positivas fazem parte categoricamente do florescimento e

todos os seus cientistas enaltecem elas. Mas vou focar em apenas um

estudo, pois pelo que pude perceber, ele é bem completo e traz, em suma,

o que aconteceu comigo.

Antes de citá-lo, prefiro te contar sobre a primeira emoção que senti

e me ajudou nesse período. A esperança. Com certeza a decisão de parar

059
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

com os entorpecentes, florescendo os itens e fatores do meu bem-estar

psicológico que citei, ajudaram para que ela germinasse. E olha que

engraçado. Com certeza, enquanto ela germinava e brotava, ajudou-os

reciprocamente, fazendo com que tudo fosse se ampliando, outras

emoções positivas aparecessem, e incentivassem mais e mais itens,

fatores e componentes do florescimento em mim.

Para você compreender melhor, deixa eu dar um empurrãozinho

com uma citação do estudo que disse acima:

Uma proposição-chave, é que essas emoções positivas ampliam o


repertório momentâneo de pensamento-ação de um indivíduo: a
alegria desperta o desejo de brincar, o interesse desperta o desejo de
explorar, o contentamento desperta o desejo de saborear e integrar, e
o amor desencadeia um ciclo recorrente de cada um desses impulsos
dentro de relacionamentos seguros e próximos. As mentalidades
ampliadas decorrentes dessas emoções positivas são contrastadas
com as mentalidades estreitas desencadeadas por muitas emoções
negativas (ou seja, tendências de ação específicas, como atacar ou
fugir). Uma segunda proposição-chave diz respeito às consequências
dessas mentalidades ampliadas: ao ampliar o repertório momentâneo
de pensamento-ação de um indivíduo – seja por meio de brincadeiras,
exploração ou atividades semelhantes – às emoções positivas
promovem a descoberta de ações, ideias e laços sociais novos e
criativos, que por sua vez constroem os recursos pessoais desse
indivíduo; que vão desde recursos físicos e intelectuais, até recursos
sociais e psicológicos. (FREDRICKSON, 2004, tradução nossa).

Tudo isso que Barbara Fredrickson pontua, você verá acontecer no

decorrer da minha história. Preste bastante atenção.

Com a “esperança” no meu time de emoções, acredito que consegui

sentir o interesse - que também é uma das emoções positivas - em

conjunto com a alegria, o amor, a serenidade e a inspiração, totalizando 6

das 10 emoções. Essas emoções positivas juntamente com os itens e

fatores do meu bem-estar psicológico amadurecendo, começaram a trazer

novidades, e posso agora com mais dados dizer que senti “qualidade de

060
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

vida declarada”, um fator do bem-estar emocional, segundo Keyes (2007),

e que pode ser explicado da seguinte forma: “principalmente ou muito

satisfeito com a vida em geral ou em domínios da vida” (KEYES, 2007,

tradução nossa). Esse fator também pode ser chamado de ”satisfação na

vida”, como C. Keyes faz em outro estudo (2003). Essa satisfação que

comecei a sentir preencheu o afeto positivo, que tem como estrutura as

emoções positivas, a alegria, o interesse, o bom humor, a felicidade, a

serenidade e nos dá vitalidade, segundo Keyes (2007) - pelo menos foi

como eu me senti, vivo e disposto novamente a enfrentar de cara limpa e

cabeça erguida a vida.

Eu gostaria muito de te dizer que a nossa próxima parada será mais

simples, mas, infelizmente, não posso. O que posso dizer é que esse

componente é um dos mais importantes, desafiadores e recompensadores

do florescimento no meu ponto de vista. Relacionamentos. É, todos

sentimos um pequeno arrepio nesse momento.

Relacionamentos são a arena em que todos nós desenvolvemos,

tanto qualidades boas, quanto ruins, virtudes e forças, defeitos e

fraquezas. É onde tudo se amplia, tudo se resume, tudo se conversa e se

transforma.

Esse componente do florescimento tem um papel colossal em seu

processo de emanação e contém, também, vários fatores e itens

provenientes de diferentes cientistas, mas vou seguir a linha de raciocínio

beneficiada pela minha história, como tenho feito.

Meu convívio familiar se resume aos meus pais e a minha irmã mais

nova, e eu não tenho do que reclamar. Sempre me dei bem com eles,

mesmo tendo dificuldades de gerar e ampliar intimidade, mas consegui

061
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

construir boas fronteiras de respeito e afeto, mesmo sendo um filho

preocupante, como pode imaginar.

Os grandes reveses do nosso convívio se encontram nos momentos

em que eu estava perdido, utilizando as drogas e o álcool como guias.

Tudo mudava, porque eu mudava. Meu temperamento não era mais o

mesmo, meu interesse por eles não existia e o silêncio e desânimo

reinavam dentro e fora de mim, trazendo um clima péssimo para todos. Eu

teria muito mais para compartilhar. Para você ter ideia, tudo começou

quando eu tinha 17 anos e meus pais descobriram que eu fumava

maconha. A história é complexa e longa, por isso, vou me atentar ao que

realmente importa nesse momento, a continuação da ascensão do meu

florescimento.

Depois de ter alguns dos benefícios do bem-estar psicológico e do

emocional ao meu lado, o passo compulsório e condicionado a seguir, foi a

melhora do meu eu para com a minha família, assim, melhorando nosso

convívio e nossa relação. Eu voltei a demonstrar alegria, amor, interesse,

otimismo...enfim, tudo o que estava aflorando, e isso se percebe

instintivamente, não há o que forçar, fazendo com que todos nós nos

beneficiássemos do que estava acontecendo comigo. Certo, mas quais

foram os benefícios científicos que eu senti nesse novo relato? A felicidade

foi um dos efeitos que eclodiu por conta dessa melhora na relação com a

minha família, e o estudo de David Myers (2000) dá suporte a isso, tanto

quanto o estudo de Corey Keyes (2003), que pontua a felicidade como um

dos fatores para o bem-estar emocional.

Consegue ver a grandeza que está se formando por conta dos

relacionamentos? E olha que tem muito mais.

062
Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Outro fator veio com tudo, e esse beneficia o bem-estar psicológico,

segundo C. Keyes (2003, tradução nossa): “Relações positivas com os

outros: Ter relacionamentos calorosos, satisfatórios e de confiança e é

capaz de empatia e intimidade”.

Essa pequena, mas já perceptível melhora que houve na relação

com a minha família, começou a exaltar tanto o bem-estar psicológico e

emocional, quanto o bem-estar social. O bem-estar social é novo

componente do florescimento nessa história (o citei, brevemente, mais

acima), e como pode presumir, tem tudo a ver com relacionamentos.

A “estabilidade emocional” se juntou a nós nesse momento, uma

“resposta emocional equilibrada” diante da vida, como traz Felicia Huppert

e Timothy So (2013, tradução nossa). E preenchendo mais e mais o meu

bem-estar psicológico, te apresento, conceitualmente, a autoaceitação -

"mantêm atitudes positivas em relação a si mesmo, reconhece, gosta de

muitas partes de si mesmo, personalidade” (KEYES, 2007, tradução

nossa), o crescimento pessoal - “busca desafios, tem uma visão do próprio

potencial, sente uma sensação de desenvolvimento contínuo” (KEYES,

2007, tradução nossa), a autoestima - “em geral, sinto-me muito positivo

em relação a mim mesmo, em vez de negativo” (HUPPERT; SO, 2013,

tradução nossa) e a resiliência - “[...]a capacidade de 'se recuperar' após a

adversidade[...]” (FREDRICKSON, 2004, tradução nossa).

Agora imagine a festa que as minhas emoções positivas estavam

fazendo, até porque, eu sentia mais alguns fatores positivos florescendo

do componente “relacionamentos”, que são: preocupação com o bem-

estar dos outros (nesse caso, minha família) - que é a “benevolência”,

como diz Ryff e Singer (1998, tradução nossa) - o “respeito paterno”, que

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

está associado a índices de bem-estar psicológico, segundo F. Huppert

(2009, tradução nossa) e “relações positivas”, que englobam várias

definições de vários cientistas. Por exemplo: “Há pessoas na minha vida

que realmente se importam comigo” (Huppert; So, 2013, tradução nossa).

Ou um parecer de Seligman (2012, p. 23) que afirma que as relações

positivas sempre têm benefícios emocionais ou de engajamento ou de

sentido na vida ou de realizações, mesmo significando, que elas não são

conduzidas apenas para receber esses benefícios.

Meu comportamento mudou completamente em uma semana, e foi

através dele que tudo foi se aprimorando. É claro que os meus problemas

não estavam resolvidos e agora tudo era perfeito. Não! Muito pelo

contrário. Eu sabia que os verdadeiros “BOs” ainda estavam por vir. Na

verdade, hoje, dia 27/09/21, acho que eles sempre estarão por vir.

Essa visão, que tem tudo a ver com o conceito de impermanência

que eu venho aprendendo com o budismo e práticas meditativas, está

sendo essencial para todo esse processo de continuação do meu

florescer, porque está me libertando do excesso de controle que eu

sempre quis ter sobre tudo o que me acontecia, fazendo com que eu não

soubesse lidar bem com os desconfortos da vida, aprisionando e

maltratando o meu eu por conta disso.

Com todas essas mudanças acontecendo no meu interior e exterior,

eu experienciei as outras 4 emoções positivas que faltavam. Apresento-lhe

a gratidão, o orgulho, a diversão e a admiração/contemplação.

Sei que parece meio improvável que tudo isso tenha acontecido tão

rápido, mas quero lembrar-lhe de que eu estava a 7 meses lutando para

sair do buraco que eu mesmo cavei. Isso sem contar as outras vezes que

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

caí nele também durante a minha vida. Eu já tinha uma certa familiaridade

com esse vai e vem. Eu só não conseguia entendê-lo direito e, hoje,

graças aos meus estudos, mudanças de paradigmas e as pessoas ao meu

redor, tenho conseguido.

Essa semana - desse meu relato - foi de reparação e pequenas

construções, e isso fez com que eu tomasse mais algumas decisões

importantíssimas, e no dia 08/03/21 eu comecei a ouvir aulas de

meditação e voltei a estudar. Estava muito atrasado com a minha pós-

graduação e precisava correr atrás do prejuízo.

Comecei a fazer meditações guiadas, a praticar algumas posições

de alongamento e yoga, me alimentar melhor, assistir aulas todos os dias

e me relacionar bem com a minha família, meus amigos e comigo mesmo.

Depois de um pouco mais de um mês fazendo tudo isso, quase

diariamente, o meu mundo já era outro. Minhas percepções afloravam a

cada dia. Eu via melhor as oportunidades, dava atenção às coisas que me

pareciam ser mais importantes, e o melhor de tudo, meu

autoconhecimento e minha autocriticidade estavam a todo o vapor,

funcionando em alta capacidade, até porque, tudo o que citei até agora

sobre o florescimento estava em constante mutação evolutiva, se

aperfeiçoando dia após dia, e durante esse processo todo, mais alguns

componentes e fatores surgiram.

O “engajamento” - “eu amo aprender novas coisas”; “interesse ou

prazer na maioria das atividades”; “interessado e envolvido em uma ampla

gama de atividades” (HUPPERT; SO, 2013), e para enaltecê-lo, Ryff e

Singer:

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

[...]o bem-estar humano é, em última análise, uma questão de

engajamento na vida, envolvendo a expressão de uma ampla gama de

potencialidades humanas: intelectual, social, emocional e física. (RYFF;

SINGER, 1998, tradução nossa).

O “significado” também entra na categoria de componentes do

florescimento em que se sustentam vários cientistas. Por exemplo,

Seligman (2013, p. 17): “[...](pertencer e servir a algo que você acredita ser

maior do que o eu)[...]”.

Finalizando essa etapa, temos o “propósito” e a “realização”.

Gosto dessa simples explicação para o propósito: “[...]têm objetivos

na vida e um senso de direção, sente que há significado para a vida

presente e passada, mantém crenças que dão propósito à vida, tem metas

e objetivos para a vida.” (RYFF; KEYES, 1995, tradução nossa).

E dessa para a realização:

A realização pode ser definida em termos de conquista, sucesso ou


domínio no mais alto nível possível dentro de um domínio específico
(Ericsson, 2002). Em alguns domínios, como esportes, negócios ou
educação, o desempenho é medido por meio de padrões acordados,
como competições (por exemplo, medalhas de ouro nas Olimpíadas),
honras e prêmios (por exemplo, ganhar o Prêmio Nobel da Paz),
testes de desempenho escolar (por exemplo, desempenho no SAT),
ou atingir um determinado nível (por exemplo, presidente ou CEO de
uma organização). No nível individual, a realização pode ser definida
em termos de alcançar um estado desejado e progredir em direção às
metas pré-estabelecidas (Heckhausen, Wrosch, & Schultz, 2010;
Negru, 2008). (FORGEARD, 2011, tradução nossa).

Eu estava em alta performance. Dedicado, disciplinado e

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

comprometido. Por conta de tudo o que estava me acontecendo, meu eu

começou a ver o que nunca tinha visto, e com isso, foi se construindo a

ideia do tema deste artigo - além do meu projeto dentro do meu Instagram,

que hoje, se tornou um hobbie e ativa alguns dos meus daimons.

Se eu me lembro bem, a ideia deste tema veio através de uma

simples pergunta: o que é ter sucesso para mim hoje? Com essa simples

pergunta pude perceber que, mesmo desempregado, com várias questões

particulares em aberto, eu me sentia bem-sucedido. Eu estava

florescendo, mesmo sem perceber, e com esse ponto de vista, respondi a

pergunta. Ter sucesso para mim hoje é: continuar dedicado às práticas

meditativas; continuar estudando o que me faz bem e me interessa;

continuar aprendendo a entender e a lidar com emoções e sentimentos; ter

disciplina; ser caridoso comigo e com os outros; aprimorar as virtudes

humanas em mim e tentar me desfazer dos meus defeitos. Foi mais ou

menos assim que tudo começou.

Antes de mergulharmos mais, quero voltar um pouco no tempo.

Voltar ao dia em que umas das minhas maiores crenças limitantes foi

quebrada e substituída por uma muito mais edificante. Foi nesta última

páscoa, dia 04/04/21. Minha irmã tinha ido passar o final de semana na

casa da namorada, então, só estavam em casa, minha mãe e meu pai, e à

noite, eu dei a ideia de assistirmos um filme juntos. Um filme que ia mudar

a minha vida. Esse filme me ensinou que eu estava agarrado a uma

crença muito limitada, pequena, distorcida e que me destruia sempre que

as coisas iam mal. Uma crença construída em cima da lei da atração, e

que facilitava o afloramento do meu orgulho doentio.

Eu li o livro “O Segredo” quando eu tinha uns 18, 19 anos e desde

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

então, adquiri uma ideia de que tudo o que acontecia comigo era culpa dos

meus próprios pensamentos e ações (não que isso tenha mudado), então

quando eu me sentia mal por algo e não conseguia entender o porquê, eu

desistia e me tratava mal inconscientemente. Não tinha amorosidade,

gentileza - nenhuma das qualidades da compaixão - comigo mesmo. O

orgulho estava me manipulando com a máscara da humildade e

escondendo as minhas virtudes de mim mesmo. O filme é: Divaldo: O

Mensageiro da Paz. Sim, eu sei, é um filme Espírita, e eu me identifico

muito com essa doutrina, mas não quero entrar na questão religiosa, só

quero trazer os ensinamentos que tive. O mais importante deles tem a ver

com a felicidade e o amor. No filme podemos ver um ponto de vista sobre

o sofrimento e sobre o mal muito diferentes do que eu tinha, e assim,

consegui ser muito mais compassivo e humilde com o todo e,

consequentemente, comigo mesmo.

Observação: Eu não sei porque a compaixão não está dentro dos

estudos da psicologia positiva, pois ao meu ver, ela tem grande influência

nele.

Essa mudança de paradigma mexeu com muitos dos fatores que eu

pontuei sobre o florescimento, como você pode meditar sobre se quiser.

Imagine. Eu comecei a me esforçar para amar. Amar tudo o que

estava presente, tentando ser indiferente com as vicissitudes da vida, ser

mais resignado e, assim, aprender a humildade autêntica.

Alguns dias depois, percebi que queria muito fazer algum trabalho

voluntário, de caridade laboral, e fui atrás disso. Conheci o Atados. O

Atados é uma ONG que ajuda empresas e voluntários a se conectarem.

Se você busca algum voluntariado, ou procura voluntários para sua causa,

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

é lá que você tem que estar.

Nesse momento, começamos a adentrar em mais um dos

componentes do florescimento. O bem-estar social. Esse componente foi

desenvolvido por Keys e Haidt, e se constitui, também, por alguns fatores.

Fatores que envolvem relacionamentos, óbvio.

Fiz o cadastro no site do Atados e me candidatei para uma ação

voluntária que se chama DBA (Dia das Boas Ações). Essa ação é

mundialmente feita em prol de alguma causa específica todos os anos, e

ano passado, no Brasil, foi o combate à fome.

A ideia era simples. Cada voluntário tem a responsabilidade de

coletar o máximo de alimentos possíveis e entregá-los num ponto de

coleta.

Assim que decidi participar disso, me conectei com esse mundo.

Participei de reuniões, conheci pessoas e aprendi muito. Tudo isso

começou a aprimorar o meu bem-estar social.

Vamos dar uns checks:

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Atitude positiva em relação aos outros, reconhecendo e aceitando a

complexidade das pessoas - isso é a aceitação social.

Se preocupa e acredita que, coletivamente, as pessoas têm potencial

e a sociedade pode evoluir positivamente - isso é a atualização social.

Sente que a sua vida é útil para a sociedade e que as suas

contribuições são valorizadas pelos outros - isso é a contribuição

social.

Tem interesse na sociedade, sente que é inteligível, um tanto lógica,

previsível e significativa - isso é a coerência social.

Sente-se parte e um sentimento de pertencimento a uma comunidade,

obtém conforto e apoio da comunidade - isso é a integração social.

(KEYES, 2003, tradução nossa).

Minha zona de conforto estava se expandindo de uma forma nunca

vivida antes. Claro, ainda cheia de conflitos internos, mas muito bem

batalhados, porque eu tinha como fortaleza o florescimento evoluindo em

mim juntamente com o meu sucesso genuíno.

Lutei com o meu ego algumas vezes. A montanha-russa emocional

ainda era constante, mas consegui bolar um bom plano de trabalho.

Fiz uma carta e coloquei nas caixinhas do correio de todas as casas

na vila onde moro, e consegui, ao longo de alguns dias, 174 quilos de

alimentos não perecíveis.

Observação: não sei se percebeu, mas utilizei um dos meus

daimons no plano de ação desse trabalho. Escrever, lembra!?

Senti o florescimento como um todo se expandindo em mim, e

depois dessa ação, resolvi não parar mais com trabalhos voluntários.

Nesse momento, vou dar uma pausa na minha história e trazer uma

linda referência que encontrei nas minhas pesquisas. Esse trabalho que li

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

com muito cuidado, se chama: Do Unto Others or Treat Yourself? The

Effects of Prosocial and Self-Focused Behavior on Psychological

Flourishing, e foi desenvolvido por S. Katherine Nelson, Kristin Layous,

Steven W. Cole e Sonja Lyubomirsky.

Nota importante: Trabalhos e estudos de Keys, Ryan, Deci, Ryff,

Diener, Haeys (cientistas autoridade no campo do florescimento) são

referência nesse.

A CARIDADE, E O QUE ELA PODE VIR A SER

Essa tese aplica um estudo que traz evidências de que um

comportamento pró-social (atos de bondade para o outro e/ou para o

mundo) trazem um aumento no bem-estar e no humor, comparado a um

comportamento autocentrado e/ou neutro, fazendo com que tenhamos

mais fácil acesso a felicidade no primeiro exemplo, pois acontece um

aumento das emoções positivas e diminuição das emoções negativas.

Esse estudo desafia a percepção popular de que focar em si

mesmo é uma ótima estratégia para encontrar mais felicidade, e contribui

para uma literatura crescente que apoia os benefícios do comportamento

pró-social. E deixo aqui o trecho de conclusão retirado do trabalho:

As pessoas que estão se esforçando para melhorar sua própria


felicidade podem ser tentadas a se presentear com um dia de spa,
uma viagem de compras ou uma sobremesa suntuosa. Os resultados
do estudo atual sugerem, no entanto, que quando os buscadores da
felicidade são tentados a se tratar, eles podem ser mais bem-
sucedidos se optarem por tratar outra pessoa. (NELSON, 2016,
tradução nossa).

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

Sabe o que está cada vez mais nítido para mim? Que a felicidade

genuína, as emoções positivas e outros fatores e itens do florescimento

que ajudam a trazer o bem-estar subjetivo e germinam o sucesso genuíno,

estão muito mais na nossa capacidade de sermos caridosos do que

qualquer outra coisa.

A caridade é um assunto muito meditado por mim, ultimamente,

porque ela é muito mais ampla do que nós aprendemos socialmente. Ela

abrange muito mais lugares do que imaginamos e pode, sempre, estar

presente. E quando digo sempre, é realmente sempre, literalmente em

todos os momentos. Com nós mesmos através do que pensamos. Com os

outros através do que fazemos, falamos e silenciamos. E com o mundo

através desses dois anteriores pontos, somado ao interesse e a

preocupação com o todo.

“Quem se dedica a enxugar as lágrimas do outro, não tem tempo

para chorar.” (Joanna De Ângelis).

UMA NOVA VIDA ALIADA AO SUCESSO GENUÍNO

Como você deve ter percebido, consegui ficar um mês sem álcool,

drogas e até parei de fumar, o que não estava no plano, mas aconteceu.

Esse mês de março foi muito especial e me trouxe um alicerce gigante

para o que estou vivendo. Consegui criar hábitos saudáveis que

permanecem até hoje, e o mais inesperado aconteceu. Eu não quis largar

a mão da minha sobriedade só porque o mês tinha acabado. Eu continuei

com uma potente vontade de continuar totalmente limpo e assim estou.

Tá, não vou mentir, tiveram 2 dias em que me permiti beber, e aprendi

muito com eles, mas o ponto é: amo estar sóbrio e ver a vida como vejo

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

hoje, e é essa visão que eu vou começar a te explicar agora, e claro, ela

tem tudo a ver com o sucesso.

Entrei no mês de abril cheio de gás. Consegui terminar as aulas da

minha pós, estava comprometido com meus rituais diários, estudava

coisas novas que surgiam no meu dia a dia, dava atenção às minhas

relações e buscava novas formas de ampliar o que estava sentindo, e

durante alguns dias, empenhado nesse turbilhão de boas novas, construí o

tema deste artigo e comecei a colocá-lo em prática na minha vida.

Eu já contei qual foi a primeira coisa que fiz, mas percebi que não

era o suficiente e que isso precisava fluir para mais lugares, então criei a

linha do sucesso genuíno.

O ponto de partida é a percepção que se cria sobre o seu momento

presente vinculado ao sucesso.

1º passo. Sucesso Genuíno Consigo: o que posso fazer, hoje, que

fará com que eu me sinta bem-sucedido comigo? Rituais de bem-estar!?

De conexão corporal!? Atividades que você sabe que podem te colocar no

estado de Flow!? Estudos!? Trabalhos!? Brincadeiras!? Esportes!?

Atividades físicas!? Melhorar sua alimentação!? Leitura!? Entretenimento!?

O que!? Onde está o seu sucesso consigo mesmo nesse exato momento?

2º passo. Sucesso Genuíno Dentro do Seu Lar: o que posso fazer,

agora, que fará o meu ambiente e/ou as minhas relações do lar, serem

bem-sucedidas ao meu ver? Limpeza!? Arrumação!? Novos jeitos de

experienciar o lar!? Atitudes que trazem bem-estar coletivo!? Atitudes que

trazem alegria ao outro!? Atitudes de amor, compaixão e caridade ao

outro!? Indulgência!? Resignação!? O que!? Onde está o seu sucesso

dentro do seu lar?

3º passo. Sucesso Genuíno nas Principais Relações: o que posso

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

fazer nas minhas relações, que faça com que eu sinta sucesso nelas?

Ouvir mais!? Se interessar verdadeiramente pelo outro!? Tentar sempre

entender o ponto de vista do outro antes de qualquer coisa!? Saber relevar

os erros do outro!? Ter mais paciência!? Doar o meu tempo para o outro

sem esperar nada em troca!? Servir e nada mais!? Amar!? O que!? Onde

está o sucesso nas suas relações?

4º passo: Momento de aprimoramento, reflexões e ajustes dos 3

primeiros passos.

Nada disso é fácil e funcionará da mesma forma por muito tempo.

Tudo muda e nós temos que aprender a mudar junto. O equilíbrio legítimo,

não pode ser encontrado em algo fixo. Ele só existe nos sutis movimentos,

você pode ver isso numa pessoa que está numa corda bamba ou numa

perna de pau, eles sempre estão se movimentando para não cair. Só

existe equilíbrio com desequilíbrio (amo essa dualidade). Somos nós que

temos que saber como balanceá-lo, e isso só acontecerá agindo. Já ouviu

aquela frase!? “O caminho se faz caminhando.”

Para concluir, temos o quinto e o sexto passo.

5º. Sucesso Genuíno em Servir: o que posso fazer pelo próximo

e/ou por minha comunidade que faça com que eu me sinta bem-sucedido?

Ajudar um vizinho!? Deixar alimentos dentro do carro e doar para quem

pede!? Voluntariados!? O simples compartilhamento de coisas boas!?

Sorrir mais para as pessoas!? Ser mais educado, gentil e amoroso!?

Ajudar o meio-ambiente de alguma forma!? Levar mantimentos para

pessoas em situação de rua!? Ser um ombro amigo!? Fazer algo que não

quer, apenas pelo bem do outro!? O que!? Onde está o seu sucesso no

que você pode fazer por alguém ou pelo mundo?

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

6º passo. Sucesso Genuíno com O Universo: o que posso fazer que

me desligará de mim mesmo e transcenderá minha consciência para

novas formas de ver, sentir e experienciar o mundo? (Esse é um pouco

mais complexo e pode, também, englobar alguns itens dos outros passos).

Religião!? Espiritualidade!? Meditações!? Ir a lugares que nunca foi!?

Fazer o que nunca fez!? Ter coragem de fazer o certo e ser justo mesmo

se for contra os seus instintos!? Apreciar as pequenas felicidades da vida

adulta!? Ser grato por tudo o que acontece!? Onde está o seu sucesso

dentro do que o Universo pode, e está te dando?

Ah, uma informação mega importante: essas respostas que você irá

buscar para o seu sucesso genuíno tem que ter o bem como ponto de

partida. O amor, a compaixão, a caridade, o perdão, a gratidão, etc. Se

você utilizar o mal humano, como o orgulho, a vaidade, o egoísmo, o ódio,

a inveja, etc, com certeza, não funcionará.

Esqueça o que a sociedade diz que é certo. Esqueça tudo e olhe

para si. Escute sua essência, seu coração, sua consciência. Procure em

seu íntimo. Não desista. É exatamente isso que venho fazendo desde

então, tentando encontrar o sucesso a todo instante na minha vida, e não

vou negar, tem sido uma jornada incrivelmente maluca, cheia de altos e

baixos - como a vida é - mas com muita apreciação e satisfação em

vivenciar a luz e a escuridão, o que nunca tinha me acontecido antes

(parece que a dualidade sempre surge nas coisas mais importantes).

Eu sei que este desenho que bolei da linha do sucesso genuíno

ainda tem muito para onde crescer, tanto em passos, quanto em

profundidade teórica, filosófica, sociológica e prática, mas é o que tenho

dentro da minha vida por enquanto, e como tudo que estou escrevendo se

baseia na minha história, vou continuar sendo fiel a ela, e utilizando-a, vou

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

dar um exemplo de como já utilizei esse mindset que construí para mim do

meu sucesso genuíno.

Há uns dias atrás, antes de eu escrever toda essa parte explicativa

sobre o florescimento e linha do sucesso, estava lendo um outro trabalho

para ter mais referências, e quando li a parte sobre emoções, fiquei muito

inseguro, ansioso e aflito, pois percebi que seria muito difícil escrever o

que eu gostaria sobre tudo isso.

Nota importante: Hoje eu consigo ver o meu orgulho trazendo tudo

isso, pois ele não aceita não saber o que fazer, ele me gera medo e

mascara tudo com uma falsa humildade, me impedindo de seguir com o

florescimento ativo.

Essas emoções e sentimentos que vinham através dos meus

medos, normalmente, me derrubavam, me levavam a desistência, a fuga

momentânea, ou a perda de potência e qualidade no feito. Mas ao invés

disso tudo vir a me dominar e se tornar uma bola de neve, eu

simplesmente lembrei do que tinha proposto para o meu eu bem-sucedido

genuíno: - O seu sucesso está na leitura e aprendizado, está no processo

de criação, no não saber exatamente, na busca. O seu sucesso está

acontecendo agora. Essa simples troca de mindset me trouxe de volta

vários fatores do florescimento que se sobreporam sobre os fatores

desconfortáveis que tinham-se estabelecido, e eu consegui continuar com

qualidade.

Tenho um outro que acho válido pontuar aqui também.

Cheguei em casa, exausto, depois de um puxado exercício físico e

encontrei meu pai na lavanderia. Lembrei que queria pedir um favor para

ele. Meu fone de ouvido tinha rasgado a capa do fio e precisava passar

uma fita isolante, ou algo do tipo, e pedi para ele. Ele adora fazer essas

coisas e eu, como parte do meu sucesso, me forço a pedir ajuda quando

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

acho que beneficiará os dois lados da relação. As pessoas anseiam por

serem úteis, é bem humano isso. Então por que não!? Ele pegou meu fone

e disse que ia tentar com o durex. Na hora em que ele disse, eu fui rude

nas palavras e no tom - tá doido, esse durex é uma merda, tem que ser

com a fita isolante, disse. Na hora em que saiu eu já percebi que tinha

vacilado. Parece que os males que temos em nós e estão nos nossos

instintos animalescos, ficam mais à tona quando estamos exaustos e por

isso, não pedi desculpas, meu orgulho prevaleceu.

Nesse dia, tinha decidido fazer algumas posições de alongamento e

yoga depois do meu treino, e quando as faço, gosto de ouvir mantras.

Liguei minha caixinha de som e comecei. Um dos mantras era tocado por

uma cítara, que tem um som bem específico e diferente, e lá do andar de

baixo meu pai perguntou - filho, que instrumento é esse? Novamente, fui

dominado pelos meus instintos e fui impaciente e grosseiro, e disse - sei

lá.

Percebi que, às vezes, o problema não são nem as palavras que

saem da boca, mas sim o tom que se usa.

E da mesma forma em que tinha percebido o erro na primeira

interação, percebi nesta segunda, e com o mesmo feitio, não falei mais

nada.

Durante meu banho meditei sobre isso, e percebi mais e mais como

tinha sido injusto e maldoso. Se fossem outras épocas, não teria feito nada

quanto a isso, porque sabia que não falar nada ia resolver e ia ficar tudo

bem. É assim que funciona normalmente aqui em casa. Mas lembrei do

que era ser bem-sucedido para mim nessa ocasião, e decidi que depois do

banho ia descer e pedir desculpas. Foi uma das coisas mais difíceis que

fiz na vida. Como eu já comentei, minha relação com meu pai não é

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

amorosa e tem algum orgulho dos dois lados.

Esse novo mindset que eu criei sobre o que é ser bem-sucedido

para mim, fez com que eu pudesse lutar com mais facilidade contra um

dos meus defeitos, aumentando as minhas faculdades do bem,

consequentemente, fazendo todo o mecanismo do florescimento girar,

como já discutido, que nesse caso teve essa forma: mindset de sucesso

genuíno = atitude e ação = felicidade + bem-estar = florescimento.

UM NOVO “TUDO”

Março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro,

novembro e dezembro foram os melhores meses da minha vida, e

contando…

Continuo praticando e aprendendo meditações e yoga. Continuo

estudando assuntos que me interessam. Estou me alimentando muito

melhor. Comecei a praticar caminhada e corrida aqui nas ruas do meu

bairro e levo água para algumas pessoas em situação de rua no meu

trajeto, além de interagir com eles. Pratico a minha espiritualidade através

de preces, estudos, leituras e palestras. Participo de 3 diferentes ONGs

onde faço alguns trabalhos voluntários mensalmente. Me observo com

muito mais qualidade, a cada dia, e consigo ver com mais clareza minhas

emoções e sentimentos que surgem das minhas virtudes e defeitos, e sei,

cada vez melhor, o que fazer com elas. Escrevo regularmente. Reflito

regularmente. Até a minha visão sobre o dinheiro mudou, e com certeza

minha atitude, percepção e consciência pelas relações humanas como um

todo.

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

O NEGATIVO E O RUIM NUNCA EXISTIRAM

Eu sei que a psicologia positiva não veio para observar o sofrimento

e suas causas, essa parte já está sendo muito bem cuidada pela

psicologia tradicional, mas eu preciso entrar nesse ponto, porque ele é um

dos fatores primordiais para o meu florescer, então não posso deixá-lo de

lado. E para ilustrar isso, vou contar mais um pouco da minha história.

Ao longo destes quase 18 anos de muita bebida alcoólica, drogas e

futilidades, aprendi a tê-los como ótimos companheiros quando me sentia

mal, quando me sentia bem ou quando eu queria pertencer ou

impressionar. Mas um desses gatilhos foi tendo destaque. O me sentir

mal, por estar perdido, por não entender minhas emoções e sentimentos,

por não conseguir me amar verdadeiramente, por me sentir vazio, foi

sendo o principal motivo de decisão para voltar aos velhos hábitos, virou

mais fuga do que qualquer outra coisa. Eu não sabia como observar o meu

lado sombrio, não sabia como lidar com ele, o que fazer com ele, por isso,

o definhamento e a depressão, potencializados pelos venenos materiais e

imateriais, vinham à tona regularmente. E por que estou tocando nesse

assunto? Porque ao longo destes meses que venho me transformando,

percebi que sem o lado desconfortável, sem as emoções desconfortáveis,

sem os pensamentos, atitudes e ações desconfortáveis, eu nunca

conseguiria chegar onde estou agora. E digo “desconfortáveis”, porque

para mim, não faz mais sentido usar a palavra “negativo”. Nada é negativo.

Tudo tem um propósito evolutivo do ser, e se bem visto, nos leva além,

nos leva ao progresso.

Não há vida, pelo menos não por enquanto, sem sofrimento e dor.

Então porque não tratá-los com mais amorosidade? Com mais

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

resignação? Nós estamos tão possuídos pela visão de controle, que ao

invés de reconhecermos, aceitarmos, investigarmos, e assim, termos

dados para agir, não, nós vamos da aversão ao apego, sem meditar no

que realmente importa para dar o próximo passo com qualidade, nos

dando respostas a todo o tempo, respostas que deveriam ser dadas pelo

mundo, pela busca, e não pelos nossos achismos cheios de presunção

(orgulho). Pontuo tudo isso, pois no meu entendimento atual sobre o

florescimento, o desconforto, o se sentir estranho, a angústia, fazem parte,

incontestavelmente, dele. Não há florescimento sem o “negativo”. O

momento de estranheza consigo e com o mundo é essencial para gerar

florescimento futuro. Essa introspecção e autoreflexão feita através da dor,

no meu atual ponto de vista, tem que participar do projeto de florescimento

individual.

Uma semente precisa de escuridão para se desenvolver e florescer.

Por que conosco seria diferente?

Neste meu processo de autodescobrimento, percebi que precisava

entender melhor os desconfortos que me habitam, antes de qualquer outra

coisa. Lembra que comentei sobre um projeto que comecei a desenvolver

no meu Instagram!? É, então, quando pensei em fazê-lo, fiquei super

empolgado e motivado, mas os dias foram passando e eu me ocupando

de outras coisas, até que certo dia, a angústia de não ter começado ficou

mais forte, e soube que precisava dar atenção a ela agora. Falei para mim

mesmo: - chega de fugir! E durante uma das minhas meditações percebi

que o medo estava me impedindo de dar esse primeiro passo, e ia além.

Ele estava manipulando as minhas decisões de priorização de tarefas,

fazendo com que eu me sentisse ocupado e ativo com feitos que não eram

de tamanha importância, mas eram seguros e confortáveis. Aquela velha

história de achar que quantidade é melhor que qualidade. E assim, eu

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

decidi qual seria o primeiro tema que eu ia abordar na rede. O medo.

Comecei a estudá-lo e a observá-lo em mim. Fiz scripts, me filmei os

dizendo e postei-os.

Durante essa minha viagem ao meu íntimo, não eram apenas as

sombras que se faziam mais nítidas, pois os componentes do

florescimento se alimentavam delas e se fortaleciam, me levando a outros

patamares do autoconhecimento.

Hoje, todos os dias, vejo o meu orgulho (meu principal defeito), e

como ele manipula e sabota o meu autêntico ser de estar presente

florescendo, trazendo arrogância, vaidade, inércia, injustiça, inflexibilidade,

muita presunção e perfeccionismo de variadas formas. De pensamentos -

que geram emoções e sentimentos - a falas desnecessárias, indo até as

atitudes e decisões do dia a dia. É através dele que os meus maiores

medos e inseguranças se manifestam.

Esse assunto é muito mais complexo e profundo do que isso, mas

hoje sei que não tentar observar minhas virtudes e meus defeitos cara a

cara e ser compassivo, analítico, flexível e disciplinado perante eles e as

mudanças que quero, o meu florescimento existiria até a primeira

tempestade, pois se afogaria em suas águas.

Não quero ser desrespeitoso, nem arrogante nessa minha próxima

fala. Como eu disse, tenho muito o que estudar e aprender ainda sobre

tudo isso, mas ao meu ver, o florescimento seria mais completo se

existisse uma forma de medirmos e avaliarmos os principais defeitos

humanos, como o orgulho, o ciúmes, a inveja, a cobiça, etc.

Eu coloquei dentro da minha linha do sucesso genuíno ver os males

do ser humano em mim e, às vezes, sofro com eles, porque vê-los e

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aceitá-los dói e não é fácil, mas facilita a luta, principalmente se você pede

perdão e ajuda ao Universo pelo mal que está vendo em si. Como diria

Shirzad Chamine: “um inimigo visível, é muito melhor do que um invisível.”

O PONTO É

Existe ainda um enorme trabalho de ampliação desse caminho que

estou propondo aqui. Tantas reflexões filosóficas, sociais e estudos

científicos que se encaixam nele, que não sei direito para onde olhar

primeiro. Mas de uma coisa tenho total confiança. O conceito de sucesso

estruturado, generalizado, materialista e proveniente de nossas

sociedades, principalmente, na cidade de São Paulo (minha referência),

deve deixar de existir. Temos que criar meios para transfigurá-lo em algo

que possa se encaixar em qualquer vida humana e permaneça vivo e

ativo, independente de qualquer condição, como uma bússola interna, pois

é ele e como o entendemos hoje que nos distancia dos nossos daimons,

fazendo com que nos distanciemos da nossa felicidade, do nosso bem-

estar, ironicamente, nos afastando do nosso sucesso genuíno e,

consequentemente, de um mais fácil florescer.

Quero deixar claro e bem explícito aqui, que essa não é uma verdade

absoluta e, também, não é o único caminho para o nosso florescer, até

porque, se estivesse dizendo isso, estaria indo contra tudo o que estou

trazendo neste artigo.

Para encerrar, te deixo uma última pergunta.

Como o seu mindset de sucesso, hoje, está influenciando o seu

florescer?

“A satisfação reside no esforço, não no resultado obtido. O esforço

total é plena vitória.” (Mahatma Gandhi).

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Pós-Graduação em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

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