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SALMON CARVALHO DE SOUZA

DIREITO
ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR FEDERAL
Direito Material e Processual

2020
1ª Edição
DIREITO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR FEDERAL
Nota sobre o autor

Graduado em Ciências Contábeis e Direito, com especialização em Auditoria, exerceu


por mais de quinze anos o cargo de Auditor Federal de Finanças e Controle da
Controladoria Geral da União, onde atuou em auditoria de avaliação de programas de
governo e na condução de processos administrativos disciplinares. Atualmente exerce
a advocacia nas áreas do Direito Civil (Inventário, Família e Sucessão) e Direito
Administrativo (Ação Civil de Improbidade Administrativa, Processo Administrativo
Disciplinar, Licitações e Contratos, Tomada e Prestação de Contas).

Site: www.salmonsouza.com.br

E-mail: carvalhodesouzas@gmail.com

Instagram: @salmon_souza_advocacia
APRESENTAÇÃO
Idealizada a partir de resumos e anotações feitas durante o tempo de militância
na condução de processos administrativos disciplinares na Corregedoria-Geral da
União, a obra tem por objetivo apresentar ao leitor as principais questões jurídicas e
práticas envolvendo o direito administrativo disciplinar na esfera federal.
O conteúdo do livro abrange o direito administrativo punitivo material e o
direito processual disciplinar. Na parte material são abordados temas como
abrangência objetiva e subjetiva da punição disciplinar, deveres e proibições a que se
submetem os agentes públicos federais, tipificação das condutas proibidas e
respectivas sanções, extinção e excludentes da punibilidade, entre outros assuntos não
menos relevantes. A parte processual trata dos instrumentos utilizados na esfera
federal para a apuração de responsabilidade funcional, dedicando-se especial atenção
aos ritos e procedimentos exigidos por lei para cada um dos procedimentos
investigativos.
O texto foi escrito em linguagem clara e objetiva, com a indicação de
entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, na medida do possível
acompanhado da opinião fundamentada do autor, de modo a possibilitar ao leitor
formar o seu próprio juízo de valor sobre os principais argumentos suscitados.
A obra trata de um tema da mais alta relevância para o país, particularmente
diante da crescente conscientização da sociedade no que diz respeito à exigência de
uma conduta ética e honesta por parte daqueles que atuam em nome do Estado. Os
tempos são outros e há muito não se admite que agentes desonestos utilizem os cargos
que ocupam visando o enriquecimento próprio, em detrimento da dignidade da função
pública.
O livro é destinado aos estudantes das ciências jurídicas, especialmente aqueles
que pretendem atuar na área administrativa, aos advogados que militam nesse ramo
do direito, aos membros do Ministério Público e a todos aqueles agentes que atuam
em Corregedorias e Tribunais de Contas.

O Autor
Direito Administrativo Disciplinar Federal
(Direito Material e Processual)

2020
1ª Edição

Autor: Salmon Carvalho de Souza

Revisão: João Marcelo Pedatella

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, por qualquer meio
ou forma, para fins de comercialização, sem a prévia e expressa autorização
do autor. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
APRESENTAÇÃO 3
DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR 16
1.1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 16
1.2 – NORMAS QUE REGEM O DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR 16
1.3 – APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA 17
1.4 – FONTES NORMATIVAS DA PUNIÇÃO DISCIPLINAR 17
RESPONSABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO 20
2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS 20
2.2 – RESPONSABILIDADE CIVIL 20
2.3 – RESPONSABILIDADE PENAL 22
2.4 – RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA 23
2.5 – INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS 24
2.5.1 – INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO 26
2.6 – SUJEITOS DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR 28
2.6.1 – SUJEITO ATIVO 28
2.6.2 – SUJEITO PASSIVO 30
2.7 – ABRANGÊNCIA OBJETIVA 30
2.7.1 – ATOS DA VIDA PRIVADA 30
PENALIDADES DISCIPLINARES 33
3.1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 33
3.2 - ADVERTÊNCIA 34
3.4 - SUSPENSÃO 34
3.4.1 – CONVERSÃO DA SUSPENSÃO EM MULTA 35
3.5 - DEMISSÃO 35
3.5.1 – PONTOS CONTROVERTIDOS SOBRE A PENA DE DEMISSÃO 36
3.6 – CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE 37
3.6.1 – TEMA PARA REXLEXÃO SOBRE A APLICAÇÃO DA PENA DE CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA 38
3.7 – DESTITUIÇÃO DO CARGO EM COMISSÃO 39
3.8 – DESTITUIÇÃO DA FUNÇÃO COMISSIONADA 40
CAUSAS QUE EXTINGUEM A INFRAÇÃO OU A PUNIBILIDADE 41
4.1 – CONCEITO E NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 41
4.2 – MORTE DO AGENTE 41
4.3 – RETROATIVIDADE DE LEI MAIS BENÉFICA 42
4.4 – ANISTIA, GRAÇA E INDULTO 43
4.5 – PRESCRIÇÃO 44
4.6 – LEGÍTIMA DEFESA 45
4.7 – ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL 45
4.8 – ESTADO DE NECESSIDADE 46
4.9 – ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO 47
4.10 – OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA 47
4.11 - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA 48
4.12 – EXONERAÇÃO DO CARGO EFETIVO 48
DEVERES E PROIBIÇÕES 50
5.1 - INTRODUÇÃO 50
5.2 - DEVERES 50
5.2.1 – ARTIGO 116, I 51
5.2.2 – ARTIGO 116, II 51
5.2.3 – ARTIGO 116, III 52
5.2.4 – ARTIGO 116, IV 52
5.2.5 – ARTIGO 116, V 53
5.2.6 – ARTIGO 116, VI 54
5.2.7 – ARTIGO 116, VII 54
5.2.8 – ARTIGO 116, VIII 54
5.2.9 – ARTIGO 116, IX 55
5.2.10 – ARTIGO 116, X 56
5.2.11 – ARTIGO 116, XI 56
5.2.12 – ARTIGO 116, XII 57
5.3 – PROIBIÇÕES 58
5.3.1 – ARTIGO 117, I 58
5.3.2 – ARTIGO 117, II 58
5.3.3 – ARTIGO 117, III 59
5.3.4 – ARTIGO 117, IV 59
5.3.5 – ARTIGO 117, V 60
5.3.6 – ARTIGO 117, VI 60
5.3.7 – ARTIGO 117, VII 60
5.3.8 – ARTIGO 117, VIII 61
5.3.9 – ARTIGO 117, IX 62
5.3.10 – ARTIGO 117, X 63
5.3.11 – ARTIGO 117, XI 64
5.3.12 – ARTIGO 117, XII 65
5.3.13 – ARTIGO 117, XIII 66
5.3.14 – ARTIGO 117, XIV 66
5.3.15 – ARTIGO 117, XV 67
5.3.16 – ARTIGO 117, XVI 69
5.3.17 – ARTIGO 117, XVII 70
5.3.18 – ARTIGO 117, XVIII 71
5.3.19 – ARTIGO 117, XIX 71
5.4 – OUTRAS INFRAÇÕES PUNIDAS COM DEMISSÃO 72
5.4.1 – ARTIGO 132, I 72
5.4.1.1 – PERAD DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO 73
5.4.2 – ARTIGO 132, II 74
5.4.3 – ARTIGO 132, III 76
5.4.4 – ARTIGO 132, IV 77
5.4.5 – ARTIGO 132, V 77
5.4.6 – ARTIGO 132, VI 79
5.4.7 – ARTIGO 132, VII 79
5.4.8 – ARTIGO 132, VIII 80
5.4.9 – ARTIGO 132, IX 80
5.4.10 – ARTIGO 132, X 81
5.4.11 – ARTIGO 132, XI 81
5.4.12 – ARTIGO 132, XII 82
5.5 – TRATAMENTO DISPENSADO ÀS INFRAÇÕES CAPITULADAS COMO CRIME 84
5.6 – INFRAÇÕES DISCIPLINARES TIPIFICADAS FORA DO ESTATUTO DOS SERVIDORES
PÚBLICOS FEDERAIS 85
5.6.1 – INFRAÇÕES PREVISTAS NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO 85
5.6.1.1 – ARTIGO 32, I 86
5.6.1.2 – ARTIGO 32, II 87
5.6.1.3 – ARTIGO 32 III 87
5.6.1.4 – ARTIGO 32 IV 88
5.6.1.5 – ARTIGO 32, V 88
5.6.1.6 – ARTIGO 32, VI 88
5.6.1.7 – ARTIGO 32, VII 89
5.6.2 – LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE 89
5.6.2.1 – INFRAÇÕES PREVISTAS NA LEI Nº 13.869/2019 90
5.7 – REINCIDÊNCIA 90
5.7.1 – ESPÉCIES DE REINCIDÊNCIA 92
5.7.2 – RENCIDÊNCIA NA ESFERA DISCIPLINAR 92
5.8 – AUTORIA DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR 94
5.8.2 – AUTOR DA INFRAÇÃO 95
5.8.3– AUTORIA MEDIATA 96
5.8.4 – AUTORIA COLATERAL 97
5.9 – CONTINUIDADE INFRACIONAL 97
5.9.1 – REQUISITOS DO CRIME CONTINUADO 98
5.9.2 – CONTINUIDADE DELITIVA E INFRAÇÃO DISCIPLINAR 98
5.10 – DOLO E CULPA NA INFRAÇÃO DISCIPLINAR 100
5.10.1 - A DESVINCULAÇÃO DOS ELEMENTOS CULPA E RESULTADO 100
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 101
6.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS 101
6.2 – CONTROVÉRSIA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA 103
6.3 – ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 105
6.3.1 – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO 105
6.3.2 – ATOS QUE CAUSAM PREJUÍZO AO ERÁRIO 108
6.3.3 – APLICAÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO FINANCEIRO OU TRIBUTÁRIO 112
6.3.4 – ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 112
6.4 – SUJEITO PASSIVO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 115
6.5 – SUJEITO ATIVO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 116
6.5.1 – AGENTES PÚBLICOS 116
6.5.2 - PARTICULARES 117
6.6 – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 118
6.7. MEDIDAS CAUTELARES 119
6.8 – NATUREZA DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 120
6.9 – PRESCRIÇAÕ DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 121
6.9.1 – PRESCRIÇÃO DE CINCO ANOS (Art. 23, I) 122
6.9.2 – SERVIDORES ESTATUTÁRIOS E EMPREGADOS PÚBLICOS 123
6.9.3 – PRESCRIÇÃO NO CASO DE RECEBIMENTO DE SUBVENÇÃO, BENEFÍCIO OU INCENTIVO
FISCAL 123
6.9.4 – PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO 125
PRESCRIÇÃO 127
7.1 – CONCEITO E ORIGEM HISTÓRICA 127
7.2 – DIFERENÇA ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA 128
7.3 – FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO 128
7.4 – PRESCRIÇÃO NA ESFERA DISCIPLINAR 129
7.4.1 – INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL 130
7.4.2 – INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL 132
7.4.3 – ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO DISCIPLINAR 133
7.4.3.1 – PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA 133
7.4.3.2 – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE 134
7.4.4 – PRESCRIÇÃO DISCIPLINAR REGIDA PELAS REGRAS DA PRESCRIÇÃO PENAL 134
7.4.5 – PRESCRIÇÃO E ANOTAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS FUNCIONAIS DO SERVIDOR 138
7.4.6 – PODER/DEVER DE APURAÇÃO – PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA? 140
7.4.7 - A RESPONSABILIDADE DA AUTORIDADE JULGADORA 141
DIREITO PROCESSUAL DISCIPLINAR 143
8.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS 143
8.2 – PRINCÍPIOS APLICADOS AO DIREITO DISCIPLINAR 144
8.2.1 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 144
8.2.2 – PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE 145
8.2.3 – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL 145
8.2.4 – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 146
8.2.5 – PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE OU DA INTRANSCENDÊNCIA 146
8.2.6 – PRINCÍPIO DO PRIVILÉGIO CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO 147
8.2.7 – PRINCÍIO DA CONFIANÇA 147
8.2.8 – PRINCÍPIO DA VERDADE REAAL 148
8.2.9 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA 148
8.2.9.1 – CONTRADITÓRIO E PRINCÍPIO DA VERDADE SABIDA 149
8.2.10 – PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO 150
8.2.11 – PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL 150
8.2.12 – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE 150
8.2.13 – PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO OU CELERIDADE PROCESSUAL
151
8.2.14 – PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO 152
8.2.15 – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA 152
8.2.16 – PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL 153
8.2.17 – PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM 153
8.2.18 – PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS INSTÂNCIAS 154
8.2.19 – PRINCÍPIO DA INTERVENSÃO MÍNIMA 154
8.2.20 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA 155
8.2.21 – PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE OU PRECLUSÃO 155
8.2.22 – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE 156
COMPETÊNCIA 156
9.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS 156
9.2 – COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DISCIPLINAR 157
9.3 – CONFLITO DE COMPETÊNCIA 160
ATOS PROCESSUAIS 162
10.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS 162
10.2 - PRECLUSÃO 164
10.3 – NULIDADES 164
PROVAS 166
11.1 - INTRODUÇÃO 166
11.2 – DESTINATÁRIO DA PROVA 167
11.3 – ÔNUS DA PROVA 168
11.4 – SISTEMA DE VALORAÇÃO DA PROVA 168
11.5 – PROVA EMPRESTADA 169
11.6 – PROVA PROIBIDA 170
11.6.1 – PROVA PROIBIDA POR DERIVAÇÃO 171
11.7 – PROVA TESTEMUNHAL 172
11.7.1 – PESSOAS PROIBIDAS DE DEPOR COMO TESTEMUNHA 173
11.7.2 - ACAREAÇÃO 174
11.7.3 – COMPROMISSO COM A VERDADE 175
11.8 – CONFISSÃO 176
11.9 – DELAÇÃO E CONFISSÃO DELATÓRIA 177
11.10 – DELAÇÃO PREMIADA 177
11.11 - DENÚNCIA 177
11.11.1 – DENÚNCIA ANÔNIMA 178
11.12 – REPRESENTAÇÃO 179
11.13 – PROVA DOCUMENTAL 180
11.14 – PROVA INDICIÁRIA 181
11.15 – PROVA PERICIAL 182
11.16 – INDEFERIMENTO DE PROVA 183
IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO 183
12.1 – INTRODUÇÃO 183
12.2 - IMPEDIMENTO 184
12.3 – SUSPEIÇÃO 185
INCIDENTES PROCESSUAIS 186
13.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS 186
13.2 – EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA 187
13.3 – EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO 188
13.4 – EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA 189
13.5 – INCIDENTE DE FALSIDADE DOCUMENTAL 190
13.6 – INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL 191
PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS NÃO PUNITIVOS 193
14.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS 193
14.2 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR 193
14.2.1 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR PELO RITO ORDINÁRIO 193
14.2.2 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR PELO RITO SUMÁRIO 194
14. 3 – SINDICÂNCIA INVESTIGATIVA 195
14.4 – SINDICÂNCIA PATRIMONIAL 196
14.4.1 – ASPECTOS PROCESSUAIS 197
PROCEDIMENTOS PUNITIVOS 200
15.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS 200
15.2 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PELO RITO ORDINÁRIO 200
15.2.1 – INSTAURAÇÃO 201
15.2.2 – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE 202
15.2.3 – CONSTITUIÇÃO DA COMISSÃO 203
15.2.4 – PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO PROCESSO 205
15.2.5 – EXONERAÇÃO E APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA 206
15.2.6 – PORTARIA INSTAURADORA 207
15.2.7 – ATA DE DELIBERAÇÃO 208
15.2.8 – CITAÇÃO E INTIMAÇÃO 208
15.2.9 – NOTIFICAÇÃO PRÉVIA 209
15.2.9.1 – NOTIFICAÇÃO POR MANDADO 210
15.2.9.2 – NOTIFICAÇÃO POR HORA CERTA 210
15.2.9.3 – NOTIFICAÇÃO POR EDITAL 211
15.2.10 – FASE DE INSTRUÇÃO 212
15.2.11 – AFASTAMENTO PREVENTIVO DO INVESTIGADO 212
15.2.12 - INTIMAÇÃO 213
15.2.12.1 – INTIMAÇÃO POR MANDADO 214
15.2.12.2 – INTIMAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO 214
15.2.12.3 – INTIMAÇÃO POR EDITAL 214
15.2.12.4 – INTIMAÇÃO POR HORA CERTA 215
15.2.13 – ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO 215
15.2.14 – CONTRATO DE MANDATO 216
15.2.14.1 – SUBSTABELECIMENTO 217
15.2.15 – DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS 217
15.2.16 - CONTRADITA 218
15.2.17 – CARTA PRECATÓRIA 218
15.2.18 – INTERROGATÓRIO 219
15.2.19 – DIREITO AO SILÊNCIO 220
15.2.20 – ALEGAÇÕES FINAIS 222
15.2.21 – INDICIAMENTO OU INDICIAÇÃO 223
15.2.22 – DEFESA ESCRITA 225
15.2.22.1 – ESTRUTURA DA DEFESA 226
15.2.22.2 – PRODUÇÃO DE PROVAS DURANTE O PRAZO DE DEFESA 226
15.2.22.3 – PRAZO COMUM 227
15.2.22.4 – DEFESA TÉCNICA 227
15.2.22.5 – DEFESA INEPTA 228
15.2.23 - A CONFIGURAÇÃO DA REVELIA 229
15.2.24 – RELATÓRIO FINAL 231
15.2.25 - JULGAMENTO 232
15.2.26 – RECURSOS ADMINISTARTIVOS 234
15.2.27 – COISA JULGADA ADMINISTRATIVA 234
15.2.28 – REVISÃO DO PROCESSO 236
15.2.29 – REVISÃO DA DECISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO 237
15.2.29.1 – LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO 238
15.3 – SINDICÂNCIA PUNITIVA 239
15.3.1 – PROCESSO ADMINISTARTIVO DISCIPLINAR DERIVADO DA SINDICÂNCIA 241
15.4 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PELO RITO SUMÁRIO 242
15.4.1 – PARTICULARIDADE DA APURAÇÃO DE ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGO OU
FUNÇÃO PÚBLICA 242
15.5 – PROCEDIMENTOS ESPECIAIS 244
15.6 – TERMO CIRCUNSTANCIADO ADMINISTRATIVO - TCA 244
15.6.1 – ASPECTOS PROCESSUAIS 245
15.7 - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TAC 246
15.7.1 – SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO 247
15.7.2 – ASPECTOS PROCESSUAIS 248
15.8 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ENVOLVENDO EMPREGADO DE EMPRESA
PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA 249
15.9 – APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE PESSOA JURÍDICA 250
15.9.1 – RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA 251
15.9.2 – CÁLCULO DA MULTA 252
15.9.3 – PUBLICAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DA DECISÃO CONDENATÓRIA 253
15.9.4 – SUJEITO ATIVO DO ATO LESIVO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 254
15.9.5 – ASPECTOS PROCESSUAIS 254
15.9.6 – PROCESSO DE APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE PESSOA JURÍDICA - PAR 254
15.9.7 – COMPETÊNCIA NO PROCESSO DE RESPONSABILIZAÇÃO 256
15.9.8 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 257
15.9.8.1 – CONCEITO E FINALIDADE 258
15.9.8.2 – ORIGEM HISTÓRICA 259
15.9.8.3 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA LEI ANTECORRUPÇÃO 259
15.9.9 – ACORDO DE LENIÊNCIA 260
15.9.9.1 – REQUISITOS PARA A CELEBRAÇÃO DO ACORDO 261
15.9.9.2 – DESCUMPRIMENTO DO ACORDO DE LENIÊNCIA 262
15.9.9.3 – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO 263
15.9.9.4 – CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS INIDÔNEAS 263
DIREITO ADMINISTRATIVO

DISCIPLINAR FEDERAL
PRIMEIRA PARTE

DIREITO MATERIAL
16

CAPÍTULO 1
DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

1.1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS


De origem latina, o termo disciplina originalmente era utilizado com o
significado de educação que os discípulos recebiam dos mestres. Na atualidade, além
de designar uma área específica do conhecimento acadêmico, a palavra disciplina é
utilizada para fazer referência à obediência de regras de comportamento direcionadas
a um determinado grupo ou classe de pessoas. É nessa última acepção que
empregamos o termo disciplina como objeto do direito administrativo disciplinar.
Nesse contexto, podemos conceituar o Direito Administrativo Disciplinar como sendo
o ramo do Direito Público que regula as relações entre a Administração Pública e seu
corpo funcional, mediante o estabelecimento de regras e princípios a serem
observados, a definição das respectivas penas e a definição dos instrumentos e regras
processuais a serem utilizada na apuração de eventuais transgressões.
Como sabemos, ao tomar posse no cargo público o agente é investido de
poderes e prerrogativas imprescindíveis ao bom desempenho da função pública que
exercerá. Em contrapartida se submete a um padrão de comportamento legalmente
estabelecido, cuja observância é condição imprescindível ao regular funcionamento
dos serviços ofertados ao cidadão pelo Estado. Foi nesse contexto que o legislador
ordinário aprovou um conjunto de normas, com destaque para a Lei nº 8.112/90, que
estabelece princípios, regras, deveres e proibições a serem observadas pelos
servidores públicos civis da União, cujo descumprimento dar ensejo à imposição da
pena disciplinar correspondente.

1.2 – NORMAS QUE REGEM O DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


A elaboração de normas que tratam de matéria disciplinar se insere na
competência de cada um dos entes federativos, de sorte que existem normas federais,
distritais, estaduais e municipais. Na esfera federal o assunto é disciplinado pelas leis
8.112/90 e 9.784/99. Mais recentemente, o legislador ordinário introduziu uma
novidade ao estabelecer no art. 15 do Novo Código de Processo Civil que “na
ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou
administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente”. Tal previsão acabou por submeter o Direito Administrativo
Disciplinar (também) aos ritos e procedimentos aplicáveis aos processos judiciais
cíveis, dada a quase inexistência de regras procedimentais nos diplomas legais acima
mencionados.
17

Em nosso modo de pensar, a escolha do legislador teria sido mais acertada se


tivesse definido como de aplicação supletiva e subsidiária o Código de Processo
Penal, tendo em vista a proximidade existente entre os procedimentos na esfera penal
e administrativa disciplinar. Vamos mencionar apenas três exemplos:
a) salvo nos casos submetidos à jurisdição voluntária, onde a atuação do Poder
Judiciário fica restrita ao chancelamento da vontade das partes envolvidas, na esfera
civil o litígio envolve duas partes com interesses contrapostos – autor e réu – onde o
êxito de um implica necessariamente a sucumbência do outro, o que não ocorre na
apuração de infração administrativa disciplinar;
b) o processo civil é balizado pelo princípio da verdade formal, contentando o
magistrado (julgador) com as provas apresentadas pelas partes; diferentemente do que
ocorre no processo administrativo disciplinar, onde vigora o princípio da verdade real
ou material, que preceitua a necessidade de a Administração esgotar todos os meios
na busca do que de fato ocorreu; e
c) o processo civil tem como objetivo solucionar o litígio, ou seja, a aplicar o
direito ao caso concreto; já o processo administrativo disciplinar visa apurar infrações
funcionais e impor a pena correspondente, se for o caso. Como se não bastasse, os
incidentes processuais aplicáveis ao processo civil são de difícil aplicação na seara
disciplinar, havendo mais semelhanças com os incidentes utilizados na esfera
criminal.

1.3 – APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA


Como dito no tópico anterior, na ausência de normas que regulam o processo
administrativo disciplinar, serão utilizadas supletiva e subsidiariamente as
disposições do Código de Processo Civil. Mas, afinal de contas, o que podemos
entender por aplicação supletiva e subsidiária?
Dizemos que uma norma é de aplicação supletiva quando a mesma
desempenha uma função auxiliar ou complementar, possibilitando a interpretação de
um dispositivo legal sob outro viés, extraindo do mesmo um sentido diferente, sempre
tendo como parâmetro os princípios fundamentais do processo civil. Não pressupõe
omissão, e sim a incompletude da norma. Por outro lado, a aplicação subsidiária é
mais abrangente e pressupõe a existência de omissão. Trata-se de uma situação em
que a norma subsidiada é enriquecida, adquirindo um alcance mais abrangente. O que
o Código de Processo Civil autoriza é a utilização de seus dispositivos quando os
normativos que regem o processo administrativo disciplinar não disciplinarem
determinado instituto processual.

1.4 – FONTES NORMATIVAS DA PUNIÇÃO DISCIPLINAR


A existência de instrumentos jurídicos capazes de combater a deslealdade de
agentes no trato do patrimônio público de certa forma revela o grau de seriedade com
18

que uma sociedade combate os desvios éticos cometidos pelos agentes que a
representam. A elaboração de normas claras e eficazes, aliada à presença de um corpo
funcional qualificado e bem treinado constitui uma importante ferramenta do Estado
no enfrentamento da corrupção.
A responsabilização dos agentes públicos pela prática de atos ilícitos contra a
Administração Pública tem como principal suporte jurídico o texto constitucional. No
Capítulo VII, mais precisamente no art. 37, ficou estabelece que a administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá, entre outros preceitos, aos princípios da
legalidade, impessoalidade e moralidade. Mais adiante (§ 5º) ficou estabelecido que
os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,
na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em nível infraconstitucional, a Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 (antigo
Estatuto dos Funcionários Civis Públicos da União) dedicava um título inteiro ao
regime disciplinar. Trazia um rol de deveres e proibições a que se submetiam os
servidores públicos federais, previa a responsabilidade nas esferas administrativa,
civil e criminal, bem como as punições que poderiam ser impostas ao agente
transgressor, com destaque para a prisão administrativa, pelo prazo máximo de
noventa dias, imposta ao responsável por dinheiro e valores pertencentes à Fazenda
Nacional, ou que se acharem sob sua guarda, no caso de alcance ou omissão em
efetuar as entradas nos devidos prazos.
A Lei nº 1.711/52 foi revogada pelo atual Estatuto dos Servidores Públicos
Federais (Lei nº 8.112/90), que dedica um título inteiro ao regime disciplinar (artigos
116 a 142) e outro ao processo administrativo disciplinar (artigos 143 a 182).
Quase uma década após a aprovação da Lei nº 8.112/90 foi publicada uma lei
específica para a disciplina do processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal (Lei nº 9.784/99), cujo texto contempla procedimentos básicos de
natureza processual aplicados ao processo administrativo em geral, inserindo-se entre
estes o processo administrativo disciplinar previsto no estatuto dos servidores.
É oportuno deixar claro que a Lei nº 9.784 não revogou nenhum dispositivo
previsto em lei mais antiga que disciplina processo administrativo, de sorte que os
processos administrativos para os quais existem leis regulamentadoras específicas
continuarão por estas sendo disciplinados, como é o caso do processo administrativo
fiscal, que continuará sendo regido pela Lei nº 70.235/72. Portanto, trata-se de norma
a ser aplicação apenas na hipótese de ausência de legislação específica que trata do
processo administrativo ou, se houver, quando esta apresentar lacunas que a torne
insuficiente para regular o assunto.
Em junho de 1992 foi aprovada a denominada Lei de Improbidade
19

Administrativa (Lei nº 8.429/92), a qual contempla disposições afetas à


responsabilização civil de agentes públicos pela prática de atos de improbidade, bem
como estabelece algumas regras processuais aplicáveis ao processo administrativo em
geral. Como será visto no capítulo dedicado à improbidade administrativa, trata-se de
lei híbrida, pois a mesma traz disposições aplicáveis exclusivamente à esfera federal
e outras aplicáveis à União e aos demais entes da Federação.
Ademais disso, inúmeros outros instrumentos legais estabelecem regras,
deveres e proibições a serem observadas pelos agentes públicos. A título meramente
exemplificativo, menciona-se a Lei nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação, a
qual dedica um capítulo inteiro aos procedimentos de acesso à informação e outro à
responsabilidade administrativa dos agentes públicos e militares pela transgressão das
regras afetas ao exercício do direito de informação.
Em nível infralegal mencionamos o Decreto nº 1.171, de 22 de julho de 1994,
que instituiu o Código de Ética dos Servidores Civis do Poder Executivo Federal, em
cujo texto consta um rol de deveres e vedações a que se submetem os servidores
públicos. De acordo com o estabelecido pelo art. 2º do mencionado decreto, “Os
órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta
implementarão, em sessenta dias, as providências necessárias à plena vigência do
Código de Ética, inclusive mediante a Constituição da respectiva Comissão de Ética,
integrada por três servidores ou empregados titulares de cargo efetivo ou emprego
permanente”.
Inobstante referido decreto seja de observância obrigatória apenas pelos
servidores públicos civis do Poder Executivo Federal, nada impede que o Poder
Legislativo e o Judiciário submetam seus servidores aos preceitos estabelecidos pelo
Decreto nº 1.171/94. Na prática, via de regra cada órgão integrante desses poderes
elabora seu próprio código de ética por instrumentos normativo infralegal. Temos
assim, por exemplo, o Código de Ética dos Servidores do Supremo Tribunal Federal
– aprovado pela resolução nº 592, de 31 de agosto de 2016; o Código de Ética da
Magistratura – aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, do
dia 06 de agosto de 2008, e assim sucessivamente.
20

CAPÍTULO 2
RESPONSABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO

2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O termo “responsabilidade” apresenta múltiplos significados. Pode ser
utilizado como qualidade daquele que cumpre suas obrigações, para indicar a
condição daquele que assume um compromisso ou ainda no sentido de dever de se
responsabilizar pelo próprio comportamento. É nessa última acepção que utilizamos
a expressão “responsabilidade do servidor público”, dada a previsão legal de que o
mesmo responde pelos atos ilegais que porventura venha a cometer no exercício da
função pública.
Como será visto em tópico mais adiante, no exercício da função pública o
servidor se submete a deveres e proibições cujo descumprimento pode repercutir
simultaneamente nas esferas administrativa, cível e criminal. Significa dizer que pela
mesma conduta ilícita praticada no exercício do cargo ou função o servidor pode vir
a sofrer sanção de natureza disciplinar (responsabilidade administrativa), ser
compelido a reparar o dano causado pela conduta ilícita (responsabilidade civil) e ser
processado criminalmente (responsabilidade criminal).
As múltiplas responsabilidades gozam, em princípio, de independência uma da
outra, de modo que pode haver responsabilidade na esfera funcional sem que ocorra
conjuntamente a responsabilidade penal ou civil. Temos assim a denominada
independência das instâncias (administrativa, cível e criminal) abordada com mais
profundidade em tópico específico mais adiante.

Lei nº 8.112/90 - Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente


pelo exercício irregular de suas atribuições.

2.2 – RESPONSABILIDADE CIVIL


A responsabilidade cível do agente público decorre de ato omissivo ou
comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
Tratando-se de dano causado ao erário, cabe à Administração Pública promover a
apuração mediante a instauração de procedimento disciplinar, assegurando-se ao
servidor o exercício de todas as garantias inerentes ao contraditório e à ampla defesa.
21

Tratando-se de dano causado a terceiro, a obrigação de indenizar a vítima recai


sobre os cofres públicos, tendo em vista a submissão das pessoas jurídicas de direito
público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos ao
regime de responsabilidade objetiva. Nesse caso, compete à Administração Pública
promover a ação regressiva correspondente em desfavor do servidor que deu causa ao
dano. Significa que o particular que sofreu o dano causado pelo servidor deverá
ingressar com a ação de indenização em face do ente público, e não contra o agente
que, nessa qualidade, foi o responsável pelo dano.
Diante da consagração no texto constitucional da responsabilidade subjetiva
do agente público, o ressarcimento do dano causado ao erário somente ocorre quando
restar comprovado que a conduta do servidor da qual resultou o dano ocorreu a título
de dolo ou culpa. Além disso, há que restar demonstrada a relação de causalidade entre
a sua conduta comissiva ou omissiva e o resultado causador do prejuízo. Na ausência
de um dos elementos subjetivo da conduta (dolo ou culpa), ou da relação de
causalidade entre a conduta e o resultado danoso, não há falar em responsabilidade do
agente público.
O ressarcimento do dano aos cofres públicos pode ser viabilizado mediante a
instauração do procedimento administrativo específico denominado Tomada de
Contas Especial – TCE, que atualmente é regulada por normativos infralegais. Pode
ainda a Administração Pública optar por ingressar na via judicial mediante o
ajuizamento de ação de improbidade administrativa ou manejar a ação de execução
fiscal de que trata a Lei nº 6.830/1980.
Nada obstante a Lei nº 8.112/90 seja omissa quanto ao assunto, há consenso
entre os operadores do direito quanto à repercussão da condenação cível na esfera
disciplinar, a depender das circunstâncias fáticas. Em 16/10/2014, no julgamento do
recurso especial 1.251.621-AM, tendo como relatora a Ministra Laurita Vaz,
prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo o qual é possível,
no âmbito de ação civil pública de improbidade administrativa, a condenação de
membro do Ministério Público à pena de perda da função pública prevista no art. 12
da Lei 8.429/1992.

Lei nº 8.112/90
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou
culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
Constituição Federal
Art. 37 [...]
[...]
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
22

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.

2.3 – RESPONSABILIDADE PENAL


A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções penais praticados
pelo servidor público no exercício da função que exerce, ou em situações que tenham
relação com a mesma. A punição do servidor nessa esfera do direito foge do alcance
da Administração Pública, devendo a persecução penal ficar a cargo da polícia
judiciária (fase de investigação), cabendo ao Ministério Público o oferecimento da
denúncia (se for o caso) e ao Poder Judiciário decidir conclusivamente sobre
responsabilização ou inocência do agente.
Para fins de responsabilização criminal, o art. 327 do Código Penal traz um
conceito de servidor público bastante abrangente, abarcando além dos agentes que
mantém vínculo funcional com a Administração Pública, todo aquele que “embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
Ademais disso, o parágrafo 1º do mesmo artigo equipara a funcionário público para
fins penais “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem
trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a
execução de atividade típica da Administração Pública”.
É pertinente acrescentar, ainda, que a condenação penal poderá repercutir na
vida funcional do servidor mesmo que a infração imputada ao mesmo não configurar
ilícito administrativo. Isso decorre da previsão contida no art. 92 do Código Penal, no
qual constam como efeitos da condenação penal, entre outros, a perda de cargo, função
pública ou mandato eletivo nas seguintes situações:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a
um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública; e
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro
anos nos demais casos.
É relevante deixar claro que a perda do cargo ou função pública na forma
prevista pelo art. 92 do Código Penal deverá constar de forma expressa na sentença
penal condenatória, pouco importando se a punição decorreu de crime com
repercussão na esfera administrativa ou não. No caso de condenação por crime que
também configura ilícito disciplinar, a omissão do magistrado quanto à perda do cargo
ou função pública implica a necessidade de instauração do correspondente processo
administrativo disciplinar, assegurando-se ao servidor investigado o exercício de
todas as prerrogativas inerentes ao contraditório e ampla defesa.
23

Podemos assim sintetizar os efeitos disciplinares da sentença penal


condenatória:
Condenação por crime sem repercussão na esfera disciplinar – a perda do cargo
ou função pública somente ocorre se o magistrado declarar de forma expressa na
sentença, funcionando a Administração Pública como uma mera executora da ordem
judicial.
Condenação por crime com repercussão na esfera disciplinar – a perda do cargo
ou função pública também deverá constar da sentença penal condenatória. Em caso
contrária, faz-se necessária a instauração de processo administrativo disciplinar,
assegurando-se ao investigado o direito ao contraditório.
Ao elencar o rol das situações em que a condenação criminal implica a perda
do cargo, função pública ou cargo eletivo, o art. 92 do Código Penal foi taxativo,
restringindo o alcance dos efeitos da condenação apenas aos cargos, funções públicas
e mandato eletivo. Nessa linha de raciocínio, dada a impossibilidade de utilização da
analogia in malam partem em matéria de punição, não pode a Administração
promover a cassação da aposentadoria do servidor com fundamento apenas na
sentença condenatória transitada em julgado. Para que isso ocorra (cassação da
aposentadoria), faz-se necessário a instauração de processo disciplinar, com a
observância de todas as garantias processuais que lhes são inerentes.

Lei nº 8.112/90
Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao
servidor, nessa qualidade.
Código Penal
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)
anos nos demais casos.

2.4 – RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA


A responsabilização na esfera administrativa decorre do descumprimento dos
deveres e proibições enumerados respectivamente pelos artigos 116 e 117 da Lei nº
8.112/90, bem como da prática de outros ilícitos administrativos previstos em outros
instrumentos normativos, como são exemplos a Lei nº 8.429/92 – que dispõe sobre os
24

atos de Improbidade Administrativa e a Lei nº 8.666/93, que institui normas para


licitações e contratos da Administração Pública, entre outros.
Ao contrário do que ocorre na seara penal, onde os tipos incriminadores (via
de regras) são pautados pelo princípio da taxatividade ou determinação, ou seja, os
tipos são fechados a ponto de permitir de imediato a identificação dos limites entre o
lícito e o ilícito, na esfera administrativa o legislador se limitou a definir,
genericamente, os deveres e proibições que deverão ser obedecidas pelos agentes
públicos, estabelecendo sanções que deverão ser aplicadas no caso de desobediência.
Dito em outras palavras, na esfera administrativa não há uma descrição da conduta
proibida, e sim um elenco de deveres e proibições, cujo descumprimento enseja a
imposição da penalidade correspondente.
Além disso, o legislador se valeu de uma técnica legislativa pouco apropriada
quando se trata de norma punitiva, ao abusar do uso de conceitos jurídicos
indeterminados (expressões ambíguas e genéricas) na descrição dos deveres e
proibições, em flagrante desprestígio ao princípio da legalidade, sob o prisma da
taxatividade. Não nos parece razoável estabelecer como causa de punição com a pena
capital (demissão) condutas com descrições ambíguas, genéricas e imprecisas, como
são exemplos a insubordinação grave (art. 132, VI) e a incontinência pública e conduta
escandalosa (art. 132, V). A lei não define qual o parâmetro que a administração
utilizará para definir que a insubordinação é grave ou leve; ou para definir que a
conduta é escandalosa.
Após elencar um rol de deveres a serem observados pelos servidores públicos
(art.116), as proibições (art. 117) e penalidades (art. 127) a Lei n 8.112/90 estabeleceu
no art. 143 que ”a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público
é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo
administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. Pelo que se infere
do texto acima transcrito, trata-se de um poder/dever legalmente imposto à autoridade
competente, não dispondo a mesma de nenhuma margem de discricionariedade no
tocante ao exercício desse encargo imposto pela lei. Essa obrigação fica ainda mais
clara diante do comando contido no § 2º do art. 169 do estatuto dos servidores,
segundo o qual a autoridade julgadora que der causa à prescrição será responsabilizada
na norma prevista no Capítulo IV do Título IV, do mesmo diploma legal.
Como será visto em tópico mais adiante, a Administração Pública dispões de
procedimentos específicos para a apuração de responsabilidade funcional de seus
servidores, assegurando-se sempre ao investigado o exercício das prerrogativas
inerentes ao contraditório e à ampla defesa.

2.5 – INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS


Salvo as exceções previstas em lei, o nosso ordenamento jurídico prestigia o
postulado da independência das instâncias administrativa, cível e criminal, de sorte
25

que pela mesma conduta ilícita o agente público poderá responder nas três esferas.
Disso resulta que, via de regra, a condenação ou absolvição do agente público na
esfera criminal ou civil não repercutirá necessariamente na esfera administrativa.
Em síntese, da independência das instâncias decorrem as seguintes
consequências: a) a absolvição ou condenação na esfera cível ou criminal, via de
regra, não vincula a administrativa; b) pela mesma conduta ilícita o servidor pode ser
penalizado nas três esferas – administrativa, civil e criminal; e c) a instauração de
procedimento investigativo em qualquer das três esferas não fica condicionada à
apuração nas demais esferas do direito.
As exceções a esta regra foram previstas pelo art. 126 da Lei nº 8.112/90,
segundo o qual a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de
absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. Significa dizer que
a decisão na esfera criminal vincula a decisão na esfera disciplinar quando restar
comprovado que: a) o fato não ocorreu; ou, b) se ocorreu, o agente não foi o autor.
Visando facilitar a compreensão, vamos utilizar um exemplo hipotético: o
servidor “A” responde a processo administrativo disciplinar por suposta fraude em
processo licitatório (valimento do cargo) e, concomitantemente, responde a processo
criminal pela prática do crime previsto pelo art. 90 da Lei nº 8.666/93 (frustrar ou
fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para
outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação). Suponhamos
ainda que ao final da ação penal chega-se à conclusão de que o suposto ilícito foi
praticado pelo servidor “B”, e não por “A”. Nesta situação hipotética, o servidor “A”
deverá ser inocentado no processo disciplinar, por restar configurada uma das
hipóteses em que a decisão na esfera criminal vincula a esfera disciplinar – negativa
de autoria. O mesmo ocorreria se a conclusão da investigação criminal comprovasse
que não houve fraude licitatório – negativa de ocorrência do fato.
Em nosso opinião, ao contrário sensu, se a conclusão da ação penal fosse
desfavorável ao agente “A”, ou seja, se restasse comprovado que o servidor de fato,
praticou o delito licitatório, não haveria mais nada a ser questionado na esfera
disciplinar, prevalecendo a decisão criminal. O raciocínio nos parece óbvio. Se na
ação penal, com todos os recursos postos à disposição do juiz e do representante do
Ministério Público, concluiu-se pela culpabilidade do servidor, não nos parece
razoável admitir que a comissão processante, dispondo de limitados recursos
investigativos, possa chegar a uma conclusão diametralmente oposta.
A independência das instâncias significa, ainda, que a instauração de
procedimento investigativo disciplinar visando apurar infração funcional não pode
ficar na dependência do ajuizamento da ação correspondente nas esferas cível ou
criminal, quando a infração praticada pelo agente repercutir nas três esferas. A
observância dessa regra é de salutar importância, notadamente diante da constatação
26

de que os processos criminais, via de regra, se arrastam por anos sem uma decisão
definitiva, muitas vezes se revelando inúteis em razão da prescrição da pretensão
punitiva.
Essa mesma lógica é obedecida na área cível no que diz respeito à ação de
reparação de danos causados pelo crime. Nada obstante com o trânsito em julgado da
sentença criminal condenatória não caber mais discussão sobre a responsabilidade
cível, eis que esta fica vinculada à decisão proferida na esfera criminal, conforme se
extrai do art. 935 do Código Civil, a existência de decisão penal condenatória não
constitui requisito para o ajuizamento da correspondente ação cível. Dito em outras
palavras, o manejo de ação cível de reparação dos danos causados pelo crime
independe do andamento da correspondente ação na seara criminal.
O mesmo vale para o processo administrativo disciplinar. Não pode a
Administração deixar de apurar a infração disciplinar com repercussão na esfera cível
ou criminal a pretexto de aguardar a conclusão da apuração em qualquer dessas
esferas, sob pena de excessiva vulneração do postulado da independência das
instâncias.
A despeito de não constar de forma expressa na lei, quando se tratar de infração
disciplinar também capitulada como crime, a extinção da pretensão punitiva ou
executória pela prescrição na seara criminal vincula a administração. O tema será
abordado com mais profundidade no capítulo que trata da prescrição disciplinar.

2.5.1 – INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS DECISÕES DO TRIBUNAL DE


CONTAS DA UNIÃO
O Tribunal de Contas da União - TCU é um tribunal administrativo, a quem a
Constituição Federal de 1988 atribuiu a missão de julgar as contas dos
administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
federais, bem como as contas de qualquer pessoa que der causa a perda, extravio ou
outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário federal.
Nada obstante a jurisdição do TCU abranger todo o território nacional, a sua
atuação fica restrita aos recursos federais, ficando a fiscalização dos recursos
estaduais e municipais a cargo dos Tribunais de Contas dos Estados ou dos Tribunais
de Contas dos Municípios, quando houver.
Um dos instrumentos (entre vários) utilizados pelo Tribunal de Contas da
União para apurar responsabilidade dos gestores por ocorrência de dano à
Administração Pública Federal é a tomada de constas especial. Nos autos desse tipo
de processo o TCU faz um julgamento de natureza técnico administrativa, quanto aos
aspectos da legalidade, legitimidade e economicidade, não adentrando no mérito de
infrações disciplinares porventura cometidas pelo agente. Nessa linha de raciocínio, o
fato de as constas de determinado gestor terem sido julgadas regulares não significa
um atestado de que o mesmo não cometeu infração de natureza disciplinar. A recíproca
27

também é verdadeira, ou seja, o fato de o gestor ter sido punido disciplinarmente não
implica a rejeição de suas contas pelo Tribunal de Contas.
Não são raras as vezes que patronos de acusados em processo administrativo
disciplinar peticionam perante a administração requerendo o arquivamento das
investigações sob a alegação de que as contas do cliente foram julgadas regulares pelo
Tribunal de Contas, que do inquérito policial não resultou oferecimento de denúncia,
que a ação civil de improbidade administrativa foi arquivada, etc. Tudo em vão, pois
a apuração de infrações funcionais goza de autonomia em relação aos demais
procedimentos, salvo no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato
ou sua autoria.
Nada obstante a prevalência da independência das instâncias, há precedente no
Poder Judiciário admitindo a vinculação a ação penal à decisão proferida em processo
de tomada de contas. Nos autos do HC 88.370-RS, tendo como relator o Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 2008, o Superior Tribunal de Justiça
concedeu a ordem para trancar a ação penal referente a suposta dispensa ilícita de
licitação para compra de combustível, cuja ilicitude foi afastada em processo de
tomada de contas instaurado pelo Tribunal de Contas do respectivo estado. O
trancamento da ação penal teve como fundamento o fato de o objeto da persecução
penal ser o mesmo do processo de tomada de contas, julgada regular pela Corte de
Contas. Em síntese, temos aqui o inverso do estabelecido pelo art. 126 da Lei nº
8.112/90, ou seja, a decisão na esfera administrativa afastando a responsabilidade
criminal pela negativa da existência do fato.
Mais recentemente a Advocacia Geral da União - AGU aprovou o Parecer
Vinculante nº GQ-55, segundo o qual a decisão do Tribunal de Contas da União,
adotada em vista de sua função institucional, repercute na ação disciplinar dos órgãos
e entidades integrantes da Administração Pública na hipótese em que venha negar
especialmente a existência do fato ou a autoria. Ainda segundo a AGU, o julgamento
da regularidade das contas, por si só, não indica a falta de tipificação de infração
administrativa (ratificando o que falamos antes).

Lei nº 8.112/90
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo
independentes entre si.
Lei nº 8.112/90
A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição
criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
Código Civil
28

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Parecer GQ-55 da AGU, de 30 de janeiro de 1995, vinculante: Contraditório, ampla
defesa, prescrição e consequências do julgamento da regularidade de contas pelo
Tribunal de Contas da União no processo administrativo disciplinar. (...) 29. A
decisão do TCU, adotada em vista de sua função institucional, repercute na ação
disciplinar dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública na hipótese
em que venha negar especialmente a existência do fato ou a autoria. 30. O
julgamento da regularidade das contas, por si só, não indica a falta de tipificação
de infração administrativa (...).
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
EMENTA
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. USURPAÇÃO
DE COMPETÊNCIA. DISSÍDIO PREJUDICADO. REVALORAÇÃO DE PROVA.
IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE SUMULAR N. 7/STJ. INDEPENDÊNCIA DAS
INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA, CÍVEL E CRIMINAL. REDUÇÃO DA MULTA
CIVIL.
REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. AGRAVO
CONHECIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL.
[...]
VI - Oportuno recordar que o caput do art. 12 da Lei n. 8.429/92 consagra a
independência das instâncias administrativa, cível e criminal, somente se
verificando vinculação quando negada a existência do fato ou da autoria pelo juízo
criminal.
[...]

2.6 – SUJEITOS DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR


São as pessoas envolvidas de alguma forma com a infração disciplinar, seja na
condição de autor, coautor, partícipe ou vítima da conduta ilícita. Esses sujeitos podem
figurar no polo ativo (quem pratica a infração) ou no polo passivo (vítima da conduta
ilícita).

2.6.1 – SUJEITO ATIVO


É a pessoa que viola a norma proibitiva, seja na condição de autor, coautor ou
partícipe. Como visto em tópico pretérito, o direito administrativo disciplinar é o
instrumento posto à disposição dos órgãos e entidades estatais para disciplinar as
29

relações com o seu corpo funcional, mediante o estabelecimento de deveres e


proibições a serem observados, a previsão de penas a serem aplicadas e dos
mecanismos de apuração. Partindo-se dessa premissa, é intuitivo concluir que podem
ser sujeitos ativos da infração disciplinar todos os agentes públicos administrativos
que se vinculam aos órgãos e entidades estatais por relação profissional remunerada e
hierarquizada. Essa abrangência subjetiva é bem mais restrita se comparada com o
conceito de funcionário público para fins penais prevista pelo art. 327 do Código
Penal, visto antes.
Agente público administrativo é o gênero do qual fazem parte as seguintes
espécies: a) funcionários públicos; b) empregados públicos; e c) servidores
temporários.
Funcionários públicos - são todos os agentes vinculados ao Estado por regime
estatutário, no caso a Lei nº 8.112/90. Ocupam cargos públicos e as suas relações com
a Administração Pública são regidas pelo direito público. O regime disciplinar dessa
categoria de servidor foi disciplinado pelos artigos 116 a 182 da Lei nº 8.112/90.
Empregados públicos - são aqueles que mantém vínculo com o Estado por
meio de regime contratual – Consolidação das Leis Trabalhistas. Não ocupam cargos
públicos (são ocupantes de emprego público) atuam sob orientação do direito privado.
Dada a inexistência de normativo que regulamente os procedimentos a serem
obedecidos na apuração de responsabilidades funcionais dos empregados públicos, foi
convencionado na praxe administrativa a utilização, por analogia, dos procedimentos
estabelecidos pela Lei nº 8.112/90, com as devidas adaptações.
Empregados temporários - são aqueles que mantém vínculo com a
Administração Pública por tempo determinado, contratados mediante processo
seletivo simplificado. Não ocupam nem cargo nem emprego público, mantendo com
o Estado apenas um vínculo contratual. A contratação dessa categoria de agente
encontra suporte jurídico na Lei nº 8.745/93, em cujo texto ficou expresso que as
infrações disciplinares atribuídas aos referidos agentes devem ser apuradas mediante
sindicância, concluída no prazo de até 30 (trinta) dias e assegurada ao agente
investigado o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 10). Infere-se daí que a
apuração de responsabilidade funcional dos empregados temporários obedece a rito
próprio, não se aplicando as disposições da Lei nº 8.112/90.
Nada obstante isso, alguns dispositivos da Lei nº 8.112/90 também são
aplicados aos empregados temporários, conforme se extrai da redação do artigo 11 da
Lei nº 8.745/93, transcrito abaixo:
Art. 11. Aplica-se ao pessoal contratado nos termos desta lei o disposto
nos arts. 53 e 54; 57 a 59; 63 a 80; 97; 104 a 109; 110, incisos, I, in fine ,
e II, parágrafo único, a 115; 116, incisos I a V, alíneas a e c, VI a XII e
parágrafo único; 117, incisos I a VI e IX a XVIII; 118 a 126; 127, incisos
30

I, II e III, a 132, incisos I a VII, e IX a XIII; 136 a 142, incisos I, primeira


parte, a III, e §§ 1º a 4º; 236; 238 a 242, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro
de 1990.

2.6.2 – SUJEITO PASSIVO


Sujeito passivo de qualquer infração é o titular do bem jurídico tutelado pela
norma jurídica incriminadora. Na esfera disciplinar é o órgão ou entidade pública
vítima da infração disciplinar praticada pelo agente que mantém com a Administração
Pública relação profissional remunerada. Ainda que de forma indireta, também
figuram como sujeitos passivos da infração funcional os cidadãos, na condição de
legítimos destinatários dos serviços prestados pelo Estado.
Na esfera criminal os doutrinadores (Guilherme Nucci, por exemplo)
classificam o sujeito passivo em duas categorias: a) sujeito passivo formal - é o titular
do interesse jurídico de punir, surgida com a prática da infração penal e b) sujeito
passivo material ou eventual -é o titular do bem jurídico diretamente lesado pela
conduta do agente. Podem repetir-se na mesma pessoa o sujeito passivo formal e o
material. O Direito Administrativo Disciplinar não admite essa subdivisão, eis que
tanto o bem jurídico atingido pela transgressão funcional como o interesse de punir o
agente infrator pertencem à Administração Pública.

2.7 – ABRANGÊNCIA OBJETIVA


O art. 148 do Estatuto dos Servidores preconiza que “o processo disciplinar é
o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração
praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições
do cargo em que se encontre investido”. Infere-se do texto acima que transgressão
disciplinar é toda conduta do servidor que, no âmbito de suas atribuições legais ou no
exercício de tarefas que tenha relação com as mesmas, contraria princípios, deveres e
proibições previstos em lei. O termo “lei” aqui é empregado em sua acepção mais
abrangente, inserindo-se nesse rol tanto a lei em sentido estrito como normativos
infralegais, tais como decretos, instruções normativas, portarias, etc.

2.7.1 – ATOS DA VIDA PRIVADA


A presença da expressão restritiva “que tenha relação com as atribuições do
cargo em que se encontre investido” contida na redação do art. 148 da Lei nº 8.112/90
deu margem ao surgimento de controvérsias entre os operadores do direito acerca do
alcance da punição disciplinar aos atos da vida privada que, direta ou indiretamente,
tenham a aptidão para atingir de forma negativa a imagem da Administração Pública.
Há aqueles que defendem a tese de que a punição disciplinar para ser legítima
o ato ilícito que lhe deu causa deverá necessariamente ter relação com o cargo ou
função que exerce. Para os adeptos dessa corrente, a punição incide sobre a conduta
do agente, e não sobre os reflexos da mesma. Por outro lado, existe outra corrente
31

doutrinária que defende a punição disciplinar por atos da vida privada, bastando que
os mesmos tenham a potencial capacidade para macular a imagem da Administração
Pública perante a sociedade.
Para José Armando da Costa, transgressão disciplinar é o “proceder anômalo,
interno ou externo, do agente público que, além de pôr em descrédito a
administração, redunda em detrimento da regularidade do serviço público”. Ainda de
acordo com o eminente administrativista, para a configuração do ilícito disciplinar é
indiferente o fato de a transgressão ter ocorrido no ambiente interno ou externo à
repartição, bastando que a mesma tenha a aptidão para macular a imagem da
Administração Pública perante a sociedade.
Em nosso modo de ver, o entendimento de José Armando da Costa é o que
mais se harmoniza com os princípios que norteiam a atuação do agente público. Não
nos parece razoável admitir que a pessoa que atua em nome do Estado, de quem se
espera uma conduta exemplar, pratique conduta reprovável do ponto de vista social,
repercutindo negativamente na imagem da Administração Pública, fique impune
apenas porque o fato ocorreu no âmbito da vida privada. Corrobora esse entendimento
o fato de o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo, aprovado
pelo Decreto nº 1.171/94, ter estabelecido entre as regras deontológicas aquela
segundo a qual “A função pública deve ser tida como exercício profissional e,
portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e
atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou
diminuir o seu bom conceito na vida funcional”. Como dito em tópico pretérito, nada
obstante referido decreto seja de observância obrigatória apenas no âmbito do Poder
Executivo Federal, nada impede que as demais esferas (Poderes Judiciário e
Legislativo) os adotem como obrigatório ao seu corpo funcional.
Para reforçar nosso entendimento, imagine a situação em que um agente
administrativo pratica a exploração sexual de menores fora do ambiente do trabalho e
em circunstâncias que não guardam nenhuma relação com o cargo que exerce. Em
nosso modo de pensar, a despeito da total desvinculação do ato com as atribuições do
cargo, a legitimidade da punição na esfera disciplinar nos parece inquestionável, ainda
que não haja persecução penal. É incontroverso que ato de tamanha rejeição social
inevitavelmente atingirá negativamente a confiança depositada pela sociedade nos
órgãos estatais. Nessa situação hipotética apresentada, não nos parece razoável a
Administração se manter inerte, não punindo disciplinarmente o agente pelo simples
fato de a conduta ter ocorrido fora do ambiente de trabalho.

Lei nº 8.112/90
Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar
responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas
atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre
32

investido.
Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo
Federal.
Das Regras Deontológicas
[…]
VI - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se
integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos
verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou
diminuir o seu bom conceito na vida funcional.
Das Vedações ao Servidor Público
XV - E vedado ao servidor público;
[…]
n) apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente;
33

CAPÍTULO 3
PENALIDADES DISCIPLINARES

3.1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS


Em qualquer ramo do direito punitivo, pena é a sanção imposta pelo titular do
direito de punir, como consequência da infração praticada. Na esfera disciplinar é a
sanção imposta pela Administração Pública ao servidor em razão de o mesmo ter
cometido transgressão funcional no exercício de suas atribuições, ou em situação que
tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.
O Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90) enumera no art.
127 seis espécies de penalidades disciplinares. São elas: 1) advertência; 2) suspensão;
3) demissão; 4) cassação de aposentadoria e disponibilidade; 5) destituição de cargo
em comissão; e 6) destituição de função comissionada.
De acordo com o art. 141 do mesmo diploma legal, referidas penalidades
podem ser aplicadas:
• Pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder
Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando
se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor
vinculado ao respectivo Poder, órgão ou entidade;
• Pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas
mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta)
dias;
• Pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos
regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30
(trinta) dias;
• Pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição
de cargo em comissão.
Trata-se de ato vinculado, não dispondo as autoridades acima mencionadas de
34

margem de discricionariedade na valoração da oportunidade e conveniência da


aplicação da pena. Nessa linha de raciocínio, uma vez comprovada a prática de ilícito
disciplinar em processo de apuração no qual o investigado exerceu o contraditório e a
ampla defesa, deve a autoridade competente impor a pena correspondente, sob pena
de também ser responsabilizado disciplinarmente. Via de regra a gradação da pena
também é vinculada, não comportando abrandamento, dada a natureza imperativa dos
dispositivos que disciplina o assunto.

3.2 - ADVERTÊNCIA
Entre as sanções disciplinares previstas no Estatuto dos Servidores Públicos
Federais é a mais branda e é aplicada nos casos de violação de proibição constante do
art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais
grave (Art. 129 da Lei 8.112/90). Por imposição legal, deverá ser aplicada por escrito,
com a respectiva anotação nos assentamentos funcionais do servidor punido.
Observem que a lei fala em “inobservância de dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna”, o que nos permite inferir que a aplicação da
advertência não se restringe às transgressões tipificadas pela Lei nº 8.112/90,
abarcando infrações previstas em qualquer instrumento normativo infralegal, como é
o caso de portaria e instrução normativa, bastando que estes instrumentos normativos
imponha um dever funcional a ser observado e este venha a ser descumprido pelo
servidor.
A penalidade de advertência terá seu registro cancelado, após o decurso de três
anos de efetivo exercício, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova
infração disciplinar (art. 131 da Lei nº 8.112/90). Nada obstante o silêncio da lei,
entendemos que o cancelamento do registro da punição pelo decurso de três anos
implica a retirada de qualquer informação relacionada à punição na ficha funcional do
servidor. Após o transcurso dos três anos todos os registros mantidos em bancos de
dados pela Administração Pública deverão ser apagados, sob pena de ser tornar inócua
o imperativo legal.
A pena de advertência é destinada apenas aos servidores que ainda se
encontram em atividade, não incidindo sobre o agente aposentado que não mais exerce
função pública, ainda que a infração tenha sido praticada na atividade. Como será
visto em tópico mais adiante, a instauração de procedimento disciplinar em desfavor
do aposentado tem cabimento exclusivamente quando se tratar de infração punida com
a demissão, caso ainda estivesse na atividade.

3.4 - SUSPENSÃO
Segundo o disposto pelo art. 130 da Lei nº 8.112/90, a pena de suspensão será
aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das
demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão. Pelo
35

que se extrai do texto legal, a conduta punida com suspensão é identificada por
exclusão, se não couber a advertência nem a demissão será o caso de suspensão. A
pena consiste no afastamento compulsório do servidor de suas funções por um período
que varia de um a noventa dias, salvo no caso de recusa injustificada de submissão a
inspeção médica determinada pela autoridade competente, hipótese em que o período
máximo de suspensão será de quinze dias.
A lei nada diz a respeito do critério de contagem do prazo de suspensão, se
abrange apenas os dias úteis ou dias corridos, nem tampouco estabelece restrição
quanto à coincidência da punição (ou não) com feriados e finais de semana. Diante do
silêncio da lei, embora não seja razoável, nada impede que a autoridade julgadora
suspenda o servidor em dia que não há expediente na repartição. Nesse caso, o único
efeito prático da reprimenda será o desconto na remuneração do servidor.

3.4.1 – CONVERSÃO DA SUSPENSÃO EM MULTA


Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá
ser convertida em multa correspondente à metade dos vencimentos do servidor,
ficando o mesmo obrigado a permanecer no serviço. Em outras palavras, o servidor
punido permanece prestando serviço normalmente e arca com o desconto de 50% dos
seus vencimentos. É importante deixar claro que tal medida independe da vontade do
servidor apenado, nem tampouco fica ao livre arbítrio da autoridade julgadora. O
requisito imposto pela lei é exclusivamente a conveniência para o serviço. É o que
ocorre, por exemplo, quando a repartição não dispõe de outro servidor apto a substituir
o punido ou quando a ausência deste comprometer o bom andamento dos serviços.

Assim como ocorre com a advertência, a penalidade de suspensão terá seu


registro cancelado, após o decurso de cinco anos de efetivo exercício se o servidor
não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar (art. 131 da Lei nº
8.112/90). Nada obstante o silêncio da lei, o cancelamento implica a retirada de
qualquer informação relacionada à punição na ficha funcional do servidor e nos
bancos de dados da Administração Pública, sob pena de o comando legal se tornar
inócuo. O termo “registro” foi utilizado pelo legislador em sua acepção mais
abrangente, incluindo qualquer tipo de informação que permita, ainda que
indiretamente, identificar a punição imposta ao servidor.

3.5 - DEMISSÃO
Para facilitar a compreensão do assunto, preliminarmente faz-se necessário
traçar as diferenças entre os institutos da demissão e exoneração.

A demissão tem natureza punitiva e é cabível nos casos em que o servidor for
ocupante de cargo efetivo e pratica qualquer das infrações passíveis de imposição
dessa espécie de pena (art. 132 da Lei nº 8.112/90). Não existe a figura da demissão a
pedido, como muitos advogam. Por sua vez, a exoneração não tem caráter punitivo é
36

ocorre nas seguintes situações: 1) quando se tratar de servidor ocupante de cargo


efetivo: a) a pedido do interessado; b) de ofício, quando não satisfeitas as condições
do estágio probatório; e c) quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em
exercício no prazo estabelecido. Tratando-se de servidor ocupante de cargo em
comissão ou função comissionada, a exoneração pode ocorrer de duas formas: a) a
pedido do interessado; ou b) ex ofício pela autoridade competente, sendo que em
ambas as hipóteses a medida independe de motivação.
A demissão implica a perda do cargo com o consequente afastamento
definitivo do servidor dos quadros da Administração Pública. Trata-se de uma pena
de extrema gravidade, pois as consequências dela advindas não atingem
exclusivamente o servidor punido. Por implicar a perda do cargo e, consequentemente,
da remuneração, toda a família acaba indiretamente penalizada. A depender do caso,
pode ser mais grave que a pena de reclusão aplicada no caso de condenação na esfera
criminal, pois nem sempre o recolhimento à prisão implica deixar de receber
remuneração. Como se não bastasse, por força do disposto pelo parágrafo único do
art. 137 da Lei nº 8.112/90, “não poderá retornar ao serviço público federal o servidor
que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência ao art. 142,
Incisos I, IV, VII, X e XI”. Na essência, trata-se de uma pena de natureza perpétua.

3.5.1 – PONTOS CONTROVERTIDOS SOBRE A PENA DE DEMISSÃO


Como é sabido, a demissão é a pena aplicada exclusivamente aos ocupantes de
cargo de natureza efetiva. A pena correspondente para os não ocupantes de cargo
efetivo é a destituição do cargo em comissão. Na situação em que no ato da imposição
da pena o ocupante de cargo em comissão já tenha sido exonerado, de ofício pela
autoridade competente ou a pedido, a exoneração (que não é pena) será convertida na
pena de destituição do cargo em comissão. Ao que tudo indica, ao determinar a
conversão da exoneração em destituição do cargo em comissão, a intenção do
legislador foi viabilizar a punição do servidor ainda que o mesmo não mantenha mais
vínculo com a Administração Pública.
Todavia, a lei foi omissa quanto ao tratamento a ser dado na situação em que o
servidor ocupante de cargo efetivo pede exoneração do cargo antes da instauração do
processo administrativo disciplinar. Ou seja, quando em razão da exoneração o
servidor não mantém mais qualquer vínculo com a Administração.
Como é sabido, a conversão da exoneração em destituição do cargo em
comissão se aplica exclusivamente aos casos em que o afastamento do servidor se deu
a pedido ou de ofício pela autoridade competente, não alcançando os casos de
exoneração voluntária do cargo efetivo. Nessa linha de raciocínio, dada a
impossibilidade de utilização da analogia in malam partem em matéria punitiva, a
exoneração voluntária do servidor ocupante de cargo efetivo antes da instauração do
procedimento disciplinar funciona como causa sui generis de extinção da
punibilidade.
37

O mesmo se verifica no caso em que o servidor é exonerado de ofício pela


administração, por não ter entrado em exercício no prazo legal de quinze dias. Como
sabemos, a lei define o processo disciplinar como sendo o instrumento destinado a
apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas
atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre
investido. A investidura no cargo ocorre com a posse, ainda que o servidor não entre
em exercício. Nessa linha de ideia, nada impede que o agente cometa infração
disciplinar entre a data da posse e a data limite para entrar em exercício. Assim como
ocorre no caso da exoneração voluntária do cargo efetivo, a lei foi omissa quanto ao
tratamento a ser dado na situação em que o servidor toma posse, pratica a infração e
é exonerado de ofício por não entrar em exercício no prazo legal.
Não vale aqui a tese de que o fato de o agente não ter entrado em exercício
impossibilita o mesmo de praticar infração disciplinar, pois a lei diz “infração
praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições
do cargo em que se encontre investido”, sugerindo que a entrada em exercício não é
condição imprescindível para o cometimento de infração disciplinar.
Diante da omissão da lei nº 8.112/90, temos a seguinte situação:
Cargo em comissão
Exonerado a pedido do interessado - no caso de punição disciplinar após o
afastamento, o ato de exoneração será convertido na pena de destituição do
cargo em comissão (Art. 135, Parágrafo único).
Exonerado de ofício pela autoridade competente - no caso de punição
disciplinar após o afastamento, o ato de exoneração será convertido na pena
de destituição do cargo em comissão (Art. 135, Parágrafo único).
Cargo efetivo
Exoneração de ofício, por não satisfação das condições do estágio probatório
- no caso de punição disciplinar após o afastamento, o ato de exoneração será
convertido na pena de demissão (Art. 172, Parágrafo único).
Exonerado a pedido do servidor – no caso de punição disciplinar após o
afastamento, o ato de exoneração não pode ser alterado, por ausência de
previsão legal.
Exoneração de ofício, por não tomar posse no prazo legal - no caso de punição
disciplinar após o afastamento, o ato de exoneração não pode ser alterado, por
ausência de previsão legal.

3.6 – CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE


É a penalidade aplicada em decorrência da prática de infração funcional por
servidor aposentado quando ainda se encontrava na atividade, mas apurada apenas
após a vacância do cargo. Em síntese, o agente comete a infração na condição de
38

servidor público, mas, por alguma razão, a administração somente promove a


apuração após o advento da vacância do cargo pela aposentadoria do servidor faltoso.
Não cabe a pena de demissão porque o agente não mais ocupa cargo público
(houve vacância do cargo). É por tal motivo que o art. 172 da Lei nº 8.112/90
preconiza que “o servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser
exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo
e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada”. A intenção do legislador foi manter
o servidor investigado no cargo até a conclusão do processo, viabilizando dessa forma
a aplicação de eventual pena de demissão.
A presença do termo “voluntariamente” na redação do artigo indica que a
vedação não se aplica quando se tratar de aposentadoria compulsória. Nesse caso, uma
vez completados os setenta e cinco anos de idade a aposentadoria do servidor será
concedida de ofício pela administração, ainda que o mesmo se encontre respondendo
a processo administrativo disciplinar.
Nada obstante a lei não tenta previsto exceção a essa regra, a doutrina mais
atualizada (e a jurisprudência) vem flexibilizando a proibição, admitindo a exoneração
bem como a aposentadoria voluntária após o transcurso do prazo legal de cento e
quarenta dias para a conclusão do processo administrativo disciplinar (sessenta do
prazo original, sessenta de prorrogação, mais vinte dias para o julgamento). Com esse
entendimento, ultrapassados cento e quarenta dias da instauração do processo
administrativo disciplinar não pode a administração indeferir pedido de exoneração
ou aposentadoria com fundamento no art.172 da Lei nº 8.112/90.

3.6.1 – TEMA PARA REXLEXÃO SOBRE A APLICAÇÃO DA PENA DE


CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA
Questão que suscita controvérsia diz respeito à possibilidade de o servidor
punido com demissão por falta funcional cometida após o preenchimento dos
requisitos para aposentadoria poder (ou não) requerer a mesma. Imagine a seguinte
situação hipotética: no ano de 2017 o servidor “A” cumpriu todos os requisitos para
requerer a aposentadoria voluntária por tempo de serviço e contribuição. Todavia,
optou por permanecer na atividade, vindo a cometer falta funcional punida com
demissão no ano seguinte. Instaurado o correspondente processo administrativo
disciplinar, pode o servidor em questão requerer a aposentadoria após a demissão, sob
o argumento de que na data da prática da falta funcional o mesmo já havia preenchido
os requisitos exigidos pela lei para se aposentar?
Em nosso modo de pensar a resposta é afirmativa, nada obstante a lei seja
omissa quando a isso. A tese favorável tem suporte no seguinte raciocínio: imagine
agora que na situação hipotética apresentada a falta funcional tenha sido praticada em
coautoria pelos servidores “A” e “B”, porém no ato da instauração do processo
administrativo disciplinar em desfavor dos dois, o servidor “B” já se encontrava
39

aposentado, exercendo apenas cargo em comissão no mesmo órgão. Por imperativo


legal, a única pena possível de ser imposta ao servidor “B” é a destituição do cargo
em comissão, pois o mesmo já não mais ocupa cargo efetivo – houve vacância do
cargo – nada repercutindo sobre a sua aposentadoria. Já o servidor “A” pode ser
demitido, nada obstante se encontrar na mesma situação de “B” no que diz respeito
ao preenchimento dos requisitos legais para aposentadoria.
Em nosso modo de pensar, não pode um Estado que se diz “democrático de
direito”, cujo texto constitucional assegura entre os direitos e garantias fundamentais
do cidadão a igualdade perante a lei, admitir tratamentos distintos, com repercussões
excessivamente mais lesiva a um dos servidores. Ademais disso, não podemos perder
de vista que a aposentadoria não é um benefício concedido gratuitamente pelo Estado,
um prêmio, e sim um direito pelo qual o servidor pagou durante toda a sua vida
funcional. A aposentadoria do servidor não decorre de gesto de altruísmo do Estado,
representa uma contraprestação pela contribuição previdenciária paga pelo servidor.
É oportuno deixar claro que não estamos aqui defendendo a tese de que a pena
de cassação de aposentadoria, em qualquer circunstância, seja ilegal. Sobre esse tema
o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar ao julgar a
Arguição de Preceito Fundamental nº 418, em que a Associação dos Magistrados
Brasileiros, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e a
Associação dos Juízes Federais, na condição de legitimados, impugnaram os artigos
127, IV, e 134 da Lei 8.112/1990, que tratam da pena disciplinar de cassação de
aposentadoria ou disponibilidade. Segundo os autores da APDF, referidos preceitos
legais estariam em conflito com as alterações introduzidas na Constituição Federal
pelas Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003. Ainda segundo os autores,
a penalidade em questão configura violação ao direito adquirido, ao devido processo
legal no sentido material e ao princípio da moralidade administrativa, por permitir o
enriquecimento sem causa do Estado. Referida ação foi julgada improcedente,
prevalecendo o voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes, no qual deixou assente
que a aplicação da penalidade de cassação da aposentadoria ou disponibilidade é
compatível com o caráter contributivo e solidário que se reveste o regime próprio de
previdência dos servidores públicos federais.
Como podemos observar, o que restou pacificado pelo Supremo Tribunal
Federal foi a constitucionalidade dos artigos 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/90, que
tratam da pena de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, e não da aplicação
da pena em questão no caso de prática de ilícito funcional ainda na atividade, mas
após o preenchimento dos requisitos para requerer a aposentadoria. Sobre esse tema
inexiste (pelo menos desconhecemos) manifestação dos tribunais superiores.

3.7 – DESTITUIÇÃO DO CARGO EM COMISSÃO


Espécie de penalidade aplicada exclusivamente aos agentes públicos ocupantes
de cargo em comissão, ou seja, por agente que não mantém vínculo funcional
40

permanente com o serviço público. A inaplicabilidade de outra espécie de penalidade


(demissão, suspensão ou advertência) para essa categoria de agentes públicos se deve
exatamente ao fato de os mesmos não manterem vínculo permanente com o serviço
público.
A destituição de cargo em comissão por infringência do art. 117, incisos IX e
XI, incompatibiliza o servidor apenado para nova investidura em cargo público
federal, pelo prazo de cinco anos (art. 137 da Lei nº 8.112/90). Já na hipótese de
infringência ao art. do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, o agente ficará
impossibilitado de retornar ao serviço público. Na essência, representa uma
modalidade de pena administrativa de natureza perpétua.
A penalidade pode ser imposta ainda que o agente não mais se encontre no
exercício do cargo em comissão, bastando que a falta funcional que ensejou a punição
tenha sido praticada antes da exoneração. Nessa situação especial, por expressa
imposição legal, a exoneração, seja ela a pedido ou por iniciativa da autoridade
competente, será convertida em destituição de cargo em comissão.

3.8 – DESTITUIÇÃO DA FUNÇÃO COMISSIONADA


Para facilitar a compreensão do assunto faz-se necessário compreender a
distinção entre cargo em comissão e função comissionada. Cargo em comissão é
atribuição de chefia, direção ou assessoramento exercida por servidor ocupante de
cargo efetivo ou por quem não ocupa cargo ou emprego dessa natureza. Por sua vez,
função comissionada (ou função de confiança) é a atribuição de chefia, direção ou
assessoramento exercida por quem ocupa cargo ou emprego efetivo. Tal diferenciação
pode ser extraída a partir da leitura da redação do inciso V do artigo 37 da Constituição
Federal, que assim dispõe:
“Art. 37. […]
[…]
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos
por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos
previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento”.
Como dito em tópico pretérito, a pena de destituição do cargo em comissão se
aplica ao agente ocupante de cargo comissionado em razão de o mesmo não manter
vínculo permanente com a Administração, não podendo por isso ser demitido. Se a
função comissionada é ocupada por servidor efetivo, não entendemos qual a razão
lógica para a previsão da pena de destituição da função comissionada. Ora, se o
servidor faltoso mantém vínculo permanente com a Administração Pública, não
vislumbramos motivo para existir uma pena específica se ao mesmo pode ser imposta
tanto a demissão como a suspensão. Em nosso modo de pensar, a penalidade ora
analisada é de pouco (ou nenhuma) aplicabilidade prática, notadamente quando
41

sabemos que a autoridade que nomeia o servidor para uma função comissionada detém
poderes para exonerá-lo a hora que bem entender, independentemente de o servidor
ter ou não cometido infração disciplinar.

CAPÍTULO 4
CAUSAS QUE EXTINGUEM A INFRAÇÃO OU A
PUNIBILIDADE

4.1 – CONCEITO E NOÇÕES INTRODUTÓRIAS


Infração é todo comportamento humano, omissivo ou comissivo, que contraria
uma norma que o proíbe. Sendo assim, comete infração de trânsito quem contraria as
regras estabelecidas pelo Código de Trânsito, comete infração penal quem viola
qualquer norma incriminadora, comete infração disciplinar quem comete transgressão
dessa natureza. Por sua vez, punibilidade é a consequência da infração e consiste na
possibilidade jurídica de o titular do direito de punir impor ao agente transgressor a
pena correspondente. Nesse contexto, extinção da punibilidade nada mais é do que o
desaparecimento da pretensão punitiva do detentor do poder punitivo, via de regra em
razão de acontecimentos e/ou circunstâncias previstas em lei.
O Estatuto dos Servidores Públicos Federais previu de forma expressa apenas
duas formas de extinção da infração ou da punibilidade, quais sejam, a prescrição (Art.
142) e a legítima defesa (Art. 132, VII). Nada obstante o silêncio da lei, existem outros
fatos e circunstâncias que acarretam a extinção da punibilidade na esfera disciplinar –
morte do agente, por exemplo – e outras que extinguem o ilícito e, por vias de
consequência, a punibilidade, como é o caso da superveniência de lei mais benéfica.
Nos tópicos seguintes analisaremos de forma breve cada uma das causas ou
circunstâncias que inviabilizam a imposição da pena na esfera disciplinar.

4.2 – MORTE DO AGENTE


É famosa a expressão latina “mors omnia solvit”, que traduzida para o
vernáculo significa a morte tudo resolve. O óbito da pessoa extingue a sua
personalidade jurídica e, por vias reflexas, todas as obrigações de cunho pessoal.
O direito punitivo (que abrange também o disciplinar) é pautado pelo princípio
42

da responsabilidade pessoal, segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do


condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens, nos termos da lei, ser estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido (art. 5º, XLV, da Constituição Federal).
Nesse contexto, dada a natureza personalística da pena, uma vez extinta a
personalidade jurídica do agente destinatário da mesma em razão do óbito, extingue-
se automaticamente a possibilidade de imposição de pena, permanecendo intocável a
obrigação de reparar o dano, até o limite dos bens transferidos aos herdeiros. Em
última análise, quem responde pela reparação do dano é o espólio do de cujus, e não
os eventuais herdeiros, como sugere o texto legal.
Como sabemos, o objetivo almejado em um processo administrativo
disciplinar é apurar a responsabilidade funcional do servidor e, se for o caso, impor a
pena correspondente. Seguindo essa linha de raciocínio, na hipótese de o servidor
investigado vir a falecer no curso do processo administrativo disciplinar, este deverá
ser arquivado, por absoluta perda do objeto. Nem mesmo a possibilidade de
recomposição de eventuais prejuízos pelo espólio do de cujos viabiliza a continuidade
do processo disciplinar, tendo em vista que a ausência do infrator (em razão do óbito)
inviabiliza a observância das garantias inerentes ao contraditório. Em síntese, sem o
agente infrator não há processo.

4.3 – RETROATIVIDADE DE LEI MAIS BENÉFICA


O nosso ordenamento jurídico é pautado pela irretroatividade da lei, ou seja,
uma vez aprovada pelo Parlamento a lei vigorará dessa data em diante, em nada
interferindo nas situações consolidadas na vigência da lei anterior. Nada obstante a
presença dessa regra, a Constituição Federal de 1988 previu uma exceção no art. 5º,
XL, nos seguintes termos: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
A expressão “lei penal” contida na redação do dispositivo constitucional foi
empregada pelo legislador constituinte em sua acepção mais abrangente, abarcando
além das normas que tratam de penas na esfera criminal, as que tratam de punição nos
mais variados ramos do direito. Ou seja, tratando-se de punição a regra é a
retroatividade da lei mais benéfica, pouco importando o ramo do direito.
Dada a impossibilidade de retroação da lei para prejudicar o réu, o servidor não
poderá ser punido pela prática de uma conduta que, nada obstante ser ilícita no
momento da sua prática, foi excluída do rol de proibições por lei posterior. Nesse caso,
prevalecerá a regra inserta no texto constitucional, segundo a qual a lei mais benéfica
sempre retroagirá para beneficiar o agente transgressor. O surgimento da nova lei
funciona como causa superveniente de extinção da ilicitude, tornando atípico o fato
até então considerado ilícito. Trata-se de uma situação excepcional (assim como a
anistia) em que a extinção da punibilidade decorre da extinção do próprio ilícito.
43

4.4 – ANISTIA, GRAÇA E INDULTO


Em que pese o Código Penal tenha feito referência à anistia, graça e indulto no
mesmo inciso II do art. 107, é incontroverso que se trata de institutos distintos. A
anistia é concedida pelo Congresso Nacional mediante aprovação de lei específica e
tem como efeito a exclusão do próprio crime. É aplicada a fatos pretéritos,
beneficiando indistintamente todos os agentes que tenha praticado determinada
espécie de delito em certa data ou período.
Já a graça e o indulto apresentam algumas características comuns. Ambas são
concedidas a pessoas, não havendo nenhuma relação com o fato em si. A legitimidade
para concessão é do Presidente da República, mediante decreto, admitindo-se a
delegação a Ministro de Estado, Procurador-Geral da República ou Advogado-Geral
da União. A diferença fundamental entre os dois institutos é que a graça é individual,
devendo ser requerida pela parte interessada; enquanto que o indulto é coletivo e
concedido a critério do Presidente da República.
Na esfera disciplinar não há consenso entre os doutrinadores quanto à
aplicabilidade dos três institutos acima comentados. José Armando da Costa se filia à
corrente favorável. Para o eminente administrativista, “se a anistia, a graça e o indulto
são manifestações soberanas de perdão em casos mais graves como são os crimes,
razão nenhuma subsiste no sentido de se refazerem restrições à sua aplicabilidade no
campo disciplinar”.
Em nosso modo de pensar, nada obstante as leis que tratam do processo
administrativo disciplinar no âmbito federal não disponham sobre o tema, nada obsta
a utilização da anistia, graça e indulto em benefício do servidor que comete
transgressão funcional. A propósito, se encontra em tramitação no Congresso
Nacional projeto de lei que concede anistia aos policiais grevistas dos Estados do
Espírito Santo e Ceará, a despeito de o direito de greve não ter sido estendido a essa
categoria de agente público. Nessa linha de raciocínio, não veja razão plausível que
impeça a aprovação de lei concedendo anistia a qualquer outra categoria de agente
público.

Código Penal
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação
privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII - Revogado
44

VIII - Revogado
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA:


AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO
ESTADUAL. DEMISSÃO. ABANDONO DE CARGO PÚBLICO. PEDIDO DE
REVISÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ART. 1º DA LEI
1.508/67, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ANISTIA DAS FALTAS. PAD
ENCONTRADO APÓS O PEDIDO DE REVISÃO DA PENA DEMISSIONAL. FATO
NOVO. REVISÃO DA PUNIÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE.
1. Na esfera administrativa, as anistias concedidas por normas jurídicas devem ter
a interpretação mais ampla e benéfica possível, para atingir, de maneira adequada,
eficaz e completa, os direitos do Servidor Público que tutela.
2. Os Decretos de anistia, os de indulto, o perdão do ofendido e outros benefícios,
embora envolvam concessões ou favores e, portanto, se enquadrem na figura
jurídica de privilégios, não suportam exegese estrita, sobretudo se não se
interpretam de modo a que venham causar prejuízo. Assim se entende, por incumbir
ao hermeneuta atribuir à regra positiva o sentido que dá maior eficácia à mesma,
relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios
seus e da legislação em geral (Maximiliano in Hermenêutica e Aplicação do Direito,
Forense, Rio de Janeiro, 1985, p. 250).
3. No caso, a pena de demissão foi aplicada em 17.04.67 por ter o Servidor faltado
ao serviço por 30 dias, sendo que a Legislação Estadual vigente à época prescrevia
tal pena para esses casos.
Entretanto, em 03.11.67 foi editada a Lei 1.508, do Estado do Rio de Janeiro, que
anistiou as faltas dos Servidores Estaduais até o limite de 30 dias. Tal norma inovou
a realidade jurídica até então vigente e alterou o patrimônio jurídico do Servidor
que, beneficiado pela anistia, não poderia mais ter sido alcançado pela pena de
demissão.
Considerando os princípios do Direito Sancionador, a novatio legis in mellius deve
retroagir para favorecer o apenado.
4. Ademais, a Administração Pública não trouxe aos autos qualquer prova que
afirme qual o lapso temporal de ausência do Servidor, para confirmar a tese da justa
demissão. Destarte, continua a se negar à análise do mérito da decisão do Processo
Disciplinar, fato inadmissível aos olhos da Justiça. Por isso, a certidão, que atesta
a ausência do Servidor público por não mais de 30 dias consecutivos do local de
trabalho, acostada nos autos do Processo Administrativo Disciplinar, encontrado na
Repartição Pública após a impetração,
constitui documento novo, para os fins do art. 485, VII do CPC.
5. Ação Rescisória julgada procedente.

4.5 – PRESCRIÇÃO
Dada a relevância do assunto, a prescrição será abordada em capítulo
45

específico, mais adiante.

4.6 – LEGÍTIMA DEFESA


Funciona como causa de exclusão da ilicitude e o seu conceito é extraído da
redação do art. 25 do Código Penal, que assim dispõe: “Art. 25 - Entende-se em
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Trata-se de uma situação em que o agente se vê diante de duas alternativas
excludentes entre si: repelir a agressão injusta utilizando-se moderadamente dos
meios necessários; ou suportá-la sem reagir. Foi pensando em tal situação que o
legislador definiu a legítima defesa como causa de exclusão da ilicitude, ou seja, a
conduta naturalmente é proibida, mas, dadas as circunstâncias em que a mesma
ocorreu, passa a ser permitida pela lei.
No Estatuto dos Servidores Públicos Federais a excludente da ilicitude em
análise tem previsão no art. 132, VII, isentando o agente da pena de demissão na
hipótese em que a ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, for praticada
em legítima defesa própria ou de outrem. Todavia, além de não ter conceituado o
instituto, o normativo em questão não faz menção aos requisitos da excludente da
ilicitude em análise. Ao que tudo indica, trata-se de evidente silêncio eloquente da lei,
indicativo de que a legítima defesa na esfera disciplinar exige a presença dos mesmos
elementos da legítima defesa prevista pelo Código Penal, quais sejam: a) o uso
moderado dos meios necessários para reprimir a agressão; b); que a agressão seja
injusta; c) que a agressão a ser repelida seja atual ou iminente; e d) que esteja em jogo
direito do agente ou de outrem. A ausência de qualquer desses requisitos torna a ofensa
física em serviço a servidor ou terceiro ilegítima, passível de punição.

4.7 – ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL


A excludente da ilicitude tem suporte no art. 23, III, do Código Penal, segundo
o qual não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever
legal. A exclusão da ilicitude é presumida a partir da presença da expressão “não há
crime” na redação do artigo em referência. A Lei nº 8.112/90, ainda que
implicitamente, faz referência à excludente em análise ao incluir entre os deveres do
servidor público “cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente
ilegais” (art. 116, IV).
A expressão “dever legal” foi utilizada pelo legislador como sinônimo de dever
de obediência a toda ordem contida em lei em sua acepção mais abrangente, desde
que a ordem tenha sido emanada da autoridade pública competente para emiti-la.
Exemplificando, não responde pelo crime de dano, nem tampouco pela violação de
domicílio, o funcionário público responsável pelo cumprimento de uma ordem
judicial por se encontrar no cumprimento de um dever legal.
A caracterização da excludente exige a presença cumulativa dos seguintes
requisitos: a) que a ordem seja emanada de autoridade detentor de competência para
46

tal mister; b) que a ordem seja legítima; e c) que haja compatibilidade entre o teor da
ordem e a atuação do servidor que a recebeu. Se o servidor for além dos limites do
seu dever legal restará configurada o abuso de poder, na forma excesso de poder. Ou
seja, o servidor foi além do cumprimento do dever estabelecido em lei.
Como sabemos, a Lei nº 8.112/90 (art. 16, XI) impõe a todos os servidores
públicos o dever de tratar com urbanidade as pessoas. Nada obstante essa exigência
legal, não podemos exigir de um agente da Polícia Federal essa mesma urbanidade ao
conduzir coercitivamente uma pessoa suspeita de prática de crime. Nessa situação, o
estrito cumprimento do dever legal prevalece sobre o dever de urbanidade
preconizado pela norma. Todavia, nessa mesma situação, restará configurada a
infração (penal e administrativa) se o agente policial for além dos limites legais e, a
pretexto de cumprir ordem superior, agredir a pessoa conduzida.

4.8 – ESTADO DE NECESSIDADE


O conceito de estado de necessidade pede ser extraído do artigo 24 do Código
Penal Brasileiro, que tem a seguinte redação:
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de
outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Pelo que se infere do texto da lei, o estado de necessidade é a excludente da
ilicitude que se verifica quando o agente, diante do perigo atual, é obrigado a sacrificar
um bem jurídico tutelado como condição para preservação de outro bem jurídico cujo
sacrifício não seria razoável admitir, dadas as circunstâncias do caso concreto. No
Direito Administrativo Disciplinar verifica-se o estado de necessidade quando o
servidor pratica uma conduta reputada ilícita visando evitar a ocorrência de uma
situação mais prejudicial à Administração Pública.
Dada a natureza dos deveres e proibições a que se submetem os servidores
públicos federais, são raras as situações em que se admite na esfera administrativa a
excludente da ilicitude em análise. Menciona-se, a título de exemplo, a situação em
que o servidor, como forma de evitar a destruição de material de expediente em um
incêndio, quebra a porta do armário e os coloca em local seguro, antes de serem
atingidos pelo fogo. Nessa situação hipotética, no conflito dos interesses em jogo o
servidor optou por destruir a porta do armário (patrimônio público) para preservar o
material de expediente (de maior valor), não configurando a transgressão tipificada
pelo art. 116, VII, da Lei nº 8.112/90.
Nos tribunais superiores o entendimento mais aceito é aquele segundo o qual
o reconhecimento da exclusão da ilicitude acobertada pelo estado de necessidade
vincula a esfera administrativa, de sorte que não pode a Administração punir o
servidor com fundamento exclusivamente no mesmo ilícito. Dito em outras palavras,
47

não pode a Administração punir o servidor pela prática de transgressão funcional cuja
ilicitude tenha sido excluída na esfera criminar por se encontrar o agente acobertado
pelo estado de necessidade.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


STJ, Recurso Especial nº 1.090.425: “Ementa: (...) 2. A sentença penal absolutória
que reconhece a ocorrência de causa excludente de ilicitude (estado de necessidade)
faz coisa julgada no âmbito administrativo, sendo incabível a manutenção de pena
de demissão baseada exclusivamente em fato que se reconheceu, em decisão
transitada em julgado, como lícito (…).”

4.9 – ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO


Funciona como causa de exclusão da punibilidade e tem previsão no art. 21 do
Código Penal Brasileiro. Grosso modo, fica configurado quando o agente pratica a
conduta por desconhecer o seu caráter ilícito.
É pertinente deixar claro que o erro sobre a ilicitude do fato exclui a
punibilidade apenas quando se tratar de erro escusável, ou seja, quando, nas
circunstâncias em que ocorreu, não era possível exigir que o agente procedesse de
outra forma. Foi seguindo essa linha de raciocínio que o legislador fez constar entre
os deveres de todo servidor público cumprir as ordens superiores, exceto quando
manifestamente ilegais (Art. 116, IV, da Lei nº 8.112/90).
Na análise do caso concreto o operador do direito deve se cercar da máxima
prudência, não valendo aqui a máxima segundo a qual o desconhecimento da lei é
inescusável, notadamente quando se verifica a imensa quantidade de leis, decretos,
instruções normativas, portarias e outros instrumentos legais a que se subordina os
agentes públicos. Nem mesmo ao magistrado (que por dever de ofício deve ser
conhecedor do direito) seria razoável fazer tal exigência. Nessa linha de raciocínio, a
punição disciplinar do servidor com fundamento no inciso II do artigo 116 da Lei nº
8.112/90 (observar as normas legais e regulamentares) não prescinde de uma
avaliação acurada, sob pena de incorrer em risco de punição injusta.

4.10 – OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA


Como sabemos, a Administração Pública é estruturada de forma
hierarquizada, pressupondo a existência de agentes superiores e subordinados, de
sorte que cabe a estes obedecer às ordens emanadas daqueles, desde que as mesmas
não sejam manifestamente ilegais.
A obediência hierárquica constitui causa de exclusão da culpabilidade que
apresenta como alicerce a inexigibilidade de conduta diversa. A excludente fica
caracterizada quando o agente subalterno pratica a conduta ilícita no cumprimento de
ordem não manifestamente ilegal, emitida pelo superior hierárquico. Tem como base
48

legal o art. 22 do Código Penal, segundo o qual “Se o fato é cometido [...] em estrita
obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível
o autor [...] da ordem”.
Infere-se da literalidade do artigo que a exclusão da culpabilidade em análise
deve preencher os seguintes requisitos: a) conduta praticada em cumprimento de
ordem superior; b) que a ordem não seja manifestamente ilegal; e c) atuação dentro
dos limites da ordem emanada do superior hierárquico. A excludente da ilicitude estará
afastada sempre que o agente ultrapassa os limites da ordem.
Na obediência hierárquica não ocorre concurso de agentes, ou seja, ou o agente
subalterno praticou a conduta acobertado pela excludente e a pena recai sobre o autor
da ordem; ou ocorre a situação contrária (ausência dos requisitos) e o agente
responderá sozinho pelo ilícito praticado.

4.11 - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA


Em condições de normalidade é de se esperar que os membros da sociedade se
comportem em conformidade com as regras legais a todos impostas. Adotando-se essa
linha de raciocínio, a configuração de qualquer ilícito exige que o mesmo tenha sido
cometido em condições normais, na ausência de qualquer circunstância que
impossibilitasse o agente de agir conforme o direito.
Foi nesse contexto que surgiu no direito alemão a causa supralegal de
excludente da culpabilidade denominada inexigibilidade de conduta diversa que se
verifica quando, nas circunstâncias fáticas apresentadas, não seria razoável exigir do
agente um comportamento conforme o direito. Ou seja, diante das circunstâncias do
caso concreto, o razoável seria violar a regra proibitiva.
Na esfera administrativa, quando o servidor praticar uma falta funcional em
situação que não havia como agir de outra forma, estará afastada a sua
responsabilidade administrativa com fundamento na inexigibilidade de conduta
diversa, pela ausência de um dos elementos constitutivos da culpabilidade. A situação
configuradora da excludente em análise é bastante comum em órgãos ou entidades
que não dispõem dos recursos necessários ao seu bom funcionamento, como é o caso
de hospitais públicos e do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS. Dadas as
limitações de recursos humanos e financeiros enfrentadas por tais instituições, não
seria razoável exigir de seus servidores um atendimento com presteza ao público,
como preconizado pelo art. 116, V, item “a”, da Lei nº 8.112/90.

4.12 – EXONERAÇÃO DO CARGO EFETIVO


Como visto em passagem pretérita, exoneração é o ato pelo qual o servidor
rompe o vínculo que mantém com a Administração Pública. Tratando-se de servidor
ocupante de cargo de natureza efetiva, segundo o disposto pelo art. 34 da lei nº
8.112/90 pode ocorrer de três formas: 1) a pedido do servidor; 2) quando não
satisfeitas as condições do estágio probatório; e 3) quando, tendo tomado posse, o
49

servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido na lei. Com efeito, não existe
a possibilidade de exoneração por ato unilateral da Administração fora das situações
anteriores. No caso de servidor ocupante de cargo em comissão ou função de
confiança, a exoneração pode ocorrer tanto de ofício como a pedido do servidor
interessado.
A punição disciplinar aplicada aos ocupantes de cargo em comissão e função
comissionada é a destituição do cargo em comissão ou da função comissionada,
conforme o caso. Foi visando possibilitar a punição desses agentes quando a apuração
ocorrer após o rompimento do vínculo com a Administração Pública que a Lei nº
8.112/90 previu no parágrafo único do art. 135 que “constatada a hipótese de que
trata este artigo, a exoneração efetuada nos termos do art. 35 será convertida em
destituição de cargo em comissão”. Dito em outas palavras: quando no ato da
imposição da pena a autoridade competente constatar que o agente a ser punido foi
exonerado a pedido ou por decisão unilateral da administração, a exoneração (que não
é pena) será convertida na pena de destituição do cargo em comissão ou função
comissionada.
Por sua vez, o parágrafo único do art. 172 diz que “ocorrida a exoneração de
que trata o parágrafo único, inciso I do art. 34, o ato será convertido em demissão,
se for o caso.” Destrinchando o que diz a lei: quando no ato da imposição da pena a
autoridade competente constatar que o servidor não mantém mais vínculo com a
Administração Pública por ter sido exonerado de ofício por não ter satisfeito os
requisitos do estágio probatório, o ato de exoneração (que não é pena) será convertida
em demissão (que é pena disciplinar).
A solução dada pela lei seria perfeita se não fosse um detalhe. De acordo com
as regras estabelecidas pela Lei nº 8.112/90, a exoneração do cargo em comissão pode
ocorrer de duas formas: a) a pedido do próprio servidor; ou b) a juízo da autoridade
competente, ou seja, ex ofício. Por sua vez, a exoneração do cargo efetivo pode ocorrer
de três formas: a) a pedido do servidor; b) de ofício pela autoridade competente
quando não satisfeitas as condições do estágio probatório; c) quando, tendo tomado
posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido.
Inobstante isso, a lei não previu a conversão da exoneração do cargo efetivo
em demissão, quando o evento (exoneração) ocorrer a pedido do próprio servidor ou
quando decorrer da não entrada em exercício no prazo legal, diferentemente do que
ocorre com o cargo em comissão, que será convertido em destituição do cargo em
comissão pouco importando se a exoneração ocorreu a pedido ou de ofício. Sendo
assim, tanto a exoneração voluntária do cargo efetivo como a exoneração por não ter
entrado em exercício no prazo legal funcionam como causas sui generis de extinção
da punibilidade. Nesse contexto, o resultado de processos administrativo disciplinar
instaurado em desfavor de servidor efetivo nessas duas situações servirá, na melhor
das hipóteses, como subsídio para a instauração de ação de reparação de danos,
50

procedimento criminal ou ação civil de improbidade administrativa.


A falha da lei poderia ser contornada dando nova redação ao parágrafo único
do art. 135, da seguinte forma:
Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a
exoneração efetuada nos termos dos arts. 34 e 35 será convertida em
demissão ou destituição de cargo em comissão, conforme o caso.

CAPÍTULO 5
DEVERES E PROIBIÇÕES

5.1 - INTRODUÇÃO

Pelo que se extrai do comando expresso no art. 37 da Constituição Federal, a


atuação de todo agente público deve ser pautada pela obediência às leis (princípio da
legalidade), defesa do interesse público (princípio da impessoalidade), conduta ética
(princípio da moralidade), transparência (princípio da publicidade) e economicidade,
redução de desperdícios, qualidade, rapidez, produtividade e rendimento funcional
(princípio da eficiência). Visando conferir efetividade ao mandamento constitucional
o legislador ordinário descreveu abstratamente nos artigos 116 e 117 da Lei nº
8.112/90 um rol de deveres e proibições direcionadas aos servidores públicos, cujo
descumprimento implica a punição com a pena correspondente.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...

5.2 - DEVERES
O art. 116 da Lei nº 8.112/90 traz um rol de deveres a serem observados pelos
servidores públicos como requisitos para o bom desempenho de seus encargos e
regular funcionamento dos serviços públicos. Cabe destacar que se trata de rol
meramente exemplificativo, existindo outros instrumentos legais que impõem outros
51

deveres, como é o caso do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do


Poder Executivo Federal aprovado pelo Decreto nº 1.171/94 e da Lei nº 12.527/2015
– denominada Lei de Acesso à Informação.
Nos tópicos seguintes discorreremos de forma resumida sobre as
características e particularidades de cada um desses deveres.

5.2.1 – ARTIGO 116, I


Exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo. O termo “zelo” foi
utilizado pelo legislador como sinônimo de dedicação e comprometimento. Esse dever
se encontra intimamente relacionado ao princípio da eficiência, que preconiza a
substituição da administração pública burocrática pela administração pública
gerencial.
A pena disciplinar prevista para o descumprimento do dever de zelo e
dedicação é a advertência, salvo quando justificar a imposição de pena mais grave.
Todavia, a depender das circunstâncias fáticas, do grau de desleixo do servidor
transgressor e da reiteração do comportamento desleixado, a conduta omissiva poderá
configurar a proibição tipificada pelo inciso XV do art. 117 do mesmo diploma legal
(proceder de forma desidiosa), cuja pena é a demissão.
O dever de zelo e dedicação imposto ao servidor público também foi previsto,
ainda que em outros termos, em diversas passagens do Código de Ética Profissional
do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. No capítulo dedicado às regras
deontológicas assim ficou expresso:
I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios
morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício
do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio
poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a
preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.
Já no título que dispõe sobre os deveres fundamentais do servidor público ficou
expresso que o mesmo deverá exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e
rendimento, pondo fim ou procurando prioritariamente resolver situações
procrastinatórias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso
na prestação dos serviços pelo setor em que exerça suas atribuições, com o fim de
evitar dano moral ao usuário. Inobstante o referido Código de Ética seja de aplicação
obrigatória apenas no âmbito do Poder Executivo Federal, nada impede que os demais
Poderes adotem como obrigatórios a seus servidores os preceitos do Decreto nº
1.171/94.

5.2.2 – ARTIGO 116, II


Ser leal às instituições a que serve. Em nosso modo de pensar, trata-se de
dispositivo de constitucionalidade duvidosa, dado o alto grau de abstração da
52

expressão “ser leal”. A lei não define as exatas fronteiras entre o que é ser leal e ser
desleal às instituições, transferindo para o aplicador do direito no caso concreto uma
larga margem de discricionariedade, abrindo brechas para julgamentos casuísticos e
até mesmo para perseguição de subordinados. Ademais disso, entendemos que o dever
de lealdade se insere no contexto dos demais deveres elencados no art. 116. Apenas
para exemplificar, quem não exerce com zelo e dedicação as atribuições do cargo ou
não observa as normas legais e regulamentares está sendo desleal para com a
instituição a que serve.

5.2.3 – ARTIGO 116, III


Observar as normas legais e regulamentares. O princípio da legalidade traduz
a ideia de que o agente público somente tem legitimidade para atuar nos limites
estabelecidos pela lei (quando se tratar de atuação vinculada) ou nos limites
autorizados (tratando-se de atuação discricionária). Em outras palavras, a atuação do
agente público deve obedecer estritamente ao estipulado na lei, ou, sendo
discricionária a atuação, observar os termos, condições e limites autorizados na lei.
Diante da vinculação da atuação administrativa aos limites da lei, infere-se que
a obediência às normas e regulamentos é condição sine qua non para a validade de
todo ato administrativo. Ato administrativo desvinculado da lei é ato nulo, inapto para
produzir efeitos jurídicos. É importante deixar claro que a expressão “normas legais e
regulamentares” foi empregada pelo legislador em sua acepção mais abrangente,
inserindo-se nesse rol as leis, decretos, portarias, resoluções, etc.

5.2.4 – ARTIGO 116, IV


Cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais. Como
sabemos, a Administração Pública apresenta uma estrutura hierarquizada,
pressupondo a existência de superiores e subordinados. Aliás, o próprio direito
disciplinar deriva do poder hierárquico. Foi nesse contexto que a lei estabeleceu que
o servidor deverá acatar as ordens dos superiores, exceto quando se tratar de ordem
manifestamente ilegal.
A presença do termo “manifestamente” sugere que a contrariedade da ordem
com a lei para funcionar como excludente da ilicitude há de ser clara, evidente,
passível de ser detectada pelo servidor subordinado, levando-se em consideração o
seu cargo e nível de escolaridade. Por razões que nos parecem óbvias, não se pode
esperar de uma pessoa com baixo nível de escolaridade (agente administrativo) a
mesma capacidade de entendimento quando comparado com outra pessoa de mais alto
grau de escolaridade (Auditor Fiscal, por exemplo).
Cabe ainda enfatizar que não caracteriza a desobediência descrita no inciso ora
comentado o descumprimento de ordem superior quando a recusa estiver acobertada
por divergência de interpretação da lei. Por exemplo, não pode ser punido
disciplinarmente o servidor que se recusa a assinar um documento, ou o assinar com
53

ressalvas, por discordar da interpretação dada pelo superior hierárquico.

Decreto nº 1.171/94 - Código de Ética do Servidor Público Federal


Das Regras Deontológicas
[…]
XI - O servidor deve prestar toda a sua atenção às ordens legais de seus superiores,
velando atentamente por seu cumprimento, e, assim, evitando a conduta negligente.
Os repetidos erros, o descaso e o acúmulo de desvios tornam-se, às vezes, difíceis de
corrigir e caracterizam até mesmo imprudência no desempenho da função pública.

5.2.5 – ARTIGO 116, V


Atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações
requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas
para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; c) às
requisições para a defesa da Fazenda Pública.
Em nossa opinião, a redação do inciso não é das melhores, pois bastaria o
comando exigir o atendimento com presteza ao público em geral. A especificação do
tipo de atendimento que deverá ser prestado com presteza acaba por limitar o alcance
da regra. Por exemplo, um servidor que age negligentemente no atendimento do
pedido de aposentadoria no INSS não viola a regra do inciso, por não se enquadra
como prestação de informação, expedição certidão nem tampouco requisição para a
defesa da Fazenda Pública. Pela literalidade do dispositivo, o dever de atender com
presteza fica restrito às três situações indicadas nos três itens, o que não nos parece
ser razoável.
O termo “presteza” foi utilizado pelo legislador como sinônimo de agilidade
ou tempestividade e o imperativo legal tem por objetivo evitar o injustificado mau
atendimento ao público por parte da Administração. Dado o caráter abstrato da
referida expressão, o prazo de atendimento para ser considerado tempestivo vai
depender da análise do caso concreto, inexistindo parâmetro preestabelecido para se
aferir se o atendimento foi tempestivo ou não.

Decreto nº 1.171/94 - Código de Ética do Servidor Público Federal


Das Regras Deontológicas
[…]
X - Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao
setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou
qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas
atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano
moral aos usuários dos serviços públicos.
54

5.2.6 – ARTIGO 116, VI


Levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver
ciência em razão do cargo.
Uma leitura desatenta deste inciso pode levar o leitor à equivocada conclusão
de que o comando aqui contido é o mesmo previsto pelo inciso XII (representar contra
ilegalidade, omissão ou abuso de poder). A expressão “levar ao conhecimento” foi
utilizada no sentido de comunicar ou informar; enquanto que “representar” significa
formular uma queixa mediante a elaboração de uma peça devidamente fundamentada.
O dever imposto ao agente público de levar ao conhecimento do superior
hierárquico as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo é corolário do
dever de lealdade inserto no inciso II do art. 116, comentado em tópico precedente.
A caracterização do ilícito não exige que a irregularidade tenha chegado ao
conhecimento do servidor em razão do cargo que exerce, de sorte que há ilícito ainda
que a ciência do fato tenha ocorrido no âmbito da vida privada. Além disso, é
indiferente ser ou não a autoridade superior competente para a apuração da
irregularidade.

5.2.7 – ARTIGO 116, VII


Zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público. O
dever de que trata o inciso mantém perfeita correlação com o dever de ser leal à
instituição a que serve visto em passagem anterior. O comando “zelar pela economia
de material” foi empregado na lei no sentido de maximizar a utilidade dos bens de uso
cotidiano, tais como papel de impressão, água e energia, etc. Já a expressão
“conservação do patrimônio público” tem um significado bem mais abrangente,
incluindo-se nesse rol, além do material de consumo, os bens de uso duradouro, tais
como edifícios e instalações, veículos, computadores, etc.
É importante deixar claro que nem todo desperdício de material justifica a
responsabilização disciplinar do servidor, sendo tal medida reservada às situações
mais graves. Nos parece óbvio que não há razoabilidade na deflagração de um
procedimento investigativo, com todos os ônus que lhes são inerentes, para apurar a
responsabilidade pelo desaparecimento de um bem de diminuto valor. Esse
entendimento se encontra em perfeita sintonia com os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade. Todavia, isso não significa que o servidor seja imune à punição
quando a violação do dever envolver bens de pequeno valor. Em tais casos, deve a
administração adotar medidas alternativas, como é o caso do termo de ajustamento de
conduta previsto em normativos internos de muitos órgãos do Poder Executivo.

5.2.8 – ARTIGO 116, VIII


Guardar sigilo sobre assunto da repartição. Mais um dispositivo de
constitucionalidade duvidosa, dada a imprecisão do termo “assunto”. Como será visto
55

no tópico que trata dos princípios aplicados ao processo disciplinar, a utilização de


termos vagos e imprecisos na tipificação de condutas proibidas fragiliza em demasia
o princípio da legalidade, dando margens para interpretações casuísticas. A
interpretação literal do inciso poderá levar o leitor à equivocada conclusão de que
qualquer comentário feito pelo servidor sobre assuntos afetos à repartição configurará
o ilícito ora comentado, o que não nos parece razoável.
O comando legal tem como objetivo evitar que servidores revelem a terceiros
estranhos ao serviço público informações afetas às atividades internas da repartição,
sempre que a divulgação contrariar os interesses da administração.
A configuração do ilícito exige a presença do elemento subjetivo “dolo”, de
modo que não há falar em transgressão disciplinar quando a revelação ocorre não
intencionalmente, sem que o servidor tenha agido de má fé. Na hipótese contrária, ou
seja, quando a revelação ocorre dolosamente, configura-se a infração tipificada no art.
117, inciso IX, da Lei nº 8.112/90 – revelar segredo do qual se apropriou em razão do
cargo, cuja pena é a demissão. Já na hipótese em que o servidor recebe vantagem para
quebrar o sigilo da informação, o ilícito será o tipificado no inciso XI do mesmo artigo
– corrupção, cuja pena também é a demissão.
Acrescente-se, ainda, que a depender da natureza da informação divulgada, a
conduta poderá configurar ilícito penal. É o que ocorre, por exemplo, quando se tratar
de informação protegida por sigilo, cujo acesso exige autorização judicial, tais como
sigilo bancário, telefônico, etc.

5.2.9 – ARTIGO 116, IX


Manter conduta compatível com a moralidade administrativa. Prevista de
forma expressa no art. 37 da Constituição Federal, a moralidade administrativa não se
contenta com a mera atuação em conformidade com as leis, exige do agente público
a obediência de certos valores morais, dos costumes moralmente aceitos pela
sociedade, das regras da boa administração e da ideia de justiça e equidade.
A moralidade administrativa mantém perfeita sintonia com a probidade
administrativa, visto que ambas trazem em seu bojo a ideia de honestidade,
integridade e atuação conforme padrões éticos aceitáveis. A prática de conduta
desonesta por parte de servidor público atinge a Administração naquilo que de mais
sensível apresenta, que é a credibilidade gozada perante a sociedade.
Dada a natureza do bem jurídico tutelado pela norma impositiva, qual seja, a
credibilidade da Administração Pública perante a sociedade, nos parece inevitável
admitir que a conduta dissociada da moralidade apta a repercutir na esfera disciplinar
não se restringe ao ambiente de trabalho, abarcando também os atos da vida privada.
A título de exemplo, um servidor que ocupa alto cargo na Administração que prática
corrida de carro em área proibida (o famoso racha) responderá pela conduta na forma
prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro, e também na esfera disciplinar, tendo em
56

vista a incompatibilidade de sua conduta com a moralidade que se espera de um agente


que ocupa cargo de alta relevância. A restrição imposta pelo art. 121 da Lei nº 8.112/90
(exercício irregular de suas atribuições) não se aplica ao caso, visto que a rejeição
social da conduta atinge de forma negativa a imagem da Administração Pública
perante a sociedade.

Decreto nº 1.171/94 - Código de Ética do Servidor Público Federal


Das Regras Deontológicas
[...]
III - A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e
o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. O
equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que
poderá consolidar a moralidade do ato administrativo.

5.2.10 – ARTIGO 116, X


Ser assíduo e pontual ao serviço. Originário do latim (assiduus ou assiduitate),
o termo “assíduo” indica a condição atribuída àquele que não falta, que é constante.
Por sua vez, ser pontual é o mesmo que ser preciso, exato, cumpridor de horário.
O inciso impõe ao servidor dois deveres, quais sejam, não faltar ao serviço e
chegar no horário legalmente estabelecido. A depender das circunstâncias fáticas, a
transgressão do primeiro dever (ser assíduo) pode configurara hipótese de demissão,
à luz do que estabelece o art. 132, III, da Lei nº 8.112/90.
É importante deixar claro que, via de regra, o descumprimento do dever de
pontualidade, por si só, não representa motivo para a punição disciplinar, repercutindo
apenas na remuneração do servidor. Já o descumprimento do dever de assiduidade
pode resultar em punição disciplinar. Na situação em que a falta ao serviço é
injustificada e por período equivalente a, no mínimo, sessenta dias interpoladamente
no período de doze meses, fica configurada a inassiduidade habitual (Art. 232, III),
passível de demissão. Por outro nado, na situação em que o servidor falta ao serviço
por período inferior a pena cabível é a suspensão.

5.2.11 – ARTIGO 116, XI


Tratar com urbanidade as pessoas. Urbanidade nada mais é do que expressar
respeito para com terceiros, ser cortes, educado e civilizado. O dever imposto pela lei
não se restringe às relações entre colegas e subordinados, abrange também as relações
com particulares. Foi nesse contexto que a Lei nº 9.784/92 elencou em seu art. 3º, I,
entre os direitos do administrado perante a Administração o de “ser tratado com
57

respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus


direitos e o cumprimento de suas obrigações”.
Seguindo essa linha de raciocínio, nada impede que o servidor público possa
ser punido disciplinarmente por tratar com grosseria o particular. Não podemos perder
de vista que ao faltar com urbanidade o servidor público acaba por macular também
a reputação gozada pela Administração perante a sociedade.

Decreto nº 1.171/94 - Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder


Executivo Federal
Das Regras Deontológicas
[...]
IX - A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público
caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus
tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma,
causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por
descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às
instalações ou ao Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua
inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los.

5.2.12 – ARTIGO 116, XII


Representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder. Preliminarmente é
importante deixar claro que “representar contra ilegalidade” não se confunde com o
dever imposto ao servidor público de levar ao conhecimento da autoridade superior
as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo visto em tópico pretérito. No
dever de levar ao conhecimento o servidor se limita a comunicar a irregularidade à
autoridade superior. Já na representação, além de levar a ilegalidade, omissão ou
abuso de poder ao conhecimento da autoridade competente, o servidor deixa claro que
espera dessa autoridade a adoção das medidas pertinentes. Em síntese, a representação
nada mais é do que uma denúncia, onde o denunciante solicita a apuração de um fato.
O legislador utilizou os termos ilegalidade, omissão e abuso de poder, quando
na essência a ilegalidade é o gênero do qual fazem parte tanto a omissão como o abuso
de poder. A omissão e abuso de poder são modos de se comportar em desconformidade
coma lei, ou seja, formas de ilegalidade.
Ilegalidade: é a atuação em desconformidade com a lei em sua acepção mais
abrangente (leis, decretos, portarias, etc.). O exercício do poder pelo agente público
para ser legítimo há de ser nos limites da lei, sob pena de ser reputado ilegítimo.
Abuso de poder: o exercício de poder pelo agente público para ser
considerado legítimo deve ocorrer nos limites da lei e visar o interesse público. Nesse
contexto, o abuso de poder se verifica de duas forma: a) excesso de poder – o agente
público atua extrapolando os limites da sua competência; e b) desvio de poder ou
58

desvio de finalidade – o agente público pratica um ato que é de sua competência, mas
o utiliza para uma finalidade diversa da prevista ou contrária ao interesse público.

5.3 – PROIBIÇÕES
As proibições são condutas vedadas aos servidores públicos, cujo
descumprimento acarreta a aplicação de uma das sanções previstas na lei. Essas
proibições estão especificadas no art. 117 da Lei nº 8.112/90. Das dezenove proibições
elencadas no artigo acima mencionado oito são punidas com demissão e as demais
com advertência, salvo quando justificar a imposição de penalidade mais grave. Nos
tópicos seguintes analisaremos de forma resumida cada uma das proibições elencadas
no artigo 117 da Lei nº 8.112/90.

5.3.1 – ARTIGO 117, I


Ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe
imediato.
O estatuto dos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/90) às vezes peca pelo
excesso de regras que, na essência, apresentam o mesmo objetivo. Em nosso modo de
pensar, a vedação trazida neste inciso tem como objetivo evitar o comprometimento
do bom andamento dos serviços em razão da ausência injustificada do servidor, que
em última análise representa uma falta de zelo e dedicação para com as atribuições do
cargo, conduta proibida pelo inciso I, do art. 116 do mesmo diploma legal.
Ademais disso, nos parece exagerada a exigência de autorização prévia do
chefe imediato para toda e qualquer saída do servidor, como se o aval da chefia tivesse
o condão de convolar uma ausência ilícita e lícita. A proibição se revela ainda mais
inoportuna no cenário atual, quando constatamos que a execução de muitas tarefas
rotineiras na administração pública sequer exige a presença do servidor na repartição,
como é o caso dos serviços executados pelo sistema de home office.

Pena prevista para o servidor que descumprir a proibição: advertência, ou suspensão


no caso de reincidência.Decreto nº 1.171/94 - Código de Ética do Servidor Público
Civil do Poder Executivo Federal
Das Regras Deontológicas
[...]
XII - Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de
desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas
relações humanas.

5.3.2 – ARTIGO 117, II


Retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento
59

ou objeto da repartição. Aqui temos mais uma proibição equivocada, em nossa


modesta opinião. O comando legal seria mais adequado se proibisse a retirada de
qualquer documento ou objeto da repartição fora das hipóteses admitidas por lei. Da
forma como foi redigida, o comando legal nos passa a ideia de que a mera autorização
da autoridade competente tem o condão de converter uma conduta ilegítima em lícita,
o que nos parece equivocada. Além disso, não nos parece razoável reputar lícita a
indevida retirada de documento da repartição quando o ato for praticado pela
autoridade competente, como deixa implícito o comendo legal. Em nosso modo de
ver, a indevida retirada de documento da repartição constitui ilícito funcional, pouco
importando se feita pelo subordinado ou pelo seu superior hierárquico.

5.3.3 – ARTIGO 117, III


Recusar fé a documentos públicos. A doutrina classifica os documentos
públicos em duas categorias: a) documento formal e substancialmente público – são
todos aqueles expedidos pelos órgãos públicos ou servidores públicos, desde que
presente o interesse do Estado; e b) documento apenas formalmente público – são
todos aqueles emitidos por entidades que representam o Estado, mas atuam no
interesse de particulares, como é o caso das certidões de transferência de imóveis
emitidas pelos cartórios.
O que a lei proíbe é a recusa de reconhecimento da legitimidade de qualquer
documento emitido pelo poder público (formal ou substancialmente público) por parte
dos servidores públicos. A vedação consta do texto da Constituição de 1988, em cujo
art. 19 ficou expresso que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, entre outras coisas, recusar fé aos documentos públicos. Se a vedação é
dirigida aos entes federativos, nada mais lógico do que a mesma proibição recair sobre
os agentes que os representam.

5.3.4 – ARTIGO 117, IV


Opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou
execução de serviço. O comando contido no inciso ora comentado pode ser
desdobrado em duas partes: 1) opor resistência injustificada ao andamento de
documento e processo; e 2) opor resistência injustificada à execução de serviços.
A primeira proibição tem como finalidade desestimular o apego exagerado a
regras e procedimentos inúteis, o excesso de burocracia que contribui apenas para
retardar o regular andamento dos serviços. Por sua vez, a segunda parte do inciso visa
impedir a mesma postura na execução das tarefas rotineiras da repartição.
Com a devida vênia, não concordamos com aqueles que defendem a tese de
que a segunda proibição se relaciona ao poder hierárquico, ou seja, que se refere à
resistência injustificada à execução de tarefas atribuídas ao subordinado pelo superior
hierárquico. Em nosso modo de pensar a proibição se aplica indistintamente a
qualquer servidor, inclusive ao superior hierárquico. Não nos parece razoável admitir
60

que aqueles que ocupam cargos de direção se encontram imunes à proibição. Aliás, é
exatamente nessas pessoas que concentra mais poderes para impor resistência ao
andamento dos serviços, notadamente porque exercem influência sobre os
subordinados.

5.3.5 – ARTIGO 117, V


Promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição. De
acordo com o dicionário da língua portuguesa, a palavra “apreço” tem o significado
de estima, consideração ou respeito que se tem por alguém ou por algo. Levando-se
em consideração a literalidade do significado do termo, não vemos razão plausível
para a lei reputar ilícito o ato de o servidor demonstrar consideração e respeito pelo
colega de trabalho no recinto da repartição.
Com a devida vênia, discordamos daqueles que defendem a tese de que a
intensão da lei foi evitar a perturbação do ambiente de trabalho com manifestações
excessivas de admiração ou menosprezo em relação aos colegas ou demais pessoas
com quem se relaciona no exercício do cargo. A perturbação do ambiente de trabalho
pode ser evitada com o cumprimento do dever de manter conduta compatível com a
moralidade administrativa (art. 116, IX, da Lei nº 8.112/90. Em nosso modo de pensar,
trata-se de mais um (entre muitos) dispositivo de pouca ou nenhuma utilidade prática
contido no Estatuto dos Servidores Públicos Federais.

5.3.6 – ARTIGO 117, VI


Cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o
desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado.
Em síntese, a norma proíbe a execução de atribuições por pessoas estranhas à
repartição. A leitura desatenta do dispositivo pode levar o leitor mais afoito à
conclusão de que a proibição se aplica única e exclusivamente a pessoa estranha ao
serviço público, o que não é verdade. A regra proíbe a execução de atribuições por
parte de qualquer pessoa que não faça parte da repartição, pouco importando se é
servidor público ou não. Observem que o texto legal fala em “estranho à repartição”,
não fazendo qualquer menção a serviço público.
O uso da expressão “fora dos casos previstos em lei” sugere que há situações
excepcionais em que a execução de tarefas por pessoas estranhas à repartição é lícita.
Exemplificando: a intimação é ato da incumbência dos membros da comissão
processante, a quem a autoridade instauradora delegou competência para a prática de
todos os atos inerentes a instrução processual. Nada obstante isso, diante de certas
situações excepcionais, a lei autoriza a realização desse ato por meio de carta
precatória, ou seja, por pessoa estranha ao colegiado.

5.3.7 – ARTIGO 117, VII


Coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação
61

profissional ou sindical, ou a partido político.


O comando legal apresenta duas ações nucleares, quais sejam: “coagir” e
“aliciar”. O primeiro foi utilizado no sentido de constranger ou fazer com que alguém
se comporte dessa ou daquela forma. Já o segundo foi empregado com o significado
de seduzir ou incentivar alguém a tomar determinada decisão.
A configuração do ilícito exige que a coação ou aliciamento parta de alguém
com ascendência hierárquica em relação ao coagido ou aliciado. Ademais disso, a
conduta deve ser apta a incutir na mente do coagido o receio de vir a sofrer represália
ou qualquer tipo de opressão por parte do superior hierárquico, no caso da coação; ou
transmitir ao aliciado a ideia de que pode obter qualquer tipo de vantagem, ainda que
não seja de natureza patrimonial.
O dispositivo tem por objetivo conferir efetividade ao mandamento
constitucional segundo o qual ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado
a sindicato (art. 8º, V, CF), evitando-se dessa forma que a repartição pública seja
transformada em instrumento posto à disposição de sindicatos e partidos políticos para
o atingimento de seus objetivos.

5.3.8 – ARTIGO 117, VIII


Manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge,
companheiro ou parente até o segundo grau civil.
A redação do inciso disse menos do que deveria ter dito, induzindo o leitor a
concluir que a vedação se restringe a cargo em comissão e função de confiança. Na
verdade, a proibição se aplica a cargo (seja ele de natureza efetiva ou em comissão) e
função de confiança.
A vedação se alinha perfeitamente ao princípio da impessoalidade, prevenindo
situações que possam suscitar dúvida quando ao favorecimento daqueles
subordinados com os quais o superior hierárquico tenha vínculo de parentesco. Na
Administração Pública prevalece a máxima segundo a qual o agente público deve estar
acima de qualquer suspeita. Não basta ao mesmo ser imparcial, mas que também
pareça imparcial.
Ademais disso, o comando do inciso também visa coibir o nepotismo, que fica
configurado quando o agente público usa de sua posição de poder para nomear,
contratar ou favorecer pessoas com as quais mantém vínculo de parentesco. No âmbito
da Administração Pública Federal, o assunto foi regulamentado pelo Decreto nº 7.203,
de 04 de junho de 2010, em cujo art. 4º parágrafo único, restou consignado que “em
qualquer caso, é vedada a manutenção de familiar ocupante de cargo em comissão
ou função de confiança sob subordinação direta do agente público”.
Seguindo essa linha de ideia o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula
Vinculante 13, que apresenta a seguinte redação:
62

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral


ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante
ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção,
chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de
confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública
direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante
designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

Jurisprudência sobre o tema


Data do julgamento: 19/05/2015
Data de publicação: 02/06/2015
Tipo: Acórdão
EMENTA
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM
RECLAMAÇÃO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE 13. 1. Uma análise da
ocorrência ou não de nepotismo é objetiva, sendo desnecessária a comprovação de
efetividade da influência familiar conhecida pela nomeação de ocupante de carga
ou função pública em comissão. 2. Está conforme a Súmula Vinculante 13 Portaria
que Exonera a Função de Confiança Pública Empregada concedida na Prefeitura,
em razão da presença de parentesco entre ele e ocupante de carga em comissão no
mesmo Município. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

5.3.9 – ARTIGO 117, IX


Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da
dignidade da função pública.
Com a investidura do servidor no cargo ou função pública o mesmo passa a
dispor de certos poderes e prerrogativas que são inerentes às atribuições que exercerá.
Na mesma proporção, recai sobre esse mesmo agente o dever de obedecer a certas
regras de conduta, de modo a permitir que os atos praticados visem a satisfação do
interesse público, e não o particular. Foi nessa acepção que a lei inseriu entre as
infrações passíveis de demissão o valimento do cargo para lograr proveito próprio ou
de outrem em detrimento da dignidade da função pública (melhor dizendo, em
detrimento do interesse público).
A infração fica caracterizada ainda que a conduta do agente seja praticada na
esfera da vida privada, bastando que o mesmo a pratique valendo-se dos poderes ou
prerrogativas proporcionadas pela investidura no cargo. É o que ocorre na situação
em que o servidor, no gozo de férias e fora do ambiente de trabalho, repassa a um
licitante uma informação privilegiada da qual tenha tomado ciência em razão da sua
condição de membro da comissão licitante. Nessa situação hipotética, o servidor
63

praticou o ato ilícito fora do ambiente de trabalho, em um período que sequer exercia
suas funções (férias), mas a informação privilegiada foi obtida em razão do cargo.
Elemento subjetivo da conduta: A descrição da conduta proibida nos leva à
conclusão de que a configuração do ilícito funcional exige a presença do elemento
subjetivo dolo. Aliás, a conduta é incompatível com a modalidade culposa, pois é
impossível que alguém possa praticar uma ação visando finalidade específica por
negligência, imprudência ou imperícia. Além disso, exige-se ainda que a vantagem
auferida indevidamente seja individualizada. Ou seja, a vantagem deverá ser
identificada e, se possível, quantificada. Dito em outras palavras, não basta a mera
alegação de que o agente praticou a conduta visando interesse próprio ou alheio.
O ato de valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em
detrimento da dignidade da função pública é punido com a pena capital (demissão),
ficando o agente incompatibilizado para nova investidura em cargo público federal,
pelo prazo de 5 (cinco) anos, segundo o disposto pelo art. 137 da Lei nº 8.112/90.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. IRRELEVÂNCIA DO VALOR AUFERIDO PARA A
APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO DECORRENTE DA OBTENÇÃO DE
PROVEITO ECONÔMICO INDEVIDO.
Deve ser aplicada a penalidade de demissão ao servidor público federal que obtiver
proveito econômico indevido em razão do cargo, independentemente do valor
auferido. Isso porque não incide, na esfera administrativa — ao contrário do que se
tem na esfera penal —, o princípio da insignificância quando constatada falta
disciplinar prevista no art. 132 da Lei 8.112/1990. Dessa forma, o proveito
econômico recebido pelo servidor é irrelevante para a aplicação da penalidade
administrativa de demissão, razão pela qual é despiciendo falar, nessa hipótese, em
falta de razoabilidade ou proporcionalidade da pena. Conclui-se, então, que o ato
de demissão é vinculado, cabendo unicamente ao administrador aplicar a
penalidade prevista. MS 18.090-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
8/5/2013 (Informativo nº 0523).

5.3.10 – ARTIGO 117, X


Participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou
não personificada, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de
empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação
no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus
membros, e exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou
comanditário.
O que o inciso proíbe é a participação do servidor público na gerência ou
administração de sociedade privada, não abarcando a situação em que o servidor
64

figura apenas como sócio ou acionista, ainda que nessa qualidade participe ativamente
das discussões inerentes à condição de empresário. Vejam que o dispositivo fala em
“sociedade privada personificada ou não personificada”, indicando que para efeitos
da proibição é indiferente o fato de a sociedade ter ou não os seus atos constitutivos
(o contrato social) registrados nos órgãos governamentais competentes.
A vedação é extensiva ao exercício do comércio, salvo na qualidade de
acionista (possuidor de ações de uma sociedade), cotista (possui cotas ou parcela do
capital), acionista (possui ações de uma sociedade). A vedação prevista no inciso não
se aplica ainda no caso de participação nos conselhos de administração e fiscal de
empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação
no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus
membros, bem como quando se tratar de servidor em gozo licença para o trato de
interesses particulares (Art. 91), observada a legislação sobre conflito de interesses.
A inaplicabilidade da vedação no caso em que o servidor se encontra em gozo
de licença para tratar de interesses particulares nos parece salutar, pois durante esse
período o agente não exerce atribuição pública (é como se o servidor tivesse sido
exonerado), mantendo-se apenas a prerrogativa de o mesmo requerer o retorno ao
cargo que exercia.
Ao que tudo indica, a proibição tem como objetivo prevenir eventuais conflitos
de interesses, dadas as prerrogativas que são inerentes ao exercício da função pública.
Ou seja, evitar que as prerrogativas do cargo possam ser utilizadas em prol do negócio
da sociedade. Não nos filiamos à corrente que defende a tese de que o dispositivo
também visa evitar o comprometimento da dedicação do servidor às suas funções na
repartição. Em primeiro lugar, inúmeras outras situações não abarcadas pela proibição
apresentam maior potencialidade de prejudicar a dedicação do servidor ao serviço
público, como é exemplo o exercício da advocacia. Em segundo lugar, a
Administração dispõe de outros mecanismos para compelir o servidor a se dedicar ao
serviço, tais como registro de ponto, avaliação de desempenho, entre muitos outros.
A pena prevista para o servidor que descumprir a proibição é a demissão.

5.3.11 – ARTIGO 117, XI


Atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo
quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o
segundo grau, e de cônjuge ou companheiro.
A proibição tem como objetivo evitar que o servidor, valendo-se das
facilidades proporcionadas pelas prerrogativas inerentes ao cargo, atue junto às
repartições públicas em benefício de terceiros. Na essência, proíbe uma forma especial
de valimento do cargo, onde o servidor utiliza a condição de agente público como
forma de obter vantagem indevida, em detrimento da dignidade da função pública.
Para a configuração do ilícito exige-se, cumulativamente, que o servidor atue
65

deliberadamente visando a obtenção de um tratamento diferenciado em relação ao


tratamento dispensado ao público em geral e que a pessoa que o atende na repartição
tenha ciência da sua condição de servidor público. Nessa linha de raciocínio, não há
falar em transgressão disciplinar quando a condição de servidor público é
desconhecida na repartição pública que o atender.
A ressalva trazida na lei se justifica pela natureza do interesse almejado e por
se tratar de situações nas quais o servidor procurador ou representante, ainda que por
questões de afinidade, também é interessado, não havendo justificativa plausível para
a conduta ser reputada ilícita. Sendo assim, quando se tratar de benefícios
previdenciários ou assistenciais, não há nenhum impedimento legal para que o
servidor atue junto às repartições públicas, na condição de procurador ou
representante de cônjuge ou companheiro (parentes por afinidade), bem como de pais,
avós, filhos, netos e irmãos (parentes até o segundo grau).
A pena prevista para o servidor que descumprir a proibição é a demissão,
ficando o mesmo incompatibiliza para nova investidura em cargo público federal, pelo
prazo de cinco anos, segundo o disposto pelo art. 137 da Lei nº 8.112/90.

5.3.12 – ARTIGO 117, XII


Receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em
razão de suas atribuições.
Propina é a expressão genérica utilizada no Brasil para designar vantagem
recebida ilicitamente por agente pública em contrapartida de um benefício concedido
a particulares. Na Itália o termo é utilizado para designar a gratificação dada pelos
clientes em bares e restaurantes (que no Brasil denomina-se gorjeta). Em nosso modo
de pensar, a propina no sentido utilizado no Brasil já abarca a comissão, presente ou
vantagem de qualquer espécie. Em outras palavras, comissão, presente e vantagem
indevida são espécies do gênero propina.
Como forma de enfrentar a endêmica cultura da corrupção no Brasil, problema
este agravado pele ineficiência do Poder Judiciário (e até mesmo dos órgãos de
controle), o legislador acabou por provocar uma indesejada inflação legislativa,
prevendo os mais variados tipos de punição para a mesma conduta reputada ilícita. O
recebimento de propina é apenas um exemplo dessa anomalia legislativa. A conduta
que a caracteriza pode ser enquadrada como recebimento de propina (Art. 117, inciso
XII), valimento do cargo (Art. 117, inciso IX), improbidade administrativa (Art. 132,
inciso IV) e crime contra a administração pública (Art. 132, inciso I). Como podemos
ver, a prática da mesma conduta pode levar o servidor a ser penalizado na esfera
administrativa com fundamento em quatro dispositivos da mesma lei. Um exagero,
em nossa opinião.
A configuração do ilícito funcional exige o efetivo recebimento da vantagem
indevida e que a mesma tenha sido auferida em razão de suas atribuições. Pela própria
66

natureza do ilícito, é inadmissível a forma culposa da infração, visto ser inconcebível


admitir que alguém possa receber qualquer tipo de vantagem em razão de suas
atribuições a título de culpa. Além disso, a presença da expressão “qualquer espécie”
indica que a vantagem não deve ser necessariamente de natureza econômica. O ilícito
fica configurado, por exemplo, quando o servidor obtém favores de cunho sexual em
razão das atribuições que exerce.
A pena prevista para o servidor que descumprir a proibição é a demissão.

5.3.13 – ARTIGO 117, XIII


Aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro. A vedação é
direcionada a todo servidor, independentemente do cargo ou da função que exerce. Ao
que parece, a intensão do legislador foi preservar a credibilidade depositada pela
sociedade na atuação da Administração Pública, o que não seria possível no caso de
atuação de servidores no patrocínio de interesses de estados estrangeiros. Isso não
significa que o ordenamento jurídico brasileiro veda a prestação de serviços por parte
de brasileiros a entidades governamentais estrangeiras. O que a lei veda é a atuação
concomitante do agente, seja como comissionado, empregado ou beneficiário de
pensão.
Elemento subjetivo: aqui vale a mesma lógica do recebimento de propina, por
se tratar de conduta incompatível com a forma culposa. Aliás, não há diferença
significativa entre aceitar e receber. Quem recebe ou aceita algo de alguém o faz ciente
das razões que o levaram a agir dessa forma.

A pena prevista para o servidor que descumprir a proibição é a demissão.

5.3.14 – ARTIGO 117, XIV


Praticar usura sob qualquer de suas formas. Em seu sentido original, usura é a
cobrança de juros excessivos em uma determinada operação financeira (empréstimo).
Na Idade Média o termo “usura” era empregado para identificar a cobrança de juros,
seja excessivo ou não. Isso porque naquela época tal prática era proibida, pois
acreditava-se que a cobrança de juros era considerada uma forma de se explorar uma
pessoa que se encontrava em situação difícil. Nos dias atuais o termo “usura” é
empregado em múltiplas acepções, podendo significar juros exorbitantes, agiotagem
ou qualquer outra forma de busca de lucros excessivos.
Em muitos países a prática da usura é tipificada como ilícito penal, como é o
caso da Itália onde a conduta foi inserida no capítulo do Código Penal dedicado aos
crimes contra o patrimônio (Art. 644) e Brasil, onde a usura é considerada crime
contar a economia popular - Art. 4º da Lei nº 1.521 de 26/12/51.
Na esfera disciplinar, em que pese na redação do art. 117, XIV, da Lei nº
8.112/90 constar a expressão “sob qualquer de suas formas”, a melhor interpretação
é a que restringe a configuração do ilícito disciplinar apenas àquelas situações em que
67

a pessoa pratica a usura na condição de agente público. Nessa situação especial não
nos interessa a conduta do agente na esfera privada. A razão é simples: o processo
disciplinar tem como finalidade apurar responsabilidade de servidor por infração
praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do
cargo em que se encontre investido (art. 148 da Lei nº 8.112/90), não abarcando as
condutas da vida privada, salvo quando se tratar de conduta capaz de macular a
imagem da Administração Pública, o que não ocorre com a prática da usura, segundo
nos parece.
A pena prevista para o servidor que descumprir a proibição é a demissão.

Codice Penale
Art. 644.Usura.
Chiunque, fuori dei casi previsti dall'articolo 643, si fa dare o promettere, sotto
qualsiasi forma, per sé o per altri, in corrispettivo di una prestazione di denaro o di
altra utilità, interessi o altri vantaggi usurari, è punito con la reclusione da due a
dieci anni e con la multa da euro 5.000 a euro 30.000.
Lei nº 1.521/52
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se
considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro
superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio,
sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor
que seja privativo de instituição oficial de crédito;
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade,
inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto
do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil
cruzeiros.

5.3.15 – ARTIGO 117, XV


Proceder de forma desidiosa. A expressão desídia foi utilizada na lei no sentido
de comportamento negligente, indiferente ou desinteressado. É utilizada para designar
a atitude de um funcionário que executa suas funções com desleixo, preguiça,
desatenção ou má vontade.
No direito administrativo disciplinar a desídia fica configurada quando o
agente, de forma habitual e não justificada, adota uma conduta marcada pela
ineficiência, desatenção, desinteresse, desleixo, indolência, descaso ou incúria no
desempenho das atribuições legais do seu cargo. A Lei nº 8112/90 insere a desídia
entre as hipóteses de demissão do cargo, razão pela qual recomenda-se ao aplicador
68

do direito no caso concreto a máxima prudência. Isso porque a configuração da desídia


requer que a ineficiência por parte do servidor tenha a aptidão para comprometer de
forma significativa o desempenho de suas funções, afetando de forma negativa o
atingimento do interesse público. Nesse contexto, nem todo comportamento
negligente e desleixado do servidor configura o ilícito administrativo ora comentado.
Elemento subjetivo: a conduta desidiosa é compatível com a modalidade
culposa, ou seja, a sua configuração não exige a presença do elemento subjetivo
“dolo”, podendo ocorrer a título de culpa. Aliás, é a forma mais comum de desídia,
quando o servidor se comporta de forma desidiosa com a intenção de tão somente
diminuir ou eliminar sua própria carga de trabalho.
Elementos constitutivos: a figura ilícita desídia apresenta dois elementos: 1)
o comportamento negligente do agente público; e 2) a reiteração da conduta. Não nos
filiamos à corrente (ainda que minoritária) que defende a tese de que o valor do dano
é suficiente para caracterizar a desídia, pouco importando se a conduta é repetida ou
não. Os adeptos dessa corrente admitem que uma única conduta, ainda que culposa,
mas causadora de grande dano, já possa configurar desídia.
A pena prevista para a transgressão ora comentada é a demissão.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


MS. DEMISSÃO. DESÍDIA. SERVIDOR.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a demissão de
servidor público encarregado de fiscalizar as condições de fabricação dos produtos
da Cooperativa Agropecuária do Vale do Rio Grande (Coopervale), na época em
que a empresa foi denunciada por suposta fraude pela adição de composto químico
de soda cáustica e ácido nítrico aos balões de leite UHT. Em razão da operação
desencadeada pela Polícia Federal, conhecida como "Operação Ouro Branco", foi
instaurado, contra o Fiscal Federal Agropecuário, Processo Administrativo
Disciplinar (PAD), com o objetivo o de apurar possíveis irregularidades de conduta
na execução das atividades de fiscalização, relativas à suposta fraude, durante os
três anos que antecederam a demissão do servidor, por portaria do Ministro de
Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Contra o ato do Ministro de
Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (autoridade coatora), que
efetivou sua demissão, o servidor impetrou, então, mandado de segurança. Em sua
defesa, argumentou, entre outras alegações, que a portaria de demissão se lastreou
em conclusões conflitantes: o relatório da Comissão de Processo Administrativo,
que teria apontado comportamento desidioso, e o parecer da Consultoria Jurídica
do Ministério da Agricultura e Abastecimento, que, além de corroborar o relatório,
firmou o entendimento de que o servidor teria se valido da função pública para
permitir a obtenção de proveito indevido, por outrem. Nessa linha de argumentação,
69

o servidor alegou ser juridicamente inadmissível que a autoridade coatora


acolhesse, ao mesmo tempo, dois pareceres que seriam contrários e excludentes.
Para o Ministro Relator do caso, Og Fernandes, as conclusões que embasaram a
demissão não constituíram figuras jurídicas incompatíveis. Esclareceu que, pela
portaria, a demissão estaria respaldada em ofensas às proibições dos incs. IX e XV
do art. 117 da Lei n. 8.112/1990, quais sejam, valer-se do cargo público para lograr
proveito de outrem e proceder de forma desidiosa, nos temos no art. 132, XIII. Para
o ministro, não há que se falar, no caso específico, que as condutas indicadas pela
autoridade apontada como coatora seriam incompatíveis entre si, mas na existência
de qualificações jurídicas em relação a uma mesma conduta. Sendo assim, não
existiriam motivos para se declarar a nulidade do ato (portaria de demissão), por
essa razão. Todavia, o Ministro Og Fernandes entendeu que não haveria
fundamento explícito para justificar a aplicação do inc. IX art. 117 da Lei n.
8112/1990, segundo o qual: "Ao servidor é proibido valer-se do cargo para lograr
proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública".
Segundo o Ministro Relator, tal conduta não estaria embasada em nenhum elemento
constante do PAD, e, nessa medida, "em estando a Portaria demissional embasada
em parecer da Consultoria Jurídica desprovido de fundamentação, quanto a uma
das condutas atribuídas ao impetrante, é de se conceder, neste particular, a
segurança, a fim de que seja cassada a condenação do servidor na pena para a qual
não houve a devida fundamentação", afirmou o Ministro Og Fernandes. Dessa
forma, o ministro acolheu, em parte, as ponderações do servidor e declarou a
nulidade parcial do ato demissional (por ausência de fundamentação), cassando a
condenação imposta com base no inc. IX do art. 117 da Lei n. 8 112/1990. Manteve,
entretanto, o outro fundamento, ou seja, a desídia do servidor, suficiente, por si só,
para manter a demissão. MS 13.876-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
14/10/2009.

5.3.16 – ARTIGO 117, XVI


Utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades
particulares. Trata-se de uma espécie de desvio de finalidade, consistente na utilização
(pelo servidor público) dos recursos postos à disposição da Administração para o
atingimento das finalidades públicas essenciais, visando o interesse particular.
A configuração do ilícito exige a demonstração de que o agente teve a intenção
de beneficiar-se dos recursos materiais postos à disposição da Administração para o
atingimento de interesse público. Por se tratar de infração funcional punida com a
pena mais grave (demissão), a autoridade competente deve agir com a máxima
prudência, evitando-se a instauração de procedimento investigativo, e consequente
punição do agente investigado, quando se tratar de utilização de material de valor
econômico irrelevante (uma caneta, por exemplo). Esse entendimento se coaduna com
o comando contido no art. 128 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual “na aplicação das
70

penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os


danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou
atenuantes e os antecedentes funcionais”. Como será visto mais adiante, no capítulo
que trata dos princípios aplicados à Administração Pública, pena desproporcional é
pena ilegítima, ilegal, e como tal deve ser a todo custo evitada.
A depender do caso concreto, a utilização de pessoal ou recursos materiais da
repartição em serviços ou atividades particulares pode configurar ato de improbidade
administrativa à luz do que estabelece o inciso IV do art. 9º da Lei nº 8.429/92, que
assim dispõe:
Art. 9º [...]
[...]
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades.
Além disso, o agente poderá responder criminalmente pelo delito tipificado
pelo art. 312 do Código Penal (peculato), cuja conduta caracterizadora é “apropriar-
se, o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio
ou alheio”.
A pena prevista para o servidor que descumprir a proibição é a demissão.

5.3.17 – ARTIGO 117, XVII


Cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em
situações de emergência e transitórias.
As atribuições de todo servidor público que ocupa cargo efetivo são definidas
em leis e normativos internos, de sorte que ao tomar posse o agente já sabe de antemão
quais as atividades que desempenhará no exercício do cargo. Via de regra, tais
atribuições são definidas em função da área de formação do servidor, de modo que
quem foi contratado para o cargo de médico desempenhará a medicina, quem foi
contratado para o cargo de engenheiro irá atua nessa área, e assim sucessivamente.
É importante deixar claro que a vedação não se restringe aos casos em que a
tarefa atribuída ao servidor for incompatível com o cargo que exerce, alcançando
também as situações em que a complexidade da tarefa a ser executada exige
conhecimento além do grau de instrução do servidor. É o que ocorre, por exemplo,
com a nomeação de um agente de portaria para compor comissão de licitação. Nessa
situação hipotética apresentada, nada obstante a atribuição não exigir formação
específica, exige-se que o servidor detenha os conhecimentos mínimos necessários ao
71

cumprimento da atribuição.
Por outro lado, a vedação não pode ser levara ao extremo de impedir o
desempenho de atividades de menor complexidade e que não exige formação
acadêmica específica. Por exemplo: o fato de um servidor ter sido contratado para o
cargo de estatístico não o impede de desempenhe outras atividades, tais como a
elaboração de ofício, fiscalização da execução de um contrato, entre muitas outras. O
que o inciso proíbe é o desvio de função, ou seja, a atribuição de tarefas incompatíveis
com a área de formação do servidor, como é o caso da elaboração de parecer jurídico
por ocupante do cargo de enfermeiro. Nesse caso, a recusa de cumprimento da ordem
emanada do superior hierárquico não configura o ilícito tipificado pelo inciso IV do
art. 116 da Lei nº 8.112/90, por se tratar de ato manifestamente ilegal.

5.3.18 – ARTIGO 117, XVIII


Exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do
cargo ou função e com o horário de trabalho. O dispositivo traz duas vedações: a)
proíbe que o servidor concomitantemente com o exercício da função pública exerça
qualquer outra atividade privada que possa, ainda que potencialmente, causar
conflitos de interesses; e b) proíbe o exercício de qualquer outra atividade (pública ou
privada, remunerada ou não) conflitando com o horário de trabalho na repartição
pública.
A segunda proibição fica configurada quando o servidor exerce outra atividade,
não importando se é pública ou privada, remunerada ou não remunerada, em horário
conflitante com o expediente na repartição pública. O que importa aqui é a
incompatibilidade de horário, e não permissão legal para o exercício da outra
atividade, de sorte que o ilícito fica configurado ainda que a atividade se encontre
entre aquelas cuja cumulação seja permitida pela Constituição Federal.
Já a primeira proibição é de constitucionalidade, no mínimo, questionável,
dada a excessiva abrangência e falta de definição do que se pode entender por
atividade incompatível com o exercício do cargo ou função pública. Em nosso modo
de pensar, por se tratar de regra proibitiva, cujo descumprimento é passível de
punição, o legislador deveria ter especificado as atividades tidas como incompatíveis
ou, pelo menos, definido critérios objetivos para delimitação do alcance da proibição.

5.3.19 – ARTIGO 117, XIX


Recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado. É dever de todo
servidor público manter seus dados cadastrais atualizados nos bancos de dados da
repartição pública em que trabalha, independentemente de solicitação do superior
hierárquico. Entre esses dados podem ser incluídos o endereço residencial, endereço
eletrônico, informações sobre a qualificação profissional, tais como cursos de
especialização, entre outros.
Isso não significa que o servidor que se encontrar com tais dados
72

desatualizados comete infração disciplinar. O que o inciso veda é a recusa imotivada


de atualizar os dados cadastrais quando solicitado pela autoridade competente. Na
verdade, trata-se de uma infração de difícil ocorrência, pois dificilmente alguém terá
um motivo plausível para se recusar a atualizar seus dados junto à repartição em que
trabalha. Em mais de quinze anos de militância na área correcional não tive notícia de
nenhum caso de servidor responder processo administrativo disciplinar por
inobservância desse dever.

5.4 – OUTRAS INFRAÇÕES PUNIDAS COM DEMISSÃO


Além dos casos de previstos pelos incisos IX a XVI do art. 117, a Lei nº
8.112/90 definiu abstratamente outras infrações disciplinares cuja pena é a demissão
(art. 132). Como será visto a seguir, trata-se de infrações de maior gravidade, algumas
repercutindo inclusive nas esferas cível e criminal. É o que ocorre, por exemplo, no
caso de crime contra a administração pública, abandono de cargo e improbidade
administrativa. Nos tópicos seguintes trataremos, de forma mais minudente, de cada
uma dessas infrações.

5.4.1 – ARTIGO 132, I


Crimes contra a Administração Pública. Preliminarmente faz-se necessário
esclarecer que os crimes contra a Administração Pública são todos aqueles que
compõem o Título XI do Código Penal, sendo que nem todos ali tipificados
apresentam como sujeito ativo o servidor público. Apenas a título de exemplo, os
crimes contidos no Capítulo II são praticados por particulares, a despeito de
apresentarem como sujeito passivo a Administração Pública. Em resumo, nem todo
crime contra a Administração Pública é cometido por seus agentes. Ademais disso,
outros crimes contra a Administração Pública, praticados por servidor público, foram
previstos na legislação extravagante. Mencionamos, a título de exemplo, os crimes
tipificados na lei de licitações e contratos.
Seguindo essa linha de raciocínio, conclui-se que os crimes contra a
Administração Pública de que trata o inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112/90 são todos
aqueles em que figura no polo ativo o servidor público e no polo passivo a
Administração Pública, sendo indiferente o fato de o mesmo ter sido previsto pelo
Código Penal ou por outro diploma legal.
Questão que suscita controvérsias é a que se verifica no caso da prática de
crime contra a Administração Pública sem que haja manifestação do Poder Judiciário.
Entre os operadores do direito há aqueles que advogam a tese de que a punição da
infração prevista pela art. 132, I, da Lei nº 8.112/90 (crime contra a Administração
Pública) somente será possível quando houver condenação criminal transitada em
julgado. Para os defensores dessa corrente, na hipótese de a Administração se deparar
com a situação em que não há sentença criminal transitada em julgado, deve verificar
se a conduta do servidor caracteriza outra infração disciplinar (valimento do cargo,
73

por exemplo), deixando de caracterizá-la como crime contra a Administração Pública,


ou sobrestar o andamento do processo até que haja decisão definitiva do Poder
Judiciário.
Com a devida vênia, discordamos dessa corrente de pensadores pelos seguintes
motivos: nem toda conduta tipificada como crime contra a Administração Pública
corresponde a uma infração disciplinar. Apenas para citar um exemplo, o ato de exigir
tributo ou contribuição social sabendo ser indevido, ou empregar meio vexatório ou
gravoso configura o crime tipificado pelo art. 316, § 1º, do Código Penal (Excesso de
exação), com pena de três a oito anos de reclusão. Todavia, essa mesma conduta não
se enquadra em nenhuma das infrações disciplinares punida com demissão pelas
regras estabelecidas pela Lei nº 8.112/90. Vamos reforçar nossa tese com outro
exemplo: o agente público que oferece ou promete vantagem indevida a outro
funcionário, para determiná-lo a praticar ou retardar ato de ofício comete o crime
tipificado pelo art. 333 do Código Penal (Corrupção Ativa), cuja pena é de reclusão
de dois a doze anos. Em nosso modo de pensar, a conduta configuradora desse delito
também não se amolda a nenhuma das infrações passíveis de demissão descritas na
Lei nº 8.112/90.
Defendemos a tese de que o termo “crime contra a administração pública” foi
utilizado pelo legislador ordinário na redação do inciso I do art. 132 em sua acepção
mais abrangente, abarcando todo delito que a Administração Pública figure na
condição de sujeito passivo. Para que haja punição na esfera disciplinar basta tão
somente que a conduta do servidor se amolde perfeitamente à descrição da conduta
incriminada na seara criminal, pouco importando se houve persecução penal.
Não podemos perder de vista que em nosso ordenamento jurídico prevalece a
independência das instâncias (civil, administrativa crimina), de sorte que não nos
parece razoável admitir que uma conduta de tamanha gravidade fique impune na
esfera disciplinar pelo simples fato de não haver sentença penal condenatória,
notadamente quando se constata que não são raras as vezes em que o processo criminal
se arrasta por vário anos, sendo que em muitas vezes o trânsito em julgado só ocorre
após a extinção da pretensão punitiva pela prescrição.

5.4.1.1 – PERAD DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO


Segundo o estabelecido pelo art. 92 do Código Penal, da condenação criminal
resulta, entre outras, as seguintes consequências: I - a perda do cargo, função pública
ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual
ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever
para com a Administração Pública; e b) quando for aplicada pena privativa de
liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.
Da leitura desse dispositivo legal extrai-se a conclusão de que a perda do cargo
ou função pública em decorrência da prática de crime, seja ele contra a Administração
74

Pública ou não, ocorre independentemente da instauração de processo administrativo


disciplinar, a depender da dosimetria da pena imposta na sentença penal condenatória.
Independentemente do tipo de crime, a perda do cargo ou função pública como efeito
da condenação criminal deverá constar de forma expressa na sentença penal
condenatória e prescinde de qualquer outra medida a ser adotada por parte da
Administração Pública. Em tal situação, a autoridade administrativa exercerá a função
de mera executora da decisão judicial. Na hipótese de condenação por crime contra a
Administração Pública em que o juiz criminal não declara expressamente na sentença
a perda do cargo, faz-se necessária a instauração de procedimento disciplinar,
facultando ao servidor investigado o exercício de todas as prerrogativas inerentes ao
contraditório e à ampla defesa.

5.4.2 – ARTIGO 132, II


Abandono de cargo. Segundo o disposto pelo art. 138 da Lei nº 8.112/90,
configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais
de trinta dias consecutivos. Em nosso modo de pensar, o conceito não é o mais
adequado, por ignorar a situação na qual o servidor, antes mesmo do transcurso de
trinta dias, manifesta de forma inequívoca a intensão de abandonar o cargo ou pratica
ato incompatível com a intenção de continuar no cargo que ocupa. Exemplo da
primeira situação: o servidor abandona o seu posto de trabalho, viaja para um país
distante, deixando expresso que não pretende retornar ao cargo que até então ocupava.
Exemplo da segunda situação: o servidor que ocupa o cargo de agente administrativo
em Brasília toma posse e entra em exercício no cargo de Auditor do Tribunal de
Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Nessas duas situações hipotéticas, não nos
parece razoável a Administração esperar o transcurso de trinta dias para considerar o
cargo abandonado.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos classificar a infração disciplinar
de abandono de cargo em duas espécies: presumido e expresso. Abandono
presumido – ocorre quando o servidor se ausenta intencionalmente do serviço por
mais de trinta dias consecutivos ou pratica ato incompatível com a intenção de
permanecer no cargo. No último caso, dispensa-se o transcurso do prazo de mais de
trinta dias consecutivos estabelecido na lei. Abandono expresso – fica caracterizado
quando o servidor se ausenta do serviço deixando expressa a sua intenção de não
retornar ao serviço. Nesse caso dispensa-se o transcurso do prazo de mais de trinta
dias consecutivos estabelecido na lei.
Elemento subjetivo da conduta: a configuração do ilícito exige a presença do
elemento subjetivo intensão de abandonar o cargo, ou seja, requer a demonstração do
dolo direto representado pela vontade livre e consciente do agente (animus
abandonandi). Diante do caso concreto, deve a Administração comprovar a
intencionalidade, ou ao menos a assunção consciente do risco da configuração do
abandono do cargo, o denominado dolo eventual.
75

Em que pese as semelhanças existentes, não se confunde o ilícito


administrativo abandono de cargo previsto pela Lei nº 8.112/90 com o ilícito penal
abandono de função tipificado pelo art. 323 do Código Penal. Em primeiro lugar, no
ilícito administrativo exige-se a demonstração de que o agente teve a intensão de
abandonar o cargo; no ilícito penal exige-se apenas que o abandono ocorra fora dos
casos previstos em lei, pouco importando a intensão do agente. Em segundo lugar, na
seara penal existe uma forma qualificada do ilícito, configurada quando o fato ocorre
em lugar compreendido na faixa de fronteira; na esfera administrativa não existe tal
previsão.

Lei nº 8.112/90
Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao
serviço por mais de trinta dias consecutivos.
Código Pena
Art. 323. Abandonar a função cargo público, fora dos casos permitidos em lei.
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
DEMISSÃO. SERVIDOR PÚBLICO. ABANDONO. CARGO.
A Seção concedeu o "writ" ao entendimento de que a ausência do servidor público
por mais de trinta dias consecutivos ao serviço, sem o animus abandonandi não
basta para sua demissão por infringência ao art. 138, c/c o 132, II, da Lei n.º
8.112/90, visto que seu não comparecimento ao local de trabalho deveu-se à
restrição a seu direito de ir e vir originária de órgão judicial: ele seria recolhido à
prisão decorrente de sentença ainda não transitada em julgado. Com efeito, para a
tipificação de abandono de cargo, caberia investigar necessariamente se houve, de
fato, a intenção deliberada. No caso, em razão da ilegalidade da custódia contra si
expedida, reconhecida posteriormente, que o impossibilitou de ir ao trabalho, são
devidos a sua reintegração no cargo, as vantagens financeiras e o cômputo do tempo
de serviço para todos os efeitos legais, a contar da data do ato impugnado. MS
12.424-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 28/10/2009.

DEMISSÃO. SERVIDOR PÚBLICO. ABANDONO DE CARGO. ANIMUS


ESPECÍFICO.
Para que se aplique a pena de demissão ao servidor público em razão de abandono
de cargo, a jurisprudência vem admitindo que é necessário a Administração
demonstrar a intenção, a vontade, a disposição, o animus específico de ele
abandonar o cargo que ocupa (arts. 132, II, e 138 da Lei n. 8.112/1990). Na hipótese,
não há tal intenção, visto que o funcionário, professor universitário, aguardava a
apreciação de seu pedido de licença pelo afastamento do cônjuge e o de
reconsideração da decisão que lhe negara a cessão ao TRF, mostrando-se omissa a
Administração quanto à apreciação desses pedidos. Precedentes citados: MS 6.952-
76

DF, DJ 2/10/2000; MS 7.464-DF, DJ 31/3/2003, e RMS 16.713-SP, DJ 23/8/2004.


MS 10.150-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 23/11/2005

5.4.3 – ARTIGO 132, III


Inassiduidade habitual. Não corresponde necessariamente ao descumprimento
do dever de ser assíduo e pontual ao serviço visto em tópico precedente. Trata-se de
uma situação mais grave, em que a inassiduidade se torna habitual, justificando-se
dessa forma a inclusão da infração entre as hipóteses de demissão.
O conceito de inassiduidade habitual se encontra no art. 139 da Lei nº 8.112/90,
segundo o qual a transgressão fica caracterizada quando o servidor falta ao serviço,
sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze
meses. Por razões que nos parecem lógica, a lei estabeleceu que, na inassiduidade
habitual, a materialidade se dá pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa
justificada.
A caracterização do ilícito exige apenas a comprovação da ausência superior a
sessenta dias no período de doze meses, pouco importando que tenha ocorrido em
exercícios distintos. Além disso, exige-se que a ausência ao serviço tenha ocorrido
sem justa causa, em flagrante demonstração de falta de compromisso do servidor para
com a função pública que exerce. Em síntese, o ilícito em análise exige a presença de
dois requisitos: 1) a ausência interpolada ao serviço por mais de sessenta dias no
período de doze meses; e 2) a inexistência de justa causa para a ausência ao serviço.
Na ausência de qualquer desses dois requisitos não há falar em inassiduidade habitual.

Decreto nº 1.171/94 – Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder


Executivo Federal
Das Regras Deontológicas
[...]
XII - Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de
desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas
relações humanas.
Lei º 8.112/90
Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa
justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


PROCESSO ADMINISTRATIVO. PERÍCIA. PSIQUIATRA.
77

Em processo administrativo disciplinar por inassiduidade habitual, o empregado do


Bacen, detentor de pretenso problema psíquico-emocional que o levou a sucessivas
licenças para tratamento de saúde, requereu a realização de perícia abalizada por
psiquiatras, que foi negada ao argumento de que a junta médica daquela instituição
já concluíra pelo seu retorno ao trabalho, porém em exame restrito a seu estado
fisiológico. Entendendo que o hodierno conceito de saúde compreende a higidez do
estado anímico, a Seção anulou o ato demissionário para que a comissão disciplinar
realize novo exame pericial com a presença de psiquiatras gabaritados. MS 6.952-
DF, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 13/9/2000.
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.
DEMISSÃO POR INASSIDUIDADE HABITUAL. ANIMUS ESPECÍFICO NÃO
DEMONSTRADO. ARTS. 132, III, E 139 DA LEI 8.112/90. SEGURANÇA
CONCEDIDA.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça mostra-se pacífica quanto à
necessidade de que a Administração demonstre, para demitir o servidor público por
inassiduidade habitual, a intenção, a vontade, a disposição, o animus específico
tendente a abandonar o trabalho.
2. Hipótese em que referida intenção não restou demonstrada, porquanto o
impetrante, Médico do Departamento de Polícia Federal, cumpria expediente em
plantões alcançáveis, ou seja, em regime de sobreaviso, conduta que, embora comum
a todos os demais médicos da repartição, não estava sujeita a controle por parte da
Administração, conforme apurado em procedimento de sindicância.
3. Segurança concedida.

5.4.4 – ARTIGO 132, IV


Improbidade administrativa. Disciplinada pela Lei nº 8.429/1992, a
improbidade administrativa será tratada em capítulo próprio, dada a relevância do
tema.

5.4.5 – ARTIGO 132, V


Incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição. As duas condutas
apresentam em comum o fato de se relacionarem ao aspecto comportamental do
agente público no ambiente de trabalho. Na essência, representa uma forma especial
de descumprimento do dever imposto pelo inciso IX do art. 116 da Lei nº 8.112/90 –
manter conduta compatível com a moralidade administrativa.
Trata-se de típico ilícito administrativo disciplinar de constitucionalidade (no
mínimo) questionável, dada a excessiva imprecisão das expressões utilizadas na sua
descrição. A lei não estabelece critérios ou parâmetros para que se possa definir o que
podemos entender por “incontinência pública” ou “conduta escandalosa”. O
princípio da legalidade preconiza que a tipificação de condutas puníveis, seja ela na
esfera criminal ou administrativo, necessariamente deve ser feita por lei. Todavia, tal
78

exigência será burlada sempre que o legislador se valer de conceitos jurídicos


indeterminados, criando tipos ilícitos com descrições ambíguas, vagas e
indeterminadas, transferindo ao aplicador da norma ao caso concreto ampla margem
de discricionariedade na aplicação da pena, em clara demonstração de desprestígio do
princípio da legalidade.
Em ambas as situações (incontinência pública e conduta escandalosa), a
configuração do ilícito exige que o fato ocorra nas dependências da repartição pública,
visto que, como regra, não se admite a repercussão de atos da vida particular do
servidor na instância disciplinar. Além disso, recomenda-se a adoção da redobrada
cautela como forma de evitar a punição pela prática de atos insignificantes ou que
representam mínima ofensividade.
Elemento subjetivo: a configuração do ilícito exige que a conduta fora dos
padrões normais de comportamento deve ser voluntária, de sorte que não há ilícito se
o servidor agir movido por circunstâncias alheias à sua vontade. Além disso, é
indiferente a circunstância de a conduta ter ou não finalidade específica, bastando que
seja apta a macular a imagem da Administração Pública.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2004/0107688-4
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SUSPENSÃO. SINDICÂNCIA.
DISPENSABILIDADE. PENALIDADE PREVISTA NA NORMA. IMPERIOSA
OBSERVÂNCIA. INCONTINÊNCIA PÚBLICA E CONDUTA ESCANDALOSA.
CONCEITO QUE NÃO SE AJUSTA À HIPÓTESE PREVISTA NA PORTARIA DE
INSTAURAÇÃO DO PAD. ILEGALIDADE.
1. Este Superior Tribunal de Justiça posiciona-se no sentido de que a sindicância
não constitui fase obrigatória do processo administrativo disciplinar, mas apenas
uma fase facultativa e preparatória, e, portanto, dispensável nos casos em que
suficientes os elementos de prova já coligidos pela Administração Pública.
2. Configurada a conduta para a qual a norma estabelece a aplicação da penalidade
de demissão, não pode o administrador aplicar pena diversa, ou seja, não há
discricionariedade para a aplicação de pena menos gravosa.
3. A espécie indicada na Portaria de instauração do Processo Administrativo
Disciplinar - incontinência pública e conduta escandalosa - é definida pela
doutrina e jurisprudência como comportamento que não se ajusta aos limites da
decência, ou seja, que mereça censura de seus semelhantes, e que esteja revestida
de publicidade ou repercussão pública, de modo que a prática imputada ao
recorrente não pode ser enquadrada na referida previsão.
4. Recurso ordinário provido.
79

5.4.6 – ARTIGO 132, VI


Insubordinação grave em serviço. Trata-se de mais um dispositivo da Lei nº
8.112/90 contaminado pelo vício de inconstitucionalidade, dado o alto grau de
subjetividade e abstração da expressão “insubordinação grave”. Mais uma vez a lei
peca por não estabelecer critérios ou parâmetros que podemos utilizar para saber se
uma insubordinação pode ser reputada grave ou leve. Cuida-se de critério de natureza
subjetiva, de modo que a avaliação inevitavelmente variará em função de aspectos
culturais, da época do fato e até mesmo de aspectos relacionados a crenças religiosas.
É incontroverso que a existência de hierarquia na estrutura da Administração
pressupõe a obediência de ordem dos superiores por parte dos subordinados. Nada
obstante isso, não pode o legislador utilizar termos ou expressões ambíguas na
descrição de condutas proibidas, sob pena de violação do princípio da legalidade, sob
o prisma da taxatividade. Como se não bastasse, a redação do inciso nos parece
redundante, pois a conduta descrita representa uma forma especial de descumprimento
do dever imposto pelo art. 116, IV, do mesmo diploma legal. Insubordinação (seja ela
grave ou não) nada mais é do que não cumprir as ordens superiores.
Não caracteriza insubordinação grave a recusa de praticar ato manifestamente
ilegal ou estranho às habilidades do servidor. Por exemplo, o servidor que ocupa o
cargo de médico não comete insubordinação quando se recusa a elaborar um parecer
jurídico, laudo sobre a execução de uma obra ou qualquer outra atividade que exige
conhecimento específico incompatível com a sua área de formação.

5.4.7 – ARTIGO 132, VII


Ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa
própria ou de outrem. Representa uma forma especial e mais grave de falta de
urbanidade, vedada pelo art. 116, XI, da Lei nº 8.112/90. O comando da lei aponta
como causa de exclusão da ilicitude a circunstância de o servidor praticar a ofensa
física em legítima defesa própria ou de terceiros. Ou seja, em legítima defesa de
interesses próprios ou alheios.
A lei não indica nenhuma condição para a configuração da legítima defesa,
diferentemente do que ocorre no Código Penal, onde a configuração da excludente da
ilicitude exige que o agente utiliza moderadamente os meios necessários para repelia
a injusta agressão. Ao que nos parece, o silêncio da lei não pode ser interpretado como
uma autorização para o excesso, de modo que a punição na esfera disciplinar ocorre
tanto no caso de ofensa não acobertada pela legítima defesa como no caso em que o
agente se excede na repressão, ultrapassando os limites necessários à repressão da
ofensa que o ameaça. Além disso, para que a ofensa própria ou de outrem seja
acobertado pela legítima defesa há de ser atual ou iminente, a exemplo do que ocorre
na esfera criminal.
80

5.4.8 – ARTIGO 132, VIII


Aplicação irregular de dinheiros públicos. Não se trata aqui de apropriação de
dinheiro público em proveito próprio ou de terceiros, e sim da sua aplicação em outra
finalidade pública, que não seja aquela para a qual havia sido legalmente destinado.
Em outras palavras, os recursos eram destinados a uma finalidade (construção de uma
ponte, por exemplo) e foi utilizado em outra (aquisição de material de uso na
repartição). Trata-se de uma forma especial de abuso de poder na modalidade desvio
de finalidade. A infração em comento não pode ser praticada por qualquer servidor,
via de regra é cometida por quem tem o poder de decidir sobre a utilização dos
recursos - ordenadores de despesas e outras autoridades com poderes para tal.
Temos aqui mais um dispositivo da Lei nº 8.112/90 redundante e
desnecessário. Como se percebe, a descrição do inciso ora comentado se amolda
perfeitamente ao tipo penal tipificado pelo art. 315 do Código Penal (Emprego
irregular de verbas ou rendas públicas), cuja conduta caracterizadora é dar às verbas
ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei. O tipo penal nada mais é
do que uma forma de aplicação irregular de dinheiro público. Ora, se o crime contra
a Administração Pública já havia sido indicado no inciso I como causa de demissão
do servidor, não vislumbramos qual a utilidade do inciso VIII, prevendo como causa
de demissão uma conduta que constitui crime contra a Administração Pública.
Nessa linha de raciocínio, a aplicação irregular de dinheiro público praticada
na forma descrita nesse inciso seria punida disciplinarmente, ainda que o mesmo fosse
revogado, tendo em vista o que o art. 132, I, do mesmo diploma legal, previu a pena
de demissão para o agente que praticar crime contra a Administração Pública.

5.4.9 – ARTIGO 132, IX


Revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo. Entre os
princípios que norteiam a atuação da Administração Pública se encontra o da
publicidade, segundo o qual a regra é a divulgação dos atos administrativos,
ressalvados aqueles casos em que o sigilo se revele imprescindível. A publicidade se
liga diretamente ao exercício da cidadania, ao permitir que o povo, tomando
conhecimento de práticas administrativas que considere lesivas ao interesse público,
adote providências no sentido de corrigi-las e de punir o responsável. Nesse contexto,
o sigilo é a excepcional, reservado apenas para aqueles atos cuja revelação possa
comprometer o interesse da administração. Ao que tudo indica, é sobre esse tipo de
ato (sigiloso por interesse da administração) que incide a obrigatoriedade de o agente
público guardar segredo.
A revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo representa a
forma dolosa do descumprimento do dever imposto pelo inciso VIII do art. 116 da Lei
nº 8.112/90 (guardar sigilo sobre assuntos da repartição). A sua configuração exige a
presença de três requisitos: 1) que a informação revelada seja sigilosa; b) que o agente
81

que a revele disponha de tal informação em razão do cargo; e c) a presença do


elemento subjetivo “dolo”, ou seja, que a revelação tenha ocorrido de forma
intencional. É o que ocorre, por exemplo, com o membro de comissão de licitação que
revela a um dos licitantes uma informação privilegiada que tenha obtido em razão da
sua condição de agente público.
Na situação em que o servidor revela o segredo do qual se apropriou em razão
do cargo em troca de vantagem, seja ela de cunho econômico ou não, fica configurada
a infração descrita pelo inciso IX, do art. 117 – valimento do cargo, cuja pena também
é a demissão.

5.4.10 – ARTIGO 132, X


Lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional. O bem
jurídico tutelado pela norma proibitiva é o patrimônio público em sua acepção mais
abrangente. De nossa parte, não vemos nenhum sentido na subdivisão feita pelo
legislador “cofres públicos” e “patrimônio nacional”, pois o primeiro faz parte do
segundo. Ou seja, o patrimônio nacional abrange, entre outros valores, os cofres
públicos. Na essência, trata-se de uma espécie de improbidade administrativa prevista
fora da Lei nº 8.429/92.
O termo “lesar” foi utilizado pelo legislador no sentido de causar prejuízo,
prejudicar. Por sua vez, o temo “dilapidar” significa estragar, destruir ou gastar
desnecessariamente. Nesse sentido, entendemos que o ilícito administrativo ora
comentado pode ocorrer tanto a título de dolo como de culpa, eis que ambos os núcleos
da conduta “lesar” e “dilapidar” são compatíveis com as modalidades dolosa e
culposa. Ademais, em ambas as situações (lesar e dilapidar) a caracterizado do ilícito
exige a demonstração do dano ao erário. Nos parece evidente que se não houver dano
não há falar em lesão ou dilapidação.

5.4.11 – ARTIGO 132, XI


Corrupção. Ao utilizar o termo “corrupção” na definição da infração
disciplinar ora comentada, diferentemente do que ocorre na esfera criminal onde o
tipo penal recebeu o nomen juris de “corrupção passiva”, a intenção do legislador foi
atribuir ao ilícito administrativo uma certa autonomia em relação ao ilícito penal. Se
o legislador tivesse a intenção de vincular a falta disciplinar ao ilícito penal teria
utilizado a mesma definição do artigo 317 do Código Penal – corrupção passiva.
Adotando-se essa linha de raciocínio, o termo “corrupção” utilizado na redação do
inciso XI do art. 132 da Lei nº 8.112/90 deve ser interpretado em uma acepção bem
mais abrangente, de modo a abarcar tanto a corrupção passiva como a corrupção ativa.
Pratica o ilícito administrativo “corrupção” tanto o servidor que solicita ou
recebe, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceita promessa de tal
vantagem (corrupção passiva), assim como aquele que oferece ou promete vantagem
82

indevida a outro funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar


ato de ofício (corrupção ativa). O que interessa para fins de configuração do ilícito
administrativo em análise é a presença da ação “corromper”, pouco importando se o
servidor público figura como sujeito corruptor ou corrompido.
Aqui valem as mesmas regras da independência das instâncias aplicadas aos
crimes contra a Administração Pública, onde a punição disciplinar independe da
persecução na esfera penal.

5.4.12 – ARTIGO 132, XII


Acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas. A Constituição
Federal de 1988 dispõe em seu art. 37, XVI, que é vedada a acumulação remunerada
de cargo público, exceto algumas situações excepcionais, quando houver
compatibilidade de horário. No inciso seguinte ficou estabelecido que a vedação se
estende a emprego e função e abrange autarquias, fundações, empresas públicas,
sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou
indiretamente, pelo poder público. As situações excepcionais excluídas da vedação
constitucional são as seguintes:
Dois cargos de professor: além da compatibilidade de horário exigida no texto
constitucional, acrescenta-se ainda a exigência de que o professor não seja contratado
sob o regime de dedicação exclusiva. Aliás, a incompatibilidade de horário é uma
decorrência lógica da dedicação exclusiva.
Um cargo de professor com outro técnico ou científico: o legislador bem
que poderia ter sido mais preciso, e ter especificado o que se pode entender por cargo
técnico ou científico. A falta de precisão acabou por originar uma controvérsia entre
os doutrinadores acerca do que venham a ser cargo técnico e cargo científico. Na visão
do autor José dos Santos Carvalho Filho, “cargos técnicos são os que indicam a
aquisição de conhecimentos técnicos e práticos necessários ao exercício das
respectivas funções. Já os cargos científicos dependem de conhecimentos específicos
sobre determinado ramo científico”. Já para o professor João Trindade Cavalcante
Filho, cargo científico é o cargo de nível superior que trabalha com a pesquisa em uma
determinada área do conhecimento – advogado, médico, biólogo, antropólogo,
matemático, historiador. Por sua vez, cargo técnico é o cargo de nível médio ou
superior que aplica na prática os conceitos de uma ciência: técnico em Química, em
Informática, Tecnólogo da Informação, etc.
Dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas: antes do advento da Emenda Constitucional nº 37, a
regra admitia a cumulação de dois cargos de médico, excluindo-se da regra permissiva
outros profissionais que militam na área da saúde, tais como dentistas, psicólogos, etc.
Na emenda nº 37 houve mudança de redação, substituindo a expressão “dois cargos
de médicos” por “dois cargos ou emprego privativo de profissional de saúde, com
83

profissão regulamentada”, de modo que a outros profissionais da saúde fosse admitida


a acumulação. Porém, é oportuno deixar claro que a regra permissiva abrange apenas
o profissional de saúde, que não se confunde com profissional da área de saúde. Nessa
última categoria se insere, além do profissional de saúde propriamente dito, todo e
qualquer servidor que ateu nessa área.
A presença do termo “remunerada” no texto constitucional indica que a
vedação não se aplica nas hipóteses em que o cargo, emprego ou função não seja
remunerada. Por exemplo, o servidor que ocupa um cargo não acumulável na
Administração Pública não fica impedido de exercer a função pública de mesário ou
jurado, pois a vedação incide apenas sobre o acúmulo de remunerado.
Elemento subjetivo da conduta: a redação do parágrafo sexto do art. 133 da
Lei nº 8.112/90 impõe como condições para a imposição da pena a comprovação da
acumulação e de que o servidor agiu de má-fé. Ao assim dispor a lei exige a presença
do elemento subjetivo dolo, visto que a culpa é incompatível com a má-fé. Em nossa
opinião, a configuração do ilícito a título de culpa é pouco provável, principalmente
levando-se em consideração que a lei restringe a acumulação ilícita às hipóteses em
que há remuneração. É pouco provável que alguém, de boa-fé, continue a receber os
vencimentos de um cargo do qual solicitou exoneração.
Segundo o disposto na lei, uma vez detectada a acumulação ilegal, a autoridade
competente notificará o servidor para apresentar opção no prazo improrrogável de dez
dias. Somente na hipótese de o servidor permanecer inerte será instaurado
procedimento sumário para apuração. Caso o servidor faça a opção no prazo legal,
fica caracterizada a boa-fé e o mesmo será exonerado de um dos cargos, sem aplicação
de penalidade. Como se não bastasse, a lei faculta ainda ao servidor fazer a opção até
o último prazo para a apresentação da defesa, hipótese em que se converterá
automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo.
Diante de tantas oportunidades dadas pela lei, o servidor tem que se revelar
excessivamente negligente para ser demitido por acumulação ilegal de cargo, emprego
ou função pública. Em nosso modo de pensar, em vez de autorizar a instauração de
processo administrativo para apuração de acumulação ilícita, a lei poderia
simplesmente autorizar à Administração não impor a penalidade e exonerar o servidor
do cargo ou função que tenha tomado posse há menos tempo, sem prejuízo da
obrigação de devolver aos cofres públicos os valores recebidos indevidamente.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE DE JORNADA SEMANAL
SUPERIOR A SESSENTA HORAS NA HIPÓTESE DE ACUMULAÇÃO DE
CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE.
É vedada a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde
quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite
84

máximo de sessenta horas semanais. Segundo o que dispõe a alínea c do inciso XVI
do art. 37 da CF, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto,
quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto
no inciso XI, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas. Por se constituir como exceção à regra da não
acumulação, a acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva.
Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio
constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde
precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas
atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o
final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições
de sobrecarga de trabalho. Observa-se, assim, que a jornada excessiva de trabalho
atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência
no desempenho de suas funções e, o que é mais grave, coloca em risco a vida dos
usuários do sistema público de saúde. Também merece relevo o entendimento do
TCU no sentido da coerência do limite de sessenta horas semanais – uma vez que
cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois
turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses
dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) –, fato que certamente não
decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos,
que dependem de adequado descanso dos servidores públicos (TCU, Acórdão
2.133/2005, DOU 21/9/2005). MS 19.336-DF, Rel. originária Min. Eliana Calmon,
Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/2/2014
(Informativo nº 549).

5.5 – TRATAMENTO DISPENSADO ÀS INFRAÇÕES CAPITULADAS COMO


CRIME
Como visto em tópico pretérito, a conduta antijurídica praticada pelo servidor
público no exercício do cargo ou em situação que tenha relação com o mesmo pode
repercutir simultaneamente nas esferas administrativa, cível e criminal, prevalecendo
como regra a independências das instâncias. Nesse contexto, salvo as exceções
previstas em lei, a punição ou absolvição em uma esfera em nada repercutirá nas
demais.
Foi seguindo essa linha de raciocínio que o legislador ordinário fez constar na
redação do art. 171 da Lei nº 8.112/90 que, quando a infração disciplinar estiver
capitulada como crime, o processo disciplinar será remetido ao Ministério Público
para instauração da ação penal, ficando trasladado na repartição. Nos parece
incontroverso que o termo crime foi utilizado na lei em sua acepção mais abrangente,
de modo que a remessa também ocorrerá no caso de a falta funcional configurar
85

contravenção penal.
Não significa com isso que a Administração estará obrigada a demonstrar, de
forma irrefutável, que o ilícito administrativo praticado pelo investigado constitui
crime ou contravenção penal, até mesmo porque a proficiência em direito penal não
constitui requisito para compor comissão de processo administrativo disciplinar. É
suficiente que o colegiado desconfie de que a infração verificada na esfera
administrativa possa também ser considerada crime ou contravenção penal. A solução
dessa controvérsia compete exclusivamente ao Poder Judiciário, a quem cabe decidir
conclusivamente se determinada conduta se amolda ou não ao tipo penal incriminador.
Compete ao colegiado apenas sugerir a remessa de cópia dos autos ao
Ministério Público, cabendo à autoridade instauradora, embasada em parecer da
assessorada jurídica, fazer juízo de valor sobre a pertinência (ou não) da adoção da
medida.
É pertinente esclarecer que inobstante a Lei nº 8.112/90 seja omissa, a remessa
dos autos ao Ministério Público se faz necessária também na hipótese de a infração
disciplinar for capitulada como ato de improbidade administrativa. Segundo o
disposto pelo art. 15 da lei nº 8.429/92 (Lei de improbidade administrativa), “a
comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou
Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a
prática de ato de improbidade”, sendo facultado ao MP ou ao TCU designar
representante para acompanhar o procedimento administrativo. Ademais disso, nos
termos do art. 17 do mesmo diploma legal “a ação principal, que terá rito ordinário,
será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada dentro de
trinta dias da efetivação da medida cautelar.” Come é possível inferir do texto acima
reproduzido, é do Parquet a legitimidade para propor ação civil de improbidade
administrativa, justificando-se a necessidade de remessa dos autos ao Ministério
Público pela autoridade competente.

5.6 – INFRAÇÕES DISCIPLINARES TIPIFICADAS FORA DO ESTATUTO DOS


SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS
Como dito em passagem pretérita, os deveres e proibições a que se submetem
os servidores públicos federais não se restringem aos previstos pela Lei nº 8.112/90,
existindo outros instrumentos legais e infralegais que contemplam regras de
comportamento direcionada aos agentes públicos.

5.6.1 – INFRAÇÕES PREVISTAS NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO


O direito à informação foi previsto em dois incisos do art. 5º da Constituição
Federal de 1988, inserido entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Preceitua o inciso XIV que é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado
o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Por sua vez, o inciso
XXXIII assegura que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
86

seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no


prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Como forma de conferir efetividade ao preceito constitucional o legislador
ordinário aprovou a Lei nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação, por intermédio
da qual foram criados mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa, física ou
jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações
públicas dos órgãos e entidades. Trata-se de lei nacional, obrigando a todas as esferas
de poder (federal, estadual e municipal), abrangendo inclusive tribunais de contas e
entidades privadas sem fins lucrativos que porventura tenha recebido transferências
de recursos públicos.
Segundo o disposto pela Lei de Acesso à Informação, desde que cumpridas as
formalidades inerentes ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, o
agente público que cometer qualquer das infrações administrativas de que trata o
mencionado diploma legal deverá ser punido, no mínimo, com suspensão, sem
prejuízo da possibilidade de responder também por improbidade administrativa,
conforme o disposto na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Vejam que a lei estabelece
como pena mínima a suspensão, nada dispondo sobre a máxima, de modo que nada
impede que o agente transgressor seja punido com a demissão, desde que a conduta
se amolde a qualquer das transgressões punidas com a pena capital pelas regras
estabelecidas pela Lei nº 8.112/90.
De acordo com o estabelecido pelo art. 32 da Lei de Acesso à Informação, as
seguintes condutas constituem ilícitas que ensejam responsabilidade do agente
público ou militar:

5.6.1.1 – ARTIGO 32, I


Recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar
deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma
incorreta, incompleta ou imprecisa.
O ilícito apresenta três ações nucleares, quais sejam: a) recusar-se a fornecer a
informação solicitada; b) retardar deliberadamente o seu fornecimento; e c) fornecê-
la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa. Tais condutas são
incompatíveis com a forma culposa, ou seja, sempre ocorrerá a título de dolo. Na
primeira situação porque ninguém recusa algo por culpa. Já na segunda e terceira, a
presença dos termos “deliberadamente” e “intencionalmente” não deixam dúvida de
que se trata de ilícito doloso.
A transgressão funcional é única, independentemente da quantidade de
condutas ilícitas que o agente praticar, de sorte que haverá uma única infração
disciplinar com a prática de uma, duas ou das três condutas proibidas. Sendo assim, é
indiferente o fato de o servidor ter apenas retardado intencionalmente o fornecimento
87

da informação ou se o mesmo, além de ter retardado, a forneceu de forma incorreta


ou incompleta.

Decreto nº 1.171/94 – Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder


Executivo Federal
Das Regras Deontológicas
[…]
VII - Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse
superior do Estado e da Administração Pública, a serem preservados em processo
previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato
administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão
comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar.

5.6.1.2 – ARTIGO 32, II


Utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar,
alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda
ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de
cargo, emprego ou função pública.
Trata-se de uma tipificação bastante abrangente, de sorte que responderá pelo
ilícito funcional tanto o agente que utiliza indevidamente a informação que se encontre
sob sua guarda ou que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das
atribuições de cargo, emprego ou função pública, como aquele que a destruir,
inutilizar, alterar ou ocultar, ainda que apenas parcialmente. As ações nucleares,
“destruir” e “inutilizar” podem ocorrer a título de culpa, sendo as demais típicas
condutas dolosas.
Em nosso ponto de vista, a constitucionalidade do artigo é, no mínimo,
questionável, dada a presença de conceitos jurídicos indeterminados na descrição da
conduta proibida, tais como “indevidamente” e “desfigurar”. Trata-se de expressões
de significado excessivamente ambíguos, vago e indeterminado, o que acaba por abrir
brechas para interpretações casuísticas.

5.6.1.3 – ARTIGO 32 III

Agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à informação.


Trata-se de uma tipificação redundante e desnecessária, tendo em vista a abrangência
da redação do ilícito previsto o inciso anterior. O agente que utiliza indevidamente,
subtrai, destrói, inutiliza, desfigura, altera ou oculta a informação que se encontre sob
sua guarda inevitavelmente age com dolo ou má-fé. Ademais disso, a má-fé, por si só,
já é suficiente para caracterizar o dolo, dada a absoluta incompatibilidade com os
elementos da culpa – negligência, imprudência e imperícia.
88

Decreto nº 1.171/94 – Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder


Executivo Federal
Das Regras Deontológicas
[...]
VIII - Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la,
ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da
Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o
poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre
aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.

5.6.1.4 – ARTIGO 32 IV
Divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à
informação sigilosa ou informação pessoal.
Nada obstante a redação do inciso não ser das melhores, é possível inferir que
a intenção do legislador, ao tipificar tais condutas como ilícitas, foi preservar as
informações protegidas por sigilo. A presença do termo “indevido” indica que não há
a configuração do ilícito funcional quando a divulgação ou o acesso ocorrer dentro
das regras legais. A título meramente exemplificativo, informações cuja guarda esteja
a cargo do Estado e que dizem respeito à intimidade, honra e imagem das pessoas não
são públicas, podendo ser acessadas apenas pelos próprios indivíduos e, por terceiros,
apenas em casos excepcionais previstos em lei.

5.6.1.5 – ARTIGO 32, V


Impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para
fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem.
O inciso descreve um caso especial de valimento do cargo, onde o agente
ilicitamente impõe sigilo à informação visando proveito próprio ou de terceiro. Na
esfera criminal o agente poderá responder pelo crime tipificado pelo art. 319 do
Código Penal (prevaricação) na forma “deixar de praticar, indevidamente, ato de
ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei”, cuja pena é de detenção, de
três meses a um ano, e multa.
A pena aplicada pela prática da transgressão em análise é a demissão ou
destituição do cargo em comissão (conforme o caso), tendo em vista que, ao impor
sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, o agente
concomitantemente viola o inciso IX do art. 117 da Lei nº 8.112/90, cuja pena é a
demissão.

5.6.1.6 – ARTIGO 32, VI


Ocultar da revisão de autoridade superior competente informação sigilosa para
beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros.
89

Pelo que se infere da leitura do § 1º do art. 35 da Lei de Acesso à Informação,


compete à Comissão Mista de Reavaliação de Informações decidir sobre o tratamento
e a classificação a ser dada às informações sigilosas, competindo lhe ainda rever a
classificação de informações ultrassecretas ou secretas, de ofício ou mediante
provocação de pessoa interessada.
Ao que nos parece, o ilícito descrito neste inciso fica configurado quando o
agente, visando a obtenção de benefício em proveito próprio ou de terceiro, ou
prejudicar terceira pessoa, oculta a informação sigilosa da autoridade competente para
rever a classificação da informação como ultrassecreta ou secreta. Trata-se de mais
um caso em que o agente contraria a lei visando a obtenção de vantagem própria ou
de terceiro, fazendo jus a pena de demissão ou destituição do cargo em comissão,
conforme o caso.

5.6.1.7 – ARTIGO 32, VII


Destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos concernentes a possíveis
violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado.
As informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem
violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de
autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso, segundo o disposto
no parágrafo único do art. 21 da Lei de Acesso à Informação.
Ao que tudo indica, a intenção do legislador foi punir o agente que destrói esse
tipo de documento visando impor restrição ao acesso de informações relacionadas a
possíveis violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado. O primeiro
verbo núcleo do tipo “destruir”, foi utilizado na lei no sentido de fazer desaparecer
algo e pode ocorrer a título de dolo ou culpa. Já a ação “subtrair” que tem o mesmo
significado de surrupiar, tirar de forma fraudulenta, é incompatível com a culpa,
ocorrendo sempre a título de dolo.

5.6.2 – LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE


Em 05 de setembro de 2019 foi sancionada a denominada lei de abuso de
autoridade (Lei nº 13.869/2019), restando revogada expressamente a lei que regulava
o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e
penal, nos casos de abuso de autoridade. Além disso, a nova lei introduziu alterações
significativas na Lei de Prisão Temporária, na Lei das Interceptações Telefônicas, no
Código Penal e no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Segundo o disposto pelo art. 7º da lei de abuso de autoridade, as
responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se
podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões
tenham sido decididas no juízo criminal. Ainda segundo a nova lei, faz coisa julgada
em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que
reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em
90

estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.


Vamos destrinchar o que diz a lei: a) as responsabilidades civil e administrativa
são independentes da criminal – significa dizer que a punição na esfera criminal não
impede a punição das searas cível e administrativa. b) não se podendo mais questionar
sobre a existência ou a autoria – a conclusão das investigações na esfera criminal
vincula as demais esferas do direito, de modo que se o agente for considerado
criminalmente culpado não há mais que se questionar sobre a sua culpabilidade nas
esferas civil e administrativa. c) faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no
administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado
em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal
ou no exercício regular de direito – o reconhecimento da exclusão da culpabilidade
ou da ilicitude no curso da persecução penal há de ser estendida às esferas civil e
administrativa, ou seja, não pode o agente ser condenado civil ou administrativamente
quando houver absolvição criminal por ter agido acobertado por qualquer das
excludentes acima mencionadas.

5.6.2.1 – INFRAÇÕES PREVISTAS NA LEI Nº 13.869/2019


Na verdade, a lei de abuso de autoridade não tipifica infrações de natureza
administrativa, e sim infrações penais com potencial capacidade de repercutir na
esfera administrativa. Dito em outras palavras, a lei descreve condutas proibidas na
esfera criminal que podem ser vedadas também na esfera administrativa.
Em nosso modo de pensar, se a intenção do legislador era proporcionar a
punição do agente pelo abuso nas esferas criminal e administrativa deveria ter previsto
na própria lei a punição disciplinar, visto que as condutas caracterizadoras dos crimes
não encontram correspondência na Lei n 8.112/90, nem tampouco na Lei nº 8.429/92
– denominada de lei de improbidade administrativa. Apenas a título de exemplo, o art.
27 da lei de abusa de autoridade tipifica como crime o ato de “requisitar instauração
ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em
desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito
funcional ou de infração administrativa”. Como podemos observar, a conduta
caracterizadora do delito não encontra correspondência em nenhum dos incisos dos
artigos 116 e 117 da Lei nº 8.112/90, que tipificam infrações funcionais. Nesse
contexto, o comando contido no art. 7º da lei, segundo o qual “as responsabilidades
civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar
sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas
no juízo criminal” é de utilidade questionável, dada a impossibilidade de impor
punição disciplinar correspondente, por ausência de previsão de pena dessa natureza.

5.7 – REINCIDÊNCIA
Em qualquer ramo do direito sancionador reincidente é a condição atribuída
àquele que volta a delinquir depois de ter sido punido pala prática de infração anterior,
91

revelando que a reprimenda anterior não cumpriu a sua função preventiva.


No direito comparado verifica-se pequenas divergências nos critérios
utilizados pelo legislador para definir a reincidência. Por exemplo, no direito italiano
será considerado reincidente o agente que, após a condenação por crime não culposo,
voltar a cometer novo delito não culposo, situação na qual a pena será aumentada de
um terço até a metade a depender das circunstâncias em que ocorreu o novo crime.
Como podemos observar, o direito italiano não admite a reincidência quando se tratar
de delito culposo.
No direito penal brasileiro, o conceito de reincidência é extraído dos artigos 63
e 64 do Código Penal e do art. 7º da Lei das Contravenções Penais. Da leitura dos
referidos dispositivos legais infere-se que será reincidente o agente que: a) depois do
trânsito em julgado de uma condenação por crime, no Brasil ou no estrangeiro,
cometer novo crime, no Brasil ou no estrangeiro, ou contravenção penal no Brasil; e
b) após o trânsito em julgado de condenação no Brasil pela prática de contravenção
penal, cometer nova contravenção penal.
A condenação definitiva no exterior pela prática de contravenção penal não
funciona como requisito da reincidência. Ademais disso, por ausência de previsão
legal (ou equívoco do legislador) não será considerado reincidente o agente que, após
o trânsito em julgado de condenação pela prática de contravenção penal, cometer
crime.
Para efeito de reincidência não prevalece a condenação anterior, se entre a data
do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de
tempo superior a cinco anos. Explicando melhor com um exemplo: o agente é
condenado pelo primeiro delito e termina de cumprir a pena correspondente 2010,
vindo a praticar novo crime em 2016. Nessa situação hipotética não há falar em
reincidência, pois passaram mais de cinco anos entre a extinção da pena pelo seu
cumprimento e a prática do novo delito. O mesmo ocorreria se a extinção da pena
tivesse ocorrido pela prescrição.

Código Penal

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de


transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado
por crime anterior.

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extin-


ção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5
(cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condi-
cional, se não ocorrer revogação;
92

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Lei das Contravenções Penais

Art. 7º Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção de-


pois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no es-
trangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.

5.7.1 – ESPÉCIES DE REINCIDÊNCIA


Tendo como parâmetro o momento da configuração da reiteração da conduta
criminosa, se antes ou de pois do cumprimento da pena, a doutrina classifica a
reincidência em real e ficta. A reincidência real fica caracterizada quando o agente
comete novo delito depois de já ter efetivamente cumprido pena por delito anterior.
Por outro lado, a reincidência ficta ocorre quando o autor comete novo crime depois
de ter sido condenado, mas ainda sem cumprir pena. Nas palavras de Guilherme de
Souza Nucci, a ideia por trás dessa divisão é a seguinte: quem já cumpriu pena foi
reeducado e ressocializado, logo, cometendo outro crime, a sua reincidência é
autêntica; quem nunca cumpriu pena ainda não foi reeducado ou ressocializado,
portanto a prática de nova infração o torna reincidente ficto.
Levando-se em consideração a categoria ou espécie do crime, a doutrina
classifica a reincidência em duas categorias: reincidência genérica e reincidência
específica. Na reincidência genérica os crimes praticados pelo agente são previstos
por tipos penais diversos. Por outro lado, na reincidência específica os dois ou mais
crimes praticados pelo agente encontram-se definidos pelo mesmo tipo penal.

5.7.2 – RENCIDÊNCIA NA ESFERA DISCIPLINAR


A Lei nº 8.112/90 não traz o conceito de reincidência, se limitando a
estabelecer uma hipótese de agravamento da pena, com a imposição da pena de
suspensão no caso de reincidência da prática de infração punida com a advertência. A
lei não estabeleceu nenhuma restrição quando ao tipo de infração reiterada, o que nos
permite inferir que se trata da reincidência genérica.
No âmbito do Distrito Federal, o estatuto dos servidores aprovado pela Lei
Complementar nº 840/2011, estabeleceu em seu art. 189 que “considera-se
reincidência o cometimento de nova infração disciplinar do mesmo grupo ou classe
de infração disciplinar anteriormente cometida, ainda que uma e outra possuam
características fáticas diversas”. Portanto, o simples cometimento de nova falta
funcional do mesmo grupo ou classe já caracteriza a reincidência, sendo indiferente o
intervalo de tempo entre uma transgressão e outra, assim com o fato de a primeira
infração ter sido apurada ou não.
Já no Estatuto dos Servidores do Estado de Goiás (aprovado pela Lei Estadual
nº 10.460/1988), considera-se reincidente o servidor que, no prazo de cinco anos, após
93

ter sido condenado em decisão de que não caiba recurso administrativo, venha a
praticar a mesma ou outra transgressão (Art. 313, § 3º). Aqui também é indiferente o
tipo de transgressão, para fins de configuração da reincidência. Todavia, o transcurso
do prazo de cinco anos após a condenação impede a configuração da reincidência. Ou
seja, passados cinco anos da condenação o servidor passa automaticamente à condição
de primário.
Na esfera federal, diante da lacuna deixada pela Lei nº 8.112/90, surgiu uma
corrente doutrinária que defende a tese de que caracteriza a reincidência a prática de
uma segunda transgressão disciplinar punível com advertência. Com a devida vênia,
não concordamos com esse entendimento. Como visto em passagem anterior, a Lei nº
8.112/90 não traz o conceito de reincidência, ou seja, não descreve as situações fáticas
em que o servidor será considerado reincidente, como ocorre no Código Penal e na
Lei das Contravenções Penais. Observem que no art. 130 consta apenas a expressão
“em caso de reincidência”, e não o conceito da reincidência. Nesse contexto, o fato
de o mencionado diploma legal ter previsto que a reiteração da prática de infração
punida com advertência (reincidência) implica a punição com suspensão não significa
que a reiteração na prática de outras espécies de infrações não configura a
reincidência.
Ao que tudo indica, a opção do legislador por restringir o agravamento da
punição apenas à situação em que ocorre a reiteração de infração punível com
advertência teve o propósito de compatibilizar a punição disciplinar aos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, evitando-se (por exemplo) a punição com pena
excessivamente grave (demissão) pela reincidência de infração leve, punida com
suspensão por exemplo. Além disso, ao contrário do que ocorre na esfera criminal,
onde as penas privativas de liberdade, restritiva de direito e multa) podem ser
agravadas tanto pela reincidência como em razão das circunstâncias em que o crime
ocorreu, a maioria das penas disciplinares previstas pela Lei nº 8.112/90 são
incompatíveis com o agravamento. Por exemplo, na esfera criminal é possível uma
pena de reclusão de quatro anos ser aumentada para seis anos em razão da
reincidência. O mesmo não ocorre com as penas disciplinares, pois a pena de demissão
e de cassação de aposentadoria serão sempre as mesmas, inexistindo uma forma mais
grave do que outra.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


MS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PENA DE SUSPENSÃO. PENA DE
ADVERTÊNCIA.
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra ato
do Ministro de Estado que aplicou pena de suspensão em Processo
Administrativo Disciplinar - PAD, por deixar de exercer com zelo e dedicação as
atribuições do cargo, por inobservar normas legais e regulamentares e por manter
94

conduta incompatível com a moralidade administrativa, em detrimento da


dignidade da função. O autor pretende que a pena de suspensão seja anulada, sob
o argumento de que as infrações cometidas implicam pena de advertência e que
a reincidência que justifica a aplicação do art. 130, primeira parte, da Lei n.
8.112/1990 não pode decorrer de fatos apurados dentro do mesmo processo
administrativo. Tratando de fatos punidos, a punição há de ser anterior.
A reincidência não pode decorrer de fatos, mesmo que cronologicamente distantes,
apurados no mesmo processo administrativo. As faltas têm natureza distinta, o que
dificulta, ainda mais, reconhecer, na hipótese, caso de reincidência. Em se
tratando de pena de advertência, que visa alertar o servidor para que não cometa
novas faltas, o instituto estaria sendo reduzido se se permitir a reincidência por
fato punido com advertência, antes que essa fosse dada. Dessa forma, mostra-se
ilícita a pena de suspensão, cabendo, na espécie, por força de imposição legal, a
que se vincula o administrador, a pena de advertência, estabelecendo-se o prazo
prescricional de 180 dias da ação disciplinar, como determina o art. 142, I, da Lei
n. 8.112/1990. O erro reside no ponto específico da contumácia, não afetando os
demais elementos do processo e do ato administrativo. Corrigindo-se o erro,
descabe falar em nulidade de todo o processo ou do ato conclusivo. Permanecendo
os requisitos que impõem a pena vinculada da advertência, esta subsiste. No Direito
Penal, a título de exemplo, reconhecendo o julgador inexistir
a reincidência, subsiste a pena, embora menos grave. A Seção concedeu em parte
a segurança, para anular a contumácia (fundamento da suspensão), subsistindo a
pena de advertência. MS 7.792-DF, Rel. Min. Paulo Medina, julgado em
24/3/2004.

5.8 – AUTORIA DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR


Grosso modo, considera-se autor o agente que contribui para a prática da
conduta ilícita. Na esfera criminal, levando-se em consideração o número de agentes
envolvidos na prática criminosa, ou seja, o número de autores, a doutrina tradicional
classifica os crimes em duas categorias: crimes unissubjetivos e crimes
plurissubjetivos.
Unissubjetivo ou de concurso eventual é a infração penal que poder ser
praticada por um único agente, embora possa admitir o concurso de agentes. A maioria
dos crimes previstos pelo Código Penal são unissubjetivos. Por sua vez,
plurissubjetivo ou de concurso necessário é o crime cuja configuração exige a
participação de mais de um agente, pouco importando se todos são imputáveis ou não.
A bigamia, rixa e associação criminosa são exemplos desse tipo de crime.
Na esfera administrativa não existe (pelo menos desconhecemos) infração que
exige a pluralidade de agentes. Por outro lado, predomina aqueles ilícitos funcionais
95

que não admitem a coautoria, sendo praticada necessariamente por um único agente
público.
Nesse contexto, essa mesma classificação pode ser utilizada para as infrações
disciplinares, com as devidas adaptações. Unissubjetiva é toda infração disciplinar
que somente pode ser praticada por um único agente público. É o que ocorre, por
exemplo, com o abandono de cargo (Art. 132, II), onde a imputação de
responsabilidade disciplinar recairá necessariamente sobre o detentor do cargo
abandonado. Não há como imputar ao servidor “A” a responsabilidade pelo abandono
do cargo levado a efeito pelo servidor “B”. Por outro lado, é plurissubjetiva é a
infração que, a despeito de poder ser praticada por um único servidor público, admite
a participação de mais de um. Exemplo: coagir ou aliciar subordinados no sentido de
filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político (Art. 117, VII).
Pela própria natureza da infração, embora seja mais comum a ação nuclear ser
praticada por um único servidor, nada impede que dois ou mais agentes, em comum
acordo, unam esforços visando coagir ou aliciar um terceiro servidor no sentido de
filiar-se ao sindicato da categoria, situação na qual ambos responderão pela mesma
infração.

5.8.2 – AUTOR DA INFRAÇÃO


O nosso ordenamento jurídico não apresenta o conceito de autor, de modo que
os doutrinadores lançam mão de diversas teorias na tentativa de estabelecer uma
definição. Eis as mais utilizadas:
Teoria unitária: com base nessa teoria, é considerado autor todo aquele de
qualquer modo contribuir para a produção de resultado penalmente relevante. Para os
adeptos dessa corrente de pensamento, partindo-se da premissa de que o ilícito é
decorrente de todas as condutas que contribuíram para o resultado, independente do
grau de colaboração, não faz nenhum sentido a tradicional distinção entre autor e
partícipe. Nessa linha de pensamento, se todos colaboraram para o resultado todos
devem ser considerados autores do ilícito.
Teoria objetivo-formal: com base nessa teoria é considerado autor aquele que
pratica o verbo núcleo do tipo, ou seja, a conduta descrita na norma incriminadora
como proibida. Por sua vez, partícipe seria aquele que de alguma forma concorre para
a consumação do ilícito, a despeito de não ter praticado a ação nuclear. Na esfera
disciplinar podemos apresentar o seguinte exemplo: o membro da comissão de
licitação que frauda o certame é autor da infração disciplinar “crime contra a
administração pública”, previsto pelo art. 132, I, da Lei nº 8.112/90. Já o mentor
intelectual da fraude, ou seja, aquele que planeja mentalmente a fraude e fornece todos
os subsídios para a empreitada criminosa, é considerado partícipe da infração, e não
autor.
Teoria do domínio do fato ou autoria de escritório: originária do direito
96

alemão, a teoria do domínio do fato surgiu na primeira metade do século passado e foi
idealizada a partir dos estudos desenvolvidos por Hans Welzel. Para os adeptos dessa
teoria, ter domínio sobre o fato criminoso é uma característica inerente à condição de
autor, de sorte que poderá ser considerado autor não só aquele que executa diretamente
a conduta criminosa, mas também aquele que mantém total domínio sobre os fatos
ilícitos praticados pelos agentes que lhes são subordinados, dispondo o autor
dominante de plenos poderes para determinar a continuidade ou não da empreitada
criminosa.
A teoria do domínio do fato é adotada no combate dos crimes cometidos por
organização criminosa cuja estrutura é hierarquizada, onde o legítimo responsável
pelo crime se limita a transmitir ordens aos agentes subalternos, ficando estes
encarregados da execução da empreitada. Na esfera administrativa tem aplicabilidade
notadamente na repressão aos ilícitos funcionais praticados no âmbito de órgãos e
entidades em que os cargos são preenchidos por indicações políticas, adotando-se
como critério de escolha não as credenciais do agente para o desempenho da função,
e sim a aptidão para obedecer incondicionalmente as ordens dos legítimos
idealizadores da empreitada criminosa. No contexto da autoria de escritório, via de
regra o mentor intelectual do fato se cerca de todas as precauções para desvincular seu
nome da infração praticada, recaindo toda a culpa sobre o executor direto do ilícito
administrativo.

5.8.3– AUTORIA MEDIATA


É a modalidade de autoria em que o agente pratica a conduta indiretamente,
valendo-se de terceira pessoa que age sem dolo ou culpa. O terceiro funciona como
mero instrumento nas mãos do verdadeiro autor da infração. É o que ocorre, por
exemplo, em um processo licitatório em que o agente interessado em fraudar o
certame nomeia como membro da comissão pessoa sem a qualificação necessária, de
fácil manipulação, que sem dolo ou culpa acaba por chancelar (assinar) a fraude. É
muito comum tal prática nas administrações em que os órgãos são “loteados” entre
agremiações partidárias. O agente nomeado acaba por funcionar como mero
instrumento do crime nas mãos da organização criminosa, dada a sua total
incapacidade de compreender o caráter ilícito da conduta.
Pode ocorrer, ainda, na situação em que o servidor recebe a ordem do seu
superior hierárquico e, por não ter certeza acerca da legalidade da ordem, acabar por
cumpri-la com o receio de incorrer em desobediência (Art. 116, IV, da Lei 8.112/90).
Em tais situações, também figura na condição de autor da infração disciplinar o
agente de quem partiu a ordem para a prática da conduta proibida.
Há que deixar claro que não há falar em autoria mediata quando a ordem
emanada da autoridade superior é manifestamente ilegal, sempre levando-se em
consideração a capacidade de compreensão do subordinado. Exemplificando, uma
ordem que para um advogado é considerada manifestamente ilegal pode não ser assim
97

considerada na visão de um funcionário de nível subalterno, desprovido de qualquer


conhecimento jurídico.

5.8.4 – AUTORIA COLATERAL


Ocorre quando dois ou mais agentes, ambos desconhecendo a conduta um do
outro, agem visando a produção do mesmo resultado, na situação em que para a
concretização do ilícito bastaria a conduta de um. É uma modalidade de autoria em
que não há adesão de um à conduta do outro, pois ambos desconhecem a participação
dos demais.
No direito administrativo disciplinar se verifica a autoria colateral, por
exemplo, quando dois servidores, um desconhecendo a participação do outro,
devassam o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou
proporcionam a terceiro o ensejo de devassá-lo, conduta essa configuradora do ilícito
(penal e administrativo) tipificado pelo art. 94 da Lei nº 8.666/93. Na situação
hipotética apresentada, nada obstante a participação de apenas um seja suficiente para
a violação do sigilo do procedimento licitatório, ambos respondem pelo mesmo ilícito,
sendo indiferente a circunstância de a revelação proporcionada por um ter ocorrido
quando não mais existia sigilo em razão da transgressão do outro.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
DESVIO DE GRÃOS RETIRADOS DE EMPRESA PÚBLICA. PARTICIPAÇÃO DE
EMPREGADO PÚBLICO. RECEPTAÇÃO DAS MERCADORIAS POR EMPRESAS
PRIVADAS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DOS ENVOLVIDOS. MATÉRIA DA
PRESCRIÇÃO ACOBERTADA PELA COISA JULGADA. NÃO PROVIMENTO DO
RECURSO ESPECIAL.
[…]
12. A condenação por ato de improbidade levou em consideração a participação
individualizada de cada recorrente nos atos ilícitos perpetrados em coautoria com
ex-empregado de empresa estatal.
13. As sanções fixadas pela lei de improbidade administrativa são taxativas, não
cabendo ao juiz comutar as sanções por outras não previstas no diploma normativo
de regência.
14. Recurso Especial parcialmente conhecido, mas não provido.

5.9 – CONTINUIDADE INFRACIONAL


O instituto do crime continuado (ou continuidade delitiva) surgiu na Europa
por volta do final da idade média a partir das ideias desenvolvidas pelos juristas
italianos Prospero Farinacio e Julio Claro. Segundo dizem os doutrinadores da
atualidade, as leis incriminadoras daquela época eram excessivamente severas,
chegando ao ponto de punir com a pena de morte quando houvesse a prática do
terceiro furto pelo mesmo agente. A ideia desenvolvida naquela época pelos dois
juristas foi considerar três ou mais furtos como crime único, quando cometidos em
98

determinadas circunstâncias e condições, evitando-se dessa forma a imposição da


pena de morte a partir do terceiro furto.

5.9.1 – REQUISITOS DO CRIME CONTINUADO


Em nosso ordenamento jurídico o crime continuado tem previsão no art. 71 do
Código Penal, segundo o qual a continuidade fica caracterizada “quando o agente,
mediante mais de uma ação ou omissão, pratica 2 (dois) ou mais crimes da mesma
espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
(circunstâncias) semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação
do primeiro ...”. Ao que tudo indica, ao elaborar a redação do artigo o legislador omitiu
o termo “circunstâncias”.
Pelo que é possível extrair da redação do mencionado dispositivo legal, o
reconhecimento do crime continuado exige a presença simultânea de três requisitos:
a) pluralidade de condutas; b) pluralidade de crimes da mesma espécie; e c) condições
semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras circunstâncias
semelhantes. Verificadas tais situações, aplica-se a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 (um
sexto) a 2/3 (dois terços).

5.9.2 – CONTINUIDADE DELITIVA E INFRAÇÃO DISCIPLINAR


Dada a inexistência de previsão legal, persiste a dúvida sobre a possibilidade
de utilização do instituto da continuidade delitiva no direito administrativo disciplinar.
É dizer, se o nosso ordenamento jurídico admite ou não, por analogia, a extensão dos
benefícios da continuidade delitiva às infrações administrativas. Imagine a situação
em que o chefe de uma repartição, por mais de uma vez comete a determinado servidor
atribuições estranhas ao cargo que o mesmo ocupa, utilizando-se das mesmas
condições e maneiras de compelir o subordinado, transgredindo mais de uma vez a
vedação prevista pelo art. 117, XVII, cuja pena é a suspensão. A controvérsia consiste
em saber se pode a Administração, após promover a correspondente apuração
disciplinar, agravar a pena a ser imposta ao agente transgressor, utilizando-se, por
analogia, as regras preconizadas pelo art. 71 do Código Penal.
Atualmente verifica-se uma quase ausência de opiniões doutrinárias sobre o
tema. Nada obstante isso, o Poder Judiciário já teve a oportunidade de se debruçar
sobre a questão, se manifestando pela não admissão. Vejam como se manifestou o
STJ:
“Há fatos ilícitos administrativos que, se cometidos de forma continuada
pelo servidor público, não se sujeitam à sanção com aumento do quantum
sancionatório previsto no art. 71, caput, do CP.
A controvérsia limita-se a definir se é possível a admissão da continuidade
delitiva no processo administrativo disciplinar. É dizer, busca o servidor
que as suas condutas sejam apuradas em um único processo
99

administrativo disciplinar no qual se considere a segunda extensão da


primeira, esta, diga-se, já sancionada com a suspensão de 90 dias. Em
sede de processo administrativo disciplinar a Quinta Turma deste
Superior Tribunal já teve a oportunidade de decidir que "Incabível a
incidência, por analogia, da regra do crime continuado, prevista no art.
71 do Código Penal, porque a aplicação da legislação penal ao processo
administrativo restringe-se aos ilícitos que, cometidos por servidores,
possuam também tipificação criminal (RMS 19.853-MS, Rel. Min. Laurita
Vaz, DJe 8/2/2010)". Efetivamente, a conclusão no sentido da unicidade
das condutas exige, impreterivelmente, o exame não só das ações ou
omissões praticadas pelo servidor público, mas também a adequação de
cada uma delas ao tipo ou tipos administrativos sancionadores
correspondentes, e se a sanção disciplinar pelo ilícito oferece margem a
tratamento mais benéfico ao servidor faltoso quando evidenciadas, em
tese, infrações na forma continuada. Em outros termos, há fatos ilícitos
administrativos que, se cometidos de forma continuada pelo servidor
público, são impassíveis de se sujeitar a sanção com aumento do quantum
sancionatório, justamente porque não se pode tratar de aumento quando
a sanção administrativa, por sua natureza, inadmitir a unidade ficta em
favor do agente”.
Em nossa modesta opinião, a inaplicabilidade da continuidade delitiva nas
infrações disciplinares se deve à incompatibilidade que se verifica entre a forma de
cálculo da pena prevista pelo art. 71 do Código Penal e a natureza das penas
estabelecidas para as infrações disciplinares pela Lei nº 8.112/90. Salvo no caso da
suspensão (que pode ser fixada entre o mínimo de um e o máximo de noventa dias),
as demais penalidades (demissão, advertência, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, destituição do cargo em comissão e destituição da função
comissionada) são incompatíveis com a fórmula de agravamento estabelecida pelo
artigo 71 do Código Penal. Uma advertência surtirá sempre o mesmo efeito sobre o
apenado, inexistindo uma advertência mais grave do que a outra. O mesmo se verifica
no caso da pena de demissão.
Na situação hipotética anteriormente apresentada, o agravamento da pena seria
possível, mas não com fundamento na continuidade infracional, e sim com respaldo
no art. 130 da Lei nº 8.112/90, que confere à Administração Pública a possibilidade
de dosar a pena de suspensão entre o limite mínimo de um e o máximo de noventa
dias, a depender da gravidade da transgressão funcional.
A única hipótese de agravamento da pena com base na reiteração da infração é
a imposição da pena de suspensão no caso de reincidência das faltas punidas com
advertência. Na verdade, não se trata de agravamento, e sim de substituição de uma
modalidade de pena mais branda por outra mais grave. Ademais disso, os fundamentos
não são coincidentes. Enquanto que na continuidade delitiva o agente pratica dois ou
100

mais crimes da mesma espécie em circunstâncias tais que faz presumir que o segundo
seja mera continuidade do primeiro, na reincidência o agente pratica nova infração
depois de ter sido punido por falta anterior, pouco importando as circunstâncias que
ambos tenham sido praticadas.

5.10 – DOLO E CULPA NA INFRAÇÃO DISCIPLINAR


Os conceitos de “dolo” e “culpa” podem ser elaborados a partir da redação do
art. 18 do Código Penal Brasileiro. Segundo o artigo em referência, o crime é doloso
quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; e culposo quando
o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Nada
obstante a lei ter empregado o termo “crime”, a mesma lógica deve ser utilizada para
qualquer espécie de infração (contravenção penal, ilícito disciplinar, por exemplo).
Pelo que se extrai dos conceitos acima formulados, a verificação da presença
do dolo ou da culpa na conduta do agente deve ser feita levando-se em consideração
exclusivamente o comportamento do mesmo. Nessa linha de ideia, não há como
definir previamente se uma conduta é dolosa ou culposa sem o conhecimento das
circunstâncias em que a mesma ocorreu. A exceção se verifica quando houver
incompatibilidade de qualquer desses elementos (dolo ou culpa) com a conduta
praticada. Por exemplo, a infração disciplinar tipificada pelo art. 117, IX, da Lei nº
8.112/90 (valimento do cargo) é, por sua própria natureza, incompatível com a forma
culposa. Dito em outras palavras, é impossível alguém se valer do cargo visando
lograr proveito próprio ou de outrem por negligência, imperícia ou imprudência
(elementos da culpa). Por outro lado, como foi visto em tópico pretérito, o ilícito
descrito pelo inciso XV do mesmo artigo (desídia) via de regra ocorre a título de culpa,
independentemente do volume do resultado danoso causado à Administração Pública.

5.10.1 - A DESVINCULAÇÃO DOS ELEMENTOS CULPA E RESULTADO


Há consenso na doutrina que a culpa fica configurada quando o agente, por
negligência, imprudência ou imperícia, deixa de observar os deveres objetivos de
cuidado e realiza voluntariamente uma conduta que produz resultado naturalístico,
não previsto nem desejado, mas que com a devida atenção, poderia ser evitado. Como
se percebe, o grau de rejeição social da conduta e o valor do bem jurídico atingido não
constituem elementos da culpa, de sorte que a definição de uma conduta como dolosa
ou culposa deve ser feita levando-se em consideração exclusivamente o
comportamento do agente, pouco importando a gravidade do resultado. Dito em outras
palavras, não é o valor do bem jurídico atingido pela conduta ilícita que vai servir de
parâmetro para definir se a mesma ocorreu a título de dolo ou culpa.
Para facilitar o entendimento, vamos utilizar um exemplo: o Código Penal
prevê pena de seis a vinte anos de reclusão para o homicídio doloso e de um a três
anos de detenção para o homicídio culposo. Ao estabelecer uma pena mais branda
para o crime culposo o legislador levou em consideração exclusivamente a ausência
101

de voluntariedade do agente, desconsiderando por completo o valor do bem jurídico


tutelado (vida humana). O bem jurídico tutelado em ambas as situações é o mesmo, a
vida humana. Infere-se, portanto, que não é o valor do bem jurídico atingido pela
conduta que vai definir se a mesma ocorreu a título do dolo ou culpa. Essa distinção
deverá ser feita a partir da análise das circunstâncias em que o fato ocorreu.
Essa mesma lógica deve ser adotada quando se tratar de penalidade disciplinar.
Não pode a Administração considerar como dolosa a infração disciplinar em razão da
repercussão econômica provocada pela mesma, desconsiderando as circunstâncias em
que foi praticada. Toda infração disciplinar praticada a título de culpa deve ser punida
como tal, pouco importando o prejuízo dela decorrente.
Como visto em passagem pretérita, a desídia é um exemplo típico de infração
disciplinar cometida a título de culpa, sendo rara a configuração na forma dolosa. A
sua caracterização exige um comportamento desleixado e reiterado do agente público.
Não pode a Administração enquadrar uma conduta isolada (não reiterada) como
desídia apenas por considerar elevado o montante do prejuízo causado aos cofres
públicos. O raciocínio nos parece óbvio, ou a conduta do agente se amolda ao conceito
de desídia ou não, sendo indiferente o valor do prejuízo sofrido pela Administração.
A previsão contida no art. 128 da Lei n 8.112/90, segundo o qual “na aplicação
das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida,
os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou
atenuantes e os antecedentes funcionais” tem aplicação restrita aos casos de dúvida
quanto ao enquadramento legal da infração, e não como parâmetro para definir se a
conduta do infrator foi dolosa ou culposa.
É pertinente acrescentar, ainda, que a hipótese de desídia fica afastada quando
restar demonstrado que o comportamento negligente e desleixado do servidor foi
motivado por circunstâncias alheias à sua vontade (limitações da capacidade física ou
mental do servidor por motivos de enfermidade). Nessa situação hipotética fica
caracterizada a causa supralegal de exclusão da culpabilidade denominada
inexigibilidade de conduta diversa.

CAPÍTULO 6
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

6.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Não há consenso entre os doutrinadores quanto à distinção entre “moralidade
102

administrativa” e “probidade administrativa”. Há uma corrente que defende a tese de


que a probidade é um subprincípio da moralidade. Para outra corrente, a probidade
teria um sentido mais amplo, englobando a moralidade administrativa. Finalmente, há
ainda aqueles que entendem que as duas expressões são sinônimas.
Controvérsias à parte, é pensamento comum entre as diferentes correntes
doutrinárias de que, seja sob a ótica do dever de moralidade quanto do dever de
probidade, o agente público, no exercício de suas funções, deve ter sua atuação
pautada pela honestidade e pelo respeito aos princípios da ética, da lealdade e da boa-
fé. Em síntese, o comportamento ético é inerente à própria função pública (pelo
mesmo deveria ser).
Foi inspirando na ideia de moralidade que o legislador originário faz constar
no texto da Constituição Federal de 1988 que os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (Art. 37, XXII, § 4º).
Como forma de conferir efetividade ao texto da Lei Maior, a Lei nº 8.112/90
inseriu a improbidade administrativa entre as causas de demissão do servidor público
federal. Nada obstante isso, dada a excessiva subjetividade da expressão
“improbidade”, fez-se necessária a elaboração de nova lei, que definisse com mais
precisão os exatos limites do que podemos entender por improbidade administrativa.
Foi nesse cenário que foi aprovada a Lei nº 8.429, de julho de 1992 – a denominada
Lei de Improbidade Administrativa.
É relevante destacar que outros normativos anteriores à Lei nº 8.429/92 já
tratavam do tema, apesar de não fazerem referência expressa ao termo improbidade
administrativa. Esses normativos a que nos referimos são as Leis nº 3.164/57 e
3.502/58, ambas já revogadas.
A Lei nº 3.164/57 previa em seu artigo primeiro que “são sujeitos a sequestro
e à sua perda em favor da Fazenda Pública os bens adquiridos pelo servidor público,
por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade
autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha aquele
incorrido”. Por sua vez, a Lei nº 3.502, além de prever o sequestro e o perdimento de
bens e valores adquiridos pelo servidor público ilicitamente por influência ou abuso
do cargo ou função, enumerava um rol de situações que configuram enriquecimento
ilícito. Ainda de acordo com o art. 4º da mencionada lei, o enriquecimento ilícito
equipara-se aos crimes contra a Administração Pública e o patrimônio público,
sujeitando os responsáveis ao processo criminal e à imposição de penas na forma das
leis penais em vigor.
Antes de abordar as condutas configuradoras da improbidade administrativa
nos termos da Lei nº 8.429/92, consideramos pertinente enfatizar que nem toda
ilegalidade configura esta espécie de ilícito. Na verdade, trata-se de uma ilegalidade
103

qualificada pelo elemento subjetivo dolo ou, excepcionalmente, culpa grave. Em


outras palavras, a configuração da improbidade administrativa exige a demonstração
da má-fé, da desonestidade do agente, não se limitando a mera violação da lei.

6.2 – CONTROVÉRSIA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O primeiro questionamento sobre a constitucionalidade da Lei nº 8.429/92
surgiu logo após a sua aprovação, e dizia respeito à sua suposta tramitação, nas duas
Casas Legislativas, em desacordo com os preceitos previstos pelo art. 65 da
Constituição Federal. Referido dispositivo constitucional estabelece que “o projeto de
lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só terno de discussão e
votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou
arquivado, se o rejeitar”. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo artigo preconiza
que “sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora”.
Essa controvérsia foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada
perante o Supremo Tribunal Federal (ADI 2.182/DF) pelo Partido Trabalhista
Brasileiro PTB, sob o argumento de que a lei padecia de vício de inconstitucionalidade
formal por inobservância do devido processo legislativo bicameral, conforme
preconiza o texto da Constituição Federal. No julgamento a Corte Suprema entendeu,
por maioria, pela inexistência de vícios formais na tramitação do projeto de lei que
deu origem à Lei de Improbidade Administrativa, pondo fim à discussão.
Outra questão que suscita discussão quanto à constitucionalidade diz respeito
à ampliação, pela Lei de Improbidade Administrativa, do rol de punições além
daquelas previstas pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal. Atualmente o
entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência é no sentido de que
compete ao legislador ordinário promover a tipificação de condutas ilícitas e a fixação
das penas correspondentes. Ainda segundo essa corrente, a enumeração contida na
redação do texto constitucional é meramente exemplificativa, razão pela qual não há
falar em inconstitucionalidade no ato de tipificar outras condutas em norma inferior
hierarquicamente (lei ordinária ou complementar).
Não menos polêmica é a discussão sobre a competência dos entes federados
para legislar sobre improbidade administrativa. Em matéria legislativa a Constituição
Federal de 1988 estabeleceu a seguinte divisão de competência: a) definiu as matérias
de competências privativa da União no art. 22; b) definiu as matérias da competência
privativa dos municípios no art. 30, I; c) definiu as matérias de competência
remanescente ou residual para os estados no art. 25, § 1º; e d) definiu as matérias de
competência concorrente entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios
no art. 24.
No tocante à improbidade administrativa, o texto da Carta Política se limita a
dizer em seu art. 37, § 4º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
104

bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo


da ação penal cabível”, nada dispondo sobre a competência para legislar sobre a
matéria. Inobstante isso, uma leitura perfunctória dos dispositivos contidos na Lei nº
8.429/99 nos permite inferir que as sanções ali previstas são predominantemente de
natureza política ou cível, sendo que a competência para estabelecer normas gerais
nessas duas éreas do direito é privativa da União, por força do estabelecido no art. 22,
I, da Constituição Federal.
Por outro lado, o mesmo diploma legal (Lei de Improbidade Administrativa)
contempla também regras de natureza administrativa, que se encontra inserida na
competência de todos os entes federados, por força da autonomia federativa
preconizada pelo próprio texto constitucional. Nessa linha de raciocínio, chega-se à
conclusão de que a competência para legislar sobre improbidade administrativa
poderá ser concorrente ou privativa da União, a depender da natureza da matéria a ser
disciplinada.
Superada a controvérsia sobre a competência para legislar sobre o tema
“improbidade administrativa” surge a questão de saber se a lei nº 8.429/99 é aplicada
a todos os entes da Federação ou fica restrita à Administração Pública Federal. Em
nosso modo de pensar, aqueles dispositivos que tratam de atos de improbidade
administrativa e as sanções de natureza cível ou política tem natureza de lei nacional,
sendo de observância obrigatória pela União e todos os entes da Federação. Por outro
lado, aqueles dispositivos que apresentam conteúdo de natureza administrativa têm
aplicação restrita na esfera federal. A título de exemplo podemos mencionar o disposto
pelo parágrafo único do art. 20, segundo o qual “a autoridade judicial ou
administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do
exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a
medida se fizer necessária à instrução processual”. Em nosso entendimento, não pode
uma lei editada pelo Parlamento Federal determinar o afastamento de um agente
público estadual ou municipal, dada a autonomia federativa assegurada pela atual
Constituição Federal.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DE MULTA ELEITORAL E SANÇÃO
POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
A condenação pela Justiça Eleitoral ao pagamento de multa por infringência às
disposições contidas na Lei n. 9.504/1997 (Lei das Eleições) não impede a imposição
de nenhuma das sanções previstas na Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade
Administrativa - LIA), inclusive da multa civil, pelo ato de improbidade decorrente
da mesma conduta. Por expressa disposição legal (art. 12 da LIA), as penalidades
impostas pela prática de ato de improbidade administrativa independem das demais
sanções penais, civis e administrativas previstas em legislação específica. Desse
105

modo, o fato de o agente ímprobo ter sido condenado pela Justiça Eleitoral ao
pagamento de multa por infringência às disposições contidas na Lei das Eleições
não impede sua condenação em quaisquer das sanções previstas na LIA, não
havendo falar em bis in idem. AgRg no AREsp 606.352-SP, Rel. Min. Assusete
Magalhães, julgado em 15/12/2015, DJe 10/2/2016.

6.3 – ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


As condutas previstas pela Lei nº 8.429/92 como caracterizadoras de atos de
improbidade administrativa foram classificadas em quatro grupos distintos, quais
sejam: 1) atos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito
(art. 9º); 2) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art.
10); 3) atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação
indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A); e 4) atos de improbidade
administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública.

6.3.1 – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO


Os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícitos
foram enumerados pelo art. 9º da Lei nº 8.429/92, que apresenta a seguinte redação:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou
atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou
qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de
comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse,
direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou
omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação
de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor
de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de
serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei,
bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades;
106

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,


para tolerar a exploração ou prática de jogos de azar, de lenocínio, de
narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade
ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta
para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras
públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida,
qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer
das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse
suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou
aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que
esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta Lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
Como se percebe, o pressuposto básico dessa categoria de atos de improbidade
administrativa é a obtenção de vantagem indevida em razão do exercício do cargo,
mandato, função emprego ou atividade nas entidades elencadas pelo art. 1º da
mencionada lei. A presença da partícula “notadamente” no final da redação do caput
do artigo nos leva a concluir que o rol ali apresentado é meramente exemplificativo,
havendo outras situações (além das previstas no artigo) configuradoras de ato de
improbidade administrativa. Nada obstante não haver consenso entre os
doutrinadores, a tese mais aceita é aquela segundo a qual o legislador optou por
descrever no caput as condutas genéricas configuradoras da improbidade e nos incisos
as condutas específicas, que configuram relação meramente exemplificativa.
A configuração do lícito exige o efetivo recebimento da vantagem indevida,
pouco importando se do ato resultou prejuízo econômico aos cofres públicos. Por
exemplo, o agente recebe a vantagem como contrapartida pela implementação de uma
107

providência que seria adotada independentemente do pagamento. Nessa situação


hipotética, em que pese não haver prejuízo ao erário, a improbidade fica configurada,
pois houve acréscimo indevido do patrimonial do agente improbo. Em síntese, a
configuração da improbidade exige que a vantagem auferida pelo agente público seja
ilícita, e não o ato em si.
Ademais disso, exige a presença do elemento subjetivo dolo. Aliás, todas as
condutas descritas no art. 9º são incompatíveis com a forma culposa. Em outras
palavras, não há improbidade administrativa por enriquecimento ilícito a título de
culpa. Observem que os doze incisos apresentam como verbo núcleo do tipo as
expressões “receber”, “utilizar”, “adquirir”, “aceitar”, “incorporar” e “usar”, o que
nos permite inferir que é imprescindível a presença do elemento volitivo do agente,
exigindo-se uma conduta comissiva. Coma devida vênia, não concordamos com a tese
defendida por alguns autores, de que a improbidade por enriquecimento ilícito pode
ser praticada mediante conduta culposa do agente.
A improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito representa
uma forma especial de valimento do cargo (art. 117, IX, da Lei nº 8.112/90). É o que
podemos inferir a partir da expressão “indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade”. Além disso, a depender do tipo de conduta
praticada pelo agente, a mesma pode configurar o crime de corrupção passiva (art.
317 do Código Penal).
Abrangência da expressão vantagem patrimonial: uma interpretação literal
do caput do art. 9º da Lei nº 8.429/92 indica que a configuração da improbidade
administrativa por enriquecimento ilícito exige que a vantagem auferida possa
repercutir no patrimônio do agente transgressor. Em nosso modo de pensar, o termo
“patrimonial” deve ser considerada em sua acepção mais abrangente, de modo a
abarcar qualquer vantagem que possa ser mensurada economicamente, ainda que não
provoque aumento no patrimônio do agente. É o que ocorre, por exemplo, com o
agente que, valendo-se das prerrogativas inerentes ao cargo que exerce em
determinado órgão da Administração Pública Federal, solicita e é contemplado com
uma bolsa de estudo em uma instituição de ensino particular. Em que pese a vantagem
não tenha a aptidão para provocar alteração em seu patrimônio, não resta dúvida que
a conduta destoa por completo do padrão ético que se espera de todo agente público.
Nessa linha de raciocínio, o simples fato de a vantagem indevida não provocar
diretamente aumento no patrimônio do agente público não tem o condão de
descaracterizar a improbidade administrativa por enriquecimento ilícito. Na situação
hipotética apresentada, em última análise houve dispensa do pagamento das
mensalidades, acabando por repercutir, ainda que indiretamente, na situação
econômica do agente público transgressor.
108

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE LESÃO AO PATRIMÔNIO
PÚBLICO EM ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE IMPORTA
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
Ainda que não haja dano ao erário, é possível a condenação por ato de improbidade
administrativa que importe enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei n. 8.429/1992),
excluindo-se, contudo, a possibilidade de aplicação da pena de ressarcimento ao
erário. Isso porque, comprovada a ilegalidade na conduta do agente, bem como a
presença do dolo indispensável à configuração do ato de improbidade
administrativa, a ausência de dano ao patrimônio público exclui tão-somente a
possibilidade de condenação na pena de ressarcimento ao erário. As demais
penalidades são, em tese, compatíveis com os atos de improbidade tipificados no
art. 9º da LIA. REsp 1.412.214-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para
acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/3/2016, DJe 28/3/2016.

6.3.2 – ATOS QUE CAUSAM PREJUÍZO AO ERÁRIO


As condutas configuradoras de ato de improbidade administrativa que causam
prejuízo ao erário foram descritas pelo art. 10 da Lei nº 8.429/92, da seguinte forma:
Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas
no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado,
ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou
valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º
desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares
aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem
integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º
desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço
109

inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou
serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo
para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou
dispensá-los indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei
ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como
no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,
máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade
ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta
lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a
prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar
as formalidades previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e
prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas
na lei.
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao
patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas
ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades
privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XVII -
permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração
pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
110

espécie;
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades
privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares
aplicáveis à espécie;
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das
prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas;
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
Os atos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário acima
enumerados se relacionam a condutas comissivas ou omissivas, dolosas ou culposas,
que acarretam perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação
dos bens ou haveres da Administração Pública e demais entidades mencionadas no
art. 1º da Lei nº 8.429/92. Como o próprio título sugere, a configuração do ato de
improbidade exige a comprovação da ocorrência de prejuízo ao erário, pouco
importando se houve enriqueceu ilicitamente do agente transgressor ou não.
Elemento subjetivo: a configuração do ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário pode ocorrer a título de culpa ou dolo, a depender da natureza
da conduta do agente. Apenas a título de exemplo, o ato de “frustrar a licitude de
processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com
entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente” (inciso VIII) é
incompatível com a forma culposa. Ou seja, ninguém frauda alguma coisa por
negligência, imprudência ou imperícia (elementos da culpa). Por outro lado, o ato de
“agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas
de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas” (inciso
XIX) necessariamente deverá ocorrer por culpa. A presença da expressão “agir
negligentemente” na redação do inciso não deixa dúvida. A negligência é a forma
negativa da culpa.
Alcance do termo erário: não há consenso entre os doutrinadores quanto ao
alcance da expressão “erário” utilizada pelo legislador na redação da lei. A
divergência decorre da não coincidência de significado dos termos “patrimônio
público” e “erário”. Aquele tem alcance mais abrangente, alcançando inclusive os
bens de natureza não econômica; enquanto que este se relaciona a recursos financeiros
provenientes dos cofres públicos.
111

Para parcela considerável da doutrina, qualquer que seja o prejuízo público


causado à Administração configura ato de improbidade administrativa. Por outro lado,
há aqueles que advogam a tese mais restritiva, segundo a qual para a configuração do
ilícito o prejuízo necessariamente deverá ser financeiro. De nossa parte, nos filiamos
à primeira corrente, por entender que não há razão plausível para excluir do raio de
proteção da lei uma categoria de bem. Em que pese patrimônio público e erário não
sejam conceitos coincidentes, a natureza pública sempre se faz presente em ambos.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE LESÃO AO PATRIMÔNIO
PÚBLICO EM ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE IMPORTA
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
Ainda que não haja dano ao erário, é possível a condenação por ato de improbidade
administrativa que importe enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei n. 8.429/1992),
excluindo-se, contudo, a possibilidade de aplicação da pena de ressarcimento ao
erário. Isso porque, comprovada a ilegalidade na conduta do agente, bem como a
presença do dolo indispensável à configuração do ato de improbidade
administrativa, a ausência de dano ao patrimônio público exclui tão-somente a
possibilidade de condenação na pena de ressarcimento ao erário. As demais
penalidades são, em tese, 1. compatíveis com os atos de improbidade tipificados no
art. 9º da LIA. REsp 1.412.214-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para
acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/3/2016, DJe 28/3/2016.
DIREITO ADMINISTRATIVO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE
CAUSE LESÃO AO ERÁRIO.
Para a configuração dos atos de improbidade administrativa que causem prejuízo
ao erário (art. 10 da Lei 8.429/1992), é indispensável a comprovação de efetivo
prejuízo aos cofres públicos. Precedentes citados: REsp 1.233.502-MG, Segunda
Turma, DJe 23/8/2012; e REsp 1.206.741-SP, Primeira Turma, D Je 23/5/2012.REsp
1.173.677-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/8/2013.
DIREITO ADMINISTRATIVO. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA NA HIPÓTESE
DO ART. 10, VIII, DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
É cabível a aplicação da pena de ressarcimento ao erário nos casos de ato de
improbidade administrativa consistente na dispensa ilegal de procedimento
licitatório (art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992) mediante fracionamento indevido do
objeto licitado. De fato, conforme entendimento jurisprudencial do STJ, a existência
de prejuízo ao erário é condição para determinar o ressarcimento ao erário, nos
moldes do art. 21, I, da Lei 8.429/1992 (REsp 1.214.605-SP, Segunda Turma, DJe
13/6/2013; e REsp 1.038.777-SP, Primeira Turma, DJe 16/3/2011). No caso, não há
como concluir pela inexistência do dano, pois o prejuízo ao erário é inerente (in re
ipsa) à conduta ímproba, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a
112

melhor proposta, por condutas de administradores. Precedentes citados: REsp


1.280.321-MG, Segunda Turma, DJe 9/3/2012; e REsp 817.921-SP, Segunda Turma,
DJe 6/12/2012. REsp 1.376.524-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
2/9/2014.

6.3.3 – APLICAÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO FINANCEIRO OU


TRIBUTÁRIO
Novidade introduzida pela Lei Complementar nº 157/2016, trata-se de um rol
taxativo de situações caracterizadoras de ato de improbidade administrativa.
Preceitua o art. 10-A da Lei nº 8.429/92 que “constitui ato de improbidade
administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício
financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1.º do art. 8.º- A da
Lei Complementar n.º 116, de 31 de julho de 2003”.
A Lei Complementar nº 116/2003 dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza - ISS, de competência dos municípios e do Distrito Federal. Infere-
se, portanto, que a proibição é direcionada aos agentes ocupantes de cargo ou função
na Administração Pública desses entes federados, não alcançando os agentes
vinculados aos poderes da União e dos Estados, visto que o benefício fiscal somete
poder ser concedido pelo ente competente para instituir e cobrar o tributo.
A caracterização do ato de improbidade em questão depende da efetiva
concessão, aplicação ou manutenção de benefício financeiro ou tributário de que trata
a lei complementar em referência, o que nos permite inferir que ocorrer
predominantemente a título de dolo ou, excepcionalmente, por culpa.

6.3.4 – ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Previstos pelo art. 11 da Lei nº 8.429/92, que tem a seguinte redação:
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole
os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
113

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;


VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes
da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica
capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e
aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas.
X - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos
na legislação.
Nesta última categoria de atos a configuração da improbidade prescinde do
enriquecimento sem causa do agente ou mesmo da existência de prejuízo aos cofres
públicos, sendo suficiente apenas a violação aos princípios aplicáveis à Administração
Pública. É importante deixar claro que restará configurada a improbidade
administrativa na hipótese de violação a todo e qualquer princípio, expresso ou
implícito, bastando que o mesmo seja aplicável à Administração Pública. Dada a
subjetividade envolvida na definição do que se pode entender como atentado contra
princípios da administração pública, quando da análise do enquadramento da conduta
o aplicador do direito ao caso concreto deve se cercar da máxima prudência, sempre
balizando sua decisão pelo princípio da proporcionalidade, sem perder de vista que as
normas que tutelam a probidade administrativa tem por objetivo punir o ato desonesto,
e não a carência de habilidade profissional do agente público. Sendo assim, nem toda
conduta praticada em desconformidade com a lei configura ato de improbidade
administrativa.
A abertura semântica que caracteriza a tipificação do art. 11 é alvo de
contundentes críticas de parcela significativa dos doutrinadores. Para essa corrente de
pensadores, o princípio da legalidade, sob o prisma da taxatividade, é aplicado a todos
os ramos do direito punitivo, de modo que não pode o Estado pretender punir o agente
público com base em preceitos abertos, que admitem variadas interpretações. Ainda
segundo essa corrente, com a qual concordamos, somente se pode punir alguém pela
prática de ato ilícito quando essa pessoa puder identificar com clareza os exatos
limites entre o que é proibido e o que é permitido.
Em nossa modesta opinião, a punição do ato de improbidade administrativa
por violação de princípios aplicados à administração pública passa necessariamente
pelo bom senso e ponderação, não devendo o aplicador do direito se contentar com a
mera verificação de violação de um princípio. Uma conduta para ser reputada ilícita
e punível deverá atender conjuntamente aos requisitos da tipicidade formal e material,
não se contentando com a simples descrição na lei como proibida. Nessa linha de
raciocínio, para ser punível, além de contrariar o ordenamento jurídico (tipicidade
formal) a conduta deve ser grave a ponto de merecer a reprimenda por parte do Estado
(tipicidade material). É nessa premissa que é alicerçado o princípio da insignificância
114

aplicado predominantemente no direito criminal, cujo escopo é restringir a punição às


condutas mais graves, evitando-se a persecução penal no caso de condutas que
provocam ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.
Elemento subjetivo: a tese mais aceita pela doutrina e pela jurisprudência é a
de que a configuração da improbidade administrativa que atenta contra os princípios
da Administração Pública exige a presença do elemento subjetivo da conduta “dolo”.
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça - STJ, a aplicação do art. 11 da Lei
8.429/1992 depende da comprovação do dolo eventual ou genérico de realizar conduta
que atente contra os princípios da Administração Pública, não sendo necessário haver
intenção específica (dolo específico) para caracterizar o ato como ímprobo, pois a
atuação deliberada em desrespeito às normas legais, cujo desconhecimento é
inescusável, evidencia a presença do dolo. Ainda segundo este Tribunal, é
imprescindível a configuração da má-fé do sujeito ativo para incidência do art. 11 da
Lei de Improbidade Administrativa, não sendo suficiente a mera prática de
irregularidade administrativa.
De nossa parte, defendemos a tese de que a violação de princípios da
Administração Público pode ocorrer tanto a título de dolo como de culpa. Chega-se a
essa conclusão após uma breve análise da redação contida nos incisos do art. 11 da
Lei de Improbidade. Por exemplo, “praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” (inciso I) é típica
conduta dolosa, eis que ninguém pratica algo visando finalidade específica por culpa.
Já o ato de “deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo” (inciso VI)
pode ocorre tanto por negligência (culpa), bem como de forma deliberada por quem
detinha o dever de prestar, ou seja, de forma dolosa.
Conduta comissiva ou omissiva: a configuração da improbidade
administrativa por violação dos princípios da Administração Pública decorre de
conduta comissiva ou omissiva. Além da expressa previsão contida no caput do artigo
(ação ou omissão), o rol trazido nos incisos seguintes não deixa dúvida. Por exemplo,
o inciso II fala em “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”,
típica conduta omissiva. Por sua vez, o inciso I indica “praticar ato visando fim
proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência”, ação caracterizadora de conduta comissiva.
Rol meramente exemplificativo: a presença da expressão “notadamente” na
redação do caput do art. 11 indica que as condutas elencadas nos dez incisos são
meramente exemplificativas. Como dito antes, a configuração da improbidade
administrativa decorre da violação de qualquer princípio aplicável à Administração
Pública, seja ele expresso ou implícito. Como as situações elencadas nos dez incisos
do artigo não contemplam todas as hipóteses de violação dos princípios republicanos,
é intuitiva concluir que o rol ali contido é meramente exemplificativo.
115

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. REQUISITO PARA A CONFIGURAÇÃO DE ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE ATENTE CONTRA OS PRINCÍPIOS
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Para a configuração dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os
princípios da administração pública (art. 11 da Lei 8.429/1992), é dispensável a
comprovação de efetivo prejuízo aos cofres públicos. De fato, o art. 21, I, da Lei
8.429/1992 dispensa a ocorrência de efetivo dano ao patrimônio público como
condição de aplicação das sanções por ato de improbidade, salvo quanto à pena de
ressarcimento. Precedentes citados: REsp 1.320.315-DF, Segunda Turma, DJe
20/11/2013; e AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 1.066.824-PA, Primeira Turma, DJe
18/9/2013. REsp 1.192.758-MG, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
Rel. para acórdão Min. Sérgio Kukina, julgado em 4/9/2014.
DIREITO ADMINISTRATIVO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
O atraso do administrador na prestação de contas, sem que exista dolo, não
configura, por si só, ato de improbidade administrativa que atente contra os
princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei n. 8.429/92). Isso porque, para
a configuração dessa espécie de ato de improbidade administrativa, é necessária a
prática dolosa de conduta que atente contra os princípios da Administração Pública.
Dessa forma, há improbidade administrativa na omissão dolosa do administrador,
pois o dever de prestar contas está relacionado ao princípio da publicidade, tendo
por objetivo dar transparência ao uso de recursos e de bens públicos por parte do
agente estatal. Todavia, o simples atraso na entrega das contas, sem que exista dolo
na espécie, não configura ato de improbidade. Precedente citado: REsp 1.307.925-
TO, Rel. Segunda Turma, DJe 23/8/2012. gRg no REsp 1.382.436-RN, Rel. Min.
Humberto Martins, julgado em 20/8/2013.

6.4 – SUJEITO PASSIVO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


O sujeito passivo de qualquer infração é o titular do bem jurídico tutelado pela
norma punitiva. Na improbidade administrativa é a pessoa jurídica prejudicada pela
conduta ímproba. Segundo o disposto no art. 1.º, caput e parágrafo único, da Lei
8.429/1992, figuram nessa qualidade a administração direta, indireta ou fundacional
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios,
de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja
criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, bem como as entidades que receba
subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como
116

daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos
de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.
Para fins de identificação do sujeito passivo do ato de improbidade
administrativa leva-se em consideração a titularidade do bem jurídico atingido, seja
ele de natureza econômica ou não. Sendo assim, entendemos que podem figurar ainda
como vítima de ato ímprobo partidos políticos, Organizações Sociais - OS,
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPs, Serviços Sociais
Autônomos (Sistema S) e qualquer ente que administre recursos públicos ou que
atuam em nome do Estado.

6.5 – SUJEITO ATIVO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Sujeito ativo de qualquer infração é aquele que praticar a conduta descrita na
lei como proibida. A Lei nº 8.429/92 classificou o sujeito ativo da improbidade
administrativa em duas categorias: a) agentes públicos; e b) particulares.

6.5.1 – AGENTES PÚBLICOS


A expressão “agentes públicos” foi utilizada na lei de improbidade
administrativa em sua acepção mais abrangente, incluindo-se nesse rol toda pessoa
física que desempenha função pública, ou seja, que atuam em nome do Estado. Essa
é a conclusão que se chega a partir da leitura da redação do art. 2º da mencionada lei,
que assim dispões:
Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas
no artigo anterior.
Infere-se desse texto que podem figurar no polo passivo da ação civil de
improbidade administrativa tanto o agente que mantém vínculo efetivo com a
Administração Pública (servidores públicos, por exemplo), como o particular que,
embora sem vínculo, exercem atividades de interesse público (estagiário, por
exemplo).
No julgamento da Reclamação 2.138/DF o Supremo Tribunal Federal
manifestou o entendimento segundo o qual os Ministros de Estado (agentes políticos),
por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por
improbidade administrativa com base na Lei 8.429/1992, mas apenas por crime de
responsabilidade previsto na Lei 1.079/1950. Referida Decisão foi relativa apenas aos
Ministros de Estado, de sorte que é incorreto generalizar e afirmar, com base naquele
julgado, que todos os agentes políticos estão excluídos da aplicação da Lei de
Improbidade Administrativa. O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu que
membros do Congresso Nacional podem praticar ato de improbidade administrativa,
visto que a legislação infraconstitucional não prevê crime de responsabilidade para
117

esses agentes políticos.

Lei nº 1.079/50
Art. 13. São crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado:
1 - os atos definidos nesta lei, quando por eles praticados ou ordenados;
2 - os atos previstos nesta lei que os Ministros assinarem com o Presidente da
República ou por ordem deste praticarem;
3 - A falta de comparecimento sem justificação, perante a Câmara dos Deputados ou
o Senado Federal, ou qualquer das suas comissões, quando uma ou outra casa do
Congresso os convocar para pessoalmente, prestarem informações acerca de assunto
previamente determinado;
4 - Não prestarem dentro em trinta dias e sem motivo justo, a qualquer das Câmaras
do Congresso Nacional, as informações que ela lhes solicitar por escrito, ou
prestarem-nas com falsidade.
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
DIREITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A ESTAGIÁRIO.
O estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado
ou não, está sujeito a responsabilização por ato de improbidade administrativa (Lei
8.429/1992). De fato, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da
Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), abrange não apenas os
servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra
forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na
Administração Pública. Assim, na hipótese em análise, o estagiário, que atua no
serviço público, enquadra-se no conceito legal de agente público preconizado pela
Lei 8.429/1992. Ademais, as disposições desse diploma legal são aplicáveis também
àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do
ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta. Isso
porque o objetivo da Lei de Improbidade não é apenas punir, mas também afastar
do serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função
pública. REsp 1.352.035-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/8/2015,
DJe 8/9/2015.

6.5.2 - PARTICULARES
Fazem parte desse rol as pessoas que, mesma sem vínculo com a
Administração Pública, de alguma forma colaboram para a prática do ato de
improbidade administrativa. Essa é a conclusão que se extrai da redação do art. 3º da
118

Lei nº 8.429/92, que assim dispõe:


As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo
não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Ao assim dispor, a intenção do legislador foi conferir maior efetividade ao
combate à prática de atos lesivos ao patrimônio estatal, estabelecendo, para tanto, a
possibilidade de aplicação de suas normas não apenas aos agentes públicos, mas,
também, aos particulares que induzam ou concorram para o ato de improbidade.
A responsabilização do particular por ato de improbidade administrativa requer
a comprovação do dolo, ou seja, que este agiu deliberadamente com o objetivo de
induzir ou concorrer para a prática da conduta ímproba ou se beneficiar da mesma.
Há que se enfatizar, por fim, que o terceiro não pode praticar isoladamente o ato de
improbidade administrativa, sendo indispensável para tanto a participação de um
agente público. Nos tribunais superiores prevalece o entendimento segundo o qual o
particular (terceiro) submetido à lei que tutela a probidade administrativa pode ser
pessoa física ou jurídica.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA AJUIZADA APENAS EM FACE DE PARTICULAR.
Não é possível o ajuizamento de ação de improbidade administrativa exclusivamente
em face de particular, sem a concomitante presença de agente público no polo
passivo da demanda. De início, ressalta-se que os particulares estão sujeitos aos
ditames da Lei 8.429/1992 (LIA), não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do
ato de improbidade restrito aos agentes públicos. Entretanto, analisando-se o art. 3º
da LIA, observa-se que o particular será incurso nas sanções decorrentes do ato
ímprobo nas seguintes circunstâncias: a) induzir, ou seja, incutir no agente público
o estado mental tendente à prática do ilícito; b) concorrer juntamente com o agente
público para a prática do ato; e c) quando se beneficiar, direta ou indiretamente do
ato ilícito praticado pelo agente público. Diante disso, é inviável o manejo da ação
civil de improbidade exclusivamente contra o particular. Precedentes citados: REsp
896.044-PA, Segunda Turma, DJe 19/4/2011; REsp 1.181.300

6.6 – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


Previsto nos artigos 15 e 16 da Lei de Improbidade Administrativa, é o
instrumento de natureza processual por intermédio do qual serão colhidos os
elementos que fundamentarão a instauração do procedimento judicial correspondente.
Nada obstante a lei não aponte o procedimento administrativo como condição para o
ingresso na via judicial, não há como negar a relevância da medida, notadamente em
119

razão do previsto pelo § 6º do art. 17, segundo o qual “a ação será instruída com
documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato
de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação
de qualquer dessas provas…”.
O procedimento poderá ser instaurado a partir de representação feita por
qualquer pessoa, seja física ou jurídica, exigindo-se apenas que a mesma preencha os
requisitos estabelecidos na lei, quais sejam: a) seja elaborada na forma escrita ou
reduzida a termo e assinada; b) contenha a qualificação do representante; c) apresente
informações sobre o fato e sua suposta autoria; e d) indique as provas de que tenha
conhecimento. O não preenchimento dos requisitos acima indicados implica a rejeição
da representação por parte da autoridade competente, mediante decisão devidamente
fundamentada. Todavia, a rejeição pela autoridade competente, por si só, não impede
que a pessoa interessada represente ao Ministério Público, que de posse das
informações recebidas poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou
procedimento administrativo.

6.7. MEDIDAS CAUTELARES


Medidas cautelares são providências adotadas pela autoridade competente no
curso das investigações, visando garantir a utilidade do processo ou a efetividade da
decisão definitiva que será proferida ao final do mesmo. A lei de improbidade
administrativa previu três modalidades de medidas cautelares, quais seja: a)
indisponibilidade de bens; b) sequestro de bens; e c) afastamento do cargo, emprego
ou função pública.
Indisponibilidade de bens: esta medida será adotada quando o ato reputado
ímprobo causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito. A
medida não tem por finalidade punir o agente, e sim assegurar o interesse da
Administração mediante a recomposição do patrimônio público atingido pelo ato
ilícito. Trata-se de ação de natureza judicial promovida pelo Ministério Público ou a
requerimento da pessoa jurídica interessada, não havendo na doutrina consenso
quando à possibilidade de o juiz conceder a medida de ofício.
Sequestro de bens: trata-se de medida que recai sobre coisa certa e
determinada, não atingindo indistintamente o patrimônio do agente público. Poderá
ser requerida pelo Ministério Público ou pela procuradoria do órgão atingido pelo ato
ímprobo, a partir de representação da comissão processante, sempre que houver
fundados indícios de enriquecimento ilícito ou dano ao patrimônio público.
Afastamento do cargo, emprego ou função pública: é a medida adotada pela
autoridade judicial ou administrativa, sempre que a mesma se fizer necessária à
instrução processual. O fundamento da medida é idêntico ao previsto no processo
administrativo disciplinar regulado pela lei nº 8.112/90, que é evitar eventuais
interferências indesejadas do agente público no processo de investigação.
120

Nos tribunais superiores tem prevalecido o entendimento segundo o qual o uso


da medida cautelar de afastamento do cargo, emprego ou função pública exige cautela
e ponderação, devendo ser adotada apenas quando houver prova irrefutável de que a
permanência do agente no exercício do cargo ou função pública poderá comprometer
o regular andamento do processo. Nesse contexto, a autorização legal não pode ser
interpretada como um “cheque em branco” a ser utilizado pela autoridade competente
a seu bel prazer.

6.8 – NATUREZA DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


A lei de improbidade administrativa contempla em seu texto dispositivo afeto
aos mais variados ramos do direito (civil, penal e administrativo), levando aqueles que
militam no ramo das ciências jurídicas a se depararem com a dúvida quanto à natureza
jurídica da ação civil de improbidade administrativa. Há uma corrente doutrinária que
defende a tese de que não se confundem a ação de improbidade administrativa de que
trata da Lei nº 8.429/92 com a ação civil pública regida pela Lei nº 7.347/1985, nada
obstante a natureza dos interesses materiais tutelados em ambas as ações seja
coincidente. Tanto a ação civil pública como a ação de improbidade administrativa
constituem instrumentos utilizados na defesa de interesses da sociedade, portanto,
transindividuais.
Ainda sobre o tema, vejam o teor do seguinte julgado do Superior Tribunal de
Justiça:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA E REEXAME NECESSÁRIO.
A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de
improbidade administrativa não está sujeita ao reexame necessário
previsto no art. 19 da Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965). Isso porque
essa espécie de ação segue um rito próprio e tem objeto específico,
disciplinado na Lei 8.429/1992, não cabendo, neste caso, analogia,
paralelismo ou outra forma de interpretação, para importar instituto
criado em lei diversa. A ausência de previsão da remessa de ofício, na
hipótese em análise, não pode ser vista como uma lacuna da Lei de
Improbidade que precisa ser preenchida, mormente por ser o reexame
necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo,
portanto, ser interpretado restritivamente. REsp 1.220.667-MG, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 4/9/2014.
Finalmente, há uma segunda corrente doutrinária que advoga a tese de que a
ação de improbidade administrativa nada mais é do que uma espécie de ação civil
pública. O fato de a Lei nº 7.347/85 (lei da ação civil pública) não ter inserido o ato
de improbidade administrativa entre aqueles que legitimam a propositura da ação civil
pública não pode servir de fundamento para tese contrária, pois o rol enumerado pelo
121

art. 1º do referido diploma legal é meramente exemplificativo, havendo outras


situações ali não previstas que podem ser objeto da ação civil pública. Esse é o
entendimento no STJ, conforme julgado abaixo transcrito:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MP PARA
AJUIZAR ACP CUJA CAUSA DE PEDIR SEJA FUNDADA EM
CONTROVÉRSIA TRIBUTÁRIA.
O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública cujo
pedido seja a condenação por improbidade administrativa de agente
público que tenha cobrado taxa por valor superior ao custo do serviço
prestado, ainda que a causa de pedir envolva questões tributárias. De
acordo com o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985, não será
cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos.
Essa restrição, entretanto, está relacionada ao pedido, o qual tem aptidão
para formar coisa julgada, e não à causa de pedir. Na hipótese em foco, a
análise da questão tributária é indispensável para que se constate
eventual ato de improbidade, por ofensa ao princípio da legalidade,
configurando causa de pedir em relação à pretensão condenatória,
estando, portanto, fora do alcance da vedação prevista no referido
dispositivo. REsp 1.387.960-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
22/5/2014.
De nossa parte, entendemos que a nomenclatura que individualiza a ação é de
pouca ou nenhuma utilidade prática, visto que o direito difuso tutelado por meio da
ação regulamentada pela Lei 8.429/1992 pode ser objeto de ação popular, de ação civil
pública e de ação de improbidade administrativa. Na defesa de tais interesses é
indiferente o fato de o legitimado ingressar com a ação e denominá-la de ação de
improbidade administrativa ou ação civil pública. A nomenclatura não tem nenhuma
relevância, pois o que interessa é a legitimidade do proponente e o interesse tutelado
pela ação.

6.9 – PRESCRIÇAÕ DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Como será visto em capítulo específico mais adiante, prescrição é a extinção
da pretensão relacionada um direito subjetivo em face da inércia de quem tem
legitimidade para exigi-lo. Os prazos prescricionais da ação civil de improbidade
administrativa forma estabelecido pelo art. 23 da Lei nº 8.429/1992, nos seguintes
termos:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta
Lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas
122

disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos


de exercício de cargo efetivo ou emprego.
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da
prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do
art. 1º desta Lei.
Pelo que se extrai do texto acima transcrito, a lei estabeleceu três prazos
prescricionais distintos, classificados em função da condição do agente responsável
pela prática do ato de improbidade administrativa, quais sejam:
a) inciso I – quando se tratar de agentes que mantém vínculo precário com a
administração;
b) inciso II – no caso de agentes que mantém vínculo efetivo com a
administração pública; e
c) inciso III – no caso de entidade que receba subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação
ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do
patrimônio ou da receita anual.
É oportuno chamar a atenção para o fato de a lei nada dispor a respeito do prazo
prescricional no caso em que o sujeito ativo do ato de improbidade administrativa for
servidor contratado por tempo determinado. Em nosso modo de pensar, por se tratar
de agente cujo vínculo com a Administração Pública tem prazo final previamente
estabelecido em contrato, por analogia deve ser utilizada a mesma regra prevista para
o ocupante de mandato, cargo em comissão e função de confiança.
A mesma omissão se verifica quando se tratar de improbidade administrativa
praticada por terceiros. A doutrina mais atualizada vem adotando o entendimento
segundo o qual, na ausência de regra especial sobre o assunto, deve incidir a regra
estabelecida pelo art. 205 do Código Civil, onde o prazo prescricional é de dez anos.
Com a devida vênia, descordamos desse entendimento. Em nosso modo de pensar, o
prazo prescricional a ser utilizado na ação de improbidade administrativa na qual
figura como sujeito passivo o particular deve ser o mesmo aplicado ao agente público
que, em coautoria, praticou o ato ímprobo. Esse entendimento se encontra em perfeita
sintonia com a decisão proferida pelo STJ reproduzida em passagem pretérita,
segundo a qual “não é possível o ajuizamento de ação de improbidade administrativa
exclusivamente em face de particular, sem a concomitante presença de agente público
no polo passivo da demanda”.

6.9.1 – PRESCRIÇÃO DE CINCO ANOS (Art. 23, I)


Pelo exposto no inciso I do art. 23, as ações destinadas a levar a efeitos as
sanções previstas na lei de improbidade administrativa podem ser propostas até cinco
anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de
123

confiança.
As três classes de agentes acima mencionadas apresentam em comum a
inexistência de vínculo efetivo com a Administração Pública. Os cargos de mandato
eletivos geralmente são preenchidos por tempo previamente determinado e seus
ocupantes exercem função de natureza política. Por sua vez, os cargos em comissão e
função de confiança, nada obstante inexistir um prazo final determinado para a sua
ocupação, são casos que cabem a exoneração ad nutum, ou seja, a autoridade
competente para nomear pode exonerar a qualquer momento, prescindindo de
motivação.
É importante deixar claro que a regra prevista pelo inciso I não se aplica no
caso em que o ocupante do cargo em comissão mantém vínculo efetivo com a
Administração Pública, prevalecendo, nesse caso, o prazo previsto pelo inciso II.

6.9.2 – SERVIDORES ESTATUTÁRIOS E EMPREGADOS PÚBLICOS


Para essas duas categorias de agentes públicos prevalece os prazos
prescricionais estabelecidos em lei específica para aplicação da sanção de demissão.
Na redação do inciso o legislador fez uso da expressão “demissão a bem do serviço
público”, espécie de pena inexistente no atual ordenamento jurídico. O termo existia
na redação do antigo estatuto dos servidores aprovado pela Lei nº 1.711, de
28/10/1952) e na Lei nº 8.027, de 12/04/1990. Referidos normativos foram revogados
pela Lei nº 8.112/90.
Ao que tudo indica, ao estabelecer para a ação civil de improbidade
administrativa o mesmo prazo prescricional da pena de demissão estabelecida no
estatuto funcional, a intenção do legislador foi evitar a punição em uma esfera quando
a pretensão punitiva já tenha sido extinta pela prescrição na outra. Em síntese, evita-
se a punição na esfera cível quando não mais é possível punir o servidor
disciplinarmente, ou a situação contrária, punição na esfera disciplinar por fato
prescrito na esfera cível.

6.9.3 – PRESCRIÇÃO NO CASO DE RECEBIMENTO DE SUBVENÇÃO,


BENEFÍCIO OU INCENTIVO FISCAL

É de cinco anos o prazo prescricional da ação civil de improbidade


administrativa quando se tratar de atos de improbidade administrativa praticado em
prejuízo do patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo,
fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio
o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio
ou da receita anual, contados da data da apresentação à administração pública da
prestação de contas das parcelas recebidas. Temos aqui um típico caso de improbidade
administrativa praticada pelo particular, em coautoria com o agente público.
124

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL
DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO CASO DE REELEIÇÃO.
O prazo prescricional em ação de improbidade administrativa movida contra
prefeito reeleito só se inicia após o término do segundo mandato, ainda que tenha
havido descontinuidade entre o primeiro e o segundo mandato em razão da anulação
de pleito eleitoral, com posse provisória do Presidente da Câmara, por
determinação da Justiça Eleitoral, antes da reeleição do prefeito em novas eleições
convocadas. De fato, a reeleição pressupõe mandatos consecutivos. A legislatura,
por sua vez, corresponde, atualmente, a um período de quatro anos, no caso de
prefeitos. O fato de o Presidente da Câmara Municipal ter assumido
provisoriamente, conforme determinação da Justiça Eleitoral, até que fosse
providenciada nova eleição, não descaracterizou a legislatura. Assim, prevalece o
entendimento jurisprudencial pacífico desta Corte, no sentido de que, no caso de
agente político detentor de mandato eletivo ou de ocupantes de cargos de comissão
e de confiança inseridos no polo passivo da ação de improbidade administrativa, a
contagem do prazo prescricional inicia-se com o fim do mandato. Exegese do art.
23, I, da Lei 8.429/1992. Nesse sentido: AgRg no AREsp 161.420-TO, Segunda
Turma, DJe 14/4/2014. REsp 1.414.757-RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado
em 6/10/2015, DJe 16/10/2015.
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERRUPÇÃO DO
PRAZO PRESCRICIONAL NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
Nas ações civis por ato de improbidade administrativa, interrompe-se a prescrição
da pretensão condenatória com o mero ajuizamento da ação dentro do prazo de
cinco anos contado a partir do término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança, ainda que a citação do réu seja efetivada após
esse prazo. Se a ação de improbidade foi ajuizada dentro do prazo prescricional,
eventual demora na citação do réu não prejudica a pretensão condenatória da parte
autora. Assim, à luz do princípio da especialidade e em observância ao que dispõe
o art. 23, I, da Lei 8.429/1992, o tempo transcorrido até a citação do réu, nas ações
de improbidade, que já é amplo em razão do próprio procedimento estabelecido para
o trâmite da ação, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, uma vez
que o ajuizamento da ação de improbidade, à luz do princípio da actio nata, já tem
o condão de interrompê-la. REsp 1.391.212-PE, Rel. Min. Humberto Martins,
julgado em 2/9/2014.
DIREITO ADMINISTRATIVO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL DA
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO CASO DE REELEIÇÃO.
O prazo prescricional em ação de improbidade administrativa movida contra
prefeito reeleito só se inicia após o término do segundo mandato, ainda que tenha
125

havido descontinuidade entre o primeiro e o segundo mandato em razão da anulação


de pleito eleitoral, com posse provisória do Presidente da Câmara, por
determinação da Justiça Eleitoral, antes da reeleição do prefeito em novas eleições
convocadas. De fato, a reeleição pressupõe mandatos consecutivos. A legislatura,
por sua vez, corresponde, atualmente, a um período de quatro anos, no caso de
prefeitos. O fato de o Presidente da Câmara Municipal ter assumido
provisoriamente, conforme determinação da Justiça Eleitoral, até que fosse
providenciada nova eleição, não descaracterizou a legislatura. Assim, prevalece o
entendimento jurisprudencial pacífico desta Corte, no sentido de que, no caso de
agente político detentor de mandato eletivo ou de ocupantes de cargos de comissão
e de confiança inseridos no polo passivo da ação de improbidade administrativa, a
contagem do prazo prescricional inicia-se com o fim do mandato. Exegese do art.
23, I, da Lei 8.429/1992. Nesse sentido: AgRg no AREsp 161.420-TO, Segunda
Turma, DJe 14/4/2014. REsp 1.414.757-RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado
em 6/10/2015, DJe 16/10/2015.
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERRUPÇÃO DO
PRAZO PRESCRICIONAL NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
Nas ações civis por ato de improbidade administrativa, interrompe-se a prescrição
da pretensão condenatória com o mero ajuizamento da ação dentro do prazo de
cinco anos contado a partir do término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança, ainda que a citação do réu seja efetivada após
esse prazo. Se a ação de improbidade foi ajuizada dentro do prazo prescricional,
eventual demora na citação do réu não prejudica a pretensão condenatória da parte
autora. Assim, à luz do princípio da especialidade e em observância ao que dispõe
o art. 23, I, da Lei 8.429/1992, o tempo transcorrido até a citação do réu, nas ações
de improbidade, que já é amplo em razão do próprio procedimento estabelecido para
o trâmite da ação, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, uma vez
que o ajuizamento da ação de improbidade, à luz do princípio da actio nata, já tem
o condão de interrompê-la. REsp 1.391.212-PE, Rel. Min. Humberto Martins,
julgado em 2/9/2014.

6.9.4 – PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO


As punições pela prática de ato de improbidade administrativa podem ser de
natureza administrativa (perda da função pública, por exemplo), política (suspensão
dos direitos políticos) e civil (ressarcimento integral do dano), sem prejuízo da sanção
penal. Feita essa breve consideração cabe indagar se os prazos prescricionais
discutidos nos tópicos precedentes são aplicados a todas as esferas do direito ou
apenas na esfera punitiva. Ou seja, se os prazos prescricionais estabelecidos para a
ação punitiva são aplicados também à ação de ressarcimento dos prejuízos causados
pelo ato improbo.
126

Nada obstante o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal de


que são prescritíveis as ações envolvendo ilícito contra o erário, em 2016, ao apreciar
o recurso extraordinário 669.069/MG, submetido ao regime da repercussão geral,
aquela Corte Suprema decidiu que dita prescritibilidade não se aplica às ações de
ressarcimento decorrentes de atos de improbidade administrativa. Ou seja, as regras
prescricionais insertas no art. 23 da Lei nº 8.429/1992 não são aplicadas no caso de
ação de ressarcimento ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa.
Às ações de ressarcimento decorrentes da prática de ato de improbidade
administrativa aplica-se o disposto na parte final do § 5º do art. 37 da Constituição
Federal de 1988, segundo o qual “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para
ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao
erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Dito em outras palavras,
as ações de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade administrativa não se
submetem prazo prescricional – são imprescritíveis.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


(TRF3) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. ART. 37,
§ 6º, DA CF. O art. 37, § 5º, da CF/1988, dispõe que "a lei estabelecerá os prazos
de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento." A
norma legal a que alude o preceito constitucional é a Lei nº 8.429/1992, que
estabeleceu, em seu art. 23, os prazos prescricionais para as ações de
responsabilidade ajuizadas para aplicar as sanções nela previstas. Cuidando-se de
ação que visa o ressarcimento dos prejuízos decorrentes de ato causador de danos
ao erário, aplica-se a parte final do § 5º, do art. 37, da CF/1988, e não as normas
da Lei nº 8.429/1992. Precedentes do STF e do STJ. Apelação provida.

Tratando-se de ação de natureza cível (multa cível e proibição de receber


benefícios fiscais, por exemplo) o entendimento predominante nos tribunais
superiores é o de que o prazo prescricional é o estabelecido na Lei de Improbidade
Administrativa (cinco anos), contados do término do exercício do cargo efetivo pelo
agente público. Já na hipótese de ato de improbidade administrativa tipificado também
como crime, a jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça é de que o
prazo prescricional deve ser pautado pelas regras estabelecidas pelo Código Penal,
mesmo que a ação penal ainda não tenha sido ajuizada.
127

CAPÍTULO 7
PRESCRIÇÃO

7.1 – CONCEITO E ORIGEM HISTÓRICA


Podemos conceituar prescrição como sendo a extinção da pretensão
relacionada um direito subjetivo em face da inércia de quem tem legitimidade para
exigi-lo. Em última análise representa uma forma de interferência do tempo nas
relações jurídicas na forma de imposição de um limite temporal para a exigibilidade
da obrigação, por parte do detentor o direito de agir.
O instituto da prescrição teve sua gênese no direito romano antigo e sua base
etimológica tem assento na expressão latina “praescriptio’, que significava escrever
antes ou no começo. Na Roma antiga existia o cargo de Pretora, cuja atribuição era
apreciar os litígios que ocorriam entre os cidadãos romanos. Assim, para cada litígio
era eleito um Pretor que, após ouvir as partes envolvidas, estabelecia as regras a serem
aplicadas ao caso pelos juízes, de acordo com fórmulas preordenadas.
O Pretor não julgava diretamente o litígio, apenas declarava a lei a ser aplicada
ao caso. Posteriormente o Pretor foi investido do poder de criar fórmulas e ações até
então não previstas no direito, porém com prazo de duração para o encerramento do
processo. Surgiram assim as fórmulas e ações temporárias, em contraposição ao
direito quiritário, que era perpétuo. Ao instituir as fórmulas denominadas de
“preascriptio”, era dado ao juiz o poder de absolver o réu, se o prazo de duração da
ação estivesse esgotado. Como se percebe, desde a sua origem a prescrição sempre
esteve associada à ideia de passagem do tempo com repercussão nas relações
jurídicas.
O estudo da prescrição sempre foi fonte de controvérsias entre os operadores
do direito, seja no tocante à sua natureza jurídica, seus objetivos e as consequências
advindas deste instituto para as relações jurídicas entre os membros da sociedade. Há
consenso entre os estudiosos do assunto de que, independentemente do ramo do
direito que se funda a pretensão, a prescrição constitui matéria de ordem pública e tem
como objetivo a pacificação das relações sociais, eis que em um estado democrático
128

de direito essas relações se assentam em dois pilares básicos: a segurança das relações
jurídicas (segurança jurídica) e a ideia de justiça.

7.2 – DIFERENÇA ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA


Entre os vários critérios utilizados para estabelecer as diferenças entre
prescrição e decadência talvez o mais aceito pelos doutrinadores seja o desenvolvido
a partir da classificação dos direitos feita por Giuseppe Chiovenda em direitos
subjetivos (se contrapõe a um dever) e direitos potestativos (não admite contestação).
Com base nessa classificação do jurista italiano é possível classificar as ações em três
categorias: a) ações condenatórias, b) ações constitutivas; e c) ações declaratórias.
Ações condenatórias - se relacionam aos direitos subjetivos e visam a
condenação do réu ao cumprimento de uma obrigação de natureza positiva ou
negativa. Essa pretensão tem origem na violação do direito, resultando daí o início do
prazo prescricional. Isso porque na prescrição temos de um lado um direito a ser
exercido e de outro uma obrigação a ser cumprida. Diante da constatação de que
apenas os direitos que se relacionam a uma prestação podem ensejar uma pretensão,
é intuitivo concluir que apenas as ações condenatórias se submetem à prescrição.
Ações constitutivas - por sua vez, protegem os direitos potestativos, que são
aqueles dos quais o seu titular não pode exigir uma prestação, e sim a criação,
alteração ou extinção de uma relação jurídica. Por se tratar de direitos que não
comportam violação, tais ações não se submetem à prescrição, e sim à decadência.
Exemplo: ação cuja finalidade é a anulação de um contrato administrativo, por vício
de legalidade.
Ações declaratórias - são aquelas em que o autor pretende apenas declarar a
existência ou inexistência de uma relação jurídica. Esse tipo de ação não impõe a
terceiro uma prestação nem tampouco o submete a uma sujeição jurídica, sendo por
isso típicas ações imprescritíveis. Menciona-se, a título de exemplo, a ação
declaratória de constitucionalidade de leis, cuja finalidade é o reconhecimento de uma
situação jurídica representada pela contrariedade da norma com o texto constitucional.

7.3 – FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO


Os doutrinadores apresentam os mais variados argumentos na tentativa de
apresentar as bases em que se alicerça o instituto da prescrição, havendo consenso, no
entanto, quanto à inconveniência social que representa a litigiosidade perpétua em
torno das relações jurídicas.
Em sua obra intitulada Prescrição e Decadência o eminente processualista
Humberto Theodoro Junior enumera, entre outros, os seguintes fundamentos da
prescrição:
a) a renúncia ou o abandono presumido do direito pelo titular que não o
exercita no prazo fixado por lei; ou a sanção à negligência dele em fazê-lo atuar no
129

aludido prazo; e
b) a necessidade de proteger os obrigados, especialmente os devedores, contra
as dificuldades de prova a que se exporiam caso o devedor pudesse exigir em data
muito distante do negócio a prestação que, acaso já até tivesse recebido; com efeito,
não é curial que as pessoas guardem indefinidamente os comprovantes dos
pagamentos feitos e, assim, até mesmo as obrigações adimplidas poderiam não ter
como ser comprovadas, se o interessado não fosse protegido pela prescrição.
Na esfera criminal a corrente doutrinária predominante é aquela que defende a
tese de que a prescrição é alicerçada em três pressupostos básicos: 1) a teoria do
esquecimento do fato pelo decurso do tempo; 2) a correção do infrator; e 3) a
negligência do Estado, como detentor exclusivo do poder de punir. A teoria do
esquecimento do fato é fundamentada na tese de que o decurso do tempo demonstra
a falta de interesse do Estado em apurar o ilícito e punir o infrator, sem perder de vista
que, qualquer que seja a reprimenda, a sua aplicação intempestiva resulta na perda de
eficácia, resultando daí a impertinência da sanção. A correção do infrator se assenta
na ideia de que o transcorrer do tempo sem a reiteração da prática delituosa faz
presumir a reintegração social do agente infrator, não restando, portanto, razões para
que o mesmo seja punido. Por fim, a negligência do Estado é caracterizada quando os
órgãos estatais responsáveis pela persecução penal não atuam com zelo e celeridade.
Esse dever de celeridade passou a receber respaldo constitucional com o advento da
Emenda Constitucional nº 45/2004, por meio da qual foi acrescido ao artigo 5º a
garantia de que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.”
Sem discordar dos posicionamentos anteriores, entendemos que a extinção da
pretensão punitiva pela prescrição tem na segurança das relações jurídicas seu
principal alicerce, que não seria alcançada se o titular do direito atingido dispusesse
de tempo ilimitado para ter a sua pretensão satisfeita. Na seara punitiva, o infrator
jamais teria segurança se fosse atribuído ao titular do ius puniendi o livre arbítrio de
escolher quando impor a sanção, pouco importando a passagem do tempo. É com base
nesse fundamento que a lei estabelece para o Estado um limite temporal, impedindo
que o direito de punir se arraste, ao longo dos anos, ou para a eternidade.

7.4 – PRESCRIÇÃO NA ESFERA DISCIPLINAR


Como visto no tópico anterior, a prescrição se relaciona às ações condenatórias,
que são aquelas em que o seu titular pretende a condenação da parte demandada ao
cumprimento de uma prestação, positiva ou negativa, surgida a partir da violação de
um direito já incorporado ao patrimônio do titular.
Na esfera disciplinar a prescrição é a perda do poder/dever atribuído à
Administração Pública de impor ao sujeito ativo da infração funcional a pena
130

correspondente. Os prazos de prescrição da pretensão punitiva em relação a cada uma


das penas foram estabelecidos pelo artigo 142 da Lei nº 8.112/90, nos seguintes
termos:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em
comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.
Ultrapassados esses prazos não poderá mais a Administração impor a apena
correspondente ao autor da infração funcional, tendo em vista a extinção da pretensão
punitiva pela prescrição. Todavia, isso não significa que a Administração Pública fica
impossibilitada de apurar a conduta do agente transgressor. Como será visto em tópico
mais adiante, o poder/dever que tem o Estado de apurar os ilícitos administrativos não
se sujeitam à prescrição, e sim a decadência. O que prescreve é a pretensão punitiva e
não o direito de investigar, que continua incólume. Esse entendimento se encontra em
perfeita sintonia com o Enunciado CGU nº 4, de maio de 2011, que assim prescreve:
“A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar
procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes
da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se
decidir pela instauração em cada caso”.
Como se vê, a simples circunstância de a pretensão punitiva da Administração
Pública já ter sido atingida pela prescrição não a impede de exercer o poder/dever de
apuração. Esse entendimento nos parece lógico, pois da investigação disciplinar
poderá emergir ilícitos de natureza cível ou criminal, cujas prescrições obedecem a
regras e prazos diferentes. Ademais disso, como visto em tópico precedente, as ações
de ressarcimento decorrentes de ato de improbidade administrativa não se submetem
à prescrição, dispondo o Estado de tempo ilimitado para ajuizar a correspondente ação
de ressarcimento.

7.4.1 – INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL


Pelo que até aqui se falou sobre o instituto da prescrição, é intuitivo concluir
que a mesma funciona como uma espécie de punição processual direcionada ao
detentor de um direito subjetivo que não o exerce em certo lapso de tempo
estabelecido pela lei. Como não poderia deixar de ser, esse prazo durante o qual o
direito pode ser exercido tem um início e um fim.
A Lei nº 8.112/90 estabelece no § 1º do art. 142 que o prazo de prescrição
começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Esse também é o
entendimento já pacificado nos tribunais superiores. Todavia, a lei foi omissa ao não
131

indicar qual autoridade, no âmbito da Administração Pública, deverá tomar ciência do


fato ilícito para fins de início da fluência do prazo prescricional. Em nosso modo de
pensar, essa omissão legal deve ser solucionada a partir da análise do caso concreto.
É evidente que não é o conhecimento do fato por parte de qualquer servidor que tem
a aptidão para dar início à passagem do prazo prescricional. Para que isso ocorra o
agente deverá ser detentor de legítimos poderes para determinar a instauração da
apuração ou, na pior das hipóteses, para levar ao conhecimento da autoridade
competente.
Todavia, esse entendimento deve ser adotado com precaução. Não pode a
Administração alegar que a fluência do prazo prescricional não teve início na situação
em que o ilícito funcional é de conhecimento público, ou quando o mesmo não foi
levado ao conhecimento da autoridade competente por negligência do próprio Estado.
Não podemos perder de vista que é dever de todo servidor público levar ao
conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão
do cargo, bem como representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder (Art.
116, VI e XII, da Lei nº 8.112/90).
É importante esclarecer que para fins de início da contagem do prazo
prescricional o que interessa é o conhecimento do fato ilícito pela Administração,
sendo indiferente a circunstância de o potencial autor do ilícito ter sido identificado
ou não. Imagina-se a seguinte situação hipotética: O resultado de uma investigação
feita em inquérito policial apontou a suposta participação dos servidores “A” e “B”
na prática de ilícitos administrativos. De posse dessa informação, a autoridade
competente determinou a instauração de processo administrativo disciplinar em
desfavor desses agentes. Todavia, passados dois anos e ainda no curso das
investigações descobre-se que o agente “C” também participou da empreitada
criminosa. Pergunta-se: com a instauração do mencionado procedimento disciplinar,
a interrupção da fluência do prazo prescricional ocorre em relação a todos ou apenas
em relação aos dois agentes investigados? Resposta: ao tomar conhecimento da
prática do ilícito, nasce para a Administração o poder/dever abstrato de apuração e
imposição da pena correspondente (se for o caso), pouco importando quem seja o
infrator. Esse poder/dever não é de natureza subjetiva, ou seja, não diz respeito ato
agente, e sim ao fato ilícito a ser apurado. Nessa linha de raciocínio, uma vez
instaurado o procedimento investigativo, o prazo prescricional é interrompido em
relação a todos. Defender tese contrária seria o mesmo que atribuir à autoridade
instauradora o poder de escolher contra quem o prazo prescricional não seria
interrompido.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


É razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos (referente à ação
disciplinar de apuração de infrações puníveis com a demissão ou cassação de
132

aposentadoria) tem início na data em que qualquer autoridade da Administração


tomar ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, não necessariamente a
autoridade competente para a instauração do processo disciplinar. O art. 142, § 1º,
da Lei n. 8.112/1990 determina que se deva contar o prazo da prescrição de quando
o fato se tornar conhecido, porém não especifica por quem, assim não há como o
intérprete restringir quando o próprio legislador não o fez. Note-se que o art. 143
daquela mesma lei impõe a qualquer autoridade administrativa que tomar
conhecimento da irregularidade apurá-la ou comunicá-la à autoridade competente
sob pena de condescendência criminosa. MS 11.974-DF, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 28/3/2007.
DIREITO ADMINISTRATIVO. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA DE AÇÃO DISCIPLINAR.
No âmbito de ação disciplinar de servidor público federal, o prazo de prescrição da
pretensão punitiva estatal começa a fluir na data em que a irregularidade praticada
pelo servidor tornou-se conhecida por alguma autoridade do serviço público, e não,
necessariamente, pela autoridade competente para a instauração do processo
administrativo disciplinar. Isso porque, de acordo com o art. 142, § 1º, da Lei
8.112/1990, o prazo prescricional da pretensão punitiva começa a correr da data em
que a Administração toma conhecimento do fato imputado ao servidor. Ressalte-se
que não se desconhece a existência de precedentes desta Corte no sentido de que o
termo inicial da prescrição seria a data do conhecimento do fato pela autoridade
competente para instaurar o PAD. No entanto, não seria essa a melhor exegese, uma
vez que geraria insegurança jurídica para o servidor público, considerando,
ademais, que o § 1º, supra, não é peremptório a respeito. Pressupõe, tão só, a data
em que o fato se tornou conhecido. Assim, é patente que o conhecimento pela chefia
imediata do servidor é suficiente para determinar o termo inicial da prescrição,
levando-se em conta, ainda, o art. 143 da mesma lei, que dispõe que "A autoridade
que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua
apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar,
assegurada ao acusado ampla defesa". Precedentes citados do STJ: MS 7.885-DF,
Terceira Seção, DJ 17/10/2005; e MS 11.974-DF, Terceira Seção, DJe 6/8/2007.
Precedente citado do STF: RMS 24.737-DF, Primeira Turma, DJ 1º/6/2004. MS
20.162-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/2/2014.
Súmula 635 do STJ
Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na
data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento
administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de
instauração válido - sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar - e
voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.

7.4.2 – INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL


Nada obstante a interrupção e a suspensão do prazo prescricional produzirem
133

o mesmo efeito, qual seja, a paralisação da marcha processual, há uma diferença


fundamental entre os dois institutos. Na interrupção desconsidera-se o prazo até
então transcorrido, voltando a contagem do tempo por completo. Exemplificando: na
situação em que o prazo prescricional de cinco anos é interrompido quando já se
passaram dois anos, com o fim da interrupção o prazo volta a correr do início,
excluindo-se da contagem os dois anos anteriores, totalizando sete anos. Por sua vez,
na suspensão conta-se o tempo anterior ao evento que deu causa à paralização da
marcha processual, somando-se os dois prazos. Na situação hipotética posta
anteriormente, com o fim da suspensão o prazo voltaria a correr pelo tempo que
restava, ou seja, três anos.

7.4.3 – ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO DISCIPLINAR


Em que pese a legislação que trata do assunto não faça nenhuma distinção, há
consenso entre os operadores do direito de que são duas as espécies de prescrição na
seara administrativa disciplinar, quais sejam: a) prescrição em perspectiva; e b)
prescrição intercorrente.

7.4.3.1 – PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA


A prescrição em perspectiva é a que se verifica no intervalo de tempo que vai
do conhecimento do fato pela autoridade competente até a interrupção do prazo
prescricional, que ocorre com a instauração do procedimento investigativo
(sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar). Esse prazo é
ininterrupto, ou seja, a lei não aponta nenhuma circunstância ou evento que autorize
a interrupção da fluência do prazo prescricional entre a ciência do fato e a publicação
da portaria de instauração do procedimento disciplinar. Em situações excepcionais
pode ser suspenso, na hipótese de a Administração ficar impossibilitada de instaurar
o procedimento por circunstâncias alheias à sua vontade. É a conclusão que se extrai
do comando contido no art. 67 da Lei 9.784/99, segundo o qual “salvo motivo de força
maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem”. Infere-se
do texto legal que o prazo é suspenso na superveniência de motivo ou circunstância
que inviabiliza o andamento do processo.
Como visto antes, com a instauração do procedimento investigativo é
interrompida a fluência do prazo de prescrição, voltando a correr ininterruptamente
após o fim da interrupção. Na prática administrativa, o tempo durante o qual a
contagem do prazo prescricional fica interrompido em razão da instauração do
procedimento obedece à seguinte regra:
• Sindicância acusatória: 30 dias iniciais + 30 dias de prorrogação + 20 dias para
julgamento = 80 dias de interrupção.
• Processo Administrativo Disciplinar pelo rito ordinário: 60 dias iniciais + 60
dias de prorrogação + 20 para julgamento = 140 dias de interrupção.
134

• Processo Administrativo pelo rito sumário: 30 dias iniciais + 15 dias de


prorrogação + 5 dias para julgamento = 50 dias de interrupção.

7.4.3.2 – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE


É a que se verifica no lapso temporal que vai do fim da interrupção provocada
pela publicação da portaria de instauração do procedimento investigativo disciplinar
até a decisão proferida pela autoridade julgadora. Em que pese o silêncio da lei, esses
prazos podem ser suspensos, sempre que a marcha processual for paralisada por
circunstância alheia à vontade da Administração. Na prática administrativa não são
raras as situações em que o investigado recorre ao Poder Judiciário pleiteando a
paralisação do processo sob os mais variados fundamentos. Não podemos perder de
vista que prescrição pressupõe inércia e não há falar em inércia quando as
investigações são interrompidas pela superveniência de fatos alheios à vontade da
Administração.
Uma situação excepcional que autoriza a paralização da marcha processual (e
não a suspensão do prazo de prescrição) se verifica quando a infração objeto da
apuração na esfera disciplinar também configurar crime. Nessa situação hipotética, é
razoável o colegiado deliberar pela suspenção dos trabalhos até que haja uma decisão
na esfera criminal, notadamente quando se vislumbrar a possibilidade de absolvição
criminal pela negativa de existência do fato ou da autoria. Como visto antes, trata-se
de situação em que a decisão na esfera criminal vincula a decisão administrativa.
O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Goiás, aprovado pela Lei
Estadual nº 10.460, de 22 de fevereiro de 1988, previu de forma expressa tanto a
interrupção como a suspensão do prazo prescricional. A interrupção ocorre com o
ato de instauração do processo administrativo disciplinar, recomeçando a partir de
então o seu curso pela metade, de forma a não diminuir o prazo original (§ 3º do art.
322). Por seu turno, a suspensão ocorre em duas situações: a) enquanto sobrestado o
processo administrativo para aguardar decisão judicial; e b) durante o período em que
o servidor se encontrar em local incerto ou não sabido.

7.4.4 – PRESCRIÇÃO DISCIPLINAR REGIDA PELAS REGRAS DA


PRESCRIÇÃO PENAL
O Estatuto dos Servidores Públicos Federais – Lei nº 8.112/90 – estabelece nos
incisos I, II e III do artigo 142 que a prescrição disciplinar ocorrerá em cinco anos,
quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade e destituição de cargo em comissão; em dois anos quanto à suspensão
e em cento e oitenta dias quanto à advertência. Já no parágrafo segundo do mesmo
artigo ficou estabelecido que os prazos de prescrição previstos na lei penal se aplicam
às infrações disciplinares capituladas também como crime.
Ao que tudo indica, a intenção do legislador foi uniformizar os prazos
prescricionais nas duas esferas, evitando-se com isso que o servidor seja punido na
135

esfera administrativa por uma conduta cuja punição na esfera criminal já tenha sido
atingida pela prescrição; ou na situação inversa, o servidor ser punido criminalmente
por infração cuja punibilidade já se encontra prescrita na esfera disciplinar.
Todavia, a lei foi omissa ao não disciplinar de forma pormenorizada o tema,
dando margem ao surgimento das mais variadas interpretações. A título meramente
exemplificativo, a lei não indica qual prescrição aplicada na esfera criminal
(prescrição da pretensão punitiva ou prescrição da pretensão executória) deve ser
utilizada nas infrações disciplinares também capituladas como crime. O iminente
professor José Armando da Costa aponta ainda a omissão da lei ao não estabelecer a
quem compete estabelecer esse juízo de similitude para fins de incidência da
prescrição penal, se instância disciplinar ou a criminal.
Acrescenta-se, ainda, que a lei não define a partir de qual estágio da
persecução penal os prazos de prescrição previstos na Lei nº 8.112/90 aplicam-se às
infrações disciplinares capituladas também como crime. Nesse ponto o Estatuto dos
Servidores do Governo do Distrito Federal, aprovado pela Lei Complementar nº
840/2013, foi mais preciso, ao estabelecer no parágrafo quinto do artigo 208 que “os
prazos de prescrição previstos na lei penal, havendo ação penal em curso, aplicam-
se às infrações disciplinares capituladas também como crime”. Ou seja, para a
aplicação da prescrição criminal às infrações administrativas basta tão somente a
constatação de que a denúncia oferecida pelo Ministério Público foi recebida pelo
Poder Judiciário.
Outro ponto digno de destaque é que, nem sempre, haverá uma perfeita
correlação entre uma infração disciplinar e o tipo penal correspondente. Vamos a um
exemplo: o crime de abandono de função (Art. 323 do Código Penal) fica configurado
quando o agente abandona o cargo, fora dos casos permitidos em lei; já o ilícito
correspondente na esfera administrativa (Art. 138 da Lei nº 8.112/90) fica configurado
quando o servidor abandona intencional o serviço, por mais de trinta dias
consecutivos.
Como se percebe, o abandono do cargo pelas normas disciplinares não
corresponde necessariamente ao abandono regido pelo Código Penal. Enquanto na
seara penal a conduta pode ficar tipificada com uma única falta ao serviço, desde que
esta aconteça fora dos casos previstos em lei, na esfera administrativa o ilícito
correspondente somente fica configurado quando o abandono perdurar por mais de
trinta dias, exigindo-se ainda a presença da intenção de abandonar o serviço. Isso nos
leva a inferir que, em certas circunstâncias, com a mesma conduta o servidor poderá
cometer uma infração penal no exercício do cargo sem necessariamente ter cometido
um ilícito administrativo.
Como enfatizado antes, a imperfeição da lei deu margem ao surgimento de
múltiplas interpretações. Na prática administrativa o entendimento predominante é de
que para a aplicação do disposto pelo parágrafo segundo do artigo 142 do Estatuto
136

dos Servidores Federais basta tão somente que a conduta do servidor também seja ou
tenha sido objeto de inquérito policial ou de ação penal, sendo insuficiente a mera
presença de indícios sem a devida apuração na esfera criminal.
Com a devida vênia, não corroboramos esse entendimento. Advogamos a tese
de que o disposto pelo § 2 do artigo 142 da Lei nº 8.112/90 (os prazos de prescrição
previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como
crime) deverá ser interpretado de forma que a prescrição na seara administrativa tenha
como paradigma a prescrição penal apenas quando houver, pelo menos, acolhimento
da denúncia pelo Poder Judiciário, não sendo suficiente a mera instauração do
inquérito policial. Este (o inquérito) é ato de natureza administrativa, conduzido pela
autoridade policial sem observância do contraditório e da ampla defesa, muitas vezes
sem que o investigado sequer tenha ciência do procedimento. Como é sabido, não são
raras as vezes em que o inquérito é rejeitado pelo Ministério Público, dada a
fragilidade dos elementos probatórios que fundamentaram a decisão pelo
indiciamento.
Outro obstáculo a ser enfrentado na aplicação da prescrição penal aos ilícitos
administrativos também capitulados como crime resulta da divergência que existe
entre a legislação disciplinar e criminal no que diz respeito ao termo inicial da
passagem do prazo prescricional. Segundo o disposto pelo parágrafo segundo do art.
142 da Lei nº 8.112/90, na esfera administrativa a contagem do prazo tem início com
o conhecimento do fato pela Administração; já pelas regras do art. 111 do Código
Penal a prescrição começa a correr, via de regra, na data em que o crime se consumou.
Essa divergência de tratamento acaba por viabilizar o surgimento de situações
em que a aplicação da prescrição penal nas infrações disciplinares é benéfica ao
infrator. Imagine a situação em que o servidor, valendo-se das prerrogativas do cargo
que exerce, solicita vantagem indevida em proveito próprio. Como sabemos, essa
conduta configura o ilícito funcional valimento do cargo (cuja pena prescreve em
cinco anos) e, concomitantemente o delito tipificado pelo art. 317 do Código Penal
(corrupção passiva), cuja pena em abstrato prescreve em dezesseis anos.
Supondo ainda que somente 16 anos após a consumação do ato as autoridades
judiciárias e administrativas tenham tomado ciência da infração. Pelas regras
disciplinares a prescrição da pretensão punitiva ainda não teria ocorrido, tendo em
vista que a marco inicial da contagem do tempo é o conhecimento do fato pela
Administração. Em sentido contrário, a pretensão punitiva na esfera criminal já teria
sido extinta, tendo em vista que o marco inicial da contagem do prazo é a consumação
do fato. Nessa situação hipotética apresentada, a utilização do disposto pelo art. 142
da Lei nº 8.112/90 implica necessariamente a extinção da pretensão punitiva para a
Administração, tendo em vista a prescrição da pretensão punitiva na esfera criminal.
No âmbito dos tribunais superiores a regência da prescrição disciplinar pelas
regras aplicadas ao direito penal ainda é controvertida, conforme se verifica nas
137

decisões abaixo transcritas:

Jurisprudência sobre o tema


MS 20.857-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes,
Primeira Seção, por maioria, julgado em 22/05/2019, DJe 12/06/2019
DIREITO ADMINISTRATIVO
Infrações disciplinares capituladas como crime. Prescrição. Prazo. Lei penal. Art.
142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990. Existência de apuração criminal. Desnecessidade.
Mudança de entendimento.
O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares
também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da
conduta do servidor.
Era entendimento dominante desta Corte Superior o de que a aplicação do prazo
previsto na lei penal exige a demonstração da existência de apuração criminal da
conduta do servidor (MS 13.926/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, DJe
24/04/2013 e MS 15.462/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, DJe
22/3/2011). Ocorre que nos EDv nos EREsp 1.656.383-SC, Rel. Min. Gurgel de
Faria, DJe 05/09/2018, a Primeira Seção superou seu posicionamento anterior
sobre o tema, passando a entender que, diante da rigorosa independência das esferas
administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração
criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. Assim, tanto
para o STF quanto para o STJ, para que seja aplicável o art. 142, § 2º da Lei n.
8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da
conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante
da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição
estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo
prescricional deve ser o mais objetivo possível – justamente o previsto no dispositivo
legal referido –, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica
para todo o sistema.
PAD. PRESCRIÇÃO. PENA. DEMISSÃO.
A Seção denegou a segurança ao entendimento de que, quando há sentença penal
condenatória, o prazo de prescrição no processo administrativo disciplinar (PAD)
conta-se pela pena em concreto aplicada na esfera penal nos termos dos arts. 109 e
110 do CP. In casu, guarda de presídio integrante de quadro em extinção de ex-
território foi demitido do serviço público, sendo-lhe atribuída a prática dos crimes
de homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver (arts. 121, § 2º, III, IV,
e 211, todos do CP), pelos quais o tribunal do júri o condenou a 18 anos de reclusão.
Desse modo, para haver prescrição da pretensão punitiva, no caso, deveriam ser
ultrapassados 20 anos. Destacou-se ainda que este Superior Tribunal, ao interpretar
o art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, entendeu que, se o servidor público cometer
infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplica o prazo
prescricional previsto na legislação penal quando os fatos igualmente forem
138

apurados na esfera criminal. Noticiam ainda os autos que, em um primeiro PAD, o


impetrante foi punido com advertência, mas posteriormente tal penalidade foi
tornada sem efeito e, em outro processo disciplinar em que foram observados os
princípios do contraditório e da ampla defesa, foi-lhe aplicada a pena de demissão.
Assim, segundo a jurisprudência do STJ e do STF, nessa hipótese não ocorre a
vedação da Súm. n. 19-STF. Ainda houve um outro procedimento administrativo, mas
foram apurados outros fatos diferentes daqueles que ensejaram a demissão do
impetrante. Daí não haver razão para as alegações do impetrante de que, em três
ocasiões, ele teria sido julgado administrativamente pelos mesmos fatos.
Precedentes citados do STF: AgRg no RMS 24.308-DF, DJ 25/4/2003; do STJ: RMS
19.887-SP, DJ 11/12/2006; RMS 18.551-SP, DJ 14/11/2005; RMS 13.134-BA, DJ
1º/7/2004; RMS 15.933-RJ, DJe 2/2/2009; RMS 13.395-RS, DJ 2/8/2004; MS
10.026-DF, DJ 2/10/2006, e MS 7.491-DF, DJ 4/3/2002.MS 14.040-DF, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 25/5/2011.

7.4.5 – PRESCRIÇÃO E ANOTAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS FUNCIONAIS


DO SERVIDOR
Já foi dito antes, mas não custa nada repetir, que a ação disciplinar prescreverá
em cinco anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria
ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; em dois anos, quanto à
suspensão e em cento e oitenta dias, quanto à advertência (art. 142 da Lei nº 8.112/90).
Por expressa imposição legal, uma vez extinta a punibilidade pela prescrição,
a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais
do servidor. Dito em outras palavras, nada obstante a pretensão punitiva já tenha sido
extinta pela prescrição, a lei determina que a autoridade julgadora determine o registro
do fato (a punição prescrita, e não o fato ilícito que deu ensejo à mesma, como sugere
a lei) nos assentamentos individuais do servidor. É o que diz o art. 170 da Lei nº
8.112/90.
Partindo-se da premissa de que a pena de advertência deve ser aplicada na
forma escrita, conforme determina o art. 129 da Lei nº 8.112/90, não vemos como
compatibilizar a aplicação prática dos dois dispositivos (prescrição em 180 dias e
anotação da punição nos assentamentos funcionais). Em nosso modo de pensar, o ato
de registrar a pena prescrita nos assentamentos funcionais se confunde com a própria
imposição da pena, convertendo uma punição prescritível em 180 dias em
imprescritível. Nos parece óbvio que fazer a anotação da falta prescrita nos
assentamentos funcionais do servidor tem o mesmo efeito resultante da aplicação da
pena.
Diante de tal constatação, dada a natureza pública que se reveste o instituto da
prescrição, acreditamos que a solução que mais se harmoniza com os princípios
constitucionais, em especial o da isonomia, que recomenda o tratamento igualitário
139

para aqueles que se encontram em situações idênticas, seria restringir a aplicabilidade


da regra contida no artigo 170 da Lei nº 8.112/90 àqueles casos em que o servidor
tenha cometido infração passível de pena mais grave que a advertência, mas a
pretensão punitiva já tenha sido fulminada pela prescrição.
Isso porque somente nos casos de pena mais grave que a advertência
(suspensão, demissão, cassação da aposentadoria ou disponibilidade e destituição do
cargo em comissão) a anotação da falta nos assentamentos individuais do infrator não
se confundiria com a própria imposição da pena. Esse foi o entendimento que
defendemos em artigo publicado na sétima edição da Revista da CGU, de dezembro
de 2009.
Em decisão preferida em 23/04/2014 nos autos do Mandado de Segurança nº
23262 Distrito Federal (da relatoria do Ministro Dias Toffoli), o Supremo Tribunal
Federal declarou inconstitucional o artigo 170 da Lei nº 8.112/90, por violação do
princípio da presunção de inocência.
Há que se ressaltar que essa decisão não foi unânime. Em sentido contrário ao
do relator se posicionou o Ministro Teori Zavascki, que defendeu a tese de que
registrar que o servidor respondeu a um processo administrativo, cuja pena não foi
aplicada porque prescreveu não produziria nenhuma inconstitucionalidade. Por sua
vez, o Ministro Luiz Fux acompanhou o voto do relator, sob o argumento de que a
extinção da punibilidade visa exatamente à conjuração do direito de o Estado punir.
E, no modo de ver do ministro, é transparente essa categorização no fato da anotação.
Para Luiz Fux, a anotação, em si, é uma punição.
De nossa parte, defendemos a tese de inconstitucionalidade do artigo 170 da
Lei nº 8.112/90, mas não por ofensa ao princípio da presunção de inocência, e sim por
violação de regra de direito material. Prevalece no direito punitivo a máxima segundo
a qual pena prescrita é pena extinta (é o mesmo que inexistência de pena), de sorte
que da mesma (pena extinta) não poderá resultar nenhum reflexo negativo na vida
pregressa do agente, sob pena de violação do princípio da legalidade. Em outras
palavras, a utilização de artifícios por parte do aplicador do direito para viabilizar a
utilização de pena prescrita, atingindo de forma negativa a imagem do servidor,
equivale a imposição de pena não prevista em lei, em flagrante desrespeito ao
postulado da estrita legalidade. Nesse contexto, uma vez extinta a pretensão punitiva
pela prescrição não há nada mais a ser feito em desfavor do servidor, inclusive a
anotação na sua ficha funcional, notadamente quando tal medida se confunde com a
própria imposição da pena, como é o caso da advertência, nos moldes previstos pela
Lei nº 8.112/90.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 170 DA LEI
140

8.112/1990.
Não deve constar dos assentamentos individuais de servidor público federal a
informação de que houve a extinção da punibilidade de determinada infração
administrativa pela prescrição. O art. 170 da Lei 8.112/1990 dispõe que, "Extinta a
punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato
nos assentamentos individuais do servidor". Entretanto, o STF declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade do referido artigo no julgamento do MS
23.262-DF (Tribunal Pleno, DJe 29/10/2014). Nesse contexto, não se deve utilizar
norma legal declarada inconstitucional pelo STF (mesmo em controle difuso, mas
por meio de posição sufragada por sua composição Plenária) como fundamento
para anotação de atos desabonadores nos assentamentos funcionais individuais de
servidor, por se tratar de conduta que fere, em última análise, a própria CF. MS
21.598-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/6/2015, DJe 19/6/2015.

7.4.6 – PODER/DEVER DE APURAÇÃO – PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA?


Como visto em passagem pretérita, a prescrição se relaciona às ações
condenatórias, por meio das quais pretende o autor obter do réu o cumprimento de
uma prestação relacionada a um direito subjetivo, direito este suscetível de violação.
Por outro lado, a decadência se relaciona às ações de natureza constitutiva, que são
aquelas que tem como finalidade a criação, modificação ou extinção de uma relação
jurídica ou de um estado ou condição.
Na situação fática que autoriza a instauração de um processo administrativo
disciplinar estarão em jogo duas pretensões: 1) a pretensão de apurar os fatos e as
circunstâncias em que os mesmos ocorreram; e 2) a pretensão de impor ao infrator a
penalidade correspondente (que até então se encontrava apenas no plano da
abstração).
Observem que para a primeira pretensão não existe um interesse contraposto
de não apuração dos fatos, o que nos leva a concluir que se trata de prazo decadencial.
Ou seja, trata-se de um direito cujo exercício por parte do seu titular (Estado) não
requer da outra parte (servidor) o cumprimento de uma obrigação, não estando dessa
forma sujeito à prescrição.
Já na segunda situação (pretensão punitiva) há dois interesses conflitantes, de
um lado a pretensão da Administração impor a pena ao infrator; de outro o interesse
do agente de não ser punido. Por tudo que até aqui foi dito, o exercício desse direito
se submete à prescrição.
Em nosso modo de pensar, a redação do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não é das
melhores, pois se refere à prescrição da ação disciplinar. Ora, a ação é apenas o
instrumento utilizado para se chegar ao fim almejado, que é a apuração de
responsabilidade e imposição da pena, se for o caso. O que prescreve é a pretensão
141

punitiva, ou seja, o direito de impor a pena e não a ação em si mesma. Por outro lado,
se a lei tivesse estabelecido um prazo para a Administração exercer o direito
(poder/dever) de apurar o ilícito funcional (o que não ocorreu), este deveria se
submeter à decadência, e não à prescrição.
Adotando-se essa linha de raciocínio, chega-se à conclusão de que os ilícitos
funcionais se submetem tanto à prescrição como à decadência. O prazo atribuído à
Administração para exercer o poder/dever de apuração é decadencial, por se relacionar
a uma ação constitutiva. Por outro lado, o prazo para a imposição da penalidade
correspondente é prescricional, por se relacionar a uma ação condenatória, onde o
exercício do direito de punir por parte da Administração contrapõe ao dever de
suportar a punição por parte do servidor punido.

7.4.7 - A RESPONSABILIDADE DA AUTORIDADE JULGADORA


Segundo o disposto pelo § 2º do art. 169 da Lei nº 8.112/90, a autoridade
julgadora que der causa à prescrição será disciplinarmente responsabilizada. Em nosso
modo de pensar, a redação da lei disse menos do que deveria ter dito. Em primeiro
lugar porque nem sempre a autoridade sobre a qual recai o dever de apuração é a
competente para julgar o processo. Em segundo lugar a prescrição pode ocorrer por
culpa de outros agentes, e não necessariamente por inércia da autoridade julgadora. A
redação do parágrafo seria mais adequada se tivesse previsto a punição para o agente
público que der causa à prescrição, pouco importando se se trata da autoridade
julgadora, membro da comissão processante ou autoridade incumbida de deflagrar o
procedimento de apuração. Na prática do dia a dia é bastante comum a autoridade
competente instaurar o procedimento investigativo e o trio processante, por
negligência, deixar transcorrer o prazo prescricional antes da conclusão da apuração.
É relevante deixar claro que a responsabilização do agente que der causa à
prescrição necessariamente deverá ser precedida de processo administrativo de
natureza punitiva (Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância punitiva),
assegurando ao interessado o exercício de todas as garantias inerentes ao contraditório
e à ampla defesa.
142

SEGUNDA PARTE
DIREITO PROCESSUAL
DISCIPLINAR
143

CAPÍTULO 8
DIREITO PROCESSUAL DISCIPLINAR

8.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS


Direito processual é o ramo do direito público alicerçado em normas e
princípios cuja finalidade é definir os procedimentos, os instrumentos e os órgãos e
autoridades encarregados de levar a efeito a solução de litígios eventualmente
surgidos entre os membros da sociedade. No Brasil as principais divisões desse ramo
da ciência jurídica é o direito processual civil, direito processual penal e direito
processual do trabalho. Cada uma dessas divisões fornece as diretrizes para a solução
dos conflitos nas respectivas áreas.
A Administração Pública Federal não dispõe de um código de processo
administrativo disciplinar. Os procedimentos disciplinares são regidos basicamente
pelos princípios aplicados à Administração Pública e por três instrumentos
normativos, quais sejam: o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº
8.112/90), a lei que regula o processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99) e
supletiva e subsidiariamente pelo Código de Processo Civil. Todavia, dadas as
particularidades dos procedimentos disciplinares e diante das lacunas deixadas pelos
normativos acima referenciados, nada impede que sejam aplicados, naquilo que
couber, as regras e conceitos do Direito Processual Penal.
Na visão de alguns doutrinadores, dadas as suas particularidades, a tendência
do Direito Administrativo Disciplinar é passar a contar com normas processuais
próprias, a exemplo do que ocorre com o direito do trabalho. Rafael Carvalho Rezende
144

de Oliveira aponta como causas que justificam a processualização do Direito


Administrativo Disciplinar os seguintes fatores:
Legitimidade - permite maior participação do administrado na elaboração das
decisões administrativas, reforçando, com isso, a legitimidade da atuação estatal;
Garantia - confere maior garantia aos administrados, especialmente nos
processos punitivos, com o exercício da ampla defesa e do contraditório; e
Eficiência - formulação de melhores decisões administrativas a partir da
manifestação de pessoas diversas (agentes públicos e administrados).

8.2 – PRINCÍPIOS APLICADOS AO DIREITO DISCIPLINAR


Na brilhante definição de Celso Antônio Bandeira de Melo “Princípio é, por
definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir
a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das
diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico
positivo”. Em sínteses, são valores fundamentais que norteiam tanto a elaboração das
leis como a sua aplicação no caso concreto.
Esses princípios jurídicos convivem em harmonia, não havendo por que
imaginar a existência de superposição e/ou prevalência de um em relação aos outros.
Atualmente todos os ramos do direito são baseados em princípios, de sorte que temos
princípios específicos do direito penal, do direito processual penal, do direito civil, do
direito do trabalho, e assim sucessivamente.
Nos tópicos seguintes abordaremos, deforma resumida, os principais
princípios aplicados ao Direito Administrativo Disciplinar.

8.2.1 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE


O princípio da legalidade é o gênero, do qual fazem partes duas espécies: a) a
reserva legal – conferindo exclusividade à lei, em seu sentido mais estrito, para a
criação de crimes e penas corre8spondentes; e b) anterioridade - que estabelece a
exigência de que a lei incriminadora seja anterior à prática da conduta tida por ilícita.
O princípio em análise tem fundamento no texto constitucional, segundo ao qual não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º,
XXXIX, CF).
A interpretação literal do dispositivo constitucional pode levar o leitor menos
atento à equivocada ideia de que a exigência de lei prévia fica restrita ao ramo do
direito penal. Todavia, não podemos perder de vista que entre os direitos e garantias
assegurados ao cidadão se encontra aquele segundo o qual ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º II, CF). A
145

interpretação conjugada desses dois preceitos constitucionais nos leva à conclusão de


que a punição disciplinar também necessita de lei anterior que tipifique a conduta
proibida e defina a pena correspondente. Foi com fundamento em tal premissa que o
legislador ordinário estabeleceu em lei o rol de deveres e proibições direcionados ao
servidor público, estabelecendo para cada conduta proibida uma pena correspondente.
Nessa ordem de ideias, seria inconcebível admitir a instituição de uma espécie
de reprimenda disciplinar por intermédio de uma portaria ou qualquer outro normativo
infralegal. Isso não significa que a desobediência de um dever emanado de uma
portaria interna não dá ensejo à aplicação de penalidade. O que o princípio exige é a
previsão legal dessa punição, a exemplo do que ocorreu na Lei nº 8.112/90, ao
estabelecer pena para o caso de inobservância dos deveres e proibições elencados
pelos artigos 116 e 117.

8.2.2 – PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE


Constitui um dos corolários da reserva legal, e recomenda que a lei definidora
de condutas proibidas as descreva em todos os seus elementos e circunstâncias, de
modo a permitir que o destinatário da norma proibitiva a compreenda com relativa
facilidade. Aliás, a exigência da reserva legal seria inócua caso fosse facultado ao
legislador criar tipos incriminadores com descrições genéricas, vagas e abstratas,
transferindo ao aplicador do direito no caso concreto larga margem de
discricionariedade na aplicação da pena. Em síntese, a taxatividade nada mais é do
que a descrição da conduta proibida em todos os seus contornos, permitindo assim a
perfeita identificação dos limites entre o lícito e o ilícito.
O princípio em questão representa um alicerce da garantia da segurança
jurídica do cidadão como ente sujeito de direitos e deveres, na medida em que lhe
permite conhecer de antemão o que é permitido e o que é proibido. A criação de
conduta ilícita com descrição abstrata, vaga e indeterminada só contribui para a
insegurança do cidadão, na medida em que transfere ao aplicador do direito no caso
concreto a tarefa de interpretar o verdadeiro alcance da norma, em flagrante
desprestígio do princípio da reserva legal.

8.2.3 – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL


Inserido entre os direitos fundamentais do cidadão pelo art. 5º, LIV, da
Constituição Federal de 1988, tem origem na cláusula do “due process of law” do
direito anglo-americano, e preceitua que ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem que haja um processo prévio, no qual é assegurado o contraditório e a ampla
defesa, com todas as prerrogativas que lhes são inerentes.
Do ponto de vista formal o devido processo legal representa a garantia de que
o processo será conduzido em obediência de normas legitimas e previamente
estabelecidas. Ao estabelecer que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal” o texto constitucional, além de consagrar a necessária
146

observância às regras que regem o processo, contempla o devido processo legal sob a
perspectiva substancial, que traduz a exigência e garantia de que referidas regras
sejam razoáveis, adequadas, proporcionais e equilibradas.
Nesse contexto, a obediência do devido processo legal pressupõe
necessariamente as seguintes garantias: a) desenvolvimento do processo na forma da
lei; b) direito ao contraditório e à ampla defesa; c) direito de ser ouvido; d) direito de
ser informado de todos os atos processuais; e e) direito de ter acesso à defesa técnica.

Art. 5º, LIV, da CF — Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal.

8.2.4 – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


Também chamado de princípio do estado de inocência e de princípio da não
culpabilidade, na verdade representa um desdobramento do princípio do devido
processo legal e é considerado um dos mais importantes alicerces do estado
democrático de direito. Tem suporte no texto constitucional, preconizando que
ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Nas palavras de Fernando Capez, o princípio da presunção de inocência deve
ser considerado em três momentos distintos: a) na instrução processual, como
presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) na
avaliação da prova, impondo-se que seja valorada em favor do acusado quando houver
dúvidas sobre a existência de responsabilidade pelo fato imputado; e c) no curso do
processo penal, como parâmetro de tratamento do acusado, em especial no que
concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória.
Em que pese no texto constitucional constar a expressão “sentença penal
condenatória”, isso não significa que o princípio em questão não se aplica aos demais
ramos do direito punitivo. Não há nenhuma razoabilidade em excluir de tal proteção
o investigado em processo de natureza administrativa, como é o caso do processo
administrativo disciplinar.

Art. 5º, LVII, da CF — Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória.

8.2.5 – PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE OU DA INTRANSCENDÊNCIA


Tem fundamento no art. 5º, XLV, da Constituição Federal e preceitua que
ninguém pode ser punido por fato cometido por terceiro, de sorte que a pena deverá
ser suportada exclusivamente pelo agente destinatário da mesma. É com fundamento
nesse princípio que a morte do agente funciona como causa de extinção da pena, dada
147

a impossibilidade de transferência da responsabilidade para terceira pessoa.


A intranscendência ou personalidade da pena abrange inclusive os reflexos
patrimoniais da condenação, repercutindo apenas sobre os bens eventualmente
transferidos pelo condenado aos herdeiros a título de herança.

Constituição Federal
Art. 5º, XLV, - Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a
obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos
da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido.

8.2.6 – PRINCÍPIO DO PRIVILÉGIO CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO


Tem fundamento no texto constitucional (Art. 5º, LXIII) e estabelece que o
Estado não pode constranger o investigado a colaborar na produção de provas que o
incriminam. Isso não significa que o mesmo fique impedido de confessar a prática do
ilícito que lhe foi imputado ou de apresentar provas que possam lhe incriminar. O que
o princípio em questão assegura é o direito de a pessoa permanecer em silêncio,
sempre que se deparar com questionamentos que possam de alguma forma lhe
prejudicar.
O exercício do direito ao silêncio não pode ser interpretado pelo julgador como
uma espécie de confissão do investigado. É o que se infere da leitura do parágrafo
único do art. 186 do Código de Processo Penal, segundo o qual o silêncio não
importará em confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Aliás, a
lógica não poderia ser outra, pois de nada adiantaria o investigado invocar o direito
constitucional de permanecer calado se esse silêncio pudesses ser interpretado em seu
desfavor.

8.2.7 – PRINCÍIO DA CONFIANÇA


Intimamente relacionado à ideia de responsabilidade objetiva, preceitua que
todos nós devemos esperar que as demais pessoas se comportem em consonância com
as normas de conduta impostas a toda a sociedade. Com base em tal premissa não
comete ato ilícito aquele que, ciente de que está agindo em conformidade com o
direito, acaba por se envolver em uma situação em que um terceiro age em
desconformidade com a lei. Dito em outras palavras, não há ilicitude quando a
contrariedade da conduta do agente com a lei decorre do descumprimento do dever
legal por parte de terceira pessoa.
Na seara administrativa, diante do escalonamento hierárquico das atribuições,
muitos atos dos subordinados são ratificados pelos superiores, partindo-se da premissa
de que aqueles agiram em conformidade com a lei. Não rá razoabilidade em exigir do
superior hierárquico a revisão de todos os atos praticados pelos subordinados, o que
148

implicaria a completa inviabilização do bom funcionamento da administração. O


princípio em estudo mantém perfeita correlação com outro princípio, não menos
importante, que é o da personalidade, intransmissibilidade, intranscendência ou
responsabilidade pessoal.

8.2.8 – PRINCÍPIO DA VERDADE REAAL


Também conhecido como princípio da verdade material ou verdade
substancial, recomenda que o Estado deve zelar pela busca da realidade sobre os fatos,
não se furtando a realizar todas as diligências e providências que estiverem ao seu
alcance, como forma de descobrir como os fatos realmente ocorreram. Diferentemente
do que acontece na esfera do direito civil, onde o Poder Judiciário se satisfaz com os
fatos trazidos aos autos pelas partes interessadas, nos processos de natureza punitiva
(penal e disciplinar) o Estado não pode se satisfazer apenas com a realidade formal
dos fatos, impondo-se ao mesmo o dever de sair em busca da verdade material, aquela
que mais se aproxima do que realmente aconteceu.
Nada obstante a finalidade do princípio seja a busca da verdade sobre os fatos,
o mesmo se submete a algumas limitações, tais como a não admissão da prova ilícita
e a vedação do reformatio in pejus na revisão do processo administrativo disciplinar,
conforme preconiza o parágrafo único do art. 182 da Lei nº 8.112/90.

8.2.9 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA


Tem fundamento constitucional e constitui um dos mais importantes corolários
do devido processo legal. O princípio do contraditório determina que todo acusado
terá o direito de resposta contra a acusação que lhe foi feita, utilizando, para tanto,
todos os meios de defesa admitidos em direito. Prevalece na doutrina e na
jurisprudência o entendimento segundo o qual a efetiva obediência do princípio em
análise não deve se restringir ao direito de participação do processo e de ser ouvido.
Essa participação tem que ser efetiva, capaz de influenciar o convencimento do
julgador.
Em matéria disciplinar, encontramos referência expressa o princípio da ampla
defesa, por exemplo, nos seguintes dispositivos legais: a) Art. 143 da Lei nº 8.112/90
(Art. 143 - A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é
obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo
administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa); b) Art. 156 da Lei
nº 8.112/90 (Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo
pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas,
produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova
pericial); e c) Parágrafo único do art. 27 da Lei nº 9.784/99 (Parágrafo único. No
prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado).
149

Constituição Federal
Art. 5º, LV, — Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela
inerentes.

8.2.9.1 – CONTRADITÓRIO E PRINCÍPIO DA VERDADE SABIDA


Denomina-se verdade sabida a situação na qual a autoridade competente para
impor a penalidade disciplinar presencia a prática do ato infracional. Com base nesse
princípio, por ser testemunha ocular da infração a autoridade competente pode
imediatamente aplicar a pena de forma sumária, consignando no ato punitivo as
circunstâncias em que a mesma foi cometida e presenciada.
Nada obstante a utilização da verdade sabida em matéria punitiva tenha
perdido espaço com a advento da Constituição Federal de 1988, particularmente por
ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, não é raro encontrar
legislações estaduais que tratam de regras disciplinares prevendo a sua utilização.
No ano de 2008 o Supremo Tribunal Federal julgou procedente ADIN proposta
pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis do Estado do
Amazonas, declarando inconstitucional os §§ 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, todos do art. 43 da Lei
nº 2.271/94 – Estatuto da Polícia Civil daquele Estado, na parte que previa que as
penas de repreensão e suspensão, até cinco dias, poderiam ser aplicadas de imediato
pela autoridade que tivesse conhecimento direto de falta cometida (Art. 43,§ 2º) e na
parte que estabelecia que o ato punitivo será motivado e teria efeito imediato, mas
provisório, assegurando-se ao funcionário policial civil o direito de oferecer defesa
por escrito no prazo de três dias (Art. 43,§ 3º). Ao elaborar seu voto assim se
manifestou o Relator, Ministro Celso de Melo:
“Revela-se incompatível com o sistema de garantias processuais
instituído pela Constituição da República (CF, art. 5º, LV) o diploma
normativo que, mediante inversão da fórmula ritual e com apoio no
critério da verdade sabida, culmina por autorizar, fora do contexto das
medidas meramente cautelares, a própria punição antecipada do servidor
público, ainda que a este venha a ser assegurado, em momento ulterior, o
exercício do direito de defesa”.
Caso a lei declarada inconstitucional não tivesse previsto a suspensão como
modalidade de pena, e sim como medida processual de natureza cautelar, não haveria
nenhuma afronta ao texto constitucional, pois o exercício dos direitos assegurados
pelo Art. 5º, LV e LVII da Constituição Federal não tem aplicação quando se tratar de
medida cuja finalidade é resguardar o bom andamento do processo.
150

8.2.10 – PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO


Também denominado de princípio do informalismo ou da instrumentalidade
das formas, preceitua que a condução do processo deve ser pautada em regras simples
e suficientes para propiciar razoável grau de certeza sobre os fatos apurados. O
normativo que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal. (Lei nº 9.784/99) previu o princípio ora comentado em seu art. 22, que
apresenta a seguinte redação: Art. 22. Os atos do processo administrativo não
dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.
O princípio em análise pressupõe que, mesmo que o ato seja realizado fora da
forma prescrita em lei, se ele atingiu o objetivo e não houve prejuízo a nenhuma das
partes, esse ato será válido. Essa lógica de que o formalismo não deve prevalecer sobre
o direito material foi consagrada inclusive pelo novo Código de Processo Civil, que
em dois artigos assim preceitua:
Art. 188 - “Os atos e os termos processuais independem de forma
determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se
válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade
essencial.
Art. 277 - “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação
de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo,
lhe alcançar a finalidade."

8.2.11 – PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL


Mantém íntima correlação com a instrumentalidade das formas, preconiza que
os atos processuais deverão ser praticados de modo a maximizar os resultados com o
mínimo de esforço possível, evitando-se dessa forma desperdício de tempo e dinheiro.
Na Lei nº 9.784/92 encontramos referência ao princípio da economia
processual no parágrafo único, IX, do art. Art. 2º, que recomenda a adoção de formas
simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos
direitos dos administrados.
No novo Código de Processo Civil a economia processual foi prevista em
diversas passagens. A título meramente exemplificativos, cita-se a possibilidade de a
citação ser feita por meio eletrônico, a dispensa da inquirição de testemunha quando
os fatos já estão suficientemente comprovados e a utilização do instituto da
reconvenção como meio de formular pretensão contra o autor. São típicas situações
em que a lei recomenda a abstenção da prática de ato ou procedimento mais
dispendioso ou demorado sempre que o mesmo resultado puder ser atingido mediante
a prática de ato mais célere ou menos dispendioso.

8.2.12 – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE


Trata-se de um princípio geral aplicável aos mais variados ramos da ciência
151

jurídica. Utilizado com frequência pelos tribunais superiores no controle de


constitucionalidade, se relaciona ao sopesamento (comparação) entre os valores dos
bens jurídicos sacrificados e preservados no caso concreto.
No âmbito do direito administrativo o princípio da razoabilidade e
proporcionalidade é aplicado especialmente no controle dos atos discricionários que
impliquem restrição ou condicionamento dos direitos dos administrados ou imposição
de sanções administrativas. Em síntese, recomenda que a Administração deva pautar
sua conduta dentro do razoavelmente aceitável, sob pena de contaminação do ato.
No processo administrativo disciplinar a obediência ao princípio em análise
recomenda que deve haver proporcionalidade entre a pena imposta e a gravidade do
ilícito praticado pelo servidor. Foi visando conferir efetividade ao princípio em análise
que o legislador deixou expresso na lei que regula o processo administrativo no âmbito
da Administração Pública Federal (Lei nº 9.784/1999) que no processo administrativo
serão observados, dentre outros critérios, a adequação entre meios e fins, vedada a
imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas
estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
Nessa linha de ideias, é nula por ofensa ao princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade qualquer ato de natureza punitiva desproporcional, que não guardar
uma razoável correlação entre a conduta que lhe deu origem e o prejuízo (não
necessariamente patrimonial) advindo para a Administração Pública.

8.2.13 – PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO OU


CELERIDADE PROCESSUAL
Novidade introduzida no texto da Constituição Federal de 1988 pela Emenda
Constitucional nº 45/2004 (art. 5º, LXXVIII), preceitua que a todos, no âmbito judicial
e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
Apesar de constar no texto constitucional (inserido entre os direitos e garantias
fundamentais do cidadão), a garantia de razoável duração do processo se revelou de
difícil aplicação prática, dada a grande abertura semântica da expressão “razoável”,
típico preceito normativo de sentido impreciso, tido como conceito jurídico
indeterminado. A dificuldade reside exatamente em delimitar o que é e o que não é
razoável. Essa definição passa necessariamente por uma avaliação subjetiva, que varia
em razão da pessoa, do lugar, da cultura e até mesmo do tempo.
É pertinente deixar claro, no entanto, que a busca pela celeridade processual
não constitui um fim em si, de sorte que não se justifica a conclusão de um processo
em um intervalo de tempo reduzido em detrimento da lisura e da qualidade das
investigações. Dito em outras palavras, de nada adianta um processo célere e ineficaz,
de sorte que a busca da celeridade deve ser abandonada sempre que se vislumbrar a
possibilidade de comprometimento da eficácia do processo.
152

Constituição Federal
Art. 5º, LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.

8.2.14 – PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO


A motivação constitui um dos requisitos de todo ato administrativo, tendo em
vista representar a situação fática que autoriza ou determina a prática do mesmo. Dito
em outras palavras, o ato administrativo para ser reputado válido deve haver uma
perfeita correlação entre uma situação concreta e uma hipótese na lei que o autoriza.
Apesar de não constar de forma expressa do texto da Constituição Federal, o
princípio em análise é um dos corolários da ideia de um Estado Democrático de
Direito, preceituando que o agente público, ao decidir pela prática de um ato
administrativo, determine os motivos que o levaram a tomar tal decisão. Foi visando
conferir efetividade a este princípio que a Lei nº 9.784/99 determina que a “indicação
dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão” constitui um dos
critérios aplicáveis ao processo administrativo (art. 2º, parágrafo único, VII).
Em matéria disciplinar encontramos referência ao princípio da motivação no
parágrafo único do art. 128 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual o ato de imposição da
penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar.
Em síntese, o que a lei exige é a motivação do ato punitivo.
É pertinente esclarecer que o silêncio da mencionada lei em relação aos demais
atos praticados no âmbito do processo disciplinar não significa que a motivação seja
prescindível. A depender do caso concreto, a ausência de motivação implica a violação
de outro princípio, não menos importante. Por exemplo, há ofensa ao princípio do
contraditório e da ampla defesa no ato de indeferir a produção de prova sob o
argumento de que a mesma é meramente protelatória, sem a devida motivação.

8.2.15 – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA


Intimamente relaciona à necessidade da estabilização das relações sociais, o
princípio da segurança jurídica (ou da confiança), funda-se na ideia de preservação do
ato jurídico perfeito e acabado, evitando que as pessoas convivam eternamente com a
insegurança em razão da possibilidade de (a qualquer tempo) serem demandadas em
relação a uma situação fática concluída e consolidada.
Na seara administrativa há referência à aplicação prática do princípio em
comento no art. 54, da Lei nº 9.784, de 29.1.1999, nos seguintes termos: “O direito
da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos
favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé”. O dispositivo legal relaciona os aspectos
153

temporais e boa-fé visando a estabilização das relações jurídicas mediante a


convalidação de atos administrativos que padecem de vício de legalidade. Podemos
afirmar que a segurança jurídica funciona como uma espécie de limitador temporal do
direito e da pretensão. Aliás, é nesse fundamento que se alicerçam os institutos da
prescrição e da decadência.

8.2.16 – PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL


O princípio da lealdade processual é considerado um dos múltiplos aspectos
do princípio da cooperação. Se relaciona especificamente com a honestidade que deve
permear a conduta das partes e de todos que, de alguma forma, se envolvem no
processo, evitando-se dessa forma a utilização de meios ardilosos por qualquer uma
das partes visando a obtenção de resultados escusos. Foi com a intenção de conferir
efetividade ao princípio em comento que o legislador fez constar no Novo Código de
Processo Civil (art. 77, caput) uma série de deveres a serem observados pelas partes
e todos que de qualquer forma participam do processo. O artigo diz o seguinte:
Código de Processo Civil
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de
seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem
do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que
são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à
declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza
provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o
endereço residencial ou profissional onde receberão intimações,
atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação
temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito
litigioso.

8.2.17 – PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM


Proíbe, em qualquer situação, a dupla punição pelo mesmo fato. Foi com base
nesse princípio que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 241 com o seguinte
teor: “A reincidência penal não pode ser considerada circunstância agravante e,
simultaneamente, como circunstância judicial”. Na mesma linha seguiu o Supremo
Tribunal Federal ao editar a Súmula 19, segundo a qual “é inadmissível segunda
punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a
154

primeira”.
A vedação da dupla punição pelo mesmo fato é princípio geral do direito,
aplicável a qualquer ramo da ciência jurídica, incluindo-se nesse rol o Direito
Administrativo Disciplinar.
É importante deixar claro que o princípio veda a múltipla punição da mesma
natureza pelo mesmo fato. Com efeito, não configura violação ao princípio em questão
a punição, pelo mesmo fato, nas esferas administrativa, cível e penal. Tal conclusão
decorre da possibilidade de uma mesma conduta praticada pelo servidor configurar,
concomitantemente, ilícito administrativo, cível e disciplinar. Foi prevendo tal
possibilidade que o legislador estabeleceu no art. 121 do Estatuto dos Servidores (Lei
nº 8.112/90) o preceito segundo o qual o servidor responde civil, penal e
administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
Acrescente-se, ainda, que a previsão da independência das instâncias consta de
outros textos normativos. Menciona-se, a título de exemplo, o art. 935 do Código
Civil, no qual ficou expresso que a responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu
autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Em síntese, o
artigo diz que, nada obstante a decisão criminal vincular a esfera cível no tocante à
ocorrência do fato e à autoria, a responsabilidade civil é independente da criminal.
No mesmo sentido seguiu o Código de Processo Penal, em cujo art. 67 ficou
previsto que “não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho
de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; II - a decisão que julgar
extinta a punibilidade; III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado
não constitui crime”. Em resumo, a propositura da correspondente ação civil
independe de qualquer decisão proferida na esfera criminal.

8.2.18 – PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS INSTÂNCIAS


Constitui um dos corolários da autotutela e da estrutura hierarquizada dos
órgãos e entidades que compõem a Administração Pública. O princípio em análise
preconiza que ao administrado deve ser assegurado o direito de recorrer a instâncias
superiores sempre que se sentir prejudicado por decisão proferida em seu desfavor.
No processo administrativo disciplinar a pluralidade das instâncias encontra
suporte jurídico na Lei nº 9.784/92, segundo a qual das decisões administrativas cabe
recurso em face de razões de legalidade e de mérito, dirigido à autoridade que proferiu
a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à
autoridade superior.

8.2.19 – PRINCÍPIO DA INTERVENSÃO MÍNIMA


O princípio da intervenção mínima, ou última ratio, recomenda que o direito
punitivo (do qual o disciplinar faz parte) só deve preocupar-se com a proteção dos
155

bens jurídicos mais importantes para o convívio social. Significa dizer que o direito
punitivo é de utilização residual e subsidiária, somente justificável nas hipóteses em
que os demais ramos do direito se demonstrarem ineficazes na solução do conflito.
A formulação desse princípio parte da premissa de que os demais ramos do
direito são capazes de dar uma resposta satisfatória aos conflitos de menor relevância,
sem a necessidade da intervenção do direito penal. Nesse contexto, sempre que o
Estado dispuser de meios menos lesivos para solucionar os conflitos surgidos no
convívio em sociedade deles deve se utilizar, evitando o emprego do direito punitivo.
Com base nesse princípio deve a Administração se abster de utilizar o direito punitivo,
com todo rigor que lhe é inerente, visando reprimir a prática de infrações de mínima
relevância, sempre que dispuser de outro instrumento capaz de cumprir
satisfatoriamente o mesmo objetivo.

8.2.20 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA


Incorporado ao direito punitivo na década de 70 do século passado a partir das
ideias defendidas por Claus Roxin, indica a desnecessidade da utilização do direito
punitivo quando se tratar de infração de reduzida significância, quando comparada
com a lesão provocado ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Para o
Supremo Tribunal Federal - STF, a mínima ofensividade da conduta, a ausência de
periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento
e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva
autorizadores da aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela.
Na esfera administrativa disciplinar, dada a subjetividade e abrangência da
descrição dos deveres e proibições impostos ao servidor público quando comparada
com a tipificação na seara criminal, o princípio em questão recomenda acurada
ponderação por parte do aplicador do direito ao caso concreto, evitando-se a punição
disciplinar por condutas de inexpressiva lesividade.

8.2.21 – PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE OU PRECLUSÃO


Do ponto de vista instrumental, processo é um conjunto de atos sucessivos
praticados pelas partes, de modo que a conclusão de um constitui requisito para a
prática do ato seguinte. Dessa forma, o processo deve caminhar sempre para a frente,
rumo à solução do litígio, sendo inadmitida qualquer tipo de manobras de qualquer
das partes litigantes no sentido de inviabilizar o andamento do processo.
O princípio da eventualidade ou da preclusão estabelece que a faculdade de
praticar o ato processual deve ser exercitada no momento oportuno, sob pena de se
perder a oportunidade de praticá-lo. Nesse caso, configura-se o fenômeno da
preclusão, que é a perda da faculdade de praticar um ato processual, seja porque tal
faculdade foi exercitada no momento adequado, seja porque a parte deixou escoar a
fase processual própria, sem fazer uso de seu direito.
156

8.2.22 – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE


Constitui um dos requisitos imprescindíveis para a validade do processo a
exigência de que os agentes que atuam em nome da Administração Pública exerçam
as atividades inerentes ao processo com a mais absoluta isenção e imparcialidade. Não
haveria coerência alguma se a Administração Pública (representada pelos agentes
públicos) invocasse para si o poder/dever de apurar infrações disciplinares e se esses
agentes atuassem sem a imparcialidade necessária ou visando interesses estranhos ao
processo.
A Lei nº 8.112/90 fez expressa referência ao princípio da imparcialidade ao
estabelecer no art. 150 que “A Comissão exercerá suas atividades com independência
e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo
interesse da administração”.

CAPÍTULO 9
COMPETÊNCIA

9.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Tradicionalmente competência é definida como sendo a medida da jurisdição.
Ou melhor dizendo, é o resultado da divisão das atribuições relativas ao desempenho
da jurisdição entre vários órgãos estatais. No ordenamento jurídico brasileiro, a
distribuição de competência é feita por normas constitucionais, bem como em leis
processuais que tratam da organização judiciária.
A Constituição Federal faz uma primeira divisão de competência levando-se
em conta o órgão jurisdicional ou a esfera estatal. Assim, definiu no art. 102 as
atribuições do Supremo Tribunal Federal; no art. 105 as atribuições do Superior
Tribunal de Justiça; nos artigos 108 e 109 as matérias da competência da justiça
federal; e, por fim, definiu nos artigos 114, 121 e 124 as matérias submetidas à justiça
especializada - Trabalho, Eleitoral e Militar, respectivamente. Por sua vez, o Código
de Processo Civil traça uma divisão de competência nos artigos 21 a 25, onde o
157

legislador seleciona abstratamente algumas espécies de lides que são da competência


exclusiva ou concorrente da justiça brasileira, estabelecendo assim os limites da
jurisdição nacional e da cooperação internacional.
Na esfera criminal a distribuição de competência obedece aos critérios
estabelecidos pelo art. 69 do Código de Processo Penal, quais sejam: a) competência
em razão do lugar da infração; b) competência em razão do domicílio ou residência
do réu; c) competência em razão da natureza da infração; d) competência por
distribuição; e) competência definida por conexão ou continência; f) competência por
pela prevenção; e g) competência por prerrogativa de função.
Cada um desses critérios tem uma finalidade específica, de sorte que a
utilização de um não inviabiliza a utilização de outro. Por exemplo: as competências
pelo lugar da infração ou pelo domicílio do réu têm a finalidade de estabelecer o foro
de julgamento do réu. Já a competência em razão da natureza da infração serve para
definir a justiça competente – comum, eleitoral ou militar. Por fim, nada impede a
coexistência de mais de um juiz igualmente competente na mesma esfera da justiça,
situação na qual a competência poderá ser definida por prevenção (será considerado
prevento o juiz que primeiro praticar ato relevante no processo) ou definida por
distribuição, que nada mais é do que uma modalidade de sorteio.

9.2 – COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DISCIPLINAR


A Administração Pública é composta por órgão e entidades, cujos corpos
funcionais são estruturados de forma hierarquizada. De tudo isso resulta a necessidade
de delimitação da competência de cada um desses órgãos e entidades para a prática de
determinados atos, incluindo a apuração de responsabilidade funcional.
Diferentemente do que ocorre nas esferas cível e criminal, as leis que tratam
de matéria administrativa disciplinar (pelo mesmo na esfera federal) pouco ou nada
dizem a respeito da competência. A Lei n 8.112/90 preceitua genericamente que a
autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo
disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa (art. 143). Porém não especifica os
critérios a serem utilizados para a identificação dessa autoridade competente.
Nada obstante a omissão da lei, partindo-se da premissa de que a
Administração Pública apresenta uma estrutura hierarquizada, e que essa hierarquia
se caracteriza pela existência de subordinação entre os agentes integrantes do seu
corpo funcional no âmbito de um mesmo órgão ou entidade, conclui-se que a
autoridade competente para a apuração de infrações disciplinares é aquela que se
encontra no topo da escala hierárquica. Essa é a regra predominante, nada obstante
alguns órgãos estabelecerem essa competência em normativos próprios, como são
exemplos os regimentos internos.
A definição, em lei, da autoridade competente para apuração de falta
158

disciplinar previne contra potencial conflito negativo (ou positivo) de competência,


evitando-se dessa forma que fatos ilícitos deixem de ser apurados ou, de modo
contrário, que mais de um órgão ou entidade reivindiquem para si a competência para
apurar o mesmo fato.
Partindo-se do pressuposto de que a infração disciplinar decorre do
descumprimento de deveres e proibições impostas aos servidores públicos, é intuitivo
concluir que o poder/dever de apuração recai sobre a autoridade máxima do órgão ou
entidade onde o fato ilícito ocorreu, pouco importando a vinculação originária do
servidor infrator. Exemplificando: a infração disciplinar praticada na Câmara dos
Deputados deverá ser apurada por aquela Casa Legislativa, ainda que o servidor que
a praticou seja cedido àquela Casa por um órgão integrante do Poder Executivo
(ministério, por exemplo). Em última análise, o que importa para fins de definição da
competência é o lugar em que a infração ocorreu, e não o vínculo originário do agente
que o praticou.
Em junho de 2005 foi publicado o Decreto nº 5.480, dispondo sobre o Sistema
de Correição do Poder Executivo Federal. Referido normativo conferiu à
Controladoria Geral da União, na condição de Órgão Central do Sistema de Correição,
entre outras incumbências, a de instaurar sindicâncias, procedimentos e processos
administrativos disciplinares, em razão da inexistência de condições objetivas para sua
realização no órgão ou entidade de origem, da complexidade e relevância da matéria;
da autoridade envolvida; ou do envolvimento de servidores de mais de um órgão ou
entidade, bem como de avocar sindicâncias, procedimentos e processos
administrativos disciplinares em curso em órgãos ou entidades do Poder Executivo
Federal, quando verificada qualquer das hipóteses previstas no inciso VIII do
mencionado decreto, inclusive promovendo a aplicação da penalidade, quando for o
caso.
Com o advento do mencionado decreto ficou instituída no âmbito do Poder
Executivo Federal uma espécie de competência concorrente entre a Controladoria
Geral da União e os demais órgão e entidades para a instauração de procedimento
investigativo de natureza disciplinar. Em que pese não conste expressamente em lei,
além das hipóteses de instauração direta e avocação acima elencadas, pode também a
Controladoria Geral da União promover a apuração mediante a solicitação do órgão
de ocorrência do fato. Essa conclusão decorre da máxima segundo a qual quem pode
o mais pode o menos.
De acordo com o estabelecido no art. 4º, VIII, do Decreto nº 5.480/2005, são
quatro as circunstâncias que autorizam a instauração ou avocação de procedimento
disciplinar pelo Órgão Central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal,
quais seja:
Inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade
de origem: o órgão ou entidade não dispõe de condições técnicas para promover a
159

investigação, seja pela carência de profissionais qualificados seja por deficiência na


sua própria estrutura física.
Complexidade e relevância da matéria – o órgão ou entidade não dispõe de
servidores com expertise no assunto objeto da apuração, ou se trata de matéria de alta
repercussão, seja em razão do valor do prejuízo gerado pela infração, seja pela
repercussão provocada perante a sociedade.
Autoridade envolvida – a depender da hierarquia da autoridade envolvida no
ilícito funcional, o órgão ou entidade pode solicitar auxílio ao Órgão Central do
Sistema de Correição, como forma de evitar indevidas interferências ou pressões
exercidas pela autoridade envolvida sobre os membros do colegiado encarregado da
apuração. Nesse caso, a apuração pela Corregedoria Geral da União pode ocorrer por
avocação ou a pedido do órgão ou entidade em que o fato ocorreu.
Envolvimento de servidores de mais de um órgão ou entidade – a instauração
direta pelo Órgão Central do Sistema de Correição constitui medida de ordem prática,
evitando-se, dessa forma, a instauração de dois ou mais procedimentos disciplinares
para a apuração de fatos envolvendo servidores de mais de um órgão ou entidade.
Ademais disso, a unificação da apuração permite que o julgamento seja feito pela
mesma autoridade, evitando-se dessa forma o risco de decisões conflitantes.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


MS 19.994-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, por maioria, julgado em 23/05/2018,
DJe 29/06/2018
Processo administrativo disciplinar. Servidor do Poder Executivo Federal. Cessão
para o Poder Legislativo. Pena de demissão. Competência correicional da
Controladoria-Geral da União.
Compete ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União a aplicação
da penalidade de demissão a servidor do Poder Executivo Federal,
independentemente de se encontrar cedido à época dos fatos para o Poder
Legislativo Federal.
A controvérsia do mandamus visa, entre outras questões, a definir a competência
legal da Controladoria-Geral da União (CGU) para instauração e julgamento do
processo disciplinar em que foi aplicada a pena de demissão, uma vez que à época
dos fatos o impetrante encontrava-se cedido para a Câmara dos Deputados. A
legislação pertinente é regulada sobretudo pelo art. 4º, VIII, "b", "c" e "d", do
Decreto n. 5.480/2005, que dispõe que: "Compete ao órgão Central do Sistema: VIII
instaurar sindicâncias, procedimentos e processos administrativos disciplinares, em
razão b) da complexidade e relevância da matéria; c) da autoridade envolvida; d)
do envolvimento de servidores de mais de um órgão ou entidade". Assim, incumbe à
Controladoria-Geral da União, como órgão central do Sistema de Correição do
Poder Executivo Federal, instaurar sindicâncias, procedimentos e processos
160

administrativos disciplinares, em razão: a) da inexistência de condições objetivas


para sua realização no órgão ou entidade de origem; b) da complexidade e
relevância da matéria; c) da autoridade envolvida; ou d) do envolvimento de
servidores de mais de um órgão ou entidade (arts. 2º, caput e 4º, inciso VIII, do
Decreto n. 5.480/2005, c/c os arts. 18, § 1º e § 4º, e 20, parágrafo único, ambos da
Lei n. 10.683/2003). Com efeito, quando se fala em correição, a então
Controladoria-Geral da União ficou autorizada a assegurar a aplicação da lei em
qualquer órgão ou entidade da Administração Pública Federal, de modo a garantir
a correta apuração das eventuais faltas funcionais cometidas por agente público
federal e a aplicação, quando for o caso, da penalidade devida. Além do mais, o fato
de o impetrante encontrar-se cedido à época dos fatos para a Câmara dos
Deputados não afasta o poder disciplinar do órgão de origem do servidor, até mesmo
porque o insurgente não perdeu seu vínculo com o Poder Executivo Federal.
(Informativo n. 629.)

9.3 – CONFLITO DE COMPETÊNCIA


De acordo com o estabelecido no art. 66 do Novo Código de Processo Civil,
há conflito de competência quando: a) dois ou mais juízes se declararem competentes;
b) dois ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a
competência; ou c) entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou
separação de processos.
Na esfera criminal, segundo o disposto pelo art. 114 do Código de Processo
Penal, há conflito de jurisdição (a competência é uma subdivisão da jurisdição): a)
quando dois ou mais autoridades judiciárias se considerem competentes, ou
incompetentes, para conhecer do mesmo fato criminoso; ou b) quando entre elas surgir
controvérsias sobre unidade de juízo, junção ou separação de processos.
Seja qual for o normativo (CPC ou CPP) utilizado no tratamento do assunto na
esfera disciplinar, verifica-se o conflito de competência quando duas autoridades
administrativas se declaram competente ou incompetentes para apurar determinada
infração disciplinar. O conflito pode ser positivo ou negativo. No primeiro caso a
autoridade se diz competente; no segundo ocorre o contrário, ou seja, a autoridade se
diz incompetente para promover a apuração.
Na prática administrativa disciplinar o mais comum é uma das autoridades
suscitar o conflito negativo de competência. No decorrer de toda a minha vida
profissional uma única vez me deparei com uma situação em que ambas as autoridades
se declararam incompetentes para a instauração de um processo administrativo
disciplinar. O caso envolvia um servidor do Poder Executivo Federal cedido para uma
determinada Câmara Legislativa, onde supostamente teria praticado infração
disciplinar. O presidente da Casa Legislativa se julgava incompetente sob o argumento
de o servidor tinha vínculo de subordinação com o Executivo Federal. Por sua vez, o
161

órgão do Executivo (acertadamente) declinou da competência pelo fato de a infração


disciplinar ter ocorrido nas dependências da Câmara Legislativa em questão, quando
o servidor se encontrava subordinado às autoridades daquela Casa Legislativa.
Da nossa parte, defendemos a tese de que não existe vedação legal para que
uma infração disciplinar ocorrida em um órgão possa ser investigada por outro órgão,
desde que dentro da mesma esfera de Poder. A própria Lei n 8.112/90 estabeleceu no
§ 3º, do art. 143, que a apuração poderá ser promovida por autoridade de órgão ou
entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante
competência específica para tal finalidade. O que não se admite, por ofensa ao
postulado da separação dos poderes, é a instauração de procedimento por um órgão
ou entidade visando apurara infração disciplinar ocorrida em outro Poder, como se
verifica no caso citado anteriormente.
No tocante ao julgamento do processo administrativo envolvendo servidor
cedido, entendemos que tal ato deverá ficar a cargo da mesma autoridade que
deflagrou o procedimento investigativo. Não nos parece razoável admitir tese
contrária, ou seja, que o processo administrativo possa ser julgado pela autoridade
estranha ao órgão que promoveu a apuração. Compete a esta apenas implementar a
medida proposta na decisão da autoridade julgadora, ou seja, impor a pena, se for o
caso.
A exceção a essa regra se verifica no caso da Controladoria Geral da União, a
quem o ordenamento jurídico conferiu competência para instauração de
procedimentos disciplinares em situações de inexistência de condições objetivas para
sua realização no órgão ou entidade de origem, em razão da complexidade e relevância
da matéria, no caso em que figura como investigado autoridade ou servidores de mais
um órgão ou entidade. Nessa situação específica, a Controladoria Geral da União tem
competência para instaurar, julgar e efetivamente impor a pena correspondente.
162

CAPÍTULO 10
ATOS PROCESSUAIS

10.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS


O renomado processualista Elpídio Donizette conceitua ato processual como
sendo a espécie do ato jurídico que tem como fim imediato instaurar, desenvolver,
modificar ou extinguir a relação jurídico-processual. Em resumo, é todo ato praticado
que produz efeito jurídico na relação processual.
A Lei n 8.112/90 pouco (ou quase nada) diz a respeito dos atos processuais,
diferentemente do que ocorre com a Lei nº 9.784/99, que dedicou dois capítulos
(artigos 22 a 28) ao assunto. Diz o texto da lei que os atos do processo administrativo
não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir. Parte-
se da ideia de que o processo não é um fim em si mesmo, não fazendo nenhum sentido
163

o apego a regras, fórmulas e ritos rígidos, de sorte que o ato será reputado válido
sempre que atingir a finalidade para a qual foi destinado. Em última análise, o que
importa para o processo é que o ato atinja o escopo almejado, ainda que não tenha
sido praticado rigorosamente com a observância de todos os requisitos formais
exigidos.
Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a
data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. A lei exige a
forma escrita mesmo quando se tratar de ato que, pela sua própria natureza, são
produzidos oralmente. É o que ocorre, por exemplo, com o interrogatório do
investigado e os depoimentos das testemunhas. A esse respeito, a Lei nº 8.112/90 foi
peremptória ao preceituar que “o depoimento será prestado oralmente e reduzido a
termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito” (art. 158).
Nada obstante a previsão legal, com a implantação do sistema de
videoconferência (inclusive no âmbito do Poder Judiciário), a exigência de redução a
termo foi flexibilizada, admitindo-se a partir de então a coleta de interrogatório ou
depoimento gravados. Na seara criminal a flexibilização da forma escrita consta de
forma expressa no Código de Processo Penal, em cujo art. 475 ficou estabelecido que
“o registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de
gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter
maior fidelidade e celeridade na colheita da prova”.
Seguindo essa mesma toada o § 1º do art. 405 do mesmo diploma legal
estabeleceu que “sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,
indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação
magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a
obter maior fidelidade das informações”. Por sua vez o § 2º do mesmo artigo diz que
“no caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do
registro original, sem necessidade de transcrição” (grafamos). A inexigibilidade de
transcrição de depoimentos e interrogatórios encontra respaldo também nos princípios
da economia e celeridade processual. Aliás, não nos parece razoável a redução a termo
(transcrição) de um evento registrado em meio que reproduz com mais fidedignidade
o que de fato aconteceu na audiência, se comparado com a forma escrita.
Segundo o disposto pelo art. 24 da Lei nº 9.784/99, “inexistindo disposição
específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos
administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo
motivo de força maior”. Por sua vez, no parágrafo único do mesmo artigo ficou
estabelecido que “o prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro,
mediante comprovada justificação”. A interpretação literal do dispositivo nos conduz
à seguinte conclusão: inexistindo disposição legal em contrário e na ausência de
motivo que justifique, as partes devem praticar o ato no prazo de cinco dias. Havendo
justificativa, o prazo pode ser aumentado por mais dez dias (dobro de cinco).
164

10.2 - PRECLUSÃO
Preclusão é a extinção da faculdade de se manifestar no processo, ou seja, de
praticar determinado ato processual. Este instituto de natureza processual é
classificado pelos processualistas em três espécies: temporal, lógica e consumativa.
Preclusão temporal: é a perda da possibilidade de se manifestar no processo
em razão da inércia da parte, que deixa de se manifestar no prazo estabelecido na lei.
Preclusão lógica: é a perda da possibilidade de se manifestar nos autos em
razão da prática de um ato incompatível com o que pretendia praticar.
Preclusão consumativa: decorre da prática do ato, o que resulta na
impossibilidade de praticá-lo novamente.
Tendo em vista que o processo administrativo disciplinar é pautado pelo
princípio da verdade material, via de regra os prazos não se submetem à preclusão
temporal, não acarretando nenhum prejuízo à parte que o praticar fora do prazo
estabelecido pela lei. Por exemplo: não acarreta nulidade a juntada de provas fora do
prazo estabelecido pela comissão. O mesmo ocorre no caso de descumprimento do
prazo de dez dias para apresentação da defesa escrita e do prazo para julgamento pela
autoridade competente. Por outro lado, é preclusivo o prazo para a interposição de
recurso hierárquico, cujo descumprimento acarreta o seu não conhecimento (Art. 63,
I, da Lei nº 9.784/99).
O mesmo não se pode afirmar em relação à preclusão lógica e consumativa.
Não pode, por exemplo, o investigado indicar o rol das testemunhas a serem ouvidas
e depois requerer novo prazo para arrolar as mesmas testemunhas (preclusão
consumativa). Não é possível, também, suscitar impedimento ou suspeição de
determinada testemunha e, em momento posterior, requerer que a mesma seja ouvida
(preclusão lógica).

10.3 – NULIDADES
Nulidade é a consequência lógica advinda da prática de determinado ato
processual em desconformidade com as regras estabelecidas em lei. A depender do
interesse jurídico afetado pela infringência da lei processual, a nulidade pode ser
classificada em absoluta e relativa. A depender do grau de nulidade o ato pode ser
considerado nulo, meramente irregular ou anulável.
Nulidade absoluta – por serem resultantes do desrespeito de normas que
tutelam interesse público, deve ser declarada de ofício ou a requerimento de qualquer
uma das partes. É o que ocorre, por exemplo, com os atos praticados no processo
administrativo disciplinar de cuja comissão participa servidor que ainda não adquiriu
a estabilidade, contrariando o disposto pelo art. 149 da Lei nº 8.112/90. Nessa situação
hipotética, todos os atos do processo deverão ser considerados nulos, insuscetível de
produzir os efeitos jurídicos esperados.
Nulidade relativa – também resulta da prática de ato processual em
165

desconformidade com a lei, diferenciando da nulidade absoluta por repercutir sobre


interesses de particulares. Por esse motivo, essa categoria de nulidade somente será
reconhecida mediante arguição da parte interessada. Além disso, dada a relatividade
da nulidade, o ato pode ser convalidado, bastando que fique demonstrado que dessa
medida (convalidação) não adveio prejuízo à parte que a suscitou. É o que ocorre, por
exemplo, com a intimação feita após a expiração do prazo de validade da portaria de
designação da comissão, podendo o ato ser convalidado pelo colegiado tão logo seja
publicada nova portaria.
Outro exemplo de ato que padece de nulidade relativa é a realização de ato
processual sem a intimação do investigado com a antecedência mínima de três dias,
conforme preceitua o art. 26, § 2º, da Lei nº 9.784/99. Na situação posta, o
comparecimento espontâneo da parte interessada supre a nulidade, se revestindo o ato
de aptidão para produzir todos os efeitos legais.
Ato inexistente – são aqueles que, dada a gravidade da violação da lei, são
reputados inexistentes. Nesse tipo de ato a desconformidade com a lei é de tal
magnitude que, na essência, não pode sequer ser considerado ato. Por exemplo, é
inexistente por absoluta desconformidade com a lei o ato de publicação de portaria
instauradora de processo administrativo disciplinar por servidor que não tem
competência para promover tal medida. O ato inexistente é insusceptível de
convalidação e o reconhecimento dessa condição (inexistente) prescinde de
manifestação judicial. Por esse motivo, deve ser integralmente excluído do processo.
Ato irregular – são aqueles que padecem de vício irrelevante, sem a mínima
aptidão para causarem prejuízo a qualquer uma das partes. A continuidade da marcha
processual dispensa a repetição ou a convalidação do ato. No processo administrativo
disciplinar podemos mencionar como exemplo de ato meramente irregular a oitiva de
testemunha em que o presidente da comissão não tenha alertado ao depoente sobre o
compromisso de falar a verdade, conforme estabelece o art. 202 do Código de
Processo Penal.
166

CAPÍTULO 11
PROVAS

11.1 - INTRODUÇÃO
O termo “prova” vem do latim “probatio”, que significa demonstrar ou
confirmar. No direito processual o termo prova pode ser utilizado em duas acepções
distintas: no sentido objetivo e no sentido subjetivo. No sentido objetivo prova é o
instrumento ou meio utilizado pela parte interessada para demonstrar a existência de
um fato, tais como documentos, testemunhas, perícia etc. Já no sentido subjetivo
prova é a certeza ou convicção acerca de um fato, gerada na mente do julgador a partir
da prova no sentido objetivo. Nesse tópico o que nos interessa é a prova no sentido
objetivo.
A legislação processual brasileira não traz o conceito de prova, nem tampouco
estabelece um rol taxativo dos meios que poderão ser utilizados pelas partes para
167

produzi-la. Todavia, da leitura da redação do art. 369 do Código de Processo Civil é


possível inferir que meios de prova são todos aqueles considerados lícitos e
moralmente legítimos de que se valem as partes para provar a verdade dos fatos que
alegam e influir eficazmente na convicção da autoridade encarregada de julgar a
controvérsia.
Como é sabido, vigora no direito processual disciplinar o princípio da verdade
real, de sorte que não há de se cogitar qualquer espécie de limitação à prova, sob pena
de se frustrar o interesse que a Administração tem de apurar a infração e, se for o caso,
impor ao infrator a pena correspondente. Seguindo essa linha de raciocínio, os meios
de provas no processo disciplinar são todos os recursos dos quais podem lançar mão
a comissão processante e a parte investigada na busca da verdade, tais como
depoimento de testemunha, laudos periciais, provas produzidas em outro processo
(emprestada), e assim sucessivamente.
Foi nesse sentido que a Lei nº 8.112/90 estabeleceu em seu art. 155 que “na
fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações,
investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo,
quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação
dos fatos”. Infere-se do texto legal que será admitido qualquer tipo de prova lícita,
desde que seja apto a contribuir para a elucidação dos fatos.

11.2 – DESTINATÁRIO DA PROVA


Vigora no processo administrativo disciplinar o princípio da comunhão da
prova, segundo o qual uma vez juntada aos autos, a prova pertence a todos aqueles
que tenham interesse no desfecho da controvérsia, sendo indiferente o fato de a mesma
ser produzida pela Administração ou pelo investigado. Trata-se de uma decorrência
lógica do princípio da verdade material e da igualdade das partes na relação jurídico-
processual, evitando assim que a prova seja retirada dos autos pelo simples fato de a
parte que requereu a sua produção ter chegado à conclusão de que a mesma lhe é
desfavorável.
Como forma de facilitar o entendimento vamos a um exemplo: o acusado em
determinado processo administrativo disciplinar solicita a oitiva de uma testemunha
imaginando que o seu depoimento contribuirá para a sua defesa. Todavia, ao contrário
do imaginado, essa testemunha traz informação que compromete ainda mais a
situação do requerente. Nessa situação hipotética, não pode o investigado que
solicitou a oitiva da testemunha requerer a retirada de depoimento dos autos. A lógica
é simples, a prova pertence ao processo e não às partes.
Outro princípio de idêntica relevância para o processo administrativo
disciplinar é o da liberdade das provas. Corolário da verdade material ou real, significa
que a comissão processante é livre na escolha dos meios de prova necessários ao
atingimento de seu objetivo, que é chegar o mais próximo possível da verdade sobre
168

os fatos. Essa liberdade na produção de provas pode ser extraída da leitura conjugada
dos artigos 150 e 155 Lei nº 8.112/90. O primeiro diz que a comissão exercerá suas
atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à
elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração. O segundo, por sua
vez, preceitua que na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de
depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de
prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a
completa elucidação dos fatos.
Infere-se do texto legal acima reproduzido que a comissão é livre na escolha
dos meios que serão utilizados para chegar à verdade dos fatos, denegando qualquer
pedido considerado impertinente (que não tenha nenhuma relação com os fatos),
protelatórios ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.

11.3 – ÔNUS DA PROVA


Utilizamos aqui o termo “ônus” com o significado de encargo atribuído às
partes de provar, mediante a utilização de meios lícitos e legítimos, a verdade das suas
alegações, visando fornecer ao julgador os elementos necessários à formação de sua
convicção.
No processo penal brasileiro vigora a regras segundo a qual a prova da
existência de qualquer fato incumbe a quem o alegar. É o que se infere da redação do
art. 156 do Código de Processo Penal, segundo o qual “A prova da alegação incumbirá
a quem a fizer..[..].” Nesta linha de raciocínio, a prova da existência do fato criminoso
e das circunstâncias em que o mesmo ocorreu recais sobre a acusação. Já à defesa, por
outro lado, incumbirá a prova da inexistência do fato, negativa de autoria e das
circunstâncias que lhes são favoráveis.
Nada obstante o processo administrativo disciplinar seja pautado pela busca da
verdade real, via de regra, o ônus da prova recai sobre a comissão, a quem compete
provar a responsabilidade do servidor investigado. Em duas situações excepcionais há
inversão do ônus da prova. A primeira se verifica no processo disciplinar derivado de
sindicância patrimonial, onde a prova da licitude da renda que gerou a
incompatibilidade patrimonial recai sobre o servidor investigado, competindo à
Administração tão somente demonstrar a incompatibilidade entre a renda e o
patrimônio. A segunda situação se verifica na revisão do processo administrativo
disciplinar com fundamento no art. 174 da Lei nº 8.112/90, onde o ônus da prova das
circunstâncias que autorizam a revisão recairá sobre o requerente.

11.4 – SISTEMA DE VALORAÇÃO DA PROVA


Pacificou-se na doutrina o entendimento de que são três os principais sistemas
de valoração da prova utilizados no sistema processual brasileiro, quais sejam: livre
convicção, prova tarifada e persuasão racional.
Sistema da livre convicção: como o próprio título sugere, nesse sistema o
169

julgador valora a prova de acordo com a sua convicção pessoal, não havendo
necessidade de motivação da sua decisão. Este sistema foi adotado pelo nosso Código
de Processo Penal apenas nos casos submetidos ao tribunal do júri, onde o cordo de
jurados não necessita motivar seu voto.
Prova legal ou prova tarifada: nesse sistema o julgador se vincula aos valores
preestabelecidos para cada prova produzida no processo, fazendo com que o mesmo
fique adstrito ao critério fixado pelo legislador. Nesse sistema inexiste margem de
liberdade do julgador para a apreciação de cada prova produzida.
Persuasão racional: também denominado de método misto ou do livre
convencimento motivado, é o sistema adotado com predominância no sistema
processual brasileiro. Por este método o julgador dispõe de toda liberdade para decidir
a causa de acordo com seu livre convencimento. Essa liberdade de convicção, no
entanto, há de ser exercida de forma motivada (princípio da motivação ou da
fundamentação), de sorte que quem julga fica vinculado às provas e aos demais
elementos existentes nos autos.
Pelo que se infere da leitura do art. 165 da Lei nº 8.112/90, no processo
administrativo disciplinar o sistema de valoração da prova adotado é o da persuasão
racional, devendo a comissão formar sua convicção a partir da livre avaliação dos
elementos probatórios carreados aos autos. A exigência de motivação também vale
para a autoridade julgadora quanto à possibilidade de agravar a penalidade proposta,
abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

Lei nº 8.112/90
Art. 165. Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde
resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou
para formar a sua convicção.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a
autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta,
abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

11.5 – PROVA EMPRESTADA


Prova emprestada (ou compartilhada) é aquela produzida em outro processo e,
mediante a reprodução dos documentos que a constituem, é juntada a um novo
processo, em curso ou ainda não iniciado. A utilização dessa espécie de prova tem
fundamento nos princípios da celeridade e economia processual, evitando-se a
desnecessária repetição de atos já praticados no bojo do processo originário.
O traslado da prova de um processo para outro não tem o condão de eliminar
eventuais vícios verificados no processo originário. Logo, se a prova foi considerada
ilícita na origem, do mesmo vício continuará a padecer no processo ao qual foi
170

juntada.
A doutrina costuma apontar um rol de requisitos para a admissão da prova
emprestada. Entre os mais citados se destacam os seguintes: a) que a prova tenha sido
produzida com observância do contraditório, ampla defesa e devido processo legal; b)
que a parte contra quem a prova for utilizada tenha participado da sua produção no
processo originário; e c) que em ambos os processos figurem as mesmas partes.
Não nos filiamos à corrente doutrinária que defende a exigibilidade do
cumprimento de tais requisitos. Ora, a “prova” denominada emprestada é juntada ao
novo processo como mero documento, exigindo-se a sua submissão ao contraditório
para ser considerada verdadeiramente uma prova. É o que ocorre, por exemplo, no
caso de compartilhamento de dados de inquérito policial. Como se sabe, nesse tipo de
procedimento, via de regra, as investigações não se submetem ao contraditório. A
validade da prova produzida nos autos de origem (inquérito policial) fica
condicionada à submissão da mesma ao contraditório no processo de destino.
Esse mesmo exemplo hipotético serve para refutar a exigibilidade de que as
partes também devem ser as mesmas. Como sabemos, no inquérito policial inexiste a
figura da parte, até mesmo porque ali se investiga fatos, e não pessoas. Sendo assim,
em que pese isso possa acontecer, a identidade de partes não constitui requisito de
validade da prova emprestada.
Excepcionalmente, quando a prova emprestada envolver dados protegidos por
sigilo, tais como interceptação telefônica e dados bancários, o compartilhamento deve
ser precedido de autorização judicial.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. UTILIZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA EM PAD.
É possível utilizar, em processo administrativo disciplinar, na qualidade de “prova
emprestada”, a interceptação telefônica produzida em ação penal, desde que
devidamente autorizada pelo juízo criminal e com observância das diretrizes da Lei
9.296/1996. Precedentes citados: MS 14.226-DF, Terceira Seção, DJe 28/11/2012; e
MS 14.140-DF, Terceira Seção, DJe 8/11/2012. MS 16.146-DF, Rel. Min. Eliana
Calmon, julgado em 22/5/2013 (Informativo nº 0523).
SÚMULA STJ Nº. 591
É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que
devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a
ampla defesa. Primeira Seção, aprovada em 13/9/2017, DJe 18/9/2017 (Informativo
n. 610)

11.6 – PROVA PROIBIDA


Prova proibida é gênero do qual fazem parte as espécies prova ilegítima e a
171

prova ilícita. A inadmissibilidade desse tipo de prova tem respaldo jurídico no Código
de Processo Penal, cuja redação do art. 157 e seus parágrafos diz o seguinte:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
§ 2º Considera -se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes
acompanhar o incidente.
Prova ilícita é a denominação empregada pela doutrina para designar a prova
obtida por meio de violação de norma (legal ou constitucional) de direito material.
Conclui-se, portanto, que essa denominação é utilizada para identificar toda prova
obtida com a violação de direito que independe da existência do processo. Menciona-
se, a título de exemplo, a prova obtida a partir de extrato de conta bancária obtido
mediante a violação do sigilo bancário.
Prova ilegítima é a denominação atribuída à prova obtida ou carreada aos
autos com violação de norma de natureza processual. Este tipo de prova pode até ser
lícita por ter sido obtida em conformidade com as regras de natureza material; mas é
ilegítima por violar preceito de natureza processual. É o que ocorre, por exemplo, com
a prova relativa ao fato de que a parte contrária não tenha sido cientificada com a
antecedência necessária; ou sobre a qual a parte interessada não teve a oportunidade
de se manifestar.

11.6.1 – PROVA PROIBIDA POR DERIVAÇÃO


Teve como origem entendimento proferido pela Suprema Corte dos Estados
Unidos da América com base na teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of
poisonous tree doctrine), segundo a qual são ilícitas todas as provas obtidas a partir
de outra que foi produzida com violação de direito. Essa teoria representa uma
consequência lógica da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas,
partindo-se da premissa de que toda prova obtida com violação de direito (portanto
ilícita) acaba por contaminar todas as demais provas que dela sejam consequências.
No Brasil o instituto da prova ilícita por derivação somente foi incorporado de
forma expressa ao sistema processual com o advento da Lei nº 11.690/2008, que deu
172

nova redação ao art. 157 do Código de Processo Penal. A redação do parágrafo


primeiro do artigo em referência diz o seguinte:
Art. 157. [...]
§1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
Todas as provas ilícitas (originária ou por derivação) necessariamente devem
ser desentranhadas do processo, evitando dessa forma que o convencimento do
julgador seja, de alguma forma, contaminado por esse tipo de prova. Se é ilícita, não
há razão plausível para a sua permanência nos autos.

Código de Processo Penal


Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de
conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta
será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4o (VETADO)
§ 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá
proferir a sentença ou acórdão.

11.7 – PROVA TESTEMUNHAL


Um dos instrumentos mais utilizados no processo administrativo disciplinar na
busca da verdade real é a oitiva de testemunhas, sejam elas arroladas pela parte
investigada ou pela própria Administração. Por razões óbvias, somente deve ser
chamado a depor quem tenha condições de colaborar para o esclarecimento dos fatos,
devendo ser indeferido qualquer pedido considerado meramente protelatório. A
insistência da parte acusada em arrolar testemunha visando exclusivamente retardar o
andamento do processo caracteriza violação do princípio da lealdade processual.
Não pode depor na condição de testemunha quem mantém com o acusado
relação de amizade, inimizade ou que tenha interesse direto ou indireto na solução do
173

processo. Essa vedação se deve ao fato de que pessoas nessas situações não se
encontram totalmente livres para narrar os fatos dos quais tenham tomado
conhecimento. É inerente à condição humana o receio de desagradar as pessoas com
as quais convivemos. Não podemos perder de vista que fazer afirmação falsa, negar
ou calar a verdade na condição de testemunha em processo judicial ou administrativo
configura o crime de falso testemunho ou falsa perícia (art. 342 CP), cuja pena é de
reclusão de um a três anos, sem prejuízo de multa.
Sob o mesmo fundamento, a parte acusada também poderá impugnar a
testemunha arrolada pela Administração, desde que apresente justificativa aceitável,
como são exemplos a prévia emissão de valor sobre o fato objeto da apuração e a
presença de interesses conflitantes.
A legislação que regula o processo administrativo no âmbito da União (Lei nº
8.112/90 e Lei nº 9.784/99) não indica o limite máximo de testemunhas que podem
ser admitidas no processo investigativo de natureza disciplinar. A lacuna é suprida
pelo Código de Processo Civil, em cujo art. 357, § 6º, deixou expresso que “o número
de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo,
para a prova de cada fato”. Como no processo administrativo não existe a figura da
parte, como ocorre na esfera cível, entende-se que poderão ser admitidas no máximo
três testemunhas para cada fato, pouco importando se arrolada pela Administração ou
pela defesa do investigado. Aliás, no processo administrativo disciplinar não existe a
figura da testemunha de defesa e de acusação como ocorre no processo penal. Todas
as testemunhas pertencem ao do processo, pouco importando quem tenha requerido o
seu depoimento.

11.7.1 – PESSOAS PROIBIDAS DE DEPOR COMO TESTEMUNHA


As vedações da participação no processo na condição de testemunha foram
definidas pelo Código de Processo Penal, Código de Processo Civil e pela Lei nº
9.784/99.
De acordo com a redação do art. 207 do Código de Processo Penal, “são
proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada,
quiserem dar o seu testemunho”. Não se trata de uma faculdade de não depor, e sim
de uma vedação legal que recai sobre certas pessoas em razão do dever jurídico de
preservação do sigilo. Mencione-se, a título de exemplos, o médico, psicólogo,
sacerdote e advogado.
Já o Código de Processo Civil admite como testemunha qualquer pessoa,
exceto os incapazes, impedidos e suspeitos. Eis o que diz o art. 447 do CPC:
Art. 447. Podem depor como testemunha todas as pessoas, exceto as
incapazes, impedidas ou suspeitas
§ 1º. São incapazes:
174

I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;


II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo
em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que
deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
III - o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que
lhes faltam.
São impedidos:
I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer
grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por
consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou,
tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de
outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante
legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou
tenham assistido as partes.
São suspeitos:
I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;
II - o que tiver interesse no litígio.
Por fim, a Lei nº 9.784/1999 estabelece em seu art. 18 que é impedido de atuar
em processo administrativo o servidor ou autoridade que:
I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou
representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge,
companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; e
III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou
respectivo cônjuge ou companheiro.
A utilização da expressão “é impedido de atuar no processo” confere maior
abrangência à vedação contida na Lei nº 9.784/99, não se restringindo à participação
da pessoa como testemunha. Nessa linha de raciocínio, a vedação se estende a
qualquer tipo de participação, tais como membro de comissão, autoridade
instauradora, etc.).

11.7.2 - ACAREAÇÃO
É o ato processual que consiste em confrontar dois depoentes que prestaram
informações divergentes e consideradas relevantes para se chegar à verdade dos fatos.
175

Nesse ato as duas pessoas devem ser colocadas frente a frente e inquiridas sobre as
divergências verificadas entre os dois depoimentos a respeito dos fatos.
Diferentemente do que ocorre no processo penal, onde a acareação é admitida
entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou
testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas (art. 229 CPP), a Lei nº
8.112/90 previu apenas a acareação entre testemunhas. Em nossa visão, a decisão do
legislador foi salutar, pois inexiste nos procedimentos disciplinares as figuras da
acusação e ofendido, e sim mera suspeita da ocorrência de infração funcional a ser
apurada.
Também nos parece desarrazoado admitir a acareação entre investigados,
tendo em vista a garantia constitucional contra a autoincriminação, tornando o
resultado do procedimento de pouca ou nenhuma utilidade prática. Se ambos estão
acobertados pelo privilégio contra a autoincriminação, sendo lhes facultar permanecer
em silêncio diante de uma pergunta que possa comprometer a sua tese de defesa, não
vislumbramos nenhuma possibilidade de a acareação entre investigados produzir
efeito prático.
A acareação funciona como meio de prova e, nessa qualidade, pode ser
requerida pelo investigado ou realizada de ofício pela Administração, sempre que se
deparar diante de contradições entre os depoimentos de duas ou mais testemunhas.
Nesse procedimento deve a comissão explorar ponto a ponto as contradições
existentes.

11.7.3 – COMPROMISSO COM A VERDADE


O compromisso com a verdade imposto à testemunha (seja na esfera
administrativa ou criminal) tem respaldo jurídico no art. 203 do Código de Processo
Penal, onde ficou expresso que “a testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa
de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado […]”, bem como no art. 342
do Código Penal, que tipifica o crime de falso testemunho ou falsa perícia, cuja
conduta caracterizadora é fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.
Entre os doutrinadores não há consenso quanto à repercussão do
descumprimento desse dever na esfera criminal. Há uma corrente que advoga a tese
de que o depoente que fizer afirmação falsa responderá pelo crime de falso testemunho
apenas quando for previamente alertado sobre o compromisso. Por outro lado, há
quem entenda que o alerta sobre o compromisso é mera formalidade, de sorte que a
testemunha que faltar com a verdade responderá pelo crime do art. 342 do Código
Penal ainda que não tenha sido alertada do compromisso.
Nos filiamos à segunda corrente, ou seja, que a configuração do crime de falso
testemunho ou falsa perícia dispensa a formalidade do alerta. Ora, o art. 342 do
176

Código Penal descreve como conduta caracterizadora do crime o ato de “fazer


afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou
em juízo arbitral”. Como se percebe, a lei não estabeleceu nenhuma condicionante, o
que nos permite concluir que a caracterização do crime prescinde de qualquer ato de
quem esteja colhendo o depoimento.
É importante deixar claro que a omissão de quem esteja conduzido a audiência
(ao não alertar a testemunha de que a mesma se encontra compromissada coma
verdade) representa mera irregularidade, incapaz de macular a lisura e transparência
do procedimento.

Código Penal
Art. 342. - Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha,
perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo,
inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

11.8 – CONFISSÃO
É a admissão por parte do investigado da veracidade da imputação que lhe foi
feita. No processo administrativo disciplinar é o reconhecimento da responsabilidade
por parte do servidor sobre o qual recai a suspeita da prática de ato infracional. Por se
tratar de ato personalíssimo, não se admite a confissão feita por procurador ou
representante legal. Para ser válida deve ser feita pelo próprio servidor investigado,
sem nenhuma interferência de terceiro.
Assim como qualquer outra prova admitida no processo administrativo
disciplinar, a confissão tem valor relativo. Diante da lacuna deixada pelos normativos
que tratam do assunto, aplica-se o disposto pelo art. 197 do Código de Processo Penal,
segundo o qual o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros
elementos de provas. Nessa linha de raciocínio, é a partir do exame das circunstâncias
em que a confissão ocorreu, em conjunto com os demais elementos de provas, que a
Administração concluirá sobre a veracidade da confissão feita pelo servidor
investigado.
É oportuno acrescentar ainda que a confissão é divisível e retratável, segundo
estabelece o art. 200 do Código de Processo Penal. A possibilidade de divisão decorre
da possibilidade de a Administração reputar verdadeira apenas parte do que foi
confessado. Por exemplo, pode o investigado admitir a prática da foto ilícito, mas
alega em sua defesa o desconhecimento da ilicitude do ato. Por seu turno, a
retratabilidade consiste na possibilidade de o confitente apresentar nova versão
negando aquilo que inicialmente tinha admitido.
177

11.9 – DELAÇÃO E CONFISSÃO DELATÓRIA


É o ato pelo qual o investigado admite a sua responsabilidade e,
concomitantemente, responsabiliza outro servidor, apontando-o como coautor da
infração disciplinar cuja suspeita de autoria recai exclusivamente sobre si. Para
admitir como válida a confissão delatória deve a Administração avaliar quais os
motivos que levaram o investigado a confessar, notadamente quando vislumbrar a
possibilidade de a responsabilização do delator ser atenuada com a responsabilização
do delatado.

11.10 – DELAÇÃO PREMIADA


É a denominação atribuída ao instituto que autoriza a isenção ou redução da
pena do delator que colabora de forma eficaz para a identificação dos demais
coautores ou partícipes do ilícito.
A delação premiada tem respaldo jurídico em diversos normativos
infraconstitucionais. Menciona-se, a título de exemplo, Código Penal (Art. 159, § 4º,
que trata do crime de extorsão mediante sequestro; Lei nº 7.492/86, que dispõe sobre
os crimes contra o sistema financeiro nacional; Lei nº 8.072/90, que trata dos crimes
hediondos; Lei nº 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra a ordem tributária e as
relações de consumo; Lei nº 12.850/2013, que dispõe sobre os crimes praticados por
organização criminosa; Lei nº 9.613/98, lavagem de capitais; Lei nº 9.807/99,
proteção a vítimas e testemunhas; e Lei nº 11.343/2006 – denominada lei antitóxicos.
Mais recentemente foi aprovada a Lei º 12.846/2013, instituindo o acordo de
leniência, mediante o qual a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública
poderá celebrar acordo com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos
ilícitos contra a Administração Pública, desde que o acordo contribua efetivamente
com as investigações e a identificação de outros agentes envolvidos.
O acordo de leniência será abordado, mais adiante, em capítulo específico.

11.11 - DENÚNCIA
É o ato pelo qual uma pessoa leva ao conhecimento da autoridade competente
notícia de irregularidade ocorrida no âmbito da Administração Pública, praticada por
agente público. Assim como na representação, exige-se que a denúncia preencha
certos requisitos para ser admitida como instrumento apto a dar início a processo
investigativo de natureza disciplinar. Nada obstante a redação do art. 144 da Lei nº
8.112/90 exigir como requisito de admissibilidade da denúncia apenas a identificação
e o endereço do denunciante e que a mesma seja formulada por escrito, confirmada a
autenticidade, é incontroverso que a mesma deva trazer os elementos mínimos que
possibilitem a identificação da autoria e materialidade. Não nos parece razoável a
Administração determinar a instauração de processo disciplinar com base
exclusivamente em opiniões midiáticas.
178

Como enfatizado antes, para ser apta a fundamentar a instauração de


procedimento disciplinar punitivo não basta a mera identificação do denunciante e a
forma escrita, como preconiza o art. 144 do Estatuto dos Servidores. A denúncia deve
conter os elementos mínimos que possibilitem a identificação da autoria e
materialidade. Em caso contrário, ou seja, na ausência desses elementos, o mais
adequado é instaurar procedimento investigativo preparatório – vistos em tópicos
mais adiante.
Acrescenta-se, ainda, que a denúncia movida por má-fé por parte do
denunciante pode repercutir na esfera criminal. Segundo o disposto pelo art. 19 da Lei
nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), constitui crime a representação por
ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da
denúncia o sabe inocente. Em nosso modo de pensar, essa previsão é redundante e
desnecessária, tendo em vista que a representação de má-fé inevitavelmente
configurará o crime de denunciação caluniosa ou um dos crimes contra a honra
tipificados pelo Código Penal.

Lei nº 8.112/90
Art. 144. - As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que
contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por
escrito, confirmada a autenticidade (Art. 144 da Lei nº 8.112/90).
Código Penal
Art. 339 - Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial,
instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

11.11.1 – DENÚNCIA ANÔNIMA


O tema tem suscitado acaloradas discussões entre os operadores do direito, uns
admitindo a legalidade da instauração de processo administrativo punitivo com
fundamento em denúncia apócrifa. Outros advogando a tese de que a denúncia
anônima não constitui elemento apto a dar ensejo à instauração de procedimento
disciplinar punitivo.
A controvérsia é alimentada ainda pela existência de dispositivos legais
aparentemente conflitantes. De um lado o comando expresso no art. 143 da Lei nº
8.112/90 impõe à autoridade competente o dever incondicional de apuração sempre
que tiver ciência de irregularidade no serviço público. Em sentido diametralmente
oposto é a redação do art. 144 da mesma lei, condicionando a apuração de
irregularidades que chegarem ao conhecimento da autoridade por intermédio de
denúncia à existência de identificação e o endereço do denunciante e seja formulada
179

por escrito, confirmada a autenticidade. Eu resumo, enquanto o art. 144 impõe um


dever incondicional de apuração, o artigo seguinte condiciona tal medida à
identificação do denunciante. O comando do art. 144 é reforçado pelo teor do art. 5º,
inciso IV da Constituição Federal, segundo o qual “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Em nosso modo de pensar, a correta interpretação do dever de apuração
imposta à autoridade administrativa exige necessariamente ponderação e bom senso.
Não é razoável admitir que um processo administrativo disciplinar seja deflagrado a
partir de uma denúncia apócrifa e sem os mínimos elementos de prova. Por outro lado,
caso a denúncia (ainda que apócrifa) chegue acompanhada de elementos probatórios
mínimos, não vislumbramos a existência de óbice à instauração da investigação. O
que não pode é a Administração se omitir, se abstendo de apurar pelo simples fato de
a irregularidade ter chegado ao conhecimento da autoridade competente por denúncia
anônima. Caso a autoridade não esteja segura quanto à veracidade da denúncia, a
solução mais adequada é a instauração de investigação preliminar ou outro
procedimento análogo, mas nunca se manter inerte.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


PAD. DENÚNCIA ANÔNIMA. INDÍCIOS. FALTA. APOSENTADORIA.
CASSAÇÃO.
Seção concedeu a segurança para anular o ato que cassou a aposentadoria do
impetrante por considerar desarrazoada e desproporcional a medida, pois
insuficientes os indícios que ensejaram o PAD, instaurado a partir do recebimento
de fita gravada contendo denúncia anônima da prática de obtenção de vantagem
econômica indevida. Outrossim, inexiste vício de nulidade do PAD pelo fato de ter
sido instaurado a partir da tal gravação anônima feita em espaço público,
denunciando a existência da infração funcional, em razão do que cabe a apuração
dos fatos pela autoridade pública ao ter ciência da alegada irregularidade no
serviço público. Precedente citado do STF: HC 87.341-PR, DJ 3/3/2006. MS 12.429-
DF, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/5/2007.
SÚMULA Nº 611 do STJ
Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é
permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em
denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.
Primeira Seção, aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

11.12 – REPRESENTAÇÃO
Representação é o instrumento utilizado para levar ao conhecimento da
autoridade administrativa competente irregularidade praticada por qualquer agente
180

público. Para o servidor público constitui um dever, conforme previsto pelos incisos
VI e XII do art. 116 da Lei nº 8.112/90, cujo descumprimento enseja a imposição de
penalidade disciplinar. Já para o particular é uma prerrogativa e não um dever,
conforme se extrai do art. 14 da Lei nº 8.429/92 (Lei de improbidade administrativa).
O texto do artigo lei diz que qualquer pessoa poderá representar à autoridade
administrativa, indicando não se tratar de uma obrigação, e sim de uma faculdade.
Uma vez recebida a representação, a mesma deve ser submetida a um prévio
juízo de admissibilidade, que é o exame por meio do qual a autoridade competente
decide, de forma fundamentada, pelo arquivamento ou instauração de procedimento
disciplinar. Para ser válida a representação deverá ser elaborada na forma escrita e
conter os elementos mínimos que indiquem a materialidade e autoria do fato ilícito.
Em hipótese alguma pode ser admitida representação na forma verbal.
É pertinente alertar que a representação desprovida de elementos mínimos de
prova poderá repercutir na esfera criminal, caso seja comprovada má-fé do
representante. Nesse caso, o agente denunciante poderá responder pelo crime de
denunciação caluniosa (Art. 339 do CP) ou por um dos crimes contra a honra (Artigos
138 a 140 do Código Penal) - calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo da obrigação
de indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver
provocado.

Lei nº 8.112/90
Art. 116. São deveres do servidor:
[...]
XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela
via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é
formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.
Lei nº 8.429/92
Art. 14 - Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa
competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de
ato de improbidade.
Art. 19 - Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra
agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.

11.13 – PROVA DOCUMENTAL


Considera-se prova documental toda aquela encartada em um documento físico
181

ou virtual. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci documento é toda base


materialmente disposta a concentrar e expressar um pensamento, uma ideia ou
qualquer manifestação de vontade do ser humano, que sirva para demonstrar e provar
um fato ou acontecimento juridicamente relevante (Curso de Direito Processual Penal,
pag. 644).
O conceito de Nucci é bem mais abrangente quando comparado com o previsto
pelo art. 232 do Código de Processo Penal, onde ficou expresso que “considera-se
documento quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”.
Com o avanço da tecnologia da informação, culminando com a implantação do
processo eletrônico nas esferas administrativa e judicial, passou a ser considerado
documento qualquer outro meio capaz de registrar a manifestação de vontade de uma
pessoa, tais como arquivos de vídeo, pen drive, ou algo do gênero.
A lei que trata do processo administrativo na esfera federal (Lei nº 9.784/99)
não traz o conceito de documento nem tampouco conceitua prova documental. Nada
obstante isso, em diversas passagens faz menção a este tipo de prova. Logo no inciso
II do art. 3º restou expresso que ao administrado é assegurado o direito de ter ciência
da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado,
ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões
proferidas; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais
serão objeto de consideração pelo órgão competente; entre outros.
Mais adiante estabelece o mesmo diploma legal que é vedada à Administração
a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o
interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas (Parágrafo único do art. 6º,);
que o interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar
documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações
referentes à matéria objeto do processo (art. 38); que quando dados, atuações ou
documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido
formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva
apresentação implicará arquivamento do processo (art. 40); e assim sucessivamente.
Na esfera disciplinar a juntada de provas documentais nos autos pode ser feita
de ofício pela Administração, ou a requerimento da parte investigada. A propósito,
não poderia ser diferente, tendo em vista que processo administrativo disciplinar é
pautado pela busca da verdade real, não devendo a Administração se contentar com
as provas preexistentes. Deve a mesma indeferir o pedido de juntada de prova
documental tão somente quando restar demonstrado que este em nada contribuirá para
a elucidação dos fatos ou quando tiver como objetivo provar fato incontroverso ou já
provado nos autos por outros meios de prova.

11.14 – PROVA INDICIÁRIA


De acordo com o disposto pelo art. 239 do Código de Processo Penal,
182

“considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o


fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias”. Da leitura do mencionado dispositivo legal é possível inferir que
prova indiciária é aquela produzida a partir da correlação entre um fato provado e
outro sobre o qual recai dúvida sobre a sua veracidade. Ou seja, é a prova produzida
a partir da constatação da existência de perfeita correlação entre um fato provado e
outra a ser provado.
Trata-se de uma espécie de prova indireta tão válida como a prova direta, dada
a inexistência de hierarquia entre as provas. Em matéria disciplinar pode ser utilizada
na formação da convicção da comissão quando envolver ilícitos que, por sua natureza,
não deixam vestígios. A título meramente exemplificativo, a evolução patrimonial
incompatível com a renda declarada do servidor constitui uma prova indiciária do
recebimento de propina.
Há que se ressaltar que o indício isoladamente não tem a força suficiente para
levar a uma condenação, sendo imprescindível a descoberta de mais elementos que
proporcionam mais segurança quanto à decisão condenatória. Todavia, existência de
múltiplos indícios, somada à ausência de um álibi confiável do acusado,
excepcionalmente, pode autorizar a condenação do investigado.

11.15 – PROVA PERICIAL


É a prova produzida a partir de laudo pericial ou estudo técnico realizado por
profissional detentor de conhecimento sobre o assunto e legalmente habilitado.
Deverá ser realizada sempre que houver necessidade de conhecimento técnico ou
científico específico para esclarecer determinados fatos da causa. Em matéria
disciplinar, dada a carência de profissionais habilitados e o seu alto custo para os
cofres públicos, a Administração somente deverá decidir pela realização de perícia
quando o seu resultado for reputado imprescindível para se chegar à verdade dos fatos.
A propósito, a própria Lei nº 8.112/90 preceitua que “será indeferido o pedido
de prova pericial, quando a comprovação do fato independer de conhecimento
especial de perito” (art. 156, § 2º). Por sua vez, o Código de Processo Civil aponta no
parágrafo primeiro do art.464 três circunstâncias que autorizam o indeferimento da
perícia. São elas: 1) a prova do fato não depender de conhecimento especial de
técnico; 2) for desnecessária em vista de outras provas produzidas; e 3) a verificação
for impraticável.
Outra forma de evitar a necessidade de nomeação de perito no processo
administrativo disciplinar é a autoridade competente tomar o cuidado de nomear para
a comissão processante servidor com conhecimentos especializados no assunto objeto
da apuração. Por exemplo, em um processo investigativo envolvendo fraude em obra
de engenharia, nada mais razoável do que indicar para compor a comissão servidores
com formação nessa área.
183

11.16 – INDEFERIMENTO DE PROVA


O pedido de produção de provas deve ser indeferido, de forma motivada,
sempre que a comissão concluir que a mesma em nada contribuirá para a solução da
controvérsia. É o que se conclui da previsão contida no § 1º do art. 156 da Lei nº
8.112/90, segundo o qual “o presidente da comissão poderá denegar pedidos
considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o
esclarecimento dos fatos”. A lei não traz o conceito nem tampouco estabelece os
parâmetros a serem utilizados para saber uma prova pode ser reputada impertinente
ou protelatória.
Por indução podemos conceituar prova protelatória como sendo a requerida
pela parte interessada tendo como único objetivo impor obstáculo ao regular
andamento do processo. É o que ocorre, por exemplo, no caso em que investigado
requer a oitiva de uma testemunha por saber de antemão que a mesma se encontra em
local de difícil acesso ou até mesmo desconhecido. O objetivo não é esclarecer fatos,
e sim atrasar o andamento do processo com diligências que, antecipadamente, o
investigado já sabe serem infrutíferas.
Por seu turno, prova impertinente seria aquela que não apresenta nenhuma
relação de pertinência com os fatos objeto da apuração. Seria impertinente, por
exemplo, o depoimento de testemunha que não tomou conhecimento dos fatos ou que
se limita a enaltecer as qualidades do investigado (assiduidade e dedicação ao serviço)
em um processo administrativo disciplinar no qual o mesmo responde por suspeita de
recebimento de vantagem indevida (propina). Na situação hipotética apresentada, a
assiduidade e dedicação do servidor em nada se relaciona ao fato que lhe foi imputado
- recebimento de vantagem indevida.
A depender do tipo de prova requerida pela parte investigada a mesma pode
ser, concomitantemente, tanto protelatória como impertinente.

CAPÍTULO 12
IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO

12.1 – INTRODUÇÃO
Impedimento e suspeição são situações jurídicas (de natureza objetiva e
subjetiva respectivamente) que impedem certas pessoas de atuarem no processo. No
impedimento há presunção absoluta (juris et de jure) de parcialidade do agente,
enquanto na suspeição há apenas presunção relativa (juris tantum).
184

Na esfera criminal as causas de impedimentos se encontram previstas pelo art.


252 do Código de Processo Penal e dizem respeito a situações ou circunstância de
natureza objetiva do magistrado em relação às partes. Já as causas de suspeição,
dispostas no artigo 254, estão ligadas a aspectos e circunstâncias de natureza
subjetiva.
A Lei nº 8.112/90 não trata do impedimento e da suspeição, o que nos leva a
concluir que os dois institutos são disciplinados pela Lei 9.784, de 29/01/1999 – que
regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Trata-
se de figuras típicas do direito processual que visam preservar a atuação imparcial do
agente público, prestigiando dessa forma os princípios da impessoalidade e da
moralidade administrativa.

12.2 - IMPEDIMENTO
Como dito antes, trata-se de elemento de natureza objetiva, ou seja, que se
relaciona à condição especial da pessoa, gerando uma presunção absoluta de
parcialidade. No processo administrativo federal, a Lei nº 9.784/99 estabelece no art.
18 que “é impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade
que: I – tenha interesse direto ou indireto na matéria; II – tenha participado ou venha
a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem
quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; e III – esteja
litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou
companheiro”.
Como se percebe, trata-se de situações em que a lei cria uma presunção
absoluta de parcialidade do agente público, impossibilitando-o de participar do
processo investigativo, sob pena de nulidade. Em nosso modo de pensar, o rol
enumerado pelo artigo 18 da Lei 9.784/99 não é taxativo. Outras situações verificadas
no dia a dia impedem a participação do agente no processo administrativo
investigativo punitivo. A título meramente exemplificativo, cita-se a situação em que
o agente já tenha emitido juízo de valor sobre a ilicitude da conduta que motivou a
instauração do processo administrativo disciplinar. Nessa linha de raciocínio, é
impedido de participar do processo disciplinar punitivo o auditor que elabora o
relatório de auditoria que recomenda a instauração da apuração, bem como o agente
que emitiu o parecer de admissibilidade da apuração.
Por imperativo legal, o agente público que incorrer em impedimento tem o
dever de comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar no processo.
A omissão constitui falta grave, passível de punição disciplinar.

Lei nº 9.784/99
185

Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o


fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.

Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta


grave, para efeitos disciplinares.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
(PAD). NULIDADE POR IMPEDIMENTO DE SERVIDOR.
Há nulidade em processo administrativo disciplinar desde a sua instauração, no
caso em que o servidor que realizou a sindicância investigatória determinou,
posteriormente, a abertura do processo disciplinar, designando os membros da
comissão processante. A imparcialidade, o sigilo e a independência materializam os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, devendo nortear os
trabalhos da comissão que dirige o procedimento administrativo, conforme dispõe o
art. 150 da Lei n. 8.112/1990. O art. 18, II, da Lei n. 9.784/1999 prevê o impedimento
para atuar em processo administrativo do servidor ou autoridade que dele tenha
participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante. A
instauração do PAD envolve, ainda que em caráter preliminar, juízo de
admissibilidade, em que é verificada a existência de indícios suficientes a
demonstrar que ocorreu transgressão às regras de conduta funcional. Por isso, não
se pode admitir que o servidor que realizou as investigações e exarou um juízo
preliminar acerca da possível responsabilidade disciplinar do sindicado,
considerando patentes a autoria e materialidade de infração administrativa,
determine a instauração do processo administrativo e, em seguida, aprove o
relatório final produzido. Precedente citado: MS 14.135-DF, DJe 15/9/2010. MS
15.107-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/9/2012.

12.3 – SUSPEIÇÃO
Trata-se de elemento de natureza subjetiva e se relaciona à própria pessoa do
agente, gerando uma presunção relativa de incompatibilidade para participar de atos
inerentes à apuração. Ao contrário do que ocorre nos casos de impedimento, o agente
público suspeito não tem obrigação legal de comunicar essa condição à autoridade
competente. Cabe à parte interessada suscitá-la na primeira oportunidade que tiver de
se manifestar nos autos, sob pena de preclusão. Como forma de obediência ao
princípio da lealdade processual, não pode o investigado tomar conhecimento da
circunstância que faz presumir a suspeição do agente e deixar para alegar o vício
apenas na fase de defesa.
A Lei nº 8.112/90 não dispensou o devido tratamento ao instituto da suspeição,
sendo tal falha suprida pela Lei nº 9.784/99, em cujo artigo 20 ficou expresso: “Pode
ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou
inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges,
companheiros, parentes e afins até o terceiro grau”. Por expressa previsão legal, o
186

indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito


suspensivo.
Há que se ressaltar que a amizade ou inimizade apta a gerar a suspeição há de
ser íntima e notória, de sorte que a simples circunstância de os agentes conviverem
diariamente no ambiente do trabalho não pode ser alegada como circunstância
caracterizadora da suspeição. Do mesmo modo, a inimizade apta a gerar suspeição há
de ser flagrante e notória, capaz de afetar as relações sociais entre os inimigos.
O incidente de suspeição deverá ser indeferido pela autoridade administrativa
competente sempre que restar evidenciado que o mesmo foi fundado em fatos ou
circunstâncias artificialmente provocadas pela própria parte interessada.
Exemplificando: prevendo que as declarações prestadas por determinada pessoa na
condição de testemunha poderão lhe ser prejudicial, a parte investigada simula uma
situação (inimizade ou amizade) que, em tese, impede a pessoas de depor como
testemunha por ser considerada suspeita. Na situação hipotética apresentada, por se
tratar de suspeição é artificialmente provocada pela parte interessada, deve a comissão
indeferir a arguição de suspeição.

CAPÍTULO 13
INCIDENTES PROCESSUAIS

13.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS


A doutrina tradicional conceitua incidente processual como sendo uma questão
187

acessória e controvertida que surge no curso da demanda principal e que deve ser
julgada antes da decisão do mérito da causa principal. O Novo Código de Processo
Civil autoriza a utilização de diversos incidentes processuais, como são exemplos a
impugnação ao valor da causa, a arguição de incompetência, e arguição de suspeição
do magistrado, entre outras.
Na esfera criminal os incidentes processuais foram classificados em duas
categorias: questões prejudiciais e processos incidentes. Questão prejudicial
representa uma controvérsia autônoma em relação à lide, surgida no curso do processo
de cuja solução o processo principal é dependente. Exemplo: confirmação da
existência de matrimônio anterior no crime de bigamia, por constituir (o casamento
anterior) elemento essencial para a configuração do delito.
Por sua vez, os processos incidentes são questões controvertidas relacionadas
à lide principal, que surgem no curso do processo e que devem ser solucionadas pelo
juiz antes da decisão da causa principal. São exemplos de processo incidentes: conflito
de jurisdição, restituição de coisa apreendida, medidas assecuratórias, exceção de
impedimento, exceção de suspeição, exceção de litispendência, exceção de coisa
julgada, incidente de falsidade, incidente de sanidade mental, entre outras.
De imediato podemos constatar que alguns dos incidentes processuais
utilizados nesses dois ramos do direito (civil e penal) foram previstos de forma
expressa na legislação que trata de processo administrativo disciplinar, como é o caso
do incidente de insanidade mental previsto pelo art. 160 da Lei nº 8.112/90 e as
exceções de impedimentos e suspeição de que trata os artigos 18 e 20 da Lei nº
9.784/99, respectivamente. Outros, nada obstante a falta de previsão legal, são
compatíveis com os procedimentos disciplinares.
Nos tópicos seguintes abordaremos os principais incidentes aplicáveis ao
processo administrativo disciplinar.

13.2 – EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA


Verifica-se a litispendência na esfera disciplinar quando dois ou mais
procedimentos punitivos são instaurados visando apurar os mesmos fatos. A exceção
de litispendência tem respaldo na impossibilidade da dupla punição pelo mesmo fato
(Ne bis in idem) e pode ser manejada a qualquer tempo pelo servidor investigado,
evitando-se dessa forma o processamento paralelo de procedimentos com idêntica
finalidade, mediante a extinção de um deles.
É importante deixar claro que não se confunde a litispendência com a coisa
julgada, nada obstante serem institutos processuais que possuem o mesmo
fundamento. O primeiro fica caracterizado quando se instaura procedimento
disciplinar cujo objeto é apurado em outro processo. Por sua vez, a coisa julgada é
caracteriza pela instauração de procedimento visando apurar fato já julgado em
processo pretérito. Os dois institutos não foram previstos de forma expressa pelas
188

normas que disciplinam o processo administrativo disciplinar federal, pegando-se de


empréstimo as disposições do Código de Processo Civil e do Código de Processo
Penal.

13.3 – EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO


Trata-se de recurso de caráter dilatório que tem por finalidade suscitar o
impedimento ou a suspeição da autoridade instauradora, dos membros da comissão
processante ou de qualquer outro agente que venha a atuar no processo, desde que
essa atuação possa, pelo menos em tese, interferir no seu resultado.
De acordo com o previsto pelo § 2º do art. 149 da Lei nº 8.112/90, “não poderá
participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou
parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro
grau”. Trata-se de pessoas que, diante da relação de proximidade com o acusado,
presume-se que não tenham a necessária imparcialidade para participar do processo.
Em nosso modo de pensar, não há como excluir do rol de impedimento e suspeição as
situações previstas pelo art. 144 do Código de Processo Civil, desde que haja
compatibilidade com o processo administrativo disciplinar.
A Lei nº 9.784/99 elencou em seu artigo 18 um rol de situações em que o
servidor ou a autoridade fica impedida de participar do processo, quais sejam: I - tenha
interesse direto ou indireto na matéria; II - tenha participado ou venha a participar
como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao
cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III - esteja litigando
judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou
companheiro.
Constatada qualquer das situações acima descritas, fica o investigado
autorizado a manejar a exceção de impedimento ou suspeição, cuja finalidade é
unicamente substituir o agente impedido ou suspeito. Portanto, trata-se de recurso de
caráter meramente dilatório, pois o seu provimento implicará apenas a paralisação do
processo até a substituição da pessoa suspeita ou impedida.
189

Código de Processo Civil


Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no
processo:
I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como
membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;
II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro
do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente,
consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou
parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau,
inclusive;
V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica
parte no processo;
VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das
partes;
VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de
emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge,
companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o
terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;
IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
§ 2º . É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento
do juiz.

13.4 – EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA


No Direito Processual Penal, a exceção de incompetência será autuada em
apartado e correrá em apenso ao procedimento principal e deve ser arguida na primeira
oportunidade que a parte tiver para falar nos autos. Na hipótese de ser julgada
improcedente, a parte prejudicada poderá interpor o recurso em sentido estrito,
conforme estabelece o art. 581, II, do Código de Processo Penal. Trata-se de recurso
de natureza dilatória, pois o seu acolhimento apresenta como consequência apenas a
paralisação do processo até a substituição do juiz competente.
Na esfera civil a forma de interposição do recurso depende do tipo da
incompetência alegada pela parte. Tratando-se de incompetência absoluta, a exceção
poderá ser manejada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de
ofício pelo juiz. Segundo o disposto pelo parágrafo segundo do art. 64 do Código de
Processo Civil, em qualquer caso, a decisão sempre será tomada após ouvir a
190

manifestação da parte contrária. Por outro lado, tratando-se de incompetência relativa,


configura-se a preclusão caso o réu não alegue a incompetência em preliminar de
contestação, situação na qual será prorrogada a competência do juízo.
No âmbito do Direito Administrativo Disciplinar, via de regra a pessoa
competente para a instauração do procedimento investigativo disciplinar é a
autoridade máxima do órgão ou entidade, sendo facultada a delegação de tal
competência para autoridade de órgão ou entidade diversa daquela em que tenha
ocorrido a irregularidade. Leva-se em consideração, para fins de definição da
competência, o local de ocorrência do fato a ser apurado. Nessa linha de ideia, a
autoridade competente para determinar a apuração de uma infração funcional ocorrida
no Senado Federal é o presidente daquela Casa Legislativa, ainda que o servidor
envolvido seja cedido de outro órgão.
As normas que disciplinam o processo administrativo na esfera federal não
tratam da exceção de incompetência, sendo utilizadas (por empréstimo) as disposições
estabelecidas pelo Código de Processo Civil, por força do disposto pelo art. 15,
segundo o qual “na ausência de normas que regulam processos […] ou
administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente”. Nessa linha de raciocínio, por se tratar de matéria de ordem
pública, a exceção de incompetência no processo disciplinar pode ser alegada a
qualquer momento, devendo a autoridade administrativa declará-la de ofício, sob pena
de nulidade do processo.
Não significa dizer que a parte interessada pode deixar para utilizar o recurso
apenas no memento que melhor lhe aprouver, devendo o mesmo alegar o vício de
competência na primeira oportunidade que tiver de se manifestar nos autos, sob pena
de violação do princípio da lealdade processual.

13.5 – INCIDENTE DE FALSIDADE DOCUMENTAL


O conceito de documento já foi visto em tópico precedente, onde abordamos a
prova documental.
O incidente de falsidade documental pode ser determinado de ofício pela
Administração, assim como pode ser requerido pelo investigado, sempre que houver
dúvida quanto à autenticidade de um documento. É indiferente, para fins de
instauração do incidente, tratar-se de falsidade ideológica ou material, bem como
tratar-se de documento público ou particular. Apenas a título de esclarecimento,
estamos diante de uma falsidade material quando a falsidade incide sobre o
documento, ou seja, cria-se artificialmente documento. Por sua vez, na falsidade
ideológica a fraude incide sobre o teor do documento, ou seja, o documento é
verdadeiro mais o seu conteúdo é falso.
No tocante à legitimidade para requerer o incidente, diz a redação do art. 146
do Código de Processo Penal que “a arguição de falsidade, feita por procurador, exige
191

poderes especiais”. Não vamos aqui adentrar em discussão sobre o mérito da


exigência imposta pelo legislador, mas entendemos que em matéria disciplinar a
restrição deve ser abolida. Não vemos nenhuma razão plausível para condicionar o
deferimento do pedido formulado pelo patrono do acusado que este tenha conferido
ao seu patrono poderes especiais.
A Administração pode (deve) indeferir o pedido quando a falsidade for
manifesta (falsificação grosseira) ou quando a autenticidade for inquestionável.
O art. 145, IV, do Código de Processo Penal determina o desentranhamento do
documento quando do incidente resultar a comprovação da falsidade. Esta
determinação nos parece salutar, pois a presença do mesmo nos autos inevitavelmente
influenciaria na formação da convicção do julgador, ainda que a falsidade não seja
manifesta. Uma vez comprovada a falsidade não há razão para a manutenção do
documento nos autos.

13.6 – INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL


No Direito Administrativo Disciplinar o incidente de sanidade mental tem
respaldo jurídico no art. 160 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual “quando houver
dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade
competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe
pelo menos um médico psiquiatra. deverá ser proposto à autoridade cometente pela
comissão processante, sempre que houver dúvida sobre a sanidade mental do
acusado”.
Como o próprio nome sugere, o incidente tem como finalidade aferir a
sanidade mental do agente público que responde a processo administrativo punitivo.
Do incidente resultará uma das seguintes situações: 1) conclusão de que o investigado
goza de perfeita saúde mental, hipótese em que o processo deverá seguir o seu curso
normal; 2) concluir que a insanidade mental sobreveio à infração praticada, o processo
será suspenso até que o mesmo retomar a normalidade; e 3) concluir que o investigado
era inimputável ao tempo da conduta, situação na qual o processo deverá ser
arquivado, visto ser a imputabilidade condição imprescindível para a punição.
Portanto, uma vez constatada que a insanidade mental precede à prática da
transgressão funcional, ou seja, na data do ato o servidor já se encontrava na condição
de inimputável, o processo administrativo deve ser arquivado, salvo quando houver
coautoria, situação em que o processo prosseguirá em relação aos demais envolvidos.
Na esfera criminal, uma vez constatada a inimputabilidade do agente no
incidente de sanidade mental, a persecução penal deverá continuar, com a presença do
curador, segundo o disposto pelo art. 151 do Código de Processo Penal, dada a
possibilidade de imposição de medidas de segurança ao investigado, o que não se
verifica no processo administrativo disciplinar.
Em que pese não haja previsão na lei, não vemos nenhum óbice a que o
192

incidente seja requerido pelo patrono do investigado. Nesse particular o Código de


Processo Penal foi mais permissivo, admitindo não só a determinação de ofício pelo
juiz, como a possibilidade de o incidente ser requerido pelo defensor, pelo curador,
pelo ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado.
Com fundamento no § 1º do art. 156 da Lei nº 8.112/90, o incidente (assim
como qualquer pedido de produção de prova) deverá ser indeferido quando for
considerado impertinente ou meramente protelatório. Todavia, não cabe o
indeferimento do incidente sob o fundamento de que o mesmo em nada contribuirá
para o esclarecimento dos fatos (art. 156, § 1º, in fine), visto que essa não é a sua
finalidade. O incidente tem por finalidade aferir a sanidade mental do investigado para
fins de responsabilização disciplinar, e não para esclarecer fatos controversos.
193

CAPÍTULO 14
PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS NÃO
PUNITIVOS

14.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS


São procedimentos investigativos preparatórios instaurados no âmbito da
Administração Pública visando fornecer à autoridade competente elementos
suficientes para a instauração do procedimento punitivo propriamente dito, ou seja,
processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva. Por se tratar de
procedimentos meramente preparatórios, dos quais não poderão resultar punições, são
conduzidos sem a observância do contraditório e ampla defesa. Os principais
procedimentos investigativos não punitivos utilizados no âmbito do Poder Executivo
Federal são a investigação preliminar, a sindicância investigativa e a sindicância
patrimonial.

14.2 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR


Trata-se de procedimento preparatório, não submetido ao contraditório, cuja
finalidade é colher elementos de prova suficientes para a instauração do procedimento
disciplinar punitivo propriamente dito. São duas as modalidades de investigação
preliminar.

14.2.1 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR PELO RITO ORDINÁRIO


Prevista pelo Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a denominada lei
anticorrupção, constitui procedimento sigiloso e não punitivo, cuja finalidade é colher
elementos mínimos de autoria e materialidade que fundamentem a instauração do
processo de responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra
a Administração Pública, nacional ou estrangeira.
O procedimento será conduzido por comissão composta por dois ou mais
servidores, que disporão do prazo máximo de sessenta dias para concluírem os
trabalhos de investigação, sendo facultada a prorrogação por igual período, mediante
solicitação dirigida à autoridade instauradora, devidamente justificada.
Ao final das investigações a comissão encaminhará à autoridade competente
as peças de informação obtidas, acompanhadas de relatório conclusivo acerca da
existência de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à Administração
Pública, competindo a esta (autoridade) decidir sobre a pertinência da instauração do
194

processo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica.


Por se tratar de procedimento meramente preparatório, cujo resultado tem por
finalidade embasar a tomada de decisão pela autoridade competente, entre a
instauração do processo de apuração de responsabilidade ou pelo arquivamento da
matéria, o mesmo não se submete ao contraditório.

14.2.2 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR PELO RITO SUMÁRIO


Em setembro de 2019 foi aprovada a Lei nº 13.869, que tipificou os crimes de
abuso de autoridade. No art. 27 do mencionado diploma legal ficou previsto que
constitui crime o ato de requisitar instauração ou instaurar procedimento
investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de
qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa,
com pena de detenção de seis meses a dois anos, sem prejuízo de multa. Todavia, o
parágrafo único do mencionado artigo estabeleceu como causa de exclusão da
ilicitude (observem que a lei diz “não há crime”), ou seja, o fato será atípico, quando
se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.
Diante desse novo contexto, visando compatibilizar os procedimentos
investigativos correcionais aos preceitos da Lei de abuso de autoridade, a
Controladoria Geral da União aprovou a Instrução Normativa nº 8, de 19 de março de
2020, autorizando os órgãos e entidades integrantes ao poder Executivo Federal a
realizarem apurações de irregularidades por meio de investigação preliminar sumária,
quando a complexidade ou os indícios de autoria e materialidade não justificarem a
imediata instauração do processo correcional.
A investigação preliminar pelo rito sumário apresenta o mesmo objetivo da
investigação pelo rito ordinário, qual seja, a coleta de elementos de informação para
a análise acerca da existência dos indícios de autoria e materialidade relevantes para
a instauração de processo administrativo disciplinar acusatório. Porém, apresenta as
algumas divergências:

Restrição ao acesso – na investigação preliminar disciplinada pelo rito


ordinário o procedimento investigativo é sigiloso, indicando que nem mesmo o
investigado terá acesso aos autos do processo. Por sua vez, a investigação preliminar
pelo rito sumário o acesso é restrito, o que nos leva a crer que nada impede que as
partes interessadas tenham acesso às investigações.

Instauração – a instauração do procedimento pelo rito sumário é feita por


despacho, dispensando-se a publicação. Na investigação disciplinada pelo rito
ordinário, regida pelo Decreto nº 8.420/2015, não há tal previsão.

Abrangência – a investigação regida pelo rito ordinário tem por objetivo


apurar indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública
federal. Por sua vez, a investigação preliminar pelo rito sumário tem por objetivo a
195

coleta de elementos de informação para a análise acerca da existência dos elementos


de autoria e materialidade relevantes para a instauração de processo administrativo
disciplinar acusatório, processo administrativo sancionador ou processo
administrativo de responsabilização.

Apuração - Os atos no âmbito da investigação pelo rito sumário poderão ser


praticados individualmente por servidor ou empregado designado. Na investigação
pelo rito definido pelo Decreto nº 8.420/2015 (rito ordinário) as investigações deverão
ser conduzidas por no mínimo dois servidores efetivos.

Atuação da autoridade instauradora – na investigação pelo rito sumário os


trabalhos de investigação serão supervisionados pela autoridade instauradora, o que
não se verifica na investigação regida pelo Decreto nº 8.420/2015.
Tendo em vista tratar-se de procedimento preparatório, do qual não poderá
resultar aplicação de sanção, não há, em ambas as modalidades de investigação, a
exigência da observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

14. 3 – SINDICÂNCIA INVESTIGATIVA


Trata-se de procedimento de caráter preparatório, destinado a investigar falta
disciplinar praticada por servidor ou empregado público federal, quando a
complexidade ou os indícios de autoria ou materialidade não forem suficientes para
justificar a instauração imediata de procedimento disciplinar punitivo – processo
administrativo disciplinar ou sindicância punitiva.
Nada obstante as opiniões em sentido contrário, defendemos a tese de que a
sindicância investigativa prescinde da observância do contraditório, visto que de seu
resultado não poderá resultar nenhuma punição disciplinar. O procedimento em
questão não tem previsão nas leis que tratam do processo administrativo na esfera
federal (Lei nº 8.112/90 e Lei nº 9.784/99), apensas em normativos infralegais.
Há que se deixar claro que a dispensa do contraditório (assim como ocorre na
investigação preliminar) não significa que seja prescindível ouvir as razões e
justificativas que o potencial infrator tenha a apresentar. A propósito, se o objetivo da
investigação é coletar elementos que possam subsidiar a instauração de um
procedimento punitivo, não há razão plausível para a comissão não ouvir a pessoa
contra a qual pesa a suspeita da prática de determinada infração funcional.
Dada a inexistência de normas gerais que disciplinam o assunto (via de regra
a sindicância investigativa é disciplinada por normativo interno), o procedimento
dispensa maiores formalidades, seja no que diz respeito à composição da equipe que
conduzirá as investigações, seja no tocante ao rito procedimental a ser observado.
Nessa linha de raciocínio, a existência de eventuais vícios na condução dos trabalhos
investigativos não tem o condão de macular o procedimento disciplinar instaurado
com fundamento nos elementos de prova colhidos no procedimento preparatório.
196

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA
INDIVIDUAL.
[…]
3. Eventuais vícios de nulidade ocorridos durante os procedimentos investigativos,
a exemplo da investigação preliminar, da sindicância investigativa ou preparatória,
não tem o condão de macular o próprio Processo Administrativo Disciplinar,
porquanto tratam-se de procedimentos que objetivam a formação do convencimento
primário da Administração acerca da ocorrência ou não de determinada
irregularidade funcional e de sua autoria, sem qualquer carga probatória e
insuficiente para dar ensejo à aplicação de penalidades disciplinares.
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
(PAD). NULIDADE POR IMPEDIMENTO DE SERVIDOR.
Há nulidade em processo administrativo disciplinar desde a sua instauração, no
caso em que o servidor que realizou a sindicância investigatória determinou,
posteriormente, a abertura do processo disciplinar, designando os membros da
comissão processante. A imparcialidade, o sigilo e a independência materializam os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, devendo nortear os
trabalhos da comissão que dirige o procedimento administrativo, conforme dispõe o
art. 150 da Lei n. 8.112/1990. O art. 18, II, da Lei n. 9.784/1999 prevê o impedimento
para atuar em processo administrativo do servidor ou autoridade que dele tenha
participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante. A
instauração do PAD envolve, ainda que em caráter preliminar, juízo de
admissibilidade, em que é verificada a existência de indícios suficientes a
demonstrar que ocorreu transgressão às regras de conduta funcional. Por isso, não
se pode admitir que o servidor que realizou as investigações e exarou um juízo
preliminar acerca da possível responsabilidade disciplinar do sindicado,
considerando patentes a autoria e materialidade de infração administrativa,
determine a instauração do processo administrativo e, em seguida, aprove o
relatório final produzido. Precedente citado: MS 14.135-DF, DJe 15/9/2010. S
15.107-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/9/2012.

14.4 – SINDICÂNCIA PATRIMONIAL


A sindicância patrimonial é o procedimento investigativo simplificado que tem
por finalidade apurar a evolução patrimonial de agente público incompatível com a
renda declarada, indicativo de enriquecimento ilícito. O procedimento tem respaldo
jurídico no Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, que assim estabeleceu nos
artigos 7º e 8º:
Art. 7º A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo
197

Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução


patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta
com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na
forma prevista na Lei nº 8.429, de 1992, observadas as disposições
especiais da Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993.
Art. 8º - Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de
enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com
os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9º da
Lei nº 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração
de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.
Há que se destacar, também, o comando contido no inciso VII do art. 9º da Lei
nº 8.429/92, segundo o qual configura ato de improbidade administrativa por
enriquecimento ilícito o ato de adquirir, para si ou para outrem, no exercício de
mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.
O escopo da sindicância patrimonial fica restrito à evolução patrimonial do
agente em descompasso com a renda declarada, diferentemente do que se verifica na
investigação preliminar e na sindicância investigativa, que abrangem qualquer ilícito
funcional, inclusive a incompatibilidade da evolução patrimonial.

14.4.1 – ASPECTOS PROCESSUAIS


A sindicância patrimonial será instaurada pela autoridade competente ou pela
Controladoria Geral da União mediante portaria, a qual deverá indicar o colegiado
encarregado das investigações, bem como o objeto da apuração. O prazo para
conclusão do procedimento será de trinta dias, contados da data da publicação do ato
que constituir a comissão, podendo ser prorrogado, por igual período ou por período
inferior, pela autoridade competente pela instauração, desde que justificada a
necessidade.
As investigações deverão ser conduzidas por comissão composta por dois ou
mais servidores efetivos ou empregados públicos de órgãos ou entidades da
Administração Pública Federal, inexistindo nos normativos que disciplinam o tema a
exigência quanto à estabilidade no cargo dos integrantes do colegiado.
O sigilo das investigações é direcionado às pessoas estranhas à relação
jurídico-processual formada com a instauração do procedimento, constituindo direito
legítimo do investigado ter acesso ao processo e apresentar ao colegiado as razões e
justificativas que entender pertinentes. Assim como ocorre no processo penal, o
investigado e seu representante legal poderão requerer a realização de qualquer
diligência visando esclarecer os fatos. A propósito, se a lei faculta ao investigado
requerer diligência, por razões óbvias, não poderá a comissão impor ao mesmo
obstáculo aos dados contidos no processo.
198

Esse entendimento se encontra em perfeita sintonia com a Súmula Vinculante


14 do STF que tem o seguinte teor: “É direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Por imperativo legal, ao final dos trabalhos de investigação a autoridade
competente deverá dar conhecimento dos fatos ao Ministério Público Federal, ao
Tribunal de Contas da União, à Controladoria-Geral da União, à Secretaria da Receita
Federal e à Unidade de Inteligência Financeira (antigo Conselho de Controle de
Atividades Financeiras – COAF). Tal medida tem por finalidade possibilitar que esses
órgãos/entidades avaliem a possibilidade de implementar as medidas judiciais ou
administrativas cabíveis.
Levando-se em consideração a finalidade almejada pela Administração ao
instaurar o procedimento, é intuitivo concluir que o exame patrimonial a ser feito fica
restrito à sua variação quantitativa (variação para mais ou para menos no valor do
patrimônio). Nessa linha de raciocínio, é indiferente a circunstância de o investigado
ter cinco milhão de reais em aplicações financeiras em determinado exercício e no
exercício seguinte informar à Receita Federal um patrimônio no mesmo valor, mas
constituído por um imóvel no mesmo valor ou com uma variação compatível com a
renda declarada. O objetivo do procedimento é identificar eventual evolução
patrimonial incompatível com a renda do servidor, indicativo de recebimento de
vantagem econômica indevida, e não a variação na composição do patrimônio.
Ressalte-se, ainda, que a mera constatação de evolução patrimonial em
descompasso com a renda declarada não significa necessariamente prova da prática
de infração disciplinar. Pode ocorrer, por exemplo, que a evolução tenha como origem
uma atividade criminosa que não repercute na esfera disciplinar. Nessa situação
hipotética, deve o colegiado sugerir a remessa de cópia dos autos ao Ministério
Público, a quem compete deflagrar a correspondente ação penal. Pode ocorrer, ainda,
de a evolução patrimonial a descoberta ter origem em atividade lícita, mas não
declarada ao fisco. Nesse caso, nada obstante não restar configurado ilícito disciplinar,
recomenda-se a remessa de cópia dos autos às autoridades tributárias.
É importante deixar claro que é do agente investigado o ônus de comprovar a
origem lícita do seu patrimônio. Por outro lado, é da administração o ônus de
comprovar a evolução patrimonial incompatível com a renda. A esse respeito, vale a
pena transcrever excertos da manifestação do Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos
autos do mandado de segurança 20765/DF:
[...]
1. Mandado de segurança contra ato do Ministro de Estado da Fazenda,
que aplicou a pena de demissão a Auditora da Receita Federal, nos termos
do 132, IV da Lei n. 8.112/90 combinado com o art. 9º, inciso VII, da Lei
199

8.429/92, por ostentar patrimônio a descoberto, ou seja, na comparação


entre a renda líquida e a variação patrimonial do contribuinte, no ano
calendário de 2002.
10. A jurisprudência deste Superior Tribunal é no sentido de que em
matéria de enriquecimento ilícito, cabe à Administração comprovar o
incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de
renda do servidor. Por outro lado, é do servidor acusado o ônus de
demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela
administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa
por enriquecimento ilícito. Precedentes.
11. Caso em que a Administração comprovou o que lhe incumbia,
enquanto a servidora deixou de reunir elementos - que estavam a seu
alcance, tais como extratos de suas contas bancárias - que fossem ao
menos capazes de apoiar minimamente sua tese de que aquele seu
patrimônio a descoberto tivesse origem lícita.
12. A improbidade administrativa consistente em o servidor público
amealhar patrimônio a descoberto independe da prova de relação direta
entre aquilo que é ilicitamente feito pelo servidor no desempenho do cargo
e seu patrimônio a descoberto. Espécie de improbidade em que basta que
o patrimônio a descoberto tenha sido amealhado em época em que o
servidor exercia cargo público.
Precedente: MS n. 19782-DF, Relator Min. Mauro Campbell Marques,
Primeira Seção, DJe 06/04/2016.
13. Segurança denegada.
200

CAPÍTULO 15
PROCEDIMENTOS PUNITIVOS

15.1 – CONCEITO E NOÇÕES INICIAIS


Procedimentos punitivos são todos aqueles previstos em lei, submetidos ao
contraditório e à ampla defesa, dos quais poderá resultar punição ao agente público
investigado. Segundo o disposto pelo art. 143 da Lei nº 8.112/90, a autoridade que
tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua
apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar,
assegurada ao acusado ampla defesa. São, portanto, dois os tradicionais
procedimentos de que dispõe a administração pública para apurar infrações
disciplinares praticadas por servidores públicos. Além disso, a Lei nº 12.846/2013
(denominada de Lei Anticorrupção) previu procedimento específico a ser utilizado na
apuração de responsabilidade de pessoas jurídicas pela prática de ato ilícito contra a
Administração Pública.
A Lei nº 8.112/90 classifica o processo administrativo disciplinar em duas
modalidades, a depender do tipo de infração funcional a ser investigada: processo
administrativo disciplinar conduzido pelo rito ordinário e processo administrativo
conduzido pelo rito sumário. Nos tópicos seguintes abordaremos, com mais detalhes,
cada um desses procedimentos.

15.2 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PELO RITO


ORDINÁRIO
Trata-se de procedimento mais complexo, via de regra é utilizado quando o
objeto da apuração não se enquadra nas hipóteses de utilização da sindicância punitiva
ou procedimento disciplinar pelo rito sumário. Todavia, nada impede que a autoridade
competente utilize o processo administrativo pelo rito ordinário para investigar
infração que poderia ser apurada mediante procedimento mais simplificado. A
recíproca não é verdadeira, ou seja, não pode a Administração utilizar a sindicância
punitiva para investigar falta funcional punida com a pena capital – demissão, tendo
em vista a limitação imposta pelo art. 145 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual da
sindicância poderá resultar, entre outras medidas, a aplicação de penalidade de
advertência ou suspensão de até trinta dias. Ou seja, a pena máxima admitida em
investigação levada a efeito por sindicância é a suspensão até trinta dias.
201

O processo administrativo disciplinar conduzido pelo rito ordinário apresenta


três fases distintas, quais sejam: 1) instauração; 2) inquérito administrativo, que
compreende instrução, defesa e relatório; e 3) julgamento.

15.2.1 – INSTAURAÇÃO
É o ato pelo qual a autoridade competente deflagra o procedimento disciplinar,
mediante a publicação da portaria de designação da comissão processante e indicação
do escopo da apuração. Trata-se de ato vinculado, não dispondo a autoridade
administrativa de margem de discricionariedade sobre a decisão de instaurar ou não o
procedimento. É o que se infere da redação do art. 143 da Lei nº 8.112/90, segundo o
qual a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo
disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. A propósito, a autoridade que tiver
ciência de irregularidade no serviço público e não promover a imediata instauração de
procedimento disciplinar poderá ser processada criminalmente pela prática do crime
previsto pelo art. 320 do Código Penal (Condescendência criminosa), cuja ação
nuclear é deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que
cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o
fato ao conhecimento da autoridade competente.
Como dito antes, o ato de instauração é deflagrado com a publicação da
portaria de nomeação da comissão processante. No tocante ao teor desse documento,
a renomada administrativista Maria Sylvia Zanella di Prietro tece as seguintes
considerações: (Direito Administrativo, 32ª Edição, pg. 814)
“A portaria bem elaborada é essencial à legalidade do processo, pois
equivale à denúncia do processo penal e, se não contiver dados suficientes,
poderá prejudicar a defesa; é indispensável que ela contenha todos os
elementos que permitam aos servidores conhecer os ilícitos de que são
acusados.”
Concordamos que a portaria bem elaborada é essencial à legalidade do
processo, todavia discordamos do posicionamento da autora no que diz respeito ao
seu conteúdo e finalidade. A portaria instauradora constitui o instrumento de que
dispõe a autoridade competente para delegar poderes para a comissão praticar os atos
processuais relacionados às investigações. Por intermédio da portaria a autoridade
competente não aponta culpado nem tampouco formula acusação como sugere a
autora. A mesma (portaria) deverá conter tão somente a identificação do trio
processante, o objeto a ser apurado e o prazo para conclusão dos trabalhos. Com a
devida vênia, ao contrário do que sugere a autora, recomenda-se que deve ser evitada
a inclusão de qualquer informação que possa levar à identificação do investigado, bem
como de qualquer elemento que possa ser interpretado como julgamento antecipado
ou que ponha em dúvida a imparcialidade da autoridade instauradora.
202

15.2.2 – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE


Em que pese não conste de forma expressa no texto da Lei nº 8.112/90, a
instauração de um procedimento administrativo disciplinar requer o preenchimento
de certos requisitos. A verificação da existência desses requisitos denomina-se exame
de admissibilidade.
Com enfatizado antes, por imperativo legal a autoridade que tiver ciência de
irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata,
mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado
ampla defesa. A leitura desatenta do dispositivo pode levar o leitor mais afoito à
equivocada ideia de que basta a ciência do fato ilegal para justificar a instauração do
processo investigativo, o que não condiz com a realidade. A instauração de qualquer
procedimento punitivo exige a presença de elementos mínimos que apontem autoria
e materialidade. É o que se extrai da leitura do parágrafo único do art. 144 do mesmo
diploma legal, segundo o qual “quando o fato narrado não configurar evidente
infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto”.
Não pode a autoridade competente deflagrar a apuração de infrações
disciplinares com fundamento em meras notícias veiculadas na mídia, com todo o
sensacionalismo que lhe é inerente. Faz-se necessário a existência de elementos
mínimos que possibilitem a identificação da autoria e materialidade. Como dito antes,
na ausência de elementos suficientes para subsidiar a instauração de procedimento
punitivo, deve a autoridade competente determinar a instauração de procedimento
preparatório - sindicância investigativa, patrimonial ou investigação preliminar –
como forma de colher elementos que fundamentam a instauração de procedimento
punitivo.
A necessidade da presença desses requisitos mínimos (indícios de autoria e
materialidade) restou ainda mais evidente com a publicação da Lei nº 13.869/2013
(Lei anticorrupção), cujo art. 27 tipifica como crime o ato de “requisitar instauração
ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em
desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito
funcional ou de infração administrativa”, com pena de detenção de seis meses a dois
anos, sem prejuízo de multa pecuniária.
Questão que suscita acalorada discussão entre aqueles que militam na área
administrativa é sobre a obrigatoriedade ou não da preservação do sigilo na fase de
admissibilidade. Há uma corrente que advoga a tese de que, por se tratar de fase de
natureza meramente investigativa na qual se destacam as características inquisitorial
e sigilosa, a fase de admissibilidade não se submete ao contraditório nem tampouco
deve ser concedida publicidade de seu teor. Por outro lado, há uma outra corrente que
defende a tese de que constitui direito líquido e certo do potencial investigado ter
acesso aos dados que lhe dizem respeito, ainda que em procedimento não submetido
ao contraditório, como é o caso do juízo de admissibilidade.
203

Nos filiamos à segunda corrente, tendo em vista a previsão constitucional de


que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado (CF, 5º, XXXIII). Seguindo essa linha de
raciocínio, entendemos que a restrição de acesso é cabível exclusivamente quando se
tratar de dados sigilosos por sua própria natureza, de modo que o acesso às
informações que lhes dizem respeito constitui direito subjetivo da pessoa investigada.
Isso não significa que o a pessoa suspeita da infração deve ser informada sobre os atos
inerentes ao exame de admissibilidade. Todavia, caso a mesma tome conhecimento
do procedimento (por outros meios) não há razão plausível para a Administração
negar o acesso ao interessado.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA
INAUGURAL. DESCRIÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO RELATIVO AO
DOLO OU À CULPA QUANDO DA PRÁTICA DA CONDUTA FUNCIONAL.
DESNECESSIDADE. SERVENTUÁRIA DA JUSTIÇA. LEI DE REGÊNCIA DO
PROCESSO DISCIPLINAR. CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO
JUDICIÁRIAS DO ESTADO E ACÓRDÃO Nº 7.556, DO CONSELHO DE
MAGISTRATURA. LEI ESTADUAL Nº 6.174/70. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
IMPOSSIBILIDADE. 1. É firme o entendimento nesta Corte Superior de Justiça no
sentido de que a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de
minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que, tão somente, na fase
seguinte o termo de indiciamento que se faz necessário especificar detalhadamente
a descrição e a apuração dos fatos. Com maior razão, portanto, não implica em
nulidade a ausência de descrição dos elementos relativos à culpa ou ao dolo quando
da prática da conduta infracional.

15.2.3 – CONSTITUIÇÃO DA COMISSÃO


A autoridade instauradora deverá se cercar de todos os cuidados no ato de
constituir a comissão encarregada de levar a efeito as investigações em processo
administrativo disciplinar. Além dos impedimentos e suspeições, vistos em tópicos
específicos, a Lei nº 8.112/90 traz algumas exigências relacionadas às condições
pessoais dos membros do colegiado, cujo descumprimento pode ensejar nulidade do
processo. Segundo o disposto pelo art. 149 da Lei nº 8.112/90, o processo
administrativo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores
estáveis designados pela autoridade competente que indicará, dentre eles, o seu
presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou
ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.
Destrinchando o que diz o artigo da lei: a) a comissão deverá ser composta por
três servidores; b) todos eles deverão ter adquirido estabilidade no cargo que ocupa (e
204

não no serviço público); e c) o presidente deverá ser ocupante de cargo mais elevado
do que o ocupado pelo investigado; ou ter escolaridade igual ou superior ao do mesmo.
A inobservância de qualquer desses requisitos é causa de nulidade insusceptível de
convalidação.
Como se percebe, a exigência relacionada ao nível do cargo e ao grau de
escolaridade é alternativa e direcionada apenas ao presidente da comissão. Assim,
nada impede que um servidor ocupante de cargo de nível médio possa presidir
processo administrativo disciplinar no qual figura como investigado um ocupante de
nível superior, bastando que tenha escolaridade igual ou superior ao do investigado.
A propósito, o grau de escolaridade é o requisito que mais suscita discussão
entre aqueles que militam na seara do direito administrativo disciplinar, tendo em vista
que a lei não define o que vem a ser nível de escolaridade. Diante da omissão legal,
convencionou-se utilizar a subdivisão trazida pelo art. 21 da Lei nº 9.394/96 (Lei que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional), segundo o qual são apenas dois
os níveis (graus) de escolaridade: 1) educação básica, formada pela educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio; e 2) educação superior. Com base nesse critério,
possuem o mesmo grau superior tanto o bacharel em direito como aquele que, além
da graduação, possui título acadêmico de mestrado ou doutorado.
A exigência do requisito “estabilidade” tem como objetivo evitar a indicação
de servidor que ainda se encontra no cumprimento do estágio probatório e que, pelo
menos em tese, se encontra em situação de vulnerabilidade quanto a possíveis
pressões de superiores, comprometendo dessa forma a sua imparcialidade. Dito em
outras palavras, o servidor que ainda não adquiriu a estabilidade poderá ser mais
facilmente influenciável do que aquele que não depende mais de avaliações subjetivas
da chefia para continuar no cargo.
A intenção do legislador ao exigir a estabilidade do membro da comissão foi
prevenir contra eventuais interferências de superiores sobre o servidor,
comprometendo a sua imparcialidade. Partindo-se dessa premissa, entendemos que a
estabilidade exigida pela lei deve ser no cargo, e não no serviço público. Vamos
utilizar um exemplo para facilitar a compreensão: o servidor “A”, após adquirir a
estabilidade no cargo de agente administrativo em determinado ministério é aprovado
e nomeado para o cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Em que pese
este servidor já tenha adquirido a estabilidade no serviço público, terá que cumprir
novo prazo de estágio probatório para adquirir a estabilidade no novo cargo. Dito em
outras palavras, o servidor é estável no serviço público, mas ainda terá que cumprir o
estágio probatório para adquirir a estabilidade no cargo recém-empossado. Nessa
situação hipotética, a estabilidade para fins de composição de comissão de processo
administrativo disciplinar somente será adquirida quando este servidor cumprir os três
anos de estágio probatório no cargo de Auditor.
Esse raciocínio nos parece lógico, pois a intenção do legislador foi prevenir
205

contra eventuais ingerências por parte de superiores estranhos ao colegiado. É notório


que esse tipo de constrangimento ilegal apresenta maior potencialidade de surtir efeito
se dirigido contra servidor que dependa de alguma medida a ser adotada pelo superior
hierárquico, no caso a avaliação para fins de aprovação no estágio probatório.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


PAD. COMISSÃO. ESTABILIDADE DOS MEMBROS.
Os membros da comissão que conduzem o processo administrativo disciplinar devem
ser estáveis no atual cargo que ocupam. In casu, havia dois membros na comissão
processante que eram servidores da Receita Federal e técnicos do Tesouro/técnicos
da Receita Federal, mas, no cargo específico de auditor fiscal não haviam ainda
completado três anos para adquirir estabilidade. Sabe-se que, conforme o art. 149
da Lei n. 8.112/1990, o processo disciplinar deve ser conduzido por comissão
composta de três servidores estáveis. A Turma, por maioria, entendeu que essa
exigência é uma garantia ao investigado, pois tem por escopo assegurar a
independência total desses servidores, sem ingerência da chefia. Dessa forma, a
estabilidade deve ser no cargo, e não apenas no serviço público, pois este não
oferece ao servidor essa independência. AgRg no REsp 1.317.278-PE, Rel. Min.
Humberto Martins, julgado em 28/8/2012.
DIREITO ADMINISTRATIVO. MEMBROS DE COMISSÃO DE PROCESSO
DISCIPLINAR. LOTAÇÃO EM OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO.
Na composição de comissão de processo disciplinar, é possível a designação de
servidores lotados em unidade da Federação diversa daquela em que atua o servidor
investigado. A Lei n. 8.112/1990 não faz restrição quanto à lotação dos membros de
comissão instituída para apurar infrações funcionais. MS 14.827-DF, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/10/2012.

15.2.4 – PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO PROCESSO


A comissão terá o prazo de sessenta dias para a conclusão do processo,
contados da data de publicação da portaria de nomeação, sendo admitida a
prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem. A contagem desse
prazo será em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do
vencimento, ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em
dia em que não haja expediente.
A lei não impôs limites à quantidade de prorrogações, de sorte que o coube à
doutrina e à jurisprudência suprir tal omissão. Atualmente é uníssono o entendimento
segundo o qual a Administração pode promover tantas prorrogações quantas forem
necessárias para a conclusão do procedimento investigativo. Em nosso modo de
pensar, o entendimento não poderia ser outro. Não seria razoável admitir a instauração
de um procedimento submetido a todas as regras inerentes ao contraditório, que busca
206

a verdade real, com prazo excessivamente exíguo para conclusão. Ademais disso, não
haveria sentido estabelecer um prazo prescricional de cinco anos (após a interrupção
prescricional pela instauração do procedimento) e, concomitantemente, fixar o prazo
máximo de 120 dias (prazo inicial mais uma prorrogação) para a conclusão das
investigações.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE PREJUÍZO PARA O
RECONHECIMENTO DE NULIDADE EM PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR.
O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não
gera, por si só, qualquer nulidade no feito, desde que não haja prejuízo para o
acusado. Isso porque não se configura nulidade sem prejuízo (pas de nulité sans
grief). Precedentes citados: MS 16.815-DF, Primeira Seção, DJe 18/4/2012; MS
15.810-DF, Primeira Seção, DJe 30/3/2012. RMS 33.628-PE, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 2/4/2013 (Informativo nº 0521).
SÚMULA STJ Nº. 592: O excesso de prazo para a conclusão do processo
administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à
defesa. Primeira Seção, aprovada em 13/9/2017, DJe 18/9/2017 (Informativo n. 610)

15.2.5 – EXONERAÇÃO E APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA


O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a
pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o
cumprimento da penalidade, acaso aplicada, segundo determina o artigo 172 da Lei
nº 8.112/90.
Trata-se de mais um dispositivo legal de constitucionalidade duvidosa. Não
podemos perder de vista que a aposentadoria constitui um (entre muitos) direitos
constitucionalmente assegurados ao trabalhador, razão pela qual não pode um
normativo infraconstitucional impor limites que o inviabilize por completo. Foi
seguindo essa linha de raciocínio que o Poder Judiciário pacificou o entendimento
segundo o qual a proibição prevista pelo artigo 172 da Lei nº 8.112/90 deve ser
pautada pelo princípio da razoabilidade, de sorte que não pode a Administração negar
o pedido de exoneração ou aposentadoria voluntária após o prazo de 120 dias da
instauração do processo administrativo disciplinar. Essa interpretação nos parece
razoável, pois não poderia o exercício de um direito constitucionalmente ficar
condicionado à conclusão do procedimento administrativo, notadamente levando-se
em consideração a excessiva demora na conclusão de um processo dessa natureza.
Em síntese, o entendimento predominante nos tribunais superiores é que,
ultrapassados os 120 dias estabelecidos pela lei (60 iniciais mais 60 de prorrogação),
não pode a Administração indeferir o pleito do investigado com fundamento no art.
207

172 do estatuto dos servidores públicos federais.

Lei nº 8.112/90
Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado
a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o
cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

15.2.6 – PORTARIA INSTAURADORA


Como mencionado em tópico anterior, a publicação da portaria de designação
da comissão representa o ato inaugural do processo administrativo disciplinar. Tem
por finalidade delegar poderes ao colegiado para a apuração dos fatos, estabelecer o
prazo (geralmente sessenta dias, prorrogáveis por igual período) de conclusão, e
indicar o processo ou documentos em que se encontram os fatos a serem apurados.
De acordo com o estabelecido no § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, a
abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a
prescrição, até a decisão final proferida por autoridade. Por ser o primeiro ato
efetivamente voltado para a apuração dos fatos, a data da publicação da portaria na
imprensa oficial (ou boletim interno, como ocorre em alguns órgãos) funciona como
marco inicial de interrupção da fluência do prazo de prescrição, voltando a correr a
partir desse ato, ininterruptamente.
Como dito em passagem pretérita, como forma de evitar constrangimentos
desnecessários, deve-se abster de indicar na portaria inaugural (e também nas de
prorrogação ou recondução) o nome do investigado ou qualquer outro dado que
possibilite a sua identificação. A descrição minuciosa dos fatos também deve ser
dispensada, evitando-se com isso o “engessamento” do raio apuratório, inviabilizando
a apuração de fatos correlatos que emergirem no curso das investigações.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA
INAUGURAL. DESCRIÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO RELATIVO AO DOLO
OU À CULPA QUANDO DA PRÁTICA DA CONDUTA FUNCIONAL.
DESNECESSIDADE. SERVENTUÁRIA DA JUSTIÇA. LEI DE REGÊNCIA DO
PROCESSO DISCIPLINAR. CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO
JUDICIÁRIAS DO ESTADO E ACÓRDÃO Nº 7.556, DO CONSELHO DE
MAGISTRATURA. LEI ESTADUAL Nº 6.174/70. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
IMPOSSIBILIDADE. 1. É firme o entendimento nesta Corte Superior de Justiça no
sentido de que a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de
208

minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que, tão somente, na fase
seguinte o termo de indiciamento que se faz necessário especificar detalhadamente
a descrição e a apuração dos fatos. Com maior razão, portanto, não implica em
nulidade a ausência de descrição dos elementos relativos à culpa ou ao dolo quando
da prática da conduta infracional.

15.2.7 – ATA DE DELIBERAÇÃO


Preliminarmente cabe esclarecer que “Ata” e “Deliberação” são instrumentos
distintos. Ata é o documento (livro) que tem por finalidade o registro de uma reunião
de pessoas. Por sua vez, deliberação é o documento utilizado para registrar decisões
colegiadas a respeito de um assunto polêmico ou controvertido.
No processo administrativo disciplinar utiliza-se o documento denominado
“Ata de Deliberação”, com múltiplas finalidades. Serve para registrar as reuniões nas
quais são decididos procedimentos a serem adotados pelo colegiado, tais como
comunicar à autoridade instauradora sobre o início dos trabalhos, requerer um
documento reputado importante, bem como para registrar deliberações que admitem
decisões antagônicas, como é exemplo o deferimento ou indeferimento de um pedido
de produção de provas feito pela defesa do investigado. Por se tratar de documento
que, pelo menos em tese, apresenta conteúdo decisório capaz de repercutir na esfera
de interesse da parte investigada, esta deverá ser intimada (ou melhor, informada) do
seu conteúdo.
Deve ser evitada o uso da ata de deliberação para registrar decisão cujo
desfecho seja óbvio, como é o caso da deliberação pela realização do interrogatório
do investigado. O interrogatório constitui ato obrigatório, salvo na situação em que o
investigado declinar desse direito, de modo que não há razão para o colegiado
deliberar sobre a sua realização. A presença do termo de intimação e a própria
transcrição (ou gravação) do interrogatório já é suficiente para certificar a prática do
ato.

15.2.8 – CITAÇÃO E INTIMAÇÃO


O conceito de citação é extraído do art. 238 do Código de Processo Civil, como
sendo o ato processual pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado
para integrar a relação processual. É pela citação que se forma a relação jurídico-
processual, que o réu toma conhecimento da existência do processo e tem a primeira
oportunidade de se manifestar sobre os fatos. Infere-se, portanto, que a citação
pressupõe um processo a ser iniciado.
Por sua vez, o art. 269 do mesmo diploma legal conceitua intimação como
sendo o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo. Ao
contrário da citação, a intimação pressupõe um processo já em andamento.
209

Ao dispor sobre a comunicação dos atos processuais na Lei nº 8.112/90 o


legislador não se valeu da técnica legislativa mais apropriada. O primeiro ponto digno
de crítica foi não ter especificado na lei qual o instrumento processual que deverá ser
utilizado para levar ao investigado a notícia sobre a instauração do procedimento
disciplinar instaurado em seu desfavor. Na prática administrativa convencionou-se
utilizar a denominada notificação prévia, que nada mais é do que uma forma de
citação. Além disso previu a citação por edital para apresentação da defesa escrita na
situação em que o indiciado se encontrar em lugar incerto e não sabido, quando na
verdade trata-se de intimação. Por fim estabeleceu que o servidor será notificado para
apresentar opção no caso de acumulação ilegal de cargo ou função pública.

15.2.9 – NOTIFICAÇÃO PRÉVIA


Como visto no tópico precedente, a notificação prévia utilizada na prática
disciplinar corresponde à citação utilizada do processo civil. Portanto, notificação
prévia (ou citação) é o ato formal pelo qual a comissão processante informa ao
investigado sobre a instauração de procedimento disciplinar em seu desfavor,
formando-se a partir daí a relação jurídico-processual entre aquele e o Estado
Administração. É pertinente deixar claro que em termos práticos o que interessa é o
conteúdo do ato e não a nomenclatura utilizada.
Nos dispositivos que trata do processo disciplinar pelo rito ordinário não consta
nenhuma referência à notificação prévia. Nada obstante essa omissão da lei, a redação
do art. 156 deixa implícita a necessidade da prática de tal ato, ao estabelecer que “é
assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por
intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e
contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”. Entendemos
que não há como o investigado exercer o direito do contraditório se o mesmo não for
informado (notificado) da instauração do processo.
A notificação prévia (ou citação) válida é ato imprescindível para a validade
do processo. Todavia, dada a submissão do processo disciplinar ao princípio da
instrumentalidade das formas, o comparecimento espontâneo do investigado supre a
falta ou nulidade da notificação, uma vez que a finalidade do ato foi atingida. Ademais
disso, nada obstante tratar-se de ato personalístico, a lei autoriza que o mesmo seja
feito na pessoa do representante legal ou procurador (Art. 242 do CPC). Discute-se na
doutrina se a mera juntada da procuração do defensor do investigado é suficiente para
considerá-lo notificado. Em nosso modo de pensar a resposta é positiva, a menos que
se trate de procuração genérica, sem a especificação do litígio para o qual o causídico
foi contatado. O raciocínio é simples: se o investigado constituiu advogado para
patrocinar sua defesa no processo administrativo disciplinar X é porque tomou
conhecimento do mesmo, sendo insustentável qualquer alegação de que não
desconhece a existência do processo.
O ato de notificação poderá ser feito em qualquer lugar que se encontre o
210

investigado, conforme estabelece o art. 243 do Código de Processo Civil. Esta é a


regra predominante. Todavia, o mesmo diploma legal (aplicado supletiva e
subsidiariamente ao processo disciplinar) elenca certas situações em que não se
admite a citação (notificação prévia no processo disciplinar), quais sejam: a) a quem
estiver participando de culto religioso; b) de cônjuge, companheiro ou de qualquer
parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral em
segundo grau, no dia do falecimento e nos sete dias seguintes; c) de noivos, nos três
primeiros dias seguintes ao casamento; e d) de doente, quando grave o seu estado.
Não será admitida também a notificação prévia quando se verificar que o
agente se encontra no estado de incapacidade mental ou impossibilitado de recebê-la
por outras circunstâncias, conforme preceitua o art. 245 do Código de Processo Civil.
Conteúdo do ato: o documento que informa ao investigado sobre a
instauração de procedimento investigativo em seu desfavor deverá conter as
informações mínimas necessárias à identificação do servidor investigado (nome,
endereço, CPF), a indicação genérica do fato objeto da apuração (inquérito policial,
relatório de auditoria, ação penal, etc.), o local de funcionamento da comissão
incumbida de promover a apuração, o horário de funcionamento do colegiado, bem
como a informação sobre os direitos e prerrogativas legais inerentes ao contraditório
e ampla defesa. É pacífico nos tribunais superiores o entendimento segundo o qual
não há ofensa ao princípio constitucional do contraditório e ampla defesa o fato de a
notificação prévia não descrever de forma pormenorizada os fatos que constituem o
escopo da apuração.

15.2.9.1 – NOTIFICAÇÃO POR MANDADO

É a forma mais comum de notificação. Verifica-se quando a comissão


processante expede o mandado e este é cumprido por pessoa estranha ao colegiado.
Na prática essa tarefa recai sobre o secretário da comissão designado pelo presidente,
mas não existe vedação legal para que outra pessoa possa praticar o ato.

15.2.9.2 – NOTIFICAÇÃO POR HORA CERTA


Na essência, não se trata de forma autônoma de notificação, e sim de uma
estratégia autorizada legalmente para a situação em que a notificação por mandato
restar infrutífera em razão de obstáculos criados pelo agente a ser notificado. Tem
respaldo jurídico no art. 252 do Código de Processo Civil e será utilizada sempre que
houver fundada suspeita de ocultação do servidor a ser notificado.
Pelo que se infere da leitura do mencionado artigo (cujas disposições são
aplicadas supletiva e subsidiariamente ao processo disciplinar), a ocultação fica
caracterizada quando, por duas vezes, a comissão houver procurado o servidor a ser
notificado em seu domicílio ou residência sem o encontrar, caso em que intimará
qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil
211

imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.


No dia e hora designada os membros da comissão deverão comparecer ao
domicílio do notificando a fim de realizar a diligência. Na hipótese de o mesmo não
se encontrar a comissão deverá dar por efetivada a notificação, deixando certidão da
ocorrência com alguém da família ou vizinho, conforme o caso. Nada obstante não
haver disposição legal expressa nesse sentido, entendemos que esse mesmo
procedimento poderá ser adotado no caso de intimação (vista mais adiante), sempre
que presentes as mesmas circunstâncias que autorizam a notificação por hora certa.

15.2.9.3 – NOTIFICAÇÃO POR EDITAL


A regra é a notificação prévia ser feita pessoalmente, na pessoa do investigado.
Todavia, diante de certas circunstâncias, a lei autoriza a notificação por edital.
De acordo com o previsto pelo art. 256 do Código de Processo Civil a citação
(notificação prévia no processo disciplinar) por edital será feita nas seguintes
situações: a) quando desconhecido ou incerto o citando; b) quando ignorado, incerto
ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando; e c) nos casos expressos em lei.
Pelas regras aplicadas ao processo civil, o réu será considerado em local
ignorado ou incerto se revelarem infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive
mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de
órgão públicos ou de concessionárias de serviços públicos.
A Lei nº 8.112/90 previu a citação por edital (na verdade trata-se de intimação)
apenas na situação em que o indiciado se encontrar em lugar incerto ou não sabido
(art. 163). A presença da expressão “indiciado” indica que a utilização do edital como
instrumento de divulgação de ato processual ocorre apenas após a instrução
processual, quando o investigado for instado a apresentar a defesa escrita. Como
forma de evitar o desrespeito dos princípios do contraditório e da ampla defesa, devem
ser exauridos todos os meios possíveis de localização pessoal do servidor investigado
antes de se permitir a citação por edital, inclusive a pesquisa do endereço junto a
órgãos públicos e concessionárias de serviços públicos, como estabelecido pelo
Código de Processo Civil. Não pode a comissão, por comodidade, antes que sejam
esgotadas todas as possibilidades partir logo para a notificação editalícia. Na esfera
civil, a parte que requerer a citação por edital, alegando dolosamente a ocorrência das
circunstâncias autorizadoras para sua realização, incorrerá em multa de cinco) vezes
o salário-mínimo (art. 258 CPC).
Como comentado em tópico precedente, a opção do legislador de prever a
citação (ou intimação) do indiciado para apresentar a defesa escrita não nos parece a
mais acertada. Ora, o indiciamento constitui o último ato praticado pelo colegiado na
fase de instrução, pressupondo que o investigado vinha participando de todos os atos
anteriores. Sendo assim, não vislumbramos justificativa plausível para a utilização do
edital na intimação nessa fase do processo. Mesma na situação em que o processo
212

correu a revelia do investigado não justifica a utilização do edital para indiciamento,


devendo tal instrumento ser utilizado apenas na notificação prévia, que é o momento
em que se forma a relação jurídico-processual entre a Administração e o investigado.

15.2.10 – FASE DE INSTRUÇÃO


Uma vez publicada a portaria inaugural (que corresponde à primeira fase),
inicia-se a fase de inquérito administrativo, que vai da notificação prévia do
investigado até a elaboração do relatório final, com a manifestação conclusiva da
comissão. É nessa fase que o colegiado produz todo o conjunto probatório, mediante
a prática de atos tais como a análise de provas documentais, oitiva de testemunhas,
realização de laudos periciais e interrogatório. É com base nesse conjunto de
elementos que o trio processante formará sua convicção pelo indiciamento ou pela
absolvição do acusado.
Ao final da instrução, estando o colegiado convencido da culpa do servidor
investigado, será elaborado o termo de indiciamento, no qual deverão constar a
especificação dos fatos a ele imputados e as respectivas provas. Na prática
administrativa prevalece o entendimento segundo o qual nesse ato vigora o princípio
do “in dubio pro societate”, significando que na presença de dúvida sobre a
culpabilidade do investigado deve a comissão prestigiar o interesse da sociedade e
proceder o seu indiciamento.
É importante deixar claro que a aplicação do princípio acima mencionado não
tem previsão legal e é alvo de contundentes críticas dos mais respeitáveis
doutrinadores, sob o fundamento de que o mesmo não apresenta nenhuma
consistência lógica e sentido técnico. Da nossa parte, defendemos a tese de
inaplicabilidade de qualquer princípio que implique a total aniquilação do princípio
constitucional da presunção de inocência (CF, art. 5º, inciso LVII). O princípio da
presunção de inocência é incondicionado, inexistindo qualquer situação fática apta a
fragilizá-lo ou inutilizá-lo por completo. Além disso, a dúvida é inerente a todo
processo, seja ela administrativo ou judicial. Nesse contexto, entendemos que o
indiciamento na presença de dúvida quando à culpabilidade do agente se justifica pela
necessidade de o mesmo se manifestar sobre os pontos duvidosos, e não com
fundamento em princípio que parte da premissa de que a sociedade se interessa com
decisões duvidosas.

15.2.11 – AFASTAMENTO PREVENTIVO DO INVESTIGADO


Sempre que se vislumbrar a possibilidade de o investigado impor obstáculo ao
andamento do processo, a autoridade instauradora poderá se valer da medida cautelar
consistente no afastamento preventivo do exercício do cargo, pelo prazo de até
sessenta dias, sem prejuízo da remuneração. A lei admite uma única prorrogação desse
afastamento, por igual período.
A medida nos parece salutar, pois a depender da natureza das funções exercidas
213

pelo investigado, é razoável admitir que o mesmo possa, de alguma forma, se valer
das prerrogativas inerentes ao cargo para interferir na apuração.
Competência para decretar o afastamento: nada obstante a competência
para determinar o afastamento preventivo seja da autoridade instauradora, o juízo de
admissibilidade da medida deverá ser feito em comum acordo com os membros da
comissão, até mesmo porque são estes os primeiros a perceber a prática de eventual
conduta, por parte do investigado, passível de interferir na condução da apuração. Ao
nosso modo de pensar, uma medida dessa natureza, se adotada unilateralmente pela
autoridade instauradora, inevitavelmente repercutirá de forma negativa, revelando de
certa forma desprestígio do colegiado.
A lei não faz nenhuma restrição quanto ao momento do afastamento, o que nos
leva a concluir que a medida pode ser adotada em qualquer fase do processo, ou até
antes da sua instauração. Por razões que nos parecem óbvias, não há razoabilidade em
determinar o afastamento após a elaboração do relatório final, ainda que ocorra antes
do julgamento.
Duração do afastamento: como dito antes, a lei autoriza o afastamento por
sessenta dias, admitindo-se uma única prorrogação por igual período. Como o objetivo
do afastamento é evitar que o servidor investigado interfira na apuração, não vejo
razões plausíveis para a lei impedir a prorrogação do afastamento por quantas vezes
forem necessárias à conclusão das investigações, principalmente quando se constata
que um processo administrativo disciplinar pode se arrastar por vários anos. Na esfera
judicial é comum o magistrado determinar o afastamento do servidor até a conclusão
das investigações, o que nos parece mais coerente com a finalidade do ato.

15.2.12 - INTIMAÇÃO
Intimação é o ato pelo qual a comissão comunica ao investigado (ou ao seu
representante legal) a prática dos atos processuais. Constitui direito subjetivo do
investigado ser intimado de todos os atos que possam, ainda que indiretamente,
contribuir para a formação da convicção do colegiado, tais como oitiva de testemunha,
realização de perícia, juntada de documentos nos autos, e assim sucessivamente.
É pertinente deixar claro que não há necessidade de intimação na situação em
que o ato for desprovido de conteúdo decisório apto a causar prejuízo ao investigado,
como é o caso do pedido de prorrogação de prazo para a conclusão do processo e da
substituição de um dos membros do colegiado. Como o objetivo da intimação é
facultar ao investigado acompanhar ou se manifestar sobre o ato a ser praticado, a
mesma é dispensada no caso de ato que desprovido de potencial capacidade de
interferir no resultado das investigações.
Por imposição legal, as intimações deverão ser feitas com no mínimo três dias
de antecedência da realização do ato. A exigência nos parece salutar, pois assim sendo
o investigado disporá de tempo suficiente para se preparar, elaborar eventuais
214

questionamentos ou até mesmo decidir sobre a interposição de incidentes processuais.


A mesma lógica deverá ser adotada no sentido contrário, ou seja, a comissão deverá
dispor de tempo razoável para responder a eventuais peticionamentos feitos pela
defesa. A busca da verdade material recomenda que o bom senso deverá sempre
prevalecer.
O Código de Processo Civil preconiza que “as intimações realizam-se, sempre
que possível, por meio eletrônico, na forma da lei”. A mesma regra é encontrada,
ainda que de forma não expressa, no parágrafo único, inciso IX, do art. 2º da Lei nº
9.784/92, segundo o qual, nos processos administrativos serão observados, entre
outros critérios, a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau
de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados.
Como se percebe, a lei recomenda a adoção dos meios estritamente necessários
ao atingimento do objetivo almejado, evitando-se o desperdício de tempo e dinheiro
com formalidades excessivas e desnecessárias. Nessa linha de raciocínio, não causa
nulidade o fato de o investigado ser intimado pelo seu endereço eletrônico (e-mail),
por aplicativo de WhatsApp, exigindo-se apenas que o ato seja realizado de modo a
demonstrar de forma inequívoca que o interessado tomou conhecimento da intimação.

15.2.12.1 – INTIMAÇÃO POR MANDADO


É a forma mais comum de intimação e ocorre mediante a expedição do
mandado pelo presidente do colegiado, a ser cumprido pelo secretário, por um dos
seus membros ou por uma terceira pessoa que não faça parte da equipe encarregada
da apuração.
15.2.12.2 – INTIMAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO
É aquela realizada virtualmente mediante a utilização dos recursos da
informática, tais como correio eletrônico (E-mail), aplicativo de mensagens, etc. Esta
é a forma de intimação preferencialmente utilizada na esfera civil, conforma
estabelece o art. 270 do Novo Código de Processo Civil.

Código de Processo Civil


Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na
forma da lei.

15.2.12.3 – INTIMAÇÃO POR EDITAL


O Estatuto dos Servidores Públicos Federais previu uma única hipótese de
intimação por edital, que se verifica após a fase de instrução e o indiciado tiver que
ser intimado para apresentar defesa escrita e o mesmo se encontrar em lugar incerto e
não sabido. Nada obstante conste na lei a expressão “será citado”, por se tratar de ato
processual praticado no curso do processo, entendemos tratar-se de intimação e não
citação como sugere a lei.
215

Como enfatizado antes, para o investigado que se encontrar em lugar incerto e


não sabido na fase de indiciamento, uma entre duas situações deve ter ocorrido: a) o
paradeiro do mesmo é desconhecido desde a instauração do processo, hipótese em que
o mesmo seria notificado previamente por edital e, caso não comparecesse ao
processo, seria representado por defensor dativo; ou b) o investigado foi legalmente
notificado e, por algum motivo, resolveu se esconder da comissão para não ser
indiciado. Em ambas as situações não vislumbramos a necessidade de utilização da
citação ficta. Na esfera judicial, via de regra as intimações são feitas mediante a
publicação do ato no Diário Oficial da Justiça, inexistindo previsão para intimação
por edital.

15.2.12.4 – INTIMAÇÃO POR HORA CERTA


Como visto em tópico precedente, trata-se de uma estratégia legalmente
prevista para a situação em que a intimação por mandato se revelar infrutífera. Nada
obstante a ausência de previsão legal, o ato da intimação por hora certa é amplamente
utilizado na esfera administrativa. Por analogia, utiliza-se essa modalidade de
intimação sempre que restar configurada a situação descrita pelo art. 252 do Código
de Processo Civil, ou seja, quando o investigado impor obstáculos à sua localização
para ser intimado de qualquer ato processual.
Aqui valem as mesmas críticas feitas no tópico precedente. A comunicação da
prática de um ato processual pressupõe um procedimento já em andamento e que o
investigado já tenha sido citado previamente. Ou seja, tem pleno conhecimento da
existência do processo. Em nosso modo de pensar, o procedimento correto seria a
comissão processante, no ato da notificação prévia, fazer constar no termo de
recebimento (preferencialmente escrito pelo próprio investigado) os meios que serão
utilizados na comunicação dos atos processuais, preferencialmente por meio
eletrônico, conforme preconizado pelo art. 270 do Código de Processo Civil. O que
não nos parece razoável é interromper a marcha processual toda vez que o agente
investigado impor obstáculos à sua localização para fins de intimação, a ponto de a
Administração ser forçada a promover o ato por hora certa.

15.2.13 – ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO


Por imperativo legal, deve ser assegurado ao servidor investigado o direito de
acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador legalmente
constituído, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e
formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. Há que ressaltar que a
constituição de advogado para acompanhamento do processo é uma faculdade do
investigado, de sorte que nada obsta que o mesmo elabore a sua própria defesa.
Em que pese não haver dúvida quanto à importância do advogado para a
administração da justiça (Art. 133 CF), hoje o entendimento pacificado nos tribunais
superiores é de que a ausência do causídico no processo administrativo disciplinar não
216

ofende a garantia de contraditório previsto na Carta Política. Nesse sentido foi


publicada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula Vinculante 5, que apresenta a
seguinte redação: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo
disciplinar não ofende a Constituição”.
Vale acrescentar, ainda, que mesmo antes da publicação da Súmula Vinculante
5 pelo Supremo Tribunal Federal a não obrigatoriedade do advogado no processo
administrativo disciplinar já encontrava suporte na legislação que trata do assunto. É
o que se infere da leitura da redação do art. 3º da Lei nº 9.784/99, que assim dispõe:
Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração
sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
[...]
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando
obrigatória a representação, por força de lei. (grifamos)
Observem que o legislador utiliza a expressão “facultativamente”, indicando
que se trata de uma prerrogativa do investigado constituir procurador para
acompanhamento do processo administrativo disciplinar, e não uma obrigação.

15.2.14 – CONTRATO DE MANDATO


Mandato é o contrato pelo qual uma pessoa, denominada mandante, outorga
poderes a outrem, denominado mandatário ou procurador, para que este, em nome do
mandante, pratique atos ou administre interesses (Art. 653 do Código Civil). Trata-se
de um contrato de natureza consensual e não solene, que se efetiva por intermédio de
uma procuração. Esta pode ser feita por instrumento particular ou público. No
primeiro caso a procuração é feita pelas próprias partes, desde que capazes. No
segundo caso (instrumento público), a procuração deverá ser feita em cartório, onde
será registrada em livro próprio.
A presença da cláusula ad judicia indica que o procurador tem poderes para
postular apenas na esfera judicial, ainda que conste na mesma a expressão “para o foro
em geral”. Para postulação na esfera administrativa faz-se necessário que conste do
instrumento de procuração expressos poderes para representação no processo
administrativo ou cláusula ad judicia et extra.
É defeso o indeferimento de qualquer petição pela simples ausência de
procuração nos autos, desde que o advogado postulante se comprometa a juntar o
instrumento de mandato em prazo de quinze dias, conforme preceitua o art. 104 do
Código de Processo Civil. Esse também é o comando do parágrafo primeiro do art. 5º
do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n 8.906/94), segundo o qual “o
advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a
apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período”.
O mandante é livre para estabelecer os limites dos poderes conferidos ao
217

mandatário, de sorte que não pode o colegiado recusar o instrumento de procuração


pelo fato de a mesma não conferir ao mandatário poderes para a prática de todos ou
determinados atos no processo. Nada impede que o mandante confira ao mandatário
poderes apenas para o acompanhar nas audiências, por exemplo.

15.2.14.1 – SUBSTABELECIMENTO
É o ato pelo qual o mandatário transfere a terceiro os poderes que lhes foram
conferidos pelo mandante. O substabelecimento pode ser feito por instrumento
particular, ainda que o mandato tenha sido feito por instrumento público. Pode ser sem
ou com reserva de poderes. No primeiro caso (sem reserva de poderes) o
substabelecente transfere todos os poderes ao substabelecido de forma definitiva,
renunciando ao mandato que lhe foi outorgado. No segundo caso (com reserva de
poderes) o substabelecente permanece com plenos poderes, de sorte que ambos podem
praticar os atos definidos no instrumento de mandato.

15.2.15 – DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS


O depoimento de testemunha constitui um importante instrumento na coleta de
provas na busca de elementos que possam subsidiar a tomada de decisão por parte da
comissão processante. Aliás, para o servidor investigado é um direito assegurado no
próprio texto legal (art. 156 da Lei. nº 8.112/90.
De acordo com o mesmo diploma legal, o depoimento será prestado oralmente
e reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. Com as
alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.900/2009,
acrescentando a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais
por sistema de videoconferência, a redução do depoimento a termo passou a ser
exigida apenas nos depoimentos realizados sem os recursos de gravação em vídeo.
Na hipótese de mais de uma testemunha, cada uma será ouvida separadamente,
não se admitindo a presença de uma no depoimento da outra, cabendo à comissão
avaliar a pertinência de acareação no caso de divergência entre as declarações
prestadas. A mesma regra não se aplica ao investigado, de modo que quando houver
mais de um, será assegurada a todos a oportunidade de acompanhar as oitivas das
testemunhas, pouco importando quem as tenha arrolado. Por razões que nos parecem
óbvias, referido direito deverá ser assegurado também aos respectivos procuradores.
Estes poderão inquirir as testemunhas, sendo-lhes vedado interferir nas perguntas
feitas pela comissão (e nas respostas), sedo facultado reinquirir a testemunha. Ou seja,
reformular a pergunta quando julgar que a resposta não foi esclarecedora.
Não existe mais a exigência de que as perguntas do investigado ou de seu
procurador sejam feitam por intermédio do presidente da comissão, como afirma o §
2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90, in fine. Aplica-se, nesse caso, o procedimento
estabelecido pelo art. 212 do Código de Processo Penal, segundo o qual “as perguntas
serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz
218

aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou
importarem na repetição de outa já respondida”. Esse mesmo procedimento é adotado
pelo Novo Código de Processo Civil, cuja redação do seu art. 459 reproduz quase
literalmente a redação do art. 212 do Código de Processo Penal.

15.2.16 - CONTRADITA
A expressão “contradita” é utilizada na seara do direito processual como
sinônimo de contestação, impugnação ou contradição. Trata-se da faculdade
legalmente conferida às partes de impugnar a oitiva de determinadas testemunhas
diante de circunstâncias ou situações que as tornem suspeitas, imparciais ou indignas
de fé. A contradita pode ser utilizada ainda como incidente processual mediante a
interposição do recurso cabível, ou seja, antes da data da audiência, assim que a parte
tomar ciência da qualificação da pessoa que vai depor. Na prática é mais comum a
arguição de ilegitimidade da testemunha ser feita na própria audiência, no decorrer da
fase de qualificação.
O ônus de provar a presença das circunstâncias que ensejam o impedimento ou
suspeição da testemunha é da parte que alega, de sorte que a comissão processante
deve, mediante decisão devidamente fundamentada, seguir com a tomada de
depoimento sempre que julgar improcedentes as justificativas apresentadas para
demonstrar o impedimento ou suspeição da testemunha.

15.2.17 – CARTA PRECATÓRIA


Na esfera judicial, é o instrumento por meio do qual o juiz competente para
atuar em um processo requisita ao juiz de outro Estado ou comarca o cumprimento de
ato necessário ao andamento do processo. Na esfera do Direito Administrativo
Disciplinar a carta precatória é utilizada com mais frequência na realização de
inquirição de testemunhas, nada obstante possa servir para a realização de outros atos
processuais, tais como acompanhar a realização de perícias, citação para apresentação
de defesa escrita, entre outros.
Há uma corrente de pensadores, capitaneada por José Armando da Costa, que
defende a tese de que a utilização da carta precatória deve ser evitada na esfera
disciplinar, por considerar discutível a validade dos atos processuais realizados por
pessoa estranha à comissão, particularmente quando o ato delegado for praticado por
uma única pessoa. Com a devida vênia, não concordamos com tal linha de
pensamento. Ora, se no direito penal, que tutela os valores mais relevantes ao convívio
social, admite-se a realização de oitiva de testemunha por autoridade judicial estranha
à persecução penal, não vislumbramos nulidade alguma pelo simples fato de o ato ser
praticado por pessoa que não compõe a comissão processante. Basta à autoridade
competente se cercar de todos os cuidados na hora de escolher a pessoa a ser nomeada,
se certificando de que a mesma preenche os requisitos legais, quais sejam, a
estabilidade no cargo e não se enquadrar em nenhum dos casos de impedimento e
219

suspeição.
Corrobora a tese de legalidade do uso da carta precatória o fato de a própria
Lei nº 8.112/90, diante de certas circunstâncias, autorizar a prática de atos no processo
disciplinar por pessoa estranha à comissão. Menciona-se, a título de exemplo, a
participação de assistente técnico e perito (art. 155) e o exame de sanidade mental
realizado por médicos (art. 160).

Lei nº 8.112/90
Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos,
acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova,
recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa
elucidação dos fatos.
Art. 160. Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão
proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica
oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.

15.2.18 – INTERROGATÓRIO
É o ato processual mediante o qual a comissão concede ao investigado a
oportunidade de apresentar sua versão sobre os fatos objeto da investigação. Não há
unanimidade entre os operadores do direito quanto à natureza jurídica do
interrogatório, uns o consideram como meio de defesa, outros como meio de prova e
finalmente aqueles que defendem a tese de que o instituto desempenha as duas funções
– meio de defesa e de prova.
A Lei nº 8.112/90 estabelece no art. 159 que “concluída a inquirição das
testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado [...]”. A
interpretação literal do dispositivo legal pode levar o leitor menos atento ao
entendimento equivocado de que o interrogatório deverá ocorrer necessariamente logo
após a oitiva das testemunhas. Na medida do possível, deve ser o último ato a ser
praticado antes do indiciamento, possibilitando assim que o investigado tenha a
oportunidade de se manifestar sobre todas as provas até então produzidas, mas não
terá que ser realizado necessariamente logo após a oitiva das testemunhas, como
sugere o texto da lei.
Acrescente-se, ainda, que por se tratar de ato personalíssimo, a participação do
investigado é imprescindível, de sorte que nem a presença de defensor legalmente
constituído supre a sua ausência.
O interrogatório é dividido em duas fases: interrogatório de qualificação e
interrogatório de mérito. Na primeira o interrogado fornece à comissão seus dados
identificadores, tais como nome completo, naturalidade, estado civil, endereço,
documento de identificação, etc. Nessa fase o interrogado não se encontra acobertado
pelo privilégio contra a autoincriminação. Pelo contrário, o fornecimento de dados
220

pessoais falsos pode configurar infração criminal. Na segunda fase (interrogatório de


mérito) o interrogado é questionado sobre os fatos objeto da apuração, encontrando-
se o mesmo protegido pelo direito ao silêncio, sendo facultado até mesmo faltar com
a verdade, sem que disso resulte nenhuma implicação jurídica.
Poderão participar do interrogatório do investigado o seu procurador e todos
aqueles que possuem interesses passíveis de serem atingidos pelas suas declarações
(no caso de pluralidade de investigados), com seus respectivos causídicos. Todavia,
não será admitida em hipótese alguma a interferência dessas pessoas nas perguntas
formuladas pela comissão, sendo lhes facultado porém reinquiri-lo. Em outras
palavras, a comissão é soberana na escolha das perguntas que serão feitas (desde que
tenha relação de pertinência com os fatos objeto da apuração), sendo expressamente
vedada a interferência por parte do investigado ou seu causídico.
Como dito antes, não se aplica mais a obrigatoriedade de as perguntas do
patrono do investigado serem formuladas por intermédio do presidente da comissão,
como previsto pelo § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90. Cabe ao presidente do
colegiado tão somente avaliar a pertinência da pergunta, indeferindo-as quando julgar
que a mesma não guarda nenhuma correlação com os fatos ou quando se tratar de
repetição de perguntas.

15.2.19 – DIREITO AO SILÊNCIO


Também conhecido como privilégio contra a autoincriminação, o direito ao
silêncio encontra suporte no art. 5º, LXIII, da Constituição da República, bem como
no art. 8º, § 2º, g, do Pacto de São José da Costa Rica, e reconhece o direito atribuído
a todo cidadão de permanecer em silêncio relativamente a perguntas cujas respostas
possam incriminá-la. Decorre do princípio geral nemo tenetur se detegere, que no
vernáculo significa literalmente ninguém é obrigado a se descobrir.
A redação originária do art. 186 do Código de Processo Penal estabelecia que
o réu “embora não seja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas,
o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”. Com o advento
da Constituição Federal de 1988 surgiu a controvérsia entre os doutrinadores sobre a
recepção (ou não) desse dispositivo pelo novo texto constitucional. A celeuma deixou
de existir com as alterações promovidas no Código de Processo Penal pela Lei nº
10.792/2003, que deu nova redação ao aludido artigo, deixando expresso que o
exercício do silêncio não implica confissão nem tampouco poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa.
Nada obstante o silêncio não possa ser utilizado como justificativa para
incriminar alguém, ou seja, o julgador não pode fundamentar a sentença punitiva no
fato de o réu ter exercido o direito do silêncio, é inerente à própria condição humana
a repercussão negativa na mente de quem julga o fato de o interrogado ter optado por
permanecer em silêncio, quando poderia apresentar sua versão sobre os fatos.
221

É pertinente deixar claro que o direito contra a autoincriminação não pode ser
interpretado como direito de faltar com a verdade (mentir), de trazer aos autos todo
tipo de afirmações falsas na tentativa de se desvencilhar da acusação que pesa contra
sua pessoa. Em que pese as opiniões em sentido contrário, entendemos que a
Administração Pública que se diz pautada pela ética e honestidade de seus agentes
não pode ser complacente com comportamentos imorais e antiéticos, a ponto de
admitir a mentira como direito subjetivo do acusado, seja em processo criminal ou
administrativo. Não concordamos com aqueles que advogam a tese de que o privilégio
contra a autoincriminação inclui o direito de mentir pelo simples fato de não existir
mais no ordenamento jurídico brasileiro o crime de perjúrio. Apenas a título de
informação, o crime de perjúrio era previsto no antigo Código Criminal do Império
aprovado em 16 de dezembro de 1830 e ficava configurado quando a pessoa fazia
juramento falso em juízo.

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS


PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um
prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda
pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete,
caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua
defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um
defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu
defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado,
remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele
próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o
comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar
luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;
e
222

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.


JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
Qualquer pessoa tem o direito público subjetivo de permanecer calado quando for
prestar depoimento perante órgão do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário.
Habeas corpus deferido somente para assegurar o direito do paciente de permanecer
em silêncio (HC nº 83.357-DF, STF, Plenário, Rel. Min. Nelson Jobim, julgado em
3.3.2004, publicado no DJ em 26.3.2004).

15.2.20 – ALEGAÇÕES FINAIS


Introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.719/2008, as alegações
finais constituem forma de defesa a ser apresentada, via de regra, na forma oral, após
o encerramento da instrução processual. Nessa peça de defesa serão apresentados os
argumentos finais das partes envolvidas no litígio. Considerando a complexidade do
caso ou o número de acusados, o juiz poderá conceder às partes o prazo de cinco dias
sucessivamente para apresentá-la na forma de memoriais. Ou seja, na forma escrita.
No Direito Administrativo Disciplinar as alegações finais (ou memoriais) tem
previsão no art. 2º, parágrafo único, X, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo
administrativo no âmbito da União. Diferentemente do que ocorre no processo penal,
onde as alegações via de regra são orais, o diploma legal acima mencionado não
definiu a forma de sua apresentação, o que nos permite concluir que caberá à defesa
escolher a forma que melhor lhe aprouver. Como ato de defesa que é, deverão constar
da forma mais clara possível todas as teses que possam refutar as imputações que
pesam contra o investigado. Será a última oportunidade que o mesmo terá de se
manifestar nos autos antes de um eventual indiciamento.
A apresentação das alegações finais constitui uma prerrogativa do investigado,
cabendo a este decidir sobre a sua apresentação ou não, bem como sobre o momento
oportuno – se antes do indiciamento ou apenas após o relatório final. Acrescente-se
ainda que é pacífico na jurisprudência o entendimento segundo o qual o fato de a
comissão não promover a intimação do interessado, ou do seu causídico, para
apresentar a peça final não constitui motivo para a nulidade do processo.

Lei nº 9.784/99
Art. 2º […]
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
[…]
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à
produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam
223

resultar sanções e nas situações de litígio.


JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO
INTERESSADO APÓS O RELATÓRIO FINAL DE PAD.
Não é obrigatória a intimação do interessado para apresentar alegações finais após
o relatório final de processo administrativo disciplinar. Isso porque não existe
previsão legal nesse sentido. Precedentes citados: RMS 33.701-SC, Primeira Turma,
DJe 10/6/2011; e MS 13.498-DF, Terceira Seção, DJe 2/6/2011. MS 18.090-DF, Rel.
Min. Humberto Martins, julgado em 8/5/2013 (Informativo nº 0523).

15.2.21 – INDICIAMENTO OU INDICIAÇÃO


Na esfera criminal o indiciamento é o ato por intermédio do qual se imputa a
alguém a prática de infração penal investigada no inquérito policial. Ocorre antes do
oferecimento da denúncia e constitui ato privativo da autoridade policial. Antes do
indiciamento a pessoa é tratada como mero suspeito ou investigado.
Na esfera disciplinar o indiciamento (ou indiciação) é um ato administrativo,
com efeitos processuais, por intermédio do qual a comissão imputa ao investigado a
prática de determinada falta funcional. Como ato administrativo, deve ser
fundamentado, com a especificação das condutas ilícitas imputadas ao indiciado e das
respectivas provas, sob pena de nulidade. Representa o ato formal de acusação do
servidor que, até então, figurava como mero suspeito de ter praticado o ilícito
funcional.
É importante deixar claro que a indiciação (ou indiciamento) do investigado
em processo disciplinar não significa prejulgamento por parte dos membros da
comissão, nem tampouco que o destino do mesmo já esteja definido. Trata-se de uma
convicção preliminar, que poderá ser alterada após a análise da peça de defesa
apresentada pelo indiciado.
O termo de indiciamento delimita o raio acusatório e, por via de consequência,
a própria defesa do acusado. Vamos utilizar um exemplo para facilitar a compreensão:
imagine a situação em que, na fase de instrução, restou comprovado que o investigado
praticou as condutas ilícitas “A”, “B” e “C”. Todavia, no ato do indiciamento a
comissão fez constar apenas os atos “A” e “C”, se omitindo quanto ao ilícito “B”.
Nessa situação hipotética, não pode o trio processante, em seu relatório final, sugerir
a imposição de pena pelo cometimento da infração “B”. Essa exigência se encontra
em perfeita sintonia com o princípio da correlação ou da congruência, segundo o qual
deve haver uma perfeita correlação entre a imputação feita ao investigado e a decisão
da autoridade julgadora. Dito em outras palavras, os fatos narrados na peça de
indiciamento devem manter relação lógica com a decisão da autoridade julgadora.
Nada obstante a inexistência de previsão legal, defendemos a tese de que nada
224

impede a aplicação (por analogia), no processo disciplinar, do instituto processual


penal Mutatio libelli, possibilitando à autoridade julgadora, após verificar que a peça
acusatória (indiciamento) não contempla todos os fatos ilícitos comprovados nos
autos, devolver a peça indiciária à comissão para emendá-la, devolvendo-se novo
prazo à defesa para exercer o seu direito de se manifestar.
A peça de indiciamento é individual, ou seja, na situação em que o processo
disciplinar envolve mais de um servidor, para cada um deverá ser elaborada uma peça
de acusação, ainda que os fatos ilícitos imputados sejam idênticos. Evita-se, com isso,
a figura indesejada do termo de indiciamento coletivo.
Segundo o disposto no § 1º do art. 161 da Lei nº 8.112/90, o indiciado será
citado (o termo correto seria intimado) para apresentar defesa escrita no prazo de dez
dias. Trata-se de prazo não preclusivo, ou seja, o seu descumprimento não causa
nulidade. No caso de haver mais de um acusado, o prazo será, comum, de vinte dias.
Esse prazo poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas
indispensáveis (Art. 161, §3º, da Lei nº 8.112/90). A lei não especifica o que se pode
entender por “diligências indispensáveis”, sendo intuitivo concluir que se trata de
qualquer diligência considerada importante para a elucidação dos fatos.
Ainda de acordo com o texto legal, “achando-se o indiciado em lugar incerto
e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal
de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar
defesa”. Nessa situação, exige-se que todas as tentativas de localização do paradeiro
do acusado tenham sido esgotadas, utilizando-se de todos os meios possíveis, antes
de partir para a citação por edital. Não pode a comissão processante, por comodidade
ou por considerar a forma mais prática, partir de imediato para a citação por edital.
Nesse caso (citação por edital), o prazo de apresentação de defesa é de quinze dias
contados a partir da última publicação, pouco importando se se trata de processo com
um ou mais acusados.
Na hipótese de o indiciado não comparecer para apresentar a defesa escrita,
mesmo com a citação ficta (por edital), a comissão elaborará nos mesmos autos o
termo de revelia e a autoridade instauradora designará um servidor como defensor
dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter
nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. A lei foi omissa quanto à
definição do prazo para a defesa no caso de revelia, se dez, vinte ou quinze dias. Na
ausência de regra expressa, prevalece o prazo mais longo, ou seja, dez (um acusado)
ou vinte (mais de um acusado), com a possibilidade de prorrogação.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. CAUSA
DE AUMENTO DE PENA.
225

A causa de aumento de pena não pode ser presumida pelo julgador, devendo o fato
que a configurar estar descrito pormenorizadamente na denúncia ou queixa. O
princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado de princípio
da congruência, representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa,
visto que assegura a não condenação do acusado por fatos não descritos na peça
acusatória. É dizer, o réu sempre terá a oportunidade de refutar a acusação,
exercendo plenamente o contraditório e a ampla defesa. É certo que, a teor do
disposto no art. 383 do CPP, o acusado se defende dos fatos que lhe são atribuídos
na denúncia ou queixa, e não da capitulação legal, razão pela qual o juiz poderá,
sem modificar a descrição fática, atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que
tenha de aplicar pena mais grave. Contudo, o fato que determina a incidência do
preceito secundário da norma penal deverá estar descrito na peça acusatória, com
o objetivo de viabilizar o contraditório e a ampla defesa. Autorizar a presunção de
causa de aumento de pena, sem qualquer menção na exordial, configura inversão do
sistema de ônus da prova vigente no ordenamento processual, visto que seria imposto
à defesa o dever de provar a inexistência dessa circunstância, e não à acusação o
ônus de demonstrá-la. Precedentes citados: HC 149.139-DF, DJe 2/8/2010; HC
139.759-SP, DJe 1º/9/2011. REsp 1.193.929-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
julgado em 27/11/2012.

15.2.22 – DEFESA ESCRITA


É a peça processual a ser utilizada pelo indiciado para se defender dos fatos
que lhes foram imputados na peça de indiciamento. Após ser citado o acusado dispõe
do prazo de dez dias (ou vinte, no caso de mais de um indiciado) para apresentar a
peça defensiva, sendo-lhe assegurado ter vista do processo na repartição. No caso de
o investigado se recusar a receber a citação, a comissão elaborará termo próprio na
presença de duas testemunhas e dar a citação por feita, iniciando-se a partir dessa data
o prazo de dez dias (ou vinte, conforme o caso) para a apresentação da defesa escrita.
A lei não estabelece requisitos formais além da exigência de que a defesa deverá ser
escrita.
Como mencionado em item pretérito, achando-se o indiciado em lugar incerto
e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal
de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar
defesa, conforme preceitua o art. 163 da Lei nº 8.112/90.
Em nosso modo de ver, a redação do artigo não é das melhores. O primeiro
ponto digno de crítica é a previsão de “achando-se o indiciado”, quando na verdade
o servidor somente poderá assim ser tratado após receber a citação. Até então é apenas
investigado, pois ainda não houve indiciamento. O segundo é a previsão de citação
por edital ao final da instrução, quando presumidamente o investigado participou de
todos os atos processuais. Como enfatizado em tópico pretérito, se no momento da
226

indiciação o investigado se encontra em lugar incerto e não sabido, duas situações


podem ter ocorrido: 1) a comissão não obteve êxito na busca de seu paradeiro para
fins de efetuar a notificação prévia e esse ato foi feito por edital, situação na qual a
autoridade instauradora deverá ter designado servidor como defensor dativo; ou 2) a
notificação foi efetivada, mas o investigado resolveu se esconder da comissão como
forma de embaraçar o andamento do processo, não havendo razão plausível para a
utilização do edital na citação do agente investigado para a prática de ato em processo
do qual já vinha participando ou foi notificado por edital.

15.2.22.1 – ESTRUTURA DA DEFESA


A defesa escrita é dividida em duas partes: defesa processual e defesa de
mérito. Na primeira o defensor deve explorar todos os vícios processuais porventura
cometidos pela comissão, tais como a prática de ato fora da vigência da portaria que
a nomeou, o não preenchimento dos requisitos legais por parte dos membros da
comissão para integrar o colegiado, cerceamento do direito ao contraditório e à ampla
defesa, vício insanável na produção de provas, entre outros.
Por outro lado, na defesa de mérito (como o próprio título sugere) o indiciado
deve se ater ao mérito da imputação, explorando todos os meios de prova legalmente
admitidos no intuito de comprovar a improcedência da acusação, seja demonstrando
que o fato supostamente ilícito não ocorreu ou, em caso contrário, que o indiciado não
teve participação. Não obedece à boa técnica a utilização de teses defensivas
excessivamente longas e prolixas, que se resumem a reproduções de trechos
doutrinários que em nada contribuirão para o êxito da defesa. É de fundamental
importância a utilização de uma redação clara, lógica e coerente, que contraponha
individualmente cada ponto da peça acusatória. Lembre-se de que defesa prolixa e
extensa não é sinônimo de defesa eficiente.

15.2.22.2 – PRODUÇÃO DE PROVAS DURANTE O PRAZO DE DEFESA


Já foi dito antes mas não custa nada repetir, entre os princípios aplicados à
Administração Pública se encontram o da instrumentalidade das formas e da verdade
real ou material. É com fundamentos nesses dois postulados que o § 3º do art. 161 do
estatuto dos servidores autoriza a prorrogação do prazo de defesa pelo dobro para
diligências reputadas indispensáveis. Nessa linha de raciocínio, nada impede que a
comissão defira pedido de produção de provas no prazo de defesa, desder que fique
demonstrado de forma inequívoca que as mesmas são imprescindíveis para se chegar
à verdade dos fatos e que o indiciado não teve oportunidade de produzi-la no momento
oportuno. O que não deve ser admitido é o indiciado voluntariamente deixar de
produzir a prova no momento oportuno e requerer a sua produção na fase de defesa,
em flagrante desprestígio ao princípio da lealdade processual. O exercício do
contraditório e ampla defesa assegurado no texto constitucional não pode servir de
suporte para a utilização de subterfúgios visando embaraçar o andamento do processo.
227

15.2.22.3 – PRAZO COMUM


De acordo com o estabelecido no § 2º do art. 161 da Lei nº 8.112/90, havendo
dois ou mais indiciados, o prazo para apresentar defesa escrita será comum de vinte
dias. A partir da interpretação desse comando legal parcela considerável da doutrina
encampou o entendimento segundo o qual a contagem do prazo para ambos somente
tem início com a última intimação. Argumentam os defensores dessa tese que o fato
de o prazo ser comum impede a fluência do mesmo enquanto não for feita a última
intimação.
Com a devida vênia, a interpretação do comando expresso no dispositivo legal
passa necessariamente pela correta diferenciação entre prazo comum e prazo
sucessivo. Prazo comum é todo aquele que, uma vez iniciado, corre simultaneamente
para ambas as partes da relação jurídico-processual, ou seja, não se espera a expiração
do prazo para uma das partes, para ter início o prazo da outra. Por sua vez, prazo
sucessivo é todo aquele cuja finalização da contagem para uma das partes é o março
inicial para a outra. No processo civil temos os prazos para contestar e para a réplica
como exemplo de prazos sucessivos, onde o início de um fica condicionado ao término
do outro.
Estabelecida a distinção entre prazo comum e sucessivo, vamos ao que
interessa. Ao estabelecer que no caso de mais de um indiciado no processo
administrativo disciplinar o prazo para defesa é comum de vinte dias, a intensão do
legislador foi definir que cada um terá o prazo idêntico de vinte dias para se defender.
Não se pretendeu, com isso, condicionar o início da contagem do prazo daquele que
primeiro foi citado à citação do outro. Na prática isso se revela ainda mais
contraditório na situação em que um dos investigados é citado e outro, por se encontrar
em lugar incerto e não sabido, ter de ser citado por edital. Nessa situação hipotética
apresentada, não vislumbramos nenhuma razão lógica para condicionar a contagem
do prazo do primeiro à citação do segundo, se os interesses de ambos não são
coincidentes, ou seja, a defesa de um independe da defesa do outro.
Ao que tudo indica, aqueles que defendem a tese de que a contagem do prazo
para defesa somente tem início com a citação do último indiciado importaram esse
entendimento do processo penal, onde a contagem do prazo para a interposição de
recurso começa a fluir da última intimação, quando o acusado e seu defensor forem
ambos intimados. Como é fácil perceber, trata-se de situação completamente diversa,
onde os dois (acusado e defensor) defendem os mesmos interesses, o que não se
verifica no processo administrativo disciplinar com mais de um indiciado.

15.2.22.4 – DEFESA TÉCNICA


A vigente legislação que trata do processo administrativo disciplinar no âmbito
da União não contempla nenhum dispositivo sobre a legitimidade para a elaboração
da defesa do servidor indiciado, de sorte que é intuitivo concluir que a mesma poderá
228

ser feita pelo próprio servidor ou por representante legal, com ou sem formação
jurídica. Essa tese é reforçada pela constatação de que, ao tratar da indicação de
defensor dativo ao servidor revel, a única exigência contida no art. 164,§ 2º, da Lei nº
8.112/90 é que este (o dativo) seja ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo
nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado, nada dispondo
sobre a formação acadêmica.
No âmbito dos tribunais superiores o entendimento predominante era no
sentido da obrigatoriedade da atuação do advogado, sob pena de nulidade do processo.
Como forma de conferir efetividade a esse entendimento o Superior Tribunal de
Justiça – STJ editou a Súmula 343, com o seguinte teor: É obrigatória a presença de
advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. Nada obstante
não ser de obediência obrigatória, era o comando da súmula em questão que orientava
a atuação daqueles que defendiam a obrigatoriedade da presença do advogado no
processo administrativo disciplinar.
A polêmica foi finalmente superada com a publicação da Súmula Vinculante
nº 5 do Supremo Tribunal Federal, que apresenta a seguinte redação: “A falta de defesa
técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a
Constituição”. A partir de então pacificou-se o entendimento nos tribunais de que a
elaboração da defesa em processo administrativo disciplinar não é prerrogativa
exclusiva de advogado.

15.2.22.5 – DEFESA INEPTA


A Constituição Federal de 1988 preceitua que aos litigantes em processos
judiciais e administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (Art. 5º, LV). A presença da
expressão “em geral” na redação do inciso indica que tal garantia não se restringe aos
processos conduzidos pelo Poder Judiciário e no âmbito da administração pública,
mas a todas as espécies de processos no qual o cidadão se encontrar sob ameaça de
restrição do exercício de seus direitos.
Todavia, é pacífico na doutrina o entendimento segundo o qual o efetivo
cumprimento dessa garantia constitucional não se contenta com a mera faculdade de
apresentar defesa, fazendo-se necessário que a mesma cumpra efetivamente com a sua
função, que é proteger da melhor forma possível os interesses daquele que se encontra
na condição de litigante ou acusado. Dito em outras palavras, a garantia do
contraditório e a ampla defesa não estará assegurada com a mera apresentação de
defesa, exigindo-se que a mesma seja efetiva. Isso porque defesa inepta é o mesmo
que ausência de defesa, não atendendo por isso o preceito constitucional.
Isso não significa que a defesa do acusado em processo administrativo
disciplinar deve, necessariamente, ser elaborada por um profissional do direito
(advogado com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), sendo
229

suficiente que a mesma apresente os requisitos necessários ao cumprimento de seu


mister, que é refutar as imputações feitas ao indiciado. Como já comentado, as antigas
controvérsias em torno do tema deixaram de existir com a publicação, pelo Supremo
Tribunal Federal, da Súmula Vinculante nº 5, retirando do advogado a exclusividade
para a elaboração de defesa em processo administrativo disciplinar.
Nada obstante isso, não são raros os casos em que o agente público indiciado
em processo administrativo disciplinar não dispõe dos conhecimentos mínimos
necessários ao desenvolvimento de uma tese defensiva razoavelmente aceitável. Em
tais situações, é dever da autoridade julgadora nomear defensor dativo ou, tratando-se
de servidor com baixo poder aquisitivo, acionar a advocacia pública para patrocinar a
defesa do indiciado, sob pena de tornar inócua a recomendação constitucional.
Há uma outra questão que suscita polêmicas entre aqueles que militam na área,
que é saber se o fato de a defesa ser elaborada por advogado legalmente habilitado
(inscrito na OAB), por si só, afasta a possibilidade de a mesma ser considerada inepta.
A questão é controvertida, existindo aqueles que defendem a tese de que a
administração não deve declarar a defesa inepta quando a mesma for elaborada por
advogado legalmente constituído. Por outro lado, há aqueles que advogam tese
contrária, ou seja, que a presença do advogado, por si só, não é garantia de que a
defesa seja considerada apta.
De nossa parte, optamos por acompanhar a segunda corrente, por entender que
a garantia de ampla defesa consagrada no texto constitucional há de ser efetiva, não
se contentando com mera formalidade. Como dito em passagem pretérita, defesa
inepta é o mesmo que ausência de defesa, pouco importando se elaborada por pessoa
leiga ou por advogado legalmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Ademais disso, a regularidade do profissional do direito junto ao conselho
representativo da classe não representa uma garantia incontestável de que o mesmo se
encontra habilitado para atuar em qualquer ramo do direito.
No processo penal prevalece o entendimento segundo o qual a deficiência da
defesa só terá o condão de nulificar o processo quando comprovado o prejuízo para a
parte ré. Esse entendimento se encontra em perfeita sintonia com o teor da Súmula
523 do Supremo Tribunal Federal, que apresenta a seguinte redação: “SÚMULA 523
- No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

15.2.23 - A CONFIGURAÇÃO DA REVELIA


O termo “revelia” é derivado de revel, que é a condição daquele que se rebela,
que não se submete nem tampouco acata ordem.
Segundo as regras aplicadas ao processo civil, considera-se revel o réu que não
contestar a ação, presumindo-se verdadeiras as alegações de fato em seu desfavor,
resultando dessa condição duas consequências desfavoráveis ao revel, quais sejam: a)
230

a presunção de veracidade dos fatos narrados na petição inicial; e b) a desnecessidade


de intimação pessoal do réu para os demais atos do processo, sendo a divulgação dos
atos decisórios posteriores feita apenas por meio do órgão oficial.
Já no âmbito do processo penal, a revelia ocorre quando o réu for citado ou
intimado pessoalmente para qualquer ato do processo e deixar de comparecer sem
motivo justificado, ou mudar de residência, sem comunicar ao juízo seu novo
endereço. Todavia, o contrário do que ocorre no processo civil, a revelia na seara
criminal não acarreta a presunção de que são verdadeiros os fatos descritos na
denúncia ou queixa. Isso se deve ao fato de o processo penal ser pautado pela busca
da verdade real (ou substancial), de sorte que continua a parte acusadora com o ônus
de comprovar os fatos imputados ao acusado. O único efeito prejudicial ao réu é fazer
com que o mesmo não seja mais intimado pessoalmente dos atos processuais
posteriores, não impedindo, entretanto, que o mesmo produza normalmente sua
defesa.
No ramo do direito administrativo disciplinar o instituto da revelia tem
previsão no art. 164 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual “considerar-se-á revel o
indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal”. A
presença do termo “indiciado” na redação do artigo pode levar o leitor menos atento
ao entendimento equivocado de que a revelia ocorre apenas após o indiciamento, na
fase de apresentação da defesa, o que não nos parece lógico. Será considerado revel
tanto aquele que legalmente citado não apresentar a defesa, como aquele que for
notificado previamente e deixar de comparecer ao processo para se defender. Além
disso, por uma questão de silogismo defendemos a tese de que a apresentação de
defesa inepta também configura a revelia. Como dito antes, defesa inepta é o mesmo
que ausência de defesa, decorrendo da inépcia todos os efeitos inerentes à revelia. Na
prática não vislumbramos distinção entre a não apresentação de defesa e a
apresentação de defesa incapaz de produzir efeitos que dela se espera.
A configuração da revelia não implica impossibilidade de o agente investigado
praticar ato processual. Utilizando-se por analogia o estabelecido pelo parágrafo único
do Código de Processo Civil, o servidor revel poderá intervir no processo a qualquer
momento, recebendo-o no estado em que se encontrar. Significa que, ainda que o
investigado tenha sido considerado revel por se encontrar em lugar incerto ou não
sabido, nada impede que o mesmo, uma vez comparecendo ao processo, participe dos
atos processuais praticados daquela data em diante. No estado em que se encontrar
indica que a comissão não estará obrigada a repetir os atos processuais até então
praticados.
É imperioso acrescentar ainda que a configuração da revelia na esfera
disciplinar não acarreta as mesmas consequências jurídicas verificadas no processo
civil, onde o instituto tem o condão de tornar presumidamente verdadeiras as
alegações de fato formuladas em desfavor do revel. Ou seja, o não comparecimento
231

do investigado para se defender em nada alterará o grau de certeza quanto aos fatos
imputados ao mesmo. Assim como ocorre no processo criminal, as investigações
administrativas são pautadas pelo princípio da verdade real, não devendo a comissão
considerar como verdadeiros fatos pela simples circunstância de o acusado não
apresentar contestação. Em síntese, a revelia em nada contribuirá para a formação da
convicção do trio processante.

15.2.24 – RELATÓRIO FINAL


Como o próprio nome sugere, é o documento elaborado de forma minuciosa
pela comissão ao final dos trabalhos de investigação, onde resumirá as peças
principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua
convicção.
Representa uma espécie de radiografia dos autos, do modo que a sua leitura
por parte de pessoas estranhas ao processo (consultoria jurídica e autoridade
julgadora, por exemplo) lhe possibilite emitir uma opinião conclusiva sobre o
resultado da apuração. Ao elaborar esse documento deve-se evitar a reprodução literal
de peças que já se encontram nos autos, tais como depoimento de testemunha,
interrogatórios e algo do gênero, de forma que o mesmo não fique excessivamente
longo, dificultando a compreensão e emissão de um juízo de valor por parte da
autoridade julgadora.
Por expressa imposição legal, o relatório será sempre conclusivo quanto à
inocência ou à responsabilidade do servidor. Significa dizer que não será admitido
relatório do tipo “em cima do muro”, onde o trio processante não chega a conclusão
alguma ou, como é comum, apresenta um relatório comumente denominado parcial
recomendando a continuidade da apuração. Inexiste a figura do relatório parcial, de
modo que ou o mesmo será conclusivo ou não será considerado relatório.
No relatório o colegiado processante deve se manifestar sobre todas as
alegações (argumentos) da defesa, sejam elas relacionadas ao mérito ou às
formalidades processuais que possam ensejar nulidade. Ademais disso, todas as suas
decisões, seja refutando ou acolhendo a tese da defesa, necessariamente deverão ser
motivadas. Decisão não fundamentada é decisão nula. Foi nesse contexto que o
legislador inseriu entre os critérios a serem observados no processo administrativo
disciplinar a necessidade de indicação dos pressupostos de fato e de direito que
determinarem a decisão.
Segundo o disposto pelo art. 168 da Lei nº 8.112/90 “o julgamento acatará o
relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos”. Significa que a
conclusão do colegiado não vincula a autoridade julgadora, de sorte que esta poderá,
de forma motivada, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de
responsabilidade. Em última análise, a lei autoriza o uso do instituto de natureza
processual penal denominado de emendatio libelli, onde o juiz, verificando que na
232

sentença que a tipificação não corresponde aos fatos narrados na petição inicial,
poderá de ofício apontar sua correta definição jurídica.
Em nosso modo de pensar, a redação da lei disse menos do que deveria, pois a
autoridade julgadora poderá não acatar o relatório da comissão ainda que a conclusão
não seja contrária às provas dos autos. Imagine a situação na qual o colegiado sugere
a pena de suspensão por noventa dias e a autoridade decide pelo afastamento por
apenas trinta dias. Nessa situação hipotética, a divergência entre os membros da
comissão e a autoridade julgadora reside exclusivamente na dosimetria da pena, em
nada tendo a ver com as provas contidas nos autos.

15.2.25 - JULGAMENTO
É o ato administrativo por intermédio do qual a autoridade julgadora emite sua
decisão no procedimento administrativo disciplinar. Como visto antes, essa decisão
não se encontra vinculada à conclusão da comissão processante, dispondo a
autoridade de autonomia para acatar ou não o relatório final, podendo inclusive
agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade,
mediante decisão fundamentada.
A autoridade julgadora terá o prazo de vinte dias (cinco dias, no caso de
processo conduzido pelo rito sumário), contados a partir do recebimento dos autos,
para emitir o seu julgamento. Esse prazo não é preclusivo, significando que o seu
descumprimento não causa nulidade. Na prática administrativa esse prazo nunca é
respeitado. Via de regra após a elaboração do relatório final e antes da remessa à
autoridade julgadora a comissão encaminha os autos para o departamento jurídico do
órgão para emissão de parecer. Nesse parecer a assessoria jurídica se manifesta tanto
sobre os aspectos formais (vícios processuais) quanto sobre o mérito da conclusão da
comissão. É embasado na manifestação jurídica que a autoridade julgadora profere
sua decisão, acatando ou não a proposta do colegiado.
Uma vez comprovada a autoria da infração disciplinar, não cabe à autoridade
julgadora decidir se aplica ou não a pena correspondente. Dito em outras palavras,
trata-se de um ato vinculado, não dispondo a autoridade julgadora de margem de
discricionariedade quanto à escolha entre aplicar ou não a penalidade. Além disso,
quando a infração estiver capitulada como crime, faz-se necessária a remessa dos
autos ao Ministério Público para a instauração da ação penal correspondente. Nada
obstante a lei seja omissa, o mesmo procedimento deverá ser adotado na hipótese de
restar comprovada a prática de ato de improbidade administrativa, tendo em vista a
competência do Ministério Público para o ajuizamento de ação cível dessa natureza.
Verificada a ocorrência de vício insanável na condução das investigações a
autoridade julgadora (ou outra que detenha competência para tal) declarará a sua
nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão
para instauração de novo processo. Via de regra os vícios que causam a nulidade do
233

processo se relacionam aos aspectos formais, tais como cerceamento de defesa, ato
processual praticado em desconformidade com a lei, entre outros. Na hipótese de
nulidade parcial, o procedimento mais adequado é a nomeação de nova comissão para
refazer os atos praticados a partir do ato declarado nulo.
A Lei nº 8.112/90 determina no art. 128 que “na aplicação das penalidades
serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela
provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os
antecedentes funcionais”. Já nos artigos 129, 130 e 132 a mesma lei define, de forma
peremptória, a penalidade correspondente a cada infração funcional cometida. A
leitura desatenta desses dispositivos revela uma aparente contradição na lei, pois ao
mesmo tempo em que define a penalidade cabível para cada conduta, confere à
administração uma certa margem de liberdade na escolha da pena, segundo a natureza
e a gravidade da infração.
Como dito acima, a contradição é apenas aparente. Ao que tudo indica, a
intenção do legislador foi conferir à administração relativa margem de
discricionariedade na situação em que há dúvida sobre o correto enquadramento legal
da infração funcional para fins de definição da pena cabível. Um exemplo: o art. 116
da Lei nº 8.112/90 definiu como dever do servidor, entre outros, guardar sigilo sobre
assuntos da repartição (inciso VIII), cujo descumprimento é punido com a pena de
advertência. Já o art. 132 elencou entre as faltas punidas com a demissão a revelação
de segredo do qual se apropriou em razão do cargo. Nos parece óbvio que o agente
que revela segredo do qual se apropriou em razão do cargo concomitantemente não
guarda segredo sobre assuntos da repartição. Pois bem. Foi pensando nessa situação
que a lei estabeleceu que a administração (representada pela comissão processante)
deverá avaliar as circunstâncias agravantes e atenuantes antes de decidir pelo
enquadramento da infração funcional.
Uma vez feito o enquadramento da transgressão não resta margem de
discricionariedade na escolha da pena, ficando a decisão da autoridade julgadora
vinculada aos comandos dos artigos 129, 130 e 132 do Estatuto Funcional.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO. AFASTAMENTO DAS CONCLUSÕES DA
COMISSÃO EM PAD.
No processo administrativo disciplinar, quando o relatório da comissão processante
for contrário às provas dos autos, admite-se que a autoridade julgadora decida em
sentido diverso daquele apontado nas conclusões da referida comissão, desde que o
faça motivadamente. Isso porque, segundo o parágrafo único do art. 168 da Lei
8.112/1990, quando "o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a
autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta,
234

abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade". Precedentes citados: MS


15.826-DF, Primeira Seção, DJe 31/05/2013; e MS 16.174-DF, Primeira Seção, DJe
17/02/2012. MS 17.811-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26/6/2013.

15.2.26 – RECURSOS ADMINISTARTIVOS


São os instrumentos processuais por intermédio dos quais o interessado postula
junto a determinada autoridade administrativa requerendo a revisão de determinado
ato administrativo prejudicial ao requerente. Esses recursos funcionam como
instrumentos de controle, por intermédio dos quais a Administração é provocada a
fiscalizar seus próprios atos, visando adequá-los aos preceitos legais. Encontram
fundamento no sistema de hierarquia existente na Administração, no direito de petição
e na garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.
Na esfera administrativa, são duas as espécies de recursos administrativos mais
utilizadas: pedido de reconsideração e o recurso hierárquico.
Pedido de reconsideração: é o recurso dirigido à autoridade que proferiu a
decisão a ser reformada. Deverá ser despachado no prazo de cinco dias e decidido pela
autoridade competente em até trinta dias. A mera alegação de injustiça não serve de
fundamento para a interposição do recurso, exigindo-se que o impetrante apresente
novos elementos ou nova fundamentação jurídica.
Recurso hierárquico: como o próprio nome sugere, é o recurso dirigido a uma
instância hierarquicamente superior à que tiver proferido a decisão a ser reformada.
Por se tratar de recurso dirigido a outra autoridade, não há exigência de apresentação
de novos elementos ou nova fundamentação jurídica, ao contrário do que ocorre no
pedido de reconsideração. A doutrina tradicionalmente classifica os recursos
hierárquicos em duas espécies: recurso hierárquico próprio e recurso hierárquico
impróprio. Recurso hierárquico próprio é aquele dirigido a uma autoridade que se
encontra em uma posição hierárquica superior em relação àquela que proferiu a
decisão recorrida. É o caso do recurso interposto contra decisão proferida pela
comissão processante, dirigido à autoridade instauradora. Por se tratar de instrumento
processual fundamentado na hierarquia, não há necessidade de que esteja
expressamente previsto em lei. Recurso hierárquico impróprio é aquele dirigido a
órgão/entidade ou autoridade que não mantém vínculo hierárquico com a autoridade
cuja decisão foi recorrida. A expressão “impróprio” indica a inexistência de hierarquia
entre o órgão controlado e o órgão controlador. Por não guardar nenhuma relação com
hierarquia, a utilização desse tipo de há de se encontrar prevista em lei.

15.2.27 – COISA JULGADA ADMINISTRATIVA


Coisa julgada é a condição atribuída à decisão judicial da qual não cabe mais
recurso. Funda-se na necessidade de segurança jurídica nas relações entre os membros
da sociedade e encontra base jurídica no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição
235

Federal de 1988, onde ficou assegurado que a lei não prejudicará o direito adquirido,
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
No Direito Administrativo a doutrina utiliza a nomenclatura coisa julgada
administrativa para indicar a condição de determinada situação jurídica decidida na
esfera administrativa insusceptível de revisão nessa mesma esfera do direito. Ou seja,
é a condição da decisão da qual não cabe mais recurso administrativo, nada obstante
possa ser reformada pelo Poder Judiciário. Imagine a seguinte situação hipotética: o
servidor, irresignado com a decisão proferida pela Administração em relação a
determinado ato administrativo, interpõe recurso de reconsideração e a autoridade
recorrida confirma o ato. Caso o inconformismo persista e o agente utilize o recurso
hierárquico próprio (agora dirigido à autoridade que se encontra em situação
hierarquicamente mais elevada) e este tem seu provimento negado. Nessa situação
hipotética apresentada, configura-se a coisa julgada administrativa, dada a
inexistência de recurso a ser manejado pelo servidor inconformado com a decisão,
restando tão somente a opção de recorrer ao Poder Judiciário.
Nesse tipo de decisão a atuação do Poder Judiciário fica restrita ao
patrulhamento das fronteiras da legalidade, sendo vedado o exame quanto à justiça da
decisão. É com fundamento na coisa julgada administrativa que o Poder Judiciário se
encontra impossibilitado de adentrar no mérito das decisões proferidas nos autos de
processo administrativo disciplinar, se limitando a apreciar os aspectos da legalidade.
Não pode, por exemplo, o magistrado determinar o retorno do servidor ao cargo do
qual foi demitido em processo administrativo disciplinar sob o fundamento de que a
pena não foi justa ou por considerar as provas insuficientes (exame do mérito). Por
outro lado, nada impede que o Poder Judiciário invalide o decreto punitivo por
violação do direito ao contraditório e ampla defesa, ou seja, por inobservância de
regras legais de natureza processual.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO. RECUSA.
CERCEAMENTO DE DEFESA.
Na espécie, a autoridade (ministra de Estado), ao apreciar processo administrativo
disciplinar, aplicou ao impetrante penalidade de conversão da exoneração em
destituição, levando em conta parecer da consultoria jurídica. Dessa decisão o
impetrante interpôs recurso administrativo hierárquico dirigido ao presidente da
República com pedido de reconsideração e de recebimento no efeito suspensivo,
requerendo a nulidade daquele processo e, de forma subsidiária, a reforma da
penalidade. O recurso foi recebido como pedido de revisão, considerando ser
incabível recurso administrativo hierárquico, em observância ao princípio da
especialidade, em decisão publicada no DOU. Irresignado, o impetrante interpôs
novo recurso administrativo com pedido de encaminhamento ao presidente da
República cujo seguimento também foi negado. Essas duas decisões são apontadas
236

como atos coatores. Preliminarmente, o Min. Relator rejeitou a decadência e


consignou que o recurso administrativo decorre da estrutura hierárquica da
Administração Pública e do direito constitucionalmente garantido de ampla defesa
e do contraditório, de modo que seu cabimento independe de previsão legal. Assim,
na hipótese, o direito de ampla defesa e do contraditório do impetrante restou
cerceado porque seu recurso hierárquico, com pedido de reconsideração, não foi
submetido ao agente superior e foi recebido como revisão. Frisou, ainda, que o
recurso administrativo hierárquico, independentemente da denominação conferida
pelo administrado, deve ser submetido à autoridade hierarquicamente superior, no
caso de o agente ou órgão prolator da decisão ou ato impugnado não o reconsiderar.
Outrossim, a previsão, na Lei n. 8.112/1990, de pedido de revisão não exclui, em
razão de alegada especialidade, o recurso administrativo hierárquico. Os dois não
se confundem e o recebimento de um recurso no lugar do outro não pode ser
realizado para prejudicar a situação do administrado, nem cercear seu direito de
defesa. Com esses argumentos, a Seção concedeu a segurança, determinando que a
autoridade impetrada encaminhe os recursos ao presidente da República para
examiná-los como entender de direito. MS 10.254-DF, Rel. Min. Hélio Quaglia
Barbosa, julgado em 22/3/2006.

15.2.28 – REVISÃO DO PROCESSO


A revisão do processo administrativo disciplinar tem previsão legal nos artigos
174 a 182 da Lei nº 8.112/90. Logo no primeiro dispositivo a lei previu que “o
processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício,
quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência
do punido ou a inadequação da penalidade aplicada”. Não se trata de espécie de
recursos a que o servidor tem direito subjetivo, e sim de situação excepcional que tem
fundamento na emergência de fatos até então desconhecidos ou circunstâncias que
tornem a punição indevida ou desproporcional.
A revisão poderá ocorrer de ofício (por iniciativa da Administração) ou a
requerimento do interessado, desde que preenchidos os requisitos legais. Poderá
ocorrer a qualquer tempo, ou seja, não há prazo preclusivo para a revisão, sendo que
no caso de falecimento, ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da
família poderá requerer a revisão. Há que deixar claro que a simples alegação de
injustiça da penalidade não constitui fundamento apto a justificar o pedido de revisão.
O requerente deverá apresentar elementos novos, ainda não apreciados no processo
originário.
Os procedimentos adotados na revisão do processo são, via de regra, idênticos
aos do procedimento original, com a nomeação de uma comissão constituída por três
servidores estáveis, que terá o prazo de sessenta dias para conclusão dos trabalhos. Na
verdade, trata-se de um novo processo, que seguirá em apenso ao processo original.
A lei foi omissa quanto à possibilidade de prorrogação do prazo para a
conclusão dos trabalhos de revisão. Todavia, diante da previsão contida no art. 180 da
237

Lei nº 8.112/90, de que “aplicam-se aos trabalhos da comissão revisora, no que


couber, as normas e procedimentos próprios da comissão do processo disciplinar”,
infere-se que o prazo estabelecido para a revisão poderá ser prorrogado tantas vezes
quantas forem necessárias ao atingimento do objetivo almejado na revisão.
De acordo com o estabelecido no art. 182 da Lei nº 8.112/90, “julgada
procedente a revisão, será declarada sem efeito a penalidade aplicada,
restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação à destituição do
cargo em comissão, que será convertida em exoneração”. Em nosso modo de pensar,
a redação do artigo não é das melhores. Em primeiro lugar a lei fala em “julgada
procedente a revisão”, quando na verdade o que se deve julgar procedente ou
improcedente é o fundamento da revisão, e não a revisão em si. Em segundo lugar, é
perfeitamente possível que na revisão se chega à conclusão de que a pena foi
excessiva, mas não necessariamente indevida. Por exemplo, a pena no processo
originário é de suspensão por sessenta dias e na revisão chegar-se à conclusão de que
a pena justa seria a advertência. Em síntese, os motivos que fundamentam a revisão
podem ser julgados procedentes, improcedentes ou apenas parcialmente procedentes,
de sorte que nem sempre a penalidade aplicada no processo originário deverá ser
declarada sem efeito como sugere a lei.
No processo de revisão, inverte-se o ônus probatório. Ou seja, enquanto que
no processo original cabe à Administração o ônus de provar a culpabilidade do
investigado, na revisão ocorre o inverso, ou seja, cabe ao servidor (ou ao requerente)
provar a veracidade do fato que motivou o pedido de revisão. Ademais disso, da
revisão não poderá resultar agravamento da pena. Dito em outras palavras, não se
admite na revisão do processo administrativo disciplinar a figura da reformatio in
pejus. Exemplificando: na revisão de um processo do qual havia resultado a imposição
da pena de suspensão por trinta dias não pode a Administração após a revisão impor
a pena de demissão ou suspensão por mais tempo, mesmo diante da emergência de
fatos novos que, em tese, justifiquem tal medida.
Ao que nos parece, a intensão do legislador ao estabelecer a vedação do
reformatio in pejus no processo administrativo disciplinar de revisão foi não
desestimular o requerimento de revisão por parte do servidor apenado por receio de
que da revisão possa resultar pena ainda mais grave do que a imposta no processo
originário. Foi visando esse mesmo objetivo que a Lei nº 9.784/99 estabeleceu que no
processo administrativo deverão ser observados, entre outros critérios, a proibição de
cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei.

15.2.29 – REVISÃO DA DECISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO


Entre os direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão no texto
constitucional se encontra aquele segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Art. 5º, XXXV, CF). Denominado
de princípio da inafastabilidade de jurisdição, assegura que somente o Poder
238

Judiciário tem legitimidade para decidir controvérsias, com força de coisa julgada
material.
Com respaldo na inafastabilidade da jurisdição pode o Judiciário, por exemplo,
anular a pena de demissão imposta ao servidor quando restar comprovado que o
procedimento investigativo padece de vício de ilegalidade (ausência do contraditório,
por exemplo). Nesse caso, a reintegração será automática, fazendo jus o servidor ao
recebimento de todas as vantagens que teria direito caso não tivesse sido afastado do
cargo pela demissão (art. 28 da Lei nº 8.112/90).
No caso em que o agente se sentir lesado, ou na iminência de ter direito seu
violado pela Administração, pode o mesmo se valer do mandado de segurança. Aliás,
o manejo desse instrumento perante o Judiciário tem cabimento até mesmo antes da
instauração do procedimento investigativo (na fase de análise do juízo de
admissibilidade). É o que ocorre, por exemplo, no caso de instauração de
procedimento disciplinar desprovido dos requisitos mínimos de admissibilidade,
circunstância esta que configura constrangimento ilegal. A lógica jurídica é a mesma
adotada no Processo Penal, onde se admite a impetração do habeas corpus como
forma de evitar o constrangimento ilegal provocado pela instauração do inquérito
policial sem os mínimos elementos que o autorizem ou o indiciamento ilegítimo do
investigado.

15.2.29.1 – LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO


Como visto antes, o texto constitucional assegura que a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, significando que somente o
a justiça tem legitimidade para decidir o direito em caráter definitivo.
Nada obstante tal previsão, é pacífico na doutrina e jurisprudência que a
atuação do Poder Judiciário não é ilimitada. O Superior Tribunal de Justiça já se
manifestou sobre o tema, nos seguintes termos:
“É defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo,
cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto de sua legalidade, isto
é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei. Esta solução se funda
no princípio da separação dos poderes, de sorte que a verificação das
razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos
escapa ao controle jurisdicional do Estado”.
Seguindo essa linha de raciocínio, cabe ao Poder Judiciário apenas apreciar a
regularidade do procedimento à luz dos princípios do contraditório, ampla defesa e
devido processo legal, vedada sua incursão no mérito do julgamento administrativo.
Dito em outras palavras, as questões atinentes à justiça e conveniência do ato punitivo
fogem do alcance do Judiciário, sendo de competência exclusiva da administração
pública avaliar o mérito do ato punitivo.
É pertinente deixar claro que o ingresso na via judicial não fica condicionado
239

ao exaurimento dos recursos na via administrativa. Uma vez constatado que o ato
disciplinar se encontra contaminado por vício de ilegalidade, pode o agente que se
sentir prejudicado optar por uma das vias, administrativa ou judicial. A exceção fica
por conta do mandado de segurança, cuja lei que o regulamenta (Lei nº 12.016/2009)
veda a concessão da segurança quando se tratar de ato do qual caiba recurso
administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução.
Por outro lado, é importante deixar claro que a interposição de recurso perante
o Poder Judiciário não pode ser utilizada deliberadamente como forma de impor
obstáculo ao regular andamento do processo, visando obter qualquer tipo de
vantagem. Na prática, essa estratégia é frequentemente utilizada por parte da defesa
quando vislumbra a possibilidade de a pretensão punitiva da Administração ser
atingida pela prescrição. Não podemos nos esquecer que o processo, seja ele
administrativo ou judicial, deve ser pautado pela lealdade, cooperação, urbanidade e
boa-fé. O Poder Judiciário não constitui instrumento posto à disposição de quem quer
que seja para a prática de condutas desonestas.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INVIABILIDADE DE
REVISÃO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA EM MS. PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. REEXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO.
É inviável em MS a revisão de penalidade imposta em PAD, sob o argumento de
ofensa ao princípio da proporcionalidade, por implicar reexame do mérito
administrativo. Precedentes citados: RMS 32.573-AM, DJe 12/8/2011; MS 15.175-
DF, DJe 16/9/2010, e RMS 33.281-PE, DJe 2/3/2012. MS 17.479-DF, Rel. Min.
Herman Benjamin, julgado em 28/11/2012 (Informativo nº 0511).

15.3 – SINDICÂNCIA PUNITIVA


A Lei nº 8.112/90 não traz o conceito de sindicância, nem tampouco definiu
seu rito de tramitação, se limitando a estabelecer que da mesma poderá resultar o
arquivamento do processo, a aplicação da penalidade de advertência ou de suspensão
por até trinta dias, ou ainda a instauração de processo disciplinar (Art. 145). Infere-se
da leitura do dispositivo legal que a sindicância se destina à apuração de infrações
funcionais de menor potencial ofensivo, da mesma podendo ainda resultar a
instauração de processo administrativo disciplinar quando restar comprovada a prática
de infração punida com demissão ou suspensão por mais de trinta dias.
O procedimento apresenta as mesmas fases que subdivide o processo
administrativo disciplinar conduzido pelo rito ordinário, quais sejam, instauração,
inquérito administrativo (que abrange instrução, defesa e relatório) e julgamento. Por
se tratar de procedimento investigativo de cuja conclusão poderá resultar punição, faz-
se necessário proporcionar ao investigado o exercício de todas as garantias inerente
ao contraditório e ampla defesa.
240

O ato inaugural do procedimento investigativo é a publicação da portaria, na


qual deverão constar a identificação dos integrantes da comissão, o prazo para
conclusão dos trabalhos, bem como a menção ao documento que serviu de suporte
para a instauração do procedimento (processo, um relatório de auditoria ou até mesmo
uma denúncia). Assim como ocorre no processo administrativo pelo rito ordinário,
não deve constar na portaria a identificação do agente público investigado nem
tampouco a descrição minuciosa dos fatos ilícitos cuja autoria supostamente é
atribuída ao mesmo, evitando-se dessa forma a exposição desnecessária do servidor e
eventuais questionamentos quanto ao prejulgamento por parte da autoridade
instauradora.
Com a publicação da portaria inaugural interrompe-se a fluência do prazo
prescricional, voltando a correr ininterruptamente após 80 dias. Esse prazo de
interrupção corresponde à soma dos trinta dias iniciais, mais trinta de prorrogação,
mais vinte para a autoridade julgadora terá para proferir a decisão. Após este lapso
temporal o prazo volta a correr sem interrupção.
A lei não estabeleceu nenhuma distinção entre sindicância punitiva e processo
administrativo disciplinar no que diz respeito à constituição da comissão. Todavia, em
14 de novembro de 2018 a Controladoria-Geral da União aprovou a Instrução
Normativa nº 14, em cujo texto ficou definido que a comissão será composta por pelo
menos dois servidores estáveis, designados pela autoridade competente, por meio de
publicação de ato instaurador que indicará, dentre eles, o seu presidente, o qual deverá
ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade
igual ou superior ao do acusado. A Instrução Normativa não especifica o que podemos
entender por “ato instaurador”, sendo intuitivo concluir que pode ser tanto a portaria
como qualquer outro instrumento com aptidão para conferir publicidade ao ato.
A comissão dispõe do prazo de trinta dias para a conclusão dos trabalhos de
apuração, podendo o mesmo ser prorrogado por igual período, tantas vezes forem
necessárias para a conclusão das investigações, a despeito de a lei mencionar que a
prorrogação fica a critério da autoridade superior. Na busca pela verdade material
(real), a comissão deverá adotar todas as medidas que estiverem ao seu alcance para
a elucidação dos fatos. Toda informação que possa contribuir para o esclarecimento
dos fatos (depoimentos de testemunhas, laudo pericial, etc.) deve ser carreada aos
autos, pouco importando se favorável ou desfavorável ao investigado. A finalidade de
qualquer procedimento investigativo deve ser a busca da verdade, e não simplesmente
a punição ou absolvição do investigado.
É oportuno acrescentar ainda que, por se tratar de procedimento submetido ao
contraditório (assim como o processo administrativo disciplinar), a prática de
qualquer ato processual que, pelo menos em tese, possa repercutir na formação da
convicção do colegiado deverá ser dada ciência ao investigado. Nenhuma prova pode
ser produzida às escondidas, sob pena de violação do direito constitucional ao
241

contraditório.
Assim como ocorre no processo administrativo disciplinar conduzido pelo rito
ordinário, ao final dos trabalhos o colegiado elaborará relatório final, o qual deverá
ser conclusivo quando à inocência e à culpabilidade do investigado. Tendo em vista o
seu alcance mais limitado (se comparada com o PAD), na hipótese de se chegar à
conclusão de que o ilícito praticado pelo servidor enseja a imposição de penalidade
de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, deve ser recomendada a
instauração de processo administrativo disciplinar, como forma de viabilizar a
imposição da pena correspondente.

Como visto em tópico pretérito, a lei autoriza a revisão do processo


administrativo a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos
novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a
inadequação da penalidade aplicada. A expressão “processo administrativo” foi
utilizada na lei em sua acepção mais abrangente, incluindo-se tanto o processo
administrativo disciplinar como a sindicância punitiva. Não nos parece razoável
admitir que este procedimento punitivo não seja revisto, mesmo diante do surgimento
de fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a
inadequação da penalidade aplicada. Trata-se, a toda evidência, de silêncio eloquente
da norma, de sorte que não há falar na impossibilidade de previsão de revisão da
sindicância punitiva.

15.3.1 – PROCESSO ADMINISTARTIVO DISCIPLINAR DERIVADO DA


SINDICÂNCIA
Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade
de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração
de processo disciplinar. Isso se deve ao fato de a sindicância ser reservada às
apurações de infrações funcionais de menor potencial ofensivo, punidas com
advertência ou suspensão até trinta dias.
Diante dessa limitação da sindicância, sempre que no curso das investigações
restar comprovada a prática de infração funcional punida com pena mais grave, deve
a comissão processante sugerir à autoridade competente a instauração de processo
administrativo disciplinar, viabilizando dessa forma a imposição de pena mais grave.
Nesse caso, os autos da sindicância integrarão o processo administrativo disciplinar,
como peça informativa da instrução.
É pertinente esclarecer que o fato de a sindicância ter sido reservada à apuração
de infrações de menor potencial ofensivo não significa que a apuração desse tipo de
ilícito deve ser, necessariamente, feita nesse tipo de procedimento. Nada impede que
a Administração utilize o processo administrativo disciplinar pelo rito ordinário,
242

pouco importando o tipo de infração a ser apurada. Ao estabelecer que o processo


administrativo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de
servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação
com as atribuições do cargo em que se encontre investido, a lei não impôs nenhuma
condicionante relacionada ao tipo ou gravidade de infração a ser apurada.
Em nosso modo de pensar, a sindicância deveria ser reservada àquelas
situações em que a administração de antemão já dispõe de elementos suficientes para
assegurar que se trata de infração punida com advertência ou suspensão até trinta dias,
evitando-se dessa forma desperdício de tempo com um procedimento mais complexo,
compatibilizando a atuação da Administração aos princípios da economia e celeridade
processual.

15.4 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PELO RITO SUMÁRIO


Introduzido no estatuto dos servidores públicos pela Lei nº 9.527/97, o
procedimento disciplinar pelo rito sumário é utilizado quando se tratar da apuração
das seguintes infrações disciplinares: a) acumulação ilegal de cargos, empregos ou
funções públicas; b) abandono de cargo; c) inassiduidade habitual. Dada a natureza
da prova a ser produzida na apuração desse tipo de infração, o legislador optou por
estabelecer um procedimento mais célere e simplificado.
Nesse tipo de procedimento a comissão processante terá o prazo de trinta dias,
contados a partir da sua constituição, para concluir as investigações. A lei autoriza a
prorrogação desse prazo por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem.
Diante da omissão no que diz respeito à indicação da quantidade de prorrogações,
prevaleceu na prática administrativa o entendimento segundo o qual poderão ser feitas
tantas prorrogações quantas forem necessárias para a conclusão dos trabalhos.
A adoção desse rito mais célere e simplificado não significa que a comissão
deve se ater à análise das provas previamente constituídas. O direito subjetivo
assegurado ao investigado (de produzir as provas que considere relevantes) deverá ser
sempre viabilizado pela administração, pouco importando o rito da apuração.

15.4.1 – PARTICULARIDADE DA APURAÇÃO DE ACUMULAÇÃO ILEGAL DE


CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA
No caso de acumulação ilegal de cargo ou função pública, antes da instauração
do procedimento disciplinar correspondente a autoridade competente notificará o
servidor para apresentar opção por um dos cargos no prazo máximo de dez dias.
Apenas na hipótese de o mesmo permanecer inerte é que será instaurado o
procedimento sumário, que é subdividido nas seguintes fases: a) publicação do ato
que constituir a comissão; b) indicação da autoria e materialidade da transgressão
objeto da apuração; c) instrução sumária, que compreende indiciamento, defesa e
relatório; e d) julgamento.
Inobstante a lei determine que a notificação deverá ser feita por intermédio da
243

chefia imediata do servidor, entendemos que o procedimento mais adequado é a


notificação ser feita pessoalmente ao servidor. Não vemos nenhuma razão plausível
para o envolvimento da chefia em uma situação que diz respeito exclusivamente ao
servidor que comete a transgressão funcional. Ademais disso, entendemos que a
notificação feita diretamente ao investigado, sem o envolvimento da chefia como
sugere a lei, evita a desnecessária exposição do agente investigado perante outras
pessoas.
A comissão será composta por dois servidores estáveis e a mesma terá o prazo
de três dias para elaborar o termo de indiciamento. Por imperativo legal, nesse
documento deverá constar a indicação da autoria e a materialidade da transgressão
objeto da apuração. Uma vez elaborado o termo de indiciamento, o servidor será
citado pessoalmente para apresentar defesa escrita no prazo de cinco dias, facultando-
lhe ter vista dos autos na repartição. O servidor investigado poderá optar por não
apresentar defesa e, no mesmo prazo de cinco dias, fazer a opção por um dos cargos
ou função pública ocupada, convertendo-se tal ato em pedido de exoneração do outro
cargo. Nesse caso não há falar em punição, dada a presunção de que a escolha
configura demonstração de boa fé da parte do servidor optante.
De posse da defesa o colegiado elaborará relatório conclusivo quanto à
culpabilidade ou inocência do servidor, remetendo-o à autoridade competente. Uma
vez recebido os autos da comissão, a autoridade julgadora dispõe do prazo de cinco
dias para emitir sua decisão.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA BEM DELIMITADA
NO ACÓRDÃO RECORRIDO. AFASTAMENTO DA SÚMULA 7.
CUMULAÇÃO ILÍCITA DE CARGOS OU FUNÇÕES PÚBLICAS. FATO
INCONTROVERSO NO ACÓRDÃO RECORRIDO.
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA
LEGALIDADE, MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. PRESENÇA DO DOLO
GENÉRICO E DO PREJUÍZO PRESUMIDO. ATOS ÍMPROBOS
CARACTERIZADOS.
I - Trata-se de ação civil pública que imputou ao agravado a prática de ato de
improbidade administrativa em face de acumulação ilícita de cargos públicos.
II - Fundamentos fáticos da acumulação ilícita de cargos públicos bem delineados
no acórdão recorrido. Hipótese de revaloração jurídica dos fatos. Afastamento da
Súmula 7 como óbice para o conhecimento do recurso especial. Precedentes: AgInt
no AREsp 824.675/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 29/08/2016, DJe
02/02/2017 e REsp 1245765/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 28/6/2011, DJe 3/8/2011.
244

III - Agente público, por conduta livre e consciente, ocupava dois cargos ou funções
públicas, quais sejam cargo público de Engenheiro Gestor em regime de dedicação
exclusiva e Perito da Receita Federal.
Dolo genérico demonstrado e dano in re ipsa ao erário.
V - Indevida improcedência dos pedidos contidos na ação civil pública por
improbidade administrativa no acórdão recorrido, por violação ao art. 9º, XI, e art.
11 da Lei 8.429/92.
VI - Agravo interno provido.

15.5 – PROCEDIMENTOS ESPECIAIS


São procedimentos submetidos a ritos próprios, seja por serem utilizados na
apuração de infrações de menor potencial ofensivo, seja em razão da qualidade do
agente envolvido na infração objeto da apuração. Os procedimentos especiais mais
utilizados no âmbito da Administração Pública Federal são os seguintes: Termo
Circunstanciado Administrativo - TCA, o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC e
o Processo de Apuração de Responsabilidade de Pessoa Jurídica - PAR.

15.6 – TERMO CIRCUNSTANCIADO ADMINISTRATIVO - TCA


Trata-se de procedimento investigativo simplificado destinado à apuração de
infrações disciplinares de reduzida repercussão econômica e que não justifica a
instauração de qualquer dos procedimentos punitivos previstos pela Lei nº 8.112/90,
quais sejam, sindicância punitiva ou processo administrativo disciplinar.
O Termo Circunstanciado Administrativo não se encontra previsto em lei,
sendo regulado atualmente por instrumentos normativos infralegais. No âmbito do
Órgão Central de Sistema de Correição do Poder Executivo federal o procedimento é
regulado pela Instrução Normativa CGU nº 04, de fevereiro de 2009. Pelo que se
extrai do mencionado normativo, a utilização dessa modalidade de investigação tem
por finalidade evitar a instauração de procedimentos cujo custo de implementação seja
manifestamente desproporcional em relação ao benefício, compatibilizando a atuação
administrativa ao imperativo constitucional da eficiência inserto no caput do art. 37
da nossa Carta Política.
A utilização do termo circunstanciado administrativo ficar reservada aos casos
de conduta não dolosa da qual resulte extravio ou dano a bem público que implica em
prejuízo de pequeno valor, cujo preço de mercado para aquisição ou reparação seja
igual ou inferior ao limite estabelecido como de licitação dispensável. Vejam o que
diz a Lei nº 8.666/93 sobre as licitações dispensáveis:
Lei nº 8.666/93
Art. 24. É dispensável a licitação:
[...]
245

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do
limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para
alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a
parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que
possa ser realizada de uma só vez.
A avaliação a ser feita sobre a conduta objeto da apuração proibida para fins
de utilização do Termo Circunstanciado Administrativo fica restrita ao elemento
subjetivo da conduta (dolo ou culpa) e ao valor econômico do prejuízo. Nessa ordem
de ideia, se a conduta ilícita for praticada a título de dolo ou não for passível de
mensuração econômica (como é o caso da maioria dos deveres e proibições elencados
pelos artigos 116 e 117 da Lei nº 8.112/90) não cabe a adoção dessa modalidade de
apuração.

15.6.1 – ASPECTOS PROCESSUAIS


O Termo Circunstanciado Administrativo será lavrado pelo chefe do setor
responsável pela gerência de bens e materiais na unidade administrativa ou, caso tenha
sido ele o servidor envolvido nos fatos, pelo seu superior hierárquico imediato. No
termo deverá constar a qualificação do agente público envolvido e a descrição sucinta
dos fatos que acarretaram o extravio ou o dano do bem, assim como o parecer
conclusivo do responsável pela sua lavratura. Uma vez concluído o TCA, o
responsável pela sua lavratura encaminhará o mesmo à autoridade máxima da unidade
administrativa em que estava lotado o servidor à época dos fatos, que decidirá quanto
ao acolhimento (ou não) da proposta sugerida no parecer elaborado ao final do termo.
No ato de julgamento, caso a autoridade competente chegue à conclusão de
que o fato gerador do extravio ou do dano decorreu do uso regular do bem ou de
fatores alheios à vontade agente, a apuração será encerrada e os autos serão
encaminhados ao setor responsável pela gerência de bens e materiais da unidade
administrativa para prosseguimento quanto aos demais controles patrimoniais
internos. Por outro lado, se constatado que o dano ou o extravio do bem público
resultaram de conduta culposa do agente, o encerramento da apuração para fins
disciplinares estará condicionado ao ressarcimento ao erário do valor correspondente
ao prejuízo causado, que deverá ser feito pelo causador no prazo de cinco dias,
prorrogado pelo dobro mediante comprovada justificação.
Infere-se, portanto, que são dois os requisitos para o encerramento do processo:
a) o ressarcimento integral do dano; e b) a observância do prazo de cinco dias para
efetuar a reparação do dano, prorrogáveis por mais dez dias (dobro de cinco),
mediante comprovada justificação. O servidor causador do prejuízo tem à sua
disposição três meios alternativos para efetuar o ressarcimento, quais sejam: a)
mediante pagamento em dinheiro; b) entrega de outro bem de características iguais ou
superiores ao danificado ou extraviado; e c) mediante a prestação de serviço que
restitua o bem danificado às condições anteriores.
246

Como dito antes, a utilização do Termo Circunstanciado Administrativo como


forma de apuração de responsabilidade de servidor pública fica restrita aos casos em
que não há indícios de conduta dolosa do agente. Nessa linha de raciocínio, quando
se tratar de conduta dolosa ou, ainda que culposa, o agente se recusar a fazer o
ressarcimento, a apuração deverá ser conduzida na forma estabelecida no Título V da
Lei nº 8.112/90, ou seja, mediante a instauração de sindicância punitiva ou processo
administrativo disciplinar.

15.7 - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TAC


Trata-se de procedimento administrativo simplificado utilizado no âmbito dos
órgãos e entidades vinculadas ao Poder Executivo Federal. Na sua essência, funciona
como uma espécie de instrumento alternativo de solução consensual de conflitos,
evitando-se dessa forma a instauração de um dos procedimentos punitivos previsto
pela Lei nº 8.112/90, com todos os custos que lhe são inerentes. Nesse tipo de
procedimento o agente infrator, mediante condições previamente estabelecidas, se
compromete a ajustar sua conduta e a observar os deveres e proibições previstos na
legislação vigente.
A solução consensual mediante a celebração do Termo de Ajustamento de
Conduta se aplica às infrações de menor potencial ofensivo, assim entendendo aquelas
punidas com advertência ou suspensão até trinta dias, ou penalidade equivalente
quando o envolvido for servidor com vínculo efetivo com a administração, ou com
advertência no caso de servidor que ocupa apenas cargo em comissão.
Inobstante a razoabilidade das opiniões em sentido contrário, defendemos a
tese de que o Termo de Ajustamento de Conduta, nos moldes em que foi previsto,
deveria ter sido instituído por lei, e não por instrumento normativo infralegal, tendo
em vista que muitos dos seus dispositivos vão de encontro ao que estabelece a Lei nº
8.112/90. Como é sabido, pelo princípio da hierarquia das leis, não pode uma norma
de hierarquia superior ser revogada ou alterada por outra de hierarquia inferior.
Explicando melhor: um preceito constitucional (hierarquicamente superior) não pode
ser revogado ou alterado por lei ou por decreto (inferior hierarquicamente), mas
somente por emenda à constituição. Nessa linha de raciocínio, entendemos que uma
regra criada por lei não pode ser alterada ou revogada por portaria e instrução
normativa.
Ao tratar do regime disciplinar do servidor público federal, a Lei ordinária nº
8.112/90 definiu peremptoriamente um rol de deveres e proibições a que esses
servidores públicos se submetem, bem como as punições para o caso de violação dos
mesmos. Qualquer alteração ou revogação dos preceitos ali contidos necessariamente
deverá ser feita por outra lei ordinária ou por norma de hierarquia superior (lei
complementar ou emenda constitucional). Todavia, em flagrante desrespeito ao
princípio da hierarquia das normas, o Órgão Central do Sistema de Correição do Poder
247

Executivo Federal editou a Instrução Normativa 04/2020, estabelecendo uma forma


especial (menos severa) de punição das infrações para as quais a Lei nº 8.112/90
previu a pena de advertência ou suspensão até trinta dias.
Grosso modo, o Termo de Ajustamento de Conduta criado pela IN CGU nº
04/2020 corresponde à transação penal e à suspensão condicional do processo,
utilizadas na esfera criminal. A principal diferença é que no processo penal esses
institutos foram criados por lei (Lei nº 9.099/95), e não por normativo infralegal como
ocorreu com a instituição do TCA. Em nossa modesta opinião, o problema poderia ser
contornado com o simples acréscimo de um parágrafo ao artigo 131 da Lei nº
8.112/90, autorizando a substituição das penas de advertência e suspensão até trinta
dias nos moldes estabelecido pela IN 04/2020, disciplinado por instrumento
normativo infralegal (Instrução Normativa) apenas os aspectos processuais, desde que
não conflitantes com a lei.

15.7.1 – SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO


A Constituição Federal em vigor estabelece no art. 37, §5º, que a lei
estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento. Por tudo que ficou estabelecido no texto constitucional, não resta
dúvida de que prescrição constitui matéria submetida à reserva legal, ou seja, somente
pode ser disciplinada por lei em sua acepção estrita (lei submetida à discussão e
votação pelo Parlamento).
Inobstante esse entendimento, na IN/CGU nº 04/2020 ficou estabelecido que a
celebração do Termo de Ajustamento de Conduta suspende a contagem do prazo de
prescrição até o recebimento pela autoridade celebrante da declaração de
cumprimento das condições estabelecidas no termo. Ou seja, temos aqui uma causa
de suspensão de prazo prescricional instituída por instrução normativa, e não por lei
como deveria ter sido, em desrespeito ao princípio da hierarquia das normas.
Atualmente não há consenso na doutrina quando à competência dos Estados e
Distrito Federal para legislarem sobre prescrição e decadência. Há uma corrente
doutrinária que advoga a tese de que a competência para legislar sobre essas matérias
é privativa da União. Por outro lado, há uma segunda corrente que defende a tese de
que os Estados e o Distrito Federal também dispõem de competência para legislar
sobre o tema. Tendo em vista a delimitação do objetivo desta obra não vamos aqui
adentrar no mérito do assunto. O que nos parece incontroverso é que normas
infralegais, como é o caso da instrução normativa, não constituem instrumentos
normativo legítimo para dispor sobre suspensão de prazo prescricional. Já foi dito
antes, mas não custa nada repetir, de acordo com o princípio da hierarquia das leis,
norma hierarquicamente inferior não pode modificar ou revogar norma
hierarquicamente superior.
248

15.7.2 – ASPECTOS PROCESSUAIS


A proposta de celebração do Termo de Ajustamento de Conduta poderá ser
feita pela autoridade competente para a instauração do correspondente procedimento
disciplinar punitivo, pode ser sugerida pela comissão responsável pela condução do
procedimento disciplinar ou requerida pelo servidor interessado. Infere-se, portanto
que é possível a celebração do termo de ajustamento antes ou durante a tramitação do
correspondente processo disciplinar punitivo.
Na situação em que o processo disciplinar já se encontrar em tramitação, a
proposta de celebração do ajuste deverá ser feita pela parte interessada (investigado)
no prazo de dez dias contados do recebimento da notificação prévia. A celebração do
termo fica a cargo da autoridade competente para a instauração do respectivo processo
disciplinar punitivo, sendo imprescindível que o requerente preencha os seguintes
requisitos: a) não conste em seus assentamentos funcionais registro de punição
disciplinar anterior; b) não tenha firmado termo de ajustamento de conduta nos
últimos dois anos; e c) tenha ressarcido, ou se comprometido a ressarcir, eventual dano
causado à Administração Pública.
No Termo de Ajustamento de Conduta necessariamente deverá constar: a) a
qualificação do agente público envolvido; b) os fundamentos de fato e de direito para
a sua celebração; c) a descrição das obrigações assumidas pelo agente; d) o prazo e a
forma de cumprimento das obrigações; e e) a forma de fiscalização do cumprimento
das obrigações assumidas.
O estabelecimento das obrigações a serem cumpridas pelo servidor deverá ser
pautado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo a
compatibilizá-las com a rejeição social da conduta e com o prejuízo (de natureza
econômica ou não) causado à Administração Pública. Em última análise, a penalidade
disciplinar é substituída pelas obrigações a serem cumpridas pelo transgressor,
servindo as mesmas como prevenção de novas infrações. Essas obrigações poderão
compreender, dentre outras: a) reparação do dano causado; b) retratação do
interessado; c) participação em curso visando à correta compreensão dos seus deveres
e proibições ou à melhoria da qualidade do serviço que desempenha; d) acordo
relativo ao cumprimento de horário de trabalho e compensação de horas não
trabalhadas; e) cumprimento de metas de desempenho; e f) sujeição a controles
específicos relativos à conduta irregular praticada.
A presença da expressão “entre outas” na redação do dispositivo que disciplina
o assunto indica que se trata de rol meramente exemplificativo, podendo a
administração impor outro tipo de obrigação, desde que haja compatibilidade da
mesma com a infração que deu ensejo à celebração do Termo de Ajustamento de
Conduta. O prazo de cumprimento das obrigações não poderá exceder a dois anos e o
seu descumprimento por parte do servidor caracteriza deslealdade para com a
instituição pública celebrante, ensejando a instauração ou a continuidade do
249

respectivo procedimento disciplinar, sem prejuízo da responsabilização do agente pelo


descumprimento do ajuste.
A eficácia do termo de ajustamento de conduta fica condicionada ao efetivo
adimplemento de condições suspensivas estabelecidas no mesmo, de sorte que a
celebração do termo implica a suspensão do prazo prescricional até a data do
cumprimento dessas condições. Ou seja, até o recebimento pela autoridade
competente da declaração de cumprimento das condições estabelecidas no Termo de
Ajustamento de Conduta.

15.8 – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ENVOLVENDO


EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
A apuração de infrações funcionais envolvendo empregados de empresas
públicas e sociedades de economia mista é disciplinada por normativos infralegais
emanados do próprio órgão ou entidade vítima da infração. Por se tratar de
procedimento punitivo, constitui direito subjetivo do investigado exercer todas as
garantias inerentes ao contraditório e à ampla defesa. Na ausência de normativo que
trate do assunto, aplica-se, por analogia, as disposições estabelecidas pela Lei nº
8.112/90 para os procedimentos acusatórios.
Aos empregados de empresa pública e sociedade de economia mista poderão
ser aplicadas as seguintes penalidades disciplinares: advertência, suspensão por até
trinta dias, rescisão do contrato de trabalho por justa causa e outras penalidades
previstas em normativos internos.
O processo administrativo disciplinar envolvendo empregados de empresas
públicas e sociedade de economia mista é pautado pelo princípio da imediatidade,
segundo o qual a pena deixa de fazer sentido, ou seja, se torna desnecessária, sempre
que não for imposta dentro de um prazo razoável após a prática da falta que lhe deu
causa, sob pena de restar configurado aquilo que na doutrina é conhecido por perdão
tácito. A imediatidade tem o mesmo fundamento da prescrição, qual seja, a passagem
do tempo e a inércia do detentor do direito de punir.
A imediatidade da pena visa proporcionar segurança jurídica nas relações
empregador/empregado, que não seria alcançada caso a parte mais frágil da relação
(empregado) ficasse indefinidamente sob a ameaça de ser punido por uma falta
funcional. Com base nesse princípio, de duas, uma: ou a pena é necessária e deve ser
imposta em um prazo razoável (e não de imediato, como sugere o nomen juris
atribuído ao princípio) ou a mesma é desnecessária. Não há fundamento jurídica
plausível que justifique o empregado ficar ad aeternum sob a ameaça de punição, nem
tampouco a prerrogativa de o órgão ou entidade empregadora apurar a infração e
impor a pena correspondente no momento que melhor lhe aprouver.
250

Jurisprudência sobre o tema


TRT 2 Região. Salário. Descontos a título de faltas. Perdão tácito. Ausência
injustificada ao trabalho não descontada no mesmo mês em que ocorreram.
Princípio da imediatidade na aplicação da penalidade cabível. CLT, art. 462.
«O exercício do poder disciplinar inerente ao empregador deve obediência ao
princípio da imediatidade, sob pena de desautorizar a aplicação da penalidade
cabível à época dos fatos. Nesse contexto, eventuais atrasos ou ausências
injustificadas ao serviço não descontados no mesmo mês em que ocorridos, atrai a
presunção de terem sido perdoados, tacitamente.
TRT 2 Região. Justa causa imediatidade e perdão tácito justa causa. Imediatidade.
Por óbvio, a justa causa invocada para o despedimento do empregado deve ser atual,
perdendo a eficácia uma falta pretérita, ocorrida muito tempo antes. Segue-se, como
consequência, a imediatidade, que deve existir entre a prática da falta e o
despedimento do empregado, princípio este consagrado pelo direito do trabalho.
Assim, há uma norma geral. A rescisão deve ser imediata à justa causa praticada. A
ausência de imediatidade leve ao perdão tácito. Todavia, a imediatidade não
significa no mesmo instante, há que se ter em conta a realidade dos fatos, bem como
a existência de trâmites internos para a concretização da medida que pode levar
determinado tempo, notadamente se considerando que a reclamada é uma empresa
de grande porte. O lapso temporal de 12 dias decorrido entre o recebimento do
memorando que indicava que o atestado não correspondia à realidade e a dispensa
não significa perdão tácito, uma vez que, como dito, se trata de pessoa jurídica de
grande porte e que certamente possui procedimentos internos.

15.9 – APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE PESSOA JURÍDICA


Previsto pela Lei nº 12.846, de 01/08/2013 (denominada de lei anticorrupção),
é o procedimento administrativo submetido ao contraditório e à ampla defesa que tem
por finalidade apurar a responsabilidade de pessoa jurídica pela prática de atos lesivos
à Administração Pública, nacional ou estrangeira.
Para fins de responsabilização da pessoa jurídica, são considerados atos lesivos
à administração pública, nos termos do art. 5º do mencionado diploma legal, todos
aqueles praticados por sociedades empresárias; sociedades simples; fundações ou
associações de entidades ou pessoas, que atentem contra o patrimônio público
nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente
público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo
251

subvencionar a prática dos atos ilícitos;


III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar
ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos
praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento
licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de
vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de
licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações
ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem
autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos
instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos
celebrados com a administração pública.
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes
públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e
dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
Como se percebe, a punição não incide apenas sobre aos atos configuradores
de corrupção como sugere o título atribuído ao normativo (lei anticorrupção),
abarcando todo comportamento que viola dispositivos legais e princípios aplicáveis à
Administração Pública, inclusive os atos infracionais relacionados a procedimentos
licitatórios. Além disso, trata-se de rol meramente exemplificativo, de modo que a
punição pode incidir sobre a prática de qualquer outro ato, desde que o mesmo vise o
benefício da empresa transgressora, em detrimento dos interesses da administração.

15.9.1 – RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA


São duas as modalidades de penas administrativas passíveis de serem impostas
às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos à Administração
Pública nacional ou estrangeira: 1) multa pecuniária; e 2) publicação extraordinária
da decisão condenatória. As duas espécies de punições podem ser aplicadas de forma
fundamentada, isolada ou cumulativamente, levando-se em consideração as
peculiaridades do caso concreto, a gravidade e natureza das infrações, sem prejuízo,
252

em qualquer hipótese, da obrigação da reparação integral do dano causado.

15.9.2 – CÁLCULO DA MULTA


A pena de multa é calculada em duas fases distintas, sendo que na primeira
calcula-se a multa base. Sobre essa multa base incidirão (na segunda fase) as
circunstâncias favoráveis à pessoa jurídica, chegando-se ao valor real da multa a ser
paga pela pessoa jurídica infratora.
Primeira fase
Em um primeiro momento calcula-se os valores correspondentes aos seguintes
percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da
instauração do processo de responsabilização, excluindo-se desse valor os tributos:

1% a 2,5% Quando houver continuidade do ato lesivo no tempo.

1% a 2,5% No caso de tolerância ou ciência da infração por parte de pessoas do corpo diretivo ou
gerencial da pessoa jurídica.

1% a 4% No caso em que o ato lesivo causar interrupção no fornecimento de serviço público ou na


execução de obra contratada.

Para a situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral
- SG e de Liquidez Geral - LG superiores a um e de lucro líquido no último exercício anterior
ao da ocorrência do ato lesivo.
Solvência Geral - SG: é o índice que mede a capacidade que a empresa possui de pagar as
1% suas dívidas para com terceiros. O índice é obtido pela divisão do ativo total pelo passivo
circulante mais passivo não circulante.
Liquidez Geral - LG: indica o valor dos bens e direitos realizáveis que a empresa possui
para pagar suas dívidas perante terceiros. O índice corresponde ao resultado da operação
ativo circulante mais ativo realizável a longo prazo, dividido pelo passivo circulante mais
passivo exigível a longo prazo.

5% No caso de reincidência, consistente na prática de nova infração, idêntica ou não à anterior


em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior.

No caso em que a pena base tiver como parâmetro o valor dos contratos
mantidos ou pretendidos com o órgão ou entidade lesado, serão considerados, na data
da prática do ato lesivo, os seguintes percentuais:

1% Em contratos acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).

2% Em contratos acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

3% Em contratos acima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).

4% Em contratos acima de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais).

5% Em contratos acima de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais).


253

Segunda fase
Uma vez conhecido a valor da multa base, desse valor serão subtraídos os
valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa
jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:

1% No caso de não consumação da infração.

1,5% No caso de comprovação de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos a que tenha dado
causa.

1% a 1,5% Para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato
lesivo, independentemente do acordo de leniência.

2% No caso de comunicação espontânea pela pessoa jurídica antes da instauração do PAR


acerca da ocorrência do ato lesivo.

1% a 4% No caso em que a entidade comprova que possuir e aplicar um programa de integridade.

Caso não seja possível a utilização do critério do faturamento bruto da pessoa


jurídica no ano anterior ao da instauração do processo de responsabilização, os
percentuais anteriores terão como base o faturamento bruto do ano da instauração do
processo ou o montante do valor recebido pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano
em que ocorreu o ato lesivo à Administração Pública nacional ou estrangeira. Nesse caso,
a multa terá como limites mínimo e máximo, seis mil e sessenta mil reais,
respectivamente.
Em qualquer hipótese, o valor final da multa terá como limite mínimo o maior
valor entre a vantagem auferida e o valor correspondente a um décimo por cento do
faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos
os tributos ou, seis mil reais, caso não seja possível utilizar o critério do valor do
faturamento bruto da pessoa jurídica no ano anterior ao da instauração ao PAR. Terá
como limite máximo o menor valor entre o equivalente a 20% do faturamento bruto
do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos e três
vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida.

15.9.3 – PUBLICAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DA DECISÃO CONDENATÓRIA


A aplicação da pena consiste na publicação, pela própria empresa sancionada
e às suas expensas, da decisão administrativa sancionadora na forma de extrato de
sentença. A lei exige como requisito de validade da publicação o cumprimento
cumulativo dos seguintes requisitos:
a) a publicação em meio de comunicação de grande circulação na área da
prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de
circulação nacional;
b) divulgação por meio de edital afixado no próprio estabelecimento ou no
254

local de exercício da atividade, em localidade que permita a visibilidade pelo público,


pelo prazo mínimo de trinta dias; e
c) divulgação em seu sítio eletrônico, pelo prazo de trinta dias e em destaque
na página principal do referido sítio.

15.9.4 – SUJEITO ATIVO DO ATO LESIVO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Como visto em passagem pretérita, sujeito ativo de qualquer transgressão é a
pessoa que viola a norma incriminadora, seja na condição de autor, coautor ou
partícipe.
De acordo com a Lei nº 12.846/2013, podem figurar como autor de ato lesivo
contra a Administração Pública nacional ou estrangeira as sociedades empresárias e
as sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de
organização ou modelo societário adotado, bem como as fundações, associações de
entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou
representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que
temporariamente.
A presença da expressão “personificada ou não” indica que, para fins de
responsabilização da pessoa jurídica, é indiferente o fato de a mesma se encontrar
constituída legalmente, ou seja, com o respectivo ato de constituição (contrato
social) registrado no órgão governamental competente. Sendo assim, a sociedade de
fato pode figurar na condição de sujeito ativo de ato lesivo à Administração Pública.
Pode figurar, na condição de partícipe ou coautor, o dirigente ou administrador da
pessoa jurídica envolvida no ilícito, respondendo o mesmo (dirigente ou
administrador) na medida da sua culpabilidade.

15.9.5 – ASPECTOS PROCESSUAIS


Por imperativo legal, a autoridade competente para a instauração do processo
de responsabilização de pessoa jurídica, ao tomar ciência da possível ocorrência de
ato lesivo à Administração Pública Federal, em sede de juízo de admissibilidade e
mediante despacho fundamentado, adotará uma das seguintes medidas: a) instaurar
investigação preliminar; b) instaurar processo de apuração de responsabilidade de
pessoa jurídica; ou c) determinar o arquivamento da matéria.
Em qualquer caso, seja a decisão pela instauração da investigação preliminar,
do processo de responsabilização ou pelo arquivamento da matéria, a mesma deverá
ser devidamente fundamentada, sob pena de nulidade. Esse tipo de decisão, como ato
administrativo que é, tem na motivação um de seus requisitos de validade.

15.9.6 – PROCESSO DE APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE PESSOA


JURÍDICA - PAR
Trata-se de procedimento não sigiloso, de natureza punitiva, no qual será
assegurado à sociedade investigada acompanhar o processo pessoalmente ou por
255

advogado legalmente constituído, com todas as garantias inerentes ao direito


constitucional ao contraditório e ampla defesa. O prazo para a conclusão do processo
administrativo de responsabilização não excederá cento e oitenta dias, admitida a
prorrogação mediante solicitação do presidente da comissão à autoridade
instauradora, que decidirá de forma fundamentada. A lei foi omissa no que diz respeito
à duração do novo prazo, bem como quanto à possibilidade de novas prorrogações.
Diante da lacuna legal, defendemos a tese de que deverá ser adotado o entendimento
até então aplicado no processo administrativo regido pela Lei nº 8.112/90,
prorrogando-se o prazo quantas vezes se fizerem necessárias para a conclusão das
investigações.
O processo será conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores
estáveis. Após uma avaliação preliminar dos fatos e circunstâncias conhecidas, o
colegiado intimará a pessoa jurídica suspeita de prática de ato lesivo para, no prazo
de trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que pretende
produzir.
Serão recusadas pela comissão, mediante decisão fundamentada, provas
consideradas ilícitas, impertinentes, desnecessárias, meramente protelatórias ou
intempestivas. Na hipótese de a pessoa jurídica investigada apresentar em sua defesa
dados ou documentos que comprovem a existência de programa de integridade, o
colegiado os examinará, para fins de atenuação de eventual penalidade a ser aplicada.
Segundo o disposto pelo art. 41 do decreto que regulamenta a Lei
Anticorrupção, “o programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa
jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública,
nacional ou estrangeira”.
No curso do processo de responsabilização as intimações serão feitas por meio
eletrônico, via postal ou por qualquer outro meio que assegure a certeza de ciência da
pessoa jurídica investigada. Na hipótese de a intimação por meio eletrônico não
alcançar a finalidade almejada, a mesma deverá ser feita por edital a ser publicado na
imprensa oficial, em jornal de grande circulação no estado da federação em que a
pessoa jurídica tenha sede, e no sítio eletrônico do órgão ou entidade pública
responsável pela apuração. Nesse caso o prazo para apresentação da defesa será
contado a partir da última data de publicação do edital.
Como forma de proporcionar à entidade investigada o exercício do
contraditório e ampla defesa, a lei faculta à mesma acompanhar o processo
administrativo de responsabilização por meio de seu representante legal ou
procurador, sendo-lhes assegurado amplo acesso aos autos, sem os tirar da repartição
pública, admitindo-se, no entanto, a retirada de cópia.
256

No decorrer das investigações a comissão poderá propor à autoridade


instauradora a adoção das seguintes medidas, sendo algumas de natureza cautelar: a)
suspensão dos efeitos do ato ou do processo objeto da investigação, b) solicitar a
atuação de especialistas com notório conhecimento para auxiliar na análise da matéria
sob exame; e c) solicitar ao órgão de representação judicial da entidade lesada que
requeira as medidas necessárias para a investigação e o processamento das infrações,
inclusive de busca e apreensão, no país ou no exterior.
Ao final dos trabalhos será elaborado relatório conclusivo a respeito dos fatos
apurados e da eventual responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, no qual o
colegiado deverá sugerir, de forma motivada, as sanções a serem aplicadas, a
dosimetria da pena de multa ou o arquivamento do processo. Esse relatório deverá ser
encaminhado à autoridade competente para julgamento, sendo imprescindível a prévia
manifestação do órgão de assessoria jurídica.
Caso seja verificada a ocorrência de eventuais ilícitos a serem apurados em
outras instâncias (cível, criminal ou tributária), o relatório será encaminhado pela
autoridade julgadora: a) ao Ministério Público; b) à Advocacia-Geral da União e seus
órgãos vinculados, no caso de órgãos da administração pública direta, autarquias e
fundações públicas federais; ou c) ao órgão de representação judicial ou equivalente
no caso de órgãos ou entidades da Administração Pública não abrangidos pelo item b.
A medida nos parece salutar, pois de posse da documentação produzida nos autos do
processo de responsabilização essas entidades poderão adotar as medidas legais nas
respectivas áreas de competência.
Do decreto administrativo sancionador cabe pedido de reconsideração com
efeito suspensivo, no prazo de dez dias, contado da data de publicação da decisão.
Nesse caso, a autoridade julgadora terá o prazo de trinta dias para decidir sobre a
matéria alegada no recurso, mediante a publicação de nova decisão. No caso de não
provimento do recurso será concedido à pessoa jurídica novo prazo de trinta dias para
cumprimento das sanções que lhe foram impostas, contado da data de publicação da
decisão denegatória do recurso. Na hipótese em que a pessoa jurídica sancionada
permanece inerte e não apresenta recurso, a mesma deverá cumprir a sanção imposta
no prazo de trinta dias, contado do fim do prazo que teria para a interposição do
recurso de reconsideração.

15.9.7 – COMPETÊNCIA NO PROCESSO DE RESPONSABILIZAÇÃO


Em nosso modo de ver, o legislador pecou pela falta de clareza ao disciplinar
a competência em matéria de processo de responsabilização de pessoa jurídica pela
prática de ato ilícito contra a Administração.
De acordo com o estabelecido pelo art. 8º da Lei 12.846/13, “a instauração e
o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de
pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes
257

Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação,


observados o contraditório e a ampla defesa”. O § 2º do mesmo artigo estabelece que
“no âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá
competência concorrente para instaurar processos administrativos de
responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com
fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o
andamento”.
Já o art. 16 do mesmo diploma legal diz que “a autoridade máxima de cada
órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas
jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem
efetivamente com as investigações e o processo administrativo ...”. Por fim, reza o §
10 do mesmo artigo 16 que “a Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão
competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo
federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública
estrangeira”.
A interpretação conjugada dos quatro dispositivos nos permite chegar à
conclusão de que a lei trata de duas espécies de competências: uma para a instauração
e julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidades de pessoa
jurídica e outra para a celebração do acordo (que ocorre no bojo do processo).
Instauração e julgamento: No âmbito do Poder Executivo Federal a
competência para a instauração e o julgamento de processo administrativo de
responsabilização de pessoa jurídica é da autoridade máxima de cada órgão, dispondo
a Controladoria-Geral da União de competência concorrente para a instauração, além
de poderes para a avocação de processos, para exame de sua regularidade ou para
corrigir-lhes o andamento. Nos Poderes Legislativo e Judiciário essa competência será
sempre da autoridade máxima de cada órgão.
Celebração do acordo: No Poder Executivo a competência para a celebração
do acordo de leniência resultante do processo administrativo de apuração de
responsabilidade de pessoa jurídica é privativa da Controladoria-Geral da União. Nos
Poderes Legislativo e Judiciário a competência é da autoridade máxima de cada órgão.

15.9.8 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


Personalidade jurídica é a aptidão genérica atribuída a toda pessoa (seja física
ou jurídica) para adquirir direitos e obrigações.
No capítulo dedicado à responsabilidade patrimonial, o Código de Processo
Civil estabelece que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros
para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei (Art.
789). Infere-se do comando legal que responsabilidade patrimonial é o vínculo que se
estabelece entre o patrimônio pertencente a uma pessoa, física ou jurídica, e uma
obrigação da mesma natureza.
258

Ainda na seara da responsabilidade patrimonial, a redação do artigo


supramencionado deixa claro que a regra é o devedor responder com todos os seus
bens particulares pelas obrigações a ele vinculadas, salvo as exceções previstas em
lei, como é o caso dos bens legalmente reputados impenhoráveis ou inalienáveis.

15.9.8.1 – CONCEITO E FINALIDADE


O incidente de desconsideração da personalidade jurídico (disregard
doctrine) é o instituto de natureza processual que tem por finalidade desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade para atingir o patrimônio dos sócios, sempre que
forem revelados abusos caracterizados pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial dos sócios e da entidade. No ordenamento jurídico brasileiro, a
desconsideração da personalidade jurídica tem previsão no art. 50 do Código Civil,
que apresenta a seguinte redação:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Os parágrafos primeiro e segundo do mesmo artigo trazem os conceitos de
desvio de finalidade e confusão patrimonial:
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a
utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato
entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do
administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações,
exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
É importante deixar claro que a finalidade do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica não é transformar o sócio da sociedade em devedor, mas tão
somente estender a responsabilidade ao mesmo, permitindo dessa forma que os
seus bens pessoais sejam atingidos para fazer frente ao débito que continua sendo da
sociedade. Para que isso ocorra faz-se necessária a presença de um requisito de
natureza objetiva – insuficiência patrimonial do devedor - e de outro de natureza
subjetivo – desvio de finalidade ou confusão patrimonial por meio da fraude ou abuso
259

de direito.

15.9.8.2 – ORIGEM HISTÓRICA


Nada obstante não se tratar do primeiro caso ocorrido no mundo, os
processualistas são unânimes em apontar como precedente histórico da
desconsideração da personalidade jurídica o caso ocorrido na Inglaterra envolvendo o
fabricante de botas Aron Salomon. Na segunda metade do século XIX Salomon
constituiu uma sociedade de responsabilidade limitada cujos sócios eram seus filhos,
ele e sua esposa. Tinha como principal cliente o governo inglês, a quem vendia quase
a totalidade de sua produção de botas e sapatos. No entanto, em razão de uma série de
greves o governo inglês decidiu diversificar seus fornecedores, reduzindo
consideravelmente o faturamento da sociedade da família Salomon, vindo a mesma a
entrara em processo de falência em 1893, causando grande prejuízo aos seus
fornecedores.
Surgiu então naquela época uma discussão nos tribunais sobre a possibilidade
de imputação de responsabilidade a Aron Salomon, envolvendo o seu patrimônio
pessoal no pagamento das dívidas da sociedade insolvente. As decisões iniciais dos
magistrados foram no sentido de atingimento do patrimônio dos sócios, por
entenderem que houve abuso dos privilégios inerentes à sociedade e que esta
(sociedade) representava mero artifício utilizado pela família para fraudar credores.
Todavia, a decisão final proferida pela Câmara dos Lordes foi unânime em defender
a legalidade da constituição da sociedade familiar, sendo indiferente o fato do
patriarca Aron Salomon ser o detentor da quase totalidade do capital social.

15.9.8.3 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA LEI


ANTECORRUPÇÃO
A lei que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas
pela prática de atos lesivos contra a Administração Pública (Lei nº 12.846/2013)
estabelece em seu art. 14 que “a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada
sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a
prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial,
sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus
administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório
e a ampla defesa”. Como não poderia ser diferente, a medida tem como finalidade
garantir a integral reparação do dano causado pelo ato lesivo ao ente público
prejudicado.
A Lei Anticorrupção aponta como fundamentos da desconsideração da
personalidade jurídica o “abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a
prática dos atos ilícito”, diferentemente do que ocorre no Código Civil, onde os
fundamentos são o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Ao que tudo indica,
a intenção do legislador ao utilizar o termo genérico “abuso de direito” foi conferir
260

maior alcance ao dispositivo legal, abarcando outras condutas ilícitas e não tão
somente o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.
A desconsideração da personalidade jurídica se torna desnecessário na hipótese
de coautoria, ou seja, quando o ilícito for praticado pela pessoa jurídica e pelos sócios.
Nesse caso, ambos responderão com seus patrimônios pessoais pela reparação do
dano causado à administração pública, não havendo razão para o manejo do incidente
processual em questão.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


AgInt no AREsp 491300 / ES
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2014/0064350-6
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. GRUPO
ECONÔMICO CONFIGURADO. CITAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE.
PRAZO PRESCRICIONAL. INEXISTÊNCIA. DECISÃO MANTIDA.
1. "Esta Corte se manifestou em diversas ocasiões no sentido de ser possível atingir,
com a desconsideração da personalidade jurídica, empresa pertencente ao mesmo
grupo econômico, quando evidente que a estrutura deste é meramente formal" (REsp
1.071.643/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe
13/4/2009). 2. "Sob a égide do CPC/73, a desconsideração da personalidade
jurídica pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se
garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla defesa.
Precedentes" (REsp 1.735.004/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, DJe 29/6/2018). 3. A desconsideração da personalidade jurídica pode ser
postulada a qualquer tempo, não havendo prazo prescricional. 4. Agravo interno a
que se nega provimento.

15.9.9 – ACORDO DE LENIÊNCIA


O acordo de leniência consiste na possibilidade de uma empresa diretamente
envolvida em atos lesivos à Administração Pública colaborar de forma eficaz na
identificação de outras empresas envolvida e na obtenção célere de informações e
documentos que comprovem o ilícito objeto da apuração, obtendo em contrapartida a
suavização das penalidades legalmente estabelecidas na lei. Em síntese, a empresa
colabora para a elucidação dos fatos em troca da atenuação da punição.
O acordo de leniência constitui ato administrativo com dupla finalidade, visto
que serve tanto como mecanismo de investigação e como meio de defesa posto à
disposição da entidade infratora. A celebração desse tipo de acordo é de vital
importância no combate ao crime organizado, notadamente levando-se em
consideração que sem a colaboração de uma das entidades coautores da infração
261

dificilmente a Administração teria condições de comprovar a participação dos demais


envolvidos. Nos países do Comum Law (onde o instituto é mais utilizado) a justiça
negociada e os acordos feitos entre a parte acusada e o acusador tem produzido
resultados satisfatórios, notadamente nos crimes cometidos por organizações
criminosas e de difícil elucidação, contribuindo decisivamente para a desobstrução da
justiça, incapaz de conciliar celeridade na apresentação da resposta esperada pela
sociedade e a observâncias de formalidades processuais.
No Brasil o instituto do acordo de leniência foi previsto inicialmente como
instrumento de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica no
âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (Lei nº
10.149/2000). O referido normativo, além de transformar o CADE em autarquia,
estabeleceu que a União, por intermédio da Secretaria de Direito Econômico, poderá
celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da Administração
Pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável com pessoas físicas
e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem
efetivamente com as investigações e com o processo administrativo e que dessa
colaboração resulte a identificação dos demais coautores da infração, bem como a
obtenção de informações e de documentos que comprovem a infração noticiada ou
sob investigação.
O que a Lei nº 12.846/2013 – denominada de Lei Anticorrupção – fez foi
estender a utilização do acordo de leniência aos processos de apuração de
responsabilidade de pessoa jurídica pela prática de ato ilícito contra a Administração
Pública nacional ou estrangeira.

15.9.9.1 – REQUISITOS PARA A CELEBRAÇÃO DO ACORDO


Para a celebração do acordo de leniência a pessoa jurídica interessada deverá
preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
Ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a
apuração do ato ilícito. Infere-se, portanto, que na hipótese de duas empresas
demonstrarem interesse na celebração do acordo, terá prioridade aquela que primeiro
se manifestou, ficando a outra impossibilitada de celebrar acordo.
Interromper completamente seu envolvimento na infração investigada a
partir da data de propositura do acordo. Este requisito nos parece óbvio, pois não
seria razoável admitir a celebração de um acordo em que a parte requerente
continuasse a delinquir.
Admitir sua participação no ilícito e cooperar com as investigações e o
processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. Entendemos que não
basta a mera confissão, faz-se necessário que a empresa celebrante do acordo forneça
dados que viabilize a aferição da extensão do dano causado pelo ato infracional. Além
262

disso, deve apresentar elementos probatórios capazes de levar à identificação dos


ilícitos praticados por outras empresas, sob pena de sua colaboração se tornar inócua.
A proposta de celebração de acordo de leniência receberá tratamento sigiloso
e poderá ser feita de forma oral ou escrita. No ato da celebração a pessoa jurídica
proponente deverá declarar, de forma expressa, que foi orientada a respeito de seus
direitos, garantias e deveres legais. O descumprimento das determinações ou o não
atendimento das solicitações da Controladoria-Geral da União durante a etapa de
negociação importará a desistência da proposta.
É relevante deixar claro que a mera propositura do acordo por parte da pessoa
jurídica não implica reconhecimento da prática de ato lesivo, sendo admitida a sua
desistência a qualquer momento que anteceda a assinatura do referido acordo.
Uma vez cumprido o acordo de leniência, serão declarados em favor da pessoa
jurídica signatária do acordo um ou mais dos seguintes benefícios:
a) Isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa
sancionadora;
b) isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações
ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas
ou controladas pelo Poder Público;
c) redução do valor final da multa aplicável, ou
d) isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da
Lei nº 8.666, de 1993 – lei de licitações e contratos.

15.9.9.2 – DESCUMPRIMENTO DO ACORDO DE LENIÊNCIA


Considera-se não cumprido o acordo no qual a entidade deixa de cumprir total
ou parcialmente as obrigações assumidas no ajuste, inviabilizando a identificação das
demais envolvidas na infração ou a obtenção de informações e documentos que
comprovem o ilícito objeto do acordo.
O descumprimento do acordo de leniência por parte da entidade celebrante
terá como consequência a impossibilidade de a mesma celebrar novo acordo pelo
prazo de três anos contados do conhecimento pelo ente público do referido
descumprimento. É o que diz o § 8º do art. 16 da Lei nº 12.846/2013. Todavia, a lei
foi omissa no que diz respeito ao descumprimento apenas parcial, ou quando o
descumprimento acontece por parte da Administração Pública. Nada obstante o
silêncio da lei, entendemos que as obrigações assumidas pela empresa são
indivisíveis, de sorte que seu cumprimento pressupõe a satisfação de todas as
obrigações assumidas pela mesma. Por outro lado, na hipótese em que o
descumprimento ocorre por culpa exclusiva do ente público a parte prejudicada
(empresa) poderá postular em juízo os benefícios estabelecidos no acordo, sob pena
de se admitir que a Administração pode utilizar o instrumento de acordo como mero
263

artifício para obter informações que não teria sem a colaboração da entidade
colaboradora.

15.9.9.3 – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO


O § 9º do art. 16 da Lei nº 12.846/2913 diz literalmente que “a celebração do
acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nessa
Lei”. Uma leitura desatenta do dispositivo pode levar ao entendimento equivocado de
que o acordo tem o condão de interromper o prazo de prescrição em relação a todos
os atos lesivos. A redação do parágrafo seria mais clara se estabelecesse que a
celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional em relação aos
atos praticados pela entidade celebrante, e não previsto na lei. Isso porque em relação
aos demais coautores do ato ilícito o prazo continua fluindo, sem interrupção.
A previsão de interrupção do prazo prescricional nos parece salutar, pois assim
sendo evita-se a utilização do acordo por parte da pessoa jurídica envolvida como
medida meramente protelatória, tendo em vista que a punibilidade é atingida pela
prescrição no prazo de cinco anos contados da data da ciência da infração ou, no caso
de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

15.9.9.4 – CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS INIDÔNEAS


Trata-se de um banco de dados mantido pela Administração Pública, no qual é
consolidada a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções pela prática
de atos lesivos à Administração Pública, tendo como efeito a restrição ao direito de
participar de licitações ou de celebrar contratos com órgãos e entidades pertencentes
ou vinculados à Administração Pública.
Nesse cadastro são inseridas informações referentes às sanções impostas às
pessoas físicas ou jurídica que implicam restrição ao direito de participar de licitação
ou celebrar contratos com a Administração Públicas, bem como outras punições que
impliquem as mesmas restrições, ainda que não sejam de natureza administrativa.
Além do banco de dados com as informações consolidadas sobre as empresas
e pessoas físicas inidôneas, a Administração mantém o cadastro das empresas punidas,
no qual constarão informações sobre as sanções impostas com fundamento na Lei nº
12.846/2013 (lei anticorrupção), bem como sobre o descumprimento de acordo de
leniência celebrado no bojo do processo de responsabilização.

SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF


SÚMULA VINCULANTE 5 - A falta de defesa técnica por advogado no processo
administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
264

SÚMULA VINCULANTE 14 - É direito do defensor, no interesse do representado,


ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa.

SÚMULA 18 - Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo


criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público.

SÚMULA 19 - É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no


mesmo processo em que se fundou a primeira.

SÚMULA 20 - É necessário processo administrativo com ampla defesa, para


demissão de funcionário admitido por concurso.

SÚMULA 21 - Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem


demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.

SÚMULA 366 - Não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal,
embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia.

SÚMULA 430 - Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o


prazo para o mandado de segurança.

SÚMULA 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

SÚMULA 523 - No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas
a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ

Súmula 378 - Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças sala-
riais decorrentes.

Súmula 634 - Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei


de Improbidade Administrativa para o agente público.

Súmula 373 - É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de re-


curso administrativo.

Súmula 467 - Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administra-


tivo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por in-
fração ambiental.
265

Súmula 633 - A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo deca-
dencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública
federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexis-
tente norma local e específica que regule a matéria.

Súmula 343 - É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo


administrativo disciplinar.

Súmula 591 - É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar,


desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório
e a ampla defesa.

Súmula 592 - O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disci-


plinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.

Súmula 611 - Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou


sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base
em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.

Súmula 635 - Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990


iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento
administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de
instauração válido sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar e voltam a
fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.

Súmula 641 - A portaria de instauração do processo administrativo disciplinar pres-


cinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados.

Bibliografia

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Processual Penal, 11ª Edição, São Paulo. Editora
266

Saraiva, 2012.

COSTA, Armando da Direito Administrativo Disciplinar. 2ª Edição, São Paulo.


Editora Método 2009.

DONIZETTI, Elpidio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20ª Edição, São
Paulo. Editora Atlas 2016.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 24ª Edição, Rio
de Janeiro. Editora Lumen Juris 2011.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunal de Contas no Brasil.4ª Edição, Belo


Horizonte. Editora Fórum 2016.

JR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. 17ª Edição, Salvador. Editora
Juspodiwm 2015.

JUNIOR, Humberto Theodoro. Prescrição e Decadência. 1ª Edição, Rio de Janeiro.


Editora Forense.

MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado. 6ª Edição, São Paulo.


Editora Método 2012.

NEVES, Daniel Amorim Assunção e Oliveira, Rafael Carvalho Rezende.


Improbidade Administrativa. 8ª Edição, Rio de Janeiro. Editora Forense2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 15ª Edição. Rio de
Janeiro. Editora Forense 2018.

OLIVEIRA, Rafael Rezende de Oliveira. Curso de Direito Administrativo. 6º Edição.


São Paulo. Editora Método 2018.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo penal. 18ª Edição, São Paulo. Editora Atlas
2014.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 32ª Edição, Rio de Janeiro.
Editora Forense 2018.

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