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Mercado Imobiliário e Composição Demográfica Georreferenciada - Uma Análise Do Porto Maravilha (Conrado Carvalho e Maíra Rocha)
Mercado Imobiliário e Composição Demográfica Georreferenciada - Uma Análise Do Porto Maravilha (Conrado Carvalho e Maíra Rocha)
Resumo
INTRODUÇÃO
Q
uando o projeto da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha (OUCPM) foi anunciado,
no contexto da preparação da cidade do Rio de Janeiro para os megaeventos esportivos,
estudiosos e movimentos sociais alertaram para os riscos de que uma intervenção desse
porte pudesse causar profundas transformações na dinâmica urbana e social da área pela política de
transferência de terras públicas da União, do Estado e do município para o setor privado (Castro,
2015).
Além das remoções, havia o risco de que entre os impactos do projeto houvesse um aumento
geral do custo de vida na área expulsando antigos moradores e modificando a estrutura social de toda
a região, fenômeno que também é conhecido como gentrificação.1
A parte visível do passivo da operação urbana está ao alcance de quem caminha pela região
portuária do Rio de Janeiro ou acompanha os noticiários que abordam o fracasso imobiliário dos
projetos e os impasses na gestão da área (Santos Jr., 2018). No entanto, para melhor entender se
houve e quais foram as mudanças sociais e demográficas da área, faz-se necessária uma análise mais
profunda dos dados da região.
1 Segundo Smith (1982) em sua a obra “Gentrification and Uneven Development”, gentrificação corresponderia ao “processo
pelo qual áreas residenciais da classe trabalhadora são reabilitadas por compradores da classe média, proprietários e
planejadores profissionais” gerando expulsão das comunidades originais.
2 O Consórcio Porto Novo é responsável pela operacionalização das atividades da operação urbana.
3 A Lava Jato é uma operação da Polícia Federal iniciada em março de 2014 que investiga lavagem de dinheiro e esquemas de
corrupção.
O tema da valorização fundiária e do aumento do valor dos imóveis para venda e aluguel é
um dos dados que, aliado a outros aspectos demográficos, pode contribuir para o desenvolvimento de
estudos que apoiem a elaboração de análises acerca das dinâmicas socioterritoriais que se
desenrolaram na área durante os dez anos do Porto Maravilha. Para tanto, apresentamos neste artigo
o recorte de uma pesquisa em andamento desde 2016, que tem como objetivo o monitoramento
crítico desses dados através de uma cartografia georreferenciada e comparativa.
QUESTÃO
Se o destino do Porto Maravilha ficou distante do que pretendiam os idealizadores da
operação urbana, com muitos empreendimentos sequer saindo do papel e os poucos que foram
implementados apresentando baixíssimo consumo de CEPACs para sua viabilização, talvez seja o
momento de pensar nas possibilidades que surgem. O desinteresse do capital especulativo pela área,
em função de diversos fatores, alguns deles apresentados anteriormente nesse estudo, pode ter
gerado uma oportunidade de se repensar toda a região portuária, sua relação com a cidade e com a
região metropolitana do Rio de Janeiro.
Para tanto, é preciso analisar a escala local e entender a maneira como a operação urbana se
consolidou no território e de que forma alterou o espaço urbano construído, fragmentando-o e
criando brechas para reapropriações e ressignificações. E também, compreender a atual configuração
sociodemográfica da área após as sucessivas intervenções e dinâmicas impostas. Estas são as chaves
para propor planos e estratégias de intervenção que realmente atendam ao território e à população.
Além de servirem como bases para um acúmulo crítico sobre a atuação de operações urbanas
consorciadas e seus impactos nas cidades brasileiras.
A região onde está demarcada a Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) do Porto tem
uma localização estratégica tanto para o município quanto para a região metropolitana, além de ser
abundante em infraestrutura urbana e, portanto, apresentar grande potencialidade para abrigar
propostas e estratégias de combate à desigualdade socioespacial e ao déficit habitacional, por
exemplo.
Em vista disso, a questão central que se configura nesse estudo é, portanto, construir uma
metodologia que dê conta de recolher e organizar informações relativas à estrutura fundiária e
4
DRUMMOND, Carlos. Arrocho orçamentário mutila o Censo de 2020. 15 de julho de 2019. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/arrocho-orcamentario-mutila-o-censo-de-2020/ Acesso em: 20.08.2019.
METODOLOGIA
O presente estudo é parte constituinte de uma pesquisa iniciada em 2016 e que vem sendo
atualizada com a elaboração de novos dados empregados em análise comparativa ao resultado
inicialmente gerado. Na descrição do processo metodológico deste trabalho, será exposto parte dos
dados desenvolvidos em 2016 para, na sequência, apresentarmos os resultados alcançados neste
processo de atualização, em 2019.
Este é um trabalho que faz uso de procedimentos de análises de dados espaciais através de
ferramentas de Sistema de Informações Geográficas (SIG) para gerar mapas que contribuam para
sustentar abordagens sobre a área de estudo. O material cartográfico apresentado, portanto, foi
elaborado a partir da utilização do software de geoprocessamento Quantum GIS (QGis),5 em Projeção
Cartográfica Plana UTM no fuso 23 Sul, com sistema de referência geodésico SIRGAS 2000, sendo que
as imagens de satélite utilizadas têm fonte no Google Earth, referentes aos anos de 2016 e 2019. A
base de dados vetoriais foi adquirida no Instituto Pereira Passos (IPP) da Prefeitura do Rio de Janeiro,
no SIGERUrb - Laboratório de Sistemas de Informação Geográfica Aplicados à Engenharia Urbana,
vinculado ao Programa de Engenharia Urbana/POLI/UFRJ, além de parte ter sido produzida pelos
autores a partir de dados estatísticos disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
5 O Quantum GIS é um software livre com código-fonte aberto que permite visualizar, criar e editar dados
georreferenciados, além de compor mapas imprimíveis. Disponível em: https://www.qgis.org/
6 Para efeito de análise temporal comparativa, foram analisados os dois últimos dados oficiais do Censo IBGE,
referentes aos anos de 2000 e de 2010. Este último, teve o questionário aplicado em campo entre os meses de
agosto e outubro. Vale ressaltar que, como a OUCPM foi lançada em novembro de 2009, pode-se interpretar que,
apesar de os dados estatísticos analisados terem sido gerados num momento de Porto Maravilha incipiente,
quando ainda nenhuma obra do Projeto havia sido entregue, não se pode deixar de considerar que as
especulações acerca da região já puderam ter começado a interferir na dinâmica social e econômica da área.
7O portal Zap Imóveis é um dos mais conhecidos sites de anúncios imobiliários do país e desde 2010 está em parceria com a
Fundação de Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), gerando dados sobre mercado imobiliário nas cidades brasileiras.
Disponível em: https://www.zapimoveis.com.br/
pela análise visual dos mapas disponíveis no Zap Imóveis e no Google Maps e também com auxílio da
interpretação das fotos tomadas nas ruas da área, disponibilizadas no Google Street View. Esse
caminho foi pensado pois o Zap Imóveis não fornece os endereços completos dos anúncios (em geral
apenas o nome da rua) e tendo em vista que a inserção dos anúncios no mapa presente no site Zap
Imóveis por vezes não demonstra, por si só, precisão suficiente para o georreferenciamento de um
trabalho como este.
A espacialização dos pontos gerados com os anúncios, portanto, foi definida com o auxílio de
análises das fotos das fachadas dos edifícios que o Zap Imóveis fornece (ou, nos casos em que a
imagem da fachada não estava disponível no anúncio, a identificação foi feita por análise das fotos de
detalhes dos imóveis: janelas, portas e portões, cor das paredes, cobertura etc.) em conjunto com as
imagens das fachadas das edificações disponíveis no Google Street View, 8 que, como são vinculadas às
fotos orbitais do Google Maps, permitia o georreferenciamento desejado para este estudo (Figura 01).
(b)
Figura 01 - Em A uma foto da fachada do imóvel anunciado disponível no site Zap Imóveis; em B a foto da
mesma fachada que consta nos arquivos do Google Street View; em C a localização espacial do anúncio no
Google Maps que permitia D a definição do ponto no software de geoprocessamento QGis.
Fonte: Elaborado pelos autores (2016).
8A localização do imóvel pelo Google Street View pôde ser conseguida com o "caminhamento virtual" pelas ruas
onde os anúncios se encontravam, juntamente com a análise interpretativa das fotos dos imóveis disponíveis nos
anúncios do Zap Imóveis. Após identificado o imóvel pelo Google Street View, localizava-se o ponto pela análise
com o Google Maps.
Com esse processo, foram identificados 190 anúncios distribuídos geograficamente de acordo
com os bairros que compõem a AEIU, com a setorização da OUC e com os limites das áreas onde se é
permitido fazer uso de CEPACs. Na Figura 02, é possível notar fortes concentrações de anúncios nos
setores A, I e K do Porto Maravilha, sobretudo nas proximidades da Rua Sacadura Cabral (via que corta
os três setores), também no Setor L, em especial no entorno da Avenida Rio Branco e da Rua Acre,
assim como um número significativo de ofertas no bairro Santo Cristo.
Outra leitura que pode ser feita nesse mapa é que a maioria dos anúncios se encontra fora
das áreas passíveis de utilização de potencial adicional de construção (71% do total identificado). O
que se justifica por grande parte dos terrenos nos polígonos com permissão para potencial adicional
de construção ainda não ser de propriedade privada e pelo fato de que em 2016 - e ainda hoje, em
2019, como aponta Santos Jr. (2018) - poucos empreendimentos imobiliários nessas áreas terem sido
executados e finalizados.
Pode-se notar também com o mapa apresentado na Figura 02, que a porção mais central da
AEIU apresentou menores ofertas de imóveis, sendo que nas áreas de favelas nenhum anúncio foi
identificado. Quando relacionamos esses dados às informações de densidade demográfica e de cor e
raça gerados a partir de análises estatísticas do IBGE, percebemos que essas regiões com baixa
ocorrência de anúncios no Zap Imóveis são áreas que concentram a maior densidade populacional
(Figura 03) e a maior proporção de pessoas pretas ou pardas por setor censitário (Figura 04).
Diante disso, fica posto que a estratégia adotada não dá conta de abranger o mercado
imobiliário informal que ocorre nas regiões de maiores densidades demográficas da zona portuária do
Rio de Janeiro, áreas que concentram a maior população negra e parda que, no país, tende a compor
grande parte das camadas populacionais de baixa renda.
Desse modo, sabe-se que fica uma lacuna na metodologia de análise das dinâmicas
imobiliárias na AEIU frente aos impactos do projeto Porto Maravilha. A estratégia utilizada, pois,
analisa a região portuária excluindo em grande parte os comércios e moradias ocupadas por pessoas
de baixa renda, como pensões, cortiços e casas em favelas. Essa situação, todavia, pretende ser
aprimorada na continuidade deste estudo e será melhor mencionada mais adiante no texto.
Nesse sentido, foi definido um recorte dentro da AEIU que: (i) não estivesse em área de
CEPAC (devido ao fato de dinâmica imobiliária dos polígonos que admitem CEPACs não ser muito
expressiva e por se tratar em geral de área que oferecem anúncios de alto valor, que, portanto,
destoam muito do restante da AEIU); (ii) não estivesse próxima ao Centro e aos grandes eixos das
avenidas Presidente Vargas e Rio Branco (por igualmente se tratarem de locais muito mais valorizados
do que o restante da AEIU, mesmo antes da OUC); (iii) oferecesse número de anúncios suficiente para
a realização de análise para este estudo; e (iv) apresentasse características urbanísticas de certo modo
tradicionais da região portuária, com tipologia de lote e de edificações antigas. Desse modo, foram
selecionadas as áreas dos eixos das ruas do Livramento e Sacadura Cabral, nos bairros Gamboa e
Saúde. Outro motivo pela escolha do recorte foi o fato de na pesquisa de 2016 essas duas vias terem
concentrado um bom número de anúncios, o que facilitaria análises comparativas.
DESENVOLVIMENTO
A seguir serão apresentados os resultados das investigações sobre anúncios imobiliários
analisados na AEIU do Porto do Rio de Janeiro feitos em 2019, dez anos após o lançamento do Porto
Maravilha. Os procedimentos utilizados para selecionar e georreferenciar os anúncios seguem a
metodologia que foi desenvolvida nesta pesquisa, com o intuito de preparar uma atualização geral dos
dados e valores para um futuro cruzamento com as informações do Censo de 2020.
Passada uma década do lançamento da OUC, e três anos depois da realização dos Jogos
Olímpicos Rio 20169 e em um momento em que a cidade, o estado e o país vivem uma crise
econômica e política, buscou-se entender como está o comportamento do mercado imobiliário de
pequena e média escala10 na região portuária.
Foram identificados um total de 56 anúncios no site Zap Imóveis (Figura 05). Desses, 62,5%
foram identificados como venda (35 ocorrências) e 37,5% como aluguel (21 ocorrências).
Mais uma vez, quase a totalidade dos anúncios identificados nesse recorte foi de imóveis com
uso comercial. Em 2019, 91,1% da oferta pesquisada no Zap Imóveis foi de imóveis comerciais (51
ocorrências), ao passo que 8,9% referem-se a anúncios para o uso residencial (5 ocorrências). Em
2016, para o mesmo recorte, essa proporção foi parecida, 94,12% de anúncios comerciais (32
ocorrências), enquanto 5,88% do que foi encontrado se referia a anúncios para uso residencial
(apenas 2 ocorrências).
9 Último grande evento de uma sequência de grandes eventos realizados no Rio de Janeiro, que provocaram a
realização de grandes obras de infraestrutura, tendo como um dos efeitos a alta valorização do preço da terra na
cidade.
10 No presente trabalho, é chamado de mercado imobiliário de pequena e média escala aquele que não ocorre em
áreas de CEPACs.
Figura 05 - Anúncios imobiliários levantados em 2019, a partir do recorte dos eixos das ruas do Livramento
e Sacadura Cabral. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Zap Imóveis (2019).
Em 2016, considerando esse mesmo recorte, foram 34 anúncios (Figura 06) e a proporção também foi
maior para vendas: 61,8% para esta (21 ocorrências) e 38,2% de aluguel (13 ocorrências).
Figura 06 - Anúncios imobiliários levantados em 2016, a partir do recorte dos eixos das ruas do Livramento
e Sacadura Cabral. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Zap Imóveis (2019).
Tabela 01 - Valorização do preço dos imóveis e média do preço do metro quadrado para venda nos bairros
que compõem a AEIU do Porto, no período entre 2008 e 2016. Fonte: Faulhaber (2016) com base no site
Zap Imóveis, adaptado pelos autores (2016).
As análises do presente trabalho foram realizadas com os dados gerados pelos anúncios
identificados no Zap Imóveis (os atuais de 2019 e os de 2016 localizados no mesmo recorte espacial),
que foram relacionados com estatísticas do FipeZap referentes a uma série histórica do município
todo, onde se observa uma desvalorização contínua ano a ano, tanto para venda quanto para aluguel
(Tabela 02).
Tabela 02 - Variação do preço dos imóveis e média do preço do metro quadrado para venda e aluguel na cidade do
Rio de Janeiro, entre janeiro de 2016 a junho 2019. Fonte: Elaborado pelos autores com base no FipeZap (2019).
12 Essa série histórica apresentada por bairros não mais se encontra disponível no site Zap Imóveis.
13 Para o período de 2008 a 2016, foram analisadas as variações de 144 dos 160 bairros da cidade.
Na Tabela 03, gerada a partir dos dados geoprocessados com os anúncios do Zap Imóveis e
com índices FipeZap, pode-se perceber uma relativa manutenção no preço dos imóveis do recorte da
pesquisa no que se refere à venda (aumento de somente 2,57% de dezembro de 2016 a junho de
2019), enquanto no mesmo período a cidade do Rio de Janeiro como um todo sofreu desvalorização
de 10,28%. Em relação à aluguel, contudo, os imóveis analisados sofreram desvalorização 293% maior
em comparação com a cidade do Rio de Janeiro como um todo.
Tabela 03 - Variação do preço dos imóveis e média do preço do metro quadrado para venda e aluguel no
recorte da pesquisa em comparação com a cidade do Rio de Janeiro, entre dezembro de 2016 a junho 2019.
Fonte: Elaborado pelos autores com base no FipeZap (2019).
CONCLUSÃO
A análise inicial dos dados coletados por esta pesquisa (anúncios e índices Fipe Zap) em 2016
e 2019, indicam que os bairros portuários acompanharam o processo de desvalorização imobiliária
que vem ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro. Ainda que por falta de acesso a dados não tenha sido
possível realizar uma análise específica entre os bairros que compõem a AEIU e o município, foi
identificado que, no que se refere ao mercado de venda, os imóveis levantados nas ruas do
Livramento e Sacadura Cabral (bairros Gamboa e Saúde), mantiveram relativa estabilidade nos preços,
com uma ligeira variação positiva de 2,57% de 2016 até hoje. Contudo, em relação a aluguel, no
mesmo recorte, ocorreu uma desvalorização que foi quase 300% maior do que no município.
No entanto, a avaliação dos mapas gerados a partir do cruzamento dos dados de 2016 em
perspectiva com os dados gerados em 2019, sustenta a criação de um registro da evolução de cenários
fundiários e demográficos para a região.
Dessa forma, para além de análises de cada um dos cenários isoladamente, possibilita-se
gerar uma série histórica que possa ser analisada em conjunto. É dessa forma que pequenas variações
anuais podem ser entendidas como casos isolados ou como tendências que se consolidam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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