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Sobre Comportamento

e. Cognição
Expondo a variabilidade
Organizado por Hélio José Guilhardi
Noreen Campbell de Aguirre

ESETec
Editores Associados
Sobre
Comportamento e
Cognição
Associação Brasileira de Psicoterapia e
Medicina Comportamental

Diretoria gestão 04/05

Presidente: I lélio Josó Quilhardi


Vice-presidente: Maria Martha da Cosia i lübner
1“ secretária: Patrícia Pia/?on Ouciroz
íí4secretária: Lilian R. Medeiros

14tesoureira: Marisa Isabel dos Sanlos de Hrito


24tesoureira: Tatiana Lussari

Fx-presidentes: Hernard Pimentel Ran#è


I lélio Jos£ C/uilhardi
Roberto Alves Manaco
Rachel Rodrigues Kerbauy
Maria Zilah da Silva Hrandào
Sobre
Comportamento
e Cognição
Frxpondo a Variabilidade

Volume 15

Orgdnizdtfo p o r / Ic lio José Q uiJhüidi


N orceti Cam pbell dc A g u irre

Hélio J. Guilhardi • Adólia Maria Santos Teixeira • Áderson Luiz Costa Júnior • Alessandra Antônio
Villas Bôas» Alessandra Brunoro Motta • Alexandre Dittrich • Aline Beckmann Menezes • Arriauri
Gouveia Jr • Ana Carolina Aquino de Souza • Ana Rita Coutinho Xavier Naves • Andressa Marianne
Salles • Angélica Capelari • Antônio Bento Alves de Moraes • Armando R. das Neves Neto • Augusto
Amato Neto • Bernard Rangó • Carlos Eduardo Lopes • Carolina Duarte dos Santos • Carolina
Lauronti • Caroline Cunha da Silva • Claudia Barbosa • Claudia Lúcia Menegatti • Cloves Amorim •
Cristina Moreira Fonseca • Daieme Marcela Rigotto • Danielle Marques dos Ramos • Edvaldo
Soares • Edwigos Forreira de Mattos Silvares • Eliana Isabel do Moraes Hamasaki • Eliano Mary de
Oliveira Falcone • Elizeu Batista Borloti • Eustáquio José de Souza Júnior • Gerson Yukio Tomanari
• Gina Nolôto Bueno • Giovana Delvan Stuhler Avi • Gislaine Cristhiane Bern de Sousa • Gracy Kelly
da Silva Tobias • Gustavo Sattolo Rolim • João Carlos Muniz Martinelli • João dos Santos Carmo •
João Vicente de Souza Marçal • José Antônio Damãsio Abib • José Gualborto Tuga Angerami • José
Lino Oliveira Bueno • Josy de Souza Moriyama • Ketney Bonfogo Bocchi • Laórcia Abreu Vasconcelos
• Lidia Natalia Dobrianskyj Wober • Lincon da Silva Girnenez • Luc Vandenberghe • Lúcia Cavalcante
do Albuquorquo Williams • Luciana Machado Barreiros • Luciano de Sousa Cunha • Makilirn Nunes
Baptista • Maly Delitti • Manuela Gomes Lopes • Márcia da Rocha Pitta Ferraz • Márcia Helena da
Silva Melo • Marco Antônio Amaral Chequer • Marcus Bontos de Carvalho Noto • Maria Cristina
Triguero Teixeira • Maria da Graça Saldanha Padilha • Maria Estor Rodrigues • Marília da Costa
Arruda • Mayra Holona Bonifácia Gaiato Meneghelo • Mônica Bessa-Oliveira • Paul Thomas Andronis
• Paula Inez Cunha Gomido • Renata Guirnaraes Horta • Rosana do Fátima Possobon • Sandra
Leal Calais • Sérgio Dias Cirino • Sônia Regina Fbrim Enumo • Suzane Schmidlin Lõhr • T. V. Joe
Layng • Vanessa Kazue Murayarna • Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral • Viviane Vordú Rico

ESETec
Editores Associados
2005
Copyright O desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2005.
Todos os direitos reservados

Gullhardi, Hélio José, et al

Sobre Comportamento e Cognlçflo: Expondo a Variabilidade - Org. Hélio José Guilhardi,


Noreen Campbell de Aguirre 1* ed Santo André, SP' ESETec Editores Associados, 2005 v 15

456 p 17 x 24 cm

1. Psicologia do Comportamento a Cognição


2. Behavlorismo
Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159 9 019 4

ISBN-85-88303-62-0

ESETec Editores Associados

Coordenação editorial: Tarpsa Cristina Cume Grassi

A ESETec agradece a Maria Elolsa Bonavita Soares pela enorme colaboração na


organização e preparação deste volume.

Solicitação de exemplares: eset@uol.com.br


Trac. Santo Hilário, 36 - V. Bastos - Santo André - SP
CEP 09090-710
Tel. (11) 4938 6866/ 4990 5683
www.esetec.com.br
Sumário

Apresentação................................................................................................................5

Análise de Contingências em Programação de Ensino*: Legado de Carolina


Martuscelli B o ri........................................................................................................7
Adélia Maria Santos Teixeira

Ressurgôncia: conceitos e métodos que podem (ou não) contribuir para a


Análise do Comportamento.................................................................................. 18
Alessandra Antônio Villas Bôas, Vanessa Kazue Murayama, Gerson Yukio Tomanari

Análise de estratégias de enfrentamento nâo-facilltadoras da hospitalização em


crianças com câncer.............................................................................................29
Alessandra Brunoro Motta, Sônia Regina Fiorim Enumo

Subjetividade e Cultura no Behaviorismo Radical................................................ 39


Alexandre Dittrich

Questões culturais na determinação do comportamento sexual h u m an ol......... 46


Aline Beckmann Menezes

Perspectiva Analitico-Funcional............................................................................... 54
Ana Carolina Aquino de Sousa, Luc Vandenberghe

Ansiedade, um problema ou um jeito de levar a v id a ...........................................70


Andressa Marianne Salles, Suzane Schmidlin Lôhr

O ensino da Análise Experimental e Análise Funcional na graduação: variáveis


independentes....................................................................................................... 76
Angélica Capelari, Cristina Moreira Fonseca, Eliana Isabel de Moraes Hamasaki

Contingências aversivas em Serviços de Saúde..................................................... 83


Antonio Bento Alves de Moraes, Rosana de Fátima Possobon, Áderson Luiz Costa
Júnior, Gustavo Sattolo Rohm

Sobre Com portam ento c O o r u Iç.Io 1


Acupuntura e o Tratamento da Ansiedade: da Medicina Tradicional Chinesa à
P sicologia............................................................................................................ 95
Armando Ribeiro das Neves Neto

Meu Tio da Am órical: Inovação há 25 a n o s ........................................................117


Bernard Rangé

Uma crítica ao papel da teoria de eventos privados no estudo da subjetividade126


Carlos Eduardo Lopes

O que leva uma mãe a abandonar um filh o ? ........................................................133


Carolina Duarte dos Santos, Lidia Natalia Dobrianskyj Weber

Instrumentalismo científico e o modelo de seleção por conseqüências........... 147


Carolina Laurenti, José Antônio Damásio Abib

Uma prática clínica voltada prioritariamente à norm alidade............................. 157


Claudia Barbosa

Abordagem comportamental à queixa de d o r ...................................................... 169


Claudia Lúcia Menegatti, Cloves Amorim,Giovana Delvan StuhlerAvi

A Crítica de Merleau-Ponty à hipótese localizacíonista de funções mentais face


ao desenvolvimento das Neurociências.......................................................... 175
Edvaldo Soares, José Lino Oliveira Bueno

A atribuição como componente cognitivo das habilidades sociais e seu impacto


na satisfação conjug al........................................................................................ 182
Eliane Mary de Oliveira Falcone, Danielle Marques dos Ramos

O papel da nomeação na formação de classes de estímulos equivalentes: uma


breve revisão à luz da latôncia de respostas.................................................192
Gerson Yukio Tomanari

A Complexidade do Comportamento Humano: Relato de uma experiência ... 199


Gina Nolêto Bueno

Adolescentes em conflito com a lei: uma proposta de intervenção sobre as


práticas educativas maternas............................................................................ 210
Gislaine Cristhiane Berri de Sousa, Paula Inez Cunha Gomide

Interação entre história de contingências e contingências presentes na determi­


nação de comportamentos e sentimentos atuais............................................ 226
Hélio José Guilhardi

Conservação de quantidades discretas em crianças não conservadoras: Efeitos do


Treino Explícito de conservação na aquisição da habilidade de conservar.... 248
João dos Santos Carmo

2 Nobre C om port.i mento e C o g n l^ o


Refazendo a história de vida: quando as contingências passadas sinalizam a
forma de intervenção clinica atual.................................................................. 258
João Vicente de Sousa Marçal

Transtorno Dismórfico Corporal e Análise do Comportamento: Metodologia de


Caso Ú nico........................................................................................................... 274
Josy de Souza Moriyama, Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral

Uma análise sobre os comportamentos de indisciplina na sala de aula..........289


Ketney Bonfogo Bocchi

Interpretações anaiitico-comportamentaís de histórias infantis: A história de


Pinóquio................................................................................................................300
Laèrcia Abreu Vasconcelos, Ana Rita Coutinho Xavier Naves, Caroline Cunha da Silva,
Luciana Machado Barreiros, Marilia da Costa Arruda

O Questionário Construcional de Goldiamond: Uma Análise Não-linear de


Contingências...................................................................................................... 309
Lincoln da Silva Gimenes, Paul Thomas Andronis, T. V. Joe Layng 3

Religião, Espiritualidade, FAP e ACT..................................................................... 323


Luc Vandenberghe

Tacto de eventos privados: estudo de relatos verbais sob efeitos de diferentes


contingências de reforçam ento......................................................................... 338
Luciano de Sousa Cunha, Marco Antônio Amaral Chequer, João Carlos Muniz Martinelli,
Elizeu Batista Borloti

Suicídio: Epidemiologia, características, fatores de risco e medidas preventivas 350


Makilin Nunes Baptista, Daieme Marcela Rigotto, Sandra Leal Calais

A Relação Terapêutica na Terapia Comportamental............................................360


Maly Delitti

Promovendo melhorias nas interações em sala de aula: efeitos preventivos de


uma intervenção multifocal ............................................................................. 370
Márcia Helena da Silva Melo, Edwiges Ferreira de Mattos Silvares

A Terapia Comportamental Infantil em Grupo e sua Aplicação nos Transtornos


de Aprendizagem.................................................................................................386
Márcia da Rocha Pitta Ferraz

O Jato de Ar Quente Como Estimulo Aversivo: Efeitos da sua Apresentação


Contingente e Não-Contingente em Rattus Norvegicus1,2...............................400
Marcus Bentes de Carvalho Neto, Viviane Verdu Rico, Gracy Kelly da Silva Tobias,
Amauri Gouveia Jr, José Gualberto Tuga Angerami

Sobre C om portam ento e Cognifilo 3


Concepções de pais de baixa renda acerca de abuso sexual contra crianças 409
Maria da Graça Saldanha Padilha, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams

Estudar: Como Ensinar?..........................................................................................416


Maria Ester Rodrigues

Autoconhecimento: uma via de mão dupla entre terapeuta e cliente..............428


Mayra Helena Bonifácio Gaiato Meneghelo, Augusto Amato Neto, Maria Cristina
Triguero Veloz Teixeira

A Análise do Comportamento em Manuais de Psicologia da Personalidade .. 442


Sérgio Dias Cirino, Eustáquio José de Souza Júnior, Manuela Gomes Lopes, Mônica
Bessa-Oliveira, Renata Guimarães Horta

4 Sobre Comport.murnto e (\>flniç<lo


Apresentação

Quando nosso comportamento ô roforçado positivamente,


nós dizemos que gostamos do quo estamos fazendo;
dizemos que estamos felizes.
Skinner (1978)1

Muitos poderão estranhar a repetição do subtítulo dos volumes 7 e 8 nos volumes


15 e 16: Expondo a variabilidade. Alguns já alertaram, com precisão conceituai, que não
basta ocorrer variabilidade; é necessário que ocorram conseqüências diferenciadas que
selecionem comportamentos. Está aberto o desafio para um debate dentro da ABPMC
sobre tal questionamento.
A filosofia de trabalho da atual diretoria da ABPMC, nos Encontros anuais e nos
volumes da coleção Sobre Comportamento e Cognição, tem sido a de criar condições
para que os do grupo de analistas de comportamento e de cognitivistas-comportamentais
tenham ampla e acolhedora possibilidade para apresentarem e publicarem seus trabalhos.
Há razões históricas para a postura democrática que adotamos. A abordagem
comportamental, para compreender e lidar com os fenômenos humanos, tem sido
tradicionalmente muito criticada pela concepção de homem, pela metodologia de pesquisa
e pelos procedimentos nos diversos contextos de aplicação que adota e pratica. Até
mesmo os profissionais, professores e pesquisadores da abordagem vinham sendo muito
críticos em relação aos comportamentos de aplicação, de fazer pesquisa e de elaboração
conceituai dos próprios pares. Tais contingências, basicamente coercitivas, geraram,
como produto final, pouca publicação dos trabalhos que estavam sendo realizados,
mobilização de uma amostra muito restrita de pessoas - em geral quase sempre as
mesmas - para trazer suas contribuições para eventos científicos da área e presença de
um número restrito de participantes nos Congressos específicos.
Optamos por uma postura de acolhimento quase incondicional - que sejam
emitidos operantes livres! - protegidos por dois grupos de contingências. A Associação
possui uma revista, a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, com
respeitável corpo editorial e competentes e dedicados Editores-chefes, que se qualifica
para apresentar uma amostra criteriosa de artigos publicados, estes sim selecionados
com critérios de rigor científico e consistência conceituai. Por outro lado, o conhecimento
científico ó produto de comportamento de pessoas - pesquisadores, professores,
profissionais, estudantes - , e tais comportamentos não precisam ser selecionados
exclusivamente por conseqüências arbitrárias, em geral os cânones da boa conduta
científica. As conseqüências naturais têm a sua oportunidade funcional em vários contextos:

' SKINNER, B.F. (1978) Reflections on Behaviorism and Society .Englewood Cliffs: Prentice-Hall, p.5

Sobrc C om port,im ento c CognlvAo 5


quando um texto ó adotado por um professor; quando um procedimento ó replicado por
outros profissionais; quando um cliente se beneficia do conhecimento adquirido pelo seu
terapeuta; quando novos métodos de atuação na escola melhoram o desempenho
acadêmico e o envolvimento de alunos e professores no processo de aprendizagem; quando
se aprofunda a integração entre profissionais de diferentes áreas etc., estão atuando
conseqüências naturais sobre os conhecimentos produzidos e apresentados.
Nossa posição não é a de inibir o responsável e necessário repertório de
comportamentos do crítico, mas de estimular uma modulação de intensidade, sem perder
a precisão, que não gere supressão de respostas. É também a de estimular a apresentação
de trabalhos, desde aqueles produzidos por estudantes e principiantes, até os gerados
por pesquisadores e profissionais há mais tempo na área. Esta última postura nos tem
levando à saborosa constatação de que não existe a regularidade: mais tempo de atuação
melhores trabalhos; menos tempo na área piores trabalhos. Nem é surpreendente: os
comportamentos de produzir conhecimento são frutos de contingências de reforçamento,
não do número do CRP e nem do nome da Faculdade que expede o diploma.
Até o presente momento - em sete anos, de 1998 (vol. 1) a 2004 (vol.14) -, a
ABPMC publicou 5577 páginas. Quantidade não é, necessariamente, qualidade. Mas,
com tamanha exposição de variabilidade, temos certeza de que muita qualidade está
salva, à espera de criteriosa seleção.

Hélio José Guilhardi


Noreen Campbell de Aguirre

6 Sobre (,'om poríiim ento e Cognivtlo


Capítulo 1

Análise de Contingências em
Programação de Ensino*: Legado de
Carolina Martuscelli Bori**
AdéliiiMariaSm/os Teixeira”

Programar o ensino não constitui tarefa fácil nem simples. Com este trabalho,
pretendo apontar a necessidade da inserção dos analistas do comportamento no campo
da educação, destacando as possibilidades promissoras contidas na proposição de
programação de ensino de Bori (1974).
Para tanto, retomarei as origens, concepções e condicionantes do ensino
programado, tendo em vista o longo tempo decorrido desde as suas proposições originais.
Quatro nomes estão indiscutivelmente associados ao desenvolvimento desse modelo de
ensino: Sidney L. Pressey (1926,1927), B.F. Skinner (1954,1958), Fred S. Keller (1968)
e Carolina Martuscelli Bori (1974).

Na década de 20, no século passado, Pressey construiu alguns aparatos


mecânicos para a aplicação de testes. Essas máquinas podiam apresentar uma seqüência
ordenada de itens (questões, problemas) para o testando. A tarefa deste era escolher,
entre alternativas que lhe eram oferecidas, aquela que respondia a cada item proposto. A
situação era semelhante à de um teste de múltipla escolha. Em alguns equipamentos, os
itens não avançavam enquanto o testando não escolhesse a alternativa correta. Com isso,
essas primeiras máquinas podiam testar, registrardados, medir, avaliar e ensinar. O projeto

' Expressão cunhada por Matos (1996, 1998)


" Versão modificada de parte de capitulo originalmente publicado em: Hübner, M M.C. e Marinottl, M (Orgs )
(2004) Análise do Comportamento para a educaçào - contribuições recentes
Professora Tituiar/UFMG

Sobre Com portamento c Cotfnivilo 7


de Pressey era inovador. No entanto, as dificuldades enfrentadas na época, incluindo a
inércia cultural em relação à educação, levaram-no a desistir de suas idéias no início da
década de 30. Dessa forma, reconheço que Pressey foi um precursor do ensino programado
e dos instrumentos para mecanizar o ensino.

Trinta anos depois, Skinner (1954, 1958), em dois brilhantes artigos, fez sua
incursão no campo da educação. De 1929 a 1953, havia feito grande parte de suas
descobertas sobre as relações estabelecidas entre o organismo e o ambiente, que se
tornaram conhecidas como Análise Experimental do Comportamento. Surgiu uma nova
concepção de homem que apontou para a determinação externa (ambiental) do seu
comportamento. Suas descobertas estavam baseadas na pesquisa animal (ratos e pombos)
na qual pôde constatar a plasticidade do comportamento em relação a variações das
condições ambientais. Era natural que, a partir desses conhecimentos, vislumbrasse a
possibilidade do estabelecimento de novas relações entre a educação e a ciência, através
dos princípios da Análise Experimental do Comportamento. Do mesmo modo, era natural
que antecipasse a possibilidade de uma análise científica dos procedimentos de ensino e
de uma nova concepção de educação, fundada na Análise Experimental do Comportamento.
Dentro desse contexto, na década de 50, inseriu-se, de uma maneira definitiva, no
campo da educação humana, passando a discuti-la, com base em seus estudos sobre
aprendizagem animal. De fato, seu trabalho de laboratório guardava correspondência com
ensino e educação de animais.
O problema que norteou sua discussão foi a própria situação de ensino nos Estados
Unidos. Considerava-a inadequada, insuficiente, aversiva, medíocre. Tendo em vista os
grandes investimentos destinados á educação, naquele país, podia-se, mesmo, considerar
seus resultados muito ruins (Skinner, 1958).
No lugar de propor o que tradicionalmente se propõe - construção de prédios,
treinamento de professores, uso de material áudio-visual, aumento de salário dos docentes,
agrupamento homogêneo de alunos, criação de classes especiais, disciplina, sugeriu que
a solução do problema era tornar a educação mais efetiva. Isso era possível passando-se
a analisar as relações da situação ensino/aprendizagem e atacando e abordando o método
de ensino. Com isso, propôs que se passasse a programar o próprio ensino, conforme os
princípios da Análise Experimental do Comportamento.
Surgiu, então, sua proposta de ensino programado, enfatizando a programação
do ensino e vislumbrando a possibilidade do desenvolvimento de uma tecnologia de ensino
(Skinner, 1958,1961).
Dois produtos derivados dessa proposta ficaram muito conhecidos do público: a
Instrução Programada (IP) e as Máquinas de Ensinar.
O ensino era concebido como um arranjo de contingências, sob as quais o aluno
aprende (Skinner, 1972). O princípio-chave dessa concepção era o de contingência de
reforçamento ou de contingência tríplice através da qual relações são estabelecidas entre
condições antecedentes, comportamentos e condições conseqüentes. Esses três termos
são inseparáveis e constituem a unidade mínima de análise na Análise do Comportamento.
Um programa de ensino correspondia a um arranjo de inúmeras contingências
tríplices dirigidas ao objetivo do ensino.
Skinner (1972, caps. 2, 3 e 4) descreveu alguns condicionantes do ensino
programado.

8 A díli«i M .iria Santos Telxclru


O programa devia ser desenvolvido em conformidade com os princípios da Análise
Experimental do Comportamento. Eram especialmente úteis os princípios de modelagem,
reforço diferencial, controle de estímulos e reforço positivo. O aluno devia estar sempre ativo. O
programa devia prover condições que mantivessem o aprendiz atento e interessado (motivado)
nas tarefas. Isso era obtido a partir das situações-estímulo (condições antecedentes) e da
densidade de reforçamento positivo (condições conseqüentes). Ao interagir com o programa,
o estudante devia, preferencialmente, compor suas respostas. A identificação entre alternativas,
do tipo escolha múltipla, devia ser evitada. O programa devia ser organizado numa seqüência
ordenada e rigorosa de passos que avançavam do mais simples para o mais complexo. O
avanço no programa se dava passo a passo, exigindo-se excelência no desempenho de um
passo para avançar para o seguinte. Isso constituia condição de efetividade. O aluno
somente seria exposto a material de ensino para o qual estivesse preparado. Isso constituía
condição de efetividade. O ensino se dava por indução no sentido de que o aluno era
conduzido, passo a passo, com uma probabilidade mínima de cometer erros (aprendizagem
sem erro), em direção ao objetivo do programa. A construção do programa impunha: uma
definição do seu campo: o que iria ser ensinado; uma reunião de termos técnicos, fatos, leis,
princípios e casos que constituiriam os componentes do programa: uma ordenação mecânica
dos itens (seqüência linear, de preferência, ou ramificada, se necessária). O aluno devia ser
exposto ao programa individualmente. Isso constituía condição de efetividade para todos.
Um ensino desse tipo considerava e respeitava as diferenças individuais, defendendo a condição
de ritmo próprio de aquisição de cada aprendiz. O professor poderia atender um número
indefinido de alunos: para tanto, teria de utilizar recursos mecânicos para apresentação dos
programas (máquinas e computadores especialmente projetados para a educação).
O ensino programado, proposto por Skinner, expandiu-se muito, por vários países,
em vários continentes, apresentando seu pico de produção nos anos de 1968 e 1969
(Vargas, 1992). Parecia que uma verdadeira revolução iria acontecer na educação. Mas
isto não se confirmou. Já em 1960, registrava-se o afastamento dos programas produzidos
da ciência básica da qual derivavam e distorções em relação à sua proposição original
(Holland, 1960). A dispersão da Instrução Programada em vários formatos também foi
registrada por Silverman (1978). Registre-se que muitos adeptos da Instrução Programada
desenvolveram uma tendência para compreendê-la como uma seqüência aleatória de
perguntas ou frases incompletas a serem respondidas ou completadas, respectivamente,
pelos aprendizes. Essas distorções e dispersões sugerem que as prescrições e instruções
fornecidas por Skinner (1954,1958,1972) para programar o ensino não foram suficientes
para controlar o comportamento dos programadores. Skinner (1991) reconheceu que a
Instrução Programada fracassou nas escolas. No entanto, nem os críticos mais ferrenhos
jamais colocaram em dúvida sua efetividade (Silverman, 1978).
No início dos anos 60, um grupo de professores constituído por dois americanos,
Fred Simmons Keííer e John Giímour Sherman, e dois brasileiros Rodolpho Azzi e Carolina
Martuscelli Bori, desenvolveu uma variante de ensino programado sob um formato que
ficou conhecido como Sistema de Ensino Personalizado (PSI). Essa proposta baseava-se
também nos princípios da Análise Experimental do Comportamento. A maneira de planejar
cursos, no entanto, não seguia o modelo da Instrução Programada, nem enfatizava o uso
de máquinas para a apresentação dos programas de ensino correspondentes.
Keller (1968) e Keller e Sherman (1974) descreveram alguns condicionantes dessa
proposta.

Sobre Com portam cnlo e Co#»lç«lo 9


O programa de ensino devia organizar-se numa seqüência ordenada de unidades,
avançando dos conteúdos mais simples para os mais complexos. O ritmo próprio de
aprendizagem dos alunos devia ser respeitado. A individualização do ensino estava, portanto,
presente no PSI. Exigia-se um padrão de excelência de desempenho para avançar no
programa. Isso correspondia à exigência do domínio pleno do aprendido ou à perfeição na
unidade para avançar no programa. Os requisitos de individualização e de padrão de
excelência de desempenho combinados, garantiam, como já foi dito, a efetividade do
ensino para todos. Palestras e demonstrações eram usadas apenas como veículos de
motivação e eram freqüentadas apenas por alunos que tivessem vencido um número
especificado de unidades no curso. Funcionavam, portanto, como um reforço positivo para
esses alunos. As comunicações entre professor e alunos eram feitas sempre por escrito.
Isso impunha clareza nas relações professor/aluno e impedia dúvidas e ambigüidades a
respeito do curso. Propunha-se, ainda, o uso de monitores (geralmente alunos mais
avançados) na administração do curso. Com isso, preservava-se o aspecto sócio-pessoal
do processo educacional, personalizando-o.
A expansão do PSI também foi muito grande. Esteve presente na América do
Norte (Estados Unidos, México e Canadá), na América do Sul (Brasil, Chile, Venezuela e
Argentina), na Nova Zelândia, India, Irlanda, Samoa (Bori, 1974; Sherman, 1974a e Keller,
2001). Especialmente no Brasil, registraram-se trabalhos até os anos 90 (Teixeira, 1991 a,
2003a; Freitas, 1987; Nale, 1998). Essa produção localizou-se predominantemente em
Brasília e nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia, Minas Gerais, Rio
de Janeiro (Bori, 1974).
No entanto, os problemas de dispersões e distorções observados na IP (Instrução
Programada) ocorreram também no PSI.
Sherman (1992) registrou os desvios do PSI de sua proposta original. Relatou que
o próprio professor Fred S. Keller criara uma sigla - SLI (Something like it) - para incluir,
no campo da pesquisa correspondente, trabalhos que se distanciavam de suas proposições.
Registre-se que partidários do PSI desenvolveram uma tendência para compreendê-
lo como organização do ensino por seqüência de conteúdos, afastando-se e descuidando-
se da utilização dos princípios da Análise Experimental do Comportamento.
Essas distorções e dispersões sugerem que as prescrições e instruções fornecidas
por Keller (1968) e Keller e Sherman (1974) para programar o ensino, também, não foram
suficientes para controlar o comportamento dos programadores. Sherman (1992) e Keller
(2001) reconheceram a retração do PSI, nos Estados Unidos. No Brasil, também se observou
essa retração na produção de trabalhos a partir dos anos 80 (Teixeira, 2003a; Freitas,
1987; Nale, 1998).

Analisando a produção de trabalhos no campo do Sistema de Ensino Personalizado


(PSI) no Brasil, Bori (1974) registrou: "não ensinamos as pessoas a programar cursos,
mas a procurar contingências nas atividades e programá-las"(p. 72). Ao fazê-lo, apontou
e prenunciou um instrumental poderoso para o desenvolvimento de programações de ensino.
A Professora Carolina Martuscelli Bori, participante ativa da formulação do PSI,
nos anos 60, esteve sempre associada ao que se produziu a respeito em nosso País.
Inicialmente, nos anos 70, através do que denominou Curso Programado Individualizado
(CPI), divulgou o PSI e ensinou inúmeros alunos a programarem o ensino, de acordo com

10 A ilé li .1 M .irl.i Sdnlo« Telxclrd


seus padrões. No entanto, ao desenvolver esses trabalhos, introduziu um diferencial na
maneira de planejar a relação ensino/aprendizagem, detectado por Teixeira (1983a). Matos
(1996,1998) aponta diferenças entre a proposição do PSI e o trabalho desenvolvido por
Bori, usando a expressão Análise de Contingências em Programação de Ensino (ACPE)
para designá-lo. Registre-se, no entanto, que, em entrevista gravada a convite da Associação
Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC), em 2004, Bori não
confirmou distinções de princípios e procedimentos entre o que produziu e o PSI.
Entretanto, a citação de Bori (1974) descreve uma maneira de planejar o ensino que
não aparece, de forma explícita, na descrição do PSI em Keller (1968) nem na descrição da
sua logística em Sherman (1974b). Ela propõe que se identifiquem oontingências em atividades,
e que se passe a programá-las. Esse apontamento, no mínimo, enfatiza a ordenação de
contingências encontradas, de fato, nas atividades analisadas. Mas, muito mais do que
isso, e posso afirmá-lo porque aconteceu em extenso trabalho que fiz sob sua influência e
orientação (Teixeira, 1983a), sugere que se encontrem contingências de interesse para o
ensino e que se passe a programá-las, através de outras contingências, ordenadas, que,
em conjunto, cumprem o objetivo das contingências de interesse inicialmente identificadas.
Estas funcionam como diretrizes para a programação das demais e, portanto, controlam
toda a programação. Essa ênfase na identificação explícita de contingências e esse
detalhamento de análise e programação de contingências delas derivadas não aparecem
com o mesmo destaque nem em Skinner (1954, 1958, 1972) nem em Keller (1968). A
unidade de análise em Bori (1974) é explicitamente a contingência tríplice.
Assim, o programador trabalha sempre com relações ambiente/comportamento
de interesse. Não tem como fugir disso e, durante toda a programação, está selecionando
situações-estímulo (atividades) e comportamentos com o objetivo de colocar os últimos
sob o controle dos primeiros. Isso, sem dúvida, garante uma adesão maior do programador
aos princípios da Análise Experimental do Comportamento. Seu comportamento de
programar se dá sob o controle direto de contingências demandadas no programa. Uma
diretriz semelhante não chega a ser sequer insinuada nas propostas de Instrução
Programada e do Sistema de Ensino Personalizado, ao tratarem da construção de
programas: talvez a dispersão e o afastamento dos princípios da Análise Experimental do
Comportamento observados nestas duas proposições decorreram, exatamente, da falta
de indicação precisa sobre o que analisar, e o que selecionar para ordenar na composição
de programas de contingências de ensino. Ambas destacam a questão dos objetivos
comportamentais mas não abordam, com clareza, a questão da identificação de
contingências, propriamente ditas.
Os condicionantes no trabalho ou na proposta de Bori (1974) incluíam todos os
condicionantes do PSI, acrescidos do requisito de identificação de contingências de interesse
para o ensino e da programação destas contingências através de outras contingências.
Assim, sua possibilidade em relação à efetividade do ensino para todos se colocava nos
mesmos patamares da Instrução Programada e do Sistema de Ensino Personalizado.
Essa maneira de proceder de Bori (1974) expandiu-se muito, em nosso País, até os
anos 90. No entanto, ocorreu, também, uma retração na produção de trabalhos, nesse formato
de programação, a partir da década de 80 (Teixeira, 2003a; Freitas, 1987 e Nale, 1998).

Na minha avaliação, a orientação de Bori (1974) em relação à programação de


ensino pode mostrar-se útil no controle do comportamento dos programadores, constituindo
uma contribuição inovadora para o avanço do ensino programado.

Sobre Com portam ento <• Cofltilv.U)


Os princípios que norteiam as três propostas (IP, PSI, ACPE) são os mesmos
porque todas se apóiam na Análise Experimental do Comportamento. O ponto culminante
nas três proposições aponta para a individualização da educação que constitui a condição
primordial e necessária para efetividade do ensino para todos.
Entretanto, os proponentes, ao apontarem a maneira de proceder do programador
na composição da programação, fazem-no de uma tal forma que justifica a sua diferenciação.
Skinner opta por seqüências de passos, de tamanhos ínfimos, em sua Instrução Programada,
e não indica, com clareza, para o programador, o que está presente e sendo relacionado
nesses passos. Keller opta por unidades de tamanhos amplos, em seu Sistema de Ensino
Personalizado e, também, não indica, com clareza, para o programador, o que está presente
e sendo relacionado nessas unidades. O problema, aqui, se agrava porque a maior amplitude
das unidades embute uma complexidade de relações muito maior do que as presentes nos
passos da Instrução Programada. Não foi por acaso que muitos de seus seguidores reduziram
o PSI a uma programação baseada em seqüência de conteúdos de ensino sem qualquer
preocupação maior com a identificação de uma seqüência de objetivos comportamentais e
de contingências de ensino. É óbvio que podemos submeter os trabalhos produzidos na IP
e no PSI a uma análise comportamental e encontraremos neles princípios da Análise
Experimental do Comportamento. Isso, no entanto, decorrerá do fato de esses princípios
estarem presentes em qualquer relação organismo/ambiente e não necessariamente do
comprometimento dos programadores com tais princípios. Não se trata de uma identificação
antecipada de tais princípios, realizada pelos programadores, e de sua utilização sistemática
na construção dos programas correspondentes. Dessa forma, não é surpreendente o fato de
que muitos programas não tenham sido considerados de boa qualidade e tenham sido
avaliados como distorções das propostas originais correspondentes.
A proposta baseada no instrumental de Bori (1974), ao enfatizar a explicitação de
contingências, obriga o programador a identificá-las e indicá-las. Ao fazê-lo, necessariamente
estará selecionando e indicando, ponto a ponto no seu programa, situações-estímulo
(antecedentes), comportamentos e, inevitavelmente, as conseqüências (reforçadores)
naturais para tais comportamentos. Adicionalmente, reforçadores arbitrários poderão ser
acrescidos aos naturais, á vontade do programador. Essas contingências tríplices produzirão
as variações comportamentais visadas no decorrer do programa e o seu arranjo garantirá
a efetividade do que se pretende ensinar.
Como as situações-estímulo e os comportamentos selecionados para compor as
contingências de interesse constituem classes de estímulos e de respostas, o programador,
ao propor seu programa, obrigatoriamente o fará dentro da amplitude dessas classes. Assim,
estará vinculado á gama de estimulações e respostas contidas nas classes respectivas.
Ao seguir o princípio de programação de ensino de construção de comportamentos,
a partir de formas mais simples para as mais complexas, ordenará situações-estímulo e
comportamentos, ou seja, identificará novas contingências de ensino derivadas da
contingência de interesse do passo e organizá-las-á e programará numa seqüência que
avança em complexidade, seguindo, portanto, o princípio básico de modelagem de
comportamento. Aqui, na modelagem, localiza-se o cerne da contribuição da proposição de
Bori (1974): "identificar contingências nas atividades"[situações-estímulo] “e programá-las”
(p. 72), seqüenciando-as. Ao fazê-lo, estará diferenciando, ponto a ponto, as respostas
visadas, seguindo, portanto, o princípio de diferenciação de respostas. Como os
comportamentos ou respostas vão sendo instalados em direção a uma forma comportamental

12 A ild i< i M .irla Siinlos Icixciru


mais complexa, que constitui o objetivo comportamental do passo, o programador vai
interligando esses padrões de respostas de modo a obter, no final do passo, a emissão do
comportamento visado (objetivo do passo) como se fora uma unidade comportamental simples
- discriminar forma de letras, traçar letras, escrever, ler, contar, distinguir conceitos (conjunto,
elemento de conjuntos, pertinência, números e numerais), etc. Ao construir essas ligações
entre formas mais simples e mais complexas de padrões comportamentais, o programador
estará desenvolvendo cadeias comportamentais e seguindo, portanto, o princípio de
encadeamento de respostas. Portanto, o instrumental metodológico de Bori (1974) cumpre
uma função crítica na construção de repertórios comportamentais.
Além disso, como o programador trabalha sempre a partir de contingências de
interesse, ou seja, situações-estímulo e comportamentos indicados antecipadamente,
geralmente sob a forma de apontamento de atividades e comportamentos visados, o tempo
todo estará propondo a colocação de comportamentos específicos sob o controle de
situações-estímulo específicas. Assim, durante todo o seu trabalho de programar, estará
atuando no campo dos princípios de controle de estímulos, ora procedendo ao
estabelecimento de discriminações, ora ao de generalizações. Isso ocorre durante todo o
processo de instalação de comportamentos propostos no programa e é especialmente
observável nas avaliações dos passos. Ressalte-se que a seqüência de estímulos utilizados
deriva da classe de estímulos representada na situação-est/mulo (atividade) da contingência
principal e de interesse do passo que controla toda a programação do mesmo.
Dessa forma, no contexto da proposição de Bori (1974), os princípios básicos da
Análise Experimental do Comportamento - reforçamento positivo, modelagem, diferenciação
de respostas, encadeamento e controJe por estímulos - estarão naturalmente presentes e
contidos naquilo que os programadores programarem para ensinar o que pretendem ensinar.
O desconhecimento, por parte dos programadores, desses princípios, não exclui
sua efetividade; apenas dificulta-lhes o reconhecimento e entendimento das relações ambiente/
comportamento que estão ocorrendo no processo ensino/aprendizagem colocado em curso.
No entanto, é óbvio que conhecimentos prévios acerca dos princípios básicos da
Análise Experimental do Comportamento e de suas técnicas e táticas de manipulação do
ambiente e do comportamento, além de facilitar o trabalho do programador, imprimirão
sofisticação, precisão e efetividade nas programações produzidas, permitindo a avaliação
e validação dos programas correspondentes em relação ao quadro conceituai que lhes dá
sustentação.
Conforme Matos (1992), algumas técnicas e táticas de grande utilidade se referem
a: seleção, uso e distribuição de reforçadores; transferência de controle de estímulos
(antecedentes) e de reforçadores (conseqüentes); mudança gradual de habilidades,
dimensões de estímulo e reforçadores; organização temporal do comportamento; auto-
sustentação de comportamentos em encadeamentos efetivos; apresentação de estímulos
(esvanecimento, acentuação); formulação de instruções.
Dessa forma, reafirmo que a proposição de Bori (1974), aqui denominada Análise
de Contingências em Programação de Ensino, constitui, sem dúvida, uma contribuição e
um avanço promissor em relação às formulações anteriores da Instrução Programada
(Skinner, 1954, 1958, 1972) e do Sistema de Ensino Personalizado (Keller, 1968). A
possibilidade de vinculação de sua proposta com a Análise Experimental do Comportamento
é favorecida, ampliando o comprometimento do programador com os princípios dela
derivados.

Sobre Com portam ento e Cognição


Baseados na proposição de Bori (1974), alguns exemplares da estrutura de
programas de contingências para o ensino de leitura, escrita e comportamento numérico
elementar podem ser encontrados em Teixeira (1983a, 2002, 2003b e 2004). Esses
exemplares apresentam um sistema de notação próprio para representá-los. Detalhamentos
de como as contingências de interesse identificadas e explicitadas para esses programas
foram programadas para compor as programações de ensino correspondentes, assim
como alguns resultados obtidos a partir de sua aplicação em crianças, podem ser
encontrados em Teixeira (1983a, 1991b, 1994,2002,2003b).
O fracasso da Instrução Programada nas escolas foi reconhecido por Skinner
(1991). O fracasso do Sistema de Ensino Personalizado nos Estados Unidos foi reconhecido
por Sherman (1992) e por Keller (2001). O mesmo enfraquecimento pode ser reconhecido
na proposta de Bori (1974) (Teixeira, 2003a; Freitas, 1987; Nale, 1998). Lamentavelmente,
o ensino programado não conquistou os meios educativos e não se sustentou neles.
Muitas razões têm sido apontadas como relacionadas a esses fracassos: as
disputas políticas entre Estados Unidos e Rússia, nos anos 50; a revolução cognitiva na
Psicologia, nos anos 60; o fortalecimento de uma concepção de ensino como forma de
comportamento social; a inadequação dos próprios programas; a ignorância dos
programadores; o custo do ensino programado; o atraso no desenvolvimento de mecanismos
para apresentação dos programas; a hostilidade nos meios acadêmicos, educativos e sociais;
as distorções de críticos do ensino programado gerando muitos preconceitos a seu respeito;
a oposição de cúpulas definidoras de políticas de educação (Skinner, 1991; Vargas, 1992;
Sherman, 1992; Keller, 2001). De fato, tudo isso concorreu para a retração observada nas
propostas de ensino programado e para a sua não assimilação nos meios educativos.
No entanto, esse fracasso exige uma análise mais acurada que, no lugar de
procurar entendê-lo e justificá-lo, busque meios de superá-lo.
Os programadores não podem ser responsabilizados pela retração, dispersão,
enfraquecimento e rejeição das propostas. Faltou uma indicação precisa do procedimento
envolvido na construção de programas e na programação do ensino. Ao afirmar, através de
seu personagem Frazier, em Walden Two, "os sujeitos tiveram sempre razão", Skinner
(1976, p. 285) permite-me dizer o mesmo: os programadores também tiveram sempre
razão e estiveram sempre certos, tendo em vista o contexto, a literatura que lhes foi
disponibilizada e as contingências que os cercaram.
O ensino programado, embora firmemente associado a efetividade, não se mostrou
suficientemente efetivo para vencer preconceitos, hostilidades e disputas políticas e acadêmicas.
Diante de tantas dificuldades, os analistas do comportamento envolvidos foram se
recuando e abrigando-se em locais e campos de trabalhos mais amenos e propícios a
reconhecimentos e reforçamentos. Esses deslocamentos são absolutamente
compreensíveis.
No entanto, convém lembrar que uma mudança radical de concepção acerca do
homem e especificamente uma revolução na educação, conforme previra Skinner (1954,
1958), não ocorrerão sem uma grande dose de generosidade, resistência e empenho por
parte dos postulantes das novas idéias. Há necessidade, ainda, de uma organização política
dos analistas do comportamento, além da organização acadêmica que sempre preferiram.
Enquanto esse quadro de acontecimentos se desenrola, a educação continua
com os mesmos problemas. No próprio Estados Unidos, conforme Skinner (1991), os

14 A tldi.1 Miiriii Scintos Icixrini


problemas apontados nos anos 50 permanecem e o sistema educacional não avançou.
De fato, retroagiu:

“a módia de desempenho dos estudantes om nossas escolas secundárias em


testes padronizados agora está mais baixa do que estava há 25 anos atrás e os
alunos nas escolas Americanas se equiparam pobremente com aqueles de outras
naçóos em muitos campos. Como declarado pola Comissão, a Amórica está
amoaçada por 'uma crescente corrente de modiocrtdade'." (Skinner, 1992, p. 15)

No Brasil, os padrões de ensino encontram-se em patamares não aceitáveis,


causando constrangimento, de um modo geral, a governantes, pesquisadores, educadores
e brasileiros.
A Psicologia Cognitiva alardeou uma revolução nos anos 60 que mais parece uma
contra-revolução. Alóm de não cumprir promessas no campo do ensino, não conseguiu
desenvolver nem mesmo uma proposta educacional satisfatória ou, minimamente, efetiva.
E, apesar disso, espalhou-se e continua se espalhando em todo o sistema educacional
brasileiro como também ocorre nos Estados Unidos.
A utilização maciça de computadores como instrumental de ensino embute muito
dos princípios de ensino programado, descritos neste trabalho, no material desenvolvido
para alimentar essas máquinas. Isso vem ocorrendo na Coréia do Sul, no Canadá, nos
Estados Unidos que têm ocupado as melhores posições em classificações mundiais de
desempenho escolar de seus alunos. No entanto, educar ó muito mais do que ensinar
matemática, ciências, literatura, linguagem. Todo o ambiente educativo precisa ser
repensado, assim como os efeitos das propostas educativas na vida futura dos alunos. Os
estressores, especialmente a competição exacerbada e o pânico do fracasso, presentes
em algumas experiências educacionais, consideradas bem sucedidas através de dados
estatísticos e de rankings mundiais, precisam ser totalmente eliminados se o que se
pretende é formar uma população de estudantes aptos para o viver.
Finalizando, instigo os analistas do comportamento, e especialmente as novas
gerações de analistas do comportamento, a retornarem aos meios educativos e a ocuparem
seus espaços na proposição de soluções para tornar o ensino mais eficiente. Onde não for
possível individualizar o ensino - condição indispensável para garantir sua efetividade
para todos - que se concentrem inicialmente, pelo menos, na programação do ensino,
identificando as melhores condições para torná-lo mais efetivo. Registre-se que efetividade
de ensino ó mais do que o que se costuma chamar de qualidade de ensino e que efetividade
do ensino para todos é garantir ensino em padrões de excelência para todos sem exceções.
Concluindo, reafirmo: o ensino programado é condição para a efetividade do ensino:
a aplicação da Análise Experimental do Comportamento na educação é condição para
efetividade de ensino; a individualização do ensino (respeito ao ritmo próprio de aquisição
do aluno) e a exigência de domínio pleno do aprendido para avançar no programa são
condições para a efetividade do ensino para todos; a Análise de Contingências em
Programação de Ensino, conforme proposição de Bori (1974), constitui um instrumental
poderoso para o planejamento e organização de programas de ensino efetivos.
De acordo com Sherman (1992), em uma barra em Key West/USA lê-se: "a
gravidade não é apenas uma boa idéia, ó a lei". Do mesmo modo, afirma: "A contingência
de três termos não é também apenas uma boa idéia. Qualquer procedimento que segue
esta lei é um passo na direção certa"(p. 63).

Sobre Com portam ento e C o ^ n i^ o


Por último, manifesto minha forte convicção de que, ainda que requeiram décadas,
as transformações educacionais passarão pelas formulações de Skinner, Keller e Bori, se
o objetivo visado for o de tornar a educação efetiva e excelente para todos. Além disso,
prenuncio a utilização do instrumental apontado por Bori (1974) em outras áreas de pesquisa
e aplicação da Análise do Comportamento, especialmente nos campos de intervenções
psicossociais e de planejamento ambiental.

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16 Adi’liii Miirid S.intos tclxcir.i


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Sobre Com portam ento c Cogniç.lo 17


Capítulo 2

Ressurgência: conceitos e métodos


que podem (ou não) contribuir para a
Análise do Comportamento
A/cs&im/ni Antônio Vi/kis Hôtis*

Vimes*! Kd/uc Mur,iy,inui*

í/crson Yukio Tom,ifhirf *

Por vezes, no dia a dia, reconhecemos, em nós mesmos ou em outras pessoas,


a re-emissão de comportamentos que foram freqüentes no passado, mas que já não mais
ocorriam há tempos. Não raro, terapeutas se deparam com a observação de um determinado
comportamento do cliente que, outrora eficaz, havia aparentemente deixado o seu repertório
comportamental.
Também no laboratório, essa observação é comum. O procedimento de modelagem
por aproximações sucessivas da resposta de pressão à barra de um rato, conhecido e
realizado por muitos de nós, ó um exemplo claro. Para levarmos o animal à emissão da
resposta de pressão à barra, o reforçador (água ou comida, por exemplo) é liberado,
estrategicamente, de modo a aumentar a probabilidade de classes de respostas que
gradualmente aproximem-se da classe final. Assim, por exemplo, reforçamos inicialmente
0 comportamento do rato de se dirigir à barra; em seguida, o de se aproximar da barra; o
de farejá-la, tocá-la até, finalmente, pressioná-la. Nesse ponto, quando as pressões à
barra predominam, as respostas que compuseram as classes anteriores são pouco
freqüentes. Entretanto, se o animal ó, então, submetido a um procedimento de extinção
imediatamente após o reforçamento, pode-se observar um aumento inicial temporário da
resposta de pressão à barra. Este aumento ó muitas vezes acompanhado por respostas
de caráter "emocional", como defecar, morder a barra, pressioná-la fortemente etc. Além
disso, e o mais relevante nesse momento, é a observação de que, sob extinção, verifica-
se um aumento na freqüência de antigas respostas que compuseram o repertório
gradualmente estabelecido durante a modelagem. Essas respostas, interessantemente,
‘ Departamento de Psicologia Experimental, USP
1 Contato com os autores: Instituto de Psicologia, USP Av Prof Mello Moraes, 1721. Sflo Paulo. SP, 05508-
900 Email: aleavb@usp br, vanessakmurayama@yahoo com br, tomanari@usp br

18 Alessandra A . V lllas R<\is, V.mcssa K a/uc M u ra ya m a , l/crson Y ukio lomanarí


reaparecem regressivamente, isto é, na ordem inversa à que foram reforçadas durante a
modelagem. Em nosso exemplo, o rato pressionaria inicialmente a barra em freqüência
elevada, depois passaria a tocá-la, depois passaria a farejá-la, então a aproximar-se dela,
e assim por diante. Padrão de respostas como esse é relatado brevemente por Staddon e
Simmelhag (1971) ao comentarem que, ao extinguir um comportamento previamente
estabelecido em pombos, observaram um aumento na variabilidade comportamental,
juntamente com o aparecimento de respostas que haviam sido reforçadas no passado.

Primeiros Estudos: Modelos Experimentais de Regressão


Freud (1917/1976), em seu trabalho psicanalítíco, descreveu, por um processo
que chamou de regressão, comportamentos de seus pacientes que foram um dia freqüentes
e que voltavam a aparecer em determinadas circunstâncias. Segundo apresentou, diante
de situações aversivas do presente, haveria uma volta de comportamentos antigos, em
particular, comportamentos típicos na infância da pessoa2.
Na década de 1930, o conceito psicanalítico de regressão atraiu a atenção de
pesquisadores experimentais, tornando-se, assim, um tema de estudos conduzidos em
laboratório com sujeitos infra-humanos. O objetivo era estudar, a partir de uma situação aversiva,
a volta de comportamentos que haviam sido anteriormente reforçados na história de vida do
sujeito (0'Kelly, 1940; Sanders, 1937). Os procedimentos utilizados, apesar de diferirem entre
si em alguns aspectos, apresentavam um delineamento experimental relativamente padronizado.
Ratos eram primeiramente treinados a seguir um certo trajeto de um labirinto, recebendo
comida como reforçador. Quando esse primeiro trajeto (R1) ’ estivesse devidamente estabelecido,
um outro trajeto (R2), incompatível com o primeiro, era treinado até se encontrar igualmente
bem estabelecido. Feito isso, os animais eram submetidos a uma situação aversiva, tal como
um choque (OKelly, 1940; Sanders, 1937), um som alto, ou injeções de substâncias químicas
(Sanders, 1937), imediatamente antes de iniciarem o percurso no labirinto. Nessa situação,
era observado qual trajeto era mais freqüentemente percorrido peto animal, R1 ou R2. A adoção
significativa do segundo trajeto demonstraria um possível controle pelo padrão mais recente do
responder. A adoção do primeiro trajeto, entretanto, revelaria o eventual controle por processos
regressivos, especialmente por se tratar de um padrão que reapareceu diante de uma situação
aversiva. No conjunto, os resultados destas investigações demonstraram que, de fato, os
animais voltavam a efetuar o primeiro trajeto (R1) depois de terem sido expostos a uma situação
aversiva, um choque ou um som alto. Sanders (1937), em particular, ainda observou alguns
efeitos da especificidade da situação aversiva. Interessantemente, os ratos percorriam o primeiro
trajeto (R1) apenas quando expostos a choques no interior do labirinto, e não quando os
recebiam antes de serem colocados no mesmo

Ressurgéncia
Após alguns anos desde os estudos iniciais sobre regressão, Epstein (1983), já
na década de 1980, retomou o tema, porém inaugurando novos enfoques conceituais e
metodológicos. Em vez de estudar o reaparecimento de antigos comportamentos mediante

1 Segundo u psicanálise, tais comporíammloa seriam pontos de fixação selecionados na infância que não
tiveram um "bom desenvolvimento" e, por Isso, haveria posteriormente retornos a eles diante de situações
desagradáveis
3 Ao longo deste capitulo, MR1” será empregado para designar o reforçamento de um comportamento que,
posteriormente, será avaliado em sua possibilidade de reaparecer. Por sua vez, “ R2" designará um
comportamento que será reforçado após "R I" té-lo sido

Nobre foniporltimenlo c Cognivilo 19


situações aversivas promovidas pela apresentação de choques, por exemplo, o autor passou
a estudá-lo em situações de extinção. A partir dessa mudança, Epstein (1983) denominou
o fenômeno de ressurgéncia4(resurgence, em inglês) a fim de diferenciá-lo da regressão.
Para justificar essa diferenciação, Epstein (1985) argumentou que a ressurgéncia
seria um fenômeno meramente descritivo, do qual a regressão seria tão somente um
“caso especial". A regressão, sob influência da psicanálise, teria um sentido não meramente
comportamental, mas diria respeito a mecanismos internos do organismo, subjacentes e
nem sempre explicitamente apresentados. Além disso, a regressão diria respeito à volta
de comportamentos da infância, diante de situações aversivas. Já a ressurgéncia, por
sua vez, não se restringiria ao reaparecimento de comportamentos da infância, tampouco
seria um efeito exclusivo de estímulos aversivos.
Em sua proposta de definição de ressurgéncia, Epstein (1983) afirmou que, “quando,
em determinada situação, um comportamento recentemente reforçado não é mais
reforçado, comportamentos que foram previamente reforçados, sob circunstâncias
similares, tendem a recorrer." (1983, p. 391 )5. Esta afirmação teve como base dados
experimentais coletados com seis pombos. Primeiramente, o autor reforçava respostas
de bicar um de dois discos experimentais (R1) com comida. Em seguida, tal resposta
era submetida a um procedimento de extinção por 1 a 12 sessões. Em seguida, respostas
alternativas (R2), tais como mexer a cabeça, levantar as asas ou dar uma volta no interior
da caixa, eram reforçadas. Imediatamente após o treino de respostas alternativas, os
pombos eram novamente submetidos a um procedimento de extinção de ambos os
comportamentos (R1 e R2). Nesse momento, tais respostas alternativas (R2) cairam em
freqüência, enquanto o comportamento de bicar (R1) voltou a ocorrer em alta freqüência.
A partir de tais resultados, Epstein (1983) observou que até mesmo comportamentos que
tenham passado previamente por um procedimento de extinção poderiam ressurgir. Poróm,
notou que o reaparecimento do bicar era mais freqüente para os sujeitos que haviam sido
expostos a 11 ou 12 sessões de extinção do que àqueles que haviam sido expostos a
apenas 1 ou 2 sessões. Esse dado indica que, talvez, a extinção de R1, considerando o
seu grau, tenha alguma influência sobre seu posterior reaparecimento.
Em outro experimento, citado por Epstein (1985), o autor submeteu um pombo a
três condições experimentais. Durante todo o experimento, estavam presentes três discos
experimentais na caixa de condicionamento operante. Na primeira condição, bicadas em
um disco localizado à direita eram reforçadas (R1) com comida. Em seguida, apenas
bicadas ao disco central (R2) eram reforçadas, enquanto as bicadas ao disco da direita
deixaram de ser. Durante todas as condições experimentais, o disco da esquerda
permaneceu inoperante. Finalmente, os pombos foram submetidos a um procedimento de
extinção, no qual nenhuma resposta era reforçada. Os resultados deste estudo mostraram
que a mudança do reforçamento do disco da direita (R2) para o disco central (R1) foi
acompanhada por diminuição no responder á direita (R2), à medida que o responder no
disco central aumentava e se estabilizava (R1). Durante o procedimento de extinção,
respostas à esquerda foram raras, enquanto respostas no disco central (R2) predominaram.
Poróm, à medida que o responder no disco central diminuía, bicadas, em taxa alta, voltaram

4 O lerrno ressurgéncia foi preferido ao termo ressurgimento como tradução de resurgence, pois o primeiro
não apresenta significado na língua portuguesa, ao contrário do segundo. Desse modo, pode preservar um
significado técnico do termo que é introduzido na língua portuguesa pelo fenômeno que será aqui descrito
5 "When, in a given situation, recently reinforced behavior is no longer reinforced, behaviors that were
previously reinforced under similar circumstances tend to recur " (Epstein, 1983, p. 391)

20 A le**dm lrii A . V illus Bd»is, Vuncisti K>i/uc M u r.iyd im i, Qcrson Y ukio lomanari
a ocorrer no disco da direita (R1) - o disco no qual houve história de reforçamento na
primeira condição experimental.
A partir dos resultados dos dois experimentos descritos acima, Epstein (1983,
1985) atribuiu o reaparecimento da primeira resposta treinada (R1) á situação imposta
pela extinção de R2 e introduziu, na literatura, o termo "ressurgência induzida por extinção"
{extinction-inducedresurgence, Epstein, 1983, p. 391; 1985, p. 144).

Ressurgência em Participantes Humanos


Na década de 1990, ressurgência passou a ser pesquisada, em humanos, em
uma certa variedade de comportamentos simples e complexos. Wilson e Hayes (1996),
por exemplo, estudaram o fenômeno a partir de um procedimento de pareamento com o
modelo, verificando o reaparecimento de classes de estímulos equivalentes tanto em
situação de extinção como de punição, como será detalhado mais adiante. Mechner,
Hyten, Field e Madden (1997) estudaram o reaparecimento de seqüências efetuadas em
teclas de computador durante uma condição de extinção, assim como durante uma condição
de aumento nos requisitos das respostas. Díxon e Hayes (1998), por sua vez, observaram
o reaparecimento de comportamentos governados por regras diante de extinção.
Wilson e Hayes (1996) investigaram a ocorrência de ressurgência, tanto diante de
extinção como de punição, em tarefas que envolviam um controle complexo por estímulos.
Para isso, vinte e três estudantes universitários foram submetidos a um procedimento de
pareamento com o modelo a fim de gerar a formação de classes de estímulos equivalentes.
Durante o treino, os participantes recebiam feedback por todas as respostas emitidas.
Aquelas respostas que estavam de acordo com a classe treinada eram seguidas do
aparecimento de uma palavra na tela, tal como “correto” ou "excelente"; já aquelas que
não estavam de acordo com a classe eram seguidas da palavra “errado”. Este treino
resultou em três classes arbitrárias de equivalência (C1), cada uma delas constituída de
quatro estímulos visuais. Em seguida, os mesmos 12 estímulos foram reagrupados, e um
novo treino foi efetuado, semelhante ao anterior, porém baseado nessas novas classes de
estímulos. Este treino gerou três novas classes de equivalência (C2), cada uma também
com quatro estímulos. Os estímulos foram, então, reapresentados, ainda em um
procedimento de pareamento com o modelo, mas desta vez sob um procedimento de
extinção. Nesta condição, sob ausência de reforçamento, os estímulos foram apresentados
de modo que os sujeitos podiam responder consistentemente tanto com C1 quanto com
C2. Em termos de resultados, os autores verificaram que a maioria dos sujeitos continuou
a responder consistentemente de acordo com o segundo grupo de classes de equivalência
(C2), mas não de acordo com o primeiro (C1). Durante a fase seguinte, os sujeitos foram
expostos novamente ao mesmo procedimento, mas, desta vez, respostas consistentes
com o treino mais recente (C2) produziam, como conseqüência, a palavra "errado" na tela
(punição), ao passo que quaisquer outras respostas, incluindo aquelas consistentes com
C1, não produziam qualquer informação. Nessa segunda situação, a maioria dos sujeitos
passou a responder consistentemente com C l, mesmo quando, posteriormente, foram
novamente expostos à situação de extinção.
O trabalho de Wilson e Hayes (1996) mostrou que, submetidos inicialmente à
extinção, os sujeitos relacionaram os estímulos de acordo com as discriminações
condicionais mais recentemente treinadas {C2). Quando as respostas referentes a esse
treino foram seguidas por conseqüências supostamente punidoras, os sujeitos passaram

Sobre Com porf.im enfo c C o h d IvJo 21


a emitir respostas coerentes com o primeiro treino efetuado (C1). Desse modo, parece
que a punição foi mais efetiva para o reaparecimento de C1 do que a extinção.
No trabalho de Mechner e col. (1997), estudantes universitários foram submetidos
à situação experimental de reforçamento por construir seqüências de respostas utilizando-
se de oito teclas do computador. Em uma primeira condição, cada seqüência era constituída
por dez caracteres. Nesta, os autores observaram que, na maior parte das vezes, os
participantes formavam seqüências de respostas dentro de um limitado escopo de variação.
Em uma segunda condição experimental, o número de caracteres exigidos para a formação
de uma seqüência passou de dez para vinte. Nesse contexto, verificaram que seqüências
previamente emitidas foram bastante freqüentes, ainda que as possibilidades de novas
seqüências tenham se ampliado grandemente. Por fim, foi conduzida uma condição final
de extinção. Nesta, os autores mantiveram a observação de uma clara predominância de
seqüências que já haviam sido reforçadas previamente. Portanto, a despeito das inúmeras
— para não dizer infinitas— seqüências possíveis, aquelas previamente treinadas tendiam
a reaparecer.
Dixon e Hayes (1998) submeteram estudantes universitários a uma tarefa em
que, utilizando o mouse do computador, deviam arrastar um ponto gráfico de um canto a
outro do monitor de vídeo. Antes de iniciado o experimento, foram dados diferentes tipos
de regras para diferentes grupos de participantes. Alguns receberam apenas pistas das
contingências que estavam em vigor, outros receberam ordens, sendo que tais pistas ou
ordens variavam entre mais gerais e mais específicas. O desempenho dos participantes
na tarefa seria reforçado, em um primeiro momento, se o caminho "traçado" pelo participante
ao arrastar o ponto pela tela fosse variado na presença de um estímulo vermelho e fosse
estereotipado na presença de um estímulo verde. Os reforçadores utilizados, para diferentes
grupos de sujeitos, foram pontos acrescidos na tela ou elogios verbais. Em uma segunda
fase, nenhuma nova regra era dada, mas as contingências eram invertidas, ou seja, na
presença de estímulo verde, o trajeto do ponto deveria ser variado e, na presença do
estímulo vermelho, o trajeto deveria ser estereotipado. Em uma terceira fase, os estímulos
continuavam a ser apresentados mas, em metade das apresentações de cada estímulo, o
trajeto deveria ser estereotipado e, na outra metade, deveria ser variado. E, finalmente, na
última fase, nenhum trajeto era reforçado, submetendo os participantes a um procedimento
de extinção, ainda na presença dos estímulos verde e vermelho. Nessa última fase,
inicialmente, foram observadas respostas semelhantes àquelas emitidas na terceira fase
do experimento. Entretanto, posteriormente na tarefa, observou-se que respostas referentes
às fases anteriores tornaram-se mais freqüentes. Os autores atribuíram tal resultado a
ressurgência diante de extinção, de regras ou auto-regras seguidas nas fases anteriores
do experimento.

O Conceito de Ressurgência Representa um Avanço?


Na história das pesquisas em ressurgência, em particular na linha de investigação
iniciada por Epstein (1983,1985), observa-se o enfoque analítico sobre o papel da extinção
de R2 sobre o reaparecimento de R1. Entretanto, adicionalmente à circunstância em que
R1 possa reaparecer, há uma variável que nos parece crucial para a definição desse
fenômeno: a eventual extinção ou não da própria resposta ressurgente (R1). É bem verdade
que Epstein (1983,1985) demonstrou o fenômeno tendo R1 sido ou não extinta previamente
(antes do treino de R2). Mas também é verdade que nenhuma discussão cuidadosa fora
feita a esse respeito. Seria válido denominar de ressurgência o reaparecimento de um

22 A le st.iiu lr .1 A . V lllds Bdds, V.incM d K .i/u c Murdydrnd, l/rrson Y ukio lomdndri


comportamento que não fora anteriormente extinto e, portanto, ainda faça parte do repertório
comportamental do organismo?
Na tentativa de investigar esta questão, Cleland e Temple (2000) realizaram um
experimento com galinhas a fim de observar possíveis diferenças entre o reaparecimento
de um comportamento que houvesse ou não sido extinto. Duas classes distintas de
comportamento foram reforçadas com comida: levantar a cabeça e empurrar uma portinhola.
Para metade dos sujeitos, levantar a cabeça foi a primeira resposta treinada (R1) e empurrar
a portinhola foi a segunda (R2); para a outra metade, as topografias das respostas foram
trocadas. Os autores submeteram, então, todos os sujeitos experimentais a duas condições
diferentes. A primeira condição era constituída de quatro fases experimentais. Na Fase 1,
os autores reforçaram R1 até que houvesse estabilidade no responder, enquanto R2 não
produzia o reforçador. Na Fase 2, R1 era submetido a um procedimento de extinção, no
qual nenhuma resposta era reforçada. Na Fase 3, R2 era reforçada, enquanto R1 não o
era. E, finalmente, na Fase 4, ambas as respostas eram submetidas a um procedimento
de extinção, como na Fase 2. A segunda condição experimental era composta por três
fases. Na Fase 1, R1 era reforçada, enquanto R2 não produzia o reforçador. Na Fase 2, R2
era reforçada e R1 deixava de ser. E, finalmente, na Fase 3, era efetuado um procedimento
de extinção, no qual nenhuma resposta era reforçada. Sinteticamente, os dados obtidos
mostraram que o reaparecimento de R1 foi, em geral, mais acentuado quando não havia
um procedimento de extinção programado após seu treino do que quando havia. Na verdade,
a partir de análises detalhadas dos autores, não foi observado o reaparecimento de R1,
durante a extinção de R2, quando R1 havia sido previamente extinta.
Com o objetivo de abordar a mesma questão, isto é, o papel da extinção de R1 em
seu posterior reaparecimento, Murayama, Bôas, Napolitano e Tomanari (2004) buscaram,
a partir do trabalho de Cleland e Temple (2000), equalizar as topografias de R1 e R2 e
empregar sujeitos mais tipicamente usados em pesquisas operantes com animais. Dessa
forma, utilizaram dois grupos de ratos como sujeitos, cada qual exposto a um delineamento
experimental diferente. As duas respostas treinadas foram a de focinhar o focinhador à
direita e à esquerda de uma das paredes da caixa operante. Para metade dos sujeitos de
cada grupo, R1 consistiu em focinhar à direita, e R2 consistiu em focinhar à esquerda.
Para a outra metade, as topograficas foram invertidas.
Os sujeitos do Grupo 1 foram, então, submetidos a cinco fases experimentais.
Em todas as fases desse primeiro grupo, ambos os focinhadores estiveram presentes no
interior da caixa experimental durante todo o procedimento. Na Fase 1, os sujeitos foram
submetidos a uma linha de base, na qual nenhuma resposta era reforçada, mas as respostas
de focinhar ambos os focinhadores eram devidamente registradas. Na Fase 2, R1 foi
instalada, recebendo comida como reforçador. Na Fase 3, os sujeitos foram submetidos a
um procedimento de extinção, no qual nenhuma resposta era reforçada. Na Fase 4, R2 foi
treinada. Finalmente, na Fase 5 (ou Fase-Chave, assim chamada por permitir avaliar a
possível ressurgència de R1), repetiu-se o procedimento da Fase 3, ou seja, ambas as
respostas, R1 e R2, foram expostas à extinção.
Diferentemente do Grupo 1, os sujeitos do Grupo 2 foram submetidos a quatro
fases experimentais. Na Fase 1, os sujeitos passaram pela condição de linha de base em
que nenhuma resposta era reforçada, mas respostas a ambos os focinhadores eram
devidamente registradas. Na Fase 2, os sujeitos foram então treinados a emitir R1, na
ausência do Focinhador 2, recebendo água como reforçador. Na Fase 3, R2 foi treinada na

Sobrv Com portam ento e C‘o riiív.1o 23


ausência do Focinhador 1, impedindo-se, assim, que R1 passasse por um procedimento
de extinção. Em seguida, na Fase 4 (ou Fase-Chave), ambos os focinhadores estiveram
simultaneamente presentes na caixa e R1 e R2 foram submetidas à extinção.
A partir dos dados registrados, foi observado que a freqüência de R1 foi maior na
Fase-Chave do Grupo 2 (sem extinção prévia de R1) do que na Fase-Chave do Grupo 1
(com extinção prévia de R1). Além disso, durante a Fase-Chave do Grupo 1, R1 apresentou
uma freqüência de resposta bastante semelhante àquela apresentada durante a linha de
base (antes do treino de R1) do mesmo grupo, mostrando que não houve reaparecimento
de R1 durante a extinção de R2 em um grau distinto daquele anteriormente observado em
linha de base.
Os resultados mostrados nos estudos de Cleland e Temple (2000) e Murayama e
col. (2004) nos remetem a uma discussão acerca do papel da extinção de R1 para o seu
posterior reaparecimento e, conseqüentemente, trazem implicações para o próprio conceito
de ressurgência. Afinal de contas, não seria esperado que um comportamento que nunca
fora extinto voltasse a aparecer em situações similares àquelas nas quais fora reforçado no
passado, independentemente de a situação corrente dizer ou não respeito especificamente
a extinção ou punição de um comportamento alternativo?
Na tentativa de responder a esse questionamento, podemos recuperar o relato do
experimento realizado por Rawson, Leitenberg, Mulick e Lefebvre (1977). Esses autores
realizaram dois estudos que visavam investigar se antigos comportamentos poderiam
reaparecer durante a suspensão do reforço de um segundo comportamento. Rawson e
col. (1977) treinaram, na Fase 1, quatro grupos de ratos a pressionar uma Barra 1 (R1),
utilizando comida como reforçador, sem que uma segunda barra (Barra 2) estivesse presente
na caixa experimental. Na Fase 2, cada grupo de sujeitos passou por um procedimento
diferente: o Grupo 1 foi colocado na caixa experimental na presença das duas barras,
sendo que respostas a nenhuma delas produziam reforçamento; o Grupo 2 também esteve
na presença simultânea das duas barras, porém apenas respostas dirigidas à Barra 2 (R2)
eram reforçadas; o Grupo 3 foi colocado na caixa experimental na ausência de ambas as
barras, impedindo assim a emissão de qualquer resposta; já os sujeitos do Grupo 4 não
foram colocados na caixa experimental, impedindo também a emissão de qualquer resposta
naquele contexto, à barra ou não. Finalmente, na Fase 3, todos os grupos de sujeitos
foram expostos a ambas as barras, na condição em que respostas a qualquer uma delas
não eram seguidas do reforçador. Os resultados desse experimento permitiram verificar
que os sujeitos do Grupo 2 (grupo que teve, na Fase 2, R1 em extinção e R2 sob
reforçamento) apresentaram uma freqüência de respostas durante a Fase 3 semelhante
aos ratos dos Grupos 3 e 4 (que tiveram suas respostas impedidas de ocorrer).
Em um segundo experimento, Rawson e col. (1977) treinaram, inicialmente, R1 para
todos os sujeitos (Fase 1), usando comida novamente como reforçador. Na Fase 2, os sujeitos
foram separados em dois grupos. O primeiro deles recebeu primeiramente treino de R2 e, em
seguida, ambas R1 e R2 passaram a ser reforçadas. Já o segundo grupo não recebeu treino
de R2 e continuou sendo reforçado apenas por R1, na ausência da Barra 2. Na Fase 3, cada
um dos grupos foi dividido novamente em dois e cada metade de cada grupo foi submetida a
um procedimento de extinção na presença de ambas as barras, enquanto a outra metade de
cada grupo era reforçada por emitir R2, enquanto R1 permanecia em extinção. Finalmente, na
Fase 4, todos os grupos passaram por um procedimento de extinção de ambas as respostas.
Os resultados mostraram que os sujeitos dos grupos que receberam reforço por emitir R2

24 A leíJ.im lr.i A , V III. 1* Hd<u, Vancsvi K .i/u c M u m y tim a, Qcrson Y uk io loniiin.m


durante a Fase 3 revelaram, posteriormente na Fase 4, um reaparecimento significativo de R1.
A partir de tal estudo, Rawson e col. (1977) demonstraram experimentalmente que o treino de
uma segunda resposta durante a extinção de uma primeira pode produzir efeitos semelhantes
aos encontrados quando a primeira resposta é simplesmente impedida de ocorrer. Portanto,
os autores apontam que o reforço de uma resposta alternativa pode impedir a extinção da
primeira. Aparentemente, portanto, como Skinner (1953/1970) já havia observado, para que
uma resposta seja extinta não basta que esta esteja simplesmente submetida a um
procedimento de extinção mas, sim, que a resposta seja emitida, sem ser reforçada. O
impedimento de uma resposta pela retirada do manupulando, ou o engajamento do sujeito em
um comportamento alternativo, nesse caso, teriam ambos o mesmo efeito comportamental
de se preservar que a resposta seja submetida à extinção.
Os experimentos de Dixon e Hayes (1998), Epstein (1985) e Wilson e Hayes (1996)
não apresentaram detalhadamente em seus resultados as freqüências alcançadas por R1 (ou
respostas consistentes com C1, no caso de Wilson & Hayes, 1996), durante o treino de R2
(ou respostas consistentes com C2, idem). Sendo assim, não se sabe se houve ou não
extinção de R1 durante o treino de R2, ou das respostas consistentes com C1 durante o treino
de C2. Já no procedimento efetuado por Mechner e col. (1997), R1 não foi submetida a um
procedimento de extinção antes da fase na qual foi observado seu reaparecimento. Nesse
caso, verificando-se que a extinção de R1 não foi promovida, não seria plausível supor que R1
tenha voltado a aparecer durante o procedimento de extinção (seja de R2 ou não) simplesmente
por pertencer ao repertório do organismo e, obviamente, por encontrar as devidas condições
de controle antecedente para isso?
Tal questão nos remete diretamente à definição de operante. Desde que tenha sido
anteriormente reforçado, e que se dêem as devidas condições estabeleoedoras e estlmulatórlas
antecedentes, um operante terá alta probabilidade de ser emitido. Enquanto a relação de
contingência ambiente-resposta-conseqüência não for interrompida, é possível e esperado
que o operante ocorra. Como demonstrado acima, para que haja o rompimento desta relação
de contingência, não basta que a resposta deixe de ser emitida, mas sim, que passe por um
processo de extinção, tendo sido emitida porém não reforçada.
Se ó esperado que um operante que não tenha sido extinto seja emitido em
circunstâncias similares àquelas nas quais ele já foi reforçado, até que ponto é um avanço na
Análise do Comportamento nomear tal reaparecimento de ressurgência? Antes da inauguração
deste termo por Epstein (1983), por exemplo, Rawson e col. (1977) trataram exatamente do
mesmo fenômeno comportamental, porém sem a necessidade de se introduzir um novo termo
ou definir um novo conceito. Afinal de contas, uma das características da ciência é que ela
seja econômica em sua terminologia, pois a utilização de um novo termo para definir um
fenômeno que já é suficientemente descrito por termos já existentes resultaria em uma
desnecessária redundância conceituai e metodológica. Nesse sentido, para que ressurgência
represente, de fato, um avanço em nossa área, esse conceito deveria ser empregado para se
referir tão somente ao reaparecimento de respostas que já tivessem sido extintas e que,
portanto, não fizessem parte do repertório comportamental corrente do organismo. Nesse
caso, ressurgência nos oonvida a uma inevitável discussão sobre o próprio conceito de extinção.

O Reaparecimento de Respostas já Extintas


Dos estudos já citados no presente capítulo, apenas o de Epstein (1983) relatou
o reaparecimento de respostas que já haviam sido extintas. Nos estudos de Cleland e

Sobrr l'omport,imrnfo e Cogi)i(iio 25


Temple (2000), assim como o de Murayama e col. (2004), foi demonstrado o reaparecimento
R1 (suposta ressurgência), durante a extinção de uma segunda resposta (R2), apenas
quando a primeira (R1) não havia sido exposta a um procedimento anterior de extinção.
No entanto, o experimento de Murayama e col. (2004) traz um dado que, analisado
mais detalhadamente, pode ir ao encontro daquele encontrado por Epstein (1983). Os sujeitos
do Grupo 1, como informado anteriormente, tiveram R1 extinta antes do treino de R2. Durante
todo o experimento, ambas as barras estavam presentes na caixa experimental. De especial
relevância, nas fases de treino de R1 e R2, estas respostas estiveram sob esquema de
reforçamento em intervalos variáveis. Por terem sido reforçadas apenas intermitentemente,
instâncias particulares do focinhar foram expostas a extinção, haja vista as interrupções da
contingência resposta-conseqüência que ocorrem entre dois reforçamentos. Nesta situação,
possivelmente sob controle do esquema intermitente, os dados revelaram um aumento na
freqüência de respostas no focinhador oposto àquele que se encontrava sob reforçamento
em VI. Respostas a este focinhador, supostamente extintas, poderiam ser interpretadas
como ressurgentes, conforme a definição de Epstein (1983).

Ressurgência: Aspectos Metodológicos Adicionais


Na revisão dos trabalhos que tratam supostamente de ressurgência, à investigação
dos papéis das extinções de R1 e R2 adicionam-se manipulações de variáveis que contribuem
para a compreensão geral do fenômeno e de outros comportamentos que aparecem diante
de extinção. Por exemplo, tanto o trabalho já citado de Cleland e Temple (2000) como o de
Lieving e Lattal (2003) investigaram possíveis efeitos de repetidos treinos de R1 seguidos de
treino de R2, sobre o reaparecimento de R1 durante a extinção de R2 em cada um desses
treinos. Como esperado, já que R1 não havia sido extinta antes do treino de R2, foi observado
o reaparecimento de R1 durante cada uma das extinções efetuadas. Além disso, não foram
observadas diferenças entre as freqüências de reaparecimento nos diversos procedimentos
de extinção. Ou seja, a repetição do procedimento não foi uma variável que influenciou o
reaparecimento de R1 durante a extinção de R2.
Cleland e Temple (2000) investigaram também a influência que a repetição de uma
história de treino poderia causar no reaparecimento de um comportamento já extinto. Ou
seja, repetiram diversas vezes o treino de R1, seguido por sua extinção, e o treino de R2,
seguido também por extinção. Nesse procedimento, não se observaram diferenças na
freqüência de reaparecimento de R1, durante a extinção de R2, em cada um dos
procedimentos de extinção efetuados.
Adicionalmente, Lieving e Lattal (2003) investigaram, também, o possível
reaparecimento de R1 quando se liberava o reforçador independentemente de resposta.
Para isso, os autores reforçaram com comida, primeiramente, apenas R1 e, em seguida,
reforçaram apenas R2. Após tais treinos, em vez de submeterem R1 e R2 a um procedimento
de extinção, os sujeitos passaram a receber o reforçador não contingentemente ao
responder, ou seja, em esquema de tempo variável. Nessa condição, não foi observado o
reaparecimento de R1, sendo que tal resposta não havia passado nem mesmo por um
procedimento de extinção. Em seguida, os sujeitos foram submetidos a um procedimento
de extinção e, nessa ocasião, R1 voltou a ser emitida. Tal dado sugere que o fator
responsável pelo reaparecimento de um comportamento, possivelmente, não seja a
condição estabelecida pela extinção de R2 em si, mas, sim, a simples retirada do reforçador.
Além disso, como já havia sido sugerido por Cleland, Guerin, Foster e Temple
(2001), há outras variáveis da ressurgência que merecem ser estudadas a fim de diferenciar

26 Alcss.imlr.i A . Vlllds Vunctsd K.i/ue Mur.iy.im.i, C/mort Yukio lom.m.iri


claramente este fenômeno de outros já descritos e conhecidos da literatura. Até que
ponto o conceito de ressurgôncia já não se vincula diretamente à variabilidade
comportamental que se verifica em estados de transição de reforçamento para extinção
ou pelo fenômeno de recuperação espontânea?

A Previsão de C om portam entos diante de E xtinção


O discernimento das variáveis envolvidas em comportamentos que aparecem em
situações de extinção deverá trazer importantes contribuições para a Análise do Comportamento,
seja no contexto teórico, experimental ou aplicado. Por exemplo, o conhecimento desse
fenômeno permitirá uma maior predição a respeito de quando, qual e em que ordem
comportamentos poderão reaparecer, podendo trazer explicações e possibilidades de previsão
de comportamentos em novas situações. Eventualmente, ressurgôncia e comportamentos
que aparecem em situações de extinção poderão revelar implicações para comportamentos
complexos, como resoluções de problemas (quando ó necessário que soluções anteriores
sejam recuperadas e recombinadas, em uma nova configuração, para se chegar a uma nova
solução) ou mesmo substituições de sintomas (quando um comportamento atual ó substituído
por um comportamento anterior no repertório do indivíduo). Comportamentos que tenham se
estabelecido separadamente poderiam, em novas situações, se articular e produzir novas
seqüências de comportamentos, comportamentos com novas funções, ou comportamentos
com novas topografias (Epstein, 1985,1987).
Wilson e Hayes (1996) discutiram a Importância do estudo do reaparecimento de
antigas classes de estímulos para o tratamento de drogaditos. Explicam que mesmo
depois de um processo de desintoxicação, são observadas reações de abstinência diante
de estímulos discriminativos para a droga. Levando-se em conta que tais estímulos
discriminativos podem estar envolvidos em classes de equivalência e que, portanto, de
acordo com os dados observados, podem reaparecer em determinadas situações, o estudo
desse reaparecimento pode ser um fator importante a se considerar durante o tratamento.
Estudos sobre ressurgôncia nos convidam a recuperar a história de reforçamento
de um organismo como forma de se compreender desempenhos sob contingências
correntes. De certa forma, permitem verificar se a variabilidade que acompanha um processo
de extinção ó ordenada e previsível.Na Análise do Comportamento, podemos freqüentemente
prever padrões de comportamento que se encontram sob reforçamento, incluindo
reforçamento sob esquemas simples e complexos. Porém, quanto e em que grau podemos
prever comportamentos em situações de extinção?

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28 Aletiiindr>i A . Vllld« Bd.ii, Vanc*w K.i/uf Mur.iy.imj, tycrion Yukio lom.mari


Capítulo 3

Análise de estratégias de
enfrentamento não-facilitadoras da
hospitalização em crianças com
câncer*
A/cs&imlni fírunoro M o tU *

Sôniit Rcfiiihi Fiotim tnum o***

O tratamento do câncer infantil caracteriza-se por ser prolongado, demandando um


tempo considerável de hospitalização e expondo a criança a procedimentos médicos invasivos
e dolorosos. Os recursos utilizados para o tratamento módico do câncer atualmente abrangem
a manipulação de quimioterapia, radioterapia e, quando indicado, o transplante de medula
óssea. Ambos os tipos de tratamento seguem protocolos terapêuticos obtidos a partir de
estudos e pesquisas específicas (Valle & Françoso, 1999). Em alguns casos, a cirurgia
também é indicada, colocando-se como a mais importante ou a única forma de tratamento
para o câncer, e em outros casos ó usualmente combinada com quimioterapia e/ou radioterapia
para a obtenção de melhores resultados (Brown et al., 1995).
A criança em tratamento quimioterápico recebe, então, altas doses de medicação,
com o objetivo de destruir as células doentes. Da mesma maneira que atinge tais células,
a quimioterapia atinge também aquelas que mantêm seu crescimento normal, trazendo
como conseqüência efeitos colaterais importantes, que vão acompanhar a criança durante
grande parte do tratamento (Yamaguchi, 1994). Referindo-se aos efeitos colaterais da
quimioterapia, esse autor relata reações de náusea, vômito, diminuição do apetite, fadiga,
alopecia (queda de cabelo) e diminuição do número de leucócitos, com conseqüente
diminuição das defesas do organismo. Nesses casos, a criança fica vulnerável à infecção
e à hemorragia.
‘ Trabalho apresentado no XIII Encontro Brasileiro de Pslcoterapia e Medicina Comportamental-ABA 2004,
Campinas, agosto de 2004 / Financiamento CNPq
“ Doutoranda do Programa de Pós-Graduaçâo em Psicologia, Universidade Federal do Espirito Santo Email:
abmotta vlx@term com.br
*** Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Programa de Pôs-
Graduaçflo em Psicologia, Universidade Federal do Espirito Santo E-mail' suniaenumorriHBrra.com.br

Sobre Com portam ento c Cmjnly.lo 29


Desde o período do diagnóstico, em que a criança é submetida a exames dolorosos,
como a biópsia de medula e o mielograma além do hemograma (que se torna rotina
durante o tratamento), até a possibilidade de hospitalizações freqüentes, cujas
conseqüências aversivas são discutidas em trabalhos na área da Saúde, verifica-se a
necessidade de mobilização de recursos internos e externos da criança para que ela
possa se adaptar à nova situação, como mostram estudos na área (Valle, 1997; Lôhr,
1998; Motta & Enumo, 2002, 2004a, 2004b; Nucci, 2002).
Soma-se a esses fatores, contribuindo para a aversividade do tratamento, a
necessidade de freqüentes hospitalizações, tanto para a administração da medicação quanto
para reverter um quadro infeccioso, o qual se manifesta na criança devido ao seu estado de
leucopenia. Neste caso, as freqüentes hospitalizações podem desencadear na criança reações
de "stress", como afirma Lipp (1991), sendo classificados como fontes externas causadoras
de "stress", juntamente com outras causas do “stress" infantil, como morte na família, brigas
constantes entre os pais, separação dos pais, mudança de cidade ou de escola, escolas
ruins, professores inadequados, atividades em excesso, viagens longas, espera de um
acontecimento importante, campeonato esportivo no clube ou na escola, dentre outras (Lipp &
Lucarelli, 1998). A confrontação da criança com um ambiente novo e estranho para ela, o
tratamento doloroso exigido pela doença, a falta de habilidade da equipe hospitalar e dos pais
e a possível separação familiar são situações estressantes para a criança, que trazem muita
ansiedade e dificultam a possibilidade de adaptação da criança (Lipp, 1991).
No que se refere à exposição aos procedimentos médicos invasivos, Costa Jr.
(1999) destaca a necessidade do desenvolvimento de intervenções ambientais capazes
de promover condições adequadas à reabilitação comportamental de crianças submetidas
a condições aversivas, geralmente relacionadas a procedimentos médicos invasivos. Dentro
dessa perspectiva, o ambiente hospitalar deveria ser planejado de forma a facilitar a
preparação psicológica para os procedimentos módicos. A forma como esse ambiente ó
apresentado, ou seja, com uma organização voltada para a doença, segundo Zannon
(1991), compromete uma intervenção que atenda e considere as diferenças individuais
observadas no comportamento de cada criança. O tratamento da doença ó, portanto, um
período de grande "stress" físico e emocional, tanto para a criança quanto para os pais e
irmãos. A criança precisa se adaptar a essa nova situação, sendo necessária a utilização
de estratégias para enfrentar tais circunstâncias adversas.
Esses fatores de “stress", geralmente relacionados à freqüente hospitalização e
às conseqüências do tratamento, contribuem para que a doença traga preocupações e
necessidades que vão além da manutenção da vida, envolvendo aspectos psicológicos e
sociais. Sem dúvida, esses aspectos não se constituem a primeira preocupação após o
diagnóstico de câncer. Tornou-se viável pensá-los somente depois e diante do aumento
das possibilidades de cura e estabilidade dos efeitos colaterais.
Percebe-se, assim, que as crianças com câncer enfrentam mudanças significativas
no curso de sua vida, as quais geram necessidades de ajustamento e adaptação suficientes
para garantir seu bem-estar. Nesse processo de ajustamento, deve-se considerar também
o processo de adaptação e enfrentamento da hospitalização, uma vez que a maior parte
do tratamento é realizada no ambiente hospitalar.
Visando a identificar os comportamentos que dificultam o processo de adaptação
à hospitalização em crianças com câncer, foram analisadas as respostas a um instrumento
de avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização (Mota & Enumo, 2002,
2004a, 2004b; Motta, Enumo & Ferrão, no prelo).

Alcsstimlrii Kninoro M 0M.1, Nônld Rcfliri.i Morim Im im o


Método

Participantes
Participaram desta pesquisa 28 crianças (9 meninas e 19 moninos), com idade
entre 6 e 12 anos (média de 9 anos), em tratamento no Serviço de Onco-Hematologia de um
hospital infantil público, em Vitória, ES. A maioria estava sendo atendida no ambulatório
(89,3%), ficando as demais na Enfermaria (10,7%). Em termos clínicos, 71,4% das crianças
eram portadoras de leucemia, estando em fase de manutenção (64,3%), sem recidiva (85,7%).
A escolaridade das crianças variou da pré-escola até a 6* série do Ensino
Fundamental, com uma concentração maior na 2" série (32,1%). Todos os responsáveis
assinaram termo de consentimento para participação na pesquisa, que foi autorizada pelo
Comitê de Ética do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES.

Material
Para a coleta de dados, foram utilizados como instrumentos: a) um roteiro para
registro de dados obtidos em prontuários médicos e fichas de dados sociais; b) um roteiro
de entrevista sobre o Serviço de Oncologia e c) um instrumento especialmente elaborado
para a avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização, com ênfase na análise
do brincar no hospital - AEH - especialmente elaborado para a pesquisa (Motta & Enumo,
2002,2004a, 2004b).

Procedimento
A pesquisa foi executada em quatro etapas:

1a etapa: identificação dos sujeitos a partir do cadastro de pacientes;


2a etapa: coleta de informações gerais para caracterização dos sujeitos a partir de
prontuários módicos e de fichas sociais e do Serviço de Oncologia, por meio de
entrevista com uma assistente social;
3a etapa: elaboração do instrumento de avaliação das estratégias de enfrentamento -
AEH;
4* etapa: aplicação das provas nas crianças para a investigação das estratégias de
enfrentamento da hospitalização da criança com câncer.
Considerando os objetivos deste texto, será descrita somente a parte do instrumento
por meio da qual procurou-se identificar as estratégias não-facilitadoras do enfrentamento
da hospitalização.
O instrumento proposto recebeu o nome de AEH - Instrumento de Avaliação das
Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização, sendo constituído por dois conjuntos: Conjunto
A - Enfrentamento da Hospitalização e Conjunto B - Brincar no Hospital. Do Conjunto A
(Motta, 2001; Motta & Enumo, 2002,2004a, 2004b), mais precisamente, serão descritas com
mais detalhes as pranchas que retratam estratégias não-facilitadoras do enfrentamento da
hospitalização, por terem permitido a coleta dos dados analisadas neste texto.
O Conjunto A - Enfrentamento da Hospitalização - é constituído por um caderno
de desenho espiral com 21 temas que retratam possíveis estratégias de enfrentamento da
hospitalização, 10 facilitadoras (Brincar, Assistir TV, Estudar, Rezar, Ouvir música, Cantar,
Ler gibi, Tomar remédio, Conversar, Buscar informações) e 11 não-facilitadoras (Chorar;

Sobre Comportdtnrnto c C’oflniç«u> 31


Brigar; Sentir-se triste; Esconder-se; Fazer chantagem; Sentir medo; Desanimar; Pensar
em fugir; Pensar em milagre; Dormir e Sentir culpa), desenhadas em preto e branco.
Para a aplicação das provas do Conjunto de Pranchas A - Enfrentamento da
hospitalização - foram oferecidos à criança cinco círculos de velcro, de tamanho e cores
iguais, que deveriam ser fixados no círculo preso ao caderno de respostas. Dessa forma,
a criança deveria fixar um círculo quando achasse que havia feito apenas “às vezes" o que
estava na figura; dois círculos no caso de “quase sempre"; três círculos no caso de “sempre"
e; nenhum para o caso de ‘'nunca" ter feito. Após a escolha de cada figura, a criança era
questionada sobre o motivo de sua resposta.
Para a análise das justificativas das respostas dadas pelas crianças nas pranchas,
foi realizada uma categorização, utilizando-se o referencial da análise funcional do
comportamento (Skinner, 1978/1953). De um modo geral, a análise funcional é usada para
compreender o comportamento de um indivíduo. Nesta perspectiva, existe um
comportamento, considerado uma variável dependente, para o qual se investigam as causas.
Estas, por sua vez, chamadas variáveis independentes, referem-se às condições externas
das quais o comportamento ó função (Skinner, 1978/1953). Com esse enfoque, considerou-
se que cada comportamento avaliado poderia acontecer em função de situações
antecedentes que o desencadeavam e/ou em função das conseqüências que o mesmo
poderia trazer para a criança, as quais poderiam justificar suas respostas afirmativas e
negativas. Assim, foram criadas as categorias descritas a seguir.

1. Categorias fundamentadas em eventos antecedentes à resposta analisada


1.1 Ambiente hospitalar- recursos materiais, pessoas, local específico, rotina do hospital
e ociosidade justificavam tanto a ocorrência, quanto a não-ocorrência do comportamento.
1.2 Contexto da doença e do tratam ento-os efeitos da medicação, a adaptação à doença,
a avaliação positiva do quadro clínico, os procedimentos invasivos, a depressão, a duração
e/ou persistência da doença, o prognóstico da doença, a preocupação com o tratamento,
a rotina do tratamento justificavam tanto a ocorrência, quanto a não-ocorrência da resposta.
1.3 Característica da criança - características pessoais, crenças, valores e regras da
criança justificam a ocorrência e a não-ocorrência da resposta.
1.4 Contexto familiar- quando atitudes dos familiares, experiências vividas em casa e
restrições à convivência diária com parentes e amigos, ao brincar e a outros aspectos do
seu cotidiano justificavam tanto a ocorrência, quanto a não-ocorrência da resposta.
2. Categorias fundamentadas em eventos conseqüentes à resposta analisada.
2.1. Conseqüências positivas - sensações e sentimentos positivos, aprendizagem, controle
da situação, diminuição e eliminação da aversividade da situação, conhecimento geral
sobre a doença, passar de ano, ganhar o que quer, ter companhia e a atividade por si só.
2.2. Conseqüências negativas; sensações e sentimentos negativos, reprovação social,
mal-estar físico, aumento da aversividade da situação, exposição aos outros e
conseqüências negativas para si próprio e para os outros.

Resultados
Os dados relativos às respostas das crianças nas pranchas do Conjunto A -
Enfrentamento da Hospitalização - relacionadas a respostas de enfrentamento não-
facilitadoras da hospitalização, indicam que 6 das 11 pranchas apresentaram um percentual

32 A lrifc im iM Brunoro M o ita , Sônia Rcfiina H orim f numo


de respostas "Sim" superior ao de respostas "Não”: Dormir (85,7% das crianças), Pensar
em Milagre (64,3%), Desanimar (60,7%), Ficar triste (57,1%), Sentir medo (57,1%) e
Chorar (53,6%). As pranchas menos escolhidas neste grupo de cenas associadas a
estratégias não-facilitadoras foram: Brigar, que só obteve respostas "Não”, seguidas das
pranchas: Pensar em fugir (3,6%), Esconder-se (7,1%), Sentir culpa (17,9%) e Fazer
chantagem (25%) (Figura 1).

Dormir JBHHM c m «5,7


0 20 40 60 RO 100
%
Ftaura 1- Proporção de crianças que deram respostas Indicativas de estratógias
nâo-factlitadorAs da hospitalização

A prancha Dormir, proposta como sendo representativa de uma estratégia não-


facilitadora do enfrentamento hospitalar, teve uma porcentagem de respostas afirmativas
bastante alta (85,7% das crianças escolheram esta prancha), como pôde ser visto na
Figura 1. Analisando as razões que levaram as crianças a escolher essa prancha, percebe-
se que, na maioria das vezes, estavam relacionadas a eventos antecedentes associados
ao "contexto da doença e do tratamento”, que aumentam a probabilidade da resposta de
dormir. Os efeitos da medicação e a necessidade de acordar cedo para fr ao hospital
caracterizaram esse contexto favorecedor ao sono. O "ambiente hospitalar" também
contribuiu, na medida em que, quando internadas, essas crianças necessitavam seguir
uma rotina hospitalar que, muitas vezes, não coincidia com a sua rotina usual. Em situação
de ambulatório, condição em que estavam 89,3% das crianças deste estudo, a espera
para o atendimento e a ociosidade também favoreceram o sono. Justificativas baseadas
nas “conseqüências” do dormir foram poucas, enfatizando-se a possibilidade de descanso
e obtenção de atenção ao dormir: “Prá mim (sic) descansar. (...) todo mundo passa, faz
carinho na minha cabeça" (menina, 9 anos).
As respostas negativas a esta prancha - Dormir - estavam mais relacionadas ao
ambiente hospitalar, mais precisamente, ao ambulatório, percebido pela criança com um local
de passagem: “(...) aqui eu sei que logo vai acabar e eu não preciso dormir” (menino, 10 anos).
Analisando as justificativas dadas à prancha Pensar em milagre (63,3% das
crianças), verificou-se que a espera por um milagre acontecia, principalmente, pelas
"conseqüências positivas" desejadas. Foram também citados eventos antecedentes, ligados
ao "contexto da doença e do tratamento", em que as crianças indicaram as limitações
impostas como capaz de suscitar esse desejo, como por exemplo: “(...) vir pra cá, ficar
tomando furada, saindo lá de onde eu moro, vir pra cá, perdendo aula, cansa a gente (...)

Sobre Com portam ento c CognicAo 33


ninguém gosta de ficar vindo pro hospital direto, ficando internado (...)” (menino, 12 anos).
As crianças que relataram não usar este tipo de estratégia justificaram-se com base em
sua descrença ou dúvida sobre a possibilidade de existirem milagres: “(...) eu nem sei se
existe fada ou se não existe" (menino, 6 anos).
Na prancha Desanimar(60,7% das crianças), a maior parte das respostas referiu-se
aos efeitos da medicação como principais responsáveis pelas sensações de desânimo:"(...)
não quero nada, nem comer também, porque o remédio dá enjôo (...)" (menino, 12 anos).
O ‘‘ambiente hospitalar" parece ter maior influência sobre a não-ocorrência desse
comportamento de desanimar, uma vez que, a maioria das crianças fundamentou sua
resposta afirmando que o ambiente hospitalar evitava tal sentimento, na medida em que
proporcionava boas relações e disponibilizava brinquedos e recursos adequados: “Eu fico
feliz quando eu *tô’ (sic) no hospital. (Questionamento da aplicadora) Porque é legal. Eu
brinco" (menina, 6 anos).
O “ambiente hospitalar" também justificou tanto a ocorrência, quanto a não-ocorrência
de sentimentos de tristeza (57,1 % das crianças) entre as crianças estudadas. Para a maioria,
o hospital é visto por uma perspectiva negativa, enfatizando-se a falta de companhia, a comida
ruim, a presença da morte e o contexto da Enfermaria, como mostra o relato:"(...) aqui é muito
triste. (Questionamento da aplicadora) Os meninos (sic) chorando, tem gente muito doente,
gente morre aqui" (menino, 11 anos). Contribuindo para a ocorrência de sentimentos de tristeza
entre as crianças, novamente, foram indicados os procedimentos médicos invasivos,
característicos do “contexto da doença e do tratamento". Por meio do seguinte relato: “(...) eu
não gosto de ficar..., pega a veia ne (sic) mim, eu perde (sic), pega a veia ne (sic) mim, eu
perde (sic)” (menina, 6 anos), é possível perceber o quanto o procedimento médico, em si,
pela necessidade constante de ser refeito, pode aumentar a aversividade da situação.
Contudo, para algumas crianças que responderam “Não" a esta prancha, o hospital
era percebido como um lugar não ameaçador, que estimulava relações sociais de afeto e
confiança e que disponibilizava o brincar: "Aqui só me dá alegria. (Questionamento da
aplicadora) Ah, porque tem brinquedo, a gente joga, a gente conversa com as enfermeiras”
(menino, 8 anos).
A resposta de Medo (57,1% das crianças) parece ser determinada por eventos
antecedentes, característicos do "contexto da doença e do tratamento", que incluíam
reações aos procedimentos módicos invasivos e também preocupações em relação ao
prognóstico da doença: "Tenho medo d’eu ficar..., negócio, como é que chama aquele
negócio que os outros..., tem pouco dia prá morrer?” (menino, 11 anos).
Ao analisar as justificativas dadas pelas crianças para não escolher essa prancha
(Medo), verificou-se que, entre aquelas que disseram não sentir medo, o "ambiente
hospitalar" não era visto como ameaçador, na medida em que as crianças apoiavam-se na
companhia umas das outras para se sentirem mais seguras: "Quando eu 'tô' lá no hospital,
eu não sinto medo porque tem um bocado (sic) de criança” (menina, 8 anos).
Analisando as justificativas dadas às escolhas da prancha Chorar (53,6% das
crianças) no hospital, verificou-se que estavam relacionadas a eventos antecedentes.
Assim, justificativas relacionadas ao "contexto da doença e do tratamento" foram as mais
citadas nos relatos das crianças: os procedimentos médicos invasivos, como punções,
exames de sangue e injeções, que parecem desencadear reações de choro. Foram comuns
relatos como: “Só choro quando vai pegar minha veia. (Questionamento da aplicadora)
Porque tem vez que fica furando um montão de vez, aí, eu choro" (menina, 9 anos). Nessa

34 A lcs&inilm Hrunoro M o ftd , Sôní<i Ki‘gin<i Morim l.num o


categoria, apenas uma justificativa não se relacionou diretamente aos procedimentos
invasivos - foi o caso de uma menina de 12 anos que mostrou certa revolta frente à
persistência da doença: “(...) às vezes, assim, fica deprimida, porque ter que vir sempre. A
gente imagina assim; Puxa, nunca vai acabar isso, não!". Outras respostas de choro
parecem ter sido provocadas por sentimentos de saudade dos familiares e, em especial,
pela ausência da mãe (“contexto familiar").
Quando foram investigadas as razões que levam as crianças a não chorar, verificou-
se que "características pessoais da criança" foram as mais citadas, destacando-se regras
associadas a gênero ("menino não chora") e a idade (“já sou moça"), ligadas a um
autoconceito positivo e sentimentos de vergonha.
Examinando as justificativas referentes às escolhas na prancha Fazer chantagem
(25% das crianças), concluiu-se que, entre as crianças que relataram pensar em ou usar
esse tipo de estratégia, foram as "conseqüências positivas" que motivam o comportamento,
ou seja, fazer chantagem, pirraça ou birra acontecia em função da possibilidade de se
conseguir o que desejava.
Por outro lado, entre as crianças que relataram não usar essa estratégia de Fazer
chantagem, foram os fatores antecedentes os responsáveis pela resposta negativa. Nesse
caso, as crianças relataram não fazer chantagens, principalmente, por apresentarem crenças
e valores, a partir dos quais esse tipo de comportamento é repreendido: “(...) menino teimoso
que faz isso. Eu sou bonzinho" (menino, 8 anos). Foram relatados também eventos do
“contexto familiar”, no qual as necessidades financeiras eram enfatizadas pelas mães e
parecem ser percebidas pelas crianças, que demonstravam entender a situação familiar em
que estavam inseridas: “(...) Se ela não quer comprar, é porque ela não tem condições prá
comprar" (menina, 12 anos); outras respostas negativas a esta prancha parecem estar
relacionadas ao fato de que tudo que era solicitado pela criança era atendido pela mãe.
Frente à prancha Sentir culpa (17,9% das crianças), nas justificativas de algumas
crianças, viu-se que este sentimento parece ser provocado pela existência de crenças,
expressas em ditados populares, e regras relacionadas à vida familiar categorizadas aqui
como "características das crianças", as quais parecem provocar a sensação de culpa pela
doença. O relato de uma criança de 11 anos, residente no interior do ES, retrata a ingenuidade
com a qual a questão é tratada: “(...) eu acho que fiquei doente porque eu comi manga verde...
no sol... quente, no sol. (Questionamento da aplicadora) Meu pai falou comigo, aí, no mesmo
dia que eu comi a manga, me fez mal (...)" (menino, 11 anos). Este é um relato fundamentado
em crenças populares, que são passadas ao longo das gerações e, até hoje, persistem para
justificar acontecimentos que não parecem ter, no senso comum, uma explicação coerente.
Em menor proporção, outras crianças enfatizaram aspectos da doença e do tratamento
("contexto da doença e do tratamento"), como passíveis de desencadear a questão: será que
fiz algo errado? Eis o relato: “(...) na hora que a gente 'tá' tomando remédio, a gente pensa
assim, que alguma coisa que a gente fez mal (...)" (menino, 12 anos).
Entretanto, a maioria das crianças (82,1%) relatou não se sentir culpada pela
doença. Essas crianças não imaginavam que tivessem feito algo errado, acreditando que
a doença aparece normalmente ou é enviada por Deus:"(...) a doença é uma coisa que
Deus fez prá gente. Deus que fez a gente ficar doente e não por causa de bater nos outros,
ficar de castigo (Questionamento da aplicadora) Porque dessa vida da gente, que a gente
tem sofrer, vamos sofrer" (menino, 10 anos). Relatos indicando o contrário também
ocorreram. Neles, as crianças pensam que Deus não as castigaria dessa maneira, pelo

Sobre (.'omport.imenlo e C ormk.Io 35


fato de terem feito algo errado. Algumas crianças tiveram dificuldades em responder,
afirmando nunca terem pensado nessa possibilidade: “Nunca pensei que eu fiquei doente
porque eu fiz alguma coisa de errado" (menino, 12 anos).
A prancha Esconder-se foi pouco escolhida pelas crianças (7,1 %), que justificaram
as respostas com base nas "conseqüências negativas” que esse comportamento pode
trazer. Tais conseqüências se referem, na grande maioria das vezes, ao aumento da
aversividade da situação, ou seja, escondendo-se, a criança corre o risco de: a) continuar
doente:"(..,) se eu querer (sic) sarar logo, eu não posso me esconder" (menino, 10 anos);
b) prolongar, ainda por mais tempo, o tratamento: “(...) se eu esconder, o tratamento num
(sic) vai acabar, aí, eu num (sic) saro" (menino, 6 anos); c) de piorar a situação: “(...) eu
prefiro ficar em cima da cama me tratando: se esconder não adianta, de qualquer modo, ó
pior prá a gente mesmo” (menino, 10 anos); d) alóm de sofrer repreensão da mãe: “(...)
senão minha mãe briga comigo” (menina, 6 anos).
Ainda na prancha Esconder-se, pode-se observar que eventos antecedentes,
relacionados ao "ambiente hospitalar”, ao "contexto da doença e do tratamento" e às
"características das crianças", também fundamentaram as justificativas para a nâo-
ocorrência desse comportamento. A percepção da criança de que ela era capaz de enfrentar
a situação: “Ah, porque eu não tenho medo" (menino, 11 anos) e seu respeito a regras:
"(...) é errado se esconder do médico (...)” (menino, 11 anos), inseridos na categoria
"características das crianças", foram os eventos antecedentes mais citados.
Apenas uma criança (3,6%) disse ter Pensado em fugir, justificando sua resposta
pelos procedimentos invasivos, como eventos desencadeadores da resposta em questão:
"(...) tomar injeção, fazer isso aí, dói" (menina, 6 anos).
Quando se analisaram as justificativas dadas pelas demais 27 crianças da amostra
para a não-ocorrência deste comportamento (Pensar em fugir do hospital), observou-se
um equilíbrio entre eventos antecedentes e conseqüentes. Estes, por sua vez, destacaram-
se pela relação que tinham com a diminuição ou até mesmo a eliminação da situação
aversiva, no sentido de ser curada: “(...) o hospital faz bem prá o nosso tratamento acabar"
(menino, 8 anos). O controle de “conseqüências negativas” mais próximas ou imediatas
também é indicado como justificativa para a não-ocorrência do comportamento: “(...) a
gente pode fugir, aí, passar um carro e atropelar a gente. (Questionamento da aplicadora)
Depois a mãe da gente pode pegar e caçar a gente e não acha" (menina, 8 anos).
Buscando compreender as escolhas feitas pelas crianças na prancha Brigar, para a
qual ocorreram apenas respostas "Não", percebeu-se que eventos antecedentes foram os
mais associados a essa resposta. Entre estes, destacaram-se as "características das crianças",
que diziam respeito à negação do brigar em função do cumprimento de certas regras de
comportamento relacionadas à reprovação social, obediência e incentivo à união. Para essas
crianças, o brigar era percebido como algo feio, ruim e que não devia acontecer, percepção
esta reforçada pelo ambiente em que se encontravam, o qual não era percebido como ameaçador:
“(...) E também, eu crio mais amizade aqui, bastante amigos e gosto daqui” (menino, 11 anos).
Assim, essas duas categorias: "características da criança" e "ambiente hospitalar" interagiram
para justificar a maior parte das escolhas das crianças, nessa prancha.
Analisando o conjunto de justificativas dadas pelas crianças à escolha das
pranchas, foi possível identificar as condições que aumentam a probabilidade de ocorrência
de respostas de enfrentamento não-facilitadoras da hospitalização - nesta amostra, eventos
antecedentes relacionados ao hospital e ao contexto da doença e do tratamento foram os

36 Ale*wndr«i Rrunoro M 0II.1, Sôni.i Rcftina Hurím f numo


mais freqüentemente citados como relacionados a comportamentos das crianças que
dificultam sua adaptação ao tratamento hospitalar.

C onsiderações Finais
A partir da análise apresentada, verifica-se que, entre os estressores típicos da
hospitalização e os específicos do tratamento de câncer e que são associados ao hospital,
os procedimentos médicos invasivos são os que desencadeiam, para a maioria das crianças,
respostas indicativas de estratégias de enfrentamento não-facilitadoras. Estas, por sua
vez, podem prejudicar a adaptação global da criança ao contexto hospitalar. Diante disso,
discute-se a importância do investimento em técnicas que visem a alterar tais estratégias
ou então a associá-las a outras mais positivas, como, por exemplo, o uso do brincar para
o enfrentamento do "stress" frente aos procedimentos invasivos.
Analisando as condições que mais favorecem as respostas não-facilitadoras e os
fatores que as desfavorecem, observa-se que as condições relacionadas ao hospital, como
sua rotina e procedimentos invasivos, predominam em relação aos fatores relacionados à
própria criança e ao contexto familiar. De certa maneira, os resultados apontam para a
necessidade de se alterar a prática hospitalar, condição esta nem sempre possível. Deduz-
se daí a importância de pesquisas que auxiliem no enfrentamento desses procedimentos
módicos dolorosos.
Destacam-se os esforços das crianças para enfrentar a hospitalização e compreende-
se que, em alguns casos, fica difícil encontrar estratégias para superar adequada ou
positivamente os excessos aversivos a que são freqüentemente expostas. Ao se permitir que
falem de sua condição, aumentam-se suas possibilidades de vivenciar uma maior autonomia
sobre suas próprias vidas, na medida em que seus relatos podem direcionar mais adequadamente
a intervenção. Assim, embora tenham sido encontradas semelhanças nas respostas das
crianças, como a influência dos procedimentos invasivos na ocorrência de respostas não-
facilitadoras da hospitalização, o AEH possibilitou identificar particularidades do repertório
comportamental de cada criança - recursos e dificuldades - destacando-se, assim, a função
prescritiva do instrumento. Função esta que está sendo avaliada em pesquisa que inclui o
processo de intervenção após a aplicação do instrumento (Motta, 2003) em versão
computadorizada (Leal, 2004; Soprani, 2004; Soprani, Leal, Enumo & Menezes, no prelo).

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38 Aless.inilr<i Rrunoro Mott«i, Sônia Rctfin.i Morim h iu m o


Capítulo 4

Subjetividade e Cultura no
Behaviorismo Radical
Alexandre Pittrid)

Dois sentidos possíveis da relação objetividade-subjetividade


A palavra “subjetividade" pode, num primeiro momento, soar estranha aos ouvidos
de um behaviorista radical. Nossa filosofia opõe-se ás correntes psicológicas mentalístas
- e o termo "subjetividade" integra o jargão típico dessas correntes. John Watson, o fundador
do behaviorismo, abre desta forma o texto apontado como marco fundamental dessa tradição
filosófica: "A psicologia como o behaviorista a vé é um ramo puramente objetivo e
experimental das ciências naturais" (1913/1995, p. 24). O primeiro capítulo de seu famoso
livro "Behaviorism", por sua vez, inicia-se com as seguintes palavras: “Dois pontos de vista
opostos ainda dominam o pensamento psicológico americano - a psicologia introspectiva
ou subjetiva e o behaviorismo ou psicologia objetiva" (1924/1957, p. 01).
Ao que parece, o behaviorismo, em seus primeiros momentos, opta claramente
por um dos lados da antiga controvérsia filosófica "objetivo versus subjetivo". Confinamo-
nos ao objetivo, rejeitamos o subjetivo - esta é a ordem do behaviorismo watsoniano. As
palavras "objetivo" e "subjetivo" podem ser utilizadas de diversas formas. No caso de Watson,
o significado era claro: apenas o comportamento publicamente observável - objetivo -
presta-se à investigação em uma ciência do comportamento. Eventos não-observáveis -
subjetivos - não interessam ao behaviorista.

'Departamento de Psicologia - Universidade Federal do Paranri


' Esta é, obviamente, uma interpretação extrema do conceito de objetividade, mas outras interpretações são
possíveis (p ex , Cupanl, 1990; Prado, 1987).

Sobre Comfwrtíimcnto v C o ^ n t^ o 39
Sob esse aspecto, sabemos que o behaviorismo radical de B.F. Skinner (1945/1972;
1990) apresenta uma postura marcadamente diversa daquela de Watson. Eventos privados
não apenas interessam ao behaviorismo radical, como podem ser estudados de forma produtiva
a partir dos métodos propostos por essa filosofia. Nega-se, contudo, status causal aos eventos
privados. Pensar, sentir ou imaginar são coisas que um ser humano faz - isto ó, são
comportamentos, e merecem explicação a partir de sua interação com variáveis seletivas
ambientais, assim como o comportamento público. Nega-se, além disso, qualquer diferença
de natureza (diferenças ontológicas, diriam os filósofos) entre eventos públicos e privados.
Devemos notar, contudo, um segundo sentido possível da oposição "objetividade-
subjetividade". Afirmar que um comportamento é objetivo publicamente observável - não
significa, necessariamente, afirmar que o conhecimento produzido sobre ele ó objetivo -
isto é, que tal conhecimento ó “verdadeiro", no sentido de ser um reflexo fiel da realidade.1
Denominamos "realismo” uma antiga (e ainda vigente) doutrina filosófica que define “verdade"
como a adequação entre a mente (ou o discurso) e a realidade: o conhecimento verdadeiro,
ou objetivo, ó aquele que reflete o mundo como ele realmente ó. Assim, em princípio, não
haveria contradição em tentar produzir conhecimento objetivo (no segundo sentido) sobre
eventos subjetivos (no primeiro sentido). Já sabemos que, no primeiro sentido, Skinner
não rejeita a subjetividade: eventos privados são objetos de estudo legítimos para o analista
do comportamento. Note-se, porém, que Skinner substitui a distinção objetivo-subjetivo
pela distinção público-privado. Contudo, como se posiciona Skinner diante do segundo
sentido possível da relação objetividade-subjetividade? De acordo com a classificação
tradicional da filosofia, poderiamos perguntar: Skinner é um realista ou um idealista?
Conforme aponta Zuriff (1980, pp. 343-344), Skinner não rejeita explicitamente o
realismo. De fato, o autor até mesmo aponta passagens nas quais Skinner (1957, p. 147;
pp. 426-428; 1974, pp. 144-145; p. 235; 1966/1969, p. 160) parece adotar uma versão
behaviorista radical desta doutrina. Porém, o próprio Zuriff afirma que essa"(...) não ó a
teoria dominante e não ó consistente com os princípios básicos de seu behaviorismo
radical" (1980, p. 344). Atualmente, é freqüente classificar-se o behaviorismo radical como
uma filosofia pragmatista ou contextualista (Morris, 1988; Abib, 2001; Carrara, 2001; Tourinho,
2003). Realismo e contextualismo são filosofias antitéticas: as posições realistas
contradizem as posições contextualistas, e vice-versa. Até que ponto devemos associar
"ismos" ao behaviorismo radical - ou até que ponto devemos adequar o behaviorismo
radical aos diferentes "ismos" - ó assunto discutível. O behaviorismo radical ó uma filosofia
sui generis, e suas características peculiares não devem ser sacrificadas em nome de
classificações filosóficas.2 A coerência interna de um sistema teórico, contudo, ó uma

7 O próprio Skinner tornou explicitas suas reservas em relação á necessidade ou importância das
classificações filosóficas Ao comentar sobre “( ) os perigos inerentes em qualquer sistema de tipologia",
Skinner afirma* “Há sempre uma tendência a argumentar que, porque indivíduos sáo similares em um
aspecto, eles também são similares em outros" (1953/1965, p 424). Em sua autobiografia, Skinner relata um
encontro com Henry Kissinger, no qual este teria atribuído as dificuldades de relacionamento entre americanos
e russos ao fato de seus governos serem, respectivamente, democrático e revolucionário Diante disso,
Skinner relata "Eu disse que achava as tipologias perigosas; na psicologia, elas foram devastadoras”
(1983/1984, p 151) Contudo, mesmo que concordemos com as considerações de Skinner sobre o assunto,
pode-se afirmar que as tipologias ou classificações - os "ismos” - sâo, no mínimo, um mal necessário. É
possível, contudo, apontar nelas algumas características úteis. Como aponta Abib (1985, p 203), as
classificações filosóficas sâo importantes "(...) porque chamam nossa atenção para alguns aspectos que
ás vezes passam despercebidos (...)", ressaltando-se, porém, que “(...) o ponto importante é que nâo
devemos nunca perder de vista a totalidade da obra do autor".

40 Alexandre Pltlrlch
característica desejável em contextos filosóficos e científicos, e todo esforço que vise
aprimorar essa coerência no behaviorismo radical é bem-vindo.3
Retornemos ao problema: como um behaviorista radical, enquanto pragmatista ou
contextualista, deve posicionar-se em relação à controvérsia realismo-idealismo? Primeiramente,
é preciso afirmar que não interessa ao behaviorismo radical adotar os jogos de linguagem
típicos desta oposição. O behaviorista radical não vê interesse em discutir qual dentre as
possíveis descrições do mundo - mesmo as científicas - é mais ou menos ‘‘verdadeira", no
sentido realista da palavra: qual delas, se alguma, ‘‘reflete” o mundo de forma mais acurada.
Suponhamos que duas pessoas queiram, de acordo com essa definição, decidir qual dentre
duas afirmações sobre o mundo (quaisquer que sejam) é a mais verdadeira - qual descreve a
realidade de forma mais verossímil. Seria possível a algum dos contendores exceder sua
própria subjetividade e lançar um rápido olhar sobre o mundo “como ele realmente é", retomando
em seguida para contar as novas? Para o behaviorista radical, visões de mundo - científicas
ou não - são necessariamente subjetivas: subjetividade é comportamento de um sujeito-em-
contexto, e é interagindo com o mundo de formas particulares que um sujeito o conhece.
Diferentes formas de oonheámento serão produzidas em diferentes contextos, visando diferentes
objetivos4(Skinner, 1957, p. 429).
Poder-se-ia denominar tal postura como “idealista" - mas, lembremo-nos, a discussão
realismo-idealismo é estranha ao behaviorismo radical. Um idealista (ao menos em sua versão
“pura" ou “radical") assume que o mundo com o qual temos contato é uma criação subjetiva -
no sentido de que um sujeito só teria contato com o que lhe informam seus sentidos ou seu
intelecto, e isso impediria qualquer afirmação sobre a existência de um mundo externo ao
sujeito. Nenhuma dessas posturas coaduna-se com o behaviorismo radical. A definição de
subjetividade como comportamento de um sujeito-em-contexto vai além de considerações
sobre o "mundo interno" deste sujeito. Subjetividade implica interação com o ambiente. Mas e
este ambiente, é "real" ou não? Está correto o idealista, quando afirma ser o mundo apenas
um "mundo interno", ou o realista, quando afirma a existência de um mundo externo independente
do sujeito que o conhece? Esta ó, para os objetivos do analista do comportamento, uma
discussão pouco interessante (embora possa ser intelectualmente estimulante). Seja o mundo
uma criação subjetiva ou uma realidade independente do sujeito, o fato é que precisamos lidar
com ele - precisamos manipulá-lo, visando certos objetivos. Este fato não se modificará, seja
qual for a possível solução do problema filosófico em pauta. Questões ontológicas, via de
regra, transformam-se, para o behaviorista radical, em questões epistemológicas, e são julgadas
de acordo com sua possível contribuição para a epistemologia behaviorista radical.
Temos, portanto, uma posição behaviorista radical sobre a oposição subjetividade-
objetividade, no segundo dos dois sentidos possíveis aqui analisados: esta oposição não
constitui um problema filosófico interessante para esta filosofia. Uma filosofia pragmatista/

J Quando Zuriff afirma que o realismo "(...) nâo é a teoria dominante e nâo é consistente com os princípios
básicos de seu behaviorismo radical" (1980, p 344), está realizando uma interpretação do texto skinnerlano
baseada, ao menos parcialmente, no critério de coerência. De acordo com o autor, em seu conjunto a
filosofia behaviorista radical tende a apresentar características pragmatistas/contextuallstas, e nâo realistas
Outro autor poderia destacar as passagens em que Skinner aproxima-se do realismo e sugerir que o
behaviorismo radical deveria aprofundar esta aproximação. Nessa questão, como em multas outras de
ordem filosófica, trata-se menos de discutir sobre "o que Skinner realmente disse" do que de discutir sobre
quais caminhos consideramos potencialmente mais produtivos para o futuro do behaviorismo radical
4 Note-se que já adiantamos, neste parágrafo, uma proposta de definição de subjetividade no behaviorismo
radical. Adiemos momentaneamente sua discussão, a fim de prosseguir a análise da controvérsia realismo-
idealismo

Sobre Com portam ento e Coflniv*lo


contextualista aborda as questões relativas à produção de conhecimento a partir de uma
perspectiva diferenciada, que dispensa o recurso aos jogos de linguagem típicos da oposição
realismo-idealismo (Abib, 2001).

Subjetividade e a distinção púbiico-privado


Voltemos agora à definição de subjetividade no primeiro sentido: subjetividade
como referência a eventos comporta mentais privados, distintos de eventos comportamentais
públicos. A discussão sobre possíveis interpretações de cunho behaviorista radical sobre
o conceito de subjetividade neste primeiro sentido não ó nova. Behavioristas radicais
brasileiros têm dado relativa atenção ao assunto (Abib, 1988; Andery, 1999; Sant’Anna,
2003; Weber, 1988). Estes estudos apresentam pelo menos uma característica em comum:
reservam o termo subjetividade à análise de eventos privados. Sabemos que o estudo de
eventos privados está, para os behavioristas radicais, necessariamente ligado á análise
de contingências de reforço - notadamente, as que envolvem comportamento verbal. Assim,
como assinala Abib (1988, p. 419), “O discurso sobre a subjetividade passa pelo discurso
acerca do comportamento". Andery (1999, p. 206), por sua vez, afirma que “A nossa
subjetividade, por paradoxal que pareça, talvez seja a mais social de todas as características
humanas". Ao tratar de subjetividade, portanto, estes autores, na melhor tradição do
behaviorismo radical, tornam explícito o fato de que a gênese e função dos eventos privados
só podem ser compreendidas através do estudo da interação do indivíduo com variáveis
públicas: o “mundo interno” está em íntima relação com o "mundo externo".
Como notamos, porém, tais textos associam a palavra subjetividade a eventos
privados. Constituem, portanto, interpretações behavioristas radicais do uso mais comum
desta palavra -e , neste sentido, cumprem plenamente seus objetivos. No entanto, pensamos
que uma nova e mais ampla definição deste conceito é possível a partir da perspectiva
behaviorista radical. Já havíamos adiantado tal definição em momento anterior: subjetividade
ô o comportamento de um sujeito-em-contexto, seja público ou privado. Esta é uma definição
simples - e talvez redundante, dirão alguns. Adotemos um procedimento tipicamente
pragmatista para avaliar o valor da proposta: analisemos as possíveis conseqüências de
sua adoção. Quais são as vantagens da nova definição em relação à anterior?
Iniciemos pelo critério de coerência, sobre o qual discorremos há pouco. Parece-
nos, sob este aspecto, que a definição de subjetividade como o comportamento de um
sujeito-em*contexto é a que mais se adeqüa à filosofia behaviorista radical. A nova definição
atenua a importância, freqüentemente demasiada, que a psicologia tradicionalmente confere
ao "mundo interno” do sujeito - seja como fonte de comportamentos, seja como uma
espécie de "eu autêntico", apartado do mundo exterior e dele protegido por máscaras ou
personas. Ainda além, tal definição dissolve a tradicional distinção entre subjetividade (a
mente, ou o "mundo interno") e objetividade (o comportamento, que faz contato com o
"mundo externo"): para o behaviorista radical, eventos públicos e privados estão
indissoluvelmente relacionados. É impossível compreender os eventos privados sem
examinar suas funções, e estas funções têm origem pública.
A distinção (e não a oposição) entre eventos públicos e privados sempre terá sua
utilidade para o behaviorista radical. Contudo, ao definir subjetividade como o comportamento
de um sujeito-em-contexto, estamos contribuindo para aproximar eventos públicos e
privados - ambos eventos comportamentais que, como afirma Skinner, não possuem
naturezas distintas (1945/1972). Por fim, o próprio Skinner parece, ao menos em alguns
momentos, favorecer a definição: "O comportamento é (...) subjetivo no sentido de que é

42 Alcxiindrf Pltfrkh
característico de uma pessoa particular com uma história particular" (1966/1969, p. 160);
“O conhecimento é subjetivo no sentido trivial de ser o comportamento de um sujeito, mas
o ambiente, passado ou presente, que determina o comportamento está fora da pessoa
que se comporta" (Skinner, 1974, p. 144).
Pode-se, contudo, questionar a própria utilidade das tentativas de oferecer
interpretações behavioristas radicais para termos incomuns a esta filosofia. Especialmente
no caso de termos caros às tradições mentalistas, não estaria o behaviorista radical
desperdiçando seu tempo na empreitada - ou, ainda pior, aproximando o behaviorismo
radical das próprias tradições que critica? Algumas objeções a esta posição podem ser
levantadas. O behaviorista radical não abandona sua especificidade epistemológica ao
analisar conceitos estranhos à sua filosofia - pelo contrário, ao demonstrar o poder
interpretativo do behaviorismo radical, ele o fortalece, dando prova da fertilidade desta
posição filosófica. Suponhamos, por exempfo, que um estudante de psicologia pergunte
ao behaviorista radical o que ele tem a dizer sobre o tema subjetividade. Qual resposta
seria mais interessante: rechaçar o aluno, afirmando que o behaviorismo radical "não
trabalha com a subjetividade", ou explicar-lhe que o behaviorismo radical apresenta uma
interpretação alternativa - e potencialmente mais produtiva - em relação a este conceito?
O mesmo vale para as relações do behaviorista radical com os filósofos e psicólogos de
outras extrações teóricas. Por definição, a ampliação do vocabulário do behaviorismo
radical amplia também suas possibilidades de diálogo - e o debate com representantes
de outras teorias pode ser um exercício saudável e produtivo, desde que a coerência
epistemológica seja sempre observada.

Subjetividade e cultura
O modelo de seleção por conseqüências, enquanto recurso explicativo, aponta
para o caráter necessariamente histórico da subjetividade: um repertório único e particular
é construído por uma história de submissão a contingências seletivas igualmente única e
particular. O conceito de cultura, por sua vez, também deve ser compreendido a partir
dessa perspectiva selecionista: a cultura que constrói a subjetividade de seus membros o
faz através de contingências de reforço. Tais contingências constituem as práticas culturais
dos diferentes grupos sociais. A diversidade de tais práticas entre as diferentes culturas ó
explicada, mais uma vez, pelo modelo de seleção por conseqüências: se certas práticas
culturais são benéficas para uma cultura sujeita a um conjunto particular de circunstâncias,
tais práticas tendem a sobreviver no interior da cultura que integram. Assim, a configuração
total das práticas que caracterizam certa cultura deve-se à trajetória evolutiva particular à
qual esta foi submetida durante sua história. A diversidade cultural é um elemento
indispensável para uma explicação behaviorista radical da diversidade de subjetividades.
Quando Skinner afirma que "O comportamento é (...) subjetivo no sentido de que
é característico de uma pessoa particular com uma história particular" (1966/1969, p.
160), refere-se, na verdade, à interação entre três histórias: filogenética, ontogenética e
cultural. Cada uma delas é única, e elas produzem, em conjunto, sujeitos únicos, ou
subjetividades. O aspecto cultural, contudo, ocupa lugar especial na construção da
subjetividade humana. Um brasileiro tem uma "subjetividade brasileira" - um repertório
comportamental sujeito às práticas características da cultura brasileira. A cultura brasileira
é a forma particular pela qual os brasileiros controlam o comportamento dos brasileiros -
ou, dito de outra forma, é o conjunto das contingências de reforço mantidas pelos brasileiros.

Sobre Com portam ento c CoRnlçílo


Evidentemente, a influência direta das práticas culturais selecionadas sobre a
subjetividade ocorre em nível ontogenético. Neste nível, as possibilidades de variação da
ação das práticas culturais sobre a subjetividade são virtualmente infinitas. Um brasileiro
não possui apenas uma subjetividade brasileira, mas uma subjetividade brasileira
absolutamente singular, produzida por uma história de vida particular no interior da cultura
brasileira. A relação de um sujeito com seu “mundo interno" dependerá, igualmente, das
práticas de auto-observação e autogoverno adotadas por sua cultura. Neste sentido, as
práticas de controle verbal ganham óbvio destaque. A explicação do aspecto privado da
subjetividade apresenta dificuldades peculiares - mas, como vimos, o behaviorismo radical
propõe formas produtivas de enfrentá-las (Abib, 1988; Andery, 1999; Sant'Anna, 2003;
Skinner, 1945/1972; 1990; Weber, 1988).

Conclusão
Pelo menos dois sentidos da relação objetividade-subjetividade podem ser
identificados. Em relação ao primeiro deles, o behaviorismo radical substitui as designações
objetivo e subjetivo pelas designações público e privado. Na medida em que puderem ser
tomadas como sinônimos - e apenas nesta medida - pode-se afirmar, em relação ao
primeiro aspecto, que tanto o comportamento objetivo quanto o subjetivo interessam ao
behaviorismo radical, mas que qualquer contraposição ou divisão estrita entre eles é
estranha a esta filosofia. Em relação ao segundo sentido, ligado à controvérsia realismo-
idealismo, o behaviorismo radical considera a discussão pouco produtiva, e não subscreve
nenhuma das duas opções. Enquanto filosofia pragmatista/contextualista, o behaviorismo
radical questiona a própria validade da discussão do problema em sua exposição tradicional.
O behaviorismo radical tende a transformar questões ontológicas (como aquelas
apresentadas pela oposição realismo-idealismo) em questões epistemológicas: interessa-
nos perguntar não “o que conhecemos", mas “o que é conhecer" (Skinner, 1974, p. 144).
Conhecimento é comportamento - e, portanto, a diversidade do conhecimento explica-se
através das mesmas variáveis que utilizadas para explicar a diversidade do comportamento.
A investigação dos eventos privados é indispensável para uma explicação
behaviorista radical da subjetividade. Contudo, uma definição de subjetividade que vá além
da questão dos eventos privados, fazendo referência ao comportamento de um sujeito-em-
contexto, tanto público quanto privado, coaduna-se mais harmoniosamente com o conjunto
da filosofia behaviorista radical. Qualquer que seja, porém, o conceito de subjetividade
adotado pelos behavioristas radicais, a análise de variáveis de ordem cultural mostra-se
fundamental para sua compreensão. As características singulares das subjetividades estão
estritamente relacionadas aos contextos culturais dos quais derivam sua gênese e função.

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Sobre Com port.ífncnío c Coyjníví« 45


Capítulo 5

Questões culturais na determinação


do comportamento sexual humano1*
A line Hccknwnn M cne/e#

A sexualidade humana tem sido estudada ao longo da história tomando-se objeto de


diversos campos científicos (ver Freud, 1972, Mead, 1988, Bremmer, 1995 entre outros).
Apesar de muitas teorias terem sido elaboradas ató o momento acerca do modo de
funcionamento da sexualidade humana, pouco pode ser tido como fato ou consenso. Kinsey,
Pomeroy e Martin (1958) ressaltam que a sexualidade é um tema que requer atenção em
função da sua importância tanto biológica quando social, no sentido que grande parte das
normas culturais impostas estão voltadas para o controle do comportamento sexual (ver ainda
Áries, 1991 e 1991 b). Assim, pode-se afirmar que estudar questões relativas à sexualidade é
de grande relevância, principalmente porque o sexo envolve tanto questões de saúde, quanto
de relação interpessoal, de relações hierárquicas e o estabelecimento de relações de trocas
- de modo a atingir os mais diversos campos da vida cotidiana humana (ver Trevisan, 2002).
Segundo Kinsey, Pomeroy e Martin (1958) estes aspectos afetam também a
produção científica que acaba por refletir muitos valores morais em detrimento de análises
dos dados obtidos. Da mesma forma, Leite (1996) e Trevisan (2002) assinalam como a
cultura acaba por afetar a conduta tanto do pesquisador quanto dos entrevistados, fazendo
com que as pesquisas realizadas (bem como as intervenções relacionadas) sejam muitas
vezes infidedignas e controladas por questões morais.
1 Trabalho desenvolvido a partir do Trabalho de Conclusão de Curso no Bacharelado em Psicologia da
Universidade Federal do Pará, orientado pelo Prof. Dr Emmanuel Tourinho e a partir do debate na disciplina
Subjetividade e Comportamento Humano ministrada pelo mesmo Agradeço a revisão e colaboração dos
professores Dr Marcus Bentes de Carvalho Neto (UFPA) e Ms Nazaré Costa (UFMA).
' Maiores informações sobre o material, entrar em contato com a autora pelo e-mail alinemene/es($amazon com.br
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade
Federal do Pará

46 Aline Bcrkmiinn M cn r/e i


Há várias formas de manifestação da sexualidade. Quando o indivíduo tende a se
engajar em práticas sexuais repetitivas, distintas da relação genital, que resultam em
sofrimento para o próprio indivíduo e/ou para outrem, denomina-se "parafilia" (Kaplan, Sadock
& Grebb, 1997). Uma característica importante das parafilias é que o indivíduo sente-se
incapaz de obter prazer de outra forma, restringindo seu repertório com porta mental sexual
a um modo de responder topograficamente estereotipado. O número de indivíduos
identificados como parafílicos tende a ser muito baixo, contudo, 20% das crianças - por
pedófilos - e das mulheres adultas já foram vítimas de parafílicos - por voyers e exibícionistas
(Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).
Desde aproximadamente o século XVII, como pontua Aries (1991), a sexualidade
é um tema repleto de considerações sociais, cercado de tabus e polémicas. Assim, o
estudo das parafilias tem sido envolto em preconceitos, inclusive no meio científico. Leite
(1996) - psicanalista brasileiro - ressalta o quanto a Psicanálise enfrenta dificuldades em
lidar com o tema (a facilidade em falar sobre sexo encontrada nestes "pacientes" confronta
a prática psicanalítica tradicional e ó um dos fatores para a alta incidência de fracasso
terapêutico). Além disso, possivelmente por envolver um reforçador primário (sexo), tais
indivíduos sáo concebidos usualmente como se agissem simplesmente por "escolha",
obtendo prazer e assim não requerendo intervenção psicoterápica. Contudo, esta noção é
errônea, já que outros reforçadores podem estar envolvidos tanto na instalação quanto na
manutenção do padrão. Além disso, tanto a noção de "escolha" quando a incompatibilidade
entre "prazer" e "sofrimento" podem ser contestadas. Isto é, sabe-se que todo
comportamento é controlado e, mesmo quando utilizando apenas reforçadores positivos,
o modo como ocorre o controle comportamental acaba por restringir o repertório, não
possibilitando que haja, realmente, uma “opção” por se comportar de determinada forma.
Nesse sentido, Skinner (1998) afirma:

A hipótese de que o homem não ó livre é essencial para a aplicaçáo do método


cientifico ao estudo do comportamento humano(...) todas as causas alternativas
situam-se fora do indivíduo. O próprio substrato biológico ó determinado por
eventos anteriores em um processo genético.,, há coisas que fazem com que o
indivíduo se comporte como o faz. Não ó responsávol, o é inútil elogia-lo ou
maldizô-lo por elas (p.487, sublinhado original).
Do mesmo modo, o pareamento de estímulos aversivos com reforçadores pode
ocasionar na transferência de função, possibilitando que sensações físicas que anteriormente
tinham funções aversivas passem a reforçar o comportamento (sem que necessariamente
estejam relacionadas ao prazer), ou ainda, dois estímulos (sendo um aversivo e outro
reforçador) podem ser conseqüências de um mesmo comportamento, de modo que a
freqüência do mesmo é aumentada sob controle do estímulo reforçador sem que haja uma
redução nas sensações físicas aversivas3(ver Sidman,1995 para uma análise detalhada).
Percebe-se que o estudo das parafilias faz-se relevante para uma análise que seja
isenta de pré-julgamentos e que não se detenha a classificações topológicas. Além desta

■* Um exemplo clássico è a criança que só receba atenção dos pais quando se comporta inadequadamente,
de modo que elementos que compõem esta "atenção" (como gritos e castigos) podem adquirir função
reforçadora, mesmo que continuem provocando dor Do mesmo modo. se o uso de uma substância provocar
uma sensação de pra/er e uma de mal estar, tal comportamento pode se manter no repertório sob conlrolu
das conseqüências reforçadoras (aqui simplificadamente chamadas de “sensação de prazer") apesar de
continuar sendo consequenciado averslvamente (isto é, com estímulos que funcionam como punitivos e/ou
reforçadores negativos quando apresentados sozinhos).

Sobre Com portam ento e Citftniçíio 47


relevância científica, o debate em torno das parafilias reflete um contexto social específico,
onde não só a incidência de comportamentos parafílicos tem aumentado, vitimando 20%
das crianças e adolescentes (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997), como também aumentou a
ênfase dada aos mesmos pela sociedade, em especial pela mídia, que alterna entre padrões
de enaltecimento e condenação de condutas sexuais heterodoxas. A proposta do presente
trabalho é iniciar o debate do papel da cultura ocidental atual sobre o aumento da incidência
e da repercussão social do fenômeno parafílico.
Porque discutir o papel da cultura? A importância da cultura neste contexto se
reflete na evolução de regras que regulam a conduta sexual ao longo da história e em
diferentes culturas, demonstrando que grande parte dos comportamentos que são tidos
como parafílicos na cultura ocidental atual podem já ter sido ou mesmo ainda ser praticados,
em outros contextos, sem que haja qualquer sanção social (ver Bremmer, 1995, Áries,
1991 e Mead, 1999). Desta forma, pode-se questionar a fidedignidade dos dados de
incidência, já que estes são calculados a partir da contabilização de diferentes padrões
comportamentais classificados sob o mesmo termo, isto é, tanto o conceito de parafilia
quanto à incidência desta são produtos culturais.
O papel da cultura sobre as formas atuais de manifestação da sexualidade será
discutido sob uma perspectiva analítico-comportamental e apresentados a partir dos
seguintes pontos:
1. A noção de individualismo e narcisismo, proposta por Sennet (1988).
2. A busca de um eu inexistente como meta maior, descrita por Elias (1994).
3. A visão da sociedade atual como a “sociedade do espetáculo”, tal qual discute Birman
(1999).
4. O papel das regras como controladoras do comportamento, como apresenta Skinner
(1983 e 1987).
O narcisismo costuma ser analisado como um elemento constitutivo da
personalidade do indivíduo centrado nele mesmo (ver Freud, 1972). Sennet (1988) discute
o narcisismo de forma diferenciada, caracterizando-o como uma supervalorização de
aspectos relativos ao indivíduo em detrimento das relações sociais. Desta forma, a ênfase
atual recairia sobre condutas e sentimentos individuais, concebendo-os de forma
desvinculada das relações sociais em que estão inseridos.
Isto se deu a partir de um processo histórico que evoluiu com a constituição dos
Estados e a separação do indivíduo dos meios de produção. Antes desse processo ocorrer,
os vínculos sociais eram necessários, já que a obtenção de produtos e bens em geral
ocorria através de trocas e relações interpessoais. Com a produção fragmentada, os
indivíduos passaram a ter acesso ao produto independentemente das relações estabelecidas
e, com isso, passaram a estabelecer uma errónea percepção de independência e a quebrar
de alguns vínculos sociais agora considerados “desnecessários" (Sennet, 1988).
Outra conseqüência desse processo ó que a população passa a ser constituída por
íntimos e estranhos, separando a sociedade nestes dois grupos e diferenciando o tipo de
relação a ser estabelecida com cada um deles. Enquanto nas sociedades feudais havia o
estabelecimento de relações que envolviam o grupo como um todo, passou-se a agrupar as
pessoas em grupos sociais maiores e restringir as relações a apenas uma parcela destes
grupos. Um efeito disto é a supervalorização dos segredos e dos sentimentos, compartilhados
apenas com os íntimos. Supervalorizados, os sentimentos passam a constituir um fim em
si mesmos, tornando-se o centro das relações estabelecidas (Sennet, 1988).

48 A lln c Krckm .inn M e n c /c *


Skinner (1987), analisando as mudanças ocorridas no mesmo período, pontua dois
aspectos fundamentais. Primeiramente, ao separar o trabalhadordos meios de produção, a
sociedade também o separou das contingências reforçadoras naturais do trabalho - incluindo
a socialização. Isto é, o trabalho passou a ser controlado exclusivamente (ou quase) por
reforçadores condicionados generalizados (em geral o dinheiro), o que é suficiente para a
manutenção do repertório, contudo implica na perda de reforçadores imediatos, intrínsecos
ao modo prévio de produção - como a conclusão da tarefa, as interações sociais inerentes
etc. A conseqüência desta modificação é a combinação de contingências aversivas e
reforçadoras concorrendo no controle do comportamento de trabalhar.
Em segundo, Skinner (1987) destaca que a ênfase nos sentimentos impossibilita
uma análise funcional do comportamento, dificultando a compreensão e modificação do
mesmo. Como os sentimentos resultam de contingências controladoras, a análise destes
como sendo um fim em si mesmos impede qualquer modificação deles e, ainda, faz com
que o indivíduo não dê continuidade á sua análise, ou seja, não manipule as contingências
ambientais envolvidas. Assim, observa-se um contexto no qual indivíduos tendem a se
comportar de modo cada vez mais isolado socialmente e procurando benefícios próprios,
sob controle apenas dos efeitos reforçador/aversivo dos sentimentos.
De modo simplificado, pode-se pensar na situação de indivíduos que se comportam
sob controle de obter "amor verdadeiro", entretanto não são capazes de explicitar o próprio
conceito de “amor verdadeiro", já que este provavelmente seria pautado em regras elaboradas
a partir de descrições presentes em obras de ficção veiculadas pela mídia,
independentemente de descreverem contingências falsas ou verdadeiras. Assim, tais
indivíduos emitem uma série de respostas sobre controle de tais regras, contudo o “amor
verdadeiro" não é obtido e com isso mudam de parceiro. A questão é que, com ênfase
apenas em si mesmo e nos próprios sentimentos, o indivíduo perde de vista que tais
sentimentos são frutos da relação estabelecida e não fica sob controle de aspectos
presentes na relação - tornando muito improvável a emergência de um sentimento sequer
próximo daquele descrito na literatura, nas novelas e nos filmes.
É nesse contexto que se pode observar o que Elias (1994) define como busca do
verdadeiro eu. Os indivíduos passam a se comportar no sentido de encontrar o que seria o “seu
verdadeiro eu", como se aquilo que fosse exposto cotidianamente não expressasse a “essência"
do indivíduo. O que Elias (1994) aponta, entretanto, é que esta busca seria interminável no
sentido de que parte de um pressuposto incorreto - o de que haveria um "eu falso".
Supervalorizados os sentimentos, os indivíduos iniciaram uma busca por algo que
seria considerado mais íntimo, pessoal e verdadeiro, mas cuja manifestação seria proibida
pela sociedade - isto é, que poderia ser demonstrado apenas a um grupo restrito e não
compartilhado com todos os “estranhos" presentes na comunidade. A necessidade de
emitir padrões de comportamento diferenciados sob controle do grupo social presente
geraria a necessidade de autocontrole referente à expressão de sentimentos e a
manifestação de determinadas respostas. Dois problemas emergem, deste modo, nessa
situação: a inexistência deste “eu" enquanto entidade desvinculada das relações sociais
ocasiona uma inevitável série de frustrações (ou seja, uma série de comportamentos é
emitida sob controle de um estímulo reforçador inexistente-"eu verdadeiro"); e a imposição
de regras rígidas demais (demandando um autocontrole excessivo) torna difícil o seu
cumprimento e aumenta a probabilidade de confronto e desafio das mesmas (como
observado porMead, 1988 e analisado por Skinner, 1983).

Sobri- Comportamento c Cognição 49


É assim que surge a idéia de um “eu real" que seria diferente do usual.
Corriqueiramente, observa-se pessoas que dizem que em determinados contextos conseguem
ser "elas mesmas". Isto ó reflexo de um controle social rigoroso, de modo que quando um
indivíduo comporta-se sob controle direto das contingências imediatas (ou seja, não por
regras e nem se autocontrola), tem a sensação de entrar em contato com "algo" que seria
mais verdadeiro. O comportamento emitido pode ser consequenciado a curto e a longo
prazo; quando a conseqüência a longo prazo possui função igual ou similar àquela da
conseqüência a curto prazo, o efeito sobre o comportamento pode ser intensificado; contudo,
quando a conseqüência a longo prazo possui efeito inverso, o indivíduo passa a se comportar
em esquema concorrente; assim, por mais que um determinado comportamento produza
conseqüências reforçadoras, ele pode ter sua freqüência reduzida como resultado do efeito
aversivo exercido por outras conseqüências, mais poderosas no controle do comportamento,
apresentadas a longo prazo (ver Skinner, 1998).
A questão a ser observada é que não existe ‘‘eu falso", logo não haveria um "eu
verdadeiro". O indivíduo é sempre ele mesmo, o que mudam são as contingências que
controlam o seu comportamento. Quando o indivíduo sente-se como "ele mesmo", o que
está ocorrendo efetivamente é que ele está diante de uma comunidade na qual aquele
comportamento previamente reforçado não é punido, ou seja, ele não se encontra mais
em um esquema concorrente, mas sim de reforçamento positivo contínuo.
Apesar das recorrentes frustrações, essa busca por um "eu" se mantém, pois é
reforçada por contingências sociais específicas que caracterizam o panorama social descrito
por Birman (1999) sob o nome de "sociedade do espetáculo”. A sociedade atual caracteriza-
se, deste modo, pela adoção massifícada de “máscaras". Esta noção de máscaras utilizada
por Birman (1999) é similar á noção de autocontrole apresentada por Skinner (1983) - ou
seja, representam a emissão de comportamentos que não estão sob controle de contingências
diretas, mas que são reforçados socialmente. Para Birman (1999) a freqüência elevada
deste padrão, simultaneamente à tentativa de identificação desse "eu" gera a formação de
identidades descartáveis, que se adeqüam àquilo que parece mais relevante no momento
específico. O problema desta variação é que estaria associada, principalmente, ao controle
social aversivo, isto é, a complexidade relacionada à diversidade do padrão comportamental
apresentado seria resultado da inibição de respostas previamente reforçadas em detrimento
de diferentes padrões selecionados pelos grupos específicos.
Para compreender melhor esta caracterização social, faz-se pertinente recorrer à
discussão apresentada por Skinner (1987) sobre regras impostas pela cultura. O
estabelecimento de regras específicas que descrevem o tipo de comportamento a ser
reforçado pode gerar um controle abrangente do comportamento que acaba por esvaecer
a relação entre resposta e reforço, enfraquecendo-a. Isto é, a conduta adotada publicamente
está sob controle de contingências sociais mais distantes e não das contingências
diretamente relacionadas ao comportamento emitido, gerando um conflito permanente
entre contingências de reforço distintas (ver Skinner, 1983). Deste modo, como o que
mantém o comportamento não é a conseqüência direta da emissão do mesmo, mas os
reforços sociais liberados por uma comunidade específica, o indivíduo diminui sua
sensibilidade às conseqüências diretas do seu comportamento, podendo, inclusive, engajar-
se em padrões autodestrutivos (como práticas sexuais masoquistas que podem envolver
tanto o condicionamento reflexo quanto o reforçamento social como procedimentos
mantenedores deste padrão).
Neste sentido; "à medida que as contingências que induzem as pessoas a agir
‘pelo bem do próximo’ se tomam mais poderosas, obscurecem as contingências que envolvem

50 A lin e Heckimmn M e n c /e s
reforços pessoais. Aí então podem ser desafiadas" (Skínner, 1983 p.90) e esse desafio dá-
se através do contra-controle, através da criação de um sistema de competição, onde reforços
da experiência pessoal podem passar a ter maior função controladora. Skinner (1983) continua
descrevendo este processo da seguinte forma: “quando, pois, o controle exercido por outros
é eludido ou destruído, só se deixam os reforçadores pessoais. O indivíduo volta-se para a
gratificação imediata, possivelmente através do sexo ou das drogas" (p.90).
Desse modo, observa-se uma sociedade na qual os indivíduos comportam-se sob
controle de conseqüências unicamente individuais (sem benefícios comuns ao grupo), em
geral associadas a sentimentos e à noção de um "eu interno", e sem ter contato com
reforçadores diretos/naturais. As conseqüências disso são as propaladas sensações de
vazio e frustração, a dificuldade em modificar tais padrões comportamentais e a ênfase na
gratificação imediata. Este contexto geral vai influenciar o modo de se comportar dos
indivíduos como um todo, inclusive no seu comportamento sexual.
Pode-se perceber com isso que as relações sexuais tornam-se cada vez mais
desvinculadas de relações afetivas e/ou pessoais prolongadas, já que estas envolveriam
uma maior revelação deste “eu" e menor possibilidade de encontrar-se e autoconhecer-se
(o que se daria através de múltiplos relacionamentos). Considerando que uma das
características de relações com componentes parafílicos é a impessoalidade (ver Leite,
1996 e Kaplan, sadock & Grebb, 1997), pode-se observar que são padrões comportamentais
que se encaixam nesta ênfase na proteção da individualidade e busca de autoconhecimento.
Por impessoais entende-se, aqui, que se caracterizam como relações em que o indivíduo
se comporta enfatizando exclusivamente a estereotipia topográfica comportamental e não
o parceiro em questão. Por exemplo, indivíduos que só conseguem obter ereção a partir
da agressão física têm seu comportamento sexual controlado pela presença/ausência
desta agressão, independentemente de quem seria a outra pessoa envolvida na relação.
Desta forma, a ênfase recai sobre o cenário, o ambiente construído, e sobre a própria
obtenção de prazer - desvinculada de efeitos sobre a relação ou a obtenção de prazer pelo
parceiro (que estariam associados a outros reforçadores, de caráter relacional)4.
Além disso, o comportamento sexual passa a ser controlado por uma série de
regras sociais que determinam como adequado (isto é, passível de reforçamento), aquele
comportamento que é mais heterodoxo, destacado e auto-revelador. Contraditoriamente,
perpetuam regras sociais de fidelidade e contenções do comportamento sexual em público.
O choque entre tais contingências sociais acaba por aumentar a probabilidade de
comportamentos conciliatórios - que produzam esquiva da sanção social, mas
reforçadores tanto físicos quanto sociais. Isto é, a utilização de filmes, revistas, músicas
e outros recursos de expressão não-física da sexualidade como veículos de divulgação e
manifestação das práticas valorizadas socialmente, sem o risco de sanções sociais -
incluindo a exposição do corpo (tanto feminino quanto masculino) como forma de obtenção
de reforçadores primários e condicionados (sexo e suas variações e complementos),
desvinculada de qualquer conotação relacional.
A forma de organização da cultura, como foi discutida até o momento, estabelece
uma série de contingências que propiciam a instalação e manutenção de padrões parafílicos.
4 Morris (1968) e Fischer (1995) identificam que a evolução selecionou Indivíduos que estabeleciam vínculos
com seus parceiros sexuais, facilitando o cuidado da prole Tais vínculos s&o compreendidos a partir de uma
série de respostas fisiológicas na presença do parceiro e na suscetlbflidade ao efeito reforçador do mesmo
em outros contextos A perda do caráter relacional do ato sexual representa, assim, uma insensibilidade a
tais efeitos do sexo sobre o indivíduo.

Sobre (.'cmifKrrt.mienf« e 51
Contudo, não é, em si, determinante. O desenvolvimento de um padrão comportamental
específico vai depender ainda das experiências individuais, inclusive da história de
seguimento de regras. Deste modo, pode-se hipotetizar alguns fatores ontogenéticos (além
do reforçamento positivo direto) que podem contribuir com a instalação e/ou manutenção
da conduta parafílica:
1. Ausência de reforçadores -> a privação de outros reforçadores pode funcionar como
uma operação estabelecedora que aumenta o valor reforçador da relação sexual em si.
Assim, contatos sexuais não-genitais ou mesmo indiretos (como a observação) podem
adquirir função reforçadora elevada, sendo suficientes para que o indivíduo chegue ao
orgasmo e assim aumente a probabilidade de emissão daquela resposta no futuro.
2. Déficit de habilidades sociais -> dificuldades em se aproximar e estabelecer contatos
sociais podem gerar padrões passivos ou agressivos de conduta sexual, resultando
em práticas parafílicas como o uso da força para a obtenção de prazer sexual.
3. História de punições -> a punição de determinadas respostas relativas à conduta sexual
pode gerar a esquiva das mesmas, propiciando a emissão de práticas sexuais alternativas.
4. Estabelecimento de regras -> a formulação de auto-regras relativas à obtenção de
prazer e/ou esquiva de determinados aversivos pode ser responsável pelo caráter
estereotipado e repetitivo de práticas parafílicas, sendo mantidas pelo esquema de
reforçamento em que a resposta é inserida.
5. Imitação/modelação -> reprodução no contexto sexual de respostas similares àquelas
emitidas por indivíduos significativos (como pais e professores), mesmo que não
relacionadas com a conduta sexual.
6. Poder -> reforçador condicionado resultante do reforçamento contínuo de respostas
de opressão ou de condutas estereotipadas. Isto se refere à “sensação de poder” ser
um reforçador condicionado na sociedade atual onde, a partir com o pareamento
com uma série de outros reforçadores, o ato de subjugar e dominar outros indivíduos,
assumindo uma condição de poder pode tornar-se um reforçador condicionado.
A partir da perspectiva de que cada indivíduo desenvolve um dado padrão
comportamental como resultado de sua história particular, a proposta analítico-
comportamental de compreensão do padrão e de intervenção terapêutica deve contestar o
modelo de classificação diagnóstica topológica e o substituir pela análise funcional de
cada caso em questão. Assim, a análise de determinantes culturais e ontogenéticos
possibilitaria o questionamento de se o comportamento parafílico seria em si uma queixa
e tornaria indispensável uma avaliação do repertório total do indivíduo e do contexto social
em que este está inserido, não mais focalizando a intervenção apenas na sexualidade -
como tem sido tradicionalmente a conduta clínica nestes casos (Leite, 1996).

Conclusão
Considerando o que foi apresentado até o momento pode-se fazer três observações:
0 A supervalorização do "eu" como uma entidade à parte acaba por ser uma busca vã,
pois ignora o caráter relacional da formação de cada indivíduo e fornece um contexto
de desafio e necessidade de se prevalecer sobre os demais que favorece o
desenvolvimento de condutas parafílicas.
0 A ênfase em características internalistas tem direcionado a discussão da sexualidade
para aspectos inexistentes, gerando frustração. Uma perspectiva externalista pode

Aline Heekmdnn Mcnc/cs


contribuir para uma análise mais completa da sexualidade humana, identificando,
principalmente, fatores ontogenéticos e culturais que possam estar envolvidos na
emissão destas respostas.
0 A definição de parafilia supra apresentada envolve o sofrimento de ao menos um dos
parceiros envolvidos. Considerando o quadro social no qual tais condutas acabam por
se desenvolver, o papel do psicólogo neste contexto toma-se mais importante e delicado
do que era concebido anteriormente, de modo a identificar não só se há sofrimento,
mas como este se configuraria. Isto porque, o sofrimento pode não estar relacionado
à conduta sexual em si, mas a outras pressões sociais envolvidas no quadro.
Desta forma, pode-se observar que há muitos aspectos a serem considerados ao
se analisar uma conduta sexual “aparentemente desviante". Apesar de não se configurar
como conclusivo, espera-se que o presente trabalho tenha contribuído para uma discussão
de aspectos relacionados ao comportamento sexual humano.

Referências
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Áries, P. (1991b) Por uma história da vida privada. In: P, Aries & R. Chartior, História da vida
privada - Volume 3. (pp. 7-19) São Paulo: Companhia das Letras.
Birman, J. (1999) A psicopatologia na pós-modernidade - As alquimias no mal-estar da
atualidade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 2 (1 ) 35-49.
Bremmer, J. (1995). De Safo a Sade: Momentos da história da sexualidade. São Paulo: Papirus,
Elias, N. (1994) A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorgo Zahar Editor.
Fisher, H. (1995). A anatomia do amor - A história natural da monogamia, do adultério o do
divórcio. São Paulo: Editora Eureka.
Freud, S. (1972). Três ensaios sobre a sexualidade. Em: S. Freud Edição Standart Brasileira
(ESB) das obras psicológicas completas de Sigmund Freud - Volume VII. (p. 135-175)
Rio de Janeiro: Imago. Publicado originalmente em 1905.
Kaplan, H. L. Sadock, B. J & Grebb, J. A. (1997) Compêndio de psiquiatria - ciências do
comportamento e psiquiatria clinica. Porto Alegre: Artes Módicas.
Leite, J.E. (1996) Perversões da perversão [Palestra ministrada no Congresso Brasileiro de
Psicopatologia Fundamental om Barão Geraldo). Rio de Janeiro.
Mead, M. (1988) Sexo e temperamento. São Paulo: Perspectiva.
Mead, M, (1988). Sexo e temperamento. São Paulo: Porspectiva.
Morris, D, (1968). O macaco nu - um estudo do animal humano. Rio de Janeiro: Rocord.
Sennet, R. (1988) O declínio do homem público. São Paulo: Companhia das Letras.
Skinner, B. F. (1983) O mito da liberdade. São Paulo: Surnmus.
Skinner, B. F. (1998) Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B.F. (1987) What is wrong with daily life in the western world? In: B.F. Skinner. Upon
further reflection. (pp. 15-31) Now Jersey: Prentico-Hall.
Trevisan, J. S. (2002). Devassos no paraíso. Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora Record.

Sobre Comportamento c CoRnlv>1o 53


Capítulo 6

Perspectiva Analítico-Funcional
And C'diolind Aquino i/c Sousd'

l uc Vdndcnbcttfhc*

Além da proposta de uma análise funcional para explicação e tratamento do


Transtorno de Personalidade Borderline (que será discutido adiante), o título do artigo
aponta também, um dos temas controversos entre terapeutas comportamentais: o uso
de uma classificação diagnóstica pelos mesmos. Uma questão bastante relevante para
iniciar a discussão do assunto em questão é: será útil um sistema de classificação como
o apresentado no DSM IV (APA, 1995), dentro de uma proposta, cujos pressupostos são
skinnerianos? As pesquisas publicadas vêm demonstrando a adesão de alguns terapeutas
comportamentais ao DSM IV. Skinner (1953) já apontava para a importância de uma
análise funcional para entender o comportamento. O DSM IV, ao classificar cada transtorno
de acordo com critérios específicos, atenta-se para uma análise topográfica, e não funcional.
Assim, poder-se-ia questionar que esta adesão significa convergir em pontos de vista
freqüentemente considerados opostos (Cavalcante & Tourinho, 1998).
O DSM IV é um manual descritivo que foi criado para identificar sintomas, adotando
uma linguagem clara, para facilitar o diagnóstico, com o objetivo de ser a-teórico. Assim,
terapeutas comportamentais que o utilizam, apontam para o seu caráter facilitador de
comunicação, uma vez que os especialistas poderiam ter uma visão clara entre diferenças
e semelhanças entre clientes (Cavalcante & Tourinho, 1998).
Devido aos princípios filosóficos do behaviorismo radical, pode-se apontar objeções
ao uso de um manual classificatório. Uma delas refere-se ao obscurecimento da
individualidade. Mesmo pessoas caracterizadas ou classificadas em uma mesma categoria
diagnóstica podem apresentar comportamentos diferentes, ou preencher critérios diferentes.

1 Endereço: Rua P 11, no 105, Setor dos Funcionários, CEP 74543-240, Goiânia (GO), e-rnall:
carollnapsy@hotmail.com
* Universidade Católica de Goiás

54 Ana Carolina Aquino de Sousa, Luc Vandenberfihc


Além disso, um sistema classificatório pode gerar estigmatização em função do rótulo
recebido. Finalmente, cabe ressaltar que o sistema classificatório não diz nada sobre o que
está mantendo o problema. O manual leva em consideração a topografia, entretanto, numa
análise comportamental o mais importante é a identificação de variáveis controladoras do
comportamento, pois são estas que direcionam a intervenção. De acordo com Cavalcante e
Tourinho ( 1998), uma análise topográfica distancia a possibilidade de uma análise funcional.
Ao identificar só a topografia corre-se o risco de punir uma melhora do cliente
(Kohlenberg & Tsai, 1987; 1994; 1995b; 2001). Suponha, por exemplo, dois clientes cuja
topografia comportamental poderia ser denominada de agressão verbal. Suponha ainda
que o primeiro cliente traz a agressão como um problema em sua vida, e que, portanto,
precisa ser mudado. Para o segundo cliente, entretanto, o quadro ó diferente: busca a
terapia devido à sua dificuldade em expressar seus sentimentos. Imagine que ambos
apresentem diante do terapeuta, o comportamento agressivo. Considerar este
comportamento como um problema para o primeiro cliente seria adequado, embora o
mesmo não seja verdadeiro para o segundo, que ao ser agressivo está sinalizando uma
melhora, pois apresenta dificuldades em expressar sentimentos. Portanto, embora a
topografia seja a mesma, a função é diferente.
Neste artigo, o que será discutido e descrito refere-se à topografia do que é chamado
de Borderline, e à importância da identificação das relações controladoras, no intuito de
manipular contingências para mudança de comportamento. A seguir serão apresentados
os critérios diagnósticos o Transtorno de Personalidade Borderline, segundo o DSM IV
(APA, 1995), e em seguida, uma análise skinneriana a respeito da formação da
personalidade, e diretrizes para o tratamento.

1. Critérios Diagnósticos
De acordo com o DSM IV (APA, 1995), no Transtorno de Personalidade Borderline
(TPB), o indivíduo apresenta um padrão instável no que se refere a relacionamentos
interpessoais, auto-imagem e afetos, padrões constantes de impulsividade, que estão
presentes em uma variedade de contextos, tendo início na idade adulta, preenchendo
cinco ou mais dos critérios citados abaixo (tabela 1).

Tabola 1. Critórios Diagnósticos do TPB, sogundo o DSM IV (APA, 1995).


Critérios Diagnósticos

• Esforços para evitar um abandono real ou imaginário - são pessoas intolorantes


â solidão;
• Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, em que a
pessoa alterna entre extremos de idealização e desvalorização;
• Perturbação da identidade - instabilidade constante da auto-imagem ou do
sentimento do "eu";
• Impulsividade em duas ou mais áreas, prejudicando significativamento a sua
vida (sexo, abuso de substâncias, comer compulsivo etc);
• Comportamentos, gestos ou ameaças de suicídio ou de comportamentos
automutilantes;
• Instabilidado afotiva - oscilação freqüente de humor;
• Sentimentos crônicos de vazio;
• Raiva intensa ou dificuldade em controlar a raiva;
• Episódio de ideação paranóides relacionados ao stress à sintomas
dissociativos intonsos.

Sobre Con>|Kir1.inicnlo t Copniçüo


2. Fatores Etiológicos do Transtorno de Personalidade Borderline (T.P.B.)

2.1. O Desenvolvimento do Self: o papel da aprendizagem


Os clientes com diagnóstico de T.P.B., em geral, trazem ao terapeuta, sentimento
de impotência e confusão, pois afirmam não saber quem são, do que gostam ou do que
esperam da vida. Seus comportamentos (tanto públicos quanto privados) tendem a ser
contraditórios entre si e mudam rapidamente. É comum desistirem do tratamento ou não
aproveitarem bem a terapia. Diante de situações de escolhas, tendem a ter dificuldades para
tomar decisões. É freqüente a tentativa de suicídio em função da intensidade do sofrimento.
Muitas vezes, relatam crises de identidade (Conte & Brandão, 2001). Deve-se lembrar,
entretanto, que para um diagnóstico comportamental, mais importante que a topografia, ó
analisar as funções destes comportamentos na vida de uma pessoa, em particular.
O cliente relata, geralmente, "eu me sinto vazio". Segundo Kohlenberg e Tsai
(1991/2001; 1995a), tal declaração ocorre em função da falta de estímulos discriminativos
privados que controlam o eu. Quando a experiência do eu depende de estímulos externos,
a pessoa pode se sentir instável e insegura. Assim, a sensação descrita como vazio pode
ser entendida a partir da ausência de estímulos externos, que antes estavam presentes.
Além disso, a ausência destes estímulos externos pode levar à sensação de
despersonalização. Com isso, a pessoa pode isolar-se, criando um contexto para ser ela
mesma, livre do controle dos outros. Muitas podem passar a esquivar-se tanto fisicamente
quanto emocionalmente dos outros, pois assim, não dão oportunidade para que estes as
controlem. Temem perder a sua identidade ao se envolverem (Melges & Swartz, 1989;
Conte & Brandão, 2001; Livesley, 2000).
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) apontam que a pessoa torna-se capaz de identificar
quaisquer mudanças nos comportamentos dos outros, e estas servem como estímulos
discriminativos para que ela mude sua forma de pensar, sentir e ver em relação ao eu.
Pessoas com o eu sob controle de estímulos públicos não sabem o que querem, o que
podem fazer e o que sentem, a menos que outras lhes digam o que fazer e o que é
permitido sentir (Parker et al, 1998).
Por apresentarem pouco controle privado sobre a experiência do eu, a pessoa
pode achar intolerável ficar só. De acordo com Kohlenberg e Tsai (1991/2001), o fato de
temerem a solidão se explica não só pela invalidação, mas também pela experiência de
negligências, em que suas necessidades básicas não foram atendidas. Enfim, pais que
ao não fornecer suporte emocional quando imprescindível à criança, ou que a deixavam
só, tornaram a experiência do eu assustadora, acarretando assim, na idade adulta, em
buscas incessantes pela companhia de outras pessoas.
A pessoa, muitas vezes, busca evitar o sentimento de vazio, através de encontros
casuais. Porém, à medida que ocorre uma aproximação mais íntima, a pessoa fica com
raiva, sente-se sufocada e se afasta. Seus comportamentos podem variar. É comum
apresentar raiva excessiva (ou "explosões") e repertórios de esquiva. Podem ir do extremo
da idealização do outro até a desvalorização. É comum expressarem necessidade de
atenção e de intimidade, mas após um pequeno período de tempo, rejeitar intimidade,
podendo até pôr fim a relacionamentos.
Se baseados em idéias esboçadas por Millon (1969/1979; 1981) Wasson e
Linehan (1993), Linehan (1993), Linehan, Cochran e Kehrer (2001), e Kornere Linehan

Ana Ciirolind Aquino dc Sousa, Luc Vdinienbcrflhe


(2002), apontam que indivíduos com T.P.B. apresentam uma vulnerabilidade biológica que
os leva a ser extremamente sensíveis a estímulos emocionais. Em geral, vêm de famílias
em que seus relatos, quando crianças, em relação à sua própria experiência, eram
invalidados. Assim, ao relataras suas experiências, especialmente as negativas, foram
ridicularizadas, ignoradas ou lhes foi dito que não estavam sentindo raiva, por exemplo,
quando, de fato, estavam. Além disso, os pais deixaram a mensagem de que os
pensamentos, sentimentos e emoções devem ser controlados, o que invalida a vivência de
dificuldades e o carecimento de apoio. Por fim, a criança foi punida de alguma forma, por
manifestar opiniões e preferências que fossem conflitantes com as dos país. As respostas
da criança que estavam sob controle privado não foram reforçadas positivamente, mas sim
punidas, o que levou ao reforçamento negativo de auto-relatos inadequados, pois para
evitar conseqüências aversivas, a criança passa a experienciar o self a partir de estímulos
externos, o que a torna extremamente sensível ao humor e aos desejos dos outros.
Gunderson, Kerr e Woods (1980) realizaram um estudo que apoia as explicações
etiológicas para a formação do borderline. Investigaram se havia características específicas
que pudessem ser identificadas em famílias borderlines. Para isso, foram comparadas
famílias de borderlines com famílias de pacientes psiquiátricos diagnosticados como
esquizofrênicos e neuróticos.
Dentre as características específicas das famílias de borderlines, pode-se ressaltar
o investimento dos pais na relação conjugal, em detrimento da relação pais e criança,
sendo esta, negligenciada pelos mesmos, pois o casal tende a se atacar, utilizando a
criança, e portanto, não lhe oferecendo atenção, empatia, apoio e proteção necessários,
nem os cuidados básicos. As relações interpessoais são marcadas pela hostilidade e
dominação. A mãe tende a ser não afetuosa. A criança é deixada de lado pelos pais, já que
estes estão centrados nos seus problemas conjugais. A relação entre pais e filhos tende
a ser pobre e distante. Este achado sugere uma possível explicação para a percepção que
o borderline apresenta sobre os seus pais como sendo um ‘grupo unido e/ou indiferenciado’
(Gunderson et al, 1980). Além disso, apoia as explicações de Linehan da importância da
negligência para o desenvolvimento deste transtorno.
A negligência, muitas vezes, leva a hospitalizações da criança. Os pais, que não
estão aptos a lidar com este problema, podem tornar-se amargos e nervosos. Deste modo,
a criança pode aprender desde cedo, a ser responsável em cuidar de outras pessoas e da
própria casa (Gunderson etal, 1980).
Uma análise acurada de psicopatologia nas mães de borderlines, demonstrou a
presença de diversos transtornos como esquizofrenia, TPB, depressão, alcoolismo, além
de outros comportamentos como autoritarismo, infidelidade, sarcasmo, brigas, abusos
verbais ou físicos e punição inadequada aos comportamentos da criança. É comum,
entretanto, encontrar psicopatologias em ambos os pais, principalmente depressão na
mãe, que preocupada com seus problemas maritais, não se disponibiliza à criança,
rejeitando-a e levando-a a sentir-se desapontada. Assim, de modo geral, os resultados
sugerem falta de envolvimento dos pais com suas crianças (Gunderson et al, 1980).
Os resultados de Gunderson et al (1980) são importantes porque foram replicados
por outros estudos empíricos de Soloffe Millward (1983) e Livesley (2000) que destacam
os mesmos fatores da história de desenvolvimento que contribuem para a formação do
borderline.

Sobre Com portam ento e Coflni(<io 57


Paris (2000) e Fornagy e Target (2000), revisaram estudos mais recentes acerca
da influência da aprendizagem na formação do borderline, que também confirmam os
resultados supracitados.

2.2. Fatores Sociais


Kreisman e Straus (1989) e Armony (1998) analisaram como a cultura atual favorece
o desenvolvimento do TPB. O avanço tecnológico requer cada vez mais o compromisso
individual com estudo e trabalho solitários, sacrificando assim, a socialização. Além disso,
o aumento da taxa de divórcio, da utilização de babás, da dificuldade em alcançar
relacionamentos íntimos mais estáveis, da necessidade de mudanças geográficas devido
às pressões econômicas, contribuem para uma sociedade instável, com solidão, sentimento
de vazio, ansiedade, depressão e dificuldade em confiar.
O conforto outrora fornecido por vizinhos e familiares e os papéis sociais consistentes
foram perdidos, piorando os relacionamentos interpessoais e o isolamento, já que não se conta
com o apoio de um grupo estável e/ou presente (Kreisman & Straus, 1989; Armony, 1998).
A sociedade, de muitos modos, ó um mundo de contradições. Somos levados a
acreditar e defender a paz, embora as ruas, os filmes, os esportes, a televisão sejam
marcados por agressão e violência. Fala-se em solidariedade, mas na prática, o capitalismo
ensina o individualismo. A liberdade de expressão é valorizada no discurso e punida na
prática. Ensina-se um mito: a polaridade. As coisas são boas ou ruins, certas ou erradas,
brancas ou pretas. Contudo, embora o mundo não seja tão exato assim, as pessoas são
levadas a acreditar que sim (Kreisman & Straus, 1989; Armony, 1998).
Não ó de se causar estranheza o fato de que o TPB seja mais freqüente em mulheres.
No passado, elas tinham essencialmente um curso de vida: casar, ter filhos, cuidar destes e
do lar. Hoje, necessitam conciliar diversos papéis com seu trabalho fora de casa ou, às vezes,
tomar decisões sobre o que priorizar, o que pode tomá-las confusas e estressadas sobre
quem são ou o que querem. Já os homens, tiveram que fazer poucos ajustes em suas vidas.
Não precisam desempenhar tantos papéis e não sofrem tantas pressões sociais como as
mulheres. Concomitantemente ao aumento da liberdade feminina, as responsabilidades também
foram maximizadas (Kreisman & Straus, 1989; Armony, 1998). Portanto, todos os fatores
sociais ressaltados aqui devem ser considerados, uma vez que contribuem com as contingências
familiares e interpessoais relacionadas com o desenvolvimento do TPB.

2.3. Fatores Biológicos


Embora o desenvolvimento do T.P.B. seja relacionado com fatores na história de
vida do indivíduo, admite-se a probabilidade de predisposição biológica. Apesar de não
existir nenhum marcador genético ou biológico, como um teste sangüíneo ou um gene,
algumas pesquisas têm demonstrado resultados interessantes (Kreisman & Straus, 1989;
Siever & Davis, 1991; Paris, 2000; Fonagy, Target & Gergely, 2000; Livesley, 2000):

2.3.1 .Desequilíbrios Bioquímicos


Há uma correlação entre comportamentos impulsivos e anormalidades no
metabolismo de serotonina. Esta relação é apoiada pelo fato de que certas medicações
têm aliviado os sintomas no T.P.B. Contudo, o que ocorre é uma melhora, sendo que
muitos dos sintomas ainda persistem.

Ana Carolina Aquino de Sousa, Luc Vandcnbcrghc


Comportamentos auto-destrutivos, como abuso de comida, álcool ou outras drogas,
e auto-mutilaçào, podem ser vistos como tentativas de obter efeitos calmantes. A auto-
mutilaçào, por exemplo, como qualquer outro trauma físico, resulta na liberação de endorfina,
trazendo a sensação de relaxamento.

2.3.2. Fatores Neurológicos


O T.P.B. tem sido associado a certas desordens neurológicas, como: Distúrbios
de Aprendizagem, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Epilepsia, Traumatismo
Craniano e Encefalites. Além disso, atividades anormais de ondas cerebrais no lobo temporal,
sugerem possiveis disfunções, com produção também anormal de neurotransmissores
durante os testes.
Finalmente, parece haver uma atividade distinta de ondas cerebrais, durante o
sono, na maioria dos pacientes com diagnóstico de T.P.B, conhecida como latôncia REM:
um curto período de tempo precedendo a chegada dos sonhos, uma característica bem
documentada em pacientes deprimidos. Estes padrões foram encontrados na maioria dos
borderlines, estando deprimidos ou não.

2.3.3.Fatores Genéticos
Um ou ambos os pais de borderlines também apresentam estas características.
Parece sensato admitir que pelo menos uma vulnerabilidade a frustrações, traumas e
eventos estressores é herdada, que interage com fatores no ambiente no qual o indivíduo
está inserido. Todavia, a inferência tem sido a de que os padrões borderlines sejam
ensinados de pais para filhos, ao invés de transmitidos geneticamente. São necessários
mais estudos que envolvam uma grande amostra de gêmeos idênticos. Além disso,
avaliações sistemáticas dos pais ao longo da infância deveriam ser feitas.

3. Estratégias de Mudança
Para promover o controle privado, Kohlenberg e Tsai (2001), sugerem a utilização
de algumas ferramentas, conforme descritas abaixo, nos três parágrafos que se seguem.
O primeiro ponto importante é que a terapia seja altamente estruturada no início,
para que não evoque CCR1 de esquiva, que poderia levar o cliente a parar o tratamento
devido ao alto grau de aversividade. Por outro lado, um alto grau de atividade e diretividade,
pode impedir a ocorrência de CCR2. É importante, portanto, que a terapia caminhe
gradualmente para a desestruturação.
É importante também ter a cautela de passar tarefas que exijam o mínimo de
controle externo, sem estimulação pública. Pode-se, por exemplo, pedir para que o cliente
feche os olhos e relate tudo que pensar e imaginar naquele momento. Esse tipo de tarefa
tende a evocar no cliente a sensação de "perda do self, já que não estão presentes dicas do
terapeuta. Dependendo do grau de controle privado exibido por cada cliente em particular,
pode-se criar tarefas que aumentem gradativamente a auto-observaçào de respostas privadas.
Finalmente, o terapeuta deve estar atento às verbalizações do tipo eu, especialmente
quando estas são diferentes das do terapeuta sobre o cliente, pois indicam que são
comportamentos que estão sob controle de eventos privados. Para minimizar a dúvida do
terapeuta se sua verbalização está sob controle de eventos públicos ou privados, é importante
observar o impacto da resposta do cliente sobre si. Se por exemplo, o terapeuta sente-se

Sobre Com portam ento e Coflnlv'Jo 59


inclinado a rejeitar um pedido do cliente, isto pode ser um indício de que a declaração feita
está sob controle de estimulação privada. Para aqueles clientes que não aprenderam a
tatear seus sentimentos, é necessário ensinar este repertório. Dessa forma, o terapeuta
inicia o treinamento, a partir de comportamentos públicos do cliente como, por exemplo,
sua aparência física “você parece triste hoje". Ou quando toca num assunto e o cliente muda
de assunto, o terapeuta insiste e pode perguntar o que está sentindo com a insistência.
É importante ressaltar que aquilo que o cliente diz deve ser validado, mas, ao
mesmo tempo, o terapeuta deve demonstrar seus sentimentos em relação a ele.

3.1. Possíveis Desafios


De acordo com Kohlenberg e Tsai (2001), podem ser encontradas algumas
dificuldades quando o cliente verbaliza declarações do tipo contra-produtivas, caluniar a si
mesmo e suicidas e homicidas. As contra-produtivas são aquelas que levam à esquiva,
como por exemplo, quando o cliente diz que não quer falar sobre algo. O terapeuta pode
validar sua fala, mas ao mesmo tempo, bloquear a esquiva, apontando por exemplo, que
realmente percebe que aquele assunto lhe provoca muito sofrimento, e que gostaria de
saber o que está sentindo, por que tem medo de falar sobre isso, etc.
No que se refere aos comportamentos do tipo caluniar a si mesmo (“não sirvo para
nada, sou feia, sou um lixo", etc) muitas vezes, o terapeuta pode reagir inicialmente, assegurando
ao cliente que nada disso é verdade. O cliente pode se sentir como se o terapeuta não
compreendesse ou reconhecesse o que sente. O terapeuta ao reagir assim, ensina, como as
pessoas significativas de sua vida fazem, que não lhe ê permitido descrever os sentimentos
que experiencia. Dessa forma, o que o terapeuta poderia fazer para ser mais produtivo, é tanto
validar suas verbalizações, como também mostrar suas razões (Kohlenberg & Tsai, 2001).
é bastante comum, que o cliente com T.P.B apresente verbalizações com fantasias
suicidas e homicidas. Muitos terapeutas, entretanto, consideram aversivo ouvir tais
declarações. Mais uma vez é imprescindível ressaltar que essas expressões de
sentimentos devem ser reforçadas. O cliente deve ser incentivado a relatar a sua fantasia
e seus motivos para desejar tais coisas. Ao mesmo tempo, precisa aprender a separar
aquilo que sente e pensa, daquilo que faz, ou seja, que não há nada errado em pensar,
mas sim com o agir, pois este poderia trazer conseqüências desastrosas. Por isso, as
conseqüências de ações tanto suicidas como homicidas devem ser analisadas
criteriosamente com o cliente (Kohlenberg & Tsai, 2001).
Um ponto interessante que se observa freqüentemente, é a utilização de verbalizações
suicidas e homicidas, não com a função de tato (como apontado no parágrafo acima), mas
com a função de mando disfarçado de tato, ou seja, o cliente ameaça se suicidar para
chamar a atenção do terapeuta e das pessoas à sua volta. Se for esta função, o terapeuta
deve enfraquecer esse CCR1, confrontando e ensinando o cliente a pedir o que quer de
forma direta, e não através de comportamentos de ameaça (Kohlenberg & Tsai, 2001).

Estudo de Caso
A cliente tem 34 anos, formação superior (embora não exerça sua profissão) e
tem duas filhas. Foi atendida pela primeira autora. Quando veio à terapia, há quase 2
anos, estava casada. Sua queixa inicial era agorafobia. A cliente já não saía mais de casa
sozinha. Na primeira sessão veio acompanhada pelo marido. A cliente relata que passou
por várias crises de “depressão profunda", tendo tentado suicídio três vezes. Seu padrão

Ana Carolina Aquino dc Sousa, Luc Vandenberfihe


de relacionamento interpessoal oscilava desde a idealização até a desvalorização.
Apresentava ainda oscilação freqüente de humor, "nunca sei como vou encontrá-la", disse
o marido. No início do processo terapêutico ficou evidente a dificuldade da cliente em
definir os seus sentimentos. Freqüentemente afirmava não saber o que estava sentindo,
pois era "tudo muito confuso". E as outras pessoas a consideravam "louca". A cliente
relatava que cedia a tudo que o marido queria, mesmo que o que ela quisesse fosse o
contrário. Acreditava que se não o fizesse, ela o perderia, e não suportaria ficar só. De
fato, este padrão mostrou-se freqüente não só com o seu marido, mas com todas as
pessoas de seu convívio. Assim, a cliente nunca falava “não” para ninguém. Além do medo
de perder as pessoas por negar-lhes algo, ao sentir-se inclinada a dizer não, logo lembrava-
se do que sempre ouvira de seus familiares “até calada você é errada", e então cedia por
sentir que estava errando.
A cliente relata que tudo que sempre sentiu e pensou era invalidado pelos seus
familiares, que falavam-lhe "você é louca". Os irmãos não gostavam de sua companhia na
infância e adolescência porque era obesa e, afirmavam ter vergonha da sua gordura. Assim,
a cliente na adolescência, passou a apresentar um quadro de anorexia e bulimia, para "ser
magra e aceita por todos". Relata que nunca a deixaram ser ela mesma. Todas as vezes
que era ela, as pessoas lhe diziam que era “estranha", "diferente de todo mundo", e para
ser aceita passou a fazer tudo que os outros queriam que fizesse. Muitas vezes, entretanto,
sentia uma intensa raiva que não conseguia controlar, e agredia as pessoas fisicamente e
verbalmente, inclusive tendo provocado lesões corporais em seu marido.
O trabalho inicial foi tratar a agorafobia utilizando técnicas de exposição ao vivo, e
desde o início, houve a preocupação em validar a sua fala sobre seus sentimentos e
pensamentos, mas também mostrar a ela a noção de normalidade - ou seja - que suas
queixas eram funcionais. Como a cliente demonstrava esquiva de sentimentos negativos,
foi estimulada a relatar o que sentia e pensava, tanto para entrar em contato com a realidade,
como para aprender a ficar mais sob controle de eventos privados.
Após 3 meses de terapia sua queixa inicial já havia sido resolvida. A cliente
contou, neste momento, que tinha bulimia desde os 15 anos de idade. Comia
compulsivamente e em seguida, vomitava. Isso ocorria várias vezes ao dia, conforme
identificado nos registros diários que lhe foram solicitados. Às vezes com freqüência alta
(como 10 a 15 vezes por dia), ou mais baixa (pelo menos 3 episódios diários). Nestas e
em outras situações, muitas vezes, a cliente relatou a sensação de não ser ela mesma,
como se estivesse se vendo de fora, o que foi tratado a partir da validação do seu relato,
mas também através do desenvolvimento do senso de eu, entrando em contato com seus
sentimentos e os relatando, o que também foi validado.
Foram trabalhadas técnicas de assertividade, enfrentamento e exposição à
situações reais, uma vez que a falta de assertividade a impedia de ser ela mesma, e ao
não sentir-se livre para expressar o que queria, apresentava episódios bullmicos, pois
estes traziam a sensação de alívio. No decorrer do trabalho de treinamento assertivo,
houve mudanças na experimentação do eu, sendo que deixou de manifestar suas
necessidades de modo explosivo, o que levou à diminuição de episódios bulímicos em
situações em que o que era solicitado não correspondia ao que gostaria de fazer.
Trabalhou-se também com a técnica de resolução de problemas, para que ela
começasse a identificar, diante de uma dada circunstância, qual era o problema e levantar
outras alternativas para lidar com o mesmo, ao invés de comer e vomitar.

Sobre Com portam ento e Cognlv<lo 61


Até então, todas as vezes que a cliente expunha alguma dificuldade e lhe era
perguntado se sentia o mesmo na terapia, a cliente negava. Entretanto, quando a estratégia
de resolução de problemas começou a ser trabalhada, a cliente começou a relatar suas
dificuldades interpessoais em relação à terapeuta. Ao levantar as possíveis estratégias
para lidar com um problema que surgia, foi sugerido, além das alternativas que a cliente
apontou, a possibilidade de ligar, pois tinha sido identificado que quando falava sobre
seus sentimentos, sentia-se aliviada e não precisava comer para vomitar. Porém, a cliente
apresentava padrão de esquiva, não permitindo a aproximação das pessoas (pois temia
que suas falhas fossem conhecidas), o que gerou como conseqüência, a falta de relações
íntimas. A única relação íntima era com a terapeuta, dizia a cliente. Como via o falar sobre
si como uma estratégia para lidar com os seus problemas, e como essa era considerada
uma melhora (pois a cliente estaria experimentando um senso de eu), foi deixado claro
para ela que poderia ligar durante a semana, caso sentisse necessidade. Neste momento,
a cliente manifesta o medo de incomodar a terapeuta. Foi lhe dito que este sentimento era
proveniente de toda a sua história em que as pessoas demonstravam que ela era um
incômodo. Mas, em seguida foi dito a ela foi que o que incomodava a terapeuta era a
situação de um ano e meio de terapia e poucos progressos obtidos em relação à bulimia,
e que o importante era ajudá-la a lidar com os seus problemas de forma mais efetiva, e que
se o telefonema era um passo para seu progresso, ficaria muito feliz em poder atendê-la.
Neste momento, a cliente encheu os olhos de lágrimas e disse que era muito bom ouvir
aquelas palavras, pois sempre se sente insignificante. No intervalo de duas sessões, a
cliente manifesta o desejo e as tentativas mal sucedidas de ligar. Todas as vezes que
pegava o telefone, pensava que seria um incômodo para a terapeuta. Além disso, manifestou
o medo de se aproximar das pessoas, e depois perder. Disse também que se aproximar
era "tirar a capa", e que só conseguia fazer isso na sessão: "quando saio daqui, visto a
capa novamente e sou o que querem que eu seja: forte, feliz, determinada. Só aqui estou
conseguindo ser eu mesma, mostrar um pouco das minhas fraquezas, a minha dor. Mas
ainda tem muitas coisas que não consigo mostrar, que escondo até de mim mesma".
É interessante apontar que desde o início da terapia, a cliente relatava suas
dificuldades como se não estivesse sentindo nada, e só há uns três meses é que vem
demonstrando os seus sentimentos corporalmente. No decorrer do processo, qualquer
mudança facial, ainda que mínima, era apontada na tentativa de reforçar a expressão de
sentimentos. Hoje a cliente, em muitas situações,já apresenta uma expressão facial que
está de acordo com seus sentimentos. Todas as vezes que isso ocorre é apontado para ela,
na tentativa de fortalecer esse CCR2. Como este comportamento vem aumentando de
freqüência, pode-se dizer que está sendo fortalecido, e mais, já está se generalizando, pois
está conseguindo demonstrar o que sente para as suas filhas, e estas, têm percebido e
apontado isso para ela, tratando-a com “carinho e compreensão, e não como uma criminosa".
Depois de quase 2 anos de terapia a cliente hoje está separada e enfrentando o
medo da solidão: "meu marido sempre só quis que eu fizesse o que ele queria, e quando
parei de ceder a tudo, vi que para ele era muito cômodo que eu continuasse sendo aquela
de antes. Ele não quis mudar junto comigo, o que queria era que eu voltasse a ser o que
era , mas isso só me fazia mal. Achei que nunca conseguiria ficar só, mas a minha vida
está muito melhor."
Já consegue ser assertiva em várias situações e não apresenta mais
comportamentos de "explosão". Em muitas situações, encontra alternativas para resolver
o problema, ao invés de vomitar. Ainda apresenta, entretanto, muitas dificuldades em

Ana Carolina Aquino dc Sousa, L.uc Vandcnberghc


relação aos seus pais e irmãos - houve generalização para situações que estes não estão
envolvidos. Poucas vezes consegue ser assertiva com eles, ainda sente-se como se não
pudesse ser ela mesma, sente-se diferente e "sempre errada". Na sessão ficou evidente
que diante deles aquilo que faz ou deseja fazer sempre é sentido como algo errado, e por
isso, se pune comendo e vomitando: “como sinto-me errada, como se fosse uma criminosa,
acho que devo pagar por isso, então como e vomito".
A cliente relata também que tem o hábito de abstrair só a qualidade ou só os
defeitos das pessoas - idealiza-as ou desvaloriza-as. Após este relato, a terapeuta disse-
lhe sobre a sua impressão de ser também Idealizada por ela, pois em muitas situações
como por exemplo, a da ligação, ao ser questionada sobre o que estaria inferindo a partir
dos pensamentos da terapeuta, disse que não tinha nada a ver com a terapeuta, mas com
ela; e também com relação à bulimia, quando contou, mostrou-se muito constrangida, e
ao ser questionada se estava pensando em que a terapeuta estava pensando, disse que
estava com vergonha mas por ela. Isso foi relembrado na sessào, e ao ser questionada
sobre isso, disse que o normal era todo mundo abominar quem tem bulimia, e disse que
quando contou, nem olhou para a terapeuta com medo de que tivesse a mesma reação.
Com relação à ligação, disse que pensou que a terapeuta iria tratá-la bem porque tinha
sido combinada que ela ligaria. Então foi perguntado: “então você pensou que eu não seria
verdadeira?" A cliente disse: “de forma alguma”. Aqui ficou evidente que mais uma vez ela
estava tendo dificuldade em reconhecer essa possibilidade na relação. Então, ao apontar
isso para ela, disse que "realmente parando para analisar agora, acho que posso ter
pensado nisso”. Percebendo que esse era um CCR2, imediatamente foi lhe dito que o que
acabara de acontecer era um grande progresso, pois em quase dois anos era a primeira
vez que falava sobre a relação terapêutica de forma não idealizada e direta. Em seguida, o
que foi feito foi falar o quanto ela era importante para a terapeuta, pois caso contrário, esta
não teria dado o seu telefone a ela para que ligasse. A cliente demonstrou, pela expressão
facial, estar sentindo-se aceita, e quando foi questionada, confirmou esta impressão, e
disse também que para ela era muito difícil reconhecer sua importância. Então, como
havia sido pedido á eía para fazer uma tarefa escrevendo seus sentimentos em relação
aos seus familiares, esta (que segue-se abaixo) foi analisada não só pela sua história
passada e momento atual, mas também na relação terapêutica.
“Tenho muito medo da minha família. Isso não inclui só meu pai e minha mãe, me
sinto inferior a todos. Sempre quando estou com eles sinto-me medíocre, vazia, burra,
incapaz, diminuída, incompetente, me sinto como se fosse uma intrusa. É como se tudo
que eu fizesse fosse errado e insignificante. Eu sinto que minha presença os incomoda
muito. Isso já me falaram. Dizem que eu só causo problemas e aborrecimento. Não sei
por que eles exigem mais de mim do que dos outros irmãos. Tem horas que parece que
sou um castigo na vida de todos os meus familiares. Resumindo: sou insignificante e
quando não sou, só sirvo para entristecer a todos.”
A análise da relação terapêutica demonstrou que todos esses sentimentos que
foram gerados a partir das contingências às quais foi exposta no decorrer de sua vida,
manifestavam-se em relação à terapia. “Fico com medo de te causar problemas, acho que
vou te incomodar, vou te invadir. Temo ser um castigo para você, e mesmo quando você fala
que sou importante, e até quando vejo isso em muitas de suas ações, tem sempre uma voz
lá no fundo que diz: você é insignificante." Diante desta situação era importante tanto validar
sua faia, demonstrando compreensão, mas também dizer novamente o quanto ela era
importante para a terapeuta e o quanto desejava que ela vivesse bem, e que era exatamente

S o lw Comportamento c Cognição 63
por esses motivos que ficaria muito feliz em receber sua ligação, pois seria uma grande
conquista. Então, foi colocado que aquela situação era de impasse, pois ao mesmo tempo
que a terapeuta sabia como era difícil para ela ligar, reconhecia também, a necessidade
disso para o seu crescimento. Ela sugeriu que iria tentar novamente, mas agora lembrando-
se de todas palavras e ações da terapeuta que a fizeram sentir-se importante.
No intervalo até a próxima sessão, para demonstrar para a cliente que no decorrer
da semana havia a preocupação com ela e o desejo de que ligasse, a terapeuta telefonou
para lembrar que estava esperando o seu telefonema antes da próxima sessão. Esperava
que isto fosse facilitar a emissão deste CCR2. Após dois dias a cliente ligou para a clínica,
para a casa da terapeuta, mas como esta nào estava, iigou para o seu celular, entretanto,
tinha anotado o número errado (a secretária havia trocado um dos números). Infelizmente,
nào foi possível reforçar imediatamente a ocorrência deste CCR2.
Na sessão seguinte, a cliente chegou contando que tinha ligado, e como realmente
a terapeuta ficou multo feliz com a sua iniciativa, demonstrou os seus sentimentos em
relação ao seu progresso. A cliente disse que o fato de ter ligado para lhe lembrar do
compromisso foi "como se tivesse quebrado o gelo", e que agora sentia-se muito mais
tranqüila para ligar. Entretanto, manifestou o medo de ligar para falar de problemas e ser
vista como uma pessoa chata, pois segundo ela as pessoas sempre lhe procuram para
contar problemas e considera isso muito chato. Primeiramente sua fala foi validada. Na
mesma sessão, a cliente tinha relatado que tinha conseguido ir à uma festa sozinha
(nunca fazia isso) no final de semana, e que chegando lá, sentou-se à mesa sozinha, e ao
observar as pessoas ao seu redor (o que também evitava), viu uma pessoa conhecida ao
lado, que também estava sozinha, e a convidou para sentar-se com ela. As duas
conversaram sobre diversos assuntos, incluindo "problemas pessoais, coisas boas,
superficiais, fatos recentes etc.", “conversamos sobre tudo", disse a cliente. Então, essa
situação foi trazida após sua fala ter sido validada, para lembrar-lhe que quando se expõe
à situação ela consegue conversar sobre tudo, e que a sensação de que não vai conseguir
isso poderia ser questionada, já que, na maioria das vezes, evitava situações de interações
sociais. A cliente concordou e trouxe outras situações em que ao se expor, foi bem sucedida
(o que também era um CCR2, pois uma dificuldade que apresentava era sempre desvalorizar
os progressos obtidos, dizendo "só consegui nesta situação"). Assim, visto que para a
cliente era menos difícil ligar para contar algo positivo e já que, segundo ela, "muitas
coisas boas acontecem durante a semana", ficou combinado que nas tarefas iniciais,
ligaria durante a semana para contar uma dessas coisas. Pela primeira vez, a cliente não
demonstrou medo da tarefa proposta, concordando sem se opor à mesma, dizendo que
"agora está um pouco mais fácil". Conseguiu realizar a tarefa com tranqüilidade, e a terapeuta
demonstrou como se sentiu feliz por seu progresso. As primeiras vezes, ligou para contar
uma boa novidade, e depois, ligou espontaneamente para falar de um problema, e foi
possível reforçá-la, ajudando-a a encontrar uma alternativa que fosse mais adequada. Hoje
a cliente sente-se "à vontade" para ligar.
Ocorreu um fato que foi interessante para o processo da cliente. A terapeuta teve
oportunidade de morar algum tempo em outro país, e por isso, não poderia mais atender a
cliente. Então, foi dada a notícia já esperando que vários CCRs apareceriam. Ao lhe explicar,
com certa dificuldade, que teria que deixá*la, começou a chorar, disse que estava perdida
e que voltaria a ter os mesmos problemas de antes. A primeira atitude da terapeuta foi
validar seus sentimentos. Pela primeira vez, a cliente emitiu o CCR2 que chamou de
“egoísmo": "Sei que vai ser ótimo para você, mas você não tinha o direito de me abandonar".

Ana Carolina Aquino de Sousa, l.uc Vandcnbcrjjhe


De fato, a terapeuta também náo estava se sentindo no direito de deixá-la, e disse isso a
ela. Explicou também que não tinha sido fácil tomar esta decisão pois esta significava
deixar muitas coisas, mas que depois de pensar muito, decidiu fazer algo por si mesma,
que embora levasse à muitas perdas, levaria também a muitos outros ganhos. A cliente
disse: "pela primeira vez estou me sentindo importante para você, sem que haja uma voz
lá no fundo me dizendo que sou uma merda, um lixo, um nada...você está tendo tanto
cuidado em me falar, vejo que não está sendo fácil para você".
Esta mesma sessão evocou o sentimento de perda de pessoas importantes:
"estou cansada de sempre deixar as pessoas entrar na minha vida, e depois, perdê-las",
disse a cliente chorando (o que também era um CCR2, pois dificilmente chorava perto das
pessoas). Neste momento, soou como se a cliente se sentisse responsável por essas
perdas. Por isso, foi perguntado: "Você acha que o fato de eu ir embora é da sua
responsabilidade?" A cliente olhou surpresa para a terapeuta e disse: "quando você falou
que ia, logo pensei no que teria feito de errado, pois sempre me culpam por tudo. Mas
agora, quando parei para analisar esta pergunta, vejo que não é pelos meus defeitos que
você está me deixando, mas por você mesma." Quando a sessão terminou, a terapeuta
pediu para que ligasse.
No dia seguinte, a cliente ligou para a terapeuta e ficou cerca de duas horas
falando sobre seus sentimentos em relação à sua partida. Além deste CCR2, muitos
outros ocorreram. Relatou que tinha passado a noite toda chorando. A primeira coisa que
a terapeuta pensou foi na ocorrência de episódios bulímicos. Então, perguntou se além de
ter chorado, se tinha comido para vomitar. Para sua surpresa, disse que não tinha feito
isso, mas apenas chorado, o que é perfeitamente adaptativo numa situação de perda. Em
outras circunstâncias passadas, comeu e vomitou várias vezes para sentir-se aliviada.
Então, a terapeuta demonstrou o quanto estava feliz por este progresso.
Outro ponto interessante foi quando lhe foi falado da importância de que continuasse
o processo. A princípio, relutou. "Nào quero começar tudo de novo. Me sentiria muito
envergonhada de ter que falar de mim para um estranho. A nossa relação é muito mais que
uma relação mãe-filha. Você sabe coisas de mim que jamais tive coragem de dizer para
alguém." A terapeuta demonstrou compreensão aos seus sentimentos, dizendo-lhe que,
de fato, dado a sua história era difícil para ela entrar numa relação. Entretanto, foi enfatizado
que no começo da terapia, a terapeuta também era uma estranha, e que gradativamente,
a relação foi se tornando mais íntima, porque ela arriscou - deixou que a terapeuta a
conhecesse, falando de coisas que ela julgava serem horríveis, e certificando como seria
a sua reação. Foi apontado também que se jamais tivesse tentado, nunca saberia se seria
aceita e compreendida ou não. A cliente verbalizou que realmente tinha conseguido, apesar
do medo, e que tinha sido ótimo: “prefiro ter tido esta oportunidade de ver que posso ser
aceita apesar dos meus defeitos, e perdê-la agora, do que jamais ter tentado por medo de
que você me conhecesse, e por isso, saísse da minha vida." Então, a terapeuta mostrou
que para se sentir aceita por ela, teve que "abrir a porta" apesar do medo, que o mesmo
poderia ocorrer com outras pessoas, e que considerava uma ótima oportunidade construir
uma nova relação terapêutica, pois estaria enfrentando os seus medos - estaria dando
uma chance às contingências para então, constatar que muitas vezes, suas regras náo
se confirmam na experiência. Ficou combinado que pensaria sobre esta possibilidade.
Passados dois dias, ela ligou dizendo que, apesar do medo, estava disposta a continuar
porque não podia parar agora, conforme ilustrado abaixo, num trecho gravado desta conversa:

Sobre Com portam ento c Cofinlç.lo


“Foi muito importante para mim a sua atitude de escolher algo para você mesma,
mesmo que isso represente perdas para você e para as pessoas à sua volta. Sua atitude
foi um modelo para mim. Agora, tenho escolhido fazer outras coisas ao invós de vomitar -
estou fazendo isso por mim. Se vomito é porque isso me faz me sentir melhor. Agora,
estou escolhendo não vomitar, o que para mim é a perda da sensação de alivio...mas que
significa sentir-me capaz de fazer outras coisas, de enfrentar a vida de um jeito que jamais
pensei que pudesse... estou vivendo a minha dor de uma forma diferente: chorando, ligando
para você e para a minha amiga para compartilhar, tentando fazer coisas que evitava
porque tinha medo do que aconteceria, e até mesmo saindo. Não sei até quando vou ficar
sem vomitar, mas estou tentando viver um dia de cada vez. Cada dia tem sido uma vitória."
Todas as situações citadas foram importantes para a cliente, pois se sentiu amada,
constatou que a situação de separação não era sua culpa, conseguiu viver a sua dor, sem a
necessidade de comer para vomitar. Mais do que isso, a cliente apresentou generalizações.
Está ligando para uma pessoa que já considera uma amiga. Mandou flores para um homem
convidando-o para sair, mesmo sentindo-se envergonhada e achando que ele nem ligaria,
regra esta, que não foi confirmada, pois ele ligou agradecendo com muita gentileza, e falando
que marcaria um dia na semana seguinte (pois é médico, e estava com a sua agenda
lotada). Por fim, no último encontro, já fazia 5 dias que não vomitava, mesmo passando por
dificuldades financeiras com o seu ex-marido e com a mãe.
A clienteem questão ainda enoontra-seem processoterapêutico, com a sua nova terapeuta.

Conclusão
A visão apresentada pelo behaviorismo radical sobre a formação do 'eu', aponta para
a identificação das relações funcionais envolvidas. Foi evidenciado que a história de invalidação
de sentimentos e opiniões experimentada pela cliente, levou a uma falta de senso de 'eu',
deixando-a sob controle apenas de eventos públicos. O processo terapêutico buscou
gradativamente desenvolver repertórios sob controle de estimulação privada, o que levou a
resultados satisfatórios. Ficou evidente que a bulimia era uma “válvula de escape" (palavras da
cliente), e que portanto, para tratá-la era necessário mudar seu padrão comportamental diante
das situações, incluindo sua assertividade, capacidade de resolução de problemas e
desenvolvimento de relações íntimas, sendo que as duas últimas vêm sendo trabalhadas
atualmente e que, como notado pela descrição acima, progressos já foram obtidos.
Em relação à assertividade, pode-se dizer que hoje a cliente já consegue expressar
o que quer de forma clara “sem aceitar tudo ou explodir", com as pessoas de uma forma
geral e com alguns de seus familiares, como seu pai e sua irmã. Os episódios bulímicos
diminuíram bastante, sendo que hoje já é “capaz de ficar pelo menos 24 horas sem vomitar".
As estratégias de mudança apontadas por Kohlenberg e Tsai (2001), foram
utilizadas com a cliente. Uma vez que, no início da terapia não sabia tatear seus eventos
privados, houve a preocupação de estruturar as sessões, sugerindo á ela um sentimento
específico, e á medida que a terapia progredia, essa especificidade foi sendo reduzida, e
gradualmente, pude observar o "eu" da cliente sob controle de estímulos privados. No
início, portanto, minhas dicas foram essenciais, tornando-se indispensáveis no decorrer
do processo.
Nem sempre era fácil reforçar suas verbalizações. Muitas vezes, o que dizia parecia
inexato, isto é, não correspondia ao que terapeuta pensava. Deste modo, gradativamente,
pôde treinar seu próprio repertório de atentar-se á tais situações, pois como sugerem

66 Ana Carolina Aquino dc Sousa, Luc Vandcnberfihe


Kohlenberg e Tsai (2001), é imprescindível observar o impacto da resposta do cliente
sobre o terapeuta. Assim, quando sentia-se inclinada a rejeitar alguma declaração da
cliente, o que fez foi validá-la, pois provavelmente estava sob controle de estimulação
privada - era um CCR2. Se no entanto, agisse de modo inverso, dizendo por exemplo, que
sua percepção poderia estar distorcida, estaria mantendo a problemática de ausência de
controle privado, exatamente como as pessoas de seu convívio faziam.
Um outro ponto importante a destacar é que, como a cliente nào havia aprendido
a tatear seus sentimentos, foi necessário ensiná-la. Por isso, qualquer comportamento
púbíico que pudesse estar relacionado com algum evento privado, era apontado para ela,
na tentativa de reforçar a expressão e discriminação dos seus sentimentos. Essa estratégia
demonstrou ser eficaz, pois a cliente gradativamente conseguia tanto discriminar quanto
expressar o que sentia.
Muitos momentos da terapia foram difíceis de ser conduzidos. A cliente manifestava
declarações contra-produtivas, dizia que não conseguia fazer determinadas coisas (como
por exemplo, me ligar). Inicialmente, a terapeuta sentiu-se inclinada a convencê-la de que
não era tão difícil assim. Sua fala precisava, entretanto, ser validada. Por isso, demonstrou
compreensão pelo seu sofrimento, mas também precisou bloquear sua esquiva, dizendo à
ela que não gostaria de concordar porque, mesmo entendendo a dificuldade, não tentar
implica mantê-la, impedindo, portanto, o seu crescimento.
Outra dificuldade encontrada refere-se aos seus comportamentos de caluniar a si
mesma. Para que a cliente se sentisse compreendida, suas verbalizações foram validadas,
mas ao mesmo tempo, a terapeuta explicitou o que pensava e sentia em relação à ela.
Assim, pôde contar com a compreensão da terapeuta, e por outro lado, sentiu-se mais à
vontade para se aproximar da mesma e de outras pessoas.
A cliente manifestou ainda, o desejo de matar seu ex-marido. Uma vez que tal
desejo era decorrente dos maus tratos (como xingar, ser indiferente às necessidades das
filhas, dizer que as três eram loucas etc) dados por ele às suas filhas e à própria cliente,
suas verbalizações foram validadas, já que sua raiva era um sentimento natural, dadas as
contingências. Foi preciso, entretanto, ensiná-la a separar aquilo que sente e pensa, do
que faz. Então, foram analisadas as prováveis conseqüências de um homicídio. A cliente
pôde entender que pensar sobre não implica concretização do ato. É importante enfatizar
que as verbalizações homicidas só foram reforçadas porque tinham a função de tato, e
não de mando. Foi uma estratégia essencial porque suas verbalizações além de tatear
eventos privados, foram tratadas como normais (e a cliente freqüentemente era considerada
louca”). Foi apontado para ela que nem sempre as pessoas falam o que pensam, mas o
que são reforçadas a falar, e que portanto, a diferença entre ela e algumas pessoas é que
enquanto eía sentia e verbalizava, as outras sentiam, embora verbalizassem o inverso
para, provavelmente, evitar punição.

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Sobre Comporl.trocntü e Coflniçtlo 69


Capítulo 7

Ansiedade, um problema ou um jeito


de levar a vida
Amlrcssii M<uunnc Stillcs1
SuAinc Schmidlin lo h f

A ansiedade é caracterizada por reações complexas do organismo a eventos


ambientais específicos. Ela surge quando a pessoa está diante da possível ocorrência de
eventos perigosos ao sujeito, dos quais ele não possa defender-se, fugir ou exercer algum
tipo de controle.
Este tema vem sendo estudado por diversos pesquisadores (Baumrind, 1966,
Baumrind, 1991, Maccoby & Martin, 1983, Brenner e Fox, 1999, Novak, 1996), fator que
contribui para o desenvolvimento de um corpo teórico bastante coeso sobre o assunto.
Apesar de coeso, os estudo sobre ansiedade apresentam dificuldades especificas, sendo
a principal delas o difícil acesso às respostas encobertas do sujeito, as quais são elementos
chaves do processo de ansiedade. Estes temas serão desenvolvidos no presente artigo,
bem como será realizada a apresentação de um estudo desenvolvido pela autora.
Para Skinner (1953/1994), a ansiedade é uma condição vivenciada"... quando um
estímulo precede caracteristicamente um estímulo aversivo com um intervalo de tempo
suficientemente grande para permitir a observação de mudanças comportamentais" (p.179).
Ou seja, as respostas eliciadas no indivíduo, quando exposto ao estímulo aversivo original,
podem ser transferidas a estímulos neutros que ocorram em um mesmo intervalo de tempo.
Estas respostas passam então, a se manifestar em outras situações nas quais haja a
presença daqueles estímulos que antecederam caracteristicamente a situação aversiva.
Assim, a presença de estímulos anteriormente neutros, e então pareados a uma situação
aversiva, passa a caracterizar uma ameaça, ou uma situação de risco potencial para o
sujeito, gerando ansiedade.
1Ex-aluna do Mestrado em Psicologia da UFPR e professora da Faculdade Evangélica do Paraná
3 Professora da UFPR e Unicenp

70 Amlrc*M M.irliinnc Sullcs, Su/unc Schmidlin l.õhr


Como se pode perceber, um ponto importante no estudo da ansiedade diz respeito
às condições nas quais a ansiedade surge. Pessotti (1978), ao estudar as condições
geradoras da ansiedade afirma que ó necessário haver uma alteração súbita, inesperada,
nas condições de estimulação a que a pessoa está sujeita, o que pode ocorrer em dois
tipos de situações: a) em situações anteriormente vivenciadas pelo sujeito como aversivas,
envolvendo perda de controle sobre o meio ou sobre as atividades do próprio organismo,
que servem então de estimulo discriminativo para uma estimulação aversiva especifica em
um momento posterior; b) na presença de estímulos não associados à história anterior do
sujeito como aversivos, mas sim, estímulos que vão sinalizar simplesmente a “...iminência
de situação desconhecida” (p. 113), indicando tanto a possibilidade de obter reforço positivo
quanto negativo. Diante destas condições, surge a ansiedade, que, conforme já afirmado
anteriormente, caracteriza-se por reações complexas do organismo a eventos ambientais
específicos. Estas reações seguem um padrão semelhante para grande parte dos indivíduos,
variando em algumas formas e na intensidade das respostas, sendo comum ocorrer
alterações no sujeito, tanto em termos emocionais quanto de comportamento aberto. Por
um lado, o sujeito experimenta uma “reação emocional violenta... fortes reflexos
condicionados transferidos da estimulação original" (Skinner, 1953/1994, p. 179), que podem
ser por exemplo, alterações do sistema nervoso autônomo, como aumento do batimento
cardíaco, parada de digestão, respiração superficial e curta, transpiração excessiva, etc.
As alterações do comportamento aberto são marcadas principalmente pela
diminuição dos comportamentos operantes emitidos pelo indivíduo. Estas alterações podem
indicar dificuldades do sujeito em manter suas atividades anteriores àquelas condições
ambientais, ou mesmo o sujeito pode “achar impossível empenhar-se em uma conversação
normal ou atender aos problemas práticos mais simples" (Skinner, 1953/1994, p. 179).
Outras alterações do comportamento operante podem ser indicadas pelo aumento de
atividade motora não relacionada à tarefa, maior rigidez muscular, e também respostas
verbais, nas quais a pessoa pode referir sentimentos de temor, apreensão em relação ao
futuro, sensação de perigo eminente.
Cabe ressaltar que eventos indicando condições de perigo ocorrem constantemente
na vida dos indivíduos, fazendo da ansiedade uma condição bastante conhecida de grande
parte da humanidade, se não, de toda ela, havendo grandes variações na intensidade e duração
desta. Assim, alguns indivíduos podem apresentar ansiedade como uma resposta adaptada
perante situações de risco, nas quais o organismo deve preparar-se e emitir comportamentos
adequados à situação específica. Em outro extremo, pode-se encontrar reações de ansiedade
com intensidade bastante elevada, bem como de longa duração, podendo caracterizar então,
a ocorrência dos transtornos de ansiedade. Andrade e Gorenstein (1998) apontam que os
transtornos de ansiedade destacam-se por estarem entre os mais freqüentes na populaçào
em geral, com prevalência de 12,5% ao longo da vida. Ou seja, trata-se de um transtorno com
grande incidência na população, e que se manifesta durante diferentes períodos da vida, não
sendo uma experiência exclusivamente adulta. A ansiedade pode manifestar-se ainda na infância,
e com os componentes semelhantes aos já mencionados. Entretanto, comparando-se o
complexo que caracteriza a ansiedade em adultos e em crianças, observa-se diferenças no
que diz respeito à discriminação de estímulos pela criança, o que pode levá-la a apresentar
maior dificuldade em identificar o que sente em determinadas situações, bem como, em
expressar as alterações que vivência em seu organismo.
Estudar a origem, manifestações e manutenção da ansiedade é algo de relevância
dentro da ciência, uma vez que a melhor compreensão destas condições permite ampliar

Sobre Com portam ento c Cuttnivão 71


as possibilidades de intervenções com o objetivo de torná-la uma “aliada” humana,
diminuindo os prejuízos que os sujeitos possam sofrer pela sua manifestação excessiva.
Ou seja, mantê-la no nível de respostas adaptativas das pessoas, evitando que se torne
tão intensa ou freqüente que comprometa a qualidade de vida dos envolvidos. Ao realizar
estas pesquisas deve-se considerar, como já citado, a existência de componentes inatos
no processo de ansiedade. Além destes, existem os componentes relacionados às vivências
das pessoas, que caracterizam os processos de aprendizagem, e estes podem constituir
com maior propriedade, os alvos da ação psicológica.
Um aspecto relevante para a aprendizagem de grande parte da variabilidade
comportamental humana ó a influência exercida pelo meio social sobre o indivíduo. O ambiente
social, permitindo contatos diversos e de diferentes formas entre indivíduos, fornece a estes
inúmeras oportunidades de aprendizagem ao longo de seu processo de desenvolvimento. A
este processo denomina-se socialização, que ó "o processo através do qual as crianças
adquirem comportamentos, habilidades, motivações, valores, convicções e padrões que
são característicos, apropriados e desejáveis em sua cultura"(Newcombe,1999).
Ou seja, através da socialização, uma grande gama de comportamentos são aprendidos,
permitindo aos indivíduos estabelecerem interações com os demais de sua cultura, aprendendo
e modificando padrões existentes, o que pode influenciar no seu processo de desenvolvimento.
As interações ocorrem entre diversos indivíduos ao longo de suas vidas, podendo-se citar por
exemplo, os pais ou cuidadores da criança, demais membros da família, amigos, escola etc.
Destaque especial é dado à influência da família sobre o desenvolvimento infantil na literatura
psicológica, uma vez que a mesma constitui a primeira instância de socialização da criança
(Maccoby, 1994), e pode então, oferecer inúmeras oportunidades de interações, em momentos
iniciais da vida do indivíduo, que são de grande dependência, bem como no decorrer da vida.
A partir de repetidas interações entre pais e filhos, são desenvolvidas formas
características de interações, denominadas estilos parentais. As estratégias parentais
para administrar situações que ocorrem na interação com seus filhos, sejam estas situações
já conhecidas ou oportunidades de aquisição de novas habilidades para a criança, fornecendo
aos filhos instrumentos para lidar com o ambiente que os cerca, sendo estes instrumentos
mais ou menos adequados às demandas do meio.
Conte (1997), diz que: “o tipo de relações que os pais estabelecem com os seus
filhos, desde os primeiros momentos de suas vidas, tem sido apontado como um dos
principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento global da criança" (p. 161). É
através deste processo que a criança aprende os padrões de interação mais freqüentemente
utilizados pelos pais, as exigências e expectativas parentais, bem como aprende através
da observação do comportamento daqueles, enriquecendo seu repertório comportamental.
Diversos estudos (Baumrind, 1966, Baumrind, 1991, Maccoby & Martin, 1983,
Brenner e Fox, 1999, Novak, 1996) descrevem os diferentes padrões de interação entre
pais e filhos, bem como suas conseqüências a longo termo, sendo denominados práticas
e estilos parentais. O trabalho de Maccoby & Martin (1983), por exemplo, enfoca duas
dimensões das práticas parentais: responsividade e exigência. A exigência é o âmbito de
comportamento parental que busca exercer o controle sobre o comportamento dos filhos,
através do estabelecimento de limites e regras. Já a responsividade, refere-se ás atitudes
paternas que têm como objetivo favorecer o desenvolvimento da autonomia e auto-afirmação
de seus filhos. Segundo os autores, existe uma mescla de responsividade e exigência
nas práticas parentais, diferenciando pais pela predominância de uma ou outra variável
nas interações com seus filhos.

72 AmJrrtM Míirliitme S,illes, Su7<inc SchmitUín l.ohr


Cabe destacar a exigência ou controle, e defini-la com maior detalhamento, uma
vez que, conforme será explorado a seguir, pesquisas indicam que esta variável parental
relaciona-se com a ansiedade infantil (Rubin et al., 2001;Whaley et al., 1999; Hudson e
Rapee, 2001; Sanders, 1996; Turner, Beidel, Roberson-Nay e Tervo, 2002; Siqueland et al.,
1996). Controle excessivo, então, pode ser definido como um padrão de regulação excessiva
das atividades da criança, decisões parentais autocráticas, superproteçào ou dar instrução
às crianças sobre como estas devem agir ou sentir, caracterizando um padrào de ação que
envolve o encorajamento da dependência da criança em relação aos pais. A hipótese é que
esta dependência afeta a percepção de controle da criança sobre o ambiente, fator que
contribui para elevados traços de ansiedade, devido à construção da percepção do indivíduo
de que os eventos externos estão fora de sua possibilidade de controle.
Novak (1996) relaciona responsividade e exigência nas práticas parentais e
caracteriza alguns padrões de disciplina estabelecidos entre os membros de uma família.
A partir destes padrões, levanta hipóteses sobre suas conseqüências sobre as crianças.
Entres estes estilos, encontra-se um que se destaca para o presente estudo por relacionar-
se à ocorrência de ansiedade infantil, o qual é marcado especialmente por baixa
responsividade e alta exigência ou controle paternos, ou seja, são pais que em geral se
utilizam de punição e reforçamento negativo para controlar o comportamento dos filhos de
acordo com suas determinações. A visão paterna se caracteriza como absoluta e privilegia
a manutenção da ordem e tradição, não existindo espaço para comportamentos não
convencionais, ou expressão da individualidade da criança, a qual não é solicitada ou
considerada. Como exemplo de expressões emocionais à longo prazo, as crianças que
tiveram interações predominantes como descritas acima tendem a ser mais medrosas,
apreensivas, emburradas, facilmente aborrecidos, hostis, vulneráveis ao estresse, menos
amigáveis e apresentar índices mais elevados de ansiedade.
Como já citado acima, outras pesquisas, envolvendo pais que apresentam
predominância de elevado controle na interação com seus filhos, são encontradas na
literatura, e seus resultados indicam a relação da ansiedade infantil com as interações
estabelecidas entre pais e crianças, sugerindo a aprendizagem da ansiedade (Rubin et
al., 2001;Whaley et al., 1999; Hudson e Rapee, 2001; Sanders, 1996; Turner, Beidel,
Roberson-Nay e Tervo, 2002; Siqueland etal., 1996).
Com base na revisão bibliográfica sobre o processo da ansiedade e do levantamento
das formas de interação pais-filhos com maior potencial para eliciar ansiedade, realizamos
uma pesquisa (Salles, 2003), com o objetivo de investigar as possíveis relações existentes
entre a ocorrência de ansiedade infantil e as características dos diferentes estilos de
interação estabelecidos entre mães e filhos. Na pesquisa, foram estudadas 22 díades
(mães e crianças). Cada criança desenvolvia duas atividades de diferentes modalidades:
uma envolvendo processamento cognitivo (denominada aqui atividade cognitiva) e uma
lúdica. Inicialmente, realizava-as sozinha, e posteriormente repetia as mesmas atividades
na presença de sua mãe (Salles, 2003, para maiores detalhes).
A seguir, serão descritos alguns dos principais resultados encontrados. Quando se
comparou os desempenhos das crianças durante a atividade cognitiva no momento em que
estavam sozinhas e durante a atividade realizada com sua mãe, 16 das 22 crianças apresentaram
níveis mais elevados de ansiedade durante a atividade na presença da mãe. A mesma comparação
na atividade lúdica mostrou que 17 das 22 crianças apresentaram índices de ansiedade mais
elevados na atividade realizada com suas mães. Estes dados foram indicativos de que as
crianças apresentaram, neste estudo, maior ansiedade durante a execução de atividades que

Sobrf t om potlum enlo e Connlv«lo 73


envolviam a presença de suas mães. Foi então realizada uma análise das classes de
comportamento emitidas pela màe durante a interação mãe-filho, o que apontou para a alta
freqüência das classes aqui denominadas “mando" e "fazer pela criança". A primeira refere-se
aos momentos em que a mãe fornecia à criança instruções diretas sobre como deveria
comportar-se em relação à tarefa. Já a segunda classe indica comportamentos emitidos pela
mãe com a finalidade de realizar diretamente a atividade. Deve-se considerar neste ponto que
as mães recebiam instruções de que as atividades seriam realizadas pela criança, e elas
poderiam auxiliar seus filhos na execução, mas não poderiam realizar a atividade pela criança.
A alta freqüência destas duas categorias aponta que a maior parte das mães da presente
pesquisa exercia forte controle sobre as atividades de seus filhos.
Considerando que no presente estudo, o controle materno demonstrou ser a variável
mais importante nas mudanças indicativas de ansiedade observadas no desempenho da
criança, pode-se apontar que os resultados corroboram com a literatura apresentada
anteriormente (Baumrind, 1966, Baumrind, 1991, Maccoby& Martin, 1983, Brennere Fox,1999,
Novak, 1996). Estes dados mostram que o controle excessivo das mães sobre o
comportamento de seus filhos parece ser um importante fator a contribuir com o
desenvolvimento da ansiedade infantil, uma vez que diminui a possibilidade da criança descobrir
suas próprias capacidades e limitações através de sua experiência direta com o ambiente.
Assim, o presente trabalho parece indicar algumas direções para futuras pesquisas
nas relações entre comportamento materno e ansiedade infantil, que possam aprofundar
os dados aqui apresentados. Indica também a direção para o desenvolvimento de programas
preventivos no âmbito de relações mãe-filho, que possam favorecer o desenvolvimento da
autonomia da criança, diminuindo a possibilidade de desenvolvimento da ansiedade.
Para que tal objetivo possa ser atingido, faz-se importante que as mães ou pessoas
que trabalhem diretamente com crianças, por exemplo, conheçam alguns princípios do
desenvolvimento humano, tal como as fases mais comuns em que determinados
comportamentos emergem. Este conhecimento pode contribuir para aumentar a segurança
dos cuidadores em relação á capacidade da criança e estes, por sua vez, permitirem
maior liberdade para as crianças próximas a estes. Assim, as mesmas podem realizar
experiências diretas com o mundo, e determinar por e para si próprias quais são suas
reais limitações e capacidades.
Outro aspecto importante a ser desenvolvido junto com os cuidadores, é o aumento
de sua responsividade em relação á criança. À medida que estes se tornarem mais
sensíveis ao passo-a-passo que caracteriza o desenrolar do desenvolvimento infantil, podem
progressivamente permitir que a criança desenvolva sozinha, aquelas atividades em que
anteriormente precisava de maior auxílio. Considera-se a necessidade de que esta passagem
seja realizada de maneira progressiva e atenta à cada nova habilidade apresentada pela
criança, adequando-se constantemente à nova realidade da criança. Isto só é possível a
partir da constatação que o desenvolvimento humano ó um processo dinâmico, e em
permanente transformação.
Com estas afirmações não se pretende indicar aos cuidadores que deveriam
abolir as normas, regras e limites em suas interações com as crianças, pois estes são
extremamente necessários para o desenvolvimento infantil. Pretende-se indicar que estes
cuidadores podem adequar as regras e limites às dificuldades, necessidades e capacidades
que as crianças apresentam nas suas variadas fases evolutivas.
Assim, pode-se apontar que acompanhar adequadamente o desenvolvimento
humano exige pais que sejam atentos às necessidades de seus filhos, mas também que

74 Andreiw M.irl.innc Sullr*, ‘»u/dno Schmldlin I ohr


desenvolvam a capacidade de distinguir os momentos adequados para aumentar ou diminuir
suas atenções sobre diferentes comportamentos apresentados pelas crianças. Desta forma,
favorecendo o desenvolvimento da autonomia, característica tão necessária aos desafios
do cotidiano que se apresentam constantemente ao ser humano.

Referências
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ansiedade. Revista de Psiquiatria clinica, 25, 285-290.
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37, 887-907.
Brenner, V., Fox, R. A. (1999) An Empirically derived Classification of Paronting Praticos, Journal
of Genetic Psychology, v. 160.
Conte, F. C., S. (1997). Promovendo a relação ontre pais e filhos. Em: Dolitti, M Sobre
Comportamento e Cognição, 2, 161-168 São Paulo: ESETec Editoros Associados.
Hudson, J.L., Rapeo, R.M (2001) Paront-child interactions and anxiety disordors: an observational
study. Behaviour Research and Therapy, 39, 1411-1427.
Maccoby, E., & Martin, J. (1983) Socialization in tho context of the family:Parent-child interaction.
In E M. Hetherington (Org.), P.H.Mussen (org.Série), Handbookof child psychology: Vol.4.
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Maccobby, E. E. (1994) The role of parents in the socialization of children: an historical overview.
Em Parke, Ross D., Ornstein, Peter A, Rioser, John J., Zahn-Wayler, Carolyn (Org.) A
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Médicas.
Novak, G. (1996) Developmental Psychology: Dynamical System and Behavior Analysis. Context
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Pessotti, I. (1978) Ansiedade. São Paulo: E.P.U.
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Ollendick o R.J Pring, Advances in Clinical Child Psychology, v. 18, p. 283-321. New
York: Plenum Press.
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and observed family interactions. Journal of Clinical Child Psychology, 25, 225-237.
Skinner, B.F. (1953/1994). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Turner, S.M., Beidol, D.C., Roberson-Nay, R.., Tervo, K. (2002) Paronting behaviors in parents
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aguardando aprovação final para publicação.
Whaley, S. E., Pin to, A. e Sigrnan, M. (1999). Characterizing interactions between anxious mothers
and their children. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 67,826-836.

Sobre Com portam ento e C ordíç Ao 75


Capítulo 8

O ensino da Análise Experimental e


Análise Funcional na graduação:
variáveis independentes
Angélica Capelari'

Cristina Moreira Fonseca1'

Hiana Isabel de Moraes I lamasaki-'

Este texto é produto da experiência de docentes da disciplina Análise do


Comportamento4em duas instituições privadas de ensino superior da Grande São Paulo -
Universidade Metodista (UMESP) e Centro Universitário Santo André (UniA).
A partir de discussões acerca de como a formação na Pós-Graduação influencia
a atuação de docentes, foram levantadas questões a respeito de como ministrar a disciplina
Análise do Comportamento na graduação. Mais especificamente, foram levantadas questões
relacionadas á formulação do programa da disciplina e às estratégias didático-pedagógicas
usadas para a implementação do programa.
Na ocasião as perguntas mais freqüentes eram: “Será que os tópicos contemplados
no programa da disciplina Análise do Comportamento são comuns às universidades da
Grande São Paulo?" "Será que, também, são comuns as estratégias usadas pelos
professores para ministrar a disciplina?"

' Doutoranda em Psicologia Experimental do IPUSP e docente na Universidade Metodista de Sâo Paulo
(UMESP)
* Doutoranda em Psicologia Experimental do IPUSP e docente na Universidade Ibirapuera (Unib).
3 Doutoranda em Psicologia Experimental do IPUSP e docente no Centro Universitário de Santo André (UnIA)
4 É uma área da Psicologia que privilegia o estudo daquilo que se chama aprendizagem e o processo pelos
quais o comportamento pode ser modificado (Matos & Tomanari, 2002; Neto, 2002). Convencionalmente,
emprega-se as designações 1) Análise Experimental do Comportamento e 2) Análise Aplicada do
Comportamento para distinguir o conjunto de pesquisas básicas (designação 1) do conjunto de pesquisas
aplicadas em Análise do Comportamento (designação 2). Tal distinção é considerada Irrelevante no presente
texto, uma vez que o mesmo trata da formação do aluno de Psicologia. Neste sentido, as questões conceituais
envolvidas nesta formação são consideradas o foco principal.

76 Angélica Cdpelari, Cristina Moreira Fonseca, Hidna Isabel de Moraes I lamasaki


Com o objetivo de responder às questões acima, foi realizado um levantamento
pela Internet, via site do Conselho Regional de Psicologia (CRP/SP) junto às instituições
da Grande São Paulo e obtidos os seguintes dados:
Quanto ao programa da disciplina Análise do Comportamento, em geral, são
contemplados os seguintes tópicos:
• Questões filosóficas e conceituais do Behaviorismo Radical;
• Comportamentos respondente e operante;
• Esquemas de reforçamento;
• Controle aversivo;
• Controle de estímulos;
• Comportamento verbal;
• Privacidade.

Quanto às estratégias adotadas para a implementação dos tópicos, em geral,


elas se referem a:
• Roteiros de estudo;
• Discussão de textos;
• Verificação de leitura;
• Seminários;
• Realização de experimentos;
• Elaboração de projetos;
• Relatórios.

Além dos dados descritos acima, outros dados indicaram diferenças entre as
instituições da Grande Sào Paulo quanto ao momento de ministrar a disciplina. A Tabela 1
apresenta esses dados.

Tabela 1. Número do instituições que ministram a disciplina Análise do Comportamento,


em cada semostre letivo incluindo os dois últimos que se referem à supervisão
clinica.

Semestres N° de instituições que ministram a disciplina


Análise do Comportamento
Ia 6
2o 8
3o 9
4o 10
5o 5
6o 6
7o 2
8o 1
Supervisão 7
Total 54

Nobre Com portam ento c Coflnlçdo 77


Verifica-se na Tabela 1 que o número de instituições que ministram a disciplina
Análise do Comportamento em cada semestre letivo difere quanto ao momento de ministrá-
la. Das 54 instituições, 33 concentram a disciplina nos semestres iniciais, mais
especificamente, entre o 1o e o 4o semestres. As demais (21) instituições distribuem a
disciplina ao longo dos últimos semestres.
Com exceção do momento de ministrar a disciplina, o programa e as estratégias
utilizadas para a implementação do mesmo, não diferem significativamente entre as
instituições. Esses dados levaram a sugerir a possibilidade de que variáveis comuns deveriam
ser responsáveis por comportamentos comuns (i.e., formular programa e empregar
estratégias para ministrar a disciplina). Dentre essas variáveis, foram selecionadas aquelas
que direta ou indiretamente parecem influenciar os comportamentos de ministrar Análise
do Comportamento. São elas: instituição na qual o docente atua, formação do docente na
Pós-Graduação, formação do docente na Graduação e sua história de vida.

Instituição
A instituição na qual o docente atua determina, em parte, a maneira como se
ensina Análise do Comportamento. A depender das características das instituições:
• Tem-se maior ou menor autonomia para formular e reformular o programa da disciplina;
• Tem-se maior ou menor autonomia para usar estratégias de ensino que parecem
mais compatíveis com a disciplina;
• Dispõe-se de laboratório didático para replicar experimentos com animais infra-
humanos ou dispõe-se de um programa de computador com um rato virtual chamado
" S n iffy ' (para maiores detalhes, ver Tomanari & Eckerman, 2003);
• Ensina-se a disciplina em apenas um semestre e limita-se a falar apenas de
comportamentos simples ou ministra-se a disciplina em mais semestres e, com
isso, avança-se para a discussão de comportamentos mais complexos (como
comportamento verbal, privacidade, consciência, etc...);
• Há maior ou menor incentivo ao aluno para desenvolver e apresentar trabalhos
desenvolvidos na e para a disciplina.

Formação na Pós-Graduação
A formação na Pós-Graduação, também, determina a maneira como se ministra
Análise do Comportamento. Na Pós-Graduação, além de aprender a ser pesquisador,
aprendem-se comportamentos que qualificam o docente a atuar no ensino superior. A
participação em disciplinas e, em especial, em estágios e monitorias qualifica o docente a:
• Selecionar e organizar referências bibliográficas a serem adotadas na disciplina;
• Preparar e ministrar aulas;
• Elaborar questões para estudo e discussão;
• Elaborar e corrigir provas e trabalhos;
• Estabelecer critérios de avaliação.

Formação na Graduação
A formação na Graduação, também, tem sua parcela de contribuição na maneira
como se ministra Análise do Comportamento. A depender das características das
instituições de ensino superior, elas favorecem:

78 Anflélicti Capelari, Cristina Moreira Fonseca, Hiana Isabel de Moraes I lamasaki


• A discussão filosófica (Behaviorismo Radical);
• O treinamento em situações de laboratório usando os princípios básicos da Análise
do Comportamento;
• O treinamento em monitoria;
• A iniciação científica (o que não ocorre em todas as instituições de ensino).

História de vida
Por último, acredita-se que o comportamento de planejar e ministrar Análise do
Comportamento é resultado da soma das seguintes variáveis:
• Formação obtida tanto na Graduação quanto na Pós-Graduação;
• Participação em Congressos;
• Apresentação de trabalhos em Congressos;
• Discussões formais e informais a respeito do Behaviorismo Radical e da Análise do
Comportamento com membros da comunidade científica.

A seguir, é apresentada a experiência de ensino de Análise do Comportamento


em duas instituições privadas de ensino superior, sendo uma Universidade e um Centro
Universitário da Grande São Paulo: Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e
Centro Universitário de Santo André (UniA).
Para investigar o ensino da Análise do Comportamento, faz-se necessária a
investigação dos possíveis valores reforçadores de aprender essa disciplina. Esses valores
podem ser influenciados por variáveis institucionais, tais como: ano e semestre nos quais
a disciplina é oferecida; outras disciplinas que trataram de temas de Análise do
Comportamento anteriormente ministradas; o tipo de aula prática que ó ministrada
(laboratório ou virtual); como o assunto é ministrado nas aulas teóricas; as expectativas
dos alunos (baseada sem informações previamente obtidas) e outras influências diversas.
Em relação ao momento no qual as disciplinas que ministram, estritamente,
conteúdos de Análise do Comportamento, a situação das duas instituições são descritas
na Tabela 2.

Tabela 2. Indicação dos semestres nos quais disciplinas que ministram tomas estritos de
Análise do Comportamento são oferecidas na UMESP o no UniA, juntamente com
supervisão clinica e Trabalho de Conclusão de Curso * TCC.

Somestres Supervisão
Instituição 1° 2 ° 3o 4o 5o 6o 1ò õfl

UMESP X X X X X
UniA X X X X X

Como pode ser verificado na Tabela 2, na UMESP as disciplinas que ministram temas
de Análise do Comportamento são oferecidas nos 3o, 4o, 5oe 6osemestres. Os alunos também
podem fazer supervisão clínica em terapia comportamental, porém, eles não optam pela
abordagem na qual farão supervisão. Assim, nos grupos de supervisão alguns alunos dizem

Sobre C om portam ento e Coftnlv<1o 79


"gostar de terem sido colocados” naquele grupo, enquanto que outros alunos não gostariam
de fazer aquela supervisão. Mas, como não podem escolher, ficam sem opção. Ao longo da
supervisão, tem-se observado que a opinião dos alunos muda e os que, a princípio, não tinham
interesse nessa abordagem passam a ter. Isto talvez não seria possível se eles escolhessem
a supervisão do estágio. Ao longo dos três últimos anos, a quantidade dos grupos de supervisão
em terapia comportamental passou de um grupo para três grupos, indicando também,
provavelmente um aumento no interesse dos alunos pela abordagem. Além da supervisão, os
alunos podem aprofundar seus conhecimentos em Análise do Comportamento realizando
Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Em 2004, foram defendidos sete TCCs baseados na
Análise do Comportamento e havia 10 trabalhos em andamento. O aumento no número de
trabalhos que tem por base a Análise do Comportamento pode indicar um maior interesse dos
alunos em relação à mesma, pois são os alunos que escolhem que tipo de trabalho quer
realizar e com qual professor deseja ser orientado.
Já em relação ao UNIA, ainda conforme descreve a Tabela 2, pode-se verificar
que, nesta Instituição, as disciplinas que ministram temas de Análise do Comportamento
são oferecidas nos 4o, 5o, 6o e 7o semestres e os alunos também realizam supervisão
clínica nessa abordagem.
O aluno que se interessa por essa abordagem no estágio supervisionado faz a
sua escolha segundo suas “opções de interesse". Isto é, ao iniciar os semestres referentes
à formação (9o e 10o), o aluno verifica o oferecimento dos estágios pela instituição e opta
por três deles, listando-os em ordem de preferência (1a, 2a e 3aopções).
O que determina se o aluno será incluído nos grupos de supervisão no estágio
referente à sua 1a opção (por exemplo) é a sua colocação em um ranking no qual é
calculada uma média do seu desempenho1nos dois semestres antecedentes (no caso, 7o
e 8o semestres). As demais opções (2ae 3a), também obedecem à colocação obtida pelo
aluno, mas os alunos que elegem os mesmos estágios como opção principal têm prioridade.
Para que um grupo seja efetivamente formado em um determinado semestre, ele
deve contar com um número mínimo de sete alunos.
Um fato que pode ocorrer é a escolha pela supervisão em um estágio envolvendo
a terapia comportamental ser a 3aopção do aluno no primeiro semestre de sua formação
(9o), mas ser a 1a opção no semestre seguinte (10°). Este fato demonstra a mudança de
preferência do aluno em função de sua própria exposição à prática e à efetividade desta
nos atendimentos, além de sugerir uma ruptura com eventuais preconceitos.
Atualmente, há dois grupos sob supervisão de uma profissional da área: além do
já referido estágio (sob o nome de terapia cognitivo-comportamental), há o estágio em
terapia sexual.
Em relação aos TCCs, embora uma das professoras responsáveis pelas
orientações de todos os trabalhos seja da área, só houve um trabalho sob essa orientação.
Vale destacar que o segundo semestre do ano de 2004 foi o primeiro no qual exigiu-se
esse tipo de trabalho (TCC) e as disciplinas que ministram conteúdos estritos da Análise
do Comportamento não foram ministradas por essa mesma professora para esses alunos.
Atualmente, dos nove trabalhos sob orientação dessa professora, quatro deles estão sendo
orientados segundo o referencial da Análise do Comportamento.

8 Notas obtidas nas disciplinas que compõem o ano anterior (mais especificamente, 7° e 8° semestres).
* Nesla instituição, o estégio é oferecido com o nome de Terapia Cognltivo-Comportamental

Anfjélicü Capelari, Cristina Moreira Fonseca, Hiana Isabel de Moraes I lamasaki


Nos semestres iniciais, tanto na UM ESP quando no UniA, não são ministradas
disciplinas com temas que diretamente se remetam à Análise do Comportamento. Poróm,
as disciplinas sobre História da Psicologia e Teoria e Sistemas podem influenciar o
entendimento dos afunos sobre a Análise do Comportamento. Como o Behaviorismo é
visto muita rápida e superficialmente dentro de uma visão histórica de construção da
Psicologia enquanto ciência, muitas vezes os alunos se confundem e dizem que o
"Behaviorismo é a Psicologia do S-R (estímulo-resposta)" apontando apenas para a
investigação que envolve as relações respondentes.
As seguintes variáveis apontadas aqui como aquelas que podem influenciar os
valores reforçadores de aprender Análise do Comportamento e que estão diretamente
ligadas à própria disciplina, são encontradas nas duas instituições:
• Informações prévias coletadas com colegas:
• Informações coletadas em outras disciplinas;
• A didática em sala de aula (estabelecimento de relações entre a teoria e o cotidiano,
o dia-a-dia do aluno e pouca participação em sala de aula);
• Textos utilizados (dificuldade com o conteúdo dos textos e pouca leitura prévia).

E em geral, os temas ministrados nas duas instituições são:


• Questões filosóficas, conceituais e metodológicas (por exemplo, discussões sobre
livre arbítrio versus determinismo);
• Os diferentes behaviorismos;
• Os diferentes tipos de comportamentos (reflexos incondicionados, condicionados e
operante);
• A seleção pelas conseqüências;
• A diferença entre contingência e contigüidade;
• Os diversos tipos de conseqüências do responder;
• Os controles aversivos e seus efeitos colaterais;
• O comportamento verbal;
• O comportamento governado por regras e auto-regras;
• O mundo privado (consciência, emoções, autoconhecimento);
• A terapia comportamental;
• As aplicações da Análise do Comportamento na Saúde, nas Organizações, na
Educação e em outras áreas de atuação do psicólogo.

Para que esses temas possam ser ensinados, são realizadas (nas duas instituições)
atividades de laboratório com animais, por meio das quais os métodos de investigação do
comportamento são explicitados e possíveis medidas de comportamento são estabelecidas
através de práticas relacionadas ao comportamento operante (modelagem, esquemas de
reforçamento - contínuo e intermitente -, discriminação - simples e condicional - e esquemas
múltiplos). Também são realizados experimentos com seres humanos, nas quais são
enfatizados e investigados os mesmos processos de aprendizagem, acrescidos do
comportamento verbal e da equivalência de estímulos e suas contribuições. Para todas as
atividades práticas, de laboratório, são elaborados relatórios das atividades realizadas e os
alunos recebem orientações dos professores.

Sobre Com portiim cnto o CoflniçJo


A metodologia de ensino utilizada, em geral nas duas instituições, ó baseada em
aulas expositivas e/ou dialogadas; discussões em grupos com roteiros prévios; atividades
práticas no laboratório com turmas divididas.
Algumas formas de avaliação utilizadas nas duas instituições são: provas
individuais (sendo o mínimo de duas notas individuais, uma exigência institucional); trabalhos
em grupo; trabalhos individuais; relatórios de laboratório.
Alguns textos utilizados como bibliografias básicas nas duas instituições são:

• Baum, W.M.(1999). Compreender o behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura.


Porto Alegre (RS): Artes Médicas.
• Catania, C.A.( 1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto
Alegre (RS): Artmed
• Os volumes da Coleção Sobre Comportamento e Cognição.
Keller, F.S. & Shoenfeld, W.N.(1978). Princípios de Psicologia. São Paulo: Hucitec.
• Matos, M.A. & Tomanari, G.Y.(2002). A análise do comportamento no laboratório
didático. São Paulo: Manole
• Sidman, M.(1995). Coerção e suas implicações. Campinas (SP): Editorial Psy.
Assim, após essa explanação de varáveis independentes envolvidas no ensino da
Análise do Comportamento conclui-se que:
1. Seria difícil padronizar o ensino de Análise do Comportamento, por questões
institucionais, principalmente;
2. A concentração de disciplinas sobre Análise do Comportamento no início do curso
pode favorecer o "esquecimento" da abordagem ao longo do curso;
3. Apesar de diferenças institucionais diversas, tais como: quantidade de semestres que
ministram disciplinas de Análise do Comportamento (metodologia, avaliações, etc.), o
interesse pela Análise do Comportamento tem aumentado ao longo dos anos.
O maior interesse destacado no item 3 leva à hipótese de que este seja oriundo
das seguintes questões:
a. maior embasamento filosófico em relação aos conceitos da Análise do
Comportamento; e
b. estabelecimento de relações cotidianas nas explicações dos conceitos em
sala de aula.
Essas duas questões provavelmente passaram a ter mais ênfase em função da
formação dos atuais professores de Análise do Comportamento, como as variáveis
apresentadas no início desse capítulo.

Referências
Matos, M.A. & Tomanari, G.Y.(2002). A análise do comportamento no laboratório didático. São
Paulo: Manole.
Neto, M.B.C.(2002). Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do
comportarnonto e análise aplicada do comportamonto. Interação em Psicologia, 6 (1),
13-18.
Tomanari, G.Y. & Eckerman, D.A.(2003). O rato Sniffy vai à escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
19(2), 159-164.

82 Anflólioi Capelari, Cristina Moreira Fonseca, tliana Isabel de Moraes I lamasaki


Capítulo 9

Contingências aversivas em Serviços


de Saúde
A ntonio lienfo A lves de Morues’

Ros,m<i dehUirmi /'ossobo;f

Aderson Luiz C osfj lúnior'


C/usfi/vo Strifolo RoUrn4

Introdução: o uso de contenção física em Odontopediatria


A utilização de estratégias de controle aversivo, em Odontopediatria, como
contingência para o controle de comportamentos da criança, especialmente aqueles
incompatíveis com a colaboração ao tratamento, tem suscitado questões de diferentes
ordens, incluindo elementos óticos, metodológicos e culturais. Quando se submete uma
criança a procedimentos odontológicos clínicos, por exempío, utiliza-se, eventualmente,
de contenção física para tornar possível a realização do tratamento. Esta estratégia, embora
aumente a probabilidade do cumprimento de um atendimento de rotina rápido e eficiente
sem a necessidade da colaboração plena da criança, pode acarretar alguns prejuízos
comportamentais à criança e comprometer sua participação futura e voluntária em outros
tratamentos odontológicos (Moraes & Pessotti, 1985).
A contenção física utilizada no contexto de um tratamento de saúde e como
pesquisa aplicada tem como norma a autorização expressa dos cuidadores (presença e
consentimento formal, ou informal, de um representante legal da criança, respeitando-se
as normas da Resolução No. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde - CNS) e da própria
criança. No Simpósio Internacional sobre a Bioótica e os Direitos da Criança, realizado
ICIrurgiâo-dentista e Psicólogo - Doutor em Psicologia - Professor de Psicologia da Faculdade de Odontologia
de Piracicaba - Unicamp
2Cirurgiâ-dentlsta - Doutora em Farmacologia - Professora de Psicologia da Faculdade de Odontologia de
Piracicaba - Unicamp
3 Psicólogo - Doutor em psicologia - Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília - UnB
'Psicólogo - Pesquisador do Centro de Pesquisa e Atendimento Odontológico para Pacientes Especiais

Sobre C om|H>rt.imcnto t C o^niçito 83


em 2000, alguns aspectos relativos á proteção de direitos da criança foram destacados':
1. "Toda criança deve participar na tomada das decisões relativas tanto a sua saúde
quanto a sua educação, de maneira crescente e qualificada, à medida que sua
autonomia se afirmar. Cabe aos pais aceitar essa necessidade".
2. "Quando houver diferença de interesses, o interesse da criança deve, em princípio,
prevalecer sobre o adulto”.
3. "A atenção à saúde da criança deve incluir devida consideração pelo esclarecimento,
pelo consentimento, e conforme o caso, pela recusa do consentimento por parte da
criança, conforme seu grau crescente de autonomia. Esse princípio deve ser reforçado,
em especial, em relação a exames e ou tomadas de espécimes realizados pela
criança, os quais só devem visar o interesse imperativo de saúde da criança que não
possa ser atendido de outra maneira".
Neste último princípio, duas questões ou dois tipos de interesse podem ser
destacados: o interesse da criança frente a sua saúde e o interesse imperativo pela saúde
da criança. Os dois interesses devem ser respeitados, mas sob quais circunstâncias?
Dada a vulnerabilidade (autonomia e condição de saúde) da criança, a situação seria a de
uma certa incontrolabilidade, uma vez que o controle instituído não permite escolhas e a
única possibilidade de ação, bem sucedida, ó o seguimento das instruções do cirurgião-
dentista para a execução do tratamento. A questão da vulnerabilidade "refere-se ao estado
de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham sua capacidade de
autodeterminação reduzida, sobretudo, no que se refere ao consentimento livre e
esclarecido (Resolução CNS No. 196/96)".
Vale salientar, que a mesma Resolução ainda prescreve (capitulo III. 1 b), que a
observação dos princípios óticos na pesquisa implica em “ponderação entre riscos e
benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência),
comprometendo-se com o máximo de benefícios e o minimo de danos e riscos". Nesta
ponderação, deve-se levar em conta que os sujeitos/pacientes têm o direito de receber
tratamento e, que seus pais têm direito à orientação pertinente de promoção de saúde.
No que se refere a pacientes temerosos, vários autores têm apontado que estes
têm uma longa história de abandono de tratamento nos dois sentidos, seja voluntariamente
pelo paciente, ou, pelo profissional, que não consegue realizar as intervenções necessárias
e dispensa o paciente (Abrahamsson, Berggren, Hallberg & Carlsson, 2002; Locker &
Liddell, 2000). Como conseqüência, indivíduos com saúde bucal comprometida e uma
história de atendimentos mal-sucedidos apresentam manifestações comportamentais
explícitas de medo, ansiedade e outros transtornos de comportamento (Moraes & Pessotti,
1985). Observamos que estas manifestações precisam ser abordadas, na Odontologia e
demais ciências da saúde, sob um contexto prioritariamente funcional de riscos e benefícios
e não apenas em termos de sintomatologia ou topografia de resposta.
Do ponto de vista clínico, relatos de cirurgiões-dentistas apontam que a adoção
de contenção física tem possibilitado uma realização mais rápida do tratamento e a
reabilitação bucal da criança em termos estéticos e funcionais (Pinkham, 1993). Além
disso, alguns profissionais destacam que a contenção física (e conseqüente redução de
movimentos físicos da criança) minimiza a possibilidade de acidentes e ferimentos à criança
por sondas, motores e curetas, que constituem instrumentos indispensáveis à intervenção.

1Cadernos de Ética em Pesquisa, 3(5), p 09.

84 A n to n lo Bento A . do M or.ie», Ko*<m<i de f 1’ossobon, Ádctson l.„ Cosia lúníor, C/uslavo S, Roliin
No que diz respeito a eventuais riscos, alguns críticos objetam que já existem
procedimentos alternativos e consolidados, baseados em reforçamento positivo, que
poderiam evitar a exposição da criança a contingências aversivas planejadas (Milgrom,
Weinstein, P., Kleinknecht, & Getz, 1985). A exposição repetitiva a condições aversivas
poderia, também, aumentar a probabilidade de danos ao processo de desenvolvimento
psicológico da criança, generalizando seus efeitos para situações muito além do
atendimento odontológico em consultório (Klatchoian, 2002). Em uma linguagem de senso
comum, estaríamos "traumatizando" a criança quando eia é forçosamente submetida ao
tratamento odontológico sob contenção física.
No entanto, dados experimentais têm mostrado que tanto a punição como o
reforçamento positivo tem efeitos temporários e que o comportamento não-colaborativo se
restabelece uma vez interrompida a punição ou o reforçamento (Hineline, 1984).
A utilização de reforçamento positivo é, certamente, a estratégia mais adequada
socialmente para a evocação de respostas colaboradoras, mas, utilizá-la com crianças
temerosas exigiria um tempo adicional, ou um maior número de sessões de atendimento,
que o processo dinâmico da doença bucal nem sempre poderia esperar. Além disso,
serviços públicos de atendimento em saúde bucal raramente dispõem de infra-estrutura
física e de pessoal treinado para exercer a prevenção e auxiliar na reabilitação bucal sem
utilização de contenção física. Pragmaticamente, a questão é de custo-beneficio e é esta
a situação que se apresenta para estudar controle aversivo em um serviço de saúde. A
contenção física constitui um tipo de controle aversivo quando observamos que ela
enfraquece comportamentos considerados “inadequados” à situação odontológica.
Embora a literatura reconheça que experiências de coerção e de violência física
são eventos da vida que podem evocar repercussões psicológicas reincidentes e que
definem, por vezes, padrões psicopatológicos de longa duração, reconhecemos que esta
não constitui uma situação comum em odontologia. Além do avanço tecnológico observado
em diversos procedimentos de rotina odontológica, cada vez menos ínvasívos, alguns
pesquisadores em Análise do Comportamento, por exemplo, tem buscado, no contexto
odontológico, acompanhar a execução de tratamento odontológico com a utilização de
recursos da análise funcional do comportamento, estudando, em seres humanos, um
processo comportamental denominado de controle aversivo (Rolim, 2005). Observamos,
no entanto, que muitas áreas aplicadas não têm dado atenção experimental suficiente a
esse tipo de processo que, freqüentemente, é utilizado em instituições de saúde, de
ensino e nas relações sociais cotidianas (Todorov, 2001).
As reações das pessoas frente ao uso do controle aversivo têm sido muito diversas,
desde uma recusa explicita ao considerá-lo a priori como maléfico, até a preocupação
com os aspectos ético-legais que envolvem a segurança dos sujeitos e o potencial que
existe para possíveis abusos neste campo (Carrasco, 1999).
A propósito, Perone (2003) afirma que a aversividade é uma questão do função e
não de estrutura e, que, é freqüentemente, compreendida de forma superficial. Este autor
afirma que em ambientes escolares, por exemplo, é comum ouvir professores dizendo
"nós não usamos punição, usamos time-ouf'. O uso de time out seria retirar a criança de
uma situação por ela ter apresentado comportamentos que impediam a continuação de
uma atividade previamente planejada. Depois de um tempo, a criança voltaria à situação e
seria explicado para ela que deveria comportar-se de modo participativo na tarefa; espera-
se com este procedimento, uma redução da freqüência de comportamentos incompatíveis
com a execução da atividade.

Sobre Com portam ento e CogniçJo


Se o time-out é contingente a algum comportamento e se este, efetivamente, é
reduzido, então, trata-se de um processo de punição. Ainda sobre essa questão, Perone
chama a atenção para autores que propõem o uso do time-out como uma forma de disciplinar
a criança. Pais são instruídos que, por meio do time-out, a punição não precisa ser,
necessariamente, aversiva ou dolorosa. Perone afirma que os autores classificam
corretamente o time-out como uma forma de punição, mas, equivocam-se quando sugerem
que este processo não é aversivo. Se o time-out não for aversivo, não poderá funcionar
como um punidor. Além da questão conceituai, o que estará implícito na idéia de que
práticas “educativas", destinadas a reduzir comportamentos, não são consideradas punitivas
e que se forem punitivas não precisam ser necessariamente aversivas.

O tratamento odontológíco: a diversidade das variáveis envolvidas


O tratamento odontológico pode estar relacionado temporalmente com experiências de
dor e/ou desconforto, sentidas antes, durante ou depois das intervenções clínicas. Observamos
que a visita ao dentista ainda é um desafio para grande parte da população, apesar dos avanços
das drogas anestésicas, do aprimoramento dos procedimentos clínicos e dos estudos de
estratégias comportamentais destinadas à promoção da colaboração e, conseqüentemente,
diminuição da ansiedade durante o atendimento (Moraes & Pessotti, 1985).
A situação de tratamento contém elementos possivelmente aversivos, uma vez
que envolve dor, estranhamento ou desconforto. As sensações produzidas pela anestesia
infiltrativa, pela penetração da agulha, pelos ruídos de equipamentos e o atrito dos motores,
bem como pelos procedimentos de isolamento e os abridores de boca podem ser
consideradas estímulos aversivos incondicionados que eliciam respostas de medo
incompatíveis com a realização do tratamento. Tais condições podem levar, ainda, a
respostas autonômicas como taquicardia, sudorese e tensão muscular.
Considerando que estas respostas não são, necessariamente, iguais em todos
os indivíduos, visto que respostas operantes de fuga e esquiva ocorrem, freqüentemente,
dependendo das contingências presentes e da história de vida de cada sujeito, o estudo
do comportamento deve considerar a condição individual da pessoa, antes do atendimento,
e a função dessa história (inter-relaçào estabelecida) durante o tratamento odontológico.
Estas duas condições (história prévia e processo) podem estabelecer alguns pontos de
reflexão e pesquisa.
Na literatura odontológica, não existe consenso sobre a eficácia das estratégias
de manejo do comportamento, em especial quanto à escolha das estratégias (contenção
física, por exemplo), momento da aplicação e seus efeitos comportamentais a curto e
médio prazo. Uma compreensão objetiva da complexidade das relações comportamento-
ambiente odontológico poderá evidenciar os efeitos da aversividade atribuída à situação,
os controles positivos e aversivos instituídos e a contribuição da análise funcional para o
conhecimento da área.
O objetivo deste texto é descrever algumas situações experimentais que ilustram as
possibilidades de estudo do comportamento humano nessa situação, a partir de análises das
variáveis contextuais que afetam o repertório de comportamentos de sujeitos experimentais.
Nos estudos referidos, procurou-se analisar atendimentos odontológicos típicos,
incluindo os padrões comportamentais de cirurgiões-dentistas e crianças. As estratégias
de manejo comportamental utilizadas pelos profissionais e os padrões comportamentais

86 A n to n io Bento A . de M orac«, Rownu de I, Possobon, Aderson I.., C\wtd Júnior, l/ustdvo S. Rolim
das crianças serão objetivamente descritos. Considerou-se como estratégias relacionadas
às respostas dos dentistas as verbalizações (explicação, distração, persuasão e elogio) e
as atividades motoras (realização dos procedimentos cl/nicos). A técnica de manejo
comportamental relacionada à contenção física foi realizada pelo auxiliar e/ou pelos
cuidadores, a partir da solicitação e da orientação do profissional.
Os comportamentos das crianças também foram observados em relação a sua
topografia, freqüência e duração em cada rotina odontológica - Exame clínico, Anestesia
Tópica, Anestesia Infiltrativa, Isolamento Absoluto, Preparo Cavitário e Restauração - e
foram categorizados e analisados no contexto odontológico.

Estudo 01
Conforme o delineamento metodológico deste estudo (Rolim, 2005), a criança
G1, que recebeu o atendimento odontológico, poderia escolher, entre dois profissionais
(entre duas dentistas), com qual faria o tratamento. Foi estabelecido que uma dentista
deveria realizar atendimento apenas se a criança permitisse, ou seja, não poderia submeter
a criança ao tratamento odontológico utilizando-se de restrição física ou qualquer forma de
ameaça verbal. A outra dentista realizaria o atendimento utilizando qualquer estratégia
prevista e ensinada nos cursos de graduação de Odontologia (Guideline’s - American
Pediatric Dentistry, 2003). Assim, este profissional, poderia, se necessário, impedir os
comportamentos de esquiva e interromper os comportamentos de fuga quando a criança
não colaborasse suficientemente.
Os atendimentos de G1 foram realizados em cinco sessões de tratamento clínico
restaurativo. Este paciente odontopediátrico não tinha história prévia de atendimento
odontológico, seguia todas as solicitações e orientações da profissional e não apresentou
resistências ou recusas durante os procedimentos clínicos.

G1
HU
TO
n

RVB DIRETIVA DISTRAÍIVA

Figura 1. Froqüôncia acumulada de respostas de G1 (resposta


verbal branda - RVB) e do cirurgião dentista (Direção e Distração)
nas cinco sessões de atendimento odontológico

Sobrr Com portam ento e CojjnlçJo


Pode-se observar na Figura 1, a freqüência acumulada das respostas do
cirurgião- dentista e de G1 durante as cinco sessões de atendimento odontológico.
Este paciente teve a possibilidade de escolher qual profissional iria tratá-lo e em
todas as sessões escolheu a mesma dentista. Observou-se que, no decorrer do
atendimento, ocorreu apenas a emissão dos comportamentos do cirurgião-
dentista categorizados como “Direção" e "Distração”, linhas pontilhadas preta e
cinza, respectivamente.
As setas indicam o início de cada sessão de atendimento odontológico. Observa-
se, na Figura 1, que as freqüências acumuladas das respostas categorizadas como Distração
e Direção mantêm tendência acelerada nas duas sessões iniciais, enquanto na terceira
sessão de atendimento ocorre, comparativamente, uma baixa freqüência dessas respostas
do cirurgião-dentista. Nas duas últimas sessões, observa-se que a freqüência acumulada
volta a apresentar tendência semelhante à apresentada nas duas sessões iniciais. Ressalta-
se que na quinta e última sessão, a criança emitiu comportamentos verbais por meio de
gestos de solicitação para manusear os equipamentos, estabelecendo, assim, uma maior
comunicação com a profissional (resposta verbal branda - RVB). Isto sugere que a criança
estava não apenas colaborando e permitindo as intervenções, como também estava
estabelecendo interações mais positivas e participativas com a dentista.
A criança (G1), que não tinha experiência prévia de atendimento, não relatou dor.
Durante todo o tratamento, apresentou-se calma, responsiva e atenta aos procedimentos,
às orientações e distrações realizadas pela dentista. Provavelmente, pelo fato de a criança
não possuir história de atendimento odontológico e não ter sido exposta à dor e desconforto
no tratamento atual, seu comportamento mostrou-se colaborador. Embora o tratamento
odontológico seja considerado, freqüentemente, como uma situação naturalmente aversiva,
devido à presença de instrumentos cortantes, procedimentos invasivos, gostos, sons e ruídos
desagradáveis, estas propriedades não foram estabelecidas durante o atendimento de G1.

Estudo 02
Em outro estudo (Possobon, 2000), procurou-se separar os possíveis efeitos do
uso de estratégias de manejo de comportamentos de crianças associadas, ou não, à
utilização prévia (aplicação oral) de um ansiolítico. O atendimento deveria ser realizado
em duas condições experimentais. Na primeira condição, o profissional foi previamente
informado que não poderia conter fisicamente o paciente nas quatro primeiras sessões de
atendimento e que deveria utilizar estratégias não aversivas de controle do comportamento.
A partir da quinta sessão, a contenção física era permitida.
As crianças recebiam o ansiolítico Diazepam (0,3mg por Kg de peso), ou placebo,
em sessões alternadas, ou seja, nas duas últimas sessões das condições experimentais.
O tratamento odontológico de três crianças que já tinham passado por experiência prévia
de não-colaboração em outros contextos serão apresentados a seguir.
O paciente (PI) foi encaminhado, por um dentista de posto de saúde, devido ao
grande número de cáries e pelo comportamento, predominantemente, não-colaborador da
criança. Na figura 2, pode-se observar as freqüências acumuladas dos comportamentos
de P1 e do profissional nas oito sessões de atendimento. As freqüências acumuladas das
respostas do dentista evidenciam aceleração positiva nas curvas de Explicação e Distração.
As demais curvas (choro, movimento,contenção e elogio) mantêm tendências lineares e

88 A n to n lo Bento A . de M or.ies, Ros.m.i de I Possobon, Aderson I ., C'osl.i I uni or, Ouslavo S. Rollm
de baixa ocorrência na rotina de Preparo Cavitário. Em todas as sessões foram realizados
todos os procedimentos clínicos odontológicos.

A ContançAo O DiatmçAo □ Explica

Figura 2. Freqüência acumulada das respostas do PI e do cirurgião-dentista


nas oito sessões de atendimento

Nas duas primeiras sessões, foram realizadas Restaurações Provisórias e a criança


movimentou-se e chorou na rotina Preparo Cavitário, mas nâo impediu o trabalho do dentista.
Observou-se que nas sessões com Diazepam, a criança não apresentou, ou apresentou
baixa freqüência de respostas de categorias não-colaborativas. Tal resultado sugere que a
droga utilizada teve efeito esperado, isto é, reduziu a atividade motora e a ansiedade frente
às rotinas odontológica. Pode-se considerar que esta criança apresentou ansiedade em
uma rotina específica - Preparo cavitário - na qual apresentou alta freqüência de
comportamentos de choro e movimento.
Ressalta-se que na quinta sessão de atendimento, o dentista utilizou-se da
estratégia contenção física para manejar as respostas de movimento do corpo e cabeça.
Pode-se inferir que o profissional estava sob controle de sua história de atendimento, da
retirada da regra experimental (não utilizar contenção física até a quarta sessão) e dos
comportamentos não-colaborativos da criança na rotina Preparo cavitário da quinta sessão
e não sob controle da história de atendimento prévia (de sucesso) estabelecida com esta
criança nas quatro sessões antecedentes. Pode-se sugerir, ainda, que, o profissional
precipitou-se na utilização da estratégia contenção física para o atendimento desta criança.
Na figura 3 (vide página seguinte), apresenta-se as freqüências acumuladas das
respostas da criança (PV) e do cirurgião-dentista nas oito sessões de atendimento
odontológico.
O paciente (PV) foi encaminhado para atendimento devido a comportamentos não-
colaborativos que impediam a realização do atendimento na unidade de saúde em que era
atendido anteriormente, mas, não havia relatos de dor. A criança não permitiu a realização dos

Sobre Com portam ento e Cognição 89


atendimentos odontológicos na primeira condição experimental (4 sessões iniciais quando vigorava
a regra "não ó permitido utilizar contenção"). Nestas 4 primeiras sessões, observou-se que as
respostas que apresentaram as maiores freqüências acumuladas finais foram Explicação (categoria
comportamental do dentista) e Esquiva (categoria comportamental da criança).

PV

«♦— Movimento Choro "■ ♦ Esquiva/ Fuga

• Contenção - o ..... Distração • E xplica

Figura 3. Freqüência acumulada das respostas de PV o do cirurgião-dentista nas oito


sessões de atendimento

Na segunda condição experimental (da quinta a oitava sessão), a categoria Esquiva,


praticamente, deixou de ser emitida até o final do tratamento. Isso não quer dizer que a
criança estava colaborando e permitindo o tratamento. O paciente PV parou de emitir
comportamentos motores que impediam e atrapalhavam a realização das rotinas
odontológicas, no entanto, apresentou respostas de choro e grito. Na rotina "Anestesia
Infiltrativa", da 5a sessão, a criança foi contida e esta estratégia foi utilizada no início das
três sessões subseqüentes. A freqüência de respostas de choro e grito apresentou
aceleração positiva até o término do tratamento odontológico. Esta criança permitiu o
tratamento, porém sob protesto verbal.
Na figura 4, pode-se observar as freqüências acumuladas das respostas do
paciente PIV e do profissional nas oito sessões de atendimento.
Encaminhado para o atendimento, o paciente (PIV) relatava dor e tinha história de
não-colaboração em atendimento odontológico anterior. Observou-se que na primeira
condição experimental (1aa 4“ sessões - com a vigência da regra "não utilizar contenção
física"), não foi possível a realização do atendimento odontológico. Nestas quatro primeiras
sessões, as categorias de maior freqüência acumulada foram Esquiva (da criança) e
Explicação (do dentista). Houve, também, em menor freqüência, a ocorrência da categoria
Distração (categoria comportamental do dentista) a partir da rotina Anestesia Tópica da
segunda sessão de atendimento.
Na segunda condição experimental (quinta a oitava sessão), o atendimento foi
realizado independentemente dos comportamentos emitidos pela criança. Observou-se que
Figura 4. Freqüência acumulada das respostas de PIV e do cirurgião-
dentista nas oito sessões de atendimento

as respostas de esquiva da criança diminuíram em freqüência até o final do tratamento.


Nestas sessões, PIV foi submetido compulsoriamente ao atendimento com a adoção explícita
de contenção física. Pode-se observar que a criança foi contida durante todas as rotinas
odontológicas destas três sessões e que essa estratégia, ou quaisquer outras respostas do
cirurgião, não modificaram os comportamentos de nào-colaboração. Pode-se inferir que, os
comportamentos evitativos não se mostraram sensíveis às estratégias empregadas.

Implicação dos dados obtidos para a intervenção profissional em


Odontopediatria
Conforme preconizado pela Análise do Comportamento, as variáveis devem ser
analisadas de acordo com a função que apresentam e não sua estrutura. O paciente G1 não
tinha história prévia de internação hospitalar ou de atendimento odontológico, não relatava
dor, ou desconforto, e sua experiência odontológica foi realizada sem a emissão de qualquer
comportamento de fuga e esquiva. Pode-se sugerir que neste tratamento os instrumentos
odontológicos e o comportamento do cirurgião-dentista não se tornaram aversivos
condicionados. Para esse paciente (G1 - Estudo 1), observou-se que a exposição da criança,
aos instrumentos e rotinas odontológicas, foi realizada de forma rápida e eficaz, permitindo
o enfrenlamento, aparentemente eficiente, da situação odontológica pela criança.
Embora, usualmente, o tratamento odontológico seja relacionado á dor e desconforto,
no atendimento de G1, estas circunstâncias não ocorreram. Estabeleceu-se uma relação
positiva paciente-dentista, ao mesmo tempo em que as contingências entre os comportamentos
da dentista e as sensações de dor ou desconforto não foram pareadas (associadas).
No Estudo 2, no atendimento de PI, vale ressaltar que a criança, praticamente,
permitiu as intervenções do cirurgião-dentista evidenciando-se um manejo adequado do

Sobre Com portam ento e CoflniçÜo


comportamento da criança pela dentista. Este paciente tinha uma história de não-
colaboração a atendimentos odontológicos anteriores, no entanto, durante as sessões
experimentais do tratamento, comportou-se de modo participativo. Esta criança apresentou
baixa freqüência de comportamentos que impediam ou interrompiam as rotinas
odontológicas, especialmente quando exposta aos instrumentos da rotina Preparo Cavitário.
A análise do comportamento permite não apenas descrever e decompor os efeitos
que o tratamento odontológico acarreta sobre as respostas da criança, mas, também,
possibilita estudar os comportamentos do profissional durante as sessões. O
comportamento deve ser analisado frente às contingências presentes, isto ó, às condições
de estimulo e ao estabelecimento de regras. O tratamento odontológico de P1, por ter
sido realizado, na primeira condição experimental (com uma regra específica- sem o uso
de contenção física), pode ser considerado um atendimento com sucesso, ou seja, o
profissional cumpriu as rotinas e conseguiu manejar os comportamentos de fuga e esquiva
apresentados na rotina Preparo Cavitário, tanto na primeira quanto na segunda sessão,
sem conter a criança. No entanto, na quinta sessão de atendimento, o dentista, frente aos
comportamentos de Movimento e Choro, utilizou-se da estratégia Contenção Física para o
manejo comportamental. Isso sugere que este profissional desconsiderou a história de
atendimento odontológica estabelecida com P1. Provavelmente, o cirurgião-dentista estava
sob controle dos comportamentos de fuga e esquiva imediatos e não da experiência
acumulada com esta criança.
Pode-se inferir que as respostas de Movimento e Choro de P1 na 5a, 6a e 8a
sessões, na rotina Preparo Cavitário, estão relacionadas aos procedimentos e instrumentos,
como o motor de alta rotação, e que a utilização da estratégia Contenção Física não
produziu qualquer mudança comportamental para essas respostas emitidas pelo paciente.
Com relação ao atendimento de PV, verificou-se, também, os efeitos que os
instrumentos, rotinas e técnicas de manejo desempenham na manutenção ou na
modificação comportamental da criança. Pode-se observar que este paciente não permitiu
o atendimento odontológico nas quatro sessões iniciais e que seus comportamentos foram
reforçados negativamente, ou seja, no decorrer das quatro sessões iniciais, as respostas
de Esquiva impediam que os instrumentos fossem manuseados e essas apresentaram
aumento na freqüência de ocorrência. Ressalta-se que, nestas sessões, a criança apenas
apresentava respostas de Esquiva e Movimento.
Na segunda condição experimental (com a possibilidade do uso de Contenção
Física), as respostas de Esquiva foram punidas pela utilização da estratégia Contenção
física. No entanto, a criança passou a emitir respostas de Choro. O profissional realizou o
tratamento de PV com a colaboração e com o protesto da criança. A criança não apresentou
comportamentos de fuga e esquiva, porém, apresentou chorou alto todo o tempo. Nenhuma
das estratégias utilizadas (Direção e Distração) foram eficazes para modificar o Choro de
PV. Trata-se de uma importante lacuna de pesquisa, investigar exatamente qual a função
do choro para esta criança. Seria o choro uma resposta eliciada diante da situação de
incontrolabilidade a que PV estava exposto?
Com relação as estratégias de manejo, a Contenção física mostrou ser eficaz
para a modificação comportamental das respostas de fuga e esquiva de PV; em
contrapartida, esta mesma estratégia mostrou-se ineficaz para a controle comportamental
das respostas de Esquiva e Movimento de PIV. O paciente IV também apresentava história
de não-colaboração em atendimentos odontológicos anteriores e esta criança não colaborou

92 A n to n ia Hcnta A . de Monies, Rosana de I. Possobon. Adcrson f ., C'oftta lúniar, C/ustava S. Ilo llm
durante a 5a. 6ae 7asessões (segunda condição experimental). A criança foi forçosamente
submetida à realização do atendimento odontológico e nenhuma estratégia produziu a
modificação na freqüência das respostas de fuga e esquiva. A estratégia de manejo
relacionada à contenção física apenas permitiu a intervenção clínica odontológica.
Com relação à utilização do ansiolltico, para os sujeitos PI, PIV e PV, a análise
estatística não mostrou diferença significativa entre as sessões Diazepam ou Placebo
(Teste Wilcoxon).
Frente às situações experimentais apresentadas que ilustram possibilidades de
estudo do comportamento humano na situação de saúde, em especial nos tratamentos
odontológicos, pode-se perceber que as respostas não foram iguais em todos os indivíduos,
tampouco os possíveis efeitos de estratégias comportamentais utilizadas em cada rotina.
Esta diversidade nos remete a algumas perguntas:
1. Os instrumentos odontológicos são inerentemente aversivos? Não. Uma tesoura
ou uma seringa pode adquirir propriedades aversivas na situação. A seringa pode estar
relacionada, desde experiências lúdicas (prazeirozas à criança) até comportamentos de
fuga e esquiva. Histórias bem sucedidas em atendimentos odontológicos, ou seja,
experiências odontológicas sem a exposição à dor ou desconforto e a realização rápida
das rotinas podem prevenir que as variáveis inerentes ao atendimento odontológico
estabeleçam um controle aversivo.
2. A Contenção física foi aversiva no atendimento odontológico? Para o atendimento
do paciente V pode-se considerar que sim, isto é, ocorreu uma diminuição na ocorrência
das respostas de Esquiva, ou melhor, houve uma supressão dessas respostas. Assim,
pode-se inferir que o processo comportamental envolvido seria relacionado à punição.
Com relação ao atendimento do paciente IV do Estudo 2, é possível inferir que a
contenção física adquiriu propriedades aversivas, mas não que o processo estabelecido
foi, também, punição. As respostas de Esquiva dímínuíram de ocorrência conforme a
contenção física era utilizada, o que significa que tais respostas foram enfraquecidas com
o uso da estratégia de manejo restritiva. No entanto, o uso contínuo da estratégia contenção
sugere que as respostas não tinham sido suprimidas, mas estavam sendo impedidas de
serem emitidas. A criança permaneceu protestando e não colaborando e estas respostas
não impediram a realização do tratamento.
Os resultados mostraram que o tratamento odontológico envolve um controle
bidirecional em relação a seus participantes. Parece que o cirurgião-dentista utiliza
estratégias de direção e distração para manejar comportamentos colaboradores, no entanto,
estas se mostraram ineficazes para a modificação dos comportamentos de fuga e
esquiva.Vale lembrar que o paciente G1 foi sempre colaborador, o que sugere uma interação
positiva entre a ausência de historia previa de não-colaboração e um manejo adequado do
comportamento.
Possivelmente, os procedimentos invasivos, inerentes ao tratamento odontológico,
reforçaram o padrão comportamental de evitação nas crianças PI, PIV e PV (movimentar-
se, tapar a boca, chorar, gritar).
Observou-se que os comportamentos não-colaboradores foram modificados com
o uso de uma estratégia considerada aversiva (contenção física), realizada pela mãe e/ou
pelo auxiliar odontológico. Os resultados permitem inferir que o controle aversivo pode ter
atuado como uma situação estabelecedora para a modificação de comportamentos

Sobre Comportei mento c Cognívílo 93


incompatíveis com o tratamento odontológico, embora o controle aversivo seja,
freqüentemente, referido, na literatura odontológica, como inadequado. Tal inadequação ó
atribuída a seus subprodutos, tais como a generalização dos efeitos supressivos e a
eliciação de respondentes.
Devemos observar, ainda, que estratégias psicológicas não-aversivas, apesar de
auxiliarem as crianças no enfrentamento das situações odontológicas, muitas vezes, não
permitem a aquisição de comportamentos colaboradores. Em outras situações, a contenção
física, embora não modifique o repertório de comportamentos da criança, permite o
restabelecimento da saúde bucal.

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94 A n to n io Bento A . de M oraes, Rosana de I. l’ossol>on, Aderson L , Cosia Júnior, C/ustavo S. Rolim


Capítulo 10

Acupuntura e o Tratamento da
Ansiedade: da Medicina Tradicional
Chinesa à Psicologia
Arnunub Ribeiro <//>* Neves Neto'

"Assim como qualquor ponto na suporficie de uma esfera pode ser visto como o
contro da superfície, todo órgão do corpo e todo ser do cosmos pode ser visto
como o sou centro e governante".
Alan Watts (1975)

A ansiedade ó uma experiência universal da espécie humana. É tão universal que


existem diferentes enfoques sobre o seu conceito. Para Pessotti (1978, p. 78)
“em algumas definições, a ansiedade é entendida como um processo
passageiro, em outras, como uma característica permanente da porsonalidade.
Algumas outras, ainda, designam como ansiedade tanto processos transitórios,
como predisposições ou traços duradouros da personalidado".
Um ponto comum parece caracterizá-la: a sensação de apreensão quanto a
algum perigo futuro não bem delineado (Savoia, 2000).
Quanto à etimologia da palavra ansiedade, percebe-se também diferentes origens,
como a palavra inglesa anxiety que se deriva do latim anxius definida como uma condição
de agitação, e a palavra francesa anguissese refere a uma sensação de sufocamento, ó
descrito seu aparecimento na Idade Média como um termo eclesiástico, significando
sofrimento espiritual, alguns autores utilizam a palavra anguish (angústia) como sinônimo
de anxiety enquanto outros preferem utilizar a expressão angústia para as sensações
físicas que acompanham a ansiedade como fenômeno psíquico (Savoia, 2000).
De acordo com um recente boletim epidemiológico nacional do respeitado Centro
de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) dos Estados Unidos, estima-se que cerca de

' Psicólogo e Acupunturista. Supervisor Clinico do Curso de Especialização em Medicina Comportamental da


Universidade Federal de Sôo Paulo - UNIFESP; Supervisor Clinico do Curso de Aprimoramento em TCC do
AMBAN-IPQ-HCFMUSP, Coordenador do Setor de Psicologia da Saúde do Instituto de Doenças Neurológicas
de Sâo Paulo - Hospital Beneficência Portuguesa

Nobre Com port.im cnto t C ognifilo 95


3.249.000 norte-americanos portadores de problemas relacionados à ansiedade e/ou
depressão utilizam alguma estratégia terapêutica complementar e/ou alternativa, sendo
que estima-se o uso especificamente da Acupuntura em torno de 8.188.000 usuários
(BARNES et al.t 2004). Estes dados oficiais salientam o enorme interesse atual pela
integração da milenar prática da Acupuntura - Medicina Tradicional Chinesa aos problemas
humanos contemporâneos (Watts, 1961; Nagakawa & Ikemi, 1982; Escola De Medicina
Tradicional Chinesa De Beijing Et Al., 1995; Tymowski Et Al., 1986; National Institute Of
Health, 1998; White, 2000; Schnyer Et Al., 2001; British Acupuncture Council, 2002;
Bassman & Uellendahl, 2003; Flaws & Lake, 2003; Stein, 2003; Schreiber-Servan, 2004;
Simon, 2004). No Brasil, pesquisas recentes apontam para o crescimento da procura dos
serviços de Acupuntura - MTC em nosso meio (Akiyama, 1999; Paesano, 2002; Yamamura,
2002; Campos, 2003; Campiglia, 2004; Neves Neto, 2003,2004,2005).
A resolução N°. 005/2002 do Conselho Federal de Psicologia (dispõe sobre a
prática da acupuntura pelo psicólogo), também representa um aspecto relevante para o
desenvolvimento da prática da Acupuntura multiprofissional, além de estimular uma maior
integração e fomento a pesquisas na área da saúde mental, Psicologia e Acupuntura.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) através do relatório "Acupuncture:
Review and analysis of reports on controlled clinicai trials" salienta a importância da
Acupuntura para o tratamento dos transtornos mentais, incluindo os transtornos de
ansiedade, baseando-se nos resultados de ensaios clínicos controlados.
Ainda de acordo com Breler & Kroening (1976) três fatores são essenciais para a
eficácia da Acupuntura - MTC, resumindo: (1) reações imunológicas e inflamatórias
mobilizadas quando uma determinada área da pele (ponto de Acupuntura ou acuponto) é
suficientemente estimulada, (2) estimulação periférica do sistema nervoso ocorrendo através
de meios mecânicos, elétricos, químicos e térmicos são ativados (ex. agulhas, moxabustão,
laser e etc.) e (3) suporte psicológico adequado (ex. comunicação interpessoal, rapporte
etc.). Ross (2003, p. 5) afirma que:

“O aconselhamento e a psicoterapia podem ser integrados ao sistema ‘Acupuntura


- MTC', caso sejam apropriados às necessidades do paciente. O autor realmento
acredita que um dos desenvolvimentos mais promissores da Acupuntura ó a
combinação flexível do trabalho de energia, meditação o aconselhamonto".

Ansiedade e Medicina Tradicional Chinesa


Com uma história de pelo menos 5.000 anos, a Medicina Tradicional Chinesa é
reconhecida como uma das práticas de cura mais antiga e holística que se tem
conhecimento. A energia vital (Qi), as energias Vin e Yang, e a teoria dos cinco elementos,
provindos da milenar filosofia Taoísta representada por Lao Tsé, consideram o ser humano
integrado ao universo, e o conceito de equilíbrio um dos principais objetivos de suas práticas
terapêuticas (Tsé, 1978; Nagakawa & Ikemi, 1982; Bloise, 2000; Jonas & Levin, 2001).
O homem sofre influência de energias provindas do céu (Yang) e da terra (Yin) e
seu principal papel é o da transformação destas energias. No pensamento chinês, não se
pode isolar em fragmentos os sintomas físicos e psíquicos, pois ambos vêm de um mesmo
conceito integrador de energia vital (Qi), ou seja, queixas físicas e psíquicas são ao mesmo
tempo um desequilíbrio desta energia fundamental.
De acordo com George Soulié de Morant (1957/1990), pioneiro na transmissão da
Acupuntura - MTC para o ocidente, afirma:"(...) começa a mostrar as relações entre o psíquico

Armando Ribeiro das Neves Neto


c as glândulas endôcrinas c os órgãos" (p. ÓH4) continuando "Sc tem comprovado dcsla maneira
que era possível aluar sobre o psiquismo através dos órgãos, e sobre os órgãos através do
psiquismo" (p óHb) e "As experiências reali/adas na f-rança tem permitido comprovar as melhorias
do psiquismo obtidas tiatando cada transtorno através do órgão comprometido* (p. 6HÓ).
No principal livro antigo sobre M T C "Princípios de Medicina Interna do Imperador
Amarelo" (Uutinfi P i N c i Hn$) é descritoodiálogo entre duas figuras lendárias da cultura
chinesa: o Imperador Amarelo (/ /</<///# Pi) e o médico da corte Qibo. O livro está dividido
em 1M volumes c 1óy fascículos, compreendendo as Questões Simples (Su Wcn) e o
l ixo f-spiritual [L.in$ Shu). Neste importante cãnonc de Medicina Jradirional Chinesa, já
se pode observar passagens que descrevem a ansiedade enquanto resposta ao desequilíbrio
do homem cm relação á nalure/a, como será descrito nos trechos a seguir,

'O im perador A m a re lo perguntou: f>isseram-mc que nos tempos antigos, quando


um médico tratava uma doença, ele apenas transformava a mente e o espírito do
paciente, a fim de e xtirp ar a fonte da tloença. N o s dias de hoje, o paciente é
tratado internam ente com remédios e externamente com acupuntura. N o entanto,
algum as doenças são curadas, mas algum as delas mio podem sé*ío, por qué(

Q ib o respondeu: N os tempos antigo«, o povo vivia cm cavernas agrestes, rodeado


de pássaros c bestas» afastavam o írio pelo próprio m ovim ento, e se evadiam do
vcrJo quente, viviw m á sombra. Hes nòo tin h jrn nenhum a sombra no corüçJo
por adm irar a fama e o lucro, e não tin h a m cansaço no corpo pot procurar uma
posição mais elevada, por isso, d ific ilm e n te se poderia ser in v a d id o pelo mal
exógeno neste am biente calm o e tra n q ü ilo .

M as, hoje em dia, a situação é diferente, as pessoas tanto são perturbadas pela
ansiedade interna do coração, como feridas pelas dificuldades externas do corpo,
juntam ente com o descuido do paciente, vio le n ta n d o as regras da seqüência do
clima das quatro estações, e a friagem e o calor da manhã e da noite Acerca
da Terapia de transform ai a M e n te e o hspírito - Yi !in$ H ün O i Lun, (W ang,
»004, p. yo).

Neste trecho lica evidente o distanciamento do homem ás leis universais da


natureza, como o principal motivo para o seu próprio desequilíbrio. Tanto fatores externos
(ex. climáticos), quanto internos (ex. emoções excessivas) são apontados como os
responsáveis pelo adoecimento.

"Q u a n d o as energias refinadas dos cinco órgãos sólidos estiverem imersas em


um órgão, a energia do órgão se tornará esténica e surgirá a doença (...) quando
imersa no baço, a energia do baço estará abundante em parte e restringe o rim,
gerando ^nsiaidde (...). f ssas são as assim cham adas penetrações", hxposlçtlo
sobre a hiergia das Cinco Visceras - Xu.in M in # W u Oi. (W ang, »004, p. 14b),

Nesla outra passagem é descrito o resultado de desequilíbrios nos ciclos


naturais de movimentação da energia Oi, referindo-se ao desequilíbrio do baço estando
associado ã ansiedade.

'O terror excessivo e a ponderação, (a/cm com que o paciente gaste a energia
Y in e fique instável. O sofrim e nto excessivo les«i as vísceras infernas, fj/e n d o
com que as atividades funcionais da energia v ita l se tornem exaustas, gerando a
m orte do paciente. A alegria excessiva causa a dispersão da energia que não
pode m ais ser arm azenada. A m e la n co lia excessiva causa o im p e d im e n to e a

Sobre Com portamento e Cognição 97


estagnação das atividades funcionais da energia vital. A fúria causa manias c a
anormalidade do paciente. C) ferror excessivo causa o transbordamento da energia
refinada devido ao desassossego do espírito". As l>oenças Causadas pelas
Atividades do tspirito - Hcm Shcn. (Wang, Ü004, p. 1?4»1).
Nesta passagem sobre "As doenças causadas pelas atividades do espirito", mais
unia ve/ fica evidente o papel dos fatores internos (emoções) na causa do desequilíbrio da
energia Oi, gerando os sinais/ sintomas clínicos que serão observados e/ou relatados.
Ross (H003) descreve no quadro 1 a relação entre a ansiedade e a teoria dos
cinco elementos. Na M T C , a ansiedade está ligada com os sistemas do Coração e do
Rim. Pode estar associada com outras emoções do Coração, como agitação, pânico e
histeria, mas a ansiedade difere da mania no sentido de a ansiedade ser uma sentimento
desagradável, ao passo que a mania pode estar associada com sentimentos de bem-
eslar e euforia.

Quadro 1 - Ansiedade e os Cinco Elementos.


Sistema EmoçAo Sinais Tipicos
Coraçáo (X/A/) Ansiedade Palpitação, insônia
Baço (PI) Preocupação Gastrite, náusea
Pulmão (FEI) Medo das perdas Dispnéia, asma
Rim (SHEN) Medo e aproensáo Enurese freqüento, diarréia
Fígado (GAN) Incerteza e irritabilidade Tensão muscular, dor do cabeça
Fonte: Ross (1994, 2003).

Ainda de acordo com a Medicina Tradicional Chinesa os problemas de saúde são


provenientes de causas externas (ex. vento, frio, calor moderado, umidade, secura e calor
exagerado), causas internas (ex. alegria, reflexão, ansiedade, susto, medo, pesar c raiva)
e causas mislas (ex. alimentação, parasitoses, estilo de vida e drogas).
Na feoria dos cinco movimentos (ou elementos) se podem observar a plena relação
entre os fatores físicos e psíquicos, alóm dos órgãos - vísceras (Z<\n#-hh, figura 1, quadro V. e 3.
»0(10
IC or.H .lo)
— "* A lrtffU

' Ir mi
BdVo/IUncrr.u (l’l)
Mnlll.H.lo

Aflu.i M rl.il Figura t * Representação gráfica »1*


R im (Shcn) 1’ ulm .lo (le i)
M*\U» leoria dos Cinco Mementos, lonte
Ross ( tVV4, p.lfW).

98 Armando Ribeiro das Neves Neto


Na leorid dos cinco elementos estão relacionadas ás correspondências entre os
elementos, órgãos-vísceras e emoções. N o ciclo de geração (Shentf), cada emoção pode
aumentar a próxima, pela relação *máe-filho", por exemplo, o medo gera a raiva. No ciclo
de dominação (Ko), cada emoção é restringida pela outra, assim, o medo controla a
alegria e a alegria controla a mágoa (Sussmann, 5*000/ Ross, 1994, 5*003).
Quadro 2 - Fntidados Viscerais e Fisiologia Energética
Funçô*» Plano Plano Plano Plano Plano Plano
YIN Psíquico Intelectual Emocional Energético Fisiológico SomAtlco
Inteligência, Meridiano
SHEN controle Alegria C-ID Fogo
Sr* (Monto) CS- TA
o ~
Mumòria Meridiano
PRO nflo- Tnate/a P - IG Motnl
(Alma declarativa
£ ~ Corpôroa)
-
;

DecisAo, Meridiano
Fígado

HUN coragem, Colera 1 F- VB Madeira


(GAN)

(Alma Et Area) imaginaçAo

Cognição, 1 Meridiano
Yi memória Reflexão <8 BP - E Terra
(Ponsnmonlo) declarativa
Ü
Vontade Meridiano
! (SHEN)

ZHI Modo R -B Agua


Rim

(Força de
Vontade)
.........
!
!

fonte: Ad.ipt.iÇilo dc Cam pifllia (Ï0 0 4 ), M .icioci.i (IW ft ) c Koss (ÿOOj),


Icficinlit: C = u>r.»v«lo( II) = intestino delgado^ CS = cirvuLiçüo-scxualul.uic, I A ® triplo
aquecedor, P « pulm.lo, K / ■ intestino grossoi f = titu lo , V R = vcsicul.i biliar, HP ■
baço-pâncrcas( h ** estômago, R ■ rlm< H ■ bexiga,

Wm dos aspectos mais importantes da Medicina Tradicional Chinesa é a visão


dos sistemas internos como dimensões físicas, mentais e emocionais. Uma ve/ que o
corpo-mente forma um todo integrado e inseparável, as emoções podem não somente
causar um desequilíbrio, como também serem causadas por este. Nos "Três ïesouros* a
I ssência (///>>,») é a matéria básica do O i e da Mente (Shcn), constituindo o fundamento
para um equilíbrio mental e emocional da vida (Morant, 195)4/1990, Maciocia, 199ó).
Sete emoções são consideradas na M IC : fúria, alegria, tristeza, preocupação e
abstração, medo e choque (Maciocia, 1996). Cada emoção afeta particularmente o O i e
um determinado sistema, sendo:
• I úria faz o O i ascender e afeta o f ígado (C}ün),
• Alegria íaz o O i fluir lentamente e afeta o Coração (Xin),
• I riste/a dissolve o O /c afeta o Pulmão (Fcii,
• Preocupação e Abstração paralisam o O i e afetam o Baço ( / ’/) e o Pulmão (Fci),
• Medo faz o O i descender e afeta o Rim (Shcn)t
• Choque dispersa o Oi, afetando o Rim (Shcn) e o Coração (Xin).
O autor Vves Requena (1990, p. 66) no livro "Acupuntura e Psicologia* oferece
exemplos que são de origem popular, como: 'ter o coração pesado', 'cantar de coração

Sobre Com portamento e Cognição 99


alegre", “ter coração", “ter coração mole', "ter o coração alegre", "ter o coração nas mãos",
ou mesmo do provérbio "o coração tem ra/ões que a própria razão desconhece", cujos
significados apontam para a compreensão da atividade psíquica não separada da atividade
orgânica, ou seja, uma falha dos órgãos produz uma modificação do comportamento
psíquico correspondente, ao contrário, uma tendência psíquica excessiva ou errada, causa
a perturbação orgânica correspondente, afirmando ser esta visão primordialmente holística
e psicossomática.
'lambem é possível aplicar o modelo da Acupuntura Constitucional, o que irá definir
a vulnerabilidade específica (física e psíquica) de um ou de outro órgão ou funções chinesas,
para um dado indivíduo. São descritos; a constituição madeira, a constituição metal, a
constituição fogo, a constituição água e a constituição terra, conforme a Teoria dos Cinco
Mementos.
Requena (1990) ainda aponta para a possibilidade de classificar o ser humano em
tipos psicossomáticos (temperamentos) em função de seis energias e de seis meridianos
do corpo, consistindo em:
Lü Y,Wtf (fogo • Agua)/
Shtio Yiin# (Madeira • Fogo)/
YiUifí M in # ( Terra - Metal)/
/,// \in (lerra - Metal)/
S/mo Yin (Agua - f ogo)/
!uc Yin (Madeira • fogo).

Quadro 3 - Manifes taçôes psíquica s e clinicas dos Zang, conforme o estado enorgético.
Zang Vazio de Plenitude de Vazio de Sintomalogia clínica
Yín Qi Yang QI Yang Qi
Alegria Ansiedade Choros Palpitação, insônia, confusão mental,
Coração

sonhos abundantes, agitação mental,


__________
(Xin)

taquipsiquismo, risos o choros sem


causa, perturbações da consciência.
1

Indecisão, Raiva, ira, Labilidade Agitação psicomotora, mente deprimida,


Fígado

apreensão cólera, emocional irritação, perturbação do sono, sonhos


(Gan)

revolta o ódio excessivos, palpitações, amnésia.

Reflexão, Obsessão, Astenia Neurastenia, triste/.a, amnésia,


ST preocupação idéias fixas mental inapetência, astenia psíquica.

í
CO

Tristeza Angústia Depressão Fadigabilidade, baixa energia,


hiporreflexia.
ii
Cl

Medo, pavor Autoritarismo desânimo Desânimo, astenia psíquica, falta de

■6
K 2,
I e pftnico decisão.

Fonte: Ross (2003).

Armando Ribeiro das Neves Neto


Acupuntura Auricular c Ansiedade

Dentro tios microssistemas da Acupuntura, a Acupuntura Auricular é, na atualidade,


um dos mais populares, tanto dentro como fora da China, c um método que conseguiu
impor-se pelos resultados obtido e por ser geralmente pouco invasivo, o que faz com que
seja bem aceito pelos pacientes.
Os pontos auriculares referem-se aos locais que conectam a orelha aos órgãos
internos, aos canais c colaterais, aos tecidos, aos membros e ossos. São também, as
passagens pelos quais a energia O i dos órgãos Zang-hu e dos canais de energia são
transportados até a superfície auricular. Desta forma, os pontos auiiculares são nomes
genéricos das zonas auriculares que podem refletir a função fisiológica e á mudança
patológica, e através destes pontos específicos pode-se diagnosticai e tratar as
enfermidades (I luang, ÜOOÜ).
Nos textos antigos, como o Hutin# Ti N c i Hng, já se justificava a estreita relação
do pavilhão auricular com o resto do corpo, além de fazer menção ao uso do pavilhão
auricular como método diagnóstico (ex. através do tamanho, textura, coloração e forma,
determinavam o estado dos Zang-hi). Os canais e colaterais atravessam, se detém, se
reúnem e se agrupam no pavilhão da orelha. O que constitui a base teórica para o
desenvolvimento do tratamento auricular. O /./>;# Shu, no capítulo "Perguntas e Respostas",
referem: "ludo se reúne no Zon# M ,ii da orelha', e também os antigos chineses expressavam:
"O interno se reflete através da forma externa".
De arordo com Qarcia ÍÜ003) no <ino de 1HHH, período em que ainda dominava a
dinastia Oin, os médicos Zhang Zhen Oin e seu irmão Zhang I i Shang, escreveram um
livro intitulado */./ Zhcn A/«/ M o Y,io ShW, onde se realiza pela primeira vez a localização
dos cinco órgãos no dorso da orelha c constitui, dlém dislo, a base da teoria dos
microssistemas na China.
O desenvolvimento da Acupuntura Auricular pode
ser didaticamente dividido em (rés etapas que são: década
de bO a ÓO, das décadas de 60 a HO e da década de HO até
a atualidade.
Em 1956, no distrito de (*,// Xi, da província de
ShiUi Poriff, se expôs uma tese sobre o tratamento da
amigdalite aguda com a Acupuntura Auricular. Em
dezembro de I95H, Ye Xiao W u publica na revista de
M edicina de Iradiciona l de Shangai os estudos
realizados pelo médico francês Paul Nogier, sobre a
relação de certas zonas do pavilhão da orelha, com os
órgãos internos, a partir da observação das mudanças
que se produziam no pavilhão auricular, frente a
processos patológicos dos órgãos internos, Paul Nogier
foi o primeiro a representar na orelha um feto em posição
pré-natal (figura 2).
É importante descrever que por volta de W bl,
alguns médicos da região de l.yon (França) começaram F ig u ra 2 - Representação do feto
a receber em suas consultas doentes portadores de uma invert|do conceltuallzado
. . , , . . i, . . primeiramente pelo médico francês
curiosa cauterização no pavilhão auricular, para alívio de pau, Nogjer Fonte; Huang (2002)

Sobre ComiHjrl.iirienIo c CognlçJo 101


nevralgia do tipo ciático. Paul Nogier, foi um destes médicos que intricado com esta
cauterização, começou a rcali/ar estimulações em outros pontos auriculares, descobrindo
que pontos no pavilhão auricular poderiam estar relacionados a outras regiões corporais.
Paul Nogier então relata:

"f oi ii m edicina com as mJos que me colocou no cam inho . Sabendo quanto o
bloqu eio da qu in ta vértebra lo m bar é freqüente nas nevralgias ciáticas, tiv e a
idéia de que o ponto cauterizado agia sobre essa mesma vértebra. A antélicc me
apareceu, cnM o, como a im agem da coluna ve rte b ra l, cujas parles estariam
todas in ve rtid a s, as vértebras lom bares acima e as cervicais abaixo. A s s im , o
pavilhão, cm seu lodo, teria representado a imagem de um feto no útero." (p. 16).

Nas décadas de 60 a 70, a Acupuntura Auricular na China obteve um grande


impulso, aprofundando-se mais no conhecimento dos pontos auriculares, este constitui o
período no qual o diagnóstico, tratamento e desciição dos pontos auriculares checam a
seu mais alto grau. A descrição de patologias tratadas com este método, também obteve
um amplo desenvolvimento, chegando-se a validar o tratamento em torno de IbO patologias,
distribuídas cm enfermidades de medicina interna, cirurgia, ginecologia, pediatria,
otorrinolaringologia, ortopedia, etc. O tratamento com Acupuntura Auricular, não só se
reduziu ás enfermidades agudas ou crônicas de caráter funcional, como abiangeu, também,
as enfermidades de caráter epidêmico e infeccioso.
Na década de HO até a atualidade, observa-se o avanço no estudo dos mecanismos
neuiopsícofisiológicos pelos quais atua a Acupuntura Auricular (figura 3).

I ifjurfl 3 • Avaliaç.lo da eslimulafiU) auricular (ponto dedo* do pf, segundo Paul Nogier)
através d.« Ressonância Magnética Funtlou.il - IM R I, foram observados alterações funcionais
na .Uca somestésica S I. fonte: A lim l el ai. (¥000).

Atualmente também podemos encontrar mapas anatômicos e sistemas de Acupuntura


Auricular distintos, originados de fontes de pesquisa em diversas regiões do mundo.
A ansiedade é uma das queixas mais frequentemente observadas na prática
clínica, o começo da enfermidade, geralmente, se produz durante a juventude, chegando
a instalar-se com certa cronicidade. t causada com maior freqüência pela atividade mental
excessiva, o trabalho intelectual por tempo prolongado ou por trauma psicológico, o que
leva á debilidade da mente e à superexcitação do córtex cerebral, produzindo sintomas
como; insônia, dificuldade para entrar no sono, sono leve com fácil despertar e poucas
horas de sono, cm casos graves, o paciente passa toda a noite sem dormir, apresenta

102 Armando Ribeiro das Neves Neto


pesadelos, palpitações, sudorese, irritabilidade, astenia gerai c perda da memória,
Para a Medicina I radicional Chinesa, esta patologia é denominada Ru M c i
que pode ser traduzida como perda do sono. De acordo com a eliopalogenia, esla
relacionada com lesões do baço e coração ou do sangue c da energia, produto do trabalho
mental excessivo ou da preocupação excessiva, outra causa pode ser a atividade sexual
em excesso que lesiona o Yin do rim favorecendo a subida do fogo, produzindo-se uma
falta de comunicação entre coração e rim. 'lambem, a alimentação inadequada que provoca
a desarmonia entre baço e estômago é outra das causas que favorece o acúmulo de
umidade e por sua vez de fleuma, a fleuma acumulada se transforma em calor, fleuma e
calor combinados ascendem para prejudicar o coração c o espírito. A repressão de
sentimentos c a irrit<ibiliil<nlc provocitm ascensão de fogo do fígado, sendo outra das
causas da enfermidade.
Quanto ao principio geral de seleção dos pontos auriculares para o tratamento
das enfermidades, I luang (SU)OÜ) cila cinco métodos principais que devem guiar o tratamento.
1. Seleção (ões) de ponto (s) auricular (es) correspondente (s) a (s) zona (s) afetada (s).
Seleção de ponto (s) auricular (es) segundo a Teoria da Diferenciação deSíndromes
e/ou Padrões de Desarmonia, mediante a análise das mudançaspatológicas das
vísceras e de suas inter-relaçòes, e a Teoria dos Canais e Colaterais.
3. Seleção (ões) de ponto (s) auricular (es) segundo a teoria médica moderna
(neurofisiológica).
4. Seleção de ponto (s) auricular (es) segundo os seus efeitos.
b. Seleção de ponto (s) auricular (es) segundo a experiência clínica.

Diversos autores relatam os principais pontos de tratamento para a ansiedade,


sendo os mais relevantes:
• Sangria no ápice/
• Shcn Mcn,
• Coração/
• Subcórtex,
• Occipital/
• Area c ponto de neurastenia.
Pontos secundários:
• Se deficiência de coração e baço: Uaço;
• Se estase de O i do ligado e ascensão deQ i de fígado: fígado/
• Se deficiência de coração e vesícula biliar: VesicularUiliai/
• Se perda de comunicação entre coração e rim: Rim/
• Sc desarmonia de estômago: I stômago.
Segundo frnesto C/. C/arcía (1999) a explicação dos pontos utilizados acima,
justifica-se:
• >'//(•// M cn, occipital e subeórtex: a insônia é a perda do equilíbrio depressão -
excitação do córtex cerebral, a atividade nervosa superior perde sua normalidade.

Sobre (.'omporl.imento c Connivdo


Através destes três pontos, é regulada a função do córtex cerebral, seda-se e acalma
o espírito e sc facilita o sono.
• Coração: o coração contiola a atividade espiritual do ser humano, quando se
produz uma deficiência de Yang do coração aparecem sintomas de neuiastenia,
insônia, perda de memória, debilidade corporal e perda de torça. Caso haja dcficiC*ncia
de Y in do coração, supcrcxcita-se o sistema simpático, aparecendo neurastenia
acompanhada de sintomas tais como palpitação, hiperidrose, irritabilidade, etc.
Selecionando o ponto coração, tranqüiliza-se a mente e sc acalma o espirito.
• Sangria no ápice da orelha: tem função sedante e clareia a mente.
• Arca e ponto de neurastenia: estes são dois pontos que facilitam o sono, com a
área de neurastenia sc garante a entrada rápida no sono e se evitam os sonhos
excessivos e os pesadelos. C) ponto de neurastenia garante que o sono seja profundo
e prolongado.
• Haço: através deste ponto, fortalece-se o baço, c sc tonifica a energia, garantindo
com isto que sc nutra a mente e se tranqüilize o espírito.
• Fígado: o Fígado armazena o espírito, de sua correia função de drenagem e
dispersão depende a boa atividade espiritual, assim, quando se produz estagnação
de O i do Fígado é comum aparecerem os sintomas de irritabilidade, insônia e
depressão. Através deste ponto, !ogram-se eliminar as estagnações e se restabelece
a função hepática.
• Vesícula Hiliar: A Vesícula Biliar guarda relação exterior e interior como o Fígado,
na neurastenia causada por deficiência de coração e vesícula biliar, este ponto ajuda
a acalmar o susto e tranqüilizar o espírito.
• Rim: A Medicina Tradicional Chinesa considera que o rim gera tanto a medula
óssea como a espinhal c que o cérebro é o mar da medula, assim, quando o O i e a
essência do rim são abundantes, a capacidade mental é ativa, mas, quando o O i do
rim é insuficiente aparece debilidade da região lombar c das pernas, fadiga c falta de
força dos membros, insônia, perda de memória, vertigem e tinido. Selecionando o
ponto rim, tonifica-sc a mente, o coração e o espírito, garante-se a correta comunicação
entre coração c rim e, portanto, o satisfatório equilíbrio do Yin c o Yang superior e
inferior.
• hstòmago: quando a função do estômago não é harmoniosa, a pessoa não
consegue dormir tranquilamente, desta maneira, selecionando o ponto estômago,
facilita-se o sono e se tranqüiliza o espírito.
De acordo com l.i-Chun 1 luang (1999/ ÜOOÜ) tratamento poderia ser complementado
pelos pontos:
• Ansiedade: é o ponto principal utilizado para diagnosticar e tratar as enfermidades
do sistema emocional - ansiedade, estresse, depressão, nervosismo e fadiga.
• Felicidade: é o ponto principal utilizado para diagnosticar e tratar as enfermidades
do sistema emocional - ansiedade, estresse, depressão, nervosismo c fadiga.
Ainda para Terry Oleson (1998), o tratamento poderá ser suplementado através
dos seguintes pontos:
• Sistema nervoso simpático: é o ponto mestre que ativa o equilíbrio entre o
funcionamento do sistema nervoso autonômico simpático e parassimpático.

Armando Ribeiro das Neves Neto


• I ranquili/ação: tem d função de produzir efeito sedativo geral, facilitando o
relaxamento e aliviando a ansiedade.
• Ponto Zero: fem a função de estim ular o equilíbrio homeostático geral do
orga nismo.
• Reações psicossomáticas: a lív io de distúrbios psicológicos, experiências
emocionais reprimidas.
• Nervosismo: alivio da ansiedade, preocupação, neurose e neurastenia.
Para Paul Nogier (199H) e Raphael Nogier (5*003), da escola de Acupuntura Auricular
f-ranccsa, o tratamento da ansiedade e angústia deve seguir alguns pré-requisitos
fundamentais, como: elaboração de uma dieta hipo-alergénica (ex. evitar laticínios, cereais,
ovos, tomates e chocolates), alimentos que podem aumentar a ansiedade (ex. álcool,
crustáceos, conservantes e corantes e etc.), medicações ansiolíticas (pois mascaram os
sintomas sem resolver o problema de base).
Os pontos principais sào:
• Ponto do olho: ação secundária equilíbrio vagossimpático, sono e tònus,
• Ponto subcortical,
• Ponto do anti-hélix,
• Ponto do cóitex,
• Ponto do hélix,
• Ponto O ',
• Ponto do tstômago: açào secundária agindo sobre as vísceras abdominais, e a
emotividade,
• Ponto de Alergia; ação sobre perturbações da afetividade,
• Ponto do Rim: ação secundária sobre o funcionamento do sistemavagossimpático,
psiquismo, "complexos infantis" e "problemas psicanalíticos",
• Ponto do Pancreas: ação secundária sobre equilíbrio vagossimpático, afetividade,
angustia e obsessão.
Para l-u W on Lee (5*005) representante da escola coreana em nosso meio, o
tratamento através da Acupuntura Auricular para a ansiedade (referida como neurastenia)
consiste nos seguintes pontos;
• Ponto do Rim,
• Ponto Shcn Men,
• Ponto Occipital,
• Ponto do Coração;
• Ponto do í stõmago,
• Ponto do Subcórtex.
N o Brasil entre os representantes da escola de Acupuntura Auricular destacam-
se: Sou/a (1990/5*001), Dulcetti lúnior (1994), Boucinhas (1997) e Rcichmann (5*005*). Os
pontos auriculares para o tratamento da ansiedade descritos pelos autores são:
Sou/a (1990/5*001)
O autor descreve o uso de três pontos principais, como início para qualquer tipo

Sobre Com portamento e Cotfmv<l<>


tie programa (denominado Aurículoeibernéfiea ou Triângulo Cibernético) tie tratamento
auricular, consistindo cm: Shen Men, Rim e Simpático. Os demais pontos para ansiedade
são:
• Ponto Slien Men - tonificaçào;
• Ponto Simpático - tonificaçào;
• Ponto Rim - sedação;
• Ponto Coiação - sedação,-
• [’ onto Occipital - tonificaçào;
• Ponto hstòmago - sedação;
• Ponto Subcórtex - sedação.
Dulcetti Júnior (1994)
• Ponto Shen M eii;
• Ponto Coração*
• Ponto Rim;
• Ponto FstómagO;
• Porta da I-moção,
• Apex do ante-hclix;
• Ponto Simpático.
Boucinhas (I997)
• Area do anti-trago.
Reichmann (200ü)
• Dorso da orelha;
• Ponto da Neurastenia;
• Ponto Shen Men;
• Ponto Rim;
• Ponto Occipital;
• Ponto Coração;
• Ponto [-stômago (subcórtex).

A n s ie d a d e e P s ic o lo g ia

Frn IHH3, Pavlov descreve trabalhos sobre a neurose experimental cm animais,


f-m IH94, Freud conceituou a neurose de angústia como "síndrome discreta, diferenciada
da neurastenia" sendo mais tarde compreendida como um problema fundamental em todas
as formações de sintomas neuróticos.
A função da ansiedade em recentes trabalhos no campo das Terapias Cognitivas
e Comportamentais é da redução do desconforto, a experiência de desconforto impulsiona
a pessoa a fa/cr alguma coisa para diminuí-lo ou eliminá-lo, aumentando o grau de vigília,
ampliando a capacidade de agir em situações de estresse c como sintoma comum a
diversas doenças físicas (ex. doença arterial coronariana e síndrome do cólon irritável) e
psíquicas (ex. transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de pânico). £ o sintoma
predominante de um grupo de transtornos em que se incluem as fobias (específica e

106 Armando Ribeiro das Neves Neto


social), o transtorno dc pânico, o transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno dc ansiedade
generalizada, o fransforno de estresse agudo e o transtorno de estresse pós-fraumático
(American Psychiatric Association, 1997/ Kaplan et al., 1997/ Davison 4 Ncale, 2003),
Para C/oldbcrg e Huxley (1996) os sintomas ansiosos sào formas desadaptativas
dc enfrentamento [copirtf?) que podem ajudar o indivíduo a evitar situações estressantes,
redu/ir o próprio sentido de responsabilidade para a situação que se está envolvido c
aliviar a experiência de dores preexistentes e de desconforto.
As íerap/as Cognitivas e Comporhmienhis vem desenvolvendo um modelo leórico
sobre o papel das distorções cognitivas no desencadeamento e manutenção dos sintomas
ansiosos (cognitivos, emocionais, comportamentais e fisiológicos), como ilustrado na figura 4.

Titfura 4 - Paradigma da Terapia Cogmhvo-Comportamental.


Fonte Neve* Neto (¥003).

Para explicar o paradigma da Terapia Cognilivo-Coinportamental busca-se entender


0 papel das cognições (pensamentos, valores, atribuições) como procipiladoras de reações
emocionais (ex. ansiedade, triste/a), comportamentais (ex. esquiva-fuga) e fisiológicas
(cx. batimentos cardíacos) coerentes com a inteipretaçâo das situações de vida (Sloudemire,
2000, Neves Neto, 2003, 2004, 200b). f importante ressaltai a origem filosófica desta
abordagem psicológica que fa/ contato com o estoicismo (como principal representante o
filósofo f picíeto) e com a filosofia orientai budista.
Atualmente vem sendo reconhecida pela Organização Mundial da Saúde c diversos
institutos nacionais de saúde a sua eficácia para o tratamento da ansiedade (Davison &
Neaíc, 2003/ Neves Neto, 2003).
Diversos autores vêm buscando estudar a integração da psicoterapia (como é
praticada no ocidente) â Acupuntura « M I C , com perspectiva de sucesso (Watts, 1961,
1anza, IVKó, frc/ic, IV97, VVlifte, 2000, Ross, 2002, Smiffi et a/., 2002, / faws & I ake,
2003, ianaka, 2003, Schrcibcr-Scrvan, 2004).

An si edade e Psiquiatria

A corrente da psiquiatria biológica vai explicar a origem dos sintomas ansiosos


através da estimulação do sistema nervoso autonômico, como a manifestação periférica

Sobre Com portamento c Cognição


da ansiedade, quadro 5. Os três principais ncurotransmissores associados d dnsicdddc
Stlo d noradrenalina, scrotonind c ácido gama-aminobutirico (C/ANA) (Kaplan ct al., 1997).

Q u a d ro 5 - Manifestações periféricas da ansiedade.


Diarréia Tontura
Hiperidrose Hiper-reflexia
Hipertensão Palpitacflo
Midriase pupilar Inauietaçâo
Sincope Taquicardia
Formigamento das extremidades Tremores
Desconforto abdominal Urgência urinária

hstudos dc imagem ccrcbral dcscrcvcm um aumcnlo de tamanho dos ventrículos


cerebrais, e os exdmes de elctrocncefalografia rcldtam anormalidades no córtex frontal,
nas áreas occipitais e temporais.
Os estudos genéticos apontam para a forte existência dc componentes genéticos
no desenvolvimento dc transtornos dc ansiedade.
0 tratamento farmacológico da ansieddde freqüentemente é dssociado a utilização
de bcn/odiazepínicos (ex. Piazcpam), antidepressivos tricíclicos (ex. Imipramuid) e inibidores
seletivos de recaptaçao da serotonind (ex. Sertrdlina). I importante destacar o giande número
de efeitos coldterdis das medicdções dnsioliticds, por exemplo: bocd secd, constipaçáo,
visao borrada, sedaçào, alteração dd pressão ortostática, disfunção scxudl, distúrbios
gdstrintestindis, insônid e dependência (Kaplan ct dl., 1997, Hdws & I ake, 2003).

Objetivos

!) Revisar criticamente a literatura científica cm bases de dados sobre o tratamento da


ansieddde dtrdvés dd Medicina ‘tradicional Chinesa, especificamente da Acupuntura
Auricular.
ü) Descrever os principais resultados encontrados em ensaios clínicos controlddos
sobre a eficácia da Acupuntura Auriculdr no trdtdinenlo dd dnsiedade, seguindo a
classificação do grau de recomendação e forçd dc evidência.

Metodologia

1 rata-se de um estudo de revis.lo sistemática da literatura. Realizavd-sc


consultddds ás seguintes bases de dados:
* Medline*
* |.ÍldCSâ
* S cielo4
* Cochrane Library*
* Biblioteca V irtual em Saúde ÍNVS-PSI) *
* MPConsult*
* Medscape*
* Periódicos C A P tS *
* Acubriefs Rcview*
O levantamento das referências bibliográficas relevantes foram efetuadas no Centro
l atino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Hircme) da Universidade

108 Mônicd C/crdldl Vdlcntim


Federal do São Paulo em associação a Organização Panamericana da Saúde (OPAS) c
Organização M undial da Saúde (OMS), além do Serviço de Biblioteca e Informação do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP).
I oram utilizados os seguintes descritores: Acupuntura Auricular, Auriculoterapia,
Auriculomedicina, Ansiedade, e em inRlês: Auriculdr Acupuncturc, Auricu/othcr,ipy,
Auriculomcdianc, bar Acupuncturc, Anxicty.
Os principais resultados foram avaliados segundo o grau de recomendação e
força de evidência, conforme a classificação de Berman, Swyers & Fzzo (2000), abaixo:
I- I vidência de ao menos uma revisão sistemática de múltiplos e bem padronizados
ensaios clínicos randomizados com controle,
II- Fvidcncia de ao menos um ensaio clínico randomizado com controle, bem projetado
e de tamanho apropriado,
III- Fvidência de ensaios não randomizados, bem projetados, de um grupo de estudos
pré e pós, série de casos ou estudos pareados com controle,
IV- f-vidência de estudos não experimentais bem projetados, multicênlricos ou grupos
de pesquisa,
V- Opiniões de autoridades respeitadas, baseadas cm evidências clínicas, estudos
descritivos ou pesquisas de comitês de especialistas.
A m clodologid empregada, tamanho da amosfra, uso dc grupo controle,
randomização e mascaramcnto também foram considerados na análise.
O levantamento de dados ocorrera até o dia 20/12/2004, com os artigos indexados
nos bancos de dados pesquisados até este momento.

R es u l t a do s

Foram encontrados 77 aitigos que possuíam as palavras*chavcs utilizadas como


delimitadores da revisão da literatura, consistindo principalmente em estudos de revisão e
estudos experimentais, como pode ser observado na labela 1,

Tabela 1 - Resultados dos artigos encontrados através de pesquisa realizada em banco de


dados indexados.
Mecanismo d« Busca Freqüência %
Medline* 7 9,09
Lilacs5' 0 0,00
Scielo*1 0 0,00
Cochrane Library® 11 14,29
Biblioteca Virtual em Saúde 0 0,00
(BVS - Psi)
M DConsult" 13 16,88
Medscape* 2 2,60
Periódicos CAPES* 36 46,75
Acubriefs Review1* 8 10,39
Total 77 100,00

A partir do levantamento dos artigos existentes foram excluídos os estudos que


relacionavam outras formas de acupuntura que não a auricular, os estudos de revisão e
teóricos - conceituais. N o quadro ó são descritos os 4 trabalhos que preencheram os
critérios delimitadores: acupuntura auricular, ansiedade, ensaio clínico.

Sobre C o m p o rt.im rn lo c C o fin íçào


Q u a d ro 6 - Descrtçào do» estudos dinicos sobre o uso da Acupuntura Auricular no tratamento
da ansiedade qua preencheram os entérios de tnciusflo da pesQuiaa.
Aulor Ano Tltulo Periódico
Kober et al. 2003 "Auricular acupressure as a treatment for Anesthesiology
anxioty in prehospital transport settings'.
B«rm<in A 20Õ2 "Auricular acupuncture In prison psychiatric Acta Psychiatry
Lundbera units a pilot study". Scandinavian
Shu Mlng et al. 2001 “The use of auricular acupuncture to reduce Anesthesia &
preoperative anxiety" Analgesia
Shu-Ming 4 Kain 2001 "Auricular acupuncture, a potential treatment Anesthesia &
for anxiety^________ Analgesia

Os estudos descritos no quadro 6 foram produzidos por centros internacionais de


pesquisa (principalmente H / A e I uropa), e receberam apoio institucional de grandes
universidades (exemplos: \U!e Umversity Schoo! ot Medicine, University o í Viennd e
Pcp,irfmcnf otPsycholofiy Stockholm UnivcrsUrf. ( também importante salientar que sào
estudos realizados por equipes multiprofissionais, compostas por acupunturistas ( l.iccnxed
Acupundurist, L A c.), médicos (M cd ia t! Doctor, M .P .), bacharéis em ciências (fíü d u/vl
in Science, U.S.) etc.
No quadro 7 são apresentados os níveis de evidência para os estudos pesquisados,
na tabela V. sào descritas às características metodológicas, e na figura b o gráfico
descrevendo a amostragem dos estudos selecionados.

Quadro 7 - Descrição dos ostudos clínicos sobro o uso da Acupuntura Auricular no tratamento
da ansiodado o o nlvol de evidência pare análise critica do um ostudo clon11fico.
Autor Ano Nivel de Evidência
Kober et al | 2003 III
Berman ft I undberg [ 2002 III
Shu-Ming et al I 2001 n
Shu-Ming A Kain 1 2001 ii

Tabela 2 - Descrição das motodologiaa ompregndas nos estudos sobre Acupuntura Auricular
no tratamento da ansiedade
Estudo Desonho do Estudo Resultados

EC; GC; R; M « Ansiedade (p ■ 0,002)


1 Percepção aa Dor (p ■ 0,006)
Melhor» da condlçAo clinica (p ■ 0,014)

EC; GC I Nivel da Cortisol (pic/ml) (p < 0,10)


i Prescnçfto dr psicotrópicos (p ■ 0,043)
Î Escala do Autonomia (p » 0,013)

EC; GC; R, M
i Escala Traço-Estado de Ansiedade do Sptnlberg (p

f1 -0,014)

4 Escala Traço-Estado d» Ansiedade de Spleiberg (p


■0,001)
EC; GC; R; M AlteraçAo eletrodérmica da peie da pele (Ohm),
PrnssAo arterial (mmHg) e batlmunto cardíaco (bpm)
iPJlOiOÇL
Legenda. T ■ aumento, 1 ■ diminuiçAo, EC ■ Ensaio Clinico; GC ■ Grupo Controie; R ■
Randoml/açSo; M ■ Mascaramento

Armando Ribeiro das Neves Neto


O K obaratal. (3003) ■Bwm so & Lur>db*íg (7002)
OShu-MInu * al. (2001) □■hihMtiig • Katn (2001)

figura S - I)fscríç.lo d.i Ireqüfnci.t (total =* H04) dc sujeitos


participantes dos estudos clínicos sclecioiiitdos.

A faixa etária dos participantes dos estudos selecionados era dc 19 a H9 anos.


Podemos observar na tabela y. que para a maioria dos esludos selecionados
obteve-se significância estatística (p < 0,05) que sustenta a eficácia da Acupuntura Auricular
para o tratamento da ansiedade. Os esludos sáo metodologicamente bem delineados,
mas notam-se ainda alguns problemas, como: tamanho da amostra, seguimento terapêutico
com um tempo maior de acompanhamento (estudos de follow-up), estudos comparando o
uso de Acupuntura A u ricu la r e métodos terapêuticos tradicionais (ex. psicolerapia,
íarmacoterapia e etc.).
N o quadro 8 são apresentadas informações relativas aos ponlos auriculares
utilizados nos esludos selecionados, e na figura 6 a descrição dos materiais utilizados
para estimulação dos ponlos.

Quadro 8 * Oescriçfto dos pontos auriculares utilizados nos ostudos clínicos.

Estudo Pontos Auriculares


Kotwr el al. Ponto do relaxamento, Ponto Shen Men,
(2003) Ponto Sham (placebo)
Borrnan & Lundborq Pontos de acordo com o diagnóstico individual
(2002)
Shu-Ming et al. Ponto do rim, Ponto do coração. Ponto Shen
l(2001) Men
Shu-Mmg & Kain (2001) Ponto de relaxamento, Ponto Shen Men,
Ponto Sham (placebo)

C) ponto Shcn-Mcn foi a base para 3 dos quatro esludos selecionados, reforçando
sua importância para a prática da Acupuntura Auricular. O ponto Shüm, foi utilizado em 1
estudos como recurso principal do grupo controle. Quanto ao número de sessões descreve-
se de I a H3 consultas (unidades psiquiátricas no presídio).

Sobre Com portamento e CofjniÇilo 111


BAgulha Flllform# B Esfara Matálica

Figura 6 - Descrição dos materiais utilizados para a execução


da Acupuntura Auricular nos estudos clínicos selecionados.

h>ram utilizados em 7b% dos estudos agulha filiforme de «iço inoxidável produzidas
pela indústria jdponesd S ciritf e peld ehinesd Su/hou\ o tamanho descrito eid dc 0,22 x
0,13 mm.

Discussão

O estudo dtingiu seu principdl objetivo que erd revisdr criticdmenle d literatura
cientificd sobre o trdldmento dd dnsieddde através da Acupuntura Auricular - Medicina
írddiciondl Chinesa.
Observa-se que a literatura é relativamente atual, o que retorça a concepção de
que neste momento sócio-histórico busca-se submeter â prática médica oriental milenar
dos métodos e procedimentos de avaliação da ciência moderna ocidental. Não que se
duvide de seu valor pragmático e efetivo, mas que a integração destas duas concepções
diferentes sobre o processo de adoecer trás a necessidade da liaduçâo e compreensão
dc parte de seus efeitos clínicos em termos da atual linguagem das ciências da saúde.
Observa-se que dos quatro estudos selecionados metade atendia a classilicação II e a
outra metade a III, o que reforça o empenho dos cientistas ocidentais cm buscarem níveis
dc evidência científica que apóiam a utilização da Acupuntura Auricular - M I C no ocidcnle.
A prática da Acupuntura Auricular para o tratamento da ansiedade, ainda é uma
noviddde em nosso meio científico e dssistencidl. A dnsieddde é um transtorno mental que
afeta uma grande parcela da população, e os meios de tratamento ainda não são totalmente
elicazes para muitas pessoas acometidas por esses sintomas e sinais. Isso torna a
Acupuntura -- M edicina Iradicional Chinesa uma opção interessante que poderá ser
incorporada â prática clínica e aos estudos científicos da área de saúde mental.
A nosso ver, a Acupuntura Auricular apresenta algumas vantagens em relação ás
práticas contemporâneas, sendo elas: visão holíslica do in divídu o (ex. modelo
biopsicossocial e espiritual e abordagem psicossomática), busca do reequilíbrio do indivíduo
(homeoslase), baixo custo financeiro, baixíssimos efeitos colaterais (ex. inflamação do
pavilhão auricular por falta de anli-sepsia adequada, pericondrite), diversidade de estimulações
(ex. agulhas filiformes, agulhas semi-permanentes, sementes, esferas, laser, moxabustâo
e etc.), praticidade da aplicação, resposta rápida do organismo com duração de dias a
semanas (ex. a partir dc 1 b a 20 minutos, podendo durar algumas semanas), possibilidade
de ser utilizada cm diversos settings terapêuticos (ex. consultórios, ambulatórios, hospital

112 Armando Ribeiro das Neves Neto


dia, pronto-socorro, unidade de terapia intensiva, postos dc saúde e etc.), possibilidade dc
scr estratégia principal ou complementar as abordagens psicoterápicas, além da
possibilidade dc redução c/ou interrupção da administração dc psicofármacos, entre outros.
A principal crítica aos estudos encontrados, deve-se a pouca participação de
psicólogos c centros dc Psicologia Aplicada no desenvolvimento e incorporação da
Acupuntura Auricular - Medicina Tradicional Chinesa cm suas práticas contemporâneas.
Intendemos que a Psicologia faça parte do campo da saúde, c que seus recursos são
importantes, mas que apresentam limitações para muitas condições dc saúde agudas c/
ou crônicas cm que os fatores biopsicossociais c espirituais estão associados. A hegemonia
da Psicologia americana e européia ainda ofusca as práticas orientais dc cura, dificultando
o acesso c a disseminação deste saber. Não podemos esquecer que tanto a filosofia
Taoísta, quanto a própria origem da Medicina Tradicional Chinesa já desenvolviam no cerne
de suas teorias uma visão holística do homem c da nature/a, o que só veio a se destacar
a partir do século X X na cultura médica ocidental.
Políticas dc fomento para o desenvolvimento da Acupuntura no ensino da
Psicologia, são os nossos objetivos atuais. Mas para isso, é necessário que tenhamos
uma maior participação dc psicólogos na construção deste caminho dc interligação entre
as escolas psicológicas tradicionais c Acupuntura Tradicional. Alguns passos já estão
sendo realizados, como: Resolução do Conselho f ederal de Psicologia sobre a Prática da
Acupuntura cm Psicologia (N°. 0 0 b / 2 0 0 2 ), criação da Sociedade Brasileira dc Psicologia
e Acupuntura (SOBRAPA), Carta Aberta dc Balneário de Camboriú pela Acupuntura (2003)
sobre a prática da acupuntura multiprofissional e a discussão da inclusão no currículo dos
cursos superiores da área da saúde dc uma disciplina dc fundamentos em acupuntura
tradicional chinesa, c do estímulo ao desenvolvimento de trabalhos acadêmicos c científicos
como esta monografia.

Conclusão

A Acupuntura Auricular foi segura e efetiva para o tratamento da ansiedade nos 04


estudos selecionados, atingindo níveis de evidência científica grau II e III. Novos estudos
são necessários para aumentar o conhecimento sobre os mecanismos psicofisiológicos c
energéticos do tratamento, c sua aplicação a diversos contextos terapêuticos.

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1ederal de S.lo Paulo, S<1o Paulo.

Armando Ribeiro das Neves Ncto


Capítulo 11

M eu Tio da América1:
Inovação há 25 anos
Hcrthinl Riintfó1*

MEU TIO DA AMERICA (Mon Oncle d'Amérique) é um filme do diretor ALAIN


RESNAIS, baseado num roteiro de JEAN GRUAULT, que obteve os prêmios de Melhor
Filme Estrangeiro da Associação de Críticos de Filmes de Nova York de 1980 e o Prêmio
Especial do Juri do Festival de Cinema de Cannes de 1980. Conta a história de três
personagens oriundos de gerações e origens diferentes, cujas trajetórias os fazem
encontrarem-se em algum momento da meia idade, encarando seus desapontamentos e
suas frustrações. O primeiro deles é o personagem interpretado por Roger Pierre, JEAN
LE GALL, um intelectual aristocrata que tem uma vila perto do mar, na Bretanha; a segunda
é JANINE GARNIER, interpretada por Nicole Garcia, que interpreta uma filha única de um
operário comunista casado com sua mãe; e o terceiro, RENÉ RAGUENEAU, interpretado
por Gérard Depardieu, vem de uma família de pequenos proprietários rurais.
O filme começa com o famoso neurocientista HENRI LABORIT que falando em
offiaz comentários sobre as pulsões básicas dos seres humanos:
"La seule raison d'être d'un être c ’est d'être." [A única razão de ser de um ser ó ser.]
HENRI LABORIT continua falando que as plantas tomam energia do Sol para sobreviver;
os animais adquirem mobilidade para ter mais acesso à energia já transformada pelas
plantas. Assim, o Sistema Nervoso (SN) permite ações para a sobrevivência, havendo,
' Mon Oncle D'Amérique, ©New Yorker Video, 16 West 61 st Street, New York, NY
^Programa de Pós-Graduaçâo em Psicologia, Instituto de Psicologia da UFRJ Endereço para correspondência:
Centro de Psicoterapla Cognitiva do Rio de Janeiro, Rua Visconde de Pirajá 547 sala 608, Ipanema, Ed.
Ipanema 2000, Rio de Janeiro, RJ, CEP 22415-900, Telefax +55-21-2259-7949, brange@terra.com.br
‘ Professor do Programa de Pós-Graduaçâo em Psicologia, Instituto de Psicologia, UFRJ

Sobro ("omportiimcnlo c Cogniçilo 117


segundo ele, quatro comportamentos fundamentais: (1) consumo; (2) luta; (3) fuga e (4)
inibição. [Adiante se verá como isso tem relações com uma moderna teoria das emoções,
a de Robert Plutchik.] Diz Laborit: “O cérebro não serve apenas para pensar mas para
agir."
Na INTRODUÇÃO, aparecem as vozes dos personagens misturadas identificando-se e
aos poucos começa a descrição de cada um:
(voz em off com imagens dele durante as diversas etapas de sua vida)
JEAN LE GALL (JLG), nascido em 04/08/1929, na ilha de Logoden, em Morbihan, Bretanha.
Avô médico, pai engenheiro. Formado em história, professor de um colégio [de nível médio],
indicado pelo Ministro da Informação para a ORTF [Organização Rádio e Televisão Francesa,
estatal, na França] e demitido depois de 18 meses, publica livro polêmico sobre a ORTF.
Fiel a apenas uma mulher: (e modelado a partir da) Danielle Darrieux (uma atriz marcada
por um certo tom aristocrático), tem cólicas renais, casado com 2 filhos.
(voz em off com imagens dela durante as diversas etapas de sua vida)
JANINE GARNIER (JG), nascida em Paris em 13/01/1948, no XXodistrito, de pai operário
comunista da Renault, escola primária, curso de datilografia Pigier, membro do Centro
Comunista Jovem, militante, auto-didata. Fã de Jean Marais (um ator que se marcou por
filmes heróicos em que ele é sempre um herói salvador), de cujos filmes tirou a idéia de
ser atriz mesmo com a oposição da família. Secretária numa fábrica de torneiras, fez
teatro amador e semi-profissional, um sucesso num teatro da Rive Gauche. Teve
relacionamento com alto-escalão da ORTF, fez papéis secundários na TV e comerciais,
de cujos conhecimentos encaminhou-se para trabalhar em um grupo têxtil. Lê autores
franceses, especialmente Alexandre Dumas. Não perde filmes de capa-e-espada na TV.
(voz em off com imagens dele durante as diversas etapas de sua vida)
RENÉ RAGUENEAU (RR), nasceu em 27/12/1941 em Torfou, pais agricultores, escola
livre e certificado de estudos primários. [Membro da] Ação Católica, trabalhou até 19 anos
na fazendola dos pais. Entra para uma firma têxtil e faz curso profissionalizante por
correspondência. Tem promoções rápidas e aos 35 é diretor técnico da firma num subúrbio
de Lille. Católico praticante. Esposa professora esperando 3ofilho. Lazer: futebol, cozinha
e operetas. Foi modelado a partir dos filmes do ator Jean Gabin, marcado por filmes duros,
e de se apresentar como um homem de poucas palavras.
(voz em off com imagens dele durante as diversas etapas de sua vida)
HENRI LABORIT (HL), nasceu em 21/11/1914 em Hanói, Indochina onde o pai era módico
das tropas coloniais. Fez o Lycée Carnot em Paris, a Escola Médica em Bordeaux e a
Faculdade de Medicina de Bordeaux. Doutor em Medicina, cirurgião, pesquisador, introduziu
o uso terapêutico da hibernação artificial, a clorpromazina (o primeiro tranquilizante maior,
Amplictil), trabalhos sobre agressão que trouxeram soluções para anestesia e reanimação.
Dirige o laboratório de pesquisas e é autor de muitos trabalhos sobre biologia do
comportamento. Casado, 5 filhos. Prêmio Albert Lasker, Legion d’Honneur, Croix de Guerre
1939-1945. Faz equitação e vela.

I. Nascimento
• JLG: nasce numa ilhota perto da casa dos pais e avós, por insistência do avó excêntrico;
• JG, método parto sem dor "soviético’’;

118 Hernard Ranfié


• LR, nasceu frágil e padre foi batisar.

II. Evolução e desenvolvimento


HENRI LABORIT: faz menção ao trabalho de Paul McLean que dividiu o cérebro em
• Reptiliano (apenas sensações/movimentos)
• Límbico (já paresenta afetos/memória)
• Associativo (responsável por processos nobres como o processamento cognitivo)

HENRI LABORIT fala das recompensas com exemplos de cada um


RR: atira tinta na mãe e tio chora de rir (límbico e associativo)
JLG: faz maldade com tartaruga e avô ensina (límbico e associativo)
JG: representa texto comunista para familiares com aplausos (límbico e associativo)

III. Depois de muitos anos...


HENRI LABORIT: “Nous ne sommes que les autres que nous remplient et nous nourissent”
[Nós somos apenas aquilo que os outros nos preenchem e nos alimentam]
JLG: leva Arlette para a ilha (com imagens da Danielle Darrieux)
JG: quer ser atriz (com imagens de Jean Marais)
RR: estuda à noite e pai tira a lâmpada (com imagens de Jean Gabin)

IV. O desempenho de cada um em suas atividades profissionais e caseiras


JLG conhece JG no teatro, muda imediatamente o seu modo de lidar com a esposa, o que
acaba em separação. Começa um relacionamento com JG. Chega ao trabalho
cumprimentando todos, bem político.
LR no trabalho com um novo gerente (Vestrate): há uma luta para responder ao telefone e,
aos poucos, começa a ter úlceras por causa do Vestrate; cozinha muito bem e esposa
sugere convidar o Vestrate para jantar e depois de recusa inicial, acaba aceitando e Vestrate
não come a comida... e tudo termina com um barulho de um equipamento...

V. Problemas
LR ó “promovido" e fica com receio. Ao chegar em casa, as filhas estão fazendo uma grande
bagunça com TV e som ligados muito alto e ele grita “Que bordel é esse?", jogando cadernos
e livros da mesa para o chão. Comenta com a esposa (professora) ida para Cholet, sempre
preocupado. Ao partir, esposa diz a ele que está grávida.
JLG ó demitido sem aviso e, num almoço com JG e seu “amigo” começa a ter cólicas renais
e JG corre para ajudá-lo (com imagens de Jean Marais salvando pessoas); JLG continua
com crise renal em casa e pressiona JG que acaba chorando e sentindo-se impotente.
Arlette (ex-mulher de JLG) aparece no hall dps elevadores da saída do apartamento e inventa
uma mentira sobre uma doença fatal. JLG critica JG que o provoca para conseguir uma
separação (lembram-se? Jean Marais, militante comunista, atriz, sacrifício...)
HENRI LABORIT: “Já dissemos que não somos senão o que os outros nos fazem. Um
garoto selvagem abandonado não vai se tornar um homem, não saberá andar e falar e vai se
comportar como um pequeno animal. Graças è linguagem os homens puderam transmitir

Sobre C‘omport«imcnlo e (.'ormív Ao


para gerações sucessivas toda a experiência acumulada durante milhões de anos. Mas não
pode mais se preocupar só com a sua vida; precisa dos outros pois não sabe(rá) fazer tudo."
[Cenas: do avô ensinando ao JLG pequeno sobre caranguejos e a mãe de JG lembrando-
a de ir ao banheiro antes da escola.]
"A sobrevivência do grupo está ligada à aprendizagem pelos pequenos daquilo que é o
necessário para viver em sociedade (p.ex.: treino de esfíncteres da JG) e como eles elevem
se comportar para que a coesão grupo se mantenha. Aprendem o que ó belo e bom, o que
é feio e ruim; o que eles devem fazer, os prêmios e recompensas dependendo de que a
ação esteja de acordo com a sobrevivência do grupo.”
RR: ajoelhando e se benzendo com a mãe numa igreja.
JG: mãe dela com ela ainda bebê ensinando-a a não botar a mão no fogo.
RR: irmão ensinando-o a rodar um pião.
JG: mãe dela ensinando-a a ficar ereta durante uma refeição.
JLG: mãe dele ensinando-o a cumprimentar uma pessoa.
JG: pai dela ensinando-a MUS_GO_HOME".

VI. Dois anos depoisJLG vai para a ilha e encontra lá JG [JLG procura, rato na
caixa procura]
HENRI LABORIT: descreve funcionamento da caixa de Miller: choque á fuga = rato saudável
JLG vestido de rato sai de casa (fuga)
RR sai da casa dos pais com a noiva (fuga)
JG com medo da mãe e de não falar com JLG (fuga)
HL: "O que é fácil para um rato numa caixa ó difícil para um homem na sociedade ....
certas necessidades são criadas com início na infância (JG com medo da mãe durante
preparação de cenário da peça; Arlette não deixa JLG sair... donde luta). Quando dois
indivíduos têm projetos diferentes mas competem para atingí-los, haverá um ganhador e
um perdedor. O resultado é a DOMINÂNCIA.”

VII. Dominância: base da organização social (Teoria Psicoevolucionária das


Emoções de Robert Pluthick)3
JLG não deixa JG sair, trancando-a no quarto coma chave.
LR sentado ensina o contínuo em pó.
JLG pequeno, dominando a tartaruga.

' Robert Plutchlk contruiu uma admirável teoria das emoções denominada de Teoria Psicoevolucionária das Emoções.
Esta teoriu concebe que existam quatro problemas básicos para a sobrevivência: (1) territuriedade, para resolver
o problema de espaço onde poderão ser encontrados os allment06, a água, o território para a procriação e a criação
da prole; (2) hierarquia, uma ve/ que toda sociedade se organiza em hierarquias em que os superiores dominam e
são responsáveis pelos que estão abeixo: (3) identidade, que diz respeito ao que é aceitável e e intolerável paru ser
incorporado; e (4) temporalidade, que se refere à questão da procriação, da herança genética, do legado da obra
de uma vida, das perdas que ocorrem com o passar do tempo e da reintegração social. Para cada um desses
problemas existem duas soluções alternativas: a terrltoriedade envolve respostas de exploração e orientação; a
hiwarquia, inclui respostas de ataque e proteção, a identidade se caracteriza por respostas de incorporação e
rejeição; e a temporalidade Inclui respostas de reprodução e reintegração. Cada uma dessas respostas vai se
manifestar referida a um tipo especifico de situação, com as correpondentes avaliações, suas experiências
subjetivas, seus comportamentos e respectivas funções que, ocorrendo de forma mais preponderante, váo
estabelecer sa características de personalidade de cada individuo bem como seus transtornos de personalidade,
se essas ações se mostrarem rlgldas e inflexíveis Ver tabela no apêndice 1

Berna rd Rango
TERRITORIEDADE é a base de todos os comportamentos, mesmo que não se tenha
consciência dos motivos. Não há um instinto de propriedade nem de dominância; há
apenas a aprendizagem que o sistema nervoso da pessoa fez para conseguir para si um
objeto ou aquilo que ó desejado e aprendeu que se quiser guardar esse objeto ou pessoa,
ele tem que dominar.
JLG pequeno com a mãe.
JG pequena com boneca.
LR com cachorrinho.

HL: "Moléculas quimicas formam a base na qual estão os blocos de construção;


estabelecem as vias nervosas que serão codificadas e impregnadas pela aprendizagem
social (ver Bandura, 19784). Tudo isso num mecanismo inconsciente. Assim nossas pulsões
e automatismos culturais (ver o conceito de MEMES, de Richard Dawkins, 2001s) serão
disfarçados por uma linguagem, por um processo lógico:
JLG (declamando para os pais): "Morrer pela pátria é um destino tão glorioso que legiões
vão implorar para passar pelo portal da morte." "A raça humana, a mais perfeita das raças,
vive na Europa, no oeste da Ásia, no norte da África e na América." Avô de JLG: “Por um 1o
lugar, 15 F; um 2o, 10 F; um terceiro, 5 F; depois do 4o, um chute na traseira."

* A importância da obra de Albert Bandura ainda não pode ser adequadamente avaliada. Os seus estudos
sobre modelação estâ presentes neste íilme nas cenas em que cada personagem é modelado por um ator
importante do cinema francês Em cada cena, há sempre a oportunidade de aprendizagens pela observação
do comportamento dos outros Não só isso, mas a sua contibuição para a ciência da psicologia também foi
enriquecida pelo Importante conceito de auto-eficácia
Mais Informações poderão ser obtidas no site http://www lite fae unlcamp br/teoriasc/

6 Richard Dawkins ó um dos mais conhecidos pesquisadores da área conhecida como Psicologia Evolucionlsta.
Esta área é a expressão do conhecimento deduzido da teoria evolutiva de Darwin aplicada ao comportamento
das espécies, sobretudo da espécie humana Um de seus pontos de vista é que o que Importa não a
sobrevivência de cada indivíduo, mas o de cada gene Fablano dos Santos Castro (2005), um grande
Interessado no tema, diz que, 'para Dawkins, a "sobrevivência do mais apto" é na realidade um caso
especial de uma lei mais geral da “sobrevivência do estável" em um universo que, segundo ele, está
povoado por coisas estáveis. "Se um grupo de átomos, na presença de energia, se ordena em um padrão
estável, este grupo de átomos tenderá a permanecer desta maneira. A primeira forma de seleçio natural foi
simplesmente uma seleção de formas estáveis e umB rejeição daquelas instáveis Podemos resumir tudo
que a teoria da seleção natural diz da seguinte forma’ se em uma espécie há uma variação nas características
hereditárias dos indivíduos, e algumas são mais úteis à sobrevivência (seleção nutural) e á reprodução
(seleção sexual) do que outras, então tais características se disseminarão mais amplamente na população
(adaptação) (Wright, 1996) Pelas palavras de Darwin, a seleção natural se resume em fjjn palavras
apenas: "Multiplicar, variar, que o forte sobreviva, que o fraco morra" (Wright, 1996 pág 7) Para Dawkins
(1976), seriamos apenas fruto de nossos "genes egoístas", que nos criaram apenas como forma de
perpetuar sua existência no mundo '. Por analogia, para lidar com as questões de ordem cultural, Dawkins
cunhou a expressão "meme", que se refere a competições entre conceitos culturais como cristianismo,
islamismo, Flamengo, Coca-Cola e outros Outros autores importantes na área seriam Steven Plnker (2002),
Burnham e Phelan (2002) e Pease e Pease (2000) InformBçóes também podem ser encontradas na página
da internet http://humarvnature com/nibbs/

Sobre Com portamento e C o^nl^lo


VIII. Teoria Psicoevolucionária de Robert Plutchlk

Quatro problemas básicos da existência


Territoriedade Identidade Hierarquia Temporalidade

e suas respostas adaptativas:

Orientação Incorporação Destruição Reprodução


Exploração Rejeição Proteção Reintegração

1. Territoriedade
• JLG pequeno com a mãe
• JG pequena com boneca
• RR com cachorrinho)
Todos nós aprendemos que, se quisermos guardar objetos ou pessoas, temos que
DOMINAR.

A linguagem só serve para esconder a dominância e para fazer um indivíduo acreditar que
trabalhando para o grupo ele realiza seu prazer (JG agradecendo os aplausos ao final da
peça), mas que na verdade tudo o que ele está fazendo é preservar as situações hierárquicas
que se escondem atrás dos hábitos linguísticos (RR com secretária conduzindo para reunião)
que servem como um alibi, uma desculpa (cena da Arlette contando a mentira para JG).

Rato levando choque sem poder fugir:

A mentira se esclarecendo: "Sou uma idiota” fJG vai salvar JLG] (Jean Marais)
HENRI LABORIT: inibição
Na segunda situação a porta está fechada e o rato leva choques inescapáveis e fica
doente (DESAMPARO APRENDIDO, Seligman, 1975)”. A inibição do comportamento leva
a angústia e daí surgem as perturbações biológicas de tal forma que, se um micróbio
estiver presente, ele vai adquirir uma infecção, talvez desenvolver uma célula cancerosa
que poderiam destruir o corpo (enquanto que ele poderia facilmente se livrar disso em
condições normais). Assim, são desenvolvidas as doenças psicossomáticas, as úlceras,
a hipertensão, a insônia, a fadiga.
Numa terceira situação há dois ratos numa mesma caixa e, ao levarem choques, um
ataca o outro; o dominante fica bem, mas o dominado fica mal. Mas no homem, as leis
sociais impedem essa violência defensiva. Assim, um trabalhador que está sob ataque

" Martin Seliman, um eminente pesquisador americano e ex-presidente da American Psycological Association,
desenvolveu estdos em 1979 que o conduziram a concluir que organismos submetidos h condições em que
uma resposta de fuga épossível comparados com aqueles que esta resposta não é possível, desenvolveriam
um estado que ele denominou de "desamparo aprendido“ Esta condição se mostrou ser totalmente comparável
ao quadro de depressão maior Posteriormente, fez revisões de sua concepção, dando-lha uma interpretação
mais cognitiva Mais recentemente, passou a estudar outro tema igualmente importante e abandonado pela
pesquisa cientifica' a psicologia positiva

122 Rcrnard RcinRé


não pode atacar o seu oponente, como no caso de Ragueneau e Vestrate: não podem
bater um no outro pois iriam para a cadeia; não podem fugir pois ficariam desempregados
(cena de ratos de terno brigando entre si em cima de uma mesa de trabalho), todos os
dias do ano, todos os meses, todos os anos da vida....
INIBIÇÃO
O homem tem muitos meios de combater essa inibição:
1. Ele pode usar a agressividade que nunca ó gratuita, sem motivos, pois ó uma resposta
a uma inibição do outro.
2. Ele pode ter uma explosão de raiva (que raramente vale a pena, mas que nosso para SN
é perfeita) [cena de JG salvando JLG da maró cheia, com cenas de Jean Marais aparecendo
em filmes dele; enquanto JLG diz que ela o deixou porque ele foi despedido e não servia
mais para ela].
RR ouvindo Vestrate dizer: você não vai marcar o seu ponto?
Isso pode afetar a sua saúde (úlcera de RR, cólicas JLG) mas também doenças mentais.
Quando uma pessoa não pode mais dirigir a sua agressividade para outros, a dirige a si
mesma de dois modos: (1) por uma reação somática; (2) por suicídio (mais eficaz).

(...)
JG sofre muito, se bate, se joga no chão (Jean Marais contra o vento), tenta escrever pra
JLG descrevendo o sofrimento dela (... quero morrer... você não vai me acreditar...)
(...)

JG chega para reunião com o chefe e RR:


JG: “Sua obrigação era salvar um negócio; agora você pede socorro... Mas isso é passado:
o grupo te faz um empréstimo, sob certas condições.
RR: Quais?
JG: "Uma divisão de responsabilidades. Você é mais um técnico do que um empreendedor.
Você vai cuidar das questões técnicas e um administrador... Começa uma discussão: RR
sente-se humilhado e sai virando a mesa (HL: "ele pode ter uma explosão de raiva que
raramente vale a pena").
[Na saída, sem se dar conta, dá um encontrão no petulante que desafiou JLG; que exige
que ele se desculpe, como fez antes com JLG; e RR o joga no chão e o petulante resmunga
gritando "Covarde!"]
RR volta para a casa onde está dormindo, entra no quarto, se ajoelha, reza um terço
(católico fervoroso, lembram-se?). A esposa telefona, ele explica tudo (aparece Jean Gabin),
volta para a reunião, se desculpa e recebe a oferta de gerenciar uma cadeia de lojas de
cielicatessen. Parece gostar, mas volta para casa. Entra de novo no quarto e ingere um
monte de barbitúricos, pedindo desculpas a Deus e se pendurando na gravata que está
presa na janela. Quando é descoberto pela senhoria, vai parar no hospital.
Enquanto isso, JG entra no seu quarto e puxa o seu chefe para fazer amor com ele (com
imagens de Jean Marais salvando alguém).
Ao ser informada do acontecido com RR, JG diz ao chefe que o encontra depois e vai ver
JLG e indo a 150 km/h para a casa dele (cenas de Jean Marais cavalgando).
RR: limpando estômago no hospital e médico diz que a depressão ataca campeões de
boxe e aposentados.

Sobre Com portam ento e Coftnt(do 123


JG indo para encontrar JLG (cenas de Jean Marais se debatendo na enchente). Chega na
casa dele e aparece a Arlette [dominância da Arlette x dominância dos caçadores; JLG e
amigos caçadores x presa].
JG vai para o local ouve tiros, grita e cai: aparece JLG que diz que não precisa ouvir a
história toda porque a Arlette já a contou (imagem de Jean Marais caindo de uma escadaria
e morrendo; fim do sonho dela). JG bate em JLG...
RR: acordando [Vestrate perguntando: "Não vai bater o ponto?"]
Presa morrendo...
HENRI LABORIT

"O inconsciente ó uma coisa admirável não só pelo que ó reprimido mas tambóm
por tudo que ó pormitido e reforçado pela sociedade. Nós não tomos consciôncia
da sua presonça e, no entanto, guia muitas de nossas ações. É esse ínconsciento
que náo è o freudiano mas que é mais do que esse e ó a chamada personalidade
de um indivíduo construída de um "brique-a-braque” do juízos, valores, preconceitos,
de lugares-comuns que, com o desenvolvimento vai se tornando cada vez rnais
rígida e, quanto uma pedra do edifício é retirada, ele desmorona, rosultando em
angústia. Essa angústia não pára com nada, nem com assassinatos, nem corri
genocídios, nem com a guerra. Começamos a compreender quais os mecanismos,
os por quês, o como, através da história e no presente se estabelecem as
hierarquias de dominância. Para ir à lua temos que sabor as leis da gravitação, no
entanto, conhocer as leis da gravidado não nos livra da gravidade, nós as usamos
para fazer outras coisas. Até nós termos o conhecimento sobre o funcionamento
do nosso cérebro e como o utilizamos. Até hoje foi para dominar os outros o se
continuar assim há pouca chance das coisas mudarem."

O filme mostra cenas de destruição da 2aGuerra e termina com uma árvore pintada
num edifício com tijolinhos e a câmera se aproximando cada vez mais até só aparecerem
uns poucos tijolos.
O filme começa a mostrar cenas de destruição da 2®Guerra, quarteirões arrasados,
pilhas de tijolos e termina com uma árvore pintada num edifício com tijolinhos e a câmera
se aproximando cada vez mais até só aparecerem uns poucos tijolos pintados.

Reflexões finais
A análise do comportamento teve contribuições importantissimas que têm que
ser reconhecidas. O próprio Skinner defendia que precisamos conhecer as contingências
filogenéticas que são descritas hoje pela psicologia evolucionista.
Precisamos reconhecer também a importância dos fatores de apêgo e os fatores
cognitivos na nossa constituição como indivíduos. Precisamos conhecer tambóm as
contribuições das neurociências. Cada vez mais os estudos sobre imagens da atividade
cerebral se multiplicam permitindo que novos conhecimentos sejam melhor estabelecidos
(Lent, 2004). Ignorá-los significaria um descaso com o progresso da ciência.
Manter-se apenas nos ensinamentos de Skinner é uma posição de cegueira. E o
pior: voluntária. Só com o conhecimento gerado e incorporado tambóm pelas áreas acima
mencionadas é que poderemos completar o conhecimento significativo sobre o homem.
FIM

124 Hcrn.ird Runfié


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Anexo 1. Teoria Psicoevolucionária de Pluthick.

Estimulo Avaliação Exparlêncla Comport F unçio Traço


subjetiva
Um assalto Perigo Medo Obedecer Proteção Timidez

Um ato Injustiça Raiva Lutar Destruição Agressividade


arbitário
Uma pessoa Atração Alegria Cortejar Reprodução Gregarismo
atraente
Perder Isolamento Tristeza, luto Chorar Reintegração Depressão
alguém
Estupro Desgosto Nojo Vomitar, lavar- Rejeição Desconfiança
se
Ruído súbito O que será? Expectativa Examinar Exploração Controle

Susto Espanto Surpresa Parar, Orientação Descontrole


congelar

Sobre C om porl.im cnlo c CofiniçAo


Capítulo 12

Uma crítica ao papel da teoria de


eventos privados no estudo da
subjetividade1 C\irb s l diurdo / opcs*

O presente trabalho norteia-se pela seguinte questão: qual o papel desempenhado


pela teoria de eventos privados para um estudo da subjetividade no behaviorismo radical?
É possível que, à primeira vista, a pergunta soe como banal. Pode-se argumentar
que o estudo da subjetividade se dá através da teoria de eventos privados, e, portanto,
para compreender a subjetividade, basta analisar a teoria de eventos privados, que, na
literatura, já foi muito bem explorada por diversos autores (Zuriff, 1979; Creel, 1980; Anderson,
Hawkins& Scotti, 1997; Malerbi, 1997, Tourinho, 1997).
No entanto, o que tentaremos defender, aqui, é que a teoria de eventos privados
de Skinner (1945/1984,1953,1957,1974) não está de acordo com um projeto fundacional
do behaviorismo radical, e, por isso, podemos abandoná-la sem nenhum prejuízo para
esse projeto. Admitindo essa possibilidade, teríamos então que nos perguntar sobre a
viabilidade de se empreender um estudo da subjetividade no behaviorismo radical, que
seja compatível com esse projeto fundacional.

Projeto fundacional como método de interpretação


O primeiro esclarecimento que devemos fazer diz respeito ao conceito de projeto
fundacional. Quando adotamos um projeto fundacional, como modo de interpretar uma

'Trabalho financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sào Paulo (FAPESP).
'Psicólogo e Bacharel em Psicologia, doutorando do Programa de Pós-graduaçâo em Filosofia do Departamento
de Filosofia e Metodologia das Clônclas da Universidade Federal de São Carlos.Endereço para
correspondência; Universidade Federal de São Carlos, Dopartamento Filosofia e Metodologia das Ciências,
Rodovia Washington Luis, Km 235 - CEP13565-905, SÔo Carlos SP.
Endereço eletrônico: caalouesffiterra.com.br

Carlos Hluardo 1 opcs


tooria, admitimos a filiação dessa teoria com determinadas tradições filosóficas, ao mesmo
tempo em que impossibilitamos sua filiação com outras. Com isso, passamos a exigir
uma coerência teórica do texto.
Esse "método" de interpretação mostra-se compatível com o behaviorismo radical,
à medida que lembramos o que Skinner (1957) escreve sobre o assunto: "quando estudamos
grandes obras, estudamos o efeito sobre nós dos registros remanescentes do
comportamento dos homens. (...) Nós estudamos nosso comportamento, não o deles" (p.
452). Portanto, o que está em jogo na interpretação de uma teoria ó o comportamento de
quem interpreta e nào o comportamento do autor. É claro que toda interpretação parte do
registro do comportamento verbal do autor, mas isso não quer dizer que devemos defender
uma concepção realista do sentido ou significado do texto. O projeto fundacional ó construído
por quem interpreta o texto, e em momento algum há pretensão de compatibilizar o sentido
desse projeto com um suposto sentido "pretendido" pelo autor3. Dessa forma, assumimos
de antemão que não precisa haver (e geralmente não há) identidade entre o significado do
texto ou da teoria para seu autor e para aquele que o interpreta.
Feito esse pequeno preâmbulo ó possível compreender de que modo o projeto
fundacional dá coerência e sentido a uma determinada teoria. O texto a ser interpretado
admite uma infinidade de interpretações, e o projeto fundacional seleciona uma delas, ao
mesmo tempo em que exclui as demais.
Ao assumir um projeto fundacional elegemos, portanto, uma direção a ser percorr ida
pela teoria. Direção essa, que não se compromete com a cronologia. Isso quer dizer que,
ao interpretar uma teoria, não estamos interessados no desenvolvimento percorrido entre
o primeiro e último texto de um autor. Estamos sim interessados em vislumbrar como
esse autor ora se aproxima, ora se afasta de um projeto fundacional, mas esse movimento
de modo algum precisa ser cronológico (é possível que um autor siga determinado projeto
em seus primeiros textos, e afaste-se dele em seus últimos textos, ou vice-versa).

Metafísica relacionai
O projeto fundacional que adotaremos, aqui, para interpretar o behaviorismo radical
embasa-se em uma metaffsíca relacional (Lopes, 2002). Antes de analisar algumas
características dessa metafísica, devemos esclarecer o uso do termo metafísica, que,
muitas vezes, é considerado incongruente com o discurso científico.
Metafísica é empregada, aqui, como sinônimo de uma visão*de*mundo
compartilhada por um conjunto de pessoas pertencentes a uma mesma comunidade4.
Dessa forma, não é nem um pouco incoerente falar de uma metafísica na ciência do
comportamento, desde que isso seja entendido como um conjunto de pressupostos
compartilhados pelos behavioristas radicais. Além disso, a metafísica fundamenta regras,
instrumentos e valores empregados por uma comunidade científica5.
Considerando o nosso objetivo - esboçar o projeto fundacional que orienta nossa
:t Isso não se confunde com uma perspectiva relatlvlsta, O fato de admitirmos uma infinidade de Interpretações
possíveis, nâo quer dizer que qualquer interpretação é legitima. Segundo nossa proposta uma Interpretação
é legitimada por um projeto fundacional, que deve ser minimamente explicitado antes de se emproender a
Interpretaçflo propriamente dita. Além disso, é possível comparar diferentes projetos fundaclonals, embora
o critério para a escolha entre eles seja a efetividade em produzir novos textos, e não a verdade.
4 Uma definição de metafísica bem próxima a essa pode ser encontrada em Burtt (1932/1983).
5Parece ser razoável aproximar a metafísica, como visâo-de-mundo, somada ao método exigido por ela, do
conceito de paradigma de Kuhn (1962/2003).

Sobro (.'om poiliim cnlo c CoHniyilo 1 n


interpretação-, apresentaremos apenas quatro características da metafísica relacional.
Isso nos fornecerá, na melhor das hipóteses, um panorama geral dessa metafísica, mas
por outro lado è mais do que suficiente para nossos propósitos.
A principal característica da metafísica relacional, como o nome evidencia, é o
relaclonismo, ou seja, nessa concepção os termos de uma relaçào comportamental só
existem a partir dessa relação. Isso quer dizer que um estímulo só pode ser identificado
como tal em relação a uma resposta, e vice-versa.
Uma outra importante característica dessa metafísica, derivada do relacionismo,
é o não-roalismo da mesma forma que não defendemos que as respostas existem em
algum outro lugar antes de serem emitidas, não devemos defender a existência de eventos
ambientais independentes da resposta - é só na relação comportamental que os estimulos
presentam-sefí e as respostas são emitidas.
Podemos resumir essas características, em termos filosóficos, dizendo que a
metafísica relacionai é imanentlsta. Isso quer dizer que essa metafísica não aceita a
existência de eventos transcendentes à relação comportamental. ou seja, eventos que
estão para além dessa relação.
Como última característica temos a não aceitação do idealismo. A relação primordial
do behaviorismo radical é entre organismo e ambiente. Como já sabemos, os elementos
dessa relação não existem de modo independente (só existem na e em relação). Se por um
lado o realismo defende o privilégio do ambiente, por outro lado, o idealismo defende o privilégio
do organismo. Assim, realismo e idealismo revelam-se como duas faces de uma mesma
moeda, e a metafísica relacional nos ensina a não aceitar nem um, nem outro.

Um breve histórico da problemática da acessibilidade


Com esse panorama geral sobre a metafísica relacional, já podemos ter idéia das
principais características do projeto fundacional do behaviorismo radical, que estamos
assumindo: relacional, imanente, náo-realista e não-idealista. Analisaremos agora a questão
da acessibilidade, que parece fundamentar a teoria de eventos privados, para, então, julgar
sua coerência com esse projeto fundacional.
Para essa tarefa, adotaremos uma estratégia histórica, voltando uma pouco no
tempo até o surgimento do behaviorismo de Watson, para compreender a origem dessa
problemática.

Watson: A origem do Behaviorismo nos EUA


No começo do século XX, a psicologia científica tinha como principal representante
nos EUA, Edward Bradford Titchener (1867-1927), fundador da Nova Psicologia ou
Introspeccionismo. Essa escola defendia que, através da introspecção-experimental-
analítica, a psicologia científica deveria dedicar-se ao estudo sistemático (experimental)
da experiência consciente.
O surgimento do Behaviorismo está vinculado a uma reação ao projeto de ciência
defendido pelo Introspeccionismo. Para Watson (1913/1998) - considerado o fundador do
behaviorismo nos EUA -, a psicologia deveria ser considerada um ramo das ciências

* Julgamos mais adequado empregar o termo presentar ao invés de apresentar. Isso porque prosentar
remeter mais facilmente ao sentido de “estar presente’ , evitando, assim, uma interpretação du partícula aa
como Indico da indeterminação do sujeito.

Carlos Ediwrdo Lopes


naturais, o que, na sua opinião, era incompatível com um projeto de psicologia científica
defendido por Titchener.
Segundo Watson (1913/1998), a psicologia só tinha duas alternativas: ou mantinha-
se estudando a experiência, deixando de ter uma pretensão científica; ou adotava um
objeto de estudo digno de uma ciência natural. Assumindo seu projeto de psicologia
científica, Watson defendeu que o comportamento era o melhor candidato para esse cargo.
Sua escolha pode ser justificada por pelo menos quatro características do comportamento:
objetividade, o comportamento pode ser estudado em laboratório por um experimentador
externo ao sistema observado; quantificação, o que possibilita uma análise mais apurada
dos dados obtidos; possibilidade de emprego de animais infra-humanos, o que é muito
útil em determinadas pesquisas“; e, talvez o mais importante para a adesão conseguida
pelo behaviorismo nos EUA, aplicações tecnológicas evidentes.
O primeiro impasse a ser enfrentado pelo behaviorismo watsoniano foi o tratamento
dos eventos e processos considerados mentais. Mesmo que “conteúdo mental",
aparentemente, náo se enquadre no modelo de ciência natural, parecia absurdo negligenciá-
lo em um sistema psicológico. O viés materialista de Watson fez com que ele operasse em
seu sistema um eliminativismo, ou seja, ele traduziu em termos físicalistas o que entendia
por alguns conceitos mentais (emoções, hábito, pensamento7), e o que não foi capaz de
traduzir eliminou ontologicamente. Assim, a existência de eventos e processos mentais foi
negada com a justificativa de que se não eram físicos, não passavam de ficções.

Behaviorismo metodológico: A influência do positivismo lógico


No behaviorismo metodológico o problema da acessibilidade a eventos mentais foi
colocado de modo ainda mais contundente. Depois que a empresa watsoniana não foi
capaz de dar conta de alguns conceitos mentais - que poucas pessoas aceitavam que
fosse uma ficção -, a questão sobre como estudar tais eventos voltou à tona. Dessa forma,
a existência de eventos mentais, não-fisicos, passou a ser admitida. Mas não tardou para
que o estudo de tais eventos fosse banido também dessa psicologia. De acordo com o
"critério de verdade por consenso", herdado do positivismo lógico, uma ciência só pode
adotar um objeto de estudo que possa ser acessado por mais de um observador ao mesmo
tempo. O julgamento acerca da verdade de uma proposição só é possível mediante consenso
entre dois ou mais observadores (uma proposição será verdadeira quando dois ou mais
observadores concordarem com o que observaram e falsa quando náo houver concordância).
Ê evidente que o “conteúdo mental'’ estava longe de satisfazer esse critério.
Por outro lado, segundo o behaviorismo metodológico, o fato de negara possibilidade
de um estudo científico de eventos acessados apenas pela própria pessoa, não afetaria o
desenvolvimento da psicologia científica. Isso porque tais eventos eram externos à relação
comportamental (epifenômenos) e, portanto, seriam como "sombras" que perseguem o
comportamento, sem interferirem seu funcionamento".
’ O emprego de infra-humanos em pesquisas embasa-se na teoria darwinista, que defende uma continuidade
entre comportamentos humano e nAo-humano
7 Eriloções foram interpretadas como respostas de glândulas e da musculatura lisa, o hábito foi explicado através
do processo de condicionamento e o pensamento considerado como fala subvocal (Watson, 1924/1930).
* O que devemos notar aqui é que há uma pequena diferença, que muitas vezes é ignorada, entre Watson e o
bnhaviorlsmo metodológico. No primeiro caso temos um materialismo, que náo lida com eventos mentais porque
acredita que só existam eventos ffslcos; no segundo temos um dualismo, o qual aceita a existência do eventos
mentais, mas como esses nâo tem eficácia causal (epifenômenos), podem ser deixados de lado sem nenhum
prejuízo para a explicaçflo do comportamento humano

Sobrr Com portamento e Copniv.lo


Behaviorismo radical e a problemática da acessibilidade
É claro que essa "solução" do behaviorismo metodológico soa como insatisfatória.
E nossa hipótese é que soou dessa forma para Skinner (1945/1984). No entanto, podemos
agora perceber que a problemática da acessibilidade se construiu em um panorama teórico
bem distinto da metafísica relacional. São basicamente duas características do discurso
que deu origem ao problema da acessibilidade: 1) o dualismo (e o materialismo) e 2) o
positivismo lógico.
No caso do dualismo ó indiferente se o aceitamos integralmente, como o
behaviorismo metodológico, ou se partimos do dualismo para negar uma das substâncias,
como fez Watson. Tanto em um caso como no outro, estamos comprometidos com a
tradição cartesiana (transcendente), evidentemente incompatível com a metafísica relacional.
Em relação ao positivismo lógico, não é diferente. Como no behaviorismo radical
a descrição do comportamento não é “ingênua" - sempre partimos de uma interpretação
- não podemos aceitar o caráter empirista do positivismo lógico.
Essa influência empirista do positivismo lógico pode ser vislumbrada no próprio
critério de verdade por consenso: a possibilidade de uma observação "pura" do mundo,
fundamenta a verdade através da correspondência entre o que uma teoria diz e o que é
observado. Já na posição aqui defendida (seguindo uma metafísica relacional), não existe
observação sem teoria. Toda observação ó “dirigida", e na medida em que observar é
selecionar alguns fatos, podemos dizer que observar é interpretar.
Um pequeno exemplo pode deixar isso mais claro. Imaginemos que uma pessoa,
leiga em análise do comportamento, seja colocada para observar um pombo que se comporta
em uma caixa experimental, em um esquema múltiplo com discriminação de cores e
sons. Em seguida, peçamos para que essa pessoa diga o que viu. Possivelmente ela
descreverá uma série de eventos desconexos (o pombo bicando uma janela, uma luz que
às vezes acendia, um determinado som), mas dificilmente perceberá a relação entre
eles. Podemos dizer que nesse caso, a pessoa tinha uma “teoria" insuficiente para a
observação da totalidade daquela situação, ou para fazer uma análise funcional da situação.

O papel da cultura
Voltando ao positivismo lógico, como já mencionamos, o “critério de verdade por
consenso", que influenciou muito o behaviorismo metodológico, tem na sua raiz o
empirismo, garantindo a não-discrepância entre dois observadores diferentes - se eles
estão expostos à mesma estimulação, eles verão a mesma coisa.
Na metafísica relacional a exposição à mesma estimulação não é sequer possível,
pois se o estímulo se constitui na relação comportamental, e cada organismo participa de
sua relação, cada situação de estímulo é a princípio única. Por outro lado, assumindo
essa posição, parece que caímos em uma impossibilidade explicativa, pois se cada pessoa
vê de uma maneira, não é possível construir uma visão universal sobre o fenômeno
observado. É nesse ponto que entra a cultura.
Podemos definir cultura como um conjunto de comunidades verbais, que estão
em comunicação. A regulação das diferentes interpretações se dá no nível das comunidades
verbais, ou seja, cada comunidade verbal tenta manter uma coerência interna de

130 Carlos tduiirdo Lopes


interpretações. Dessa forma, a comunidade de cientistas do comportamento, entre outras
coisas, impede, por exemplo, a inclusão de um discurso científico que empregue uma
substância mental na explicação do comportamento.
Por outro íado, essa coerência interna de uma comunidade não deve ser
compreendida como prescrição de um hermetismo por parte dessa comunidade. A coerência
interna de uma comunidade deve ser compatível com a comunicação entre comunidades.
Isso se torna possível na medida em que não nos comprometemos com uma teoria realista
da verdade. O que desde o princípio está barrado no nível cultural é a imposição da
verdade de uma comunidade sobre as outras. Um discurso verdadeiro é construído na
relação entre comunidades, e nessa relação, as diferenças sempre devem (ou pelo menos
deveriam) ser respeitadas.

C onclusão
Seguindo nossa exposição, concluímos que Skinner (1945/1984,1974), ao tentar
responder a seus críticos, comprometeu-se com certas questões que não se colocam
para o behaviorismo radical. Isso quer dizer que a teoria de eventos privados - fundamentada
em uma privacidade composta por eventos inacessíveis - faz parte de uma discussão
alheia ao projeto fundacional do behaviorismo radical. Ou seja, o problema da acessibilidade
surge no bojo de tradições como o dualismo, materialismo, empirismo, positivismo lógico,
mas não se coloca desde o início em uma metafísica relacional. O behaviorismo radical
lida com diferenças entre os vários discursos na explicação do comportamento, e não
com eventos acessíveis ou inacessíveis, públicos ou privados.
Diante disso, duas são as possibilidades. Se mantivermos a vinculação entre
privacidade e subjetividade, o projeto fundacional do behaviorismo radical, não prevê um
estudo sobre a subjetividade (trata-se de um pseudoproblema). Por outro lado, se admitirmos
a existência de "coisas" que são próprias de uma relação organismo-ambiente especifica,
e considerarmos que essas “coisas” são por isso subjetivas, restituiremos a possibilidade
de um estudo da subjetividade no behaviorismo radical.
Dessa forma, privacidade, nos moldes da teoria de eventos privados, não se
confunde com subjetividade. Enquanto no primeiro caso há um comprometimento com a
problemática da acessibilidade - herança do dualismo e do positivismo lógico -, no
segundo, tratamos da relação entre eventos, estados e processos com um sujeito psicológico
(self). No entanto, a análise de como se dá essa articulação, já é assunto para um próximo
trabalho.

Referências
Andorson, C. M., Hawkins, R. P. & Scotti, J. R. (1997). Private events in behavior analysis:
Conceptual basis and clinical relevance. Behavior Therapy, 2fi, 157-179
Burtt, E. A. (1983). -As bases metafísicas da ciência moderna. (J. Viegas Filho & O. A. Henriques,
Trads.) Brasilia: Editora da Universidade de Brasilia. (Original publicado em 1932)
Creel, R. (1980), Radical epifenomenalism: B. F. Skinner’s account of private evonts. Behaviorism,
8, 31-53.

Sol>rc Com portamento e CoRnivílo 131


Kuhn, T. S. (2003). A estrutura das revoluções cientificas. (B. V. Boeira & N Boeira, Trads.) São
Paulo: Perspectiva. (Original publicado em 1962)
Lopos, C. E. (2002). Skinner, Ryle e Aristóteles: Metafísicas substancialista e relacional [Resumo].
Em Sociedade Brasiloira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações cientificas,
XXXII Reunião anual de Psicologia, (pp. 78-79). Florianopolis: SBP.
Malerbi, F. E. K (1997). Eventos privados: o sujeito faz parto de seu ambiente? Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre comportamento e cognição, vol. 1(pp. 243-256). Sâo Paulo: ESETec Editoros
Associados.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: McMillan.
Skinnor, B. F (1957). Verbal behavior. Now Jersey: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. Now York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1984). The operational analysis of psychological terms. Em Catania, A. C. &
Harnad, S. (Orgs.), The Behavioral and Brain Sciences 7 (4) Docombor (pp. 547*553).
Princeton: Cambridge University Press. (Originalmento publicado em 1945)
Tourinho, E. Z. (1997). Privacidade, comportamento e o conceito de ambiente interno. Em R. A.
Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição, vol. 1(pp. 217-229). São Paulo: ESEToc
Editores Associados.
Watson, J. B. (1998). Psychology as the behaviorist views it. Extraldo de http://www.yorku.ca/
dept/psych/classics/Watson/views.htm. (Originalmente publicado em 1913)
Watson, J. B. (1930). Behaviorism. Chicago: The University of Chicago Press. (Originalmonte
publicado em 1924)
Zuriff, G. E. (1979). Ten inner causes. Behaviorism, 7(1), 1-8.

Carlos Eduardo Lopes


Capítulo 13

O que leva uma mãe a abandonar


um filho?
C\i rotina Puartc í / o s Santos1

/h /ia Nata/ia Pobríanskyi Wcbcr*

Revisão de Literatura
0 abandono de crianças foi permitido e tolerado desde tempos remotos. Abandonar
crianças é um fenômeno de todos os tempos. Variaram, apenas, as motivações, as
circunstâncias, as causas, as intensidades, as atitudes em face do fato amplamente
praticado e aceito.
Além de raros, os estudos existentes sobre a mãe que abandona, geralmente,
são estudos de casos. Os pesquisadores e os autores que têm se debruçado sobre o
vasto tema examinaram a vida e a experiência de filhos abandonados e pais que os criam,
pouco se conhece sobre os doadores, os quais constituem uma legião de desconhecidos
nesse cenário onde todos parecem compactuar com o silêncio.
Segundo Weber (2000), é no contexto de pobreza de parte do Brasil que se
encontra a maioria dos casos de abandono de crianças: o abandono tanto pela a negligência
quanto o abandono nas ruas, lixos e maternidades. No Brasil, o fenômeno está fortemente
associado à proibição legal do aborto, à miséria, à falta de esclarecimento à população, à
falta de amparo familiar... Uma pesquisa realizada por Weber (2004) revela que a maioria
dos abandonos se dá por mães jovens (entre 15 e 20 anos), solteiras, com dificuldades
financeiras, sem apoio do parceiro e da família. Para Becker (1994), Weber e Kossobudzki

1Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação da UFPR


2 Professora do Departamento de Psicologia da UFPR e do Programa de Pós Graduação ein Educação da
UFPR http://lidiaw.sits.uQl.CQm.br: lidia@ufpr.br

Sobre Com portamento e CoflnivvU)


(1996) e Weber (2000), as mães abandonantes no Brasil são, em sua maioria absoluta,
mães excluídas. Elas abandonam porque são abandonadas pela as políticas públicas e
pela a sociedade. Por conseguinte, Motta (2001) e Watanabe (2002) consideram que o
padrão de apego e de cuidador característicos de cada mulher são fatores de peso na
decisão de entrega ou não da criança, independentemente da situação econômica que
esteja sendo vivida, ou de quaisquer outras situações adversas.
Atualmente tem-se conhecimento que o abandono é um problema que atinge
tragicamente as sociedades. Pouco se estuda, porém ó de extrema importância que seja
conceituado e compreendido, visando a encontrar novas formas de ação para prevenção e
solução do problema.

O Abandono na História
Sabe-se da existência de casos de abandono de crianças em praticamente todas
as grandes civilizações da Antigüidade. Na tradição judaica, dois exemplos fortes e centrais
de abandono de bebês são de todos conhecidos e aparecem nas escrituras do Antigo
Testamento - Ismael e Moisés. Na Bíblia, bem como no Talmude, há numerosas alusões
ao abandono de bebês, o que mostra a freqüência do costume. Outrossim, a mitologia e
a filosofia fazem menção a inúmeros casos de abandono. É válido ressaltar o divulgado
abandono de Édipo, filho de Laio e Jocasta. Júpiter, deus da Luz, foi igualmente abandonado
por seus pais ao nascer, assim como Hércules e Esculápio (filho de Apoio). Com efeito, os
filósofos outorgaram com certa recorrência ao tema como Platão, em A República e
Aristóteles, na sua Política (Marcílio, 1998).
Informalmente, o abandono foi comum até o final da Idade Média - período em
que a criança era reconhecida como um grupo de segunda categoria - um ser imperfeito
que necessitava sair deste estado infantil para merecer algum respeito, tão desvalioso que
seu estudo se afigurava como desnecessário, frívolo e desprovido de cientificidade (Roig &
Ochotorena, 1993 e Trindade, 1999). Segundo Aries (1981), o sentimento de família era
desconhecido na Idade Média.
O processo de mudanças começou na Itália ao longo dos séculos XV e XVI.
Foram, então, criados pequenos hospitais para expostos. O nome Roda - dado á casa
dos expostos - provém do dispositivo de madeira onde se colocava o bebê. A origem
desses cilindros rotatórios vinha dos mosteiros e conventos medievais, usados para evitar
o contato dos religiosos com o mundo exterior (Marcílio, 1998). O ardor moralista via na
Roda uma forma de defesa dos bons costumes e da família. À vista disso, Gonçalves
(1987) mostrou que os asilos de "enjeitados" atingiam a condição de reguladores dos
possíveis "desvios" familiares. Lá reuniam-se os filhos de uniões ilegítimas, os que não
possuíam história, os sem família, que encontravam na Roda um lugar de socorro e acolhida.
Somente a partir do século XVII apercebeu-se maior aproximação da família e das crianças.
A mortalidade sempre fora elevada nessas instituições de abandonados. Segundo
Trindade (1999), 20% das crianças morriam ao chegar; 30% no final do primeiro ano de
vida e 32% sobreviviam até os cinco anos. Weber (2000) fez notar que o abandono através
das Rodas, indubitavelmente, era um infanticídio em longo prazo, pois a maioria não
sobrevivia. No final do século XIX, como relevou Marcílio (1998), as Rodas praticamente
desapareceram da Europa, enquanto no Brasil elas foram criadas a partir do século 18 e
durante um século e meio foram a única ação de proteção á criança abandonada. A Roda
dos Enjeitados no Brasil existiu até 1950, o último país do mundo a acabar com ela. O

Cd rol i nu Puurtc dos Suntos, Lkliu Nuiuliu Pobriunskyj Wcbcr


Brasil, apesar de ter sido o último país a acabar com a escravidão e com a Roda dos
Expostos, foi antecessor em criar uma lei específica para crianças e adolescentes após a
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em 1989. Weber (1999), portanto,
salientou a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 - um avanço
cernente à proteção à infância, fruto da mobilização da sociedade civil.
É importante mencionar que há grandes dificuldades em encontrar estudos sobre
o abandono no Brasil, devido à ausência de registros e à falta de domínio da escrita nos
tempos remotos. Segundo Trindade (1999), o alto índice de analfabetismo e a dependência
administrativa até as primeiras décadas do século XIX pontuavam com grandes lacunas as
fontes tradicionalmente utilizadas para a história do Brasil. O ato de expor os filhos, como
mostrou Marcílio (1998), foi introduzido no Brasil pelos brancos europeus-os índios não
abandonavam os próprios filhos. Ademais, a perpetração do abandono circunscrevia-se ao
espaço urbano, como apontou Trindade (1999). O abandono de crianças raramente ocorria
no meio rural, onde a força de trabalho familiar ocupava fundamental papel na sobrevivência
da unidade doméstica. Já na cidade, como Motta (2001) trouxe à tona, o trabalho infantil
tinha pouco valor, lendo em vista que as atividades ou eram artesanais, e geralmente
exigiam especialização profissional, ou demandavam força física.
No século XVIII o abandono e a mortalidade infantil cresceram rapidamente,
manifestando-se onerosos ao Estado. A solução vista foi criar meios para erradicá-los.
Assim, segundo Marcílio (1998) e Trindade (1999), novas estratégias foram adotadas,
conscientizando as mães a não abandonarem as suas crianças. Toda a mãe deveria
amamentar e cuidar de seu filho, mantendo-o junto de si, até que se tornasse capaz e
independente. Ora, como fez notar Badinter (1985), dava-se início à valorização da criança.
Por conseguinte, o século XIX - caracterizado pelo o crescimento da vida urbana e
desenvolvimento industrial - exibiu um peculiar aumento de crianças abandonadas. Assim, a
mulher do século XIX foi induzida a aceitar, com maior ou menor rapidez, o papel de boa mãe.
Este século foi marcado como a era das provas de amor, onde o bebê e a criança transformaram-
se nos objetos privilegiados da atenção materna. O abandono passou então a ser considerado
um ato de depravação dos costumes. Contudo, foi no século XX que esta concepção alcançou
seu ápice, transformando o conceito de responsabilidade materna ao de culpa. Da
responsabilidade à culpa, como apontou a autora, foi apenas um passo, devido à exaltação à
nobreza das tarefas matemantes, as quais eram capazes de condenar as que não a realizavam
perfeitamente. As mulheres mais engajadas em sua condição de mãe aceitaram com alegria
carregar este fardo. Porém as outras, mais numerosas que se podia supor, não puderam, sem
angústia e culpa, distanciar-se do novo papel imposto. A boa mãe era terna, ou não era boa
mãe. Não amar os filhos presumia crime imperdoável (Badinter, 1985). Em suma, foi assim
que a maternidade se tornou o que é hoje: um dos estados humanos mais naturais, e um dos
mais policiados, uma responsabilidade única da mulher; não apenas um dever, mas uma
vocação altamente idealizada, cercada de emoção por todos os lados.
Como preconizou Hart (1991), a criança abandonada, sob os olhos da lei, destacou-
se no século XX, prevalecendo sobre ela um olhar de preocupação. Eis, portanto, completado
o processo de metamorfose que transformou as crianças inocentes e desprotegidas em
menores que deviam ser salvos e formados para exercer seus papéis de futuros cidadãos.
Ao contrário de períodos anteriores, observou-se uma práxis diferenciada de atendimento
à criança, na qual a assistência foi apenas um traço tênue e a educação foi se tornando
fundamental.

Sobre Com portamento e Cognição 135


É impreterível noticiar com ênfase os dados concernentes ao ponto de vista
demográfico. A história mostrou um abandono superior de meninas que meninos. Porém,
a pesquisa de Sherr e Hackman (2002), realizada na Europa, evidencia que tal dado não
se mantém. As pesquisadoras afirmaram que a estimativa reverteu-se, ou seja, mais
meninos estão sendo abandonados.

A Mãe que Abandona


A retórica da maternidade encontra-se intocada por tanto tempo que se exibe
entrelaçada no tecido da consciência social. Expostas contra a luz, aparecem as pautas
que estão por detrás das crenças e suposições acerca da maternidade contemporânea,
quer suas raízes estejam na cultura popular, nos achados supostamente científicos, nos
fatos historicamente aceitos, ou no legado da tradição. Ao destacar a mãe que abandona
seu filho, vê-se necessário retratar a maternidade, no que tange a sua concepção histórica
e social propriamente dita, para um global entendimento da situação do abandono. Assim,
em primeira análise concebem-se as falhas naquilo que é apresentado como verdade
cristalina á maternagem e, consecutivamente, aos padrões formados por essas falhas.
Por fim, tornam-se evidentes os mitos criados sobre a maternidade e como esses refratam
através dos muitos prismas da cultura e através do próprio tempo.
Muitos biólogos comportamentais, segundo Chodorow (1990) e Hrdy (2001),
partiram do princípio de que a mulher normal é sempre uma mãe. Tal premissa embasou-
se na fisiologia feminina que possibilita à mulher procriar e, portanto, quem pode melhor
maternar. Deste modo, qualquer relutância ou falha em cuidar da prole, qualquer desvio da
energia da mãe para outras atividades era visto como patológico.
É sabido que o mito da “boa mãe" sempre foi eficaz aos costumes familiares e à
distribuição de papéis. Como enfatizou Foma (1999), Giberti, Chavanneau de Gore e Taborda
(1997) e Motta (2001), este é um dado sociológico raramente questionado e cuja importância
é capital para a estruturação de um grupo humano.
Fonseca (1995) alegou - em detrimento à concepção da fisiologia feminina como
indutiva à progenitura - que a maternidade, enquanto primordial ocupação da mulher,
ocorre em razão ao acordo tácito entre os cônjuges, onde cabe à mulher gerar os filhos
em troca do sustento econômico do marido. Não obstante, segundo Hrdy (2001), desde
os países contemporâneos - em que as mulheres vivem num estado de liberação ecológica,
não mais obrigadas a forragear seu alimento dia após dia para se manterem vivas e com
uma ampla gama de opções reprodutivas - até as outras regiões do mundo onde são
menos afortunadas, as mulheres estão constantemente fazendo trocas entre subsistência
e reprodução. Como a autora argüiu, o filósofo social Herbert Spencer já referia à divisão
do trabalho por sexo, assentando que cabia aos homens produzir e ás mulheres meramente
reproduzir. Chodorow (1990), similarmente, fez menção que o "gerar e cuidar das crianças
é um dos poucos elementos universais e duradouros da divisão de trabalho por sexo" (p.
17). À mulher era oferecida a escolha: ser a "boa mãe", socialmente esperada, ou então,
tornar-se a "mãe irresponsável". Logo, estudos de casos históricos, etnográficos e
demográficos confirmaram a existência de muitas mães que não cuidaram instintivamente
de sua progénie. Indubitavelmente, a escolha dessas mulheres pôs em análise os
argumentos essencialistas acerca das mães geneticamente programadas para criar seus
filhos. Assim, abarcou-se a idéia de que o amor materno é um sentimento socialmente
construído sem qualquer base biológica.

Carolina Duarte dos Santos, I Mia Natalia Dobrianskyj Wcber


Com efeito, ó de valia enfatizar que a relação materno-filial está determinada,
desde seu começo, por diversas influências psicológicas do desenvolvimento da própria
infância, educação e ambiente cultural da mãe, como pesquisou Bonomi (2002). A vista
disso, fundamenta-se: essa é uma das razões do referido não querer maternar.
A mãe que abandona é incluída na categoria "deixou seu filho". Mas é preciso
considerar e discernir as diferentes modalidades dessa separação. Dizer que a mãe
simplesmente não quer seu filho pode ser uma afirmação apriorística. A decisão de
abandonar um filho pode significar, para a mulher, aceitar a impossibilidade de criá-lo, ou
sua rejeição a ela ou a frustração de seu amor e desejo maternantes. Entretanto, Becker
(1994) reconheceu que há mulheres que não se dispõem à progenitura. Para a autora, a
rejeição ao filho ó real e manifesta e a manutenção de um vínculo colocaria em risco o
desenvolvimento da própria criança.
Assim, observa-se que se o amor materno fosse instintivo todas as mães normais
deveriam ser amorosas. E o que se examina é que em todos os tempos houve mães
amantes, porém, de modo algum, foi apanágio universal.

As Causas do Abandono
A maioria das mães abandona seu filho já na maternidade e desaparece, comprovando,
segundo Weber (2000), ser esta a prática mais comum em casos de abandono. À ótica
social, as causas maternas sempre serão frívolas frente ao ato praticado. Roig e Ochotorena
(1993) fizeram menção a suposta presença de transtornos psiquiátricos na mãe que abandona
seu rebento. No entanto, os autores refutaram essa hipótese e assinalaram a existência de
inúmeros casos de abandono de filhos sem qualquer alteração psicopatológica materna.
As diversas causas do abandono, para Pouchard (1997), necessitam que a realidade
se imponha. A autora motiva o desamparo e a miséria, acreditando que, geralmente, trata-
se de situações dramáticas em que os pais biológicos não têm muitas oportunidades.
Weber (1999) tornou saliente, em face á realidade da mãe abandonante - a qual se insere,
muitas vezes, na parcela populacional submetida à exclusão, à miséria e à violência - que
esta genitora crê que o abandono é o melhor que ela pode estar fazendo por sua prole.
É importante propalar o revelado por Lipps (2002), Pouchard (1997) e Watanabe (2002)
que supõem às mães com histórias de abandono e negligência em suas vidas pregressas
constituintes do grupo que conduz tal característica às suas experiências maternantes. Trata-
se de um círculo vicioso, em que o drama do abandono se reproduz de geração em geração.
Como salientou Weber (1999): o abandonado abandona. Referindo-se a essa repetição da
história, Bowlby (1998) enfatiza que as perdas e as separações das mães vividas na infância
são fatores relevantes nos processos de abandono de seus filhos na vida adulta.
Com efeito, deve-se acrescentar o conceito de estilo parental, o qual encaixa-se a
esta causa de abandono materno. O estilo parental consiste no conjunto de manifestações
dos pais em direção a seus filhos, que caracteriza a natureza da interação entre esses
(Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002). O estilo é o contexto dentro do qual operam
esforços dos progenitores para socializar os seus filhos de acordo com as suas crenças
e valores (Oliveira, 2002). Ele pode ser entendido como o clima emocional que perpassa
as atitudes dos pais, cujo efeito é o de alterar a eficácia de exercícios disciplinares
específicos, além de influenciar a abertura ou predisposição da progénie para a socialização,
como mencionou Darling e Steinberg (1993).
As pesquisas em estilos parentais abordam o quanto os pais são exigentes e o
quanto eles são responsivos para com os seus filhos, deixando de considerar outros

Sobre C o m p o rtam en to e C o r » ív 3 o
aspectos importantes como o relacionamento afetivo, o clima conjugal e o sentimento dos
filhos. Diante disso, Weber, Brandenburg e Viezzer (2003a), com o intuito de ampliar o
estudo das relações entre pais e filhos, elaboraram dimensões sobre diversas práticas
parentais que permitem medir os comportamentos específicos dos pais, e, principalmente,
fornecer uma avaliação global da qualidade de interação familiar.
Weber e cols. (2003a) ressaltaram que a interação familiar tem especial importância
no processo de formação de qualquer indivíduo. Ora pois, acredita-se que a qualidade da
interação familiar a que as mães que abandonaram os seus filhos foram submetidas em
suas infâncias foi um dos principais determinantes para o abandono de suas crianças.
Todavia, indubitavelmente, investigar o real comportamento de pais é de difícil acesso.
É notável, em muitas pesquisas, que eles são, em suma, os seus próprios examinadores,
porém, deve-se considerar que assim, há maior risco de relatarem os seus comportamentos
conforme a conveniência social (Holden & Edwards, 1989). Por conseguinte, outra forma de
pesquisar as interações entre pais e filhos é através do relato dos filhos, a percepção que
eles têm dos estilos e da qualidade do envolvimento parental. Para esse estudo citam-se os
instrumentos: Childrens Reports of ParentalBehaviorInventory, de autoria de Schaefer (1965);
Escalas de Responsividade e Exigência, de autoria de Lambom e cols.. (1991) e traduzidas
e adaptadas para o português por Gomes, Costa e Teixeira (2000) e as Escalas de Qualidade
de Interação Familiar, de Weber e cols.. (2003b).
Fonseca (1995) ainda observou certas regularidades no comportamento familiar
de mães que abandonaram os seus filhos. Percebeu uma raridade de casamentos legais;
uma relativa instabilidade conjugal e uma proporção alta de mulheres-chefes-de-família.
Stevens, Nelligan e Kelly (2001) atentaram à imaturidade materna como determinante ao
abandono, uma vez que, em sua pesquisa, a maioria das mães abandonantes era
adolescente. Já Jones (1993), concluiu a partir de seu estudo, que além da pouca idade,
da falta de condições econômicas e/ou sociais, um dos fatores que mais influenciaram as
mães a abandonar os seus filhos foi o julgamento alheio.
Segundo Freston e Freston (1994), o perfil predominante da mãe que abandona é
de uma mulher solteira, de mais de 20 anos, migrante de outro estado, de educação
primária incompleta, com trabalho incerto, sem fontes maiores de sustento familiar e que
engravida de uma relação eventual sem compromisso estável. A maioria dos casos de
abandono, de acordo com as pesquisas dos autores acima referenciados, é determinada
pela a conjugação do fator econômico (pouca educação formal; salário inconstante) com
o fator familiar (enfraquecimento da família extensa pela migração; ausência do
companheiro). Quando existe apenas um desses fatores, a incidência de abandono é
significativamente menor.
Compreende-se então, que o abandono é um fato social total que só se desvela
se compreendido historicamente nas suas vertentes biológicas e psicológicas, culturais e
socioeconômicas e não de um modo essencialista, seja qual for a "essência" eleita ou a
sua justificação.

Objetivos
Esta pesquisa teve como objetivo geral conhecer e identificar alguns dos fatores
presentes, sejam pessoais, familiares e/ou sociais, que influenciaram as mães a abandonar
seu(s) filho(s).
Além disso, buscaram-se os seguintes objetivos específicos:

Carolina Puarte dos Santos, Lidia Natalia Pobrianskyj Weber


a) Identificar variáveis comuns na história de vida de mães que abandonaram seu(s)
filho(s);
b) Avaliar a qualidade da interação familiar a que as mães que abandonaram seu(s)
filho(s) foram submetidas enquanto filhas;
c) Investigar histórias de vidas de mães, indicadas pelas mães abandonantes, poróm
que nunca doaram um filho;
d) Pesquisar a qualidade da interação familiar a que essas mães que não abandonaram
foram sujeitadas em suas infâncias;
e) Verificar semelhanças e diferenças entre as histórias de vida e a qualidade da interação
famifiar que ambos os grupos de mâes viveram;
f) Estabelecer relações entre os dados coletados nas entrevistas e o mencionado pela
a literatura.

Método
Participantes: Foram participantes dessa pesquisa 21 mães que abandonaram um ou
mais filhos, as quais constituíram o Grupo 1 (G1), assim como 21 mães que não abandonaram
seu(s) filho(s), componentes do Grupo 2 (G2). O G2 foi disposto a partir da indicação dessas
mães pela as entrevistadas do G1. Utilizou-se o critério de indicação das mães do G2,
visando à proximidade e certa vinculação com as mães que abandonaram (G1), tentando
manter, desta forma, semelhanças entre elas, sejam referentes à situação social, econômica
e/ou familiar. A cada mãe abandonante entrevistada foi solicitado que a mesma apontasse
uma mãe, próxima a ela, objetivando a manutenção da pesquisa. Ambos os grupos
compuseram uma amostragem de conveniência e não uma amostra estratificada ou
sistemática, frente à impossibilidade de obtê-la, em detrimento a peculiar característica da
pesquisa e seus sujeitos. O número de mães não foi delimitado, buscou-se o maior possível.
Local: A pesquisa realizou-se em Curitiba (PR) e em uma cidade do interior do Rio Grande
do Sul - Rio Grande. Os municípios foram definidos pela a facilitação ao encontro das
participantes. As entrevistas aconteceram em locais escolhidos pela as mães. Em suma,
realizaram-se nas residências das participantes ou em seus locais de trabalho.
Instrumentos: Utilizou-se um roteiro de entrevista semi-estruturada, o qual encontra-se
no Anexo A. Esta continha 21 perguntas; as 11 primeiras foram de rápida resposta e as
seis iniciais visavam a uma identificação da participante, assim como a familiarização
desta com o instrumento. As mães que abandonaram seu(s) filho(s) (G1) responderam,
integralmente, à entrevista. Já as indicadas por essas e que, conseqüentemente, não
abandonaram (G2), responderam somente até a questão 12, incluindo a última pergunta
(21), que não se referia, necessariamente, ao abandono.
Ainda fez-se uso das Escalas de Qualidade de Interação Familiar (EQIF) que analisam
e avaliam interações familiares e práticas parentais, de autoria de Weber e cols. (2003a),
como se pode observar no Anexo B. Em vista disso, as escalas foram aplicadas a ambos os
grupos de participantes. As autoras definem a qualidade da interação familiar a partir do
exposto pelo os filhos em resposta às 72 questões da EQIF. Cada pergunta solicita duas
respostas ao entrevistado, uma vez que é direcionada, separadamente, para pai e mãe.
Essas compõem 12 dimensões - nove positivas e três negativas. As 12 dimensões são:
1. Relacionamento Afetivo: analisa o recebimento de afeto da criança por seus pais;
2. Envolvimento: preconiza a participação dos pais na infância dos filhos;

1
Sobre C o m p o rtam en to e Coflnlç< o
3. Regras: envolve a apresentação de limites pelo os genitores aos filhos. Elas regulam,
dirigem e/ou regem a interação da família;
4. Reforçamento: visa à manifestação de conseqüências positivas à prole, após a emissão
de comportamentos que os pais consideram adequados;
5. Punições Inadequadas: açambarcam as brigas sem importância, as agressões físicas
como meio de correção ou mesmo as sem motivo aparente, que os progenitores
cometem aos filhos; igualmente, compreende a conduta dos pais em descarregar na
progénie seus problemas e de puni-la, de diferentes maneiras, frente aos mesmos
comportamentos;
6. Comunicação Positiva por Iniciativa dos Pais: ressalta a expressão verbal e instrucional
dada pelo os pais de forma específica e empática;
7. Comunicação Positiva por Iniciativa dos Filhos: examina se a criança conta o que
lhe acontece, se expõe aos pais suas opiniões, preferências e problemas;
8. Comunicação Negativa: atenta o falar alto ou gritar, o xingar e fazer uso de palavrões,
as ameaças que não são cumpridas e as críticas desnecessárias dos progenitores
aos filhos;
9. Clima Conjugal Positivo: investiga a demonstração de satisfação e a exibição de
afeto entre os cônjuges;
10. Clima Conjugal Negativo: refere-se às brigas do casal e o posterior consenso, em
ocorrência e intensidade;
11. Modelo Parental: enfatiza a apresentação de valores e os exemplos perpassados
aos filhos pelo os genitores;
12. Sentimentos dos Filhos: denota os pensamentos e sentimentos dos filhos em relação
aos pais.

As dimensões foram avaliadas através de um sistema Likert de cinco pontos.


Assim, todas as perguntas receberam duas pontuações, uma para pai e outra para mãe,
o que propiciou a individual análise da relação da participante com cada progenitor. O
sistema de pontuação indicava "um" á resposta "Nunca”, "dois" à “Quase nunca", "três” á
"Às vezes", "quatro" à “Quase sempre” e "cinco" à "Sempre", conforme a intensidade com
que as mães classificaram as atitudes e comportamentos de seus pais descritos nos
itens. Foi obtido o escore total de cada dimensão, separadamente, para os ambos grupos
- G1 e G2 - e para cada genitor, e também, o cálculo da freqüência e porcentagem de
respostas ás questões.
A validação das Escalas de Qualidade de Interação Familiar (EQIF) foi apresentada
no IX Congresso da Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento (Weber &
cols., 2003a). Weber e cols. (2003b) visando à validade concorrente de seu instrumento
cruzaram os resultados obtidos em suas escalas com os obtidos através das Escalas de
Responsividade e Exigência de autoria de Lamborn e cols. (1991), traduzidas e adaptadas
ao português por Gomes e cols. (2000). Maccoby e Martin (1983) propuseram uma tipologia
de estilos parentais definida a partir dessas duas escalas. Classificaram os pais como
autoritativos, negligentes, indulgentes e autoritários. Os resultados encontrados através
do teste estatístico ANOVA mostraram haver relação significativa entre os estilos parentais
e as dimensões da EQIF. Weber e cols. (2003b) mencionaram que para o processo de

Carolina Duarte dos Santos, l.idia Natalia Dobrianskyj Weber


validação, igualmente, foram aplicados alguns testes estatísticos. A análise fatorial dos
componentes principais, com rotação varimax, a análise fatorial dos componentes principais
de segunda ordem, com rotação varimax e o alfa de Cronbach foram os testes utilizados.
Muitas pesquisas aplicam somente a análise fatorial de componentes principais e o alfa,
uma vez que estes já são suficientes para comprovar a validade de um instrumento. Contudo,
a análise preditiva possibilita maior segurança em face à validação (Júnior & Pasquali,
1992; Weber & cols., 2003b). Os positivos resultados frente as testagens estatísticas
comprovam a validade e confiabilidade da EQIF.
Procedimentos: O contato com as mães era principiado pela a apresentação da
pesquisadora e sua filiação. Logo, revelava-se à participante que se tratava de uma pesquisa
sobre mães e filhos. Em ambos os grupos, iniciou-se pela a entrevista e, a posteriori,
aplicou-se a EQIF. A explicação quanto ao uso das escalas - como meio de notificar a
relação da mãe com os seus pais em outrora - era de fácil entendimento pela as
participantes, uma vez que já apresentavam o conhecimento de que a pesquisa visava ao
envolvimento entre mães e filhos. Não se atentou qualquer dificuldade em responder ao
instrumento. As questões eram lidas e assinaladas pela a entrevistadora de acordo com
as respostas dadas pela as mães.
Análise dos Dados: A entrevista foi analisada através dos métodos qualitativo e quantitativo.
As questões fechadas - especificamente as quinze primeiras e a 17 e 18 - foram submetidas
ao método quantitativo. Desse modo, fez-se uso do aplicativo Statistical Package for
Social Science, o SPSS, o qual executa rápida e facilmente procedimentos estatísticos.
Já as questões abertas (16,19,20 e 21) foram sujeitadas à análise qualitativa. A codificação
e exame dos dados foram realizados através da análise de conteúdo, segundo a perspectiva
de Bardin (1977). Esta se exibiu em três fases: pré-análise, exploração do material e
tratamento dos resultados. Visando à categorização das respostas, realizaram-se
parágrafos sínteses tangentes a cada pergunta aberta do roteiro, ou seja, contendo as
respostas das participantes; bem como o cálculo de percentuais de cada resposta, o que
possibilitou a análise e discussão dos resultados.
As Escalas de Qualidade de Interação Familiar (EQIF) foram analisadas
quantitativamente, conforme a proposta de Weber e cols. (2003a). Fez-se uso do software
SPSS para aprestamento dos dados. A classificação da qualidade da interação familiar a
que as participantes foram submetidas em suas infâncias foi feita com base nos cálculos
do escore total, de cada dimensão, para pai e mãe separadamente; além dos cálculos
das freqüências e, conseqüentemente, das porcentagens, obtidas em cada uma das 12
dimensões da EQIF e para ambos os genitores. Tal procedimento, embora não tenha
favorecido a criação de grupos típicos de interação familiar, possibilitou a percepção dos
altos e baixos índices freqüenciais e percentuais, ou seja, dos níveis de envolvimento
familiar das entrevistadas em suas infâncias. Cabe fazer menção ao teste estatístico alfa
de Cronbach, que foi aplicado às respostas das mães à escala com intuito de assegurar
a consistência interna do instrumento para a amostra pesquisada. O alfa total foi de 0,9812.
Ainda utilizou-se o teste de Mann-Whitney, a fim de comprovar se ambos os grupos, G1 e
G2, apresentavam diferenças significativas entre si, ou seja, se através da EQIF, podia-se
constatar distinta qualidade de interação familiar a cada grupo e, respectivamente, a cada
genitor. A prova U de Mann-Whitney, nomenclatura atribuída ao instrumento, trata-se de
um teste não-paramétrico indicado a pequenos grupos amostrais (Siegel, 1975). Os
resultados evidenciados assentaram a existente diferença na qualidade de interação familiar
na infância das mães que abandonaram seu(s) filho(s) em razão àquelas que não o

Sobrr C o m p o rtam en to c C o r i i í (<1o


cometeram.

Resultados
Os dados dessa pesquisa esclareceram alguns mitos e ressaltaram algumas
verdades. As comparações entre os grupos permitiram traçar lídimos perfis entre as mães
que abandonaram seu(s) filho(s) e àquelas que não abandonaram sua progénie.
O instrumento EQIF - Escalas de Qualidade de Interação Familiar - permitiu
alcançar o objetivo geral, o qual previa identificar e diferenciar, além de fatores pessoais e
sociais, também os familiares, envolvidos na decisão de abandonar ou não um filho pela a
mãe. É digno de nota o adendo que concerne à relação da mãe com os seus genitores,
em outrora, considerando-a capaz de influenciar a decisão do abandono. A entrevista,
primeiro instrumento utilizado na coleta de dados, detectou os aspectos sociais e pessoais
das mães frente ao ato de abdicar do filho. Assim, foi possível assentar as diferenças
percebidas entre as mães que abandonaram seu(s) filho(s) e aquelas que não abandonaram,
caracterizando, indubitavelmente, o perfil de ambos os grupos.
Os grupos mostraram-se totalmente distintos entre si e o teste de Mann-Whitney
demonstrou as significativas diferenças entre eles através das Escalas de Qualidade de
Interação Familiar. Os escores encontrados em cada dimensão, para cada grupo de mães,
foram completamente dessemelhantes. As dimensões Relacionamento Afetivo, Reforçamento
e Envolvimento foram as mais divergentes entre G1 e G2 para ambos os progenitores. Ora,
ao comparar os escores totais de cada dimensão a maior diferença entre os grupos foi de
413 na dimensão Relacionamento Afetivo entre os pais e de 413 entre as mães; 410 na
dimensão Reforçamento entre os pais e de 419 entre as mães e 390 na dimensão Envolvimento
entre os pais e 418 entre as mães. Logo, firmou-se: as mães abandonantes não experenciaram
relações afetivas, envolvimento parental e não receberam reforços positivos, influenciando
diretamente em sua auto-estima e afeto. Segundo Grusec e Lytton (1988), a extrema falta
de afeto e/ou rejeição parental associada à punição recebida dos pais contribui para o
desenvolvimento de comportamentos agressivos e delinqüentes no filho.
À vista da retórica impingida através das entrevistas e do avocado em resposta a
EQIF, tornou-se evidente que as mães abandonantes da pesquisa tinham entre 26 e 30 anos
de idade; possuíam um companheiro, mas não estavam casadas legalmente; tiveram, em
média, quatro filhos e abandonaram dois; residiam com o companheiro e filhos; nunca
abortaram; não concluíram o ensino fundamental; trabalhavam como donas de casa e sua
família sustentava-se com uma renda mensal de um salário mínimo. Essas mães tinham
menos de 20 anos quando abandonaram o primeiro filho; viviam com um companheiro no
momento do abandono; a criança tinha menos de um mês de vida e foi abandonada no
próprio hospital em que nasceu. O pai da criança soube da possibilidade do abandono e
incentivou a mãe a cometê-lo, permitindo a ressalva de que os pais, semelhantemente,
foram pais abandonantes. As mães abandonaram alegando a falta de dinheiro e/ou emprego;
propagaram que assim faziam o melhor pela a criança e permaneceram salientando isso, ou
seja - que fizeram o melhor pelo o filho e que ele estava bem - no momento da entrevista. Se
pudessem mudar algo em suas vidas, essas mães aprestaram que trariam o filho de volta.
No que tange à infância com a família de origem, apercebeu-se que as entrevistadas
que abandonaram seu(s) filho(s) não apresentaram um bom relacionamento afetivo e
envolvimento com seus progenitores; afirmaram certa exposição de limites e regras pela
as mães, em detrimento aos pais, porém total ausência de reforçamento por ambos, bem

Carolina Duarte dos Santos, Lidia Natalia Dobrianskyj Weber


como a constante ocorrência de punições inadequadas. Cabe a menção que elas não
denunciaram punições inconsistentes, permitindo o adendo, que foram punidas
inadequadamente, poróm de forma consistente. Inserido aos maus tratos, examinou-se
os abusos físicos sem ter feito algo errado, os quais foram referidos, significativamente,
em razão aos pais. Esses batiam nas entrevistadas e mantinham uma comunicação
negativa com elas. As mães, por sua vez, batiam menos, mas faziam uso, diligentemente,
de abuso verbal. Elas manifestavam maior comunicação nociva às filhas que os pais. A
comunicação positiva com ambos os genitores, tanto por iniciativa deles quanto das próprias
entrevistadas, era inexistente. O clima conjugal entre o casal, segundo as filhas, era ruim,
tornando evidente a propagação do clima conjugal negativo. Ademais, foi notória certa
perpetuação de exemplos e valores pela as mães das participantes, além da demonstração
de alguns sentimentos de amor. Outrossim, apesar das mães das entrevistadas fazerem
notar, em duas dimensões da EQIF, melhor conduta que os pais, essa foi apontada apenas
às dimensões que impõem limites (Regras) e apresentam valores (Modelos), não se
referindo àquelas que envolvem afeto e comunicação. Isso permitiu inferir; o G1 experienciou,
em outrora, inadequada interação famiíiar com ambos os pais e, á vista disso, ressaltou-
se que as mães abandonantes foram filhas abandonadas - inseridas em uma infância
marcada por maus tratos e negligência parental.
Com efeito, as entrevistadas que compuseram o G2 inocularam~se ao perfil: eram
donas de casa com idade entre 31 e 35 anos, possuíam uma relação estável, porém não
legalizada, com um companheiro e residiam, no momento da entrevista, com este e sua
prole. Eram mães de dois filhos, que nunca abortaram, com pouca escolarização (ensino
fundamental incompleto) e renda familiar mensal de dois a três salários mínimos. Essas
mães aspiravam a melhores estudos como garantia de um bom emprego.
Em referência à interação das entrevistadas com seus genitores em suas infâncias,
atentou-se a um relacionamento e envolvimento afetivo mais presente e assertivo, em
detrimento às mães do G1. Igualmente, viu-se maior apresentação de limites por ambos os
progenitores e reforços mais consistentes, freqüentes e sistemáticos. Quanto a punições,
as mães perpassaram a constante ocorrência de inadequadas punições por seus pais e
uma menor incidência concernente a suas mães. No que tange às inconsistentes, a amostra,
comooG1, manifestou sua inexistência. As participantes identificaram certa comunicação
positiva, tanto por iniciativa dos genitores, quanto delas mesmas, mas, concomitantemente,
expuseram a presença de comunicação negativa em seus relacionamentos familiares.
Similarmente, apontaram a aspectos afirmativos e nocentes da vida conjugal dos pais. É
imprescindível dar ênfase à permanente propagação de modelos pelo os genitores,
possibilitando às entrevistadas do G2, amiúdes expressões de exemplos e valores em suas
infâncias. Não obstante, mencionaram alguns sentimentos positivos aos pais ao recordarem
a meninice. Sendo assim, exprimiu-se: as mães que náo abandonaram seu(s) filho(s)
vivenciaram uma infância mais adequada do que as mães que abandonaram, permeada não
só de considerações onerosas - como as mães abandonantes - mas também
condescendidas, firmadas com primazia nas dimensões da EQIF.
Em vista, aduziu-se às notáveis semelhanças referentes aos aspectos sociais,
econômicos e culturais, entre as mães de ambos os grupos, e divulgados em suas respostas
à entrevista. Apercebeu-se que elas se incorporaram em um único contexto. Indubitavelmente,
este mostrou-se parte de uma sociedade que apontou à realidade de 10 milhões de brasileiros
que se encontram desempregados: aos 30 milhões que passam fome e aos 41 milhões que
não têm trabalho com carteira assinada - situação dificultada pelo o fato de não ter completado

Sobre C u m po rtiim cn to e C o«m v.lo 143


o ensino fundamental - como 29% da populaçào com mais de 25 anos de idade (dados
exibidos na edição de março de 2004 da revista Veja). Por conseguinte, foi notória a
dessemelhança, entre G1 e G2, face à qualidade da interação familiar a que essas mães
foram sujeitadas em suas infâncias. Ora, foi dada a razão á influência das experiências
pregressas na decisão de abandonar o(s) filho(s), ou seja, as mães submetidas à negligência
e/ou abandono em suas infâncias reportaram essas as suas vivências maternantes.
A presente pesquisa então aclarou onde e como ocorreu o abandono materno,
assim como apresentou as circunstâncias e as mães mais predispostas a cometê-lo.
Desse modo, almeja-se que a identificação de alguns aspectos presentes no abandono
de um filho pela a mãe tenha suscitado novas questões e interesse ao tema. O
aprofundamento à questão do abandono é necessário, considerando que a presente
pesquisa, por ter feito uso da seleção racional, ou seja, da amostragem intencional, não é
representativa e, portanto, não pode ser generalizada à população abandonante. Novas
pesquisas, e, conseqüentemente, seus pesquisadores devem se deter à busca de mais
mães abandonantes. Elevadas amostras possibilitam maiores generalizações e mais
pesquisas ao tema permitem o estabelecimento de sugestões e medidas preventivas.
Assim, buscam-se respostas capazes de orientar as polfticas brasileiras, as ações
institucionais e o trabalho dos profissionais envolvidos, para que sejam encontradas formas
pertinentes e capazes de atender às demandas das mães que abandonam, dos diretamente
abandonados e da sociedade, a qual em geral, é motivadora à prática.
Então, exibe-se a necessidade de conscientização social e de mobilização
governamental, referente às frentes ainda não atendidas e que, sumamente, coadunam às
demandas básicas da sociedade. Ainda integra-se à profilaxia deste processo, oferecer
um conhecimento aprofundado, à comunidade de um modo geral, mobilizando recursos
adequados às necessidades da mãe e da criança, saindo da postura, notoriamente pregada,
de censura crítica.

Referências
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CiiroliHti Duarfc dos Santos, l.idúi Natalia Pobrianskyj Wcbcr


Capítulo 14

Instrumentalismo científico e o
modelo de seleção por conseqüências

C,i/ohn,i / , u/renti1

/ose Antônio Pjnhísio A bilf

Com base nas três interpretações de teoria científica: realismo, instrumentalismo


e descritivismo este trabalho examina alguns sentidos do termo teoria no behaviorismo
radicai. Em um primeiro momento, apresenta-se uma interpretação robusta da teoria
comportamental skinneriana: a teoria como descrição. Nessa acepção, a teoria consiste
em um compêndio de relações funcionais entre eventos observáveis. Tal interpretação
fundamenta-se nas influências da obra do físico Ernst Mach (1838-1916) na filosofia de
ciência de B.F. Skinner (1904-1990). Não obstante, defende-se, aqui, que a teoria do
comportamento skinneriana pode também ser lida como uma versão do instrumentalismo
científico. Assim sendo, destaca-se um outro sentido da teoria do comportamento: a
teoria como instrumento conceituai. Isso significa que a teoria funciona como um recurso
heurístico para suscitar questões e fomentar a criatividade cientifica. Argumenta-se,
outrossim, que a passagem para o instrumentalismo dá-se ainda por uma influência
machiana. Para sustentar essa hipótese apresentam-se inicialmente as afinidades da
filosofia da ciência de Mach com o instrumentalismo científico. Em seguida, discute-se a
solidariedade do behaviorismo radical com a interpretação instrumentalista das teorias
científicas. O modelo de seleção por conseqüências é escolhido como o campo propício
para evidenciar as estreitas relações entre behaviorismo radical e instrumentalismo científico.

'Doutorando do Programa de Pós-Graduaçáo em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar,


bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sfto Paulo (FAPESP); endereço eletrônico:
carolinapsicologia@hotmail com
^Orientador do Programa de Pós-Graduaçáo em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar

Sobre C o m p ortam en to c Coqnivdo 147


Por fim, são discutidas algumas implicações da leitura instrumentalista da teoria do
comportamento, dentre estas o inelutável compromisso entre ciência e ética.

Filosofia da Ciência e Teoria Cientifica


Na filosofia da ciência, a teoria cientifica é objeto de investigação. Nesse sentido,
ela oferece algumas interpretações da natureza e da função de uma teoria científica. Há
três interpretações principais das teorias científicas: realismo, instrumentalismo e
descritivismo. Um dos problemas mais importantes enfrentado por essas interpretações,
é se as teorias científicas podem ser tratadas como declarações verdadeiras ou falsas.
Desta forma, a diferença entre realismo, instrumentalismo e descritivismo pode ser buscada
na maneira com que cada uma delas lida com a problemática da verdade ou falsidade das
teorias científicas.
Em linhas gerais, o realismo interpreta a teoria como uma declaração da realidade
física. Isso significa que as noções teóricas lidam com objetos reais - tão reais quanto
objetos familiares, como paus e pedras (Nagel, 1961). Para o realismo, a verdade ou
falsidade são critérios genuínos para decidir sobre a legitimidade de uma teoria científica:
as teorias são verdadeiras na medida em que há uma correspondência entre noções
teóricas e realidade física, ou falsas, quando essa correspondência não é satisfeita.
O instrumentalismo concebe as teorias como ferramentas conceituais ou regras
para organizar a pesquisa científica e ordenar leis experimentais, construindo relações
entre os dados que não seriam estabelecidas, caso não fossem organizadas pela teoria.
Segundo a visão instrumentalista, uma questão pertinente não é se uma teoria é verdadeira
ou falsa, mas sim, se a teoria é efetiva ou não para representar e inferir relações
experimentais. Ainda que não empregue critérios como verdade ou falsidade, o
instrumentalismo admite que uma teoria pode ser considerada superior a outra: ou porque
funciona como um principio orientador efetivo para um alcance maior de questões; ou
porque oferece um método de análise e representação que torna possível inferências mais
detalhadas e precisas (Nagel, 1961).
Já o descritivismo interpreta a teoria como um resumo de relações de dependência
entre eventos e propriedades observáveis. A verdade ou falsidade de uma teoria é dada pela
tradução de declarações teóricas em declarações sobre fatos observáveis. Ou seja, quando
as declarações teóricas podem ser traduzidas em declarações sobre eventos observáveis, a
teoria é verdadeira. Caso contrário, quando essa tradução não é possível, a teoria é falsa.
Feitas essas caracterizações, convém perguntar: como a teoria comportamental
de Skinner dialoga com as referidas interpretações de teoria científica?

Descritivismo Cientifico e Behaviorismo Radical


A teoria do comportamento é interpretada como descritivista através das relações
de Skinner com o físico Ernst Mach - considerado um dos principais representantes do
descritivismo científico (Nagel, 1961; Chiesa, 1994). Na interpretação descritivista da teoria
do comportamento, as declarações teóricas são declarações sobre relações funcionais
entre organismo e ambiente. Ressaltemos: relações funcionais entre eventos observáveis
(estímulos, respostas e conseqüências). Essa interpretação não é novidade para aqueles
que têm familiaridade com discussões teórico-filosóficas do behaviorismo radical. Por
essa razão, não nos dedicaremos, aqui, a discutir os aspectos da obra de Skinner que
refletem o descritivismo funcional machiano. Trabalho este que já foi realizado por vários

Curolina Liurcnti, José Antônio Damásio Abib


estudiosos do behaviorismo de Skinner (Smith, 1986; Chiesa, 1994; Baum, 1994/1999;
Micheletto, 1997).
Apenas para indicar a notável influência machiana, podemos mencionar alguns
pressupostos skinnerianos que ecoam a filosofia da ciência de Mach: a redução da
explicação à descrição (Skinner, 1931 /1961a); a substituição de causa e efeito, por variável
independente e dependente, respectivamente (Skinner, 1953); a substituição da relação
causal por relação funcional (Skinner, 1931/1961a, 1953); eliminaçãodo conceito metafísico
de causa como força ou agência (Skinner, 1931/1961 a, 1953,1981/1984a); economia do
sistema científico (Skinner, 1974/1976); o comportamento como matéria de estudo em si
mesmo (1958/1961b, 1989).
A presença marcante de conceitos capitais da obra de Mach (1893/1960, 1894/
1943,1905/1976) no projeto científico skinneriano legitima a interpretação descritivista da
teoria do comportamento. O que é ponto pacífico. A despeito dessa interpretação
(aparentemente) incontestável, é possível argumentar que, talvez, as relações entre Mach e
Skinner não se limitam ao descritivismo científico, acabando por tocar na visão instrumentalista
da ciência. Defende-se, aqui, uma interpretação ínstrumentaíista da teoria do comportamento'.
Tal interpretação é sugerida, ainda, pela influência machiana na obra de Skinner. Para mostrar
a plausibilidade dessa tese é necessário, em primeiro lugar, argumentar em que medida a
teoria científica de Mach pode ser lida como uma versão do instrumentalismo científico. Em
segundo lugar, discutir como a teoria comportamental skinneriana, por influência de Mach,
apresenta-se como uma teoria instrumentalista da ciência.

Ernst Mach e Instrumentalismo Cientifico


Alguns aspectos da teoria machiana podem ser mencionados para evidenciar a
sua solidariedade com o instrumentalismo científico. O primeiro deles diz respeito ao
papel que Mach (1905/1976) atribui a noções teóricas como conceitos e hipóteses na
pesquisa científica. Segundo Mach, os conceitos não são resultados de observação
imediata. Não obstante, eles fazem parte do desenvolvimento da ciência, exercendo uma
função instrumental na investigação científica: "o propósito dos conceitos ô permitir
encontrar nosso caminho no emaranhado confuso dos fatos4" (Mach, p. 98). Nessa situação,
os conceitos são tratados como princípios orientadores da investigação científica:
simplificam os fatos, destacam os aspectos relevantes e ignoram aqueles irrelevantes,
que são desprezíveis, ou que poderiam atrapalhar o andamento da pesquisa. Levando em
consideração a sua função instrumental, o pesquisador tem no conceito uma ferramenta
essencial para indicar relações entre os fenômenos (Mach).
Um tratamento semelhante ao dos conceitos é dado por Mach (1905/1976) quando
discute a função das hipóteses científicas. Quando formulamos uma hipótese supomos
propriedades e conseqüências de um fenômeno sem conhecer de antemão se esses
aspectos continuarão a ser mantidos em outras condições. A hipótese é encarada como
uma suposição provisória, que não pode ser ainda estabelecida, mas que facilita a nossa
visão de novas relações na pesquisa científica, assumindo um valor heurístico.

3 As afinidades eníre behaviorismo radical e instrumentalismo científico já foram indicadas anteriormente


(Abib, 2003) Entretanto, a referida Interpretação nào recorreu às relações de Skinner com Mach, como
agora se propõe
4 Convém mencionar que Mach (1905/1976) emprega o termo fato para destacar um conjunto de relações
cujas características podem ser dadas pela observação. Algo que ó tangível e verificável.

Sobro C o m p o rtam en to c CoRnlv<lo 149


é de importância capital salientar, que a função instrumentalista da teoria aparece
na filosofia da ciência machiana como uma alternativa ao realismo científico. Isso pode ser
vislumbrado quando Mach (1894/1943) critica a física mecânica por hipostasiar conceitos
e hipóteses científicas. Como exemplo, segue sua repreensão aos conceitos de molécula
e átomo, tal como empregados pela mecânica newtoniana:

"usar concoitos não faria a ciência física vor em suas moléculas o átomos -
ferramentas econômicas, autocriadas, mutáveis - realidades atrás do fenômeno
(...). O átomo deve permanecer uma ferramenta para roprosentar o fenômeno,
como as funções da matemática” (pp. 206-207, grifos meus).
O que Mach (1905/1976) censura, portanto, ó a passagem ilegítima, da teoria
como ferramenta conceituai à teoria como uma realidade por detrás do fenômeno. Isso
apresenta ainda outro agravante: de ferramentas que auxiliam na interpretação dos
fenômenos, os conceitos e hipóteses passam a ser o objeto principal da pesquisa,
relegando, assim, a segundo plano, o próprio fenômeno a se investigar. Em vista disso, a
relevância científica de uma teoria não se mede pela máxima newtoniana “não faço
hipóteses". Ao contrário, as hipóteses, ainda que não tenham uma função probatória são
heuristicamente úteis. E ó justamente por isso que são acolhidas no processo de produção
do conhecimento científico. O problema não é fazer hipóteses, mas atribuir a elas o status
de realidade ontológica. Mach (1893/1960) arremata:

“A maioria dos pesquisadores naturais atribuem aos implementos intelectuais


da física, aos conceitos de massa, força, átomo, e assim por diante, cuja única
função ó rocuporar economicamente experiências arranjadas, uma realidade
por dotrás e independente do pensamento. E não somente isso, tem sido
sustentado que essas forças e massas são os objetos reais da pesquisa" (pp.
609-610).
Os conceitos e hipóteses podem ser vistos como catalisadores da pesquisa
científica: geram novas questões e estabelecem novas relações e leis. Todavia, na filosofia
da ciência de Mach (1905/1976), essas noções teóricas apresentam-se como uma
estratégia provisória, a ser abandonada tão logo sejam alcançadas declarações sobre
relações de dependência entre eventos e propriedades observáveis. O que evidencia sua
concepção descritivista de ciência. Ora, ainda que haja fortes evidências que atestem a
interpretação descritivista da teoria machiana, não parece implausível, com base na
discussão feita até o momento, supor relações estreitas desse autor com o instrumentalismo
científico. Talvez, seja mais prudente falar em um instrumentalismo não explícito, ou, em
outras palavras, um instrumentalismo reticente, que é anunciado no debate travado
com o realismo científico.
A posição assumida por Mach (1905/1976) com respeito à questão da verdade
das teorias consiste em um outro aspecto que aproxima a sua filosofia da ciência do
instrumentalismo. Lembremos que a interpretação instrumentalista das teorias não emprega
os critérios de verdade ou falsidade, mas sim a efetividade. Nesse sentido, o
instrumentalismo alinha-se como pragmatismo filosófico (Baum, 1994/1999; Smith, 1986).
Notadamente, Mach (1905/1976) dá preferência aos termos conhecimento e erro ao
invés da díade verdade-falsidade. Ele define conhecimento como uma "experiência mental
diretamente ou indiretamente benéfica a nós" (p. 84). E o erro como um tipo de experiência
que produz "associações enganadoras que impõem conseqüências dolorosasf' (p. 81). No

Carolind Liurcnti, losé Antônio Danvkio Abib


contexto da ciência, o conhecimento conduz a relações funcionais importantes para a
pesquisa cientifica. Em contraste, o erro acontece quando o cientista negligencia diferenças
significativas entre os fenômenos; quando desconsidera, principalmente, que os eventos
estão sempre em relação.
Ainda que sejam tratados como experiências distintas, Mach (1905/1976) afirma
que a natureza do conhecimento e do erro é a mesma:"conhecimento e erro fluem da
mesma fonte mental, somente o sucesso pode diferenciar um do outro" (p. 84). A diferença
entre conhecimento e erro, como ó possível perceber, é a efetividade. Na ciência, a
diferença se dá entre regras científicas efetivas e não efetivas. A concepção machiana de
erro gera uma certa postura ao fazer ciência: o cientista deve levar em consideração as
possíveis fontes de erro no decorrer da investigação experimental, pois somente com um
exame rigoroso e exaustivo o pesquisador pode evitá-ío. Essa relação estreita entre
conhecimento e erro leva também o pesquisador a adotar uma atitude mais modesta
diante da pesquisa. Nesse caso, seria mais sensato falar de probabilidade ao invés de
certeza, como nos aconselha Mach (1905/1976): “Finalmente, devemos lembrar que
mesmo a mais alta probabilidade não è ainda uma certeza" (p. 89).
Portanto, temos em Mach (1905/1976) conhecimento ao invés de verdade; erro ao
invés de falsidade; probabilidade ao invés de certeza. Se essa análise estiver correta,
teríamos, então, outros indícios para fortalecer possíveis interpretações da teoria machiana
como um instrumentalismo científico. A hesitação em lidar com a noção de verdade pode
também ter relações com a “aversão" de Mach ao realismo. Verdade combina com realidade.
A verdade é a correspondência, o acesso à realidade. Relações que não encontram lugar
em uma filosofia instrumentalista da ciência.

Behaviorismo Radical e Instrumentalismo Cientifico


Um dos conceitos centrais, no behaviorismo radical, que permite uma interpretação
instrumentalista da teoria comportamental é o de contingência de reforço. Nessa
perspectiva, a contingência de reforço pode ser interpretada como uma ferramenta
conceituai, não apenas para orientar o cientista na pesquisa científica, mas também para
interpretar outros comportamentos que não são passíveis de manipulação experimental.
A contingência de reforço expressa a maneira como se dá a relação entre os eventos
ambientais e comportamentais: o estímulo antecedente estabelece a ocasião em que uma
resposta, quando emitida, terá uma maior probabilidade de ser seguida de conseqüências
reforçadoras (Skinner, 1969). Nesse sentido, ela funciona como uma regra na pesquisa
experimental, na medida em que o cientista procurará relações entre os eventos nos moldes
especificados pela contingência. Por exemplo, apresentemos a um leigo em análise do
comportamento uma situação experimental em que o rato pressiona a barra e recebe uma
pelota de alimento na seqüência. Ele pode estabelecer relações que não são aquelas
buscadas em uma análise experimental do comportamento: pode explicar, por exemplo,
que o rato pressionou a barra porque estava com “fome", porque estava “acostumado" a
receber comida logo depois de pressionar a barra, ou que o rato "inferiu" o recebimento da
pelota após a pressão à barra, e assim por diante. Com esse exemplo queremos dizer que
o nosso convidado não perceberá o comportamento operante sem uma teoria científica.
Skinner (1969) resume a ilação nas seguintes palavras: "a observação direta, não importa
quão prolongada, nos diz muito pouco sobre o que está acontecendo” (p. 9).

Sobro C om porltim aito c t'ofiMiy«!«


O analista do comportamento, por sua vez, olhará as contingências. E esse olhar,
muitas vezes, não coincide com o que foi mais atrativo ou interessante para o nosso convidado,
como a maneira que o rato pressionou a barra. A contingência de reforço, por exemplo,
indica a probabilidade do responder, e não a topografia, como foco de análise. Como um
modo de olhar (ou interpretar) os eventos, a contingência constrói relações entre os dados
de observação que não seriam consideradas quando não organizadas por esse conceito.
A contingência de reforço também é o elo de ligação entre o laboratório e a vida
cotidiana. Nessa situação, ela funciona como um instrumento conceituai efetivo para lidar
com um alcance especial de questões que vão além do laboratório. Ou seja, com a noção
de contingência interpretamos, em termos relacionais, outros comportamentos que não
são passíveis de manipulação experimental. Por exemplo, as contingências de reforço
são empregadas por Skinner (1953,1981/1984a) na interpretação da cultura. A cultura
compreende o conjunto das contingências sociais que geram e mantêm o comportamento
das pessoas. Uma das implicações de uma interpretação em termos de contingências é
que a explicação da cultura prescinde de conceitos mentalistas, como uma mente grupai
ou um contrato social (Skinner). Ainda no tratamento da cultura, Skinner (1981/1984a,
1990) emprega outros conceitos como modelagem operante, imitação, modelação, aliados
a princípios da teoria evolucionista de Darwin (variação, transmissão e seleção), como
uma metáfora para explicar a origem e a evolução de práticas culturais.
Um outro caso de extrapolação do laboratório é a interpretação skinneriana do
comportamento filogenético. O artigo The shaping of phylogenic behavior(SW\mer, 1978)
compreende um exemplo esclarecedor da aplicação da teoria como um instrumento
conceituai5. De acordo com Skinner, topografias complexas do comportamento operante
são modeladas mediante um aumento gradual da complexidade das contingências de
reforço. Desta forma, operantes complexos, que dificilmente apareceriam no repertório do
organismo, poderiam ser desenvolvidos reforçando uma série de aproximações sucessivas.
As variáveis que participam desse processo podem ser observadas e manipuladas, já que
o condicionamento operante é passível de ser estudado no laboratório.
Skinner (1978) emprega o conceito de modelagem operante, que era utilizado
para compreender estritamente o comportamento complexo de um organismo individual,
para interpretar o desenvolvimento do comportamento típico da espécie. Ele explica a
evolução do comportamento filogenético complexo recorrendo não ás contingências de
reforço, mas a um programa de contingências do sobrevivência. Entretanto, o modo
como esse programa opera na modelagem do comportamento não pode ser observado e
manipulado, mas apenas inferido. Para construir a sua interpretação do desenvolvimento
do comportamento filogenético complexo, Skinner, ampara-se em conceitos e teorias
derivados de outras ciências, como evidências de condições ambientais que poderiam ter
participado da modelagem do comportamento, a saber, as teorias de expansão do fundo
do mar e da deriva continental. Ora, ao recorrer ao processo de modelagem e ás teorias
geológicas Skinner oferece uma explicação alternativa à explicação mentalista da evolução
do comportamento típico da espécie. Em outras palavras, a inferência skinneriana não é
arbitrária. Ela respeita um dos pressupostos do behaviorismo radical, ou seja, preserva a
autonomia do comportamento como matéria de estudo em si mesmo.

* Outro texto Hm que é notória a função Instrumental da teoria é o artigo The evolution of behavior (1984b).
Nele, Skinner interpreta a evolução do comportamento, começando com um comportamento primitivo de uma
ameba, estendendo sua interpretação até o comportamento humano complexo, tal como encontramos hoje

152 M ftniiii (./er.ilili Viilentlm


Algumas im plicações da interpretação instrum entalista da teoria
comportamental de Skinner
A primeira conseqüência de uma interpretação instrumentalista da teoria do
comportamento é propiciar uma espécie de completude explicativa. Isso pode ser
vislumbrado quando Skinner (1981/1984a) se vale do modelo de seleção por conseqüências
para ampliar o escopo de análise da ciência do comportamento. Noções teóricas, derivadas
do laboratório, juntamente com conceitos e teorias já estabelecidos por outras ciências
(como no caso da deriva continental e da expansão do fundo do mar, o a teoria evolucionista
de Darwin), são empregados para interpretar comportamentos que escapam ao critério de
manipulação e controle experimental. Como é o caso da origem e evolução do comportamento
filogenótico e das práticas culturais. Portanto, com o instrumentalismo, a ciência do
comportamento estende-se para além dos limites da psicologia (representante do segundo
nível seletivo) invadindo ciências adjacentes (biologia e etologia, representantes do primeiro
nivel; e antropologia, que corresponde ao terceiro nlvel seletivo).
Em segundo lugar, podemos dizer que Skinner (1981/1984a) ultrapassa o
descritivismo funcional machiano. O que nos leva a concluir que a teoria do comportamento
não se limita a declarações de relações funcionais entre eventos observáveis. Dito de
outro modo, o descritivismo não é suficiente para expressar os usos do termo teoria no
behaviorismo radical. Contudo, esse avanço é feito sem ferir o comportamento como objeto
de estudo em si mesmo. Isso é de especial importância, pois o fato de certos
comportamentos não se moldarem à tradução de relações funcionais observáveis, não
impede que continuem sendo interpretados a partir das suas relações com o ambiente.
Em terceiro lugar, as relações de Skinner com o instrumentalismo evidenciam que
a interpretação faz parte do desenvolvimento da ciência do comportamento. As hipóteses
e inferências (mesmo que não puderem ser submetidas à investigação experimental)
apresentam um estatuto epistemológico legítimo na produção do conhecimento científico.
Elas são acolhidas no corpo teórico da ciência do comportamento com base exclusivamente
na sua coerência com os pressupostos do behaviorismo radical: o comportamento como
relação entre organismo e ambiente, e a autonomia do comportamento como objeto de
estudo. Em vista disso, podemos dizer que Skinner (1981/1984a) radicaliza o instrumentalismo
machiano, caracterizado como implícito ou hesitante - inscrito como uma complementação
de relações funcionais, que ainda não podiam ser verificadas empiricamente.
Em quarto lugar, temos que a interpretação instrumentalista da teoria do
comportamento é incompatível com o realismo científico. Nessa perspectiva, o conhecimento
científico não tem como objetivo instituir-se como conhecimento verdadeiro, isto ó, ele não
busca correspondência com a realidade. Assim sendo, teorias, leis e conceitos científicos
não são verdadeiros porque espelham a natureza, ou a maneira como a natureza opera,
mas porque ajudam o cientista a entender e a modificar a natureza: “[as leis científicas]
não são, é claro, obedecidas pela natureza, mas pelos homens que lidam efetivamente
com sua natureza. A fórmula s=y3gt'não governa o comportamento da queda dos corpos;
ela governa aqueles que corretamente predizem a posição da queda dos corpos em
determinado tempo" (Skinner, 1969, p. 141).
Em vista disso, a legitimidade da teoria do comportamento não é decidida de
acordo com o critério realista de verdade ou falsidade. Por conseguinte, a seleção por
conseqüências ó um modo de explicação que não pode ser considerado nem verdadeiro
nem falso. Mas o modelo pode ser julgado como plausível ou não. Isso não quer dizer que

Sobre Com portiimenfo e Cognlçíio


não existam critérios para identificar seu valor. A própria versão instrumentalista apresenta
a sua base de validação: a efetividade. Isso significa que uma teoria não ó admitida porque
ó verdadeira, mas porque é efetiva; não ó descartada porque ó falsa, mas porque ó ineficaz.
Para Skinner (1974/1976) conhecimento cientifico ó conhecimento efetivo: "conhecimento
cientifico é um corpo de regras para ação efetiva, e há um sentido especial no qual ele
seria "verdadeiro"se produzisse uma ação tão efetiva quanto possível" {p. 259), ou ainda,
"uma proposição é "verdadeira" na medida em que ajuda o ouvinte responder efetivamente
a situações que ele descreve” (p. 259).
Ora, dizer que a teoria comportamental skinneriana não ó realista, não é o mesmo
que dizer que o comportamento é uma entidade sobrenatural ou mera ficção. A teoria do
comportamento não busca explicar o comportamento como coisa física, tal como o faz o
realismo. Em uma teoria realista, a explicação do comportamento ó reduzida à especificação
de suas propriedades físicas. Em contraste, a interpretação comportamental não-realista
(funcional-instrumentalista) eleva o comportamento a um estatuto explicativo primordial.
As coisas físicas - e também as mentais - são explicadas através do comportamento. O
que está em jogo, aqui, são as conseqüências do comportamento e não as propriedades
físicas. Assim sendo, a explicação dar-se-ia na observação da relação funcional do
comportamento com as suas conseqüências (interpretação descritivista)4. Ou, na inferência
da relação de interdependência do comportamento com as suas conseqüências
(interpretação instrumentalista). Nesse sentido, defender uma interpretação realista da
teoria do comportamento não é coerente com o behaviorismo radical, pois transgride um
dos preceitos essenciais dessa filosofia de ciência, novamente: a autonomia do
comportamento como objeto de estudo (Skinner, 1989).
Existe, ainda, uma quinta implicação que merece ser comentada. A efetividade da
teoria do comportamento não se dá apenas mediante o seu sucesso como princípio orientador
na pesquisa científica, mas também como uma teoria que promove valores éticos e morais.
Em outras palavras, a efetividade de uma teoria não é decidida somente no interior de um
sistema fechado de conceitos e leis, mas ultrapassa os limites do laboratório e se afirma
como efetiva na medida em que promove a transformação social. A interpretação
instrumentalista da teoria do comportamento abre caminho para uma discussão de extrema
importância para análise do comportamento: o compromisso ético da prática científica.
O cientista do comportamento deveria se perguntar: “quais são as conseqüências
que mantêm o meu comportamento de fazer ciência?”. O que equivale a indagar: “quais
são os valores do meu comportamento de fazer ciência?”. Em sua teoria ética, Skinner
(1971) apresenta como valor primordial a sobrevivência das culturas. Isso quer dizer que a
noção de efetividade do comportamento do cientista no âmbito da pesquisa científica deve
estar subordinada à efetividade no sentido amplo da mudança de uma cultura. É certo que
o comportamento do cientista não pode ser reforçado pela sobrevivência das culturas,
pois se trata de uma conseqüência postergada, que vai além do tempo de vida do indivíduo.
No entanto, esse lapso temporal pode ser contornado quando a comunidade científica
incita práticas culturais coerentes com a sobrevivência das culturas. Em outras palavras,
se os cientistas organizarem contingências sociais que produzam comportamentos
compatíveis com esse valor. Em última análise, Skinner prescreve que o cientista do
comportamento deveria ser também um planejador cultural.

* Para ser mais preciso, não ó a relação funcional que é observada, mas sim os eventos que participam
dessa relHção

Ciiroliiw Liurcnli, José Antônio IXim/isio Abib


Seguindo essa proposta, a efetividade de uma teoria não se restringe à sua
capacidade de explicar o comportamento e estimular a criatividade científica. Mais do que
isso, a efetividade de uma teoria é medida pelo seu poder de promover a mudança do
comportamento do indivíduo, de um grupo de pessoas, de uma sociedade, do uma cultura.
Com efeito, a teoria científica do comportamento, na sua versão instrumentalista, ó
pragmática, é ação prática (práxis), comprometida com a sobrevivência das culturas.

C onclusão
Através de suas relações com Mach, Skinner (1931/1961a, 1953) se compromete
tanto com o descritivismo, quanto com o instrumentalismo. Enquanto descritivista, a ciência
do comportamento está preocupada com o estabelecimento de relações funcionais entre
eventos observáveis. Já a influência instrumentalista abre a possibilidade para que a ciência
do comportamento interprete comportamentos complexos, que não podem ser explicados
exclusivamente com base em variáveis passíveis de manipulação e controle. Dessa forma,
temos, com o instrumentalismo, uma ampliação do potencial explicativo da teoria
skinneriana, que passa a envolver comportamentos filogenéticos e práticas culturais.
Além disso, através da influência instrumentalista, a teoria comportamental de
Skinner ( 1971,1974/1976) assume relações com o pragmatismo filosófico, substituindo o
critério de verdade pelo de efetividade e incluindo uma reflexão ética da prática científica.
Ao anunciar a teoria do comportamento como descrição e instrumento conceituai,
o behaviorismo radical afasta-se do realismo científico, e, por conseguinte, do debate
verdade-falsidade das declarações teóricas; sem com isso compactuar com o relativismo.

Referências
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Sob re t'o m p o rfjm c n to t C'oftnM o 155


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Smith, L.D. (1986). Behaviorism and logical positivism: a reassessment o f the alliance, Stanford:
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Carolina Laurenti, !osé Antônio PamAsio Abib


Capítulo 15

Uma prática clinica voltada


prioritariamente à normalidade
Cltwdiii ItiirboM1

Quando uma pessoa chega à psicoterapia traz consigo um repertório comportamental


adquirido nas contingências de reforço a que esteve exposta ao longo de sua vida (Skinner
1974). Esse repertório comportamental compreende tanto comportamentos socialmente
aceitos como normais, positivos, desejáveis, como os classificados como anormais, negativos
ou indesejáveis. A parte do repertório classificada como indesejada é o motivo da busca da
psicoterapia, por isto, independente de seu papel no repertório total da pessoa, é essa parte
que faz com que a pessoa se torne um cliente.
O indivíduo como cliente pode acreditar que o problema está dentro de si e que,
por isto, o mesmo o atinge de forma completa; não percebe, porém, que outros
comportamentos mantém-se intactos, apesar da queixa que apresenta. Sente-se tomado,
controlado pelo problema, como se estivesse intrínseco a ele.
Os primeiros relatos apresentados nas sessões terapêuticas demonstram que o
cliente acredita que o problema pode fazer parte do seu "eu’', sendo comum as
verbalizações: "Eu tenho o problema", "Eu preciso de ajuda", “Eu estou doente". Em
decorrência dessa crença as pessoas buscam a psicoterapia com a expectativa de
encontrar ajuda para solucionar seu problema. Geralmente vem dispostos a falar o que
estão sentindo, sobre o seu dia a dia, sobre sua vida particular e esperam que o terapeuta
ouça e conheça suas histórias.
As vezes a analogia feita pelo cliente entre doença física e mental, pode dar-lhe
uma expectativa falsa de que não precisará envolver-se no processo terapêutico, colocando
a solução de seu problema exclusivamente na mão do terapeuta, como um doente que diz
a seu módico: “Doutor, eu estou em suas mãos". São comuns os clientes que chegam a
terapia com uma linguagem sofisticada em relação ao seu problema, rica em detalhes
sobre suas sensações, freqüência, intensidade, dias em que ocorreram, origem, relações
do problema com sua história de vida, etc. Isso tudo subsidiado por leituras, informações

' Psicóloga Clínica / Mestre em Psicologia - e mail:claudia@certto.com.br

Sobre C om porfum rnlo c Co#niv'Jo 157


trazidas pelos meios de comunicações, conversas com amigos, parentes, consultas a
outras pessoas, inclusive psicólogos, médicos, padres, espiritualistas, cartomantes ou o
responsável por sua comunidade.
As pessoas que tiveram acesso à psicologia através de livros, televisão, jornais
ou de profissionais da área, também fazem correlação entre os eventos passados de sua
vida e o problema atual, fornecendo antecipadamente ao terapeuta o seu psicodiagnóstico.
Observa o que sente e correlaciona com todas as informações que colhe, identificando
seu problema e reforçando a crença de que algo está errado. O cliente parece em muitos
momentos ser dominado por sua queixa que o leva insistentemente a certos
questionamentos, tais como: “Porque estou me sentindo assim?’’, "O que faço para resolver
isso?", "Porque acontece comigo?", “Para o meu caso não existe solução".
Os referenciais teóricos em psicologia que adotam o modelo de doença mental e,
portanto que consideram a anormalidade como uma patologia psíquica, logicamente exige
que a prática psicoterapêutica seja voltada para os conteúdos da queixa do cliente. Um
exemplo típico é o psicoterapeuta que se detêm inicialmente na realização do
psicodiagnóstico visando á identificação da doença.
A abordagem alternativa proposta por Ullmann e Krasner (1969), se contrapõe ao
modelo módico na medida que propõe que o comportamento anormal não é patológico.
Ela muda o papel do conteúdo da queixa em relação ao terapeuta. Mesmo que a verbalização
do cliente descreva o que ele acredita ser patológico, para o terapeuta não se trata de
descrições que venham a desvendar algo patológico que esteja dentro dele. Sant’Anna,
(1994a, 1994b, 1995) propõe que a descrição de algo problemático pode merecer a mesma
atenção do terapeuta do que a descrição de algo não problemático.
A literatura relacionada á psicoterapia fundamentada no Behaviorismo mostra que
a atenção do terapeuta no processo psicoterapêutico direciona-se prioritariamente aos
conteúdos relacionados a problemas (Hayes, 1987; Neri, 1987). Talvez mais forte que o
referencial teórico para determinar a forma de atuação do terapeuta é a pressão social que
ele sofre, pois existe o posicionamento do cliente e de toda a sua comunidade sócio
verbal em relação ao que é apresentado como “problema".
Porém alguns autores com referenciais teóricos embasados no Behaviorismo
Radical (Baum, 1999; Neuringer, 1970; Galvez, Prieto e Nieto 1991; Sant'Anna e Gongora,
1987) sugerem que o indivíduo não carrega consigo qualquer experiência ou aprendizagem
pela qual passou, seja ela boa ou ruim.
Skinner (1953) afirma que uma pessoa é modificada pelas contingências de reforço
em que age e que não armazena contingências. Particularmente, não armazena cópias
dos estímulos que desempenham algum papel nas contingências. Portanto, não se explica
à manutenção do comportamento atual pelo fato do indivíduo possuir algo intrínseco a ele,
mas sim, pelas relações sociais que mantém e pelo reforçamento que ele recebe de sua
comunidade verbal. Skinner (1974) confirma que as contingências que afetam um organismo
não são armazenadas por ele. Elas nunca estão dentro dele, simplesmente o modificam.
Conclui-se, então, que a história contextual do indivíduo não dá subsídios para o
trabalho do psicoterapeuta, pois o mesmo não pode modificar o passado já que o cliente
não traz consigo sua história (Sant'Anna, 1994a). Aliás, Neuringer (1970) reforça que os
modificadores de comportamento têm subenfatizado a etiologia. Eles admitem que os
organismos tiveram complexas histórias de reforçamento e que elas foram responsáveis
na produção do comportamento presente. Eles, contudo, assumem que essas histórias

CítiudM H.irbosd
não podem ser mudadas e que é o comportamento presente que deve ser mudado. Os
modificadores de comportamentos argumentam que ó o contexto atual que torna a pessoa
infeliz e que é o mesmo que deve ser modificado.
Quando o terapeuta admite que junto com o comportamento que considera negativo,
existem também comportamentos que são apropriados para aquele contexto, tem
condições de vê-lo como ser completo, que, portanto não vem cindido em partes.
Os adjetivos normal ou anormal podem ser utilizados para o comportamento que
a pessoa mantém e não para ela como um todo. Sant'Anna e Gongora (1987) consideram
que não se pode afirmar que uma pessoa seja globalmente ajustada ou desajustada, em
termos psicológicos. Concluem, ainda, que esses adjetivos sejam pertinentes apenas ao
analisar-se comportamentos específicos sob o controle de contingências. Por isso, o
terapeuta sempre interage com seus clientes como pessoas normais.
A principal discussão levantada por Ullmann e Krasner (1969) ó que os
comportamentos tradicionalmente denominados anormais não são diferentes, tanto
qualitativa como quantitativamente, em seu desenvolvimento e manutenção de outros
comportamentos. Para Mikulas (1977) o comportamento também poderá ser avaliado como
anormal quando burlar as leis e as regras propostas pelo contexto em que o indivíduo está
inserido, quando não for comum para o meio ou ainda se não for proveitoso para ambos.
Alguns comportamentos que são inadequados para uma cultura podem não ser para outra
e muitos que já foram considerados anormais, não mais o são, o contrário também pode
ocorrer. Por exemplo, o homossexualismo que nos dias atuais é considerado um tabu, era
mais relevante que a heterossexualidade na Grécia antiga.
Essa idéia central decorre do behaviorismo proposto por Skinner (1938, 1948,
1953, 1959, 1974) como uma filosofia orientadora de uma ciência do comportamento,
segundo a qual é o comportamento em si que deve ser analisado, como objeto de estudo
dessa abordagem psicológica e não um hipotético aparelho psíquico, do qual o
comportamento é apenas uma manifestação ou sintoma. Trata-se, pois, de uma postura
(approach) frente ao comportamento.
Buck (1990) declara que idealmente, todo participante em psicoterapia deve ser
aceito como um indivíduo único sem referência a diagnóstico. A maior parte dos tipos de
psicoterapia é limitada por presunções sobre a anormalidade que focalizam a patologia
ignorando o potencial para o desenvolvimento que existe em todos. Uma psicoterapia para
ser efetiva necessita respeitar a complexidade humana. Cada pessoa deve ser percebida
como incorporando em uma única balança suas fraquezas e suas virtudes.
Sant’Anna (1995) sugere que o processo de psicoterapia implica na entrada de um
psicoterapeuta no contexto atual do cliente. As funções do psicoterapeuta nesse contexto
são, para o Behaviorismo Radical, funções discriminativas, eliciadoras e reforçadoras. Essas
funções são direcionadas à modificação do repertório comportamental do cliente, a partir de
seu repertório atual. Trata-se, pois de uma construção e não de uma destruição de algo. E
se essa construção se opera no repertório atual, sua base só pode ser, por assim dizer, a
parte boa deste repertório, a parte considerada normal. Isto é, as funções discriminativas,
eliciadoras e reforçadoras do psicoterapeuta, são direcionadas à normalidade.’"’.
Para complementar as discussões levantadas serão apresentados a seguir dois
casos clínicos, onde os procedimentos psicoterapêuticos foram fundamentados no modelo
de Sant'Anna (1994a, 1994b, 1995). A proposta do autor consiste em que o psicoterapeuta
em sua prática clínica funcione como um estímulo discriminativo para a normalidade do

S o b re C o m p o r liim c n lo e C ofliilçilo
cliente, ou seja, seu enfoque será dirigido prioritariamente em relação aos conteúdos
positivos, desejáveis ou socialmente relevantes e que representem sua adequação social.
Assim, os comportamentos inadequados ficam em segundo plano, enquanto o
terapeuta procura encontrar no repertório atual do indivíduo algo que lhe seja realmente
positivo, por isso, é muito importante a primeira parte desse processo, quando o terapeuta
busca conhecer com detalhes a história de vida do cliente, podendo assim saber o que lhe
ó estimulante. Pode ocorrer, nessa fase, que o cliente fixe uma atenção extrema em
relação à queixa, dificultando para o terapeuta visualizar sua normalidade.

In te rve n çã o te ra p ê u tic a com e m b asa m en to na p rá tica c lin ic a vo lta d a


p rio rita riam ente à norm alidade

Relato de caso 01
Caracterização do cliente: Márcia, doze anos, estudante de sexta série, mora com os pais.
Motivo da Consulta: O pai da menor manteve contato telefônico com a terapeuta,
dizendo, sem entrarem detalhes, ser necessário marcar uma consulta com urgência, pois
o estado da mesma o estava preocupando. Ela chegou ao consultório acompanhada de sua
mãe, para submeter-se à psicoterapia. A terapeuta questionou-as como seria aquela primeira
sessão, se ambas entrariam ou se prefeririam ter uma conversa individualmente. A mãe com
o consentimento da filha pediu para conversar sozinha com a terapeuta, o que foi acatado.
Nesse primeiro diálogo, a mãe falou de sua preocupação em relação à filha, já que
a mesma não ficava mais sozinha e ligava constantemente para seu trabalho, pedindo para
que voltasse para casa e lhe fizesse companhia, chorava muito e queixava-se de dores em
todo o corpo, principalmente no peito. Passou a não sair de casa sem seu remédio para
bronquite (aerossol de efeito imediato, muito usado por pessoas que têm crises de bronquite)
e também não dormia sem que esse remédio e mais outros três (um para rinite alérgica,
outro para descongestionar o nariz e ainda um calmante natural, recomendado pelo médico)
estivessem embaixo de seu travesseiro. Desenvolveu o hábito de dormir sentada, recostada
em uma almofada que de forma alguma poderia ser retirada de seu quarto.
Durante a noite, era comum acordar apavorada, chorando e ir para o quarto da
mãe, onde se acalmava. Dizia ter pesadelos. A menor divide o quarto com sua prima que
mora na mesma casa, porém diz não se sentir segura na presença da mesma, diferente
da outra prima que a visita regularmente e a faz sentir-se bem.
Após a entrevista com a mãe, a terapeuta conversou com a menor, que confirmou
os dados passados pela mãe e ainda acrescentou que desenvolveu hábitos, como o de
bater a mão em uma parede específica da casa quando saia, encher a boca de água e
cuspir antes de terminar o banho, acreditava que o esquecimento de qualquer um desses
hábitos poderiam lhe trazer "azar" e seu dia não seria bom.

Início e Evolução do Problema: Esses sintomas começaram a aparecer, logo após a


morte da sua avó materna e se intensificaram com uma crise do pâncreas pela qual seu pai
passou, quando a menor ajudou a socorrê-lo. Após este episódio, a cliente apresentou
insônia, medo, não dormia ou ficava sozinha em qualquer parte da casa, criou aversão ao
banheiro onde o pai desmaiou, tinha pensamentos sobre morte, preocupava-se quando

Claudia Harbosa
alguém da sua casa queixava-se de dor, ficava mais tempo em outras casa (amigas, vizinhos
etc.) do que na sua, evitava ficar perto do pai, pois tinha medo que ele passasse mal novamente.
Objetivos Prioritários para Márcia: "Quero sair deste problema", "Não quero mais pensar
em morte". Durante a primeira sessão, Márcia mostrou-se muito falante e desinibida,
parecia sentir-se bem enquanto, partilhava, com detalhes, seu problema com a terapeuta,
porém, mostrava-se ansiosa em resolvé-lo, era como se ali estivessem todas as suas
esperanças em melhorar.
História Anterior ao Problema: Mantinha um ótimo relacionamento com seu avô que ó
vivo e com a avó que faleceu, freqüentava sua casa assiduamente, gostava da comida que
sua avó fazia e da companhia de ambos, costumava dormir em sua casa no final de
semana. Quando tinha algum problema em sua casa, com relação aos pais ou aos irmãos
(os dois mais velhos), corria para a casa da avó.
Em relação ao seu pai, era muito afetuosa, estava sempre em seu colo quando
ele estava em casa, dizia sentir-se protegida quando o pai estava em casa, apesar do
mesmo ser bastante rígido na educação dos filhos.
O pai foi, por duas vezes, prefeito da cidade onde moram. Nessa época, pouco
ficava em casa, raramente fazia as refeições com a família e quando chegava em casa
normalmente os filhos já estavam dormindo. Tinham um bom padrão de vida, que não se
manteve quando ele saiu da vida política e mudou de profissão e muitos gastos foram
cortados, como por exemplo: a menor fazia aulas de piano, computação e dança, mas
teve que optar por somente uma delas, com os irmãos aconteceu a mesma coisa.
Outros Dados Coletados: Tem um problema nos joelhos desde que nasceu, não é
perceptível, mas a impede de praticar danças que é a sua preferência. É importante ressaltar
que para a cliente o problema nos joelhos é considerado “defeito".
O avô materno após a morte de sua esposa passou a beber muito, tem problema
de fígado (cirrose) e corre risco de vida o que preocupa demasiadamente a cliente. O
relacionamento com o irmão mais velho é bom, porém, briga muito com o mais novo.
Nos estudos não passou por nenhuma reprovação, o quadro apresentado por ela
não interferiu em sua vida escolar, é muito elogiada pelos professores, pois é caprichosa,
interessada e participativa, costuma preparar peças teatrais para dias comemorativos,
cartazes, ensaiar danças, etc (dados fornecidos pela mãe). Em relação aos colegas também
não apresenta problemas, relaciona-se bem e tem muitas amigas que inclusive freqüentam
a sua casa e vice-versa.
Interesses e Motivações: Gosta muito de dançar e ler. Diverte-se muito quando está com
as amigas e brincam de desfile de modas ou de dançar.
Imagem de Si Mesma: Afirma: “Sou o problema. A doente lá de casa sou eu".
Procedimentos Terapêuticos: O processo terapêutico iniciou-se com a atenção do
terapeuta voltada para as queixas da cliente e de sua mãe. Ela queixava-se de dores no
corpo principalmente no peito, porém, exames realizados anteriormente descartavam a
possibilidade de qualquer problema.
Durante as cinco primeiras sessões, a terapeuta tinha a atenção voltada para os
elementos da queixa trazida pela cliente, com o objetivo de corresponder às suas
expectativas e também para mostrar que conhecia seus problemas com detalhes. Foi
solicitado à mãe da cliente que a levasse até o módico que atendeu seu pai para que o
mesmo lhe desse explicações sobre a crise de pâncreas sofrida por ele, com o objetivo de

Sobre ('omportiimcnto c (.'oflnly.lo 161


orientar a menor sobre o que estava acontecendo com ele no processo de recuperação, já
que a mesma não se aproximava dele e quando o fazia se sentia mal, pois tinha medo de
machucá-lo ou de que ele passasse mal.
A partir da sexta sessão, a terapeuta voltou-se para aspectos positivos ou
reforçadores para a cliente, tanto para os que apareceram nas sessões, como também
fora dela e ainda lhe foram propostas atividades em casa. Por exemplo, fazer uma
caminhada todos os dias por no mínimo trinta minutos, independente de outras atividades
esportivas, logo após, tomar banho massageando todo o corpo, convidar as amigas para
brincarem em sua casa no mínimo duas vezes por semana (costumavam brincar de desfiles
de moda, de dançar, conversavam sobre meninos, etc.), participar das atividades escolares
como teatro, dança, competições, etc.
Durante as sessões, muitos dos momentos alegres, divertidos que passava com
as colegas ou fazendo o que mais lhe agradasse vinham à tona e seu modo de falar, sua
postura, suas expressões apareciam modificadas em relação à primeira fase da terapia.
Os conteúdos da queixa que apareceram na segunda fase foram ignorados a partir do
reforçamento dos aspectos positivos que a cliente apresentava. O processo terapêutico
durou oito meses, sendo que nos primeiros quatro meses os encontros eram semanais e
depois se tornaram quinzenais.

Prim eira Fase do P rocesso Terapêutico

Cliente
Na primeira fase do processo terapêutico, a menor ficou à vontade para falar tudo
o que lhe estivesse incomodando. A terapeuta fez com ela um acordo de sigilo, em que
tudo o que ali era comentado ficaria somente entre as duas, mas que futuramente a
profissional precisaria conversar com seus pais no sentido de orientá-los e tranqüilizá-los.
A cliente, desde a primeira sessão, demonstrou estar muito preocupada com sua
situação, apesar da idade, apresentava-se muito envolvida com seu problema, deixando
de realizar muitas coisas que fazia anteriormente. Sua expressão verbal era muito clara,
porém era toda voltada para o que estava sentindo, seu tom de voz era choroso, mantinha-
se cabisbaixa, falava muito, parecia tensa e preocupada.
Como já havia passado por avaliações médicas e nada fora detectado, a cliente
colocou todas as suas expectativas na psicoterapia, apesar de no início ter questionado:
“Como você vai me ajudar sem me dar um remédio?". Repetia fatos ocorridos que considerava
mais relevantes como "causa" de seu problema, com o objetivo de despertar a atenção do
terapeuta para eles.

Terapeuta
A terapeuta sentíu-se, em muitos momentos, pressionada pela cliente, no sentido
de ter que ajudá-la na solução de seu problema. Todavia, manteve-se atenta à fala da
cliente, procurando junto com ela fazer um levantamento de toda a sua história de vida,
dando-lhe a segurança de conhecer seu passado.

162 Cldudid Barbos*!


A primeira fase foi tranqüila para a terapeuta, pois a mesma tinha um treino maior
direcionado para a busca de problemas e também porque a expectativa da cliente era essa.

Segunda fase do processo tera pêutico

Cliente
Nas primeiras sessões da segunda fase, travou-se uma verdadeira batalha com o
objetivo de desviar a atenção da cliente do problema trazido por ela para a sessão. Ela
relutava em falar de passagens tranqüilas, era como se isso não pudesse ajudá*la. Após
várias sessões isso passou a acontecer. Porém, em algumas vezes, quando a terapeuta
sinalizava o final da sessão, a cliente começava a falar sobre seu problema, já que não
tinha entrado nele durante a terapia.
Nas sessões em que foram enfocados seus aspectos positivos, a cliente sorria,
contava situações engraçadas, sua postura era ereta, olhava para os olhos da terapeuta.
Passou a confidenciar seu interesse por meninos do colégio e sua curiosidade em relação
ao namoro, enfim, a atenção sob o problema foi diminuída.
É importante salientar que a cliente recebeu orientações (Tabela 01), durante o
processo terapêutico, não para "melhorar seu problema", mas para divertir-se mais.

Terapeuta
A terapeuta precisou deixar de lado todo o seu repertório em relação à busca do
problema, no início precisou policiar-se para não enfatizar a queixa do cliente. Essa forma
de atuação, apesar da pressão da cliente, permitiu que a terapeuta ficasse mais à vontade
na sessão e também que fosse mais humana, envolvendo-se na história com o intuito
único de ajudar a pessoa que estava à sua frente perceber seus pontos positivos.

QUEIXA APRESENTADA PROCEDIMENTO TERAP&UTICO


Morto do ficar em casa sozinha Convidar as colegas para visitar sua casa
Insônia Relaxamento
Dores no corpo Caminhadas e banho com massagem
Dependência de medicamentos Atividades físicas (basquete e handebol)
Modo do pai 0 pai foi orientado para uma reaproximaçáo
Medo da morte Atividades recreativas (dança, teatro, música).
Pensamentos sobre a morte (sua e Envolvimento em atividades domésticas (lavar
de seus familiares) louça, fa/or um bolo, varrer o chào).

Relato de caso 02
Caracterização do cliente: Débora, 41 anos, casada, do lar.

Sobre Comportiimcnio c Co^nlv.lo 163


Motivo da Consulta: A cliente chegou ao consultório acompanhada por sua filha. A
terapia iniciou-se com o levantamento de dados sobre a cliente, que dizia não mais sair de
casa e chorar muito, não gostava de seu sogro, pois o mesmo dizia que ela não prestava
e implicava com tudo o que ela fazia, como a roupa que usava, as pessoas com quem
conversava, etc. Sentia calores e dores de cabeça.
Há dois anos não freqüentava a igreja (ó evangélica), sentia-se mal, pois acreditava
que todos a olhavam com desconfiança e que a evitavam, o que lhe dava mal estar, calores
e apertos no peito, porém dizia gostar muito dos cultos e sentir falta da participação nos
mesmos. Resolveu sozinha procurar ajuda psicológica.
Início e Evolução do Problema: Veio à sessão em busca de ajuda após passar dezoito
anos em tratamento com módicos psiquiatras, chegando a ficar internada por três meses
em uma clinica psiquiátrica. Quando chegou ao consultório, tomava há três anos quarenta
gotas do medicamento "Haldor. A informação passada para a terapeuta pelo módico foi
que a cliente era "esquizoparanóide" e que não acreditava que a terapia pudesse ajudar
num caso assim.
Objetivos Prioritários para Débora: Livrar-se dos pensamentos e percepções ruins que
mantinha. Durante as sessões, apresentava-se nervosa e tinha um pouco de dificuldade
para se expressar, parecia procurar as palavras que considerava adequadas. Afirmava
para a terapeuta: “Você não está me entendendo!".
Historia Anterior ao Problema: Passou por uma infância tranqüila, morava com seus
pais em um sítio com mais seis irmãos, era poupada dos trabalhos na lavoura. Casou com
vinte anos, foi morar com os sogros, relata que aí iniciaram seus problemas, tinha dificuldade
para relacionar se com eles, acreditava que era observada e controlada pelo sogro na sua
forma de vestir, em como agir, no que falava.
Teve a primeira crise na época do nascimento do primeiro filho, sentia dores de
cabeça, procurava o isolamento, buscou ajuda módica, nessa fase já morava em sua
casa. Na segunda crise, ficou internada durante três meses em hospital psiquiátrico, a
partir daí, as coisas se agravaram, pois passou a tomar medicamentos fortes que não lhe
dava estímulo para realizar qualquer outra tarefa, deixou de sair de casa e sentia-se
desanimada. Usa medicamentos até hoje.
Outros Dados Coletados: O sogro ficou viúvo e veio morar com sua segunda mulher em
uma casa ao lado da casa da cliente, voltou a idéia de perseguição, ele passou a agredi-
la verbalmente. A cliente não respondia suas agressões. Fez somente o primeiro grau,
nunca trabalhou fora, dedicou-se somente à criação e educação dos três filhos (duas
mulheres e um homem).
Interesses e Motivações: Sente falta da sua participação nos cultos da sua igreja.
Tem um sonho antigo de estudar música e cantar no coro da igreja.
Procedimentos Terapêuticos: Na primeira fase, todas as dúvidas sobre a queixa foram
levantadas, foi lhe questionado cada detalhe sobre o problema apresentado. Foi observado
que os sintomas se agravavam no período pré-menstrual. A terapeuta solicitou que ela
procurasse um médico para orientá-la quanto à menopausa e também sobre a tensão pré-
menstrual.
Na segunda fase do processo terapêutico, fez-se um levantamento de tudo o que
era agradável á cliente, suas preferências e vontades, afinal ela ficou dezoito anos envolvida
com sua “doença” e pouco tempo teve para a realização de seus desejos. Isso foi feito

164 Claudia Harbosa


através dos relatos das coisas boas que a mesma lembrava ter vivido quando estava “boa".
É importante lembrar que a cliente já estava com a expectativa de solucionar o seu
"problema", e por isso falava muito dele, Mas cada expressão de felicidade, cada sorriso,
mudança de postura expresso por ela durante seus relatos serviam de demarcadores para
as situações mais agradáveis pela qual passou. E era nesses pontos que a terapeuta
insistia. Por exemplo, ela falava muito tranqüilamente da sua infância, de suas traquinagens;
de seu relacionamento com o marido, dos filhos, de uma vizinha que era sua grande
amiga. Enquanto expressava essas situações, aparentava serenidade e lógica.
Aos poucos, a terapeuta foi lhe sugerindo que ela procurasse retornar aos cultos
de sua igreja. Nas primeiras tentativas, a cliente voltou à sessão para relatar os sentimentos
ruins que teve lá, porém a terapeuta começou a questionar-lhe com estava o culto, qual
capítulo da bíblia fora estudado, ou mesmo se não havia encontrado sua vizinha, que é
freqüentadora da mesma igreja.
Após o seu retorno à igreja, foi convidada pelos pastores para assumir um cargo
de confiança da igreja, passou a relacionar-se com as pessoas que lá estavam, e chegou
a percepção de que, na verdade, eía afastava-se das pessoas e não o contrário, como
acreditava ser. Passou a sair mais, pois sua nova função exigia, fez um curso de crochê,
onde fez novas amizades, iniciou aulas de órgão, um sonho antigo, aumentou sua
participação nos cultos, chegando a participar no altar, onde cantava junto ao coro e fazia
leituras, voltou a freqüentar festas sociais, voltou a acompanhar o seu marido em viagens,
reuniões, festas, etc.
O medicamento passou a ser reduzido, a cada consulta com o psiquiatra, passando
para quinze gotas. Veio a terapia durante sete meses uma vez por semana.

Prim eira fase do p rocesso tera pêutico

Cliente
Nas primeiras sessões, a cliente era quieta e chegava a ficar ruborizada quando
lhe faltava assunto. Nessa situação solicitava que a terapeuta lhe perguntasse o que
gostaria de saber sobre sua vida.
Parecia escolher as palavras para melhor explicar seu caso. Dizia ser algo da sua
mente, falava que não tinha lógica acreditar que as pessoas comentavam sobre sua vida
ou a observavam, mas não conseguia deixar de pensar nisso.
No início da terapia, a cliente não acreditava na sua recuperação, baseava-se no
fato de procurar tratamentos há dezoito anos e nesse tempo não ter encontrado soíução
para seu problema, porém dizia estar disposta a tentar. Nessa primeira etapa seu assunto
principal era seu relacionamento com o sogro.

Terapeuta
A terapeuta novamente usou de seu repertório para a análise de problemas e levantou
todos os dados sobre o quadro que a cliente estava apresentando. A profissional sentiu-se
pressionada a realizar seu trabalho devido ao descrédito da cliente em relação à psicoterapia.
Procurou o módico que atendia a cliente com o intuito de entender melhor o que ela
apresentava e durante a conversa, o mesmo deixou claro que não acreditava em sua melhora,

S»l>ro C o m p o rlu m cn lo e C o r i i í v .Io 165


pois ela era ’‘esquizoparanóide" e que com certeza dependeria do uso de medicamentos
para sempre.
Outro fator desestimulante foi que após conversar sobre o caso com outros
psicólogos, foi alertada sobre o "risco" de atender uma pessoa com esse diagnóstico, já que
seu comportamento era imprevisível, o que foi reforçado com a busca da literatura psiquiátrica.
Esse caso serve de exemplo sobre as conseqüências do rótulo e da estigmatização,
como foi discutido anteriormente.

Segunda fase do processo terapêutico

Cliente
Nesse período a cliente já havia ido ao culto algumas vezes e estava entusiasmada
com sua façanha, porém continuava trazendo reclamações sobre seu sogro. Era comum
voltar-se para a queixa quando percebia o distanciamento do assunto.
A partir da décima segunda sessão, a cliente estava envolvida no processo de
reaproximação com as pessoas e cada conquista era comemorada na sessão (Tabela
02). Passou a mostrar-se mais sociável no consultório psicológico conversando com a
secretária e abraçando e beijando a terapeuta, parecia estar mais tranqüila.
Da vigésima sessão em diante, esporadicamente, a cliente fazia alguma
comparação entre passado e presente, porém ela mesma dizia: "Temos coisas mais
importantes para conversar" e relatava a semana e seus bons acontecimentos.

Terapeuta
Através do bom relacionamento que a terapeuta desenvolveu com a cliente, foi
possível deixar para traz o rótulo que lhe haviam colocado. A partir daí, a terapeuta percebendo
a reação e entusiasmo da cliente passou a modelar seu comportamento, enfatizando a
cada sessão o potencial que ela demonstrava.
A empolgação excessiva da cliente em relação á sua melhora, que surgiu na
segunda fase do processo, levando-a a querer fazer tudo o que havia deixado de fazer, foi
contornada com uma focalização maior de aspectos positivos de sua rotina diária.

Tabela 02 Demonstra a queixa apresentada pelo cliunte e o procedimento pslcoterapôutico aplicado


dentro dH Abordagem Alternativa.

QUEIXA APRESENTADA PROCEDIMENTO TERAPÊUTICO


Falta de motivação para sair de casa Estímulo gradual para voltar aos cultos

Mania do Perseguição Curso de croché

Dores de cabeça Relaxamento

Choro freqüente Curso de órgão

Dificuldade de envolvimento Cantar no coro da igreja

166 Claudia Barbosa


Através da apresentação dos casos clínicos se pode observar que as pessoas durante
as sessões psicoterapêuticas descreveram o que estavam passando com o máximo de
detalhes. O conteúdo de suas verbalizações iniciais parece estar totalmente focalizado em
sua vivência problemática, dando a impressão que o que relatam sobre a queixa está intrínseco
a elas. De certa forma o cliente já considera o problema como fazendo parte de sua identidade.
Isso indica que ele tenha passado por um processo social onde se deu a construção da sua
identidade atual, o que Goffmann (1982, p. 12), denomina de “identidade social real’'.
Na prática alternativa o terapeuta age como modelador do comportamento do
cliente, quando após conhecer sua história de vida, seleciona o que restou da sua
normalidade e passa a enfatizá-ía no contexto terapêutico. Segundo Sant'Anna (1995), a
questão não consiste em destruir a anormalidade, pois ela não ó algo, mas sim, em salvar
e construir a normalidade.
Na proposta de Sant’Anna, (1994a, 1994b, 1995) o psicoterapeuta atuaria nas
primeiras sessões (em torno de cinco) em relação à queixa apresentada pelo cliente, com
o objetivo de responder às expectativas dele: (1) falar sobre seus problemas com o intuito
de conseguir resolvê-los e também, (2) dar condições ao terapeuta para conhecer com
detalhes sua história de vida e da queixa, como seu contexto social, sua relações, sua
postura diante da vida, suas qualidades (aparecem raramente nessa fase inicial), regras,
conflitos, crenças e seu nível de ‘‘psicologização’’ (conhecimento sobre o que acredita ter).
A partir daí, o terapeuta muda seu foco de atenção, voltando-se, agora, para o
presente e para todos os aspectos positivos apresentados pelo cliente e que são incompatíveis
com a queixa, com o objetivo de descaracterizar a psicoterapia como ambiente próprio para
relatos de aspectos negativos. Isso deve ser feito de forma progressiva, já que o sujeito vem
de um contexto onde a psicoterapia é utilizada para a resolução de problemas, por isso, só
se passa para a segunda etapa quando se percebe uma saturação do relato da queixa.
Esse objetivo pode ser alcançado com o levantamento do conteúdo positivo do
cliente: o que gosta de fazer, o que lhe ó prazeroso dentro do que é permitido por sua
comunidade verbal e o que ó contrário á sua queixa inicial. Para isso, é importante que até
mesmo a abordagem inicial da terapia seja alterada para não dar margem ao cliente entrar
novamente no contexto da queixa, por exemplo: “Você me parece muito bem” ou "Bom
dia, o que faremos hoje?".
Nessa segunda etapa, o psicoterapeuta estará funcionando como um estímulo
discriminativo para a normalidade do cliente, servindo assim como modelador para aquilo
que é produtivo no indivíduo. Com a psicoterapia o cliente tem a oportunidade de aprender
novas formas de respostas e de interação com o seu meio, voltando a ter um comportamento
com eficácia social, sem a necessidade de o terapeuta estar voltado para a queixa
apresentada por ele.

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Jersey: Prentice

Claudia Harbosa
Capítulo 16

Abordagem comportamental à
queixa de dor
C'/tiui/u l úa.i Mcncijütti ’

Clows Amorim*

( / h w /h l f>clv,in Sluh/crA vt'

Queixar-se de dor acompanha e descreve uma ampla gama de situações humanas,


desde a dor de cabeça até à dor de um amor não correspondido. 0 presente trabalho se
refere à compreensão das queixas de dor direcionadas às diferentes especialidades
médicas, especialmente àquelas condições em que a dor se cronifica. Em tais situações,
a intervenção de uma equipe interdisciplinar se faz necessária, pois a terapêutica módica,
representada principalmente pela administração de fármacos, pode ser insuficiente no
tratamento da dor crônica.
A observação de pessoas com dor - desde a criança que, ao se machucar, só
chora quando o adulto afirma que aquilo dói, até o adulto que tem na atenção à sua dor
crônica a principal tarefa da vida - promove o questionamento sobre tão ampla gama de
sentidos à dor. A dor está entre os mais primitivos sofrimentos do homem, como também
a fome, o frio e o medo. Porém, diante da dor e do medo, o homem sempre se apresentou
mais impotente, e com poucas condições de aliviá-los efetivamente (Lobato, 1992).
O alívio da dor foi sempre buscado ao longo da história humana. Entre as mais
antigas tentativas nesse sentido, tem-se o registro do papiro Ebers, datado de 1550 a.C.,
que apresenta uma farmacopéia egípcia com o uso de ópio, indicado para vários males
(Lobato, 1992). Medvei, citado por Szasz (1976, p. 69), apresentou alguns comentários
sobre a dor na Idade Antiga: HOs gregos tinham uma dúzia de expressões para a dor,

1Unlcenp Correspondência para Cláudia L Menegattl, R Miguel Tschannerl, 222, Curitiba (PR), 80820-330. E-
mall: cmenegattl@unlcenp.br
aPUC-PR
3Unlvall

Sobrr Comport.!mento r Coqnlç.lo 169


distinguindo-a da grande dor. Similarmente sentiam dor ativa e passivamente, e expressavam
de modo específico se sentiam a grande dor. (...) E possuíam também uma palavra especial
para a libertação da dor”.
Platão, por sua vez, colocou a dor e o prazer lado a lado como paixões da alma. Essa
concopção de dor como paixão da alma foi aceita por 2000 anos e colaborou para o atraso nas
pesquisas que visavam esclarecer em que consistia o fenômeno doloroso (Lobato, 1992). Já
no Velho Testamento a dor foi apresentada como uma forma de punição aos pecadores e uma
provação aos justos. A dor poderia ser uma iluminação ou caminho para obtenção de uma
graça. Desta forma, especialmente na Idade Média, diminuíram-se as possibilidades de pesquisa
para o alívio da dor, que só começou a ser investigada com consistência a partir da segunda
metade do século XIX. Psicólogos e fisiólogos tiveram muitas divergências em suas explicações,
também refletindo a filosofia cartesiana, que traz a visão de mundo e o sistema de valores
vigentes desde o século XVII sobre a grandiosidade do homem pela sua propriedade de pensar.
No final do século XIX, o fosso cartesiano entre "eu" e "meu corpo" penetrou em
todas as instituições e segmentos da sociedade. A experiência válida passou a ser a
experiência objetiva, fruto da ciência, e que estava na mão dos especialistas (Johnson,
1988). Se a mente e o corpo se configuram como duas entidades distintas, explicar a dor
nesses termos torna-se demasiado difícil.
Estabeleceu-se uma discussão que pouco - ou quase nada - ajudou ao paciente
com dor. De um lado, os fisiologistas trazendo a dor como originária de estimulações
nervosas específicas devidas a um dano tecidual, e, de outro, os mentalistas, tratando a
dor como causada por distúrbios psicológicos que “elegem" órgãos ou outras partes do
corpo para se manifestarem.
Vale destacar a compreensão de Szasz (1976), que apresentou uma abordagem
psicológica à dor, tratando também da dificuldade em delimitá-la dentro de um conceito.
Segundo ele, os estados dolorosos não contêm uma essência definível, apesar das
explicações neurofisiológicas para o fenômeno. A dor é um evento sobre o qual somente
quem o sente diretamente sabe o que quer dizer ao mencionar que sente dor. Ou seja,
para tal autor, a dor é uma comunicação que vai além de uma condução nervosa, criticando
a abordagem médica, derivada de um modelo mecânico que falha ao se deparar com
dores sem lesão orgânica. Por isso, sustenta o ponto de vista de que a dor envolve sentir
um desempenho em todo o organismo.

Urna das coisas ás quais os soros humanos prostam atonção sáo as emoções.
Sondo a dor uma emoção complexa (...) uma abordagem psicológica ao estudo
da dor devo consistir em grande parte da obsorvação dos meios pelos quais as
possoas prestam atonção ou se tornam alertas à dor, om divorsas situações (...)
(então) relacionar a expressão da dor do sujeito a uma disfunção do seu corpo
(...) tal osforço deve ser abandonado, ou pelo menos suspenso, se quisermos
ponetrar mais profundamente no significado social das sensações dolorosas e
das manifestações do dor. (Szasz, 1976, p. 13).
Do ponto de vista comportamental, em que se compreende o homem como um
organismo que se comporta, a dor, como qualquer outra resposta, só pode ser compreendida
em relação ás contingências passadas e atuais em que essa pessoa especificamente está
inserida, nas dimensões física, emocional, social e cultural. Uma abordagem atual ao problema
da dor prevê essa concepção, embora, em termos práticos, a visão do paciente como
organismo total raramente esteja aplicada nas formas assistenciais convencionais de saúde.

Cltiuiliii Lúcia Mencpdlti, Cloves Amorim, C/iovana Del van Stuhler A vi


Em termos conceituais, dor é um vocábulo que pode ser usado de diversas
maneiras, concordando com uma área de interesse ou com a privacidade de cada indivíduo.
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a dor “ó uma
experiência desagradável, sensitiva e emocional, associada com lesão real ou potencial
dos tecidos ou descrita em termos dessa lesão." (Lobato, 1992, p. 165). A partir da colocação
"em termos dessa lesão", evidencia-se a suposição da existência da dor inclusive quando
não há uma lesão objetiva, mas a incidência de dor como se houvesse tal lesão. Assim,
com exceção às simulações, pode-se dizer que sempre há dor quando alguém se queixa
de dor, havendo ou não estímulo nociceptivo' conhecido.
Segundo Forlenza (1994), a dor ó um fenômeno neuropsiquiátrico, composto de
um sinal somático e da interpretação dessa mensagem por fatores atencionais, cognitivos,
afetivos e culturais. A vivência da dor é mediada por processos neurais que modulam a sua
percepção, podendo amplificá-la ou minimizá-la. Logo, a dor não pode ser medida pela
quantidade de dano tecidual, mas como resultado da integração de diversas funções (Vallejo
& Larroy, 1991).
Nesse sentido, classificar a dor como "orgânica" (com lesão detectável) ou
"psicogênica" (sem lesão detectável) ó arriscado e denotativo de uma postura mentalista,
pois se refere ao juízo do observador ou médico sobre a origem e localização da dor, mas
absolutamente não se refere à experiência de dor. "Do ponto de vista da pessoa que vive a
experiência, não existe dor psicogênica.” (Szasz, 1976, p. 18). Socialmente, a classificação
"dor psicogênica" tem um significado que vai além de tratar dos aspectos emocionais do
indivíduo. Enquanto o termo “orgânico" expressa aprovação sobre a veracidade da
experiência, o termo "psicogênico" é um julgamento equivalente a “irreal", "imaginário",
“ilegítimo", expressando desaprovação em relação à experiência.
Knoplich (1986), ao abordar o problema em definir o que é a dor e quais são suas
causas, reconhece a multiplicidade de fatores que intervêm no processo doloroso. Há em
seu texto também referência sobre a importância da história individual em relação às
vivências de dor e às contingências atuais da vida do indivíduo. Segundo o próprio autor:

Entre todos os tipos de sensações, a dor ó a única que envolve nâo só uma
capacidado de identificação do inicio, duração, localização, intensidade,
características físicas do estimulo inicial, como também inclui funções
motivacionais, afetivas, cognitivas dirigidas a um comportamento pessoal de
desprazer e de aversão, dando, ao mesmo tempo, uma interpretação do estimulo
em tormos do exporiôncias prosentes e passadas. (Knoplich, 1986, p. 112).
Assim, o conceito de dor ó individual e construído desde a mais tenra infância por
um caminho próprio de cada pessoa, do meio sócio-cultural a que pertence e das situações
que precisou enfrentar em sua vida (Feldman, 2004). Portanto, a percepção da dor no
adulto é essencialmente função das experiências que teve durante o seu desenvolvimento,
lembrando que a dor, desde a infância, também ó uma forma de obter atenção e amor.
As experiências de dor podem ser classificadas quanto à intensidade e duração
do episódio doloroso. As dores agudas são aquelas de curta duração (minutos, horas,

'Estimulo exteroceptivo através de um nociceptor Nociceptor é um receptor, preferentemente sensitivo, a


um estimulo nocivo ou potencialmente nocivo A maioria dos tecidos do corpo é equipada com sistemas de
terminações nervosas (noclceptores), que sâo especialmente sensíveis a uma disfunção tissular, que é o
aparecimento da dor (Knoplich, 1986)

Sobro I'om portiim cnfo c CoRnlv.lo 171


dias) e, em geral, indicam lesão ou doença. A reação do organismo é instantaneamente
defensiva com pronta elevação do tônus, e caracterizada principalmente pela ansiedade.
Quando a dor persiste, ela se torna familiar ao indivíduo, que não raro a assimila e
dela se apropria. Então, ele passa a sofrer da dor crônica, "incurável" e "insuportável". A dor
crônica se caracteriza pela sua extensa duração, normalmente ultrapassando de quatro a
seis meses, e pela significativa interferência no funcionamento global do indivíduo. É
considerada uma situação frustrante para a atuação do médico, requerendo,
necessariamente, a intervenção multidisciplinar e tratamentos que podem envolver alto
custo financeiro e pessoal (Guimarães, 1999; Krueger, Tackett e Markon, 2004).
A literatura indica que a dor crônica é duas vezes mais freqüente em mulheres, e
atinge predominantemente as pessoas entre 40 e 50 anos de idade, correlacionada também
a profissões estressantes (Guggenheim e Smith, 1999). A co-morbidade com transtornos
depressivos é mais alta para pessoas com quadros de dor crônica (Lackner, Quigley &
Blanchard, 2004), sendo que os transtornos ansiosos são mais freqüentes nas situações
de dor aguda (Esler, Barlow, Woolard, Nicholson, Nash et al., 2003).
Quanto à dor crônica, Szasz (1976) afirmou que há indivíduos que fazem do
sofrimento uma carreira e se tornam pessoas dolorosas. Segundo o autor, essa nova
carreira surge diante da falência das possíveis carreiras do indivíduo (profissional, parental,
social etc.). O homem doloroso è uma pessoa cuja humanidade e reconhecimento de si
está em dependência de sentir dor e estar sofrendo. Esses elementos asseguram sua
identidade e papel social, dando sentido á sua vida e também capacidade para controlar
seu ambiente humano. Deixar de ser um homem doloroso significa permitir-se trocar a
carreira de sofredor por outra ocupação, no mínimo, mais positiva no contexto de sua vida.
A doença crônica não conduz necessariamente á carreira do sofrimento, quando o indivíduo
dispõe de algo mais reforçador a fazer do que sofrer.
Blumer e Heilbronn, citados por Forlenza (1994), definiram o quadro"pain-prone
disorder” , também intimamente correlacionado com o transtorno doloroso e o homem
doloroso de Szasz. Os “pacientes propensos à dor" apresentam quatro características
básicas: a) queixas somáticas de várias naturezas; b) alegada ausência de problemas
emocionais; c) sintomas depressivos: e d) história familiar de doenças afetivas ou alcoolismo.
A exposição a estressores psicossociais também é um fator determinante no
aparecimento e manutenção de quadros dolorosos. Como o fenômeno doloroso nem sempre
está associado a uma lesão orgânica, ele pode estar, com muita freqüência, relacionado
a algumas alterações da vida às quais a pessoa não se adaptou. Por exemplo, perdas de
entes queridos, separações, perdas empregatícias geram um “mal-estar" emocional. A
“coincidência" destas reações emocionais com a presença de sinal físico gera o pareamento
desses estímulos. Vandenberghe, Cruz e Ferro (2003) apresentaram o modelo de Van
Oost (1982) para a compreensão da dor, no qual as dificuldades no manejo de eventos e
mudanças internas e externas conduzem a pessoa a um aumento de sentimentos negativos
e mudanças fisiológicas que estarão associados ao aparecimento da dor e sua manutenção.
A partir daí, há a necessidade de solicitar ajuda especializada, o que poderá se efetivar
através da queixa de dor, pois é mais aceitável socialmente do que as dificuldades
emocionais do paciente (Fortes, 2002). É muito provável que as dores, das quais se
queixa o indivíduo, nunca fossem valorizadas a ponto de promoverem a busca de auxílio
módico. Porém, quando associadas às mudanças de vida, sentir dores ó reforçado de tal
forma que promover essa busca.

Claudia l.úcia Mcncgatti, Cloves Amorim, Qiovana Pci van Sluhler A vi


Observa-se, então, que a dor pode se cronificar pela presença de reforçadores e
se tornar uma dor operante, mesmo que algum dia tenha sido uma dor respondente (Lobato,
1992). Nesses casos, o indívíduo converte a dor em meio de expressão, e obtém vantagens
emocionais e securitárias, que não conseguiria obter de outra forma. Assim, a adaptação
social inadequada do indivíduo pode ser reforçada pelos que o rodeiam: diretamente, através
dos cuidados, atenção do cônjuge e do módico, medicação etc., ou, indiretamente, através
da evitação de situações desagradáveis ou obrigações penosas.
Assim, a pessoa que sofre de dor crônica pode desenvolver um estilo de vida
focalizado na dor, como uma preocupação central em sua vida (busca de tratamentos,
evitação de situações em que já sentiu ou julga poder vir a sentir dor, busca constante de
novas terapêuticas, por exemplo). O paciente pode passar a usufruir de vantagens ao exibir
comportamentos referentes à dor, como faltar ao trabalho, evitar relações sexuais, evitar
exposição de sentimentos, evitar tomar decisões, entre outros. Tais reforçadores dificultam
o enfrentamento da dor e aumentam em freqüência e intensidade os comportamentos
dolorosos. Guggenheim e Smith (1999) observaram que, de forma muito surpreendente,
para algumas pessoas, a persistência da dor é um fato menos relevante para suas vidas
quando, ao adoecerem, passaram a ter relacionamentos mais de seu agrado, ou seja,
passaram a exercer mais controle sobre o comportamento dos que as rodeiam.
Romano, Jensen, Turner, Good & Hops (2000) analisaram as interações entre 121
pacientes de dor crônica e seus companheiros, observando o encadeamento da queixa de
dor do paciente, as respostas dos companheiros (as) e as conseqüências observáveis em
relação à dor. As respostas dos companheiros dividiram-se basicamente em dois grupos:
respostas de solicitude ou disponibilidade (encorajamento do papel de doente, como
expressar simpatia pela dor do paciente ou desencorajá-lo a fazer atividades) e respostas
negativas (respostas aversivas diante da queixa de dor, como críticas ou expressões de
irritação). Os autores observaram que os comportamentos solícitos dos companheiros
(as) foram associados a um aumento de queixas e comportamentos de dor do paciente,
sendo que essa associação foi ainda mais importante quando os pacientes estavam
depressivos. Já as respostas negativas dos companheiros (as) foram relacionadas à
diminuição nas taxas de queixas não-verbais de dor (gemer, por exemplo).
Do ponto de vista psicológico, dados como os acima expostos fortalecem a
necessidade da análise operante sobre o fenômeno da dor, especialmente se referindo á
compreensão individual da problemática, visto a necessidade de observação e identificação
de eventos / respostas alternativas àquelas que se relacionam à manutenção da dor,
Reconhecer o caráter individual da dor parece ser fruto do processo onde há
também que se reconhecer a profunda dependência entre as pessoas, pois o resultado
“dor" surge não só de uma estimulação nociceptiva, mas de uma complexa combinação
entre história de aprendizagem, contingências atuais e o estado emocional do indivíduo.
Especificamente na promoção, identificação e reforçamento diferencial de
comportamentos alternativos ao comportamento de sentir dor é que reside o trabalho do
terapeuta comportamental de pacientes com dor. Essa é uma tarefa complexa e difícil,
pois, à semelhança dos quadros depressivos, os quadros dolorosos promovem a redução
de repertório positivamente reforçável disponível. Não é coincidência a alta freqüência de
co-morbidade de quadros dolorosos e transtornos depressivos, já que representam conjuntos
de respostas que se referem à falta de outros comportamentos para o enfrentamento de
situações de stress, por exemplo.

Sobre Com portiimento c Copniy.lo 173


Assim, o trabalho multi e interdisciplinar è indicado para o paciente e seus familiares,
seja individualmente ou em grupo. O papel do terapeuta comportamental deve ser, além de
realizar os atendimentos psicológicos, de orientação à equipe de saúde sobre a função
operante da dor, visando diminuir as reações de irritação dirigidas ao paciente, bem como
as dificuldades de adesão deste ao tratamento. Nesta visão, se a própria dor ó um
comportamento que foi desenvolvido no impacto com o ambiente, o que pode ser tratado
não ó uma doença, mas o caráter de adaptação do organismo em seu contexto.

Referências
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Claudia Lúcia M cnoRdlli, Cloves Amorim , C/iovana Pclvan Stuhler A v i


Capítulo 17

A Critica de Merleau-Ponty à
hipótese localizacionista de funções
mentais face ao desenvolvimento das
Neurociências
hlviih h Soares1

hsc / mo ( )//vcmi Hucntf

Introdução
No contexto cientificista do início do século XX buscava-se, mediante estudos do
sistema nervoso, a relação entre Fisiologia e comportamento. A partir desta busca ainda
dava-se ênfase á posição defendida, segundo Finger (1994), desde Joseph Gall (1757-
1828) e Joham Kaspar Spurzheim (1776-1832), segundo a qual as funções cerebrais estão
localizadas em determinadas regiões ou pontos específicos do encéfalo e que, portanto,
as reações aos estímulos seguiam vias preestabelecidas no organismo. Dessa maneira,
afirmava-se que o comportamento é determinado por regras estabelecidas de antemão.
Assim, segundo esta concepção, para entender o comportamento, bastava descobrir os
sítios de cada função e as vias pelas quais os estímulos e as respostas trafegariam.
Neste contexto, em 1938, Maurice Merleau-Ponty publicou uma obra de título
sugestivo: A Estrutura do Comportamento. Já no início da obra o autor esclarece que a
Estrutura do Comportamento se propõe a discutir a questão da relação entre consciência
e natureza, esta última entendida como uma multiplicidade de acontecimentos exteriores
uns aos outros e ligados por relações de causalidade.
A princípio, poderia se pensar em mais uma obra que procurava explicar o
comportamento, segundo os pressupostos da Psicofisiologia clássica ou, ao contrário,
uma obra de resgate do introspeccionismo, característico da chamada Psicologia Filosófica.
Nem uma coisa e nem outra. Merleau-Ponty, como um adversário do mecanicismo e do
dualismo e, defendendo a tese de que Filosofia e Psicologia não são necessariamente
1Departamento de Psicologia da Educação, FFC - UNESP- Marllia SP
2José Lino Oliveira Bueno, Departamento de Psicologia e Educação, FFCL - USP - Ribeirão Preto SP

Sobre Com porl.im cnto e Oofjnlvilo 175


divergentes, procurou, a partir de uma sólida base teórica e empírica, primeiramente,
levantar as limitações da Psicofisiologia da época, atacando quatro pontos fundamentais,
os quais segundo ele, marcavam o estudo do comportamento: o localizacionismo, as
relações de causalidade, o reducionismo e o determinismo, e em segundo lugar, superar,
em termos de estudo do comportamento, dois erros fundamentais: o objetivismo científico
ingênuo e o subjetivismo filosófico. Em especial duas correntes contribuíram no
desenvolvimento da crítica merleau-pontyana: a Fenomenologia de Edmund Husserl (1859-
1938) e a Escola de Berlim da Psicologia da Gestalt. Em termos de fundamentação
empírica, Merleau-Ponty utilizou-se principalmente dos estudos em Neurofisiologia de
Kurt Goldstein (1886-1965) e Adhómar Gelb (1887-1936).
Para alcançar seus objetivos, Merleau-Ponty organizou a Estrutura do
Comportamento da seguinte forma: Na primeira parte da obra analisou a teoria do
comportamento reflexo, mostrando, a partir de relatos experimentais, o fracasso da
concepção atomista e, consequentemente da análise real. Na segunda e terceira partes
estudou os comportamentos superiores procurando, a partir de uma crítica ao modelo
pavloviano, mostrar a fragilidade das hipóteses localizacionistas. Finalizando seu roteiro,
Merleau-Ponty fez um estudo das relações entre alma e corpo, bem como sobre o problema
da consciência perceptiva, propondo um novo tipo de análise, a análise transcendental
(analítica transcendental), a qual foi desenvolvida com mais rigor na obra Fenomenologia
da Percepção (1945).

1. O contexto da psicofisíologia das décadas de 30 e 40


Pode-se afirmar que as críticas e as propostas formuladas por Merleau-Ponty nas
obras Estrutura do Comportamento (1938/1990) e Fenomenologia da Percepção (1945/
1999) estão relacionadas ao contexto de tentativa de construção de uma Psicologia
científica, livre das influências filosóficas e do subjetivismo introspeccionista e mais próxima
dos pressupostos da Fisiologia.
A Fisiologia, tomando como modelo de ciência a física e a química, caracterizava-
se parte pelo determinismo e pelo mecanicismo, encontrados principalmente nos textos
de Claude Bernard (1865/1984), Ivan Pavlov (1927) e em textos didáticos utilizados no
Brasil, como por exemplo, o Compêndio de Physiologia de Hédon (1935).
A concepção de centros, também criticada por Merleau-Ponty na Estrutura do
Comportamento, era fundamental em autores como por exemplo nos anatomistas Testut
e Jacob (1905) e no fisiologista Charles Richet (1898). Em termos de análise do
comportamento, adotava-se, como vimos, conforme o modelo da fisiologia clássica, o
modelo pavloviano, dando-se ênfase na concepção de arco reflexo.
Contra estas concepções, mesmo antes da publicação da Estrutura do
Comportamento, surgiram vários autores. Por exemplo, Kurt Goldstein (1935/1995), na
obra DerAüfbau des Organismus (The Organism), posicionou-se contra o mecanicismo e
contra o método de análise real; combatendo o localizacionismo e defendendo concepção
de que a ação do estímulo depende da situação antecedente do organismo.
A visão localizacionista, dominante na fisiologia da época, também encontrou
forte reação em estudiosos da Psicologia, como por exemplo em Paul Guillaume (1931/
1967), Armand Cuvillier (1934/1953) e J. de La Vaissière (1959), ambos traduzidos para o
português nas décadas de 50 e 60.

Êdvdldo Sodrcs, Jose Lino Oliveira Hueno


Por sua vez, a Psicologia Experimental, mediante autores como o Henri Pierón
(1935) ou Onofre de Arruda Penteado Júnior (1949) este último então professor da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, procurava firmar-se como
ciôncia positiva adotando ainda os mesmos postulados da fisiologia clássica, negando os
pressupostos metafísicos da chamada ‘Psicologia Filosófica'.
Apesar do esforço em se construir uma psicologia científica, ocorriam, tanto em
termos Fisiologia como de Psicologia Experimental, divergências teóricas em relação a
determinadas questões. Por exemplo, Guillaume (1931/1967), seguindo alguns
pressupostos da Gestaltheorie, coloca-se contra a concepção de arco-reflexo e contra a
concepção de centros, defendendo que o organismo ó um ‘todo dinâmico' e que a reação
depende da situação do organismo. Por outro lado, autores como Cuvilller (1934/1953) e
Vaissière (1959) negavam a subordinação da psicologia à fisiologia, criticam o método de
análise real e o atomismo pavloviano.
Neste contexto confuso, Merleau-Ponty, fundamentando-se na fenomenologia, na
Gestaltheorie e, principalmente na fisiologia de Goldstein, propõe, nas obras Estrutura do
Comportamento (1935/1990) e Fenomenologia da Percepção (1945/1999), superar os
preconceitos que marcavam a Psicofisiologia da época, fazendo com que essa apresentasse
uma compreensão do organismo e do comportamento dentro dos limites impostos por
modelos reducionistas. Nesse esquema, concebia-se o organismo como um objeto
mecânico, o quaí poderia ser analisado isoladamente, a partir de suas partes constituintes.
Ligado a estes preconceitos, estava a concepção localizacionista de funções mentais, a
qual Merleau-Ponty combate, a partir de uma concepção de caráter globalista. Mas como
se dá esta crítica de Merleau-Ponty?

2. Crítica ao localizacionismo
Considerando que a natureza do excitante e o lugar da excitação nâo determinam
por si só a reação, Merleau-Ponty (1938/1990) questiona se existe um trajeto
anatomicamente definido a ser percorrido entre a excitação e a reação? De acordo com
Merleau-Ponty, para que a resposta a essa questão seja positiva, temos que considerar
que as respostas são sempre desencadeadas a partir de estímulos externos e que, um
mesmo estímulo provoca sempre uma mesma resposta. Ora, isso não corresponde à
realidade, pois, segundo ele, não há jamais reflexo extereoceptivo puro, isto ó, que tenha
necessidade, para existir, apenas da intervenção de estímulos externos. Além disto, ó
sabido que um mesmo estímulo pode provocar diferentes respostas em um mesmo
organismo, como também pode não provocar resposta alguma.
Disso infere o autor que a resposta reflexa depende tanto de condições externas
(extereoceptivas) como de condições internas (introceptivas), reforçando a tese de que
existem condições antecedentes ao estímulo, as quais são determinadas pelo estado do
organismo como um todo. Portanto, não se pode falar em trajeto definido, pelo menos de
antemão, considerando que o aparelho reflexo não ó, nem anatomicamente e nem
funcionalmente isolado, fato este que leva a acreditar que a permanência das condições
interiores não pode ser tida como dada por uma estrutura preestabelecida.
Mas, considerando que não existem circuitos preestabelecidos, como podemos
conceber as funções cerebrais? De acordo com Merleau-Ponty (1938/1990), o cérebro
teria a função de 'reorganizar' o comportamento, elevá-lo a um nível superior do adaptação
e de vida, ao contrário da teoria clássica que considerava que o cérebro teria uma função,

Sobre Com port.imento f CoflnrçJo 177


hierarquicamente superior, de associar ou dissociar automatismos preestabelecidos; ou
seja, seria um centro que coordenaria e controlaria mediante de mecanismos como os de
inibição e integração as respostas do organismo frente aos estímulos do meio externo.
Como base desta concepção estava a teoria das localizações, segundo a qual, a sede ou
sítio de cada comportamento estaria localizado em determinado ponto do sistema nervoso
e ainda, que cada elemento nervoso tem uma parte de comportamento preestabelecido
que depende dele, de tal forma que para cada movimento reflexo existiria um dispositivo
especializado e determinado pontualmente. Para Merleau-Ponty (1938/1990) esta postura
é equívoca. Para ele, o cérebro deve ser considerado como reorganizador, ou seja, como
o lugar onde se elabora uma ’imagem total' do organismo, onde o estado total de cada
parte se encontra expresso, de tal forma que seria essa imagem de conjunto que comandaria
a distribuição dos influxos motores. Em síntese, na concepção merleau-pontyana, no
organismo existe uma relação dinâmica, na qual a excitação se apresenta como
conseqüência de uma série de fatores tanto externos (do meio ambiente) como internos
(do próprio organismo), não sendo possível assim, determinar um circuito preestabelecido
por onde trafegariam os estímulos e a respostas e, consequentemente um local no sistema
nervoso responsável especialmente por determinado comportamento (Soares, 2003).
A partir dessa postura critica, podemos perguntar, a exemplo de Bueno (1999): as
neurociências deram conta das críticas de Merleau-Ponty?

3. As neurociências
Em relação ao desenvolvimento das neurociências, ocorreram importantes avanços,
entre os quais destacamos aquelas relacionadas ao estudo da plasticidade e memória.
Por exemplo, estudos como os de Hebb (1949), Held (1970) e Rosenzweig (1996) em
relação à plasticidade apontam para a concepção de que não se pode analisar o
desenvolvimento do organismo e seu comportamento independente de sua relação com o
ambiente e da estrutura do próprio organismo. Estudos sobre relação entre memória e
hipocampo, dos quais destacamos os de Milner (1959; 1985; 1996); Milner, Corkin e Teuber
(1968) e Scoville e Milner (1957) sugerem que os diferentes tipos de memória não são
localizados ou armazenados em um determinado local específico, mas dependem de
diversas estruturas quanto ao processamento e à consolidação. Também a concepção de
centros defendida por autores, como por exemplo, Testut (1900), Testut e Jacob (1905),
Pizon (1925), Hedón (1935) tem sido criticada do ponto de vista das neurociências, por
autores como Bindra (1976).
Interessante que ainda hoje encontramos posições localizacionistas estritas que
se aproximam do modelo frenológico, como por exemplo as de Mazoyer, B.; Tzourio-
Mazoyer, N.; Houde (2002). Mas, contra a concepção estrita de localizacionismo, autores,
como Bindra (1976), Fodor (1983), Xavier (1993) e Campos, Santos e Xavier (1997), defendem
que o sistema nervoso funciona de forma modular. Também Damásio (1996; 2000) critica
a concepção localizacionista estrita ao conceber que a consciência é uma função biológica
que emerge da integração da atividade neural entre diferentes regiões do cérebro, reforçando
a idéia, já apontada por Merleau-Ponty, de que a função não é independente do substrato.
Ainda em relação à teoria modular, Ramachandran (2002) concebe que o modularismo o e
holismo não são mutuamente excludentes, pois o cérebro é uma estrutura dinâmica que
emprega ambos os modos numa influência recíproca e complexa. Aliados ao estudo de
fenômenos como o do ponto cego e ao estudo de casos patológicos, como por exemplo o
fenômeno do membro fantasma e da visão cega, diversos autores, como por exemplo

hivaldo Soares, losé l.ino Oliveira Mueno


Ramachandran (1992; 2002) e Meyer (2002), sugerem, contra o determinismo estrito, que
o organismo se comporta de forma dinâmica, adaptando-se momento a momento às novas
situações. Ainda em relação à dinamicidade do comportamento, Staddon e Bueno (1990)
sugerem a utilização de modelos dinâmicos na análise do comportamento. Esses modelos
em tempo real, que consideram que a experiência, momento-a-momento muda o estado
do organismo, introduzem a noção de historicidade no estudo do comportamento;
concebem que o estado interno envolve componentes neurais e cognitivos, mas não se
reduz a eles, confirmando assim a concepção de dinamicidade do organismo proposta por
Merleau-Ponty. Bueno (1997b), ao apontar para a necessidade de se atribuir a um sistema
representacional a causa antecedente do comportamento, mediando o que ocorre entre a
entrada externa e a salda comportamental, descreve avanços da psicologia que estão de
acordo com as propostas merleau-pontyanas. Engelmann (1997a, 1997b) também tem
contribuído para a superação das concepções dualistas ao conceber que não existe nem
mente e nem matéria, mas uma única substância. Sem adotar uma posição reducionista,
mas emergentista,

Conclusões
Consideramos que, se por um lado as críticas de Merleau-Ponty se mostram
coerentes em relação ao contexto de sua época, por outro elas parecem nâo influenciar
diretamente, enquanto crítica filosófica, o desenvolvimento posterior das neurociências,
as quais tiveram seu desenvolvimento próprio. Se sua proposta de uma analítica
transcendental esbarra em conceitos não muito claros; sua crítica contra as concepções
objetivantes era pertinente e sua proposta de uma análise que fosse além da análise real
era coerente com o contexto da época, o que não justifica a retomada de uma analítica
transcendental (Soares, 2003; Soares, Bueno, 2004). Apesar disso, será ainda atual a
crítica de Merleau-Ponty? Será sua obra ainda objeto de interesse por parte de Filósofos,
Psicólogos, Cientistas Cognitivos e Neurocientistas em geral? A nossa resposta é sim.
Acreditamos ser a obra Estrutura do Comportamento ainda atual. Atual não no sentido de
aplicar todas as criticas elaboradas por Merleau-Ponty, de forma indiscriminada, ao
desenvolvimento atual da Psicofisiologia ou das Neurociências em geral, às quais,
acreditamos terem superado grande parte das limitações apontadas por Merleau-Ponty;
ou atual no sentido de adotar como solução uma ‘analítica transcendental’, a qual
acreditamos também, como já salientamos, apresentar suas dificuldades. Mas atual no
sentido de proporcionar uma reflexão filosófica-epistemológica rigorosa, unindo o
conhecimento científico e à reflexão filosófica e demonstrando que não se faz Epistemologia,
que não se faz Filosofia das Ciências sem um conhecimento profundo da mesma, assim
como não se faz ciência rigorosa sem uma análise crítica dos seus fundamentos
epistemológicos e metodológicos; sem uma crítica radical às suas teorias e modelos.

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Sobre C'omporf.imento e CoRnlyio 181


Capítulo 18

A atribuição como componente


cognitivo das habilidades sociais e
seu impacto na satisfação conjugal
t/u n e M iity dc Olivcíh) hilcone*

Ptiniii/c Mütqucs dos Rimos*

Muitas pesquisas tôm sido realizadas na busca de uma melhor compreensão dos
fatores que auxiliam na construção de um relacionamento amoroso saudável e feliz. Isto
se deve, em grande parte, a uma robusta variedade de publicações apontando a considerável
quantidade de divórcios e suas conseqüências para a saúde. Pergunta-se quais os
determinantes da satisfação conjugal, quais seus favorecedores e seus opositores. Talvez
esse questionamento seja derivado da necessidade do ser humano de compreender o
mundo ao seu redor. Contudo, o que se torna inegável é a influência da satisfação conjugal
na qualidade de vida e na saúde das pessoas.
Especialmente na relação de casamento, essa influência mostra-se em evidência.
Maldonado (1986) menciona que o matrimônio afeta características da personalidade do
indivíduo, sua identidade e suas crenças sobre o mundo e que, por isso, o processo de
separação conjugal mostra-se tão doloroso uma vez que o indivíduo que se separa deve
aprender a lidar com novos papéis, novas situações diferentes das quais estava acostumado
a enfrentar ao lado de seu cônjuge.
Muitos estudos revelam que uma relação conjugal problemática age de forma
prejudicial na saúde psíquica e física do indivíduo. Doenças psicossomáticas, abuso de
substâncias psicoativas, depressão, ansiedade, pânico e, em última instância, suicídio e
homicídio são algumas das conseqüências de um casamento insatisfatório (Epstein &
Schlesinger, 2004; Granvold, 2004; Hamberger & Holtzworth-Munroe, 2004). Por outro
lado, Gottman e Silver (2000) citam estudos sugerindo que um casamento satisfeito fortalece

* Instituto de Psicologla-UERJ

Lliane Mary dc Oliveira Falconc, Danicllc Marques dos Ramos


o sistema imunológico do indivíduo e aumenta o seu tempo de vida. Essas evidências têm
despertado o interesse de pesquisadores para avaliar os fatores que levam a maior
satisfação conjugal.

1. Satisfação conjugal
Os determinantes causais da satisfação conjugal permanecem obscuros pela própria
natureza correlacionai dos estudos sobre o tema. Na literatura, parece haver uma predileção
pelas pesquisas que visem às causas da satisfação conjugal em detrimento da compreensão
de seu processo de desenvolvimento (Karney & Bradbury, 1995; Parker, 2002). Além disso,
a própria definição do termo “satisfação conjugal" tem aparecido na literatura de forma confusa,
dificultando comparações entre os estudos. Dela Coleta (1989) descreve este conceito
como a satisfação do indivíduo com o relacionamento no geral e em suas partes específicas.
Estudos mais recentes sobre a satisfação conjugal entendem-na como uma característica
a ser considerada longitudinalmente e não apenas de forma pontual no relacionamento
amoroso, além da compreensão de que um casamento satisfeito não significa somente a
ausência de insatisfação (Bradbury, Fincham & Beach, 2000). Do fato, na conceitualização
de Dela Coleta verifica-se a apreciação de ambas as distinções, na medida em que a autora
entende a satisfação como algo que é percebido pelo cônjuge de forma ampla, apesar dos
conflitos. Além disso, tal amplitude contém em si a temporalidade, uma vez que uma relação
só se constrói através dos dias na vida do indivíduo.
Parker (2002) pesquisou as características que estavam presentes com maior
freqüência nos casamentos satisfeitos de longa data. O autor encontrou pontos como: (1)
considerar o cônjuge o melhor amigo; (2) gostar do cônjuge como pessoa; (3) considerar
o casamento como um comprometimento de longa data; (4) entender o casamento como
uma instituição sagrada; (5) concordar nas aspirações e objetivos; (6) achar o cônjuge
alguém interessante; (7) querer que o relacionamento seja bem sucedido; (8) desenvolver
capacidade de conter conflitos; (9) consultar o outro na tomada de decisões; (10) ter uma
boa comunicação; (11) cultivar valores como confiança, respeito, compreensão e equidade;
(12) desenvolver a intimidade sexual e psicológica.
Muitos dos pontos acima citados exigem do indivíduo capacidades na interação
conjugal que necessitam ser aprendidas e mantidas. Essas capacidades correspondem a
habilidades sociais que o indivíduo manifesta em prol da manutenção do relacionamento.
Na relação amorosa, as habilidades de resolução de conflitos e de comunicação são as
mais apontadas dentro da literatura (Dattilio & Rangó, 1995). A comunicação assume um
papel tão relevante no relacionamento amoroso que uma má comunicação antes do
casamento ó preditora de divórcio (Sanders, Halford & Behrens, 1999). Leichty, Willihnganz
e Hart (2002) encontraram que indivíduos com níveis elevados de habilidades sociais
comunicavam-se mais adequadamente e relatavam maiores taxas de satisfação conjugal.
Beck (1995) e Dattilio e Padesky (1995) são autores que destacam o desenvolvimento de
habilidades sociais como parte da terapia de casais.

2. Habilidades sociais
Del Prette e Del Prette (2001) definem habilidades sociais como “a existência de
diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de
maneira adequada com as demandas das situações interpessoais" (p. 31). Para Carmona
e Melo (2000), as habilidades sociais compreendem elementos cognitivos e são definidas

Sobre C o m p o rta m e n to e C oflniçüo


como “a capacidade que um indivíduo possui de perceber, entender, decifrar e responder a
estímulos sociais em geral, especialmente àqueles que provêm dos comportamentos dos
demais" (p. 28).
Embora existam várias definições de habilidades sociais encontradas na literatura,
o conceito atual de um comportamento socialmente habilidoso deve incluir uma capacidade
do indivíduo para obter satisfação pessoal e, ao mesmo tempo, de desenvolver e manter
relacionamentos mutuamente benéficos e sustentadores (Falcone, 2001). Em outras
palavras, um indivíduo socialmente competente manifesta motivação genuína para
compreender e atender às necessidades da outra pessoa e, ao mesmo tempo, está atento
para compreender e atender às próprias necessidades. Falcone (2000; 2001; 2004) tem
apontado a empatia e a assertividade como duas habilidades sociais que se complementam
na obtenção de ganhos pessoais, aliados a maior qualidade da interação.
A assertividade ó definida por Lange e Jakubowski (1976) como a capacidade de
“defender os direitos pessoais e de expressar pensamentos, sentimentos e crenças de
forma honesta, direta e apropriada, sem violar os direitos da outra pessoa" (p.7). Segundo
esses autores, a mensagem da asserção é: "É assim que eu penso. É assim que eu
sinto. É desta maneira que eu vejo a situação" (p.7).
Caballo (1991) afirma que o comportamento assertivo promove conseqüências
tais como: facilitação da solução de problemas interpessoais; elevação do senso de auto-
eficácia e de auto-estima; maior tranqüilidade e maior qualidade dos relacionamentos.
Efeitos do treinamento assertivo na população clínica incluem: aumento da autoconfiança
e da realização pessoal (Delamater & McNamara, 1986), redução da depressão (Rimm,
1967) e da ansiedade social (Falcone, 1989; Robach, Franyn, Gunby & Twters, 1972).
Por outro lado, uma revisão de estudos feita por Delamater e Mc Namara (1986)
sobre o impacto social da assertividade sugere que a expressão assertiva dos próprios
direitos costuma ser percebida como mais competente e efetiva, porém menos agradável,
amigável, satisfatória ou apropriada do que a expressão não assertiva. Além disso, expressar-
se de maneira empática (demonstrando consideração especial para com as necessidades
da outra pessoa) antes de manifestar comportamento assertivo direto pode minimizar qualquer
avaliação negativa potencial da assertividade. Hargie, Saunders e Dickson (1987) afirmam
que o comportamento assertivo pode oferecer riscos, especialmente na interação profissional
com superiores ou com pessoas muito agressivas.
A empatia ó entendida como a capacidade de compreender e de expressar
compreensão acurada sobre a perspectiva e sentimentos de outra pessoa, além de
experimentar sentimentos de compaixão e de interesse pelo bem estar desta (Lennard,
1993; Egan, 1994; Falcone, 1999).
Em uma revisão de estudos feita por Falcone (2000) verificou-se que esta habilidade
produz efeitos sociais tais como: redução de conflitos interpessoais e aumento do vínculo;
geração de efeitos sociais mais positivos do que a auto-revelação; promoção de ajustamento
e de satisfação conjugal. Além disso, foi encontrado em uma revisão de Burleson (1985) que
pessoas empáticas despertam nos outros afeto e simpatia, são mais populares e ajudam a
desenvolver habilidades de enfrentamento, bem como reduzem problemas emocionais e
psicossomáticos nos amigos e familiares; McCullough, et al. (1998) verificaram que indivíduos
propensos a perdoar as faltas do parceiro costumavam declarar-se satisfeitos com o
casamento. O ato de perdoar demanda uma boa dose de empatia para com o parceiro.

Eliane Mary dc Oliveira Falcone, IXmiclle Marques dos Ramos


Entretanto, um indivíduo que se comporta de forma empática na maior parte do
tempo, abrindo mão de suas próprias necessidades, pode gerar satisfação nas outras
pessoas de seu contexto interacional, mas provavelmente se sentirá insatisfeito e frustrado
com freqüência. Assim, parece que a promoção de interações bem sucedidas depende da
integração das habilidades empáticas e assertivas. Como afirmam Carneiro e Falcone
(2004, p. 121), a deficiência em uma dessas habilidades:

...pode ocasionar padrões de comportamento socialmente inadequados, tais


como a esquiva (ficar calado, sair da situação para evitar um confronto
interpessoal, entre outros) ou a agressividade (adotar comportamentos que não
consideram os sentimentos e nocessidades do outro, reagir do maneira hostil,
dopreciar etc.). Esses padrões acabam prejudicando a qualidade da interação,
favorecendo os conflitos sociais.

Um outro aspecto a ser considerado no conceito atual de habilidades sociais


refere-se aos seus componentes cognitivos. Para interagir socialmente de maneira eficaz,
o indivíduo deve: (1) selecionar de forma acurada informações úteis e relevantes de um
contexto interpessoal: (2) usar essa informação para determinar comportamentos
apropriados dirigidos a meta e (3) executar comportamentos verbais e não verbais que
maximizem a probabilidade de obter e manter a meta de boas relações com os outros
(Bedell & Lennox, 1997).
A autoconsciência, compreendida como o reconhecimento, rotulação e organização
dos próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos (Bedell & Lennox, 1997), constitui
o componente cognitivo do comportamento assertivo. Para atingir a autoconsciência, o
indivíduo necessita identificar os próprios desejos, expectativas e sentimentos, antes de
decidir que comportamento irá adotar na interação (Falcone, 2001).
A consciência do outro corresponde ao componente cognitivo necessário para a
manifestação de comportamento empático e inclui: (1) deixar de lado por alguns instantes
os próprios desejos e sentimentos e focalizar-se nas necessidades da outra pessoa. (2)
prestar atenção nas emoções do outro: (3) colocar-se no lugar do outro; (4) relacionar
esses dados para atingir a consciência da outra pessoa (Falcone, 2001).
Distorções na percepção interpessoal (de autoconsciência e consciência do outro)
podem promover emoções negativas e comportamentos que comprometem a qualidade da
interação. Alóm disso, no contexto interpessoal conjugal, as crenças que o indivíduo tem a
respeito do casamento, do papel de pai/mãe, marido/esposa etc., influenciam em suas
ações para com os filhos, o cônjuge e o mundo. A crença de que o casamento é uma
instituição sagrada, por exemplo, afeta a atitude do indivíduo frente ao casamento, ao divórcio,
etc. Vários autores que têm realizado pesquisas sobre as crenças conjugais (por ex., Beck,
1995; Dattilio & Padesky, 1995; Baucom & Epstein, 1989; Eidelson & Epstein, 1982) apontam
a importância destas nas formas de se relacionar entre casais e de sua responsabilidade
nos conflitos entre os mesmos. Crenças e expectativas irrealistas levam a distorções de
percepção e interpretações equivocadas a respeito do comportamento do cônjuge, que por
sua vez promovem comportamentos sociais inadequados, afetando negativamente a
satisfação conjugal (Beck, 1995; Dattilio & Padesky, 1995). As interpretações que precedem
o comportamento social têm sido referidas na literatura como atribuições (Baucom & Epstein,
1989; Bradbury&Fincham, 1990).

Sobre Comfwrtdmenlit e Cognição


3. Atribuição e satisfação conjugal
A atribuição é um processo cognitivo há anos pesquisado pela Psicologia Social
e que encontra espaço no estudo das habilidades sociais. Uma atribuição é dependente
de diversos outros fatores cognitivos como percepção, crenças e expectativas que um
indivíduo tem a respeito do modo de funcionamento de alguém ou de alguma coisa. Por
exemplo, se um indivíduo vê uma maçã caindo, ele pode explicar essa queda através da
teoria da gravidade. Mas, se em vez de a maçã cair, esta flutuasse, então ele provavelmente
recorreria a outras fontes de conhecimento, sejam elas internas (ex.: crenças religiosas)
ou externas (ex.: mudança das leis da Física) para fazer uma atribuição que elucidasse a
flutuação. A atribuição representa, portanto, a necessidade que o ser humano tem de se
sentir seguro no mundo que o cerca (Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2000).
Nas relações interpessoais, o indivíduo faz atribuições a todo o momento. Ele se
questiona sobre o motivo de sua esposa parecer triste, sobre a razão de ter perdido o
emprego, o porquê de não ter sido aceito no clube e assim por diante. Todos esses
questionamentos fazem com que o indivíduo sinta uma emoção correspondente e aja de
acordo com essa emoção. Nas relações amorosas as atribuições assumem um papel de
destaque, contribuindo para a satisfação ou insatisfação no casamento.
Fincham (1985) descobriu que há variações no processo de atribuição entre casais,
dependendo da fase em que eles se encontram. No início do relacionamento, é comum
que esse processo esteja em alta, considerando-se que o indivíduo está conhecendo seu
parceiro, não tendo, portanto, uma teoria a respeito do modus operandis do outro. Na fase
de manutenção, a atividade de atribuição diminui, uma vez que o parceiro já pode ser
entendido em suas atitudes. Nas fases de conflito, novamente a freqüência da atribuição
se eleva, na tentativa de se compreender o que está acontecendo, para mais uma vez se
encontrar a estabilidade desejada.
Jacobson e Holtzworth-Munroe (1985) descobriram que casais em conflito faziam
mais atribuições do que casais que não estavam em conflito. Encontraram também neste
estudo que as mulheres tendem a fazer mais atribuições que os homens e que, de fato,
quando era verificada a atividade intensa de atribuição entre eles, isso representava conflito
dentro da relação.
Contudo, fazer uma atribuição não significa que o relacionamento está com
problemas. Atribuições são eliciadas, tanto para comportamentos negativos do parceiro
quanto para comportamentos positivos. O que vai determinar se a atribuição age no sentido
de favorecer ou desfavorecer a relação é o modo de processar as informações do indivíduo.
Considerando-se que o indivíduo não é um receptor passivo dos estímulos do ambiente,
ao receber uma informação ele a analisa através de vários outros componentes cognitivos
como crenças, expectativas, percepção, empatia etc., para só então ele emitir uma resposta
(Nieto, 1998). Esta resposta poderá, então, ser classificada como socialmente habilidosa
ou não. Percebe-se, com isso, que as atribuições enquanto componente cognitivo das
habilidades sociais agem para construir um comportamento social habilidoso. Na relação
amorosa, uma atribuição habilmente realizada significa atitudes frente ao parceiro que
atuem no sentido de favorecer esse relacionamento (Bradbury & Fincham, 1990; 1992b)
Esse processo habilidoso de percepção e emissão de resposta adequada ó descrito
nos estudos sobre atribuição e satisfação conjugal. Para cônjuges com problemas conjugais,
qualquer comportamento positivo do parceiro ó desvalorizado e os comportamentos negativos

Hiane Mary de Oliveira Falcone, Danielle Marques dos Ramos


são supervalorizados, afetando destrutivamente a relação com o outro. Em oposição, para
cônjuges satisfeitos com o relacionamento, as atribuições agem no sentido de fortalecer a
relação através da acentuação dos comportamentos positivos do parceiro e desconsideração
dos comportamentos negativos do mesmo (Bradbury & Fincham, 1990;1992a, 1992b; Baucom
et al., 1996; Jacobson & Holtzworth-Munroe, 1985). Desta maneira, a atribuição parece
influenciar mais a satisfação conjugal do que vice-versa, ou seja, atribuições adaptadas são
mais capazes de criar uma relação feliz do que casamentos satisfeitos são capazes de
fornecer atribuições adaptadas (Fletcher, Fincham, Cramer & Heron, 1987).
Dentro da literatura e com raras exceções, as atribuições são estudadas através
de seus conteúdos, isto ó, a explicação verbal que o indivíduo fornece sobre um evento é
colhida e inserida em dimensões previamente estabelecidas (Bradbury & Fincham, 1990).
Estas dimensões são definidas de várias formas diferentes, causando alguns problemas
na hora de promover comparações entre as pesquisas. Um dado importante relatado por
Shaver e Drown (1986) refere-se ao grande número de estudos realizados sobre atribuição
a partir da posição daquele que recebe a ação. Isto significa que, na pesquisa de atribuições
entre casais, o comportamento do marido será analisado e atribuído pela esposa em vez
da esposa fazer atribuições para o próprio comportamento frente ao marido.
Dentre as dimensões mais encontradas na literatura sobre atribuições, o locus, a
estabilidade e a globalidade são, respectivamente, as dimensões mais estudadas (Bradbury
<&Fincham, 1990). O locus pode ser interno ao indivíduo, significando que a origem do evento/
problema repousa nele (ex.: O marido não avisa que vai chegar tarde em casa, então a mulher
pensa: “Ele não tem consideração comigo nem com nosso relacionamento"), ou externo,
quando a origem do evento/problema está fora do indivíduo, podendo estar no outro ou no meio
ambiente (ex.: O marido não avisa que vai chegar tarde em casa, então a mulher pensa: “O
que será que aconteceu para ele não me ligar? Será que ele teve algum problema no trabalho?").
A estabilidade refere-se a probabilidade estimada do evento/problema ocorrer no futuro (ex.: O
marido não avisa que vai chegar tarde em casa, então a mulher pensa: “Ele sempre faz isso
comigo!”) e a globalidade refere-se a consideração de se o evento/problema está restrito a
apenas uma área do relacionamento (ex.: O marido não avisa que vai chegar tarde em casa,
então a mulher pensa: “Novamente não vou poder ver minha novela porque não tenho com
quem deixar as crianças nesse período") ou expande-se para outras áreas da relação (ex.: O
marido não avisa que vai chegar tarde em casa, então a mulher pensa: “Quando ele chega
tarde, não consigo dar o jantar para as crianças e fazer as outras tarefas domésticas. Depois
ele reclama que não tem camisa limpa passada!") (Bradbury & Fincham, 1992b).
Segundo Bradbury e Fincham (1992b), as categorias de estabilidade, locus e
globalidade não são capazes de enquadrar todas as atribuições dos indivíduos. Esses autores
elaboraram, então, uma forma de classificação mais sofisticada, onde as três categorias
anteriormente citadas se juntam para constituir uma dimensão mais ampla denominada de
atribuições de causalidade. Uma outra categoria mais ampla refere-se a de atribuições de
responsabilidade a qual envolve as classes de atribuição de culpa, intencionalidade e
motivação. Entretanto, verifica-se que, dentro da literatura, existe uma certa dificuldade para
se fazer distinção entre as dimensões de causalidade e responsabilidade. Assim, estas
têm sido consideradas como sinônimos (Shaver & Drown, 1986).
Nas relações amorosas, atribuições mais benevolentes para o comportamento
negativo do cônjuge seriam aquelas que localizam o locus como externo ao mesmo, que
se referem ao evento negativo como algo específico e instável, em que não houvesse

Sobre Comportamento i* CoflnlÇilo


motivação e nem intenção do parceiro em causar dano ao indivíduo que atribui e, portanto,
não podendo culpá-lo pela ocorrência do evento (ex.: O marido diz estar cansado e não
quer sair no final de semana com a esposa, então ela pensa: "Ele realmente tem trabalhado
muito. Portanto, deve estar cansado" = locus externo; “Ele não quer sair comigo hoje, nos
outros dias ele não se incomoda de sair. Além do mais, ele não gosta muito de fazer
compras" = instável e específico; “Ele não está se negando a sair comigo de propósito,
porque ele não quer me deixar chateada" = motivação e culpa). Em oposição, atribuições
menos adaptadas para eventos negativos localizam o locus internamente ao parceiro,
referem-se ao evento de forma estável e global, com intenção e motivação do parceiro de
causar dano ao indivíduo que atribui, sendo, com isso, culpável (ex.: O marido diz estar
cansado e não quer sair no final de semana com a esposa, então ela pensa: "Ele não
gosta de sair comigo" = locus interno; "Ele nunca quer sair comigo. Será que ele não
percebe que não sair me deixa de mau-humor e aí a gente acaba brigando por qualquer
coisa?" = estável e global; “Ele não quer sair comigo porque ele quer descontar a discussão
tivemos ontem" = motivação e culpa) (Bradbury & Fincham, 1990,1992a, 1992b).
Atribuições mais benevolentes ou adaptadas levariam a um engrandecimento da
relação através da manifestação de comportamentos socialmente habilidosos, ao passo
que atribuições desadaptadas promoveriam um empobrecimento do relacionamento com
a apresentação de comportamentos sociais inadequados. Desta forma, as atribuições
como componentes cognitivos das habilidades sociais parecem exercer influência na
construção de uma relação amorosa mais satisfatória.

4. Habilidades sociais, atribuição e satisfação conjugal


Tratando-se as habilidades sociais como a integração equilibrada entre a empatia
e a assertividade, verifica-se que a atribuição adaptativa parece estar relacionada ao
componente cognitivo da empatia. Um indivíduo compreensivo, sensível aos motivos e
necessidades do outro, provavelmente fará atribuições mais benevolentes para os
comportamentos negativos do parceiro, uma vez que o mesmo terá suas atitudes
interpretadas de maneira empática, sendo respeitado em suas razões e singularidades.
Desta forma, o componente cognitivo da empatia parece desempenhar, no processo de
atribuição, um papel importante e de ação positiva no sentido de tornar as atribuições do
indivíduo referentes ao seu parceiro amoroso mais adaptadas e, conseqüentemente,
promover uma vida conjugal mais satisfatória. Nesse sentido, a atribuição adaptativa
(componente cognitivo da empatia) busca valorizar a qualidade da relação.
Do correto processamento das informações do ambiente pelas variáveis cognitivas,
o indivíduo apresentará comportamentos sociais mais habilidosos. Esse processamento
mais acurado também possibilitará que o indivíduo faça atribuições mais realistas para os
eventos do mundo e, no caso das relações amorosas, isso se traduzirá em satisfação
aumentada com a relação. A empatia, servindo de mediadora para o processo de atribuição,
pode ter influência benéfica na interpretação da situação social. Como uma atribuição
benevolente para o comportamento do parceiro tem o poder de melhorar as relações conjugais,
uma atribuição empaticamente mediada possivelmente engrandecerá a relação a dois,
aumentando a satisfação conjugal.
Por outro lado, verifica-se também que o componente cognitivo da assertividade
funciona para manter a satisfação pessoal do indivíduo. Vimos, anteriormente, que a
qualidade das relações sociais inclui a adequação entre a busca de satisfação pessoal e

Irliane M dry de Oliveira falcone, l>aniclle Marques dos Ramos


da satisfação das necessidades do outro. Assim, após fazer uma atribuição benevolente
sobre um comportamento realmente inadequado do cônjuge que pode gerar prejuízo ou
insatisfação pessoal, o indivíduo poderá também identificar e expressar os seus
sentimentos, necessidades e desejos de forma apropriada, mantendo a satisfação pessoal
e a qualidade da relação e, conseqüentemente, a satisfação conjugal. É possível que o
componente cognitivo da assertividade funcione como um estabilizador no sentido de
impedir que o indivíduo se comporte apenas de maneira empática na relação conjugal, o
que, como foi visto anteriormente, só beneficiaria um dos cônjuges, levando á anulação
das necessidades do outro e a conseqüente insatisfação no casamento. Mais estudos
sobre atribuições são necessários para dar consistência a essa proposta de entendimento.

5. Conclusões
Esse capítulo pretendeu, a partir de uma revisão da literatura, apontar a relação
existente entre habilidades sociais e atribuição como fatores de influência na satisfação
conjugal. A identificação dessa relação pode ser útil para o tratamento de casais em crise
e para pesquisas sobre o tema. Estudos controlados são necessários para testar se
indivíduos socialmente habilidosos fazem atribuições mais adaptativas na relação conjugal
e se estes são mais satisfeitos no casamento.

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Sobrf Comport.imcnlo c C'oftnlvilo 191


Capítulo 19

O papel da nomeação na formação de


classes de estímulos equivalentes:
uma breve revisão à luz da latêncía de
respostas
í/crson Yukio TonwMri*

A área de estudos sobre equivalência de estímulos convive atualmente com


divergências teóricas e conceituais, das quais se destacam, principalmente, aquelas ligadas
às origens da formação de classes de estímulos equivalentes e as suas relações com a
linguagem e o comportamento verbal (Hayes, 1991; Home e Lowe, 1996; Mackay, 1991;
Mcllvane, 1992; Sidman, 1994). No decorrer do presente texto, irei rever, breve e sucintamente,
os tratamentos propostos por diferentes autores no que diz respeito a um aspecto específico
destas divergências, isto ó, o papel da nomeação na formação de classes de estímulos
equivalentes.
De um lado, segundo Sidman (1994), as origens da formação de classes de
estímulos equivalentes estão nas contingências de reforço presentes na relação entre o
organismo e o seu meio-ambiente. A equivalência de estímulos reflete um processo
comportamental básico e, para ser devidamente compreendida, prescinde da utilização
de processos comportamentais adicionais àqueles que compõem as contingências de
reforço. Estas contingências, além de produzirem as unidades de análises (unidades de
2-, 3-, 4-, 5-, ou n-termos), produzem também relações de pares ordenados entre elementos
(estímulo-estímulo; estímulo-resposta) que participam da contingência (Sidman, 2000).
Segundo Sidman (1994), equivalência de estímulos seria o substrato da linguagem e de
outros repertórios com propriedades generativas.
Por outro lado, Hayes (1991) propõe, em sua concepção denominada Relational
Frame Theory, que equivalência de estímulos seja uma instância de uma tendência geral

* Departamento de Psicologia Experimental, USP

QcrsonVukio Tonumari
própria dos humanos de mostrar um “responder relacional". Ou seja, equivalência seria
meramente uma dentre o conjunto das possíveis relações lógicas entre estímulos (relational
frames). Segundo as proposições de Hayes, em consonância com as de Sidman, a equivalência
não envolve processos comportamentais novos. Entretanto, Hayes sustenta que ela surge
como produto da experiência social das pessoas, especialmente aquelas relacionadas à
linguagem. Em decorrência disso, enquanto Sidman sugere que classes equivalentes
possibilitam o desenvolvimento da linguagem, Hayes propõe que o desenvolvimento da linguagem
possibilita o surgimento de classes equivalentes (Mcllvane, 1992).
Entre as tentativas correntes de se tentar compreender as origens da equivalência
de estímulos, existe a perspectiva de se procurar explicações baseadas em comportamentos
encobertos que fariam, na equivalência, a mediação entre os estímulos componentes de
uma classe (Dugdale e Lowe, 1990; Horne e Lowe, 1996). O conjunto de comportamentos
que serve a essa função denomina-se nomeação. Segundo Home e Lowe (1996), a mediação
por nomeação caracteríza-se, fundamentalmente, por ser uma relação verbal, e esta seria
responsável pela origem do repertório comportamental complexo a partir do qual se infere a
equivalência.
Segundo Home e Lowe (1996), para que ocorra a formação de classes de estímulos
equivalentes é tanto necessário quanto suficiente que haja a mediação verbal implícita ou
explicita entre os estímulos; esta mediação é proporcionada peia relação de nomeação dos
estímulos. Segundo os autores, portanto, mesmo em situações em que não se exija que o
sujeito ouça ou diga uma palavra abertamente, as relações de nomeação, encobertas,
promovem a emergência de relações condicionais que não tenham sido diretamente treinadas.
Opositores à concepção mediacionista proposta por Lowe e equipe sustentam que
a nomeação pode, sim, ser suficiente para a formação de classes de estímulos equivalentes;
entretanto, a nomeação não se faz necessária (Hayes, 1991; Hayes e Hayes, 1992; Mackay,
1991; Sidman, 1990,1994). A mediação verbal poderia facilitar a aquisição de relações de
equivalência, mas nào seria uma exigência.
Dados empíricos contribuem para a compreensão das divergências que envolvem
a nomeação de estímulos na formação de equivalência. Nesse sentido, pesquisadores
têm empregado a estratégia experimental de submeter participantes humanos verbais
versus não verbais (em geral, crianças autistas ou portadores de deficiências mentais ou
auditivas), assim como sujeitos infra-humanos, a procedimentos que envolvam a formação
de classes de estímulos.
Devany, Hayes e Nelson (1986), com crianças com desenvolvimento típico e portadoras
de deficiência mental, e Eikeseth e Smith (1992), com crianças com desenvolvimento
típico e com autismo, realizaram estudos que são freqüentemente usados como evidências
de que a linguagem ó um requisito para a equivalência. Nesses estudos, cuja comparação
dos dados ó facilitada pela semelhança do procedimento empregado, os resultados em
geral mostram a formação de equivalência em sujeitos verbais, mas não em sujeitos não
verbais. Baseados nestes dados, alguns pesquisadores concluem que a nomeação,
possível apenas em sujeitos verbais, seria de fato necessária para a equivalência.
Stromer e Mackay (1996), por meio de uma análise das contingências envolvidas
nos estudos de Devany e col. (1986) e Eikeseth e Smith (1992), enumeram uma série de
fatores que podem ter sido responsáveis pela ausência de demonstração de equivalência de
estímulos com os sujeitos deficientes mentais e autistas naqueles estudos: (a) as instruções
verbais usadas; (b) o uso de um procedimento de teste que não empregou tentativas críticas

Sobre (.'om poft.im rnlo f CoflniçJo


de linha de base; (c) a discriminabilidade das tentativas de linha de base relativamente às
tentativas de teste; (d) a eventual extinção de respostas nos testes devido ao fato de estes
não conterem tentativas de linha de base. Além disso, Stromer e Mackay (1996) apontam
como contraposição aos resultados obtidos por Devany e col. (1986) e Eikeseth e Smith
(1992) os dados de Sidman, Wilson-Morris e Kirk (1986) que demonstram, em crianças não
verbais portadoras de deficiência mental, a emergência de relações de equivalência.
Quanto à estratégia de se investigar equivalência em sujeitos infra-humanos, estes
estudos têm sido acompanhados por resultados muitas vezes negativos (Dube, Mcllvane,
Callahan e Stoddard, 1993; Hayes, 1989). Estes resultados tendem a favorecer a
possibilidade de que a linguagem simbólica seja necessária para a equivalência. No entanto,
um conjunto de investigações descreve resultados no sentido contrário. Herrnstein e Loveland
(1964) demonstraram, em pombos, a formação de classes de estímulos por identidade;
Vaughan (1988), também em pombos, demonstrou a formação de classes de estímulos
arbitrários. Em estudos envolvendo relações emergentes entre estímulos, Schusterman e
Kastak (1993), com um leão marinho, obtiveram resultados que sugerem que o
comportamento verbal não é necessário para emergência de relações não treinadas.
Manabe, Kawashima e Staddon (1995), Mclntire, Cleary e Thompson (1987), e Pepperberg
(1990), em trabalhos envolvendo o comportamento vocal, obtiveram resultados na mesma
direção e demonstraram comportamentos emergentes envolvendo estímulos e respostas.
Relações entre a nomeação e a formação de equivalência têm sido investigadas,
também, por meio da comparação entre procedimentos de escolha de acordo com o
modelo que utilizam somente estímulos visuais versus aqueles que empregam estímulos
auditivos e visuais. Estes trabalhos são importantes para a questão da nomeação na
medida em que podem mostrar se, na ausência de nomeação explícita por parte do
experimentador (diferentemente do que ocorre nas relações que envolvem estímulos auditivos
e visuais), a equivalência é demonstrada. Em termos de resultados, estudos que empregam
somente estímulos visuais têm demonstrado a formação de equivalência (Haring, Breen, e
Laitinen, 1989; Lazar, Davis-Lang e Sanchez, 1984; Saunders, Saunders, Kirby e Spradlin,
1988; Saunders, Watchere Spradlin, 1988; Sidman e col., 1986). Este dado leva à conclusão
de que, se a nomeação é necessária para a equivalência, é suficiente que seja encoberta.
Dados que evidenciam a existência de diferenças com relação à natureza do estímulo
(auditivo e visual) e a formação de equivalência foram sistematizados por Green (1990).
Neste trabalho, ao comparar procedimentos de equivalência em que vigoravam relações
auditivo-visual e visual-visual entre estímulos, a autora demonstrou que a formação de
equivalência, quando envolve relações auditivo-visuais entre estímubs, ocorre mais rapidamente
do que quando envolve somente relações visuais. Porque as relações auditivo-visuais seriam,
de alguma forma, um treino explícito de nomeação, estes resultados podem indicar que a
emergência de relações de equivalência parece ser facilitada quando os sujeitos são ensinados
explicitamente a dar nomes aos estímulos, mesmo que estes não sejam os mesmos para
ambos os estímulos (Dugdale e Lowe, 1990; Ekiseth e Smith, 1992; Kendler, 1972).
A partir dos resultados obtidos nos estudos que investigaram equivalência e
nomeação, é possível concluir que a nomeação pode mediar a emergência de relações
condicionais. Como facilitadora, a nomeação pode aumentar o controle discriminativo
exercido pelos estímulos modelo apresentados. Neste caso, a nomeação poderia funcionar
de forma semelhante àquela exercida pelas respostas diferenciais que facilitam o
desempenho na tarefa de escolha de acordo com o modelo (Saunders, 1989; Saunders e

Qerson Yukio Tbmanari


Spradlin, 1989; Stromer e Dube, 1994;TorgrudeHolborn, 1989). Atribuindo-se um nome
comum ao estímulo modelo e ao estímulo de comparação correspondente, este
estabeleceria um elo de ligação entre ambos que satisfaria as contingências de reforço
programadas (Stromer e Mackay, 1996). Entretanto, o cerne da controvérsia que envolve
equivalência e nomeação não se encontra na possibilidade da nomeação facilitar a formação
de equivalência (até mesmo porque macacos rhesus revelaram um desempenho tal como
esperado pelos testes positivos de equivalência após aquisição das relações por treino de
cadeias, conforme demonstraram Mclntire e col., 1987), mas sim na necessidade de que
exista mediação para que o comportamento emergente ocorra (Mcllvane, 1992). Esta é
uma questào relevante para a área cuja forma de ser respondida se dará através da análise
experimental das variáveis envolvidas (Gutowski, Geren, Stromer e Mackay, 1995). Nesse
sentido, a manipulação dos fatores temporais ligados ao responder, pública ou privadamente,
torna-se uma alternativa metodológica.

O papel da nomeação avaliado sob restrições temporais aplicadas ao


responder relacional
As latências de respostas de sujeitos submetidos á tarefa de escolha de acordo
com o modelo têm sido empregadas como medida de desempenho em discriminações
condicionais (Ferraro, Grilly e Grisham, 1974; Jarrard e Moise, 1971; Spencer e Chase,
1996). Por exemplo, Jarrard e Moise (1971) demostraram haver uma correlação entre a
duração das latências e a acurácia dos sujeitos: as escolhas corretas apresentavam
latências menores do que as escolhas incorretas. Ferraro e col. (1974) empregaram a
medida de latências como forma de identificar os efeitos de drogas sobre discriminações
condicionais. Spencer e Chase (1996) submeteram participantes universitários à tarefa de
escolha de acordo com o modelo e investigaram as relações entre o tempo da resposta e
(a) os diferentes tipos de relações entre estímulos (simétricas, transitivas, de equivalência)
e (b) a distância nodal entre os estímulos.
Mais recentemente, Tomanari, Sidman, Rubio e Dube (2000) propuseram um
procedimento em que latências de respostas não apenas serviram como medidas, como
também fizeram parte do próprio procedimento. O objetivo do trabalho tratou de investigar
a emergência de relações derivadas, sem treino prévio, nas condições em que se exigia
que os sujeitos respondessem acuradamente, na tarefa de escolha de acordo com o
modelo, à qual se impôs a exigência de que o responder ocorresse dentro de limites de
tempo extremamente restritos. Por exemplo, os participantes desempenharam a tarefa na
situação em que as latências ao modelo eram menores que 0,4 s; as latências de escolha
a um dos quatro estímulos de comparação eram menores que 1,2 s; a duração do intervalo
entre tentativas era de 0,4 s.
Estes limites de tempo tiveram como resultado um responder que se aproximou
dos valores de latências apontados pela literatura clássica em psicofísica como sendo
próximos ao responder reflexo (Woodworth, 1938), mesmo considerando-se que a prática,
o número de alternativas, a discriminabilidade, a “facilitação por incentivos" (Johanson,
1922, apud Woodworth, 1938) etc. afetam o tempo de resposta.
Em suma, tratavam-se de condições temporais extremas para as quais empresto
a descrição de Exner(1873, apud Woodworth, 1938), referindo-se a um estudo de medida
de latência de resposta, para ilustrá-las:

Solm* C om porl.im cnto c Coflniçilo


"Qualquer pessoa que participe desse experimento (ou seja, sirva como sujeito)
pela primeira vez é surpreendida pelo incipiente controle quo tem sobro seus
movimentos quando a tarefa roquor a execução mais rápida possível... Enquanto
so espera a aparição do estímulo com uma atenção tensa, sente-se algo
indescritível acontecendo em nivel sensorial (cérebro) que nos prepara para a
reação mais rápida possivel... Se o estado sensorial assim se encontra, a reação
ó involuntária, isto ó, não é preciso qualquer outro impulso depois do contato
com o estimulo para quo a reação dispare" (Exner, 1873, 1874, apud Woodworth,
1938)'.
Com relação ao papel da nomeação para a formação de equivalência, o
procedimento padrão de escolha de acordo com o modelo, sem limites temporais para a
ocorrência de respostas, oferece ao participante tempo ilimitado para responder e antecipar,
verbalmente (privada ou publicamente) as suas respostas. Em especial, durante os intervalos
entre tentativas, Sidman (1994) apontou que a probabilidade de que ocorram verbalizações
e nomeações espontâneas é tanto maior quanto mais longo forem estes (Constantine e
Sidman, 1975; Sidman, 1994).
Tomanari e col. (2000), por meio de reduções graduais no tempo disponível para a
emissão de respostas, obtiveram desempenhos precisos sob extrema restrição temporal
e, com isso, diminuíram a possibilidade de que respostas mediadoras verbais de tais tipos
pudessem ocorrer. E, nesse sentido, demonstraram a emergência imediata de equivalência
logo nas primeiras exposições às tentativas de teste (BC/CB), ou seja, ainda na ausência
dos efeitos das exposições repetidas aos testes. À luz do conjunto de estudos que investiga
a relação entre equivalência e nomeação de estímulos, portanto, esses dados adicionam
evidências de que a nomeação, a despeito de seu eventual papel facilitador, não é
imprescindível para a formação de classes de estímulos equivalentes.

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' “Every one who performs this experiment (I.e., serves as subject) for the first time is struck by the little
control he has of his movements when the task is to execute them as quickly as possible .. While one is
awaiting the stimulus with tense attention one feels an indescribable something going on In his sensorlum
(brain), which prepares for the quickest possible reaction... If the sensorium Is In this state, the reaction is
involuntary, i.e., no new will impulse Is needed after the entrance of the stimulus in order that the reaction
shall follow" (Exner, 1873, 1874, apud Woodworth, 1938).

Qcrson Vukio Tomaniiri


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Qcrson Yukio lomanari


Capítulo 20

A Complexidade do Comportamento
Humano: Relato de uma experiência

(///;</ No/cto Hucno*

"Tenho muiío medo de que você me peça para suspender a medicação. Só estou
aqui, graças a ela. Não posso parar, por favor, não!". Este foi o primeiro relato verbal de
Hellen, 30 anos, ao chegar para tratamento. Posterior a esta verbalização fez um ataque
de pânico, com duração inferior a 6 minutos.
Skinner (1957/1978) descreve o comportamento verbal como sendo o comportamento
operante, por agir sobre o meio ambiente e, posteriormente, por sofrer as conseqüências
das alterações por ele provocadas.
Permiti que o comportamento verbal de Hellen agisse sobre ela própria, para que
me fosse possibilitada a observação direta de uma das categorias de comportamentos-
problema, que me foram antecipadas, antes de sua chegada ao tratamento: transtorno de
pânico. Alóm da depressão e do hipotireoidismo. Pois na concepção skinneriana, torna-se
impossível a negação do controle do comportamento verbal sobre o comportamento não
verbal. Isto enseja que, uma mudança no comportamento verbal do indivíduo poderá facilitar
a muôança do comportamento não verbal correspondente (Catania, 1998/1999).
Para Skinner (1974/1982),

"Contingências complexas de reforço criam ropertórios complexos e, como vimos,


diforentes contingências criam diferentes pessoas dontro da mosma pele, das quais
as chamadas personalidades múltiplas são apenas uma manifestação extrema. O
importante ó aquilo que ocorre quando se adquiro um roportório" (p. 145).

‘ Universidade Católica de Goiás Faculdade Cambury

Sobre C'om|H>rt.ime»to e Coflnlv.lo 199


Após Ataque de Pânico, Hellen verbalizou-me ter experimentado intensa sudorese,
tremor, palpitação, calafrios, falta de ar, dilatação da pupila, enrijecimento da musculatura, boca
seca, formigamentos, ânsia de vômito, com sintomas de desfalecimento (sensação de desmaio),
entre outras. Com a intervenção psicoterapêutica, após a observação direta do repertório de
comportamento de "fazer'' Ataque de Pânico, a crise foi controlada, cessada naquele momento.
Então, Hellen voltou a verbalizar: "Viu como eu preciso da medicação?”. A partir daí, alguns
questionamentos foram levantados: (1) como Hellen aprendeu este repertório comportamental?;
(2) quais as contingências mantenedoras dele?; (3) que função há nesta aprendizagem?
Ao descrever a teoria da aprendizagem pela visão do Behaviorismo Psicológico,
Staats (1996) a denominou de Teoria da Aprendizagem de Três Funções. Através desta
teoria, o autor destaca as três funções dos estímulos: (a) inicialmente, eliciar uma resposta
emocional, (b) posteriormente, atuar como estímulo reforçador e, (c) finalmente, direcionar,
discriminativamente, comportamentos de aproximação ou de fuga ou de esquiva.
Segundo Britto (2003), o Behaviorismo Psicológico assim define o momento em
que os organismos experimentam estados fisiológicos, no sentido comportamental, ou
seja, adaptativo:"(...) quando experienciamos uma emoção - sentim os- significa que a
resposta envolvida também produz estímulos" (p. 62). Para Staats (1996), ó por meio da
função produtora de estímulos que o mecanismo, através do qual as emoções poderão
afetar diretamente o comportamento, é ativado. Este autor esclarece que “A razão pelas
quais respostas emocionais internas podem produzir sensações estimulares é que o
organismo assim pode aprender respostas motoras a estes estímulos emocionais. Então,
qualquer estímulo que produza uma resposta emocional pode, desse modo, ter efeito nas
respostas motoras" (Staats, 1996, apudBritto, 2003, pp. 62-63).
Staats (1996) pontua, ainda, que algumas palavras geram emoção, e esta é diretiva
ao comportamento: (a) se positiva, aproxima; (b) se negativa, estabelece a fuga ou a esquiva.
Assim, parece interessante a análise dos eventos comportamentais da cliente a
partir da primeira verbalização de Hellen: “Tenho muito medo de que você me peça para
suspender a medicação. Só estou aqui, graças a ela. Não posso parar, por favor, não!".
Enquanto verbalizava a sua apreensão e o seu pedido, mantinha os olhos fixos a uma
sacola cheia de fracos de medicação, colocada sobre a mesa.
Motivada por estes dados, definidos como relevantes, a proposta deste estudo foi
analisar os repertórios operantes e respondentes de Hellen, relevantes para a manutenção
de seus comportamentos atuais, bem como, as contingências causadoras de tais
repertórios, isto é, a relação funcional entre estas contingências para, a partir desta
avaliação, favorecer a construção de um novo repertório comportamental assertivo.
De há muito as auto-regras, isto é, o comportamento governado por regras - definido
como sendo aquele controlado pelos antecedentes verbais que determinam contingências
- tem motivado o debruçar de muitos pesquisadores sobre suas complexidades.
Abreu-Rodrigues e Sanabio-Heck (2004) salientam que “Uma vez que regras/
instruções e auto-regras/auto-instruções podem participar do controle do comportamento
não verbal (e vice-versa), toma-se relevante identificar as contingências ambientais responsáveis
pela aquisição e manutenção dessas relações de controle" (p. 153). E, ao descrever a
função das instruções, Catania (1998/1999) assim as conceituou: "As instruções podem
modificar o comportamento do ouvinte em situações em que as conseqüências naturais
são, por si mesmas, ineficientes ou são eficazes somente em longo prazo" (p. 275). Assim,
Zettle (1990) salienta que "As auto-regras podem ser vistas como estímulos que especificam

C/ind Nolcto Hueno


contingôncias que sâo produzidas pelo comportamento verbal da própria pessoa" (p. 47).
Para Staats (1996) as auto-regras sáo, na realidade, autolinguagens, isto ó, conceitos que a
pessoa aprendeu em seu ambiente social sobre si mesma e que passa a talar para ela
própria, ou seja, autoconceitos que gerarão respostas sensório-motoras e emocionais-
motivacionais. Este conceito pode ser mais bem compreendido na figura, a seguir;

S-----------►R-----------►S-----------►R

Figura 1 - Estímulos e Respostas Emocionais (Staats, 1996, p. 49)


A Figura 1, acima, descreve como um est/mulo (S), interno ou externo, pode
eliciar uma resposta emocional (R), e como esta resposta emocional produzirá um estímulo
interno (S), em forma de uma resposta (R) motora no organismo da pessoa. A partir da
conseqüência desta, a pessoa poderá apresentar respostas motoras de aproximação aos
estímulos que evocaram resposta emocional positiva e respostas motoras de evitação aos
estímulos que eliciaram resposta emocional negativa. Aprendido tal comportamento,
inclusive, por meio da autolinguagem, segundo Staats (1996), ele passará a fazer parte do
repertório básico de comportamento do indivíduo - RBC.
Skinner, em seu livro Sobre o Behaviorismo descreve que "Diferentes comunidades
geram tipos e quantidades diferentes de autoconbecimento e diferentes maneiras de uma
pessoa explicar a si mesma e aos outros" (1974/1982, p. 146) Mais adiante, afirma que:

Fazer algo em relação à doença, que é conseqüência da ansiedade, exige que


mudemos as circunstâncias aversivas responsáveis pelo que estamos sentindo.
Algumas das doenças atribuídas ao desencorajamento ou ao desespero podem
ser aliviadas através do restabelecimento de reforçadores perdidos, e doenças
que são conseqüência da hostilidade ou do medo podem ser controladas através
da eliminação de conseqüências aversivas, especialmente as que estão em
mãos de outras pessoas. Afirmações dessa natureza não Ignoram os fatores
genéticos. (Skinner, 1989/1991, p. 113)

Transtorno de Pânico
Segundo Craske e Barlow (1999), de uma perspectiva biopsicossocial, o ataque de
pânico caracteriza-se por uma falha do sistema do medo em relação a eventos vitais
estressantes, em indivíduos fisiológica e psicologicamente vulneráveis. Já a Associação
Americana de Psiquiatria, através do DSM-IV-TR (APA, 2003) salienta que o transtorno de
pânico tem como característica essencial à presença de ataques de pânico recorrentes e
inesperados, com pelo menos um mês de preocupação persistente sobre um novo ataque de
pânico. Desta forma, uma das comorbidades esperadas no transtorno de pânico ó a depressão.

Transtorno Depressivo
Para o Behaviorismo Psicológico, de Arthur Staats (1996), a depressão consiste num
círculo vicioso, cujo estado emocional negativo ó um continuum. E "O estado emocional negativo
induzirá outros comportamentos negativistas, seja do tipo lingüístico-cognitivo, isto ó do falar,
do pensar, como também a nível sensório-motor, ou seja, do sentir e do agir" (...)
“Conseqüentemente, no estado emocional negativo, o indivíduo manifesta sofrimento sensório
motor, como por exemplo, a dor, o abatimento físico ou moral" (Britto, 2003, pp.63-64).

Sobre Comportamento c CoflniçAo 201


O Manual Diagnóstico 0 Estatístico de Transtornos Montais - DSM-1V-TR (APA,
2003), descreve 0 Episódio Depressivo Maior pela presença de um período mínimo de duas
semanas, durante as quais há: humor deprimido; perda de interesse ou prazer por quase
todas as atividades. Descreve, também, que a pessoa deve experimentar pelo menos quatro
sintomas extraídos de um alista que inclui alterações (a) do apetite ou peso; (b) sono e
atividade psicomotora; (c) diminuição da energia; (d) sentimentos de desvalia ou culpa; (e)
dificuldade para pensar, concentrar-se e/ou tomar decisões; (f) pensamentos recorrentes
sobre morte ou idéias suicidas. Salienta que os sintomas devem persistir na maior parte do
dia, praticamente todos os dias, por pelo menos duas semanas consecutivas.
Os comportamentos de um indivíduo sejam eles público ou privado, têm a
propriedade de alterar a bioquímica do organismo, tornando-o vulnerável à construção,
inclusive de patologias, como 0 hipotireoidismo, por exemplo. Desse modo, para cada
comportamento há um estado corporal correspondente. Quando uma pessoa experimenta
estados emocionais negativos, podem ocorrer mudanças em seu sistema nervoso; quando
ela fala, há também mudanças em seu sistema muscular e esquelético - a fala como
operante. Isto porque, na visão behaviorista a origem do sentir e do falar deve ser buscada
no ambiente do organismo que falou.

Hipotireoidismo
O hipotireoidismo é uma síndrome clínica que resulta de uma deficiência dos
hormônios tireoidianos T3 e T4. Afeta 1% da população, especialmente mulheres de meia-
idade ou idosas. Apresenta-se via encolhimento da glândula da tireóide, na medida em
que as células são destruídas por um defeito sutil no sistema imune da pessoa. Alguns
dos sintomas são: cansaço, irritabilidade, problemas de pele e cabelo, prejuízo da memória,
ganho de peso etc. (Smith, 1984). Mas, atualmente, vemos 0 diagnóstico desta patologia
em pessoas muito jovens, 0 que nos leva â construção da hipótese de que 0 modelo de
vida moderno, emoldurado pelo estresse, tensão e "obrigatoriedade" de se alcançar 0
sucesso, parece estar favorecendo o desenvolvimento de defeitos no sistema imune da
pessoa. Estudos, neste sentido, precisam ser realizados.
O tratamento do hipotireoidismo, à base de tiroxina, e que pode durar por toda a vida
da pessoa, tem por objetivo devolver aos níveis aceitáveis, ou seja, normais, os hormônios
T4 e TSH na corrente sanguínea. A dosagem da medicação é definida tendo por referência
os resultados apresentados pelos exames de sangue, que devem ser feitos rotineiramente.
Também parecem favorecer a eficácia e eficiência do tratamento comportamentos voltados
à saúde da pessoa, como controle do estresse, da alimentação, além da prática continuada
do lazer, bem como 0 autocontrole dos estados emocionais (Smith, 1984).

Estudo de Caso
História Clínica - Hellen, 30 anos é nascida em classe média baixa, no interior do
Brasil. Aos 2 anos de idade, seu pai abandonou sua mãe, com 9 filhos. Aos 13 anos sai de
casa, fugida, em busca de melhor qualidade de vida, numa capital brasileira. Aos 15 anos
tornou-se modelo fotográfico contratada por grande agência. Aos 18 anos, trabalhando e
estudando no Rio de Janeiro, foi seqüestrada e estuprada por um foragido do Centro Penitenciário
daquele Estado, gerando-lhe como conseqüências Depressão e Pânico. Aos 23 anos, numa
temporada de trabalho na Itália, conheceu seu futuro esposo, que estava se divorciando de seu
primeiro casamento. Ele, 8 anos mais velho, "Tomou-se solícito, amigo, companheiro, presente,
grande admirador de meu trabalho. E, como eu, amante da vida" (Hellen, 2004). Casam-se e

Qina Nolêto Bucno


vão residir na Suíça (italiana). Ela desfazendo-se de seu contrato com a agência de modelos,
para constituir sua própria família. Ele continuando a trabalhar numa grande multinacional,
onde já estava há 9 anos. Hellen não dominava a língua italiana e apresentou grande dificuldade
em adaptar-se aos costumes da cultura daquele país: “São pessoas formais demais, distantes
demais e o trabalho está acima das relações afetivas. Meu marido não é mais o mesmo: só
pensa em trabalho e eu fico lá, isolada de tudo, inclusive, dele mesmo" (Hellen, 2004). O
marido decide não terem filhos - ele tem 2 do primeiro casamento. O isolamento social passa
a compor a rotina diária de Hellen. Os ataques de pânico e um quadro depressivo levaram-na
a inúmeras hospitalizações, sendo assistida por equipe multiprofissional. Sua última internação
hospitalar, antes de retornar ao Brasií, foi de quase 4 meses ininterruptos, com diagnóstico de
depressão, pânico e hipotireoidismo. Ao deixar o hospital suiço, para retornar ao Brasil, 7 anos
depois, e 25 quilos acima de seu peso normal, sob orientação da família, para submeter-se à
intervenção psicoterapêutica comportamental cognitiva fazia uso da seguinte farmacoterapia:
(a) fluoxetina 20mg, 2 vezes ao dia; (b) xanax 0,5mg, 1 vez ao dia; (c) loramet 20 mg, 1 vez ao
dia; (d) topamax 200mg, 2 vezes ao dia; (e) soroten retard 50 mg, 2 vezes ao dia; (f) eltroxin
0,05mg, 1 vez ao dia e (g) chlorella 200mg, 4 vezes ao dia.

O Setting como Estímulo Eliclador de Emoção


Primeira Sessão - Com os comportamentos, provavelmente, impregnados pela
medicação e cansaço da viagem, Hellen quase não verbalizava, sendo apoiada por uma
irmã. Nos momentos iniciais desse encontro, fez um Ataque de Pânico, já descrito
anteriormente. Seus olhos ficaram fixados todo o tempo em uma sacola, contendo os
remédios que, naquele momento, fazia uso. Nas mãos, uma garrafa grande com água,
que a todo o momento levava à boca, buscando se livrar da secura da mesma, segundo
ela provocadora de um desconforto bastante considerável.

Intervenção Realizada
Alterando os padrões da terapia comportamental, a fase de educação focal foi iniciada,
antes mesmo de pesquisa mais ampla sobre as queixas que levaram Hellen ao consultório.
Com a observação direta, e a devida descrição, do Ataque de Pânico, no setting
terapêutico, levantei a hipótese de que se trabalhasse informações primordiais sobre a Terapia
Comportamental e o próprio Transtorno de Pânico, então, muito provavelmente, poderia
contribuir para a adesão da cliente à intervenção psicológica, assim como dar início ao
processo de autoconhecimento, com posterior autocontrole das respostas ansiogônicas
antecipatórias, disparadoras do Ataque de Pânico, segundo literatura apropriada.
O processo de intervenção foi desenvolvido com a seguinte hierarquização: (1o)
informações sobre o tratamento psicológico e sobre o tratamento farmacoterápico: a
psicologia não medicaliza, tampouco suspende medicação. A primeira trabalha com
técnicas, com foco nos eventos externos e internos. Ambas são independentes, podendo
ser complementares; (2o) descrição do Sistema Nervoso Autônomo, Simpático e
Parassimpático; (3o) reeducação para o autocontrole das respostas ansiogônicas e
negativistas, através da utilização de técnicas como: (a) controle respiratório; (b) relaxamento
autógeno; (c) acalme-se; (d) treino assertivo de monitoria dos estados emocionais, visando
a interrupção dos estados negativistas; (e) autodiscriminação, pela cliente, da melhoria de
seu estado panicogênico; (f) treinamento em habilidades sociais; (g) diários de registro;
(h) questionamento socrático e (i) análise das funções comportamentais dos eventos
vivenciados pela cliente.

Sobic L'ompor(.imcnto c Lo^niçdo 203


Ilustrando a Vida de Hellen
Com a finalidade de levar a cliente a observar, descrever, mensurar e analisar sua
própria história de vida, a fim de tomar “consciência" das contingências antecedentes e
conseqüentes aos seus comportamentos-problema - pânico, depressão e hipotireoidismo,
organizamos sua história de vida, obedecendo aos fatos reais. Motivado por sua
discriminação sobre a função dos eventos eliciadores de estados emocionais negativos
em sua vida, tomando por base o momento do abandono pelo pai, o processo terapêutico
passou a mensurar os dados de sua vida, de "forma exata", isto é, a busca da confirmação
se haveria na vida de Hellen mais fatos positivos ou negativos, conseqüenciados por suas
ações. Tal procedimento foi realizado em períodos pró-determinados: décadas. As décadas
foram transformadas em dias e, posteriormente, os dias foram transformados em horas.
Este resultado está apresentado na Tabela 1, a seguir.
Tabela 1 - Fases da Vida: Estado Emocional Positivo - Estado Emocional Negativo

D« 2 a 12 anos De 13 a 23 anos De 23 a 30 anos


i I
87.670 horas 87.670 horas 61.362 horas

1 I i
Sonhou com o retorno do pal Realizou os sonhos da família, 1 - Casa-ue ,2 - Inatividade
para c m e ««tildou multo para que seu pai nAo renll/ara: profissional; 3 - Dificuldade com
agradá-lo, c«*o volta«*«. «través de seu sucesso a Cultura; A - Isolamento social;
profissional 5 • Impadimento du ser mAe, 6 -
Crlsfc de pAnico, doprwssflo «
hipotlrfloidlbmo

1
Ação Positiva ■ Ação Positiva Inaçfto ■
Estado Emocional + Estado Emocional
Positivo Enfrtntamento ■ Negativo
Estado Emocional
Positivo

A Tabela 1 serviu como instrumento viabilizador para que Hellen discriminasse a


relação funcional de seu comportamento e as conseqüências por ele geradas. Através desta
exposição gráfica, a cliente pode perceber o quanto seu comportamento afeta, diretamente,
seu meio ambiente interno, ou seja, o seu o corpo, assim como o seu meio ambiente
externo, isto é, o ambiente social. Serviu, ainda, para apresentar-lhe os conceitos básicos
de estado emocional e sua diretividade, na proposta do Behaviorismo Psicológico. A partir
dal, focamo-nos nas autolinguagens que Hellen estabelecia para si e para seu meio social.

Autolinguagens estabelecendo comportamentos


Catalogamos diversas autolinguagens desadaptadas que Hellen construiu nos
últimos sete anos de sua vida. Mas destacamos, aqui, uma anotação que ela fez em um
de seus diversos Diários de Registro, na qual é possível perceber o quanto essas autofalas
se sobrepõem:

C/in.i Nolêfo Bueno


Começo a me sentir estranha, como se eu estivesse com modo de sentir medo;
medo de comer desesperadamente para me livrar da angústia ou ter de ír dormir.
Daí, começo a pensar em voltar para a Suiça: e se eu não conseguir ficar lá
sozinha, novamente? Vai começar tudo novamente! Tenho que tomar banho,
mas tenho medo de ir para o banheiro, pois ló fico só com meus pensamentos
e o pânico acontece. Gasto, no mínimo, 2h30min. no banho, quer dizer, na luta
com meus pensamentos e meus medos (Hellen, 2004).
O conteúdo deste Diário de Registro possibilitou a realização de uma ampla análise
das funções de contingências complexas, eliciadoras, em Hellon, de estados emocionais
negativos bastante relevantes na composição de suas auto-regras, na visão Skinneriana,
ou autolinguagens, na proposta de Staats, E, a seguir, descreveremos a análise das funções
dos eventos (a) ficar sozinha em casa e (b) tomar banho, considerando a três funções dos
estímulos, segundo Staats (1996), desenvolvida com a cliente durante suas sessões:

RBC —► EE ---- ---- ► C


(história de Vida) (Estado (Comportamonto) (Consoqúôncla)
Emocional) (a) depressivas (a)ter se
Medo, Hllmenta-se aem alimentado aem
Ansiedade fome ou dorme; (b) necessidade e
Antecipatôria o ansiedade dormido além do
Disforia antecipatôria no necessário; (b) ter
banho quanto ao consumido
ataque de pânico 2h30mln no
banho

S3
S2
(a) Em casa Pânico o
sozinha; (b) ter Doprossào
que banhar-se

Figura 2 - Análise das Funções de Contingências Depressivas e Panicoqénicas

Reorganizando as Autolinguagens - Definindo Comportamentos de


Enfrentamento
Após a realização da análise das funções de contingências depressivas e
panicogênicas, apresentadas na Figura 2, definem algumas ações assertivas para que Hellen
pudesse enfrentar os estímulos (a) sozinha em casa e (b) banhar-se, percebidos por ela
como aversivos: (1) uma agenda de atividades, a serem cumpridas a cada hora do dia,
definindo metas, objetivos e recursos/meios para alcança-las, foi estabelecida; (2) uma
pessoa deveria estar com ela no banheiro, no momento do banho, para dialogarem, evitando,
assim, que ela ficasse só com seus comportamentos privados. Após uma semana inteira
tendo a companhia de uma pessoa no momento do banho, e continuando sem ataques de
pânico, Hellen verbalizou o desconforto que sentia com a presença desta pessoa em seu
momento do banho. Então, fizemos a substituição do estímulo reforçador contra o ataque
de pânico: um relógio foi colocado dentro do banheiro e regras estabelecidas: (a) para banhar-
se sem lavar os cabelos ela teria 5 minutos; (b) para banhar-se lavando os cabelos, teria 10
minutos. Desta forma, o banhar-se tornou-se uma “corrida" contra o tempo, e que Hellen
deveria vencer, assim como cada hora do dia, para as quais tinha atividades a serem

Sobrr Com port.imcnlo e CoflniçJo


desempenhadas. Com o resultado alcançado por estas intervenções realizamos uma nova
análise das funções destes eventos, antes eliciadores de estado emocional negativo:

RBC— EE— ♦ R ♦ C
(HlnlórlH (Estado
Emocional) (Comportamento) (Conseqüência)
di» Vkla)
Tenho pouco Ajo segundo as Reali/o 92% das
tempo,
portanto, tenho estfattglnv nxMtvadn aUvidadn», o
que ser ágil. a cumprir todas as tempo foi
Sentimento de
alegria atividade», inclusive, o insuficiente. Faço
insuficiente
banho o tempo correto

83
(«0 Sozinha um casa
Pânico o
(com atividades
DepressAo com
estabelecidas) e (b)
ter que se banhar autocontrole
(com tempo definido)

Figura 3 - Análise do Autocontrole das Contingências Depressivas o Panicogônicas

À conclusão desta segunda análise das funções das contingências, Figura 3,


sobre aqueles oventos que antes eram estímulos aversivos: (a) ficar em casa sozinha e (b)
banhar-se, Hellen pode compreender que não temos controle sobre os estímulos, até que
estes aconteçam. Posteriormente á sua ocorrência, o indivíduo precisa intervir para que
eles não continuem eliciando estados emocionais negativos. Ou seja, se o estímulo elicia
um determinado estado emocional (positivo ou negativo), o comportamento do mesmo,
assim como as conseqüências, serão compatíveis à diretividade da emoção (positiva ou
negativa). Desta forma, a intervenção assertiva, no ambiente de ocorrência da contingência,
poderá estabelecei os estados emocionais positivos, que favorecerá uma conduta assertiva
e, conseqüentemente, uma conseqüência igualmente assertiva. Ao término desta sessão,
graficamente apresentada pela Figura 3, a cliente verbalizou: ‘Sinto muita alegria e vontade
de continuar! Posso, inclusive, banhar-me sozinha!" (Hellen, 2004). Na sessão seguinte,
ela trouxe um relato, em uma de suas tarefas, bastante relevante:

É muita responsabilidade perceber quo cabo a mim o autocontrole dos estados


emocionais, evocados por ostímulos ambientais, internos ou externos. Porque
se eu não for eficiente neste controle, posso provocar em meu corpo qualquer
tipo de alteração: depressão, pânico e até hipotireoidismo. Ah, meu Deus, tudo
que aprendi sobre os estados emocionais e os estímulos antecedentes e
conseqüentes vai ter que me ajudar a não permitir que os estímulos continuem
a me gerar estados emocionais negativos (Hellen, 2004).

Objetivos Específicos da Vida de Hellen Versus Objetivos Específicos do


Esposo
Numa das sessões de Hellen, seu esposo foi convidado a participar com a finalidade
de trazer informações sobre a construção do quadro clínico dela, e até com o objetivo de
pesquisar as contingências mantenedoras dos repertórios desadaptados da mesma.
Posterior a este encontro, a cliente foi motivada a buscar os objetivos específicos de vida
tanto dela quanto do marido, em tarefa de casa. O resultado apurado foi o que se segue:

C/in.i Nolcto Rucno


Tabola 2 - Objetivos Especificos de Vida do Casal
Marido de Hellen
✓ Quer filhos ✓ Nflo quer mais filhos
s Quer lazer * Nâo quer lazer, pois já o tem no trabalho
/ Quer carinho ✓ Nâo quer diálogo, pela fadiga de ter que
✓ Quer casa dialogar demais no trabalho
/ Quer trabalho, mas não "escravizante" s Já tem familia, pois tem esposa (Hellen)
/ Quer diálogo e duas filhas do primeiro casamento
* Quer família ^ Quer casa para dormir « repousar

Posteriormente a esta tarefa dos objetivos específicos do casal, a cliente foi


estimulada a buscar as funções de seu matrimônio. Conseguiu enumerar 12 funções:

(I) ter uma pessoa; (2) ter minha casa; (3) ter minha família; (4) ter um endereço
fixo; (5) ter uma vida normal; (6) livrar-me do assédio do mundo de modelos; (7)
deixar o meu país; (8) deixar minha cultura, (9) morar longe de minha família; (10)
residir em um país em que não me adaptei: sem lazer, sol, vida, calor humano:
( II) não haver nem outras pessoas para eu me desentendor; (12) não ter meus
filhos, até hoje, e não ter esperanças de tê-los com meu marido (Hellen, 2004).
Após a realização desta tarefa, desenvolvi com Hellen o questionamento socrático,
levando-a á seguinte conclusão:

Puxa, esta tarefa me fez perceber que só meu marido tem direitos em nosso
casamento. Todas as vezes que me hospitalizei, ou fui sozinha para o hospital ou
chamei a assistência social. Nunca pude incomodá-lo em seu trabalho. Mas ele
me convenceu a deixar o meu para viver exclusivamente para ele. Por que não
percebi isto antes? É, agora, não tem mais jeito; teremos que enfrentar nossas
verdades o encontrar o nosso equilíbrio (Hellen, 2004).

D iscussão
Após 26 sessões, de 50 minutos cada, sendo duas por semana, Hellen retornou à
Suíça assim: (a) hipotireoidismo sob controle; (b) sem o registro de ataques de pânico, a
não ser aquele de sua chegada ao tratamento, que durou menos de 6 minutos; (c) 10 quilos
a menos em seu peso; (d) aprendeu e passou a desenvolver uma nova atividade: confecção
de acessórios femininos; (e) a elaboração de agendas diárias assertivas, e o seu cumprimento,
passou a ser-lhe uma meta a ser alcançada a cada dia; (0 atenta à capacidade dos estímulos
ambientais, internos e externos, gerarem estados emocionais negativos; (g) busca continuada
do controle de seus estados ansiogênicos, com as técnicas aprendidas; (h) retirada da
maior parte de sua medicação, por seu médico, no Brasil, motivada pela funcionalização
alcançada com a intervenção psicológica. A retirada da farrnacoterapia foi gradativa ficando
apenas, no momento em que retornava à Suíça, com dose mínima de fluoxetina e o hormônio
para o controle do hipotireoidismo.
Os repertórios comportamentais de Hellen, quando de sua chegada ao Brasil e seu
retorno à Suíça demonstram a complexidade do comportamento humano. E, tais
comportamentos são adquiridos através de contingências complexas de reforço. Por isso,

S o b re C o m p o r ta m e n to c C o g w v d o
I

Skinner (1974/1982, p. 145) pontua que “(...) diferentes contingências criam diferentes pessoas
dentro da mesma pele", ou seja, uma "nova" Hellen retornava à sua casa: sem depressão,
sem ataques de pânico, com um novo repertório profissional e comportamental.
O “adoecer" desta cliente intensificou-se após seu casamento, quando contingências
aversivas avolumaram-se em seu dia-a-dia, sem que ela apresentasse comportamentos de
enfrentamento assertivo. Através da intervenção proposta, Hellen precisou aprender um novo
repertório hábil social necessário para que lhe fossem restabelecidas as contingências
reforçadoras perdidas, o que parece ter-lhe proporcionado a funcionalização de seu quadro
clinico múltiplo, uma vez que "(...) doenças que são conseqüência da hostilidade ou do
medo podem ser controladas através da eliminação de conseqüências aversivas,
especialmente as que estáo em mãos de outras pessoas" (Skinner, 1989/1991, p. 113).
O estudo das autolinguagens na história de vida dessa cliente, parece ter
possibilitado-lhe a auto-observação e autodescrição das contingências complexas nas quais
estava envolvida. Assim como o uso de sistemas gráficos na estruturação de suas tarefas
de casa e das próprias análises das funções de seus comportamentos-problema (Staats,
1996). Mas neste estudo de caso, mostrou-se muito importante, também, a realização da
análise das funções dos novos comportamentos assertivos, isto porque a visualização gráfica
dos mesmos tornou-se reforçadora à Hellen: "Tenho pouco tempo e muita atividade. Tenho
que ser rápida, mas estou muito alegre!".
Compreender a composição do comportamento verbal e não verbal tornou-se bastante
relevante para a conquista da eficácia e da eficiência da conduta da cliente. Ter a clareza de
que ela pode ser ouvinte dela mesma e que as palavras geram emoção, sendo esta diretiva,
parece ter contribuído para que Hellen observasse em seu próprio organismo o controle do
comportamento verbal sobre o comportamento não verbal. Desta forma, a adesão à intervenção
proposta parece ter favorecido a construção de um novo repertório comportamental, que teve
correspondência direta em seu comportamento não verbal (Catania, 1998/1999).
As diversas exposições gráficas parecem ter contribuído para uma observação mais
clara pela cliente, assim como uma análise mais clara sobre sua interação com o meio
ambiento e as conseqüências desta em sou próprio corpo. Soja via respostas do Sistoma
Nervoso Autônomo Simpático, seja do comportamento depressivo ou da alteração da Tireóide,
uma vez que "(...) qualquer estímulo que produza uma resposta emocional pode, desse
modo, ter efeito nas respostas motoras" (Staats, 1996, apud Britto, 2003, pp. 62-63).
Cabe, portanto, ao terapeuta a criação de recursos suficientemente fortes que
favoreçam a funcionalização dos comportamentos problema da pessoa, sejam eles de quais
ordens forem. E, não há outro caminho, cientificamente correto, até o momento, senão o de
proporcionar ao cliente o seu autoconhecimento, uma vez que "Diferentes comunidades
geram tipos e quantidades diferentes de autoconhecimento e diferentes maneiras de urna
pessoa explicar a si mesma e aos outros" (Skinner, 1974/1982, p. 146).

R eferências
Abreu-Rodrigues, J., & Sanabio-Heck, E. T. (2004). Instruções e Auto-instruções: Contribuições
da Pesquisa Básica Em C. N. de Abreu & H. J. Guilhardi (Orgs.), Terapia Comportamental
e Cognitivo-comportamental Práticas Clínicas, (pp. 152 - 168). São Paulo: Roca.
Associação Americana de Psiquiatria (2003). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais - DSM - IV - TR. Porto Alegro: ArTmod

208 t/ind Nolêto Bucno


Britto, I. A. G. S. (2003). A depressão segundo o modelo do Behaviorismo Psicológico de Arthur
Staats. Em M. Z. S. Brandão; F. C. S. Conte; F. S. Brandão; Y. K. Ingberman; C. B. Moura;
V. M, da Silva & S. M. Oliane. Sobre Comportamento e Cognição Clinica, pesquisa e
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Catania , A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto
Alegre: ArTmed
Craske, M. G., & Barlow, D. H. (1999). Transtorno de Pânico e Agorafobia. Em Barlow, D. H.\Org.)
Manual Clinico dos Transtornos Psicológicos . Porto Alegre: Artmod.
Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento Verbal. (M P Villalobos, Trad.) São Paulo: Cultrix
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Skinner, B. F. (1974/1982) Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix - EDUSP
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus
Smith, W. (1984). Cecil Tratado de Medicina Interna. (Vol. 1, p. 1231). Rio de Janeiro:
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Staats, A. W. (1996). Behavior and personality. Psychological Behaviorism. New York. Springer
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Zettle, R. D. (1990) Rule governed behavior: a radical behavioral answer to the Cognitive
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Tabaco y Salud. Em: I. A. Vázquez; C. F. Rodriguez & M. P. Alvarez (1998), Manual de
Psicologia de ia Salud. Madrid: Ediciones Pirâmide.

Sobre L'omix>riitmcnlo e L otfniç<)v


, Capítulo 21

Adolescentes em conflito com a lei:


uma proposta de intervenção sobre as
práticas educativas maternas1

Gislaine Cristhiane Berri de Sousa*


Paula Inez Cunha Gomide**

A família humana e suas relações chamam a atenção de estudiosos de todas as


áreas, tendo em vista a proeminência com que aparecem em todas as culturas e o modo
pelo qual parece exercer influência marcante no desenvolvimento das pessoas (Bussab,
2000). A educação dos filhos é um tema bastante atual e relevante. As livrarias de todo o
Brasil oferecem vasta literatura sobre o tema (Casas, 2003), em parte devido às enormes
dificuldades enfrentadas pelos pais em assumir as responsabilidades e tarefas que o
cuidado com a prole exige. (Berri, 2003; Canaan-Oliveira, Neves, Melo e Silva & Robert,
2002; Casas, 2003; Cavell, 2000, 2001; Conte, 1996,2001; Gomide, 2002, 2003, 2004;
Ingberman & Lòhr, 2003; Marinho, 1999,2001,2003; Santos, 2001).
é no seio familiar que a criança estrutura seus aspectos cognitivos e emocionais, e
dependendo do padrão de interação da familia com a criança, tais exporiências familiares iniciais
poderão ou promover, ou mesmo prejudicar o desenvolvimento global infantil (Santos, 2001).
Dentre as decorrências de práticas parentais inefetivas, a literatura explora
amplamente a questão do desenvolvimento de comportamentos anti-sociais (Cavell, 2000,
2001; Conte, 2001; Gomide, 2000,2001,2002,2004; Marinho, 1999,2001,2003; Patterson,
Reid e Dishion, 1992, Webster-Stratton, 1994,1998)
O comportamento anti-social é definido como um evento aversivo ocorrido
contingentemente ao comportamento de outra pessoa (Patterson e cols., 1992). Por seu

1Esto trabalho é parte da Dissertação de Mestrado de Gislaine Cristhiane Berri de Sousa, defendida junto ao
programa de Psicologia da Infância e Adolescência da UFPR
* Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, Universidade Federal do Paraná
** Faculdade Evangélica do Paraná

Qisldinc Crislhidnc Herri dc Sous«i, Pauld Incz Cunlm C/omidc


carátor extomalizante e pela presença cada vez mais acentuada em nossa sociedade,
constitui-se como uma das mais freqüentes queixas clinicas apontadas em relação ao
comportamento infantil (Marinho, 1999).
As pesquisas apontam que o comportamento antisocial é resultante do
reforçamento contingente encontrado nas interações entre os membros familiares. Os
pais, inadvertidamente, provêem contingências reforçadoras para o comportamento infantil
coercitivo e falham em promover suporte para os comportamentos pró-sociais. O problema
tende a se tornar cada vez mais freqüente e extremo, e generaliza-se então para outros
ambientes como a escola e a vizinhança. É a chamada “escalada do comportamento anti­
social”, que se inicia na infância e persiste na fase adulta. Como explica o modelo
desenvolvido pelos pesquisadores do Oregon Social Learning Center, o "treino básico"
para as interações anti-sociais inicia-se em casa, como conseqüência das interações que
desfavorecem os comportamentos pró-sociais (Patterson e cols., 1992).
Em outras palavras, as práticas educativas familiares são apontadas como
determinantes primários do comportamento anti-social. A disciplina inefetiva e a ausência
de monitoramento parentaf são as práticas destacadas por Patterson e colaboradores
(1992) como correlacionadas ao desenvolvimento de comportamento anti-social. Assim,
pais que empregam disciplina inefetiva e não empregam a monitoria parental acabam
favorecendo um incremento nas trocas coercitivas entre pais e filhos, que pode levar a
criança/ adolescente a perceber que seus comportamentos aversivos sào efetivos em
cessar os comportamentos aversivos dos outros membros da família ou até mesmo produzir
diretamente reforçamento positivo.
Conte (2001) resume as principais ações dos pais frente aos comportamentos de
suas crianças que favorecem o comportamento anti-social: usar punição física, intensa e
freqüente; usar a punição de forma inconsistente; não fazer supervisão e monitoria ou estas
serem muito pobres, utiiizar pouco reforçamento para comportamentos apropriados e usar
reforçamento de forma inconsistente. De uma forma geral, essas práticas deixam o filho confuso,
sem sabe» como será o tipo de interação que terá com seus pais nos próximos encontros,
pois fica sem parâmetros diante das inconsistências (Conte, 2001; Gomide, 2002:2004).
Pode-se perceber então, que a razão para o uso tão difundido de treinamentos
parentais como estratégia de tratamento e prevenção de comportamentos anti-sociais jaz
na literatura da área. Segundo Patterson e colaboradores (1992), os problemas de
comportamento das crianças são inadvertidamente treinados e mantidos pelos pais, através
das interações mal-adaptativas que eles mantém com seus filhos. Como os pais são os
primeiros agentes socializadores de seus filhos, e estão, portanto fortemente envolvidos
com o processo de desenvolvimento dos mesmos, as práticas parentais se sobressaem
como fatores críticos no desenvolvimento do comportamento anti-social infantil (Maccoby,
1994; Novak, 1996a; 1996b).
De uma forma geral, nos programas de treinamento os pais são ensinados a aumentar
a freqüência de interações positivas com as crianças e reduzir as práticas parentais
inconsistentes e coercitivas (Serketich & Dumas, 1996). A literatura indica que os pais que
são bem sucedidos na educação de seus filhos apresentam dois aspectos centrais em seu
contexto educativo: (a) a necessidade de impor limites aos comportamentos não aceitáveis
e (b) a manutenção de um clima emocional positivo no relacionamento pais-filhos (Maccoby
& Martin, 1983). Muitas das propostas de intervenção visam implementar exatamente esses
aspectos (Cavell, 2000,2001; Dix, 2001; Webster- Stratton, 1994,1998).

S o b r e ('o m fK J rt.im e n fo c C ctftn ttfo 211


Com baso na visão geral de que o problema comportamental apresentado pelas
crianças e adolescentes é em grande parte desenvolvido e mantido em casa, conseqüência
das interações pais-crianças, o presente estudo visou elaborar e avaliar um programa de
intervenção grupai em práticas parentais para mães do adolescentes em situação de
conflito com a lei e também descrever as práticas educativas adotadas pelas mães dos
infratores, a partir de relatos delas em sessões de intervenção terapêutica. A análise das
práticas educativas deu-se de duas formas: a partir da aplicação do Inventário de Estilo
Parental - IEP (Gomide, 2003) - aplicado no filho e na mãe e também por meio da construção
de discursos-sfnteses sobre cada uma das práticas educativas relatadas pelas mães nas
sessões do grupo de intervenção em práticas parentais.

1. Program a de Intervenção em Práticas Parentais


A base do treinamento proposto por este trabalho (Berri, 2004) tomou como
referência as práticas educativas do modelo de Gomide (2003), que destaca cinco práticas
associadas ao aparecimento do comportamento anti-social (abuso físico, disciplina relaxada,
monitoria negativa, negligência, punição inconsistente) que devem ser suprimidas ou inibidas
e duas ligadas ao desenvolvimento do comportamento pró-social (monitoria positiva e
comportamento moral) que devem ser implementadas e/ou desenvolvidas.
Com o intuito de garantir ou favorecer á adesão dos participantes ao programa,
um problema exaustivamente citado na literatura (Cavell, 2000; Marinho, 1999, Santos,
2001), a freqüência das mães participantes no grupo foi estimulada através de uma cesta
básica. Aquelas mães que compareceram a todas as sessões, ao final do programa,
conquistaram a integridade de uma cesta básica, que foi distribuída em partes (um pouco
a cada sessão), contingentemente a presença das mães. Além disso, foram fornecidos os
vales-transportes necessários para o deslocamento das mães e dos filhos até a Vara da
Infância e Juventude. A partir da 4* sessão, a T1 (terapeuta) realizou chamadas telefônicas
entre as sessões, para relembrar cada uma das mães da próxima sessão. Essa estratégia
também foi adotada com o intuito de favorecer a adesão ao programa.
O programa de Intervenção Parental foi realizado em oito (8) sessões, duas vezes
por semana, totalizando 4 semanas de intervenção. As sessões foram dirigidas por uma
terapeuta (T1) e uma co-terapeuta (T2)2. 0 encadeamento dessas sessões foi discutido
ein supervisão.3Após a realização de cada sessão, ocorreram supervisões objetivando-
se discutir os pontos abordados e planejar o próximo encontro de maneira a maximizar os
benefícios que o programa poderia oferecer, zelando-se por um encadeamento lógico entre
as sessões do programa. Dentre os objetivos trabalhados nas sessões do programa,
destacam-se: favorecer a apresentação dos sentimentos envolvidos com a situação de
filhos em conflito com a lei"; favorecer a discriminação das relações coercitivas e o padrão
de interações agressivas entre mães e filhos; aplicar treino respiratório e relaxamento;
abordar assertividade, expressão de sentimentos e identificação e controle da raiva; facilitar
a discriminação das estratégias adotadas na educação dos filhos, bem como analisar a
eficácia das mesmas e oportunizar a reflexão para o uso de novas práticas; suscitar a
discussão sobre a importância das regras, a autocrítica e a reparação dos danos diante
de comportamentos indesejáveis; facilitar a discriminação do sentimento de raiva que

3 T1 é a 1“ autora desse trabalho e T2 é a Psic. Mestre Patrícia Guillon Ribeiro


1 Realizados conjuntamente pelas Professoras Dra. Paula I. C. Gomide e Dra. Yara K. Ingbermann, orientadoras
do Programa de Mestrado em Psicologia da Infftnda e da Adolescência da UFPR

C/isldinc Cristhicine Bcrri deSous*i, Piiuki Incz Cunlm L/ornidc


antecede o ato de bater, discutir sobre a finalidade educativa do bater versus a descarga
emocional da raiva; discutir as conseqüências do bater; propiciar a reflexão sobre alternativas
positivas para lidar com os filhos em situações difíceis; instigar o resgate da própria história
de punição físíca sofrida pelas mães com o intuito de facilitar a discriminação de
antecedentes e conseqüentes do comportamento de bater; discutir sobre o uso da monitoria
positiva; incentivar as mães a adotarem condutas assertivas e a desenvolverem a monitoria
positiva com os filhos; apontar a importância do elogio e do reforço positivo quando os
filhos se comportam de maneira adequada; promover o relato das situações mães-filhos,
pontuando questões pertinentes ao manejo educativo quando surgirem; discutir a
possibilidade que as mães tem de promover mudanças nos comportamentos dos filhos.

2. A nálise das Práticas Educativas


As práticas educativas foram identificadas e trabalhadas de duas formas: através
do Inventário de Estilo Parental - IEP (Gomide, 2003) aplicado às díades mãe-filho e
através da construção de discursos-sínteses referentes às práticas educativas reveladas
pelas mães no grupo de intervenção em práticas parentais.

2.1 Análise do Inventário de Estilo Parental


A análise do índice de estilo parental, segundo Gomide (2003), permite identificar
as famílias como sendo de risco ou de não risco. Escores negativos indicam que as
práticas educativas adotadas na família são de risco e escores positivos, por sua vez,
indicam a utilização de práticas positivas, ou seja, de não risco. Dentre as cinco mães
participantes, duas apresentaram índices do IEP de risco (M2 e M4) quando auto-relataram
suas práticas educativas. Apenas M1 apresentou um índice positivo relativamente alto de
estilo parental (8).
Tabela 1- Resultado do IEP aplicado às díades

Dlade 1 Dlade 2 Dfado 3 Dfade 4 Dfade 5


M1 F1 M2 n MJ F3 M4 F4 MS. FS
monitona positiva 11 10 5 9 11 nr 11 8 6 10
comportamento moral 12 10 9 5 10 nr 12 12 10 9
punição inconsistente 0 3 6 4 1 nr 4 8 0 7
negligência 3 4 8 8 0 nr 3 6 2 5
disciplina relaxada 2 7 6 9 10 nr 8 11 6 4
monitoria negativa 7 8 8 4 7 nr 6 8 4 8
abuso físico 3 2 5 2 0 nr 6 8 0 4
Indice de Estilo Parontal 0 -4 -19 -13 3 nr -4 -21 4 -9

nr ■ nfto respondeu ao instrumento

Analisando-se as práticas educativas maternas a partir do ponto de vista dos


filhos, todas as mães ficaram com índices de IEP negativos, ou seja, todas se enquadram
na população de risco. De uma forma geral, percebe-se que os filhos avaliaram as práticas
educativas adotadas pelas mães como piores do que elas mesmas se auto-avaliaram.
Com exceção da díade 2, onde M2 auto-avaliou suas práticas educativas como sendo
piores do que seu próprio filho as avaliou. M2 relatou durante as sessões que se sentia
culpada diante dos problemas do filho, o que pode estar justificando esta diferença na
pontuação.

Sobre C o m p ortam en to e C ofln içJo 213


Algumas considerações podem ser feitas a partir da análise dos escores do IEP
obtidos em cada umas das práticas educativas exploradas pelo instrumento, (monitoria
positiva, comportamento moral, punição inconsistente, negligência, disciplina relaxada,
monitoria negativa e abuso físico). Nesse sentido, é interessante notar que os escores de
monitoria positiva que M2 e M5 se auto-atribuíram é extremamente baixo. F4 também
atribui escore baixo á sua mãe nesta variável. A literatura aponta a monitoria positiva como
a principal prática inibidora do desenvolvimento do comportamento anti-social (Stattin &
Kerr, 2000; Stanton et al, 2000; Xiaoming, Feigelman & Stanton, 2000). Estudos longitudinais
mostram que a baixa monitoria está correlacionada com comportamentos anti-sociais,
criminosos, uso de substâncias ilegais e comportamento sexual de risco (Stanton et al,
2000; Xiaoming et al, 2000; Loeber; Drinkwater, Vin & Anderson, 2000).
Recente artigo de Gomide e Weber (2004) revisou a literatura acerca da moralidade e
sua relação com as práticas parentais e encontrou correlação entre estilos parentais e o
comportamento moral pró-social da criança. As regras e costumes vigentes nas famílias,
acrescidos de convergência entre as práticas educativas utilizadas pelo casal que propiciem o
desenvolvimento da empatia, da honestidade, do senso de justiça, da valorização do trabalho, da
generosidade e do estabelecimento do certo e errado quanto a uso de drogas e álcool reafirmado
através do exemplo dos pais, constituem uma das maneiras de desenvolver nos filhos ações pró-
sociais que poderão determinar o sucesso de seus relacionamentos interpessoais, uma bem
sucedida realização profissional e muito provavelmente o exercício dos papéis de pai e mãe de
forma a transmitir às gerações futuras os valores recebidos de seus pais. Os índices de
comportamento moral obtidos nesta pesquisa apresentaram dados contrastantes entre o que as
mães auto-relataram e o que seus respectivos filhos relataram. No auto-relato materno
encontramos índices de comportamento moral variando entre 10-12 (escores considerados
acima da média de acorao com a padronização do instrumento). Já quando são analisados os
valores da mesma variável advindos da aplicação do IEP nos filhos, encontra-se variação de
escores entre 5-10. Escores como o apontado por F5 (9) e F2 (5) situam-se abaixo da média,
sendo que o apontado na díade 2 é indicativo de situação de risco (Gomide, 2005, no prelo).
A análise das práticas negativas de uma forma geral mostrou que estas são famílias
de risco, pois em todas elas os índices encontrados caem na faixa de família de risco de
acordo com a padronização do IEP (Gomide, 2005, no prelo). A punição inconsistente foi
fortemente pontuada por F4, F5 e M3, que revelam a existência de um clima de hostilidade
envolvendo os relacionamentos familiares (Feldman, 1977; Gomide, 2003). Da mesma maneira,
os índices de negligência atribuídos por F4, F5 e M5 são bastante altos, mostrando que uma
das variáveis mais destacadas na literatura como desencadeadora de comportamentos
infratores está fortemente presente nas famílias, denunciando as mesmas como de risco
(Crittenden, 1985; Feldman, 1977).
Uma análise interessante é a referente ao abuso físico, com exceção de M3 que
se auto-analisou com não utilizando esta forma disciplinar as demais mães e filhos relataram
seu uso abusivo. É importante destacar que F3 recusou-se a responder o instrumento e
M3 defendeu fortemente o uso da punição física na maioria das sessões do intervenção
revelando ao grupo situações em que agrediu os filhos. Existe uma forte correlação apontada
pela literatura (Feldman, 1977; Gomide, 1998) entre espancamento e comportamento infrator,
visto que ao espancar o pai ou mãe, normalmente estão com raiva e agregam à surra,
palavras que inferiorizam e rebaixam a auto-estima.
Embora a prática da disciplina relaxada encontre-se presente na maioria das
relações de pais e filhos, estas díades a utilizaram acima da faixa da normalidade, ou

Qislaine Crisfliidne Berri dc Sousd, Pduld ln<v Cunlui C/omide


seja, as regras disciplinares não eram colocadas e se colocadas não eram seguidas. Em
resumo, a existência de práticas educativas negativas em altos Índices aliada à inexistência
ou baixa freqüência de práticas educativas positivas provavelmente contribuía para o
desenvolvimento e engajamento em condutas anti-sociais (Gomide, 2003).
2.2 Análise dos Discursos-Sintese advindos das sessões
Destaca-se que todas as práticas educativas negativas do modelo de Gomide
(2003) foram identificadas nos discursos das mães (monitoria negativa, punição
inconsistente, abuso fisico, psicológico e sexual, negligência e disciplina relaxada). Vários
relatos indicaram o uso da monitoria negativa ou supervisão estressante.

(...) mosmo se ele não quiser falar comigo, eu quero falar com ele. Ele escuta, elo vai
ter que escutar. Se ele tiver no quarto dele e ele sair, e for pra cozinha, (...) eu vou atrás
dele („.) o meu já chegou a lapá os ouvido muitas vezos pra não escutar o quo eu falava
sabe (...) (M1) (...) começa a cantar e assobiar e deixa eu falando sozinha (...) (M4)
discurso-síntese “ supervisão estressante”
A exagerada cobrança e fiscalização dos comportamentos dos filhos caracterizam
a supervisão estressante. Essa prática desencadeia um relacionamento extremamente
aversivo e hostil entre pais e filhos, o que agrava ainda mais os problemas apresentados.
A relação torna-se cada vez mais desgastante e a ineficácia da prática torna pais e filhos
ainda mais frustrados. A decorrência deste tipo de intervenção dos pais leva o filho a fugir
de casa e a mentir para escapar das cobranças feitas (Gomide, 2002).
Também foram identificados os três tipos de abuso que estão correlacionados na
literatura com o aparecimento de comportamento infrator: abuso físico, abuso psicológico e
abuso sexual. O abuso físico foi praticamente objeto de discussão em todas as sessões do
programa, sendo que urna delas focou-se na sensibilização das mães para que evitem o uso
dessa prática devido às conseqüências negativas da mesma. Muitas vezes percebeu-se
que mais de uma prática negativa ocorriam juntas. Por exemplo, após discussões fervorosas
que são características do contexto de fiscalização e cobrança mantido na supervisão
estressante, respostas de raiva podem levar ao comportamento agressivo das mães.

(...) usava droga, eu descia o pau (...)0 drogado ó na vara (...) esses dias nó, ou
dei uma rasteira nele, mas dei- lhe que ficou com os couro cheio de sangue (...)
(M3) (...) dal ele começô já a me respondê, ou já peguei uma manguerinha do
chuvero (...) dei umas manguerada nele (M4)
discurso-síntese “ abuso fisico"
A punição física caracteriza-se pelo uso cia prática de agressões corporais (como
surras e pancadas) como meio de disciplinar os filhos (Gomide, 2003). A longo prazo
crianças espancadas apresentam maior probabilidade de desenvolverem comportamentos
anti-sociais (Kazdin & Buela-Casal, 1997; Straus, Sugarman & Giles- Sims, 1997).
As mães discutiram durante o programa a "eficácia" do bater. Uma delas disse que
"todo mundo diz que bater não é certo”. Gomide (2004) ê incisiva em afirmar que jamais se
deve bater num filho com raiva e muito menos lhes dizer palavras humilhantes. M3 argumentou
exaustivamente a favor da prática do bater. Como essa prática foi também relatada
freqüentemente, as conseqüências do abuso fisico bem como o resgate da vivência das
mães que foram abusadas pelos seus próprios pais foram aspectos discutidos na 3" e 7a
sessão, e retomados na 8* sessão. Na 2a sessão, ocasião em que surgiram os primeiros

So btc C o m p o rtam en to c Co^m çAo


relatos acerca dessa prática, as terapeutas intervieram procurando demonstrar as
conseqüências negativas do abuso fisico, uma vez que uma das mães aconselhava as
demais a baterem em seus filhos para resolver os problemas:
“(...) a gente tem que pensar na mensagem quo a gente passa para o nosso filho
tambóm quando se perde o controle e bate, ou xinga. Vocôs já pensaram nisso?
Como será que um filho se sente quando a mãe bate? (...) é a mãe dele que está
batendo, xingando, entflo às vezes pode passar uma mensagem que a gente
não quer passar, vocês percebem?(...)" (T1).

Após as argumentações da T1, M3 continuou defendendo seu ponto de vista:

"(...) mas imagine, drogado e eu vou apanhá? Não (,..)Agora se num batô na
minha cara, a( eu não bato(...)M.
T1 demonstrou acolhimento e aceitação das expressões de M3 declarando que a
compreendia, mas continuando a enfatizar as conseqüências negativas. Buscando
aprofundar ainda mais essa questão, porém dando outro norte para a mesma, 71 indagou
a respeito de como e porque os caminhos da educação dos filhos chegaram a este ponto
onde mães e filhos agridem-se fisicamente. Procurou então resgatar as histórias de
agressão do contexto familiar. As drogas e a união com pares desviantes foram pontuadas
pelas mães como aspectos responsáveis pela violência do filho nos lares:

"(...) influência dos amigumhos deles (...) as amizades né, (...) (M3).
Enfim, a prática do abuso físico estava presente em todas as familias participantes
dessa pesquisa. Quando não eram as mães as agressoras, os pais eram, como ocorreu
no caso da família 5. Em geral, pelo menos um dos genitores abusa, ou abusou fisicamente
dos filhos.
A fim de promover a sensibilização das mães para evitarem o uso de punições
físicas, as terapeutas procuraram facilitar a discriminação do sentimento de raiva que
antecede o ato de bater, bem como confrontar a finalidade educativa do bater com a
descarga emocional da raiva.
As seguintes falas ilustram o procedimento de discriminação:

"(...) geralmente, é porque eu tô com raiva. Por isso quo hoje em dia minha tática
é outra. É nâo bater porque, eu nunca agredi eles pra ensinar, e sim por eu tar(...)
às vezes nervosa, com problemas e descontá neles (...) (M2 explicando em que
ocasiões batia em seu filho);

"(.,.) ele fica zombando comigo fica mandando eu calá a boca sem eu fazô nada,
'para de encher o saco, você não manda', daí vai dando raiva por dentro aí (...) eu
bato nele (...) se ou pegá ele na hora da raiva mesmo ou machuco bastante(...)
O entendimento das conseqüências da prática do abuso físico parece ter sido
alcançado:

“(...)Eu já vi que não adianta mesmo, batê não adianta. (...) é pior(...)" (M4); “(...)
ah, mas eles pensam que você tá fazendo porque odeia eles (...). as cabeça
deles são tão confusas (...) (M1 tentando fornecer argumentos a M3 de que bater
com raiva é prejudicial).

Qisldinc Cristhidnc Berri de Sousd, Pduld Inez Cunhd Qomidc


As terapeutas demonstraram aceitação e acolhimento ao sentimento de raiva que
as mães revelaram sentir pelos filhos. Procurou-se encontrar com ajuda de exemplos das
mães alternativas ao abuso físico para solucionar os problemas, bem como para lidar com
a raiva (por exemplo, o time out, negociação de regras, aplicação de castigos educativos).
A leitura do Texto: "A punição física” (Capitulo 3)1foi recomendada como tarefa de
casa, para auxiliar as mães na compreensão dos efeitos negativos do abuso fisico. Ressalta-
se que a leitura dos textos em casa funcionou como um contexto rico em reforçadores para
o caso da dlade 5 .0 próprio filho ofereceu-se para ler o texto para a mãe:
"(...) eu li com o F5(.„) eu nào enxergo direito. Ai ele disse ‘não deixa que eu leio,
faço questào de lé pra senhora (...)".

Parece que a leitura dos textos juntamente com a mãe propiciou que F5
reconhecesse qualidades de M5 no manejo com os filhos:
M(...) Dai ele dava risada (...) Batè com objeto no filho (...) ele falô que eu nunca fiz
isso com ele e eu falei que lógico que não (...) Quando fala que batia, aqui fala
muito de baterf...) ele batia assim nas minhas costa, batia no meu rosto, abraçava,
beijava (...) A senhora nunca fez isso comigo né mãe?" (...) Abraçô (...) mais de
quatro anos que ele nâo me abraçava (...)".

Esse relato revelou uma mudança de comportamento do filho, antes distante


afetivamente da mãe, agora próximo.
Outra alternativa utilizada para facilitar a discriminação de antecedentes e
conseqüentes do comportamento de bater foi propiciar o resgate da própria história de
punição física sofrida pelas mães. Esse procedimento foi adotado na 7" sessão. As mães
foram estimuladas a falar sobre a sua história resgatando situações em que elas mesmas
foram vítimas de abuso físico para que através da empatia pudessem compreender como
o filho se sente hoje quando apanha
As estratégias adotadas ao longo do programa para sensibilizar as mães a
evitarem o uso da punição física podem aparentemente ter sido bem sucedidas. M4
parece ter feito discriminações apropriadas:
"(...) na minha opinião na hora da raiva eu não vou fazô nada. eu vou fica quieta o
saí de perto(...) a gente tem que díalogá na hora que a gente tiver calma, com a
cabeça fria (...) porque na hora da raiva, do ódio, sempre acaba machucando
As práticas de abuso sexual e abuso psicológico também foram identificadas nos
discursos das mães. Essas práticas foram reveladas na 4" sessão, que visava promover o relato
dos motivos que as mães julgam ser responsáveis pelo envolvimento dos filhos com conflitos
com a lei e com as drogas. M5 revelou a situação do abuso sexual na família como motivo de
“revolta' que favoreceu o engajamento de F5 ao uso de entorpecentes. Segundo relatou M5, o
filho não usava drogas, passou a fazê-lo após ter descoberto a situação do abuso sexual.
(...) ele falava assim: “ó nossa, a fulana tá doscoberta, vou cobrir ela. E eu burra,
todo dia assim, eu não ligava, elo já tinha a intenção má(..,) diz que ele fazia
massagem nas meninas (...) nos seios, depois que elas me contaram,
entendeu?(.„) sondava elas quando elas iam tomar banho, e começava a fazer
massagem nelas, mas elas achavam que era normal aquilo (...)

discurso-síntese “abuso sexual”

' Do Livro Pais Presentes Pais Ausentes, do Paula Gomide, Editora Vozes, ?004.

Sobre Com portamento e Cotfnlç.lo 217


Segundo Padilha (2001) o abuso sexual vai desde uma carícia íntima, manipulação da
genitália, mama ou ânus, exploração sexual, pornografia, voyayrisvno.exibicionismo, até a
penetração vaginal, anal ou oral, sendo que nas famílias onde ocorre o abuso intrafamiliar, pode
ocorrer a conivência de diversos membros, que se recusam a enxergar de frente o problema.
Essa família possuía ainda outros pontos agravantes em sua história, como os
relatos do abuso físico e psicológico sofridos por M5.
(...) a minha última menstruação, antes da menopausa, ole tirou eu da cama e
jogou eu no valetão lá, disse que eu tava podre. (..)Tudo os vizinho olharam pra
ver o que que era (...) ele tentou me jogar numa lixeira (...) (M5 relatando os
abusos que sofria do marido)

discurso-síntese: “abuso físico e psicológico”

Ainda sobre o modelo do pai, M5 acrescentou:

"(...) o pai usava droga, bebia, tudo, na mesma mesa que ele (...) o pai incentivava
ele (...) vamo fazer uma presença ai de um baseado, e outras coisas(...)’’
Como se pode perceber, o ambiente da família 5 era propício ao desenvolvimento
do comportamento anti-social: o pai era alcoólatra, usuário de drogas, abusador sexual e
ainda espancava e humilhava a mãe, com o agravante de fornecer modelo para o uso de
droga no ambiente familiar. Percebe-se então que o pai era uma figura extremamente
negativa nesse contexto. Esse dado nos remete a pesquisa de Nurco e Lerner (1996) que
apontam que o forte apego ao pai e a atmosfera positiva no lar, aliada a forte aceitação de
crenças tradicionais sobre bons comportamentos para filhos e forte desaprovação paterna
de comportamentos inadequados estão correlacionados a uma menor vulnerabilidade ao
uso de drogas. Cabe salientar que o caso 5 revela uma família que possuía entre os seus
membros mais de um filho envolvido seriamente com drogas e conflitos com a lei.
Cabe ressaltar que a prática do abuso físico está intimamente ligada com outra, a
punição inconsistente, em que a punição ocorre em função do humor do agente punidor.
Como vimos, algumas das mães discriminaram que batiam / batem quando estão nervosas
ou com raiva. A influência do humor das mães na adoção de estratégias educativas foi um
aspecto discutido nas sessões do programa de intervenção. O programa tinha com um de
seus objetivos propiciar que as mães discriminassem a influência de sentimentos e estados
de humor no manejo dos filhos. O discurso síntese abaixo ilustra a ocorrência dessa prática.

(...) o dia que ole tá agressivo, nós dois fica agressivo (...) ele me xinga, me responde,
ou pergunto onde ó que vai, “ah, não te interessa"(...) sai, o aquilo me dá um
negócio ruim por dentro assim (...) que eu me controlo pra não baté nele(...) (M4)
discurso- síntese “ciclo agressivo e humor instável"

Outra prática educativa negativa encontrada no discurso das mães foi a disciplina
relaxada:

“(...) eu brigo com um, o outro “ah, porque a mâe gosta mais de fulano porque que não
briga, não xinga o outro, só xinga ete", entende? (...)0 F2 ele é o mais volho mas ó o
mais nonô (...) ou brigo cos outro pra não brigá com ele, pra ele não saí pra rua, então
eu faço enguli ele, nem que não queira, e as criança não se conformam (...)" (M2).
Nessa passagem percebe-se que F2 exerce controle coercitivo sobre a atuação
educativa da mãe. A mãe deixa de aplicar-lhe limites ou regras provavelmente devido á

Qisliiinc Cristhicine Ucrrí dc Sousa, Paul.i Inc/ Cunh<i Qomidc


manipulação emocional exercida pelo garoto, que pelo que o relato indica ameaça ir para
a rua quando recebe broncas.
Também os comportamentos negligentes das mães foram percebidos:
"(...)Que nem eu comentei do meu, nâo tinha como vocè falar que ele tava
drogado(...) Nâo notava nada (...) Não tinha como perceber (...) (M2) (...) o meu
fazia 4 anos que tava no crack e eu nem sabia (...)" (M5).

Este trecho demonstra a dificuldade das mães em reconhecer comportamentos


que denunciam o uso da droga, em parte porque não sabem observar acuradamente, ou
talvez por negligência, ou seja, afastaram-se do filho de forma a não perceber em que ele
estava envolvido. Gomide (2004) aponta que a situação de negligência é gerada pela falta de
interação, de vinculo afetivo positivo e de demonstração de interesse. Segundo a autora, a
criança negligenciada é insegura e frágil. Crianças negligenciadas se comportam de forma
apática ou agressiva, mas nunca de forma equilibrada (Oliveira, Frizzo & Marin, 2000).
A negligência pode ser definida como a ausência dos mínimos cuidados essenciais
para com os filhos (como higiene, alimentação, suporte emocional e estimulação cognitiva)
(Oliveira, Frizzo & Marin, 2000). Impressiona o relato de M2:

"(. .) o meu filho o problema dele, é 100% é falta de carinho, de atenção (...)".
A negligência afetiva gera uma enorme carência emocional. As vitimas da
negligência sentem-se rejeitadas, e sua auto-estima sofre um rebaixamento incomparável
(Crittenden, 1985; Dodge, Pettit, G.S. & Battes, 1994). Segundo Gomide, o uso de drogas
ou álcool, o comportamento violento ou a prostituição são maneiras encontradas pelos
adolescentes negligenciados para reagirem ao sofrimento causado pela referida prática.
Durante o programa de intervenção, os relatos das mães evidenciaram
marcadamente duas conseqüências das práticas negativas: sentimento de desesperança
e de raiva. Com relação aos sentimentos desesperança e desamparo das mães, o discurso
síntese abaixo traz algumas das falas significativas e denuncia que as mães encontram-
se com o humor deprimido e inclusive fazem uso de medicações anti-deprossivas.

(...) agora é só preocupação mesmo (...) agora ó só mágoa (...) revolta (..) tudo
coisa que não é boa (M2) (...) eu fico vendo e fico quieta, eu sofro calada (M5) Tô
tomando remédio pra depressão (...) (M3)

discurso sintese “tristeza e depressão"

A depressão é também apontada como variável contextuai que pode interferir no


curso do desenvolvimento de comportamento anti-social. Há indícios de que existe relação
entre comportamento anti-social dos filhos e depressão dos pais. Pettit et al. (2001)
assinalam que mães com depressão utilizam-se do controle psicológico como prática
educativa. De acordo com Menegatti (2002), pais depressivos são menos carinhosos,
responsivos e mais irritáveis, hostis e críticos. Como conseqüência sua prole tende a ser
mais autocrítica e apresenta dificuldades em regular suas emoções. A autora também
observa que a depressão nos pais pode ser um antecedente para a prática parental
negligente, podendo estar ligada à drogadição e ao comportamento anti-social em crianças
e adolescentes. Gelfand, Teti, Messinger e Isabella (1995) apontam que filhas de mães
com depressão crônica tendem a adquirirem problemas comportamentais.

Sobre C om poilum rnto c Co«niv<lo


Com rotação às práticas educativas positivas do modelo de Gomide (2003) - monitoria
positiva e comportamento moral - não foram encontradas expressões adequadas das
mesmas. Nesse sentido, o comportamento moral identificado, por exemplo, é oposto ao
desejável. Percebeu-se que os modelos das famílias são negativos e não inibem o
desenvolvimento do comportamento anti-social, pelo contrário, favorecem-no, como no caso
da familia 5, onde o pai era alcoólatra, usuário de drogas, traficante, abusador sexual, abusava
fisicamente dos filhos e da mãe, além de humilhar a mãe. Segundo relato da mãe:
M(...)0 pai em vez de dá moral era o primero a disputó baseado na mesa de bar (...)" (M5)
A moralidade é um dos aspectos principais na formação dos indivíduos. Os pais
têm um papel importantíssimo nesse processo. Nas famílias em que o comportamento
anti-social se desenvolve, é comum encontrarmos bastante confusão e conflito na formação
de valores. (Weber, 2004)
A monitoria positiva ó definida como o acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento de uma criança ou adolescente. Caracteriza-se pelo real interesse pelas atividades
e sentimentos das crianças. Elogios e atitudes demonstram aos filhos que eles são amados e
importantes. É uma prática que favorece o clima afetivo positivo entre pais e filhos (Gomide,
2003; Petit e cols., 2001; Stanton e cols., 2000; Xiaoming e cols., 2000). A prática da monitoria
positiva toma o relacionamento entre pais e filhos muito prazeroso e principalmente instaura uma
atmosfera de confiança. Quando os pais exercem a monitoria positiva, eles não precisam
constantemente questionar onde os filhos andam, que horas voltam, o que fizeram, como estão,
pois os filhos passam a relatar espontaneamente suas atividades (Stattin & Kerr, 2000).
Pesquisas apontam que nas famílias de crianças que apresentam
comportamento anti-social, a monitoria positiva é ausente ou pouco encontrada.(Loeber et
al, 2000; Patterson et al, 1992; Stanton et al, 2000; Xiaoming et al, 2000). A ausência de
monitoria positiva ficou evidenciada em alguns relatos das mães:

"(...) não sei com quem ele anda, não sei o que ele come, não sei o que ele faz,
ele fica umas 4- 5 horas, parece que desaparece (...)".
Outro importante aspecto ressaltado refere-se ao esclarecimento a partir do relato
das mães sobre as diferenças entre monitoria positiva e monitoria negativa. M5 alegou que
procura demonstrar sua preocupação e amor pelo filho:

“(.. )de sábado pra domingo a noite, quando eu sei que ele bebe, daí ou bato
assim: "ô, tá tudo bem com vocô aí, tá respirando? (...) 6 piá, três hora já, não vai
levantar, não vai almoçar? (...) ai ele fala. já vou, já vou (...) mas que nada ,daf até
ele ir tomar o banho dele (...).
12 chamou atenção de M5 e das outras mães a partir desse exemplo sobre a
diferença entre a monitoria positiva e a monitoria negativa. Pediu para que elas se
colocassem no lugar dos filhos que foram para uma festa no sábado e voltaram de madmgada
pra casa e estão dormindo. Repetiu as falas que caracterizam vigilância e fiscalização e
depois emitiu falas de monitoria positiva: "oi, bom dia! Eu vim ver como você está
Indagou as mães se elas percebiam diferenças entre os dois tipos de abordagem, pontuando
que o primeiro soa como cobrança e torna a relação aversiva (gera raiva) e o outro soa
como demonstração de preocupação, carinho e afeto.
Outro aspecto relacionado à prática da monitoria positiva, o uso de reforçamento
positivo, também foi abordado pelo programa. Essa discussão foi iniciada a partir de um
relato de M2 que informou que seus filhos reclamam:

C/isliiinc Cristhianc Bcrri de Sousd, Pduld Irtcz Cunhd C/omidc


“(...) a mãe só vô quando a gente faz coisa errada, quando ó uma coisa boa não vê

As terapeutas resgataram a importância do uso do reforço positivo, mostrando a


diferença entre reforço arbitrário e natural, apontando que o reforço natural faz parte do
repertório básico da espécie humana, portanto, ó necessário e importante nas relações,
especialmente nas relações familiares.

3. C onsiderações Finais
O objetivo principal desse trabalho foi desenvolver e avaliar a eficácia de um programa
de intervenção grupai em práticas educativas, de mães identificadas pelo IEP (Gomide,
2003) como pertencentes a grupo de risco.
A riqueza do trabalho desenvolvido, bem como a metodologia proposta possibilitou
a descrição qualitativa das práticas educativas utilizadas pelas mães. Conforme indica a
literatura da área (Gomide, 2001,2002,2003,2004; Marinho, 2002,2003; Patterson et al,
1992; Stanton et al, 2000; Straus et al, 1997; Xiaoming, Feigelman. & Stanton, 2000)
encontrou-se o uso de práticas educativas negativas na socialização dos adolescentes
em conflito com a lei. Essas práticas, muitas vezes eram defendidas como adequadas
pelas mães, como no caso do abuso físico. Nesse sentido, um importante exercício para
favorecer a discriminação da inadequação de tais práticas foi resgatar nas próprias histórias
de vida das mães as conseqüências que advém dessas práticas.
Por outro lado, percebeu-se que as práticas educativas positivas são pouco ou
restritamente utilizadas. Quando as mães relatam o que pensam ser práticas educativas
adequadas, na maioria das vezes estão exercendo a supervisão estrossante. Essa prática
negativa foi exaustivamente relatada. Da mesma forma, as conseqüências dela foram
evidenciadas através do clima aversivo e hostil entre as díades. Tal conseqüência negativa
é extremamente perigosa, pois torna a relação entre pais e filhos cada vez mais diticil.
Os procedimentos utilizados por esse programa buscaram promover relações
possivelmente reforçadoras. Dentre os procedimentos adotados, vale destacar que
procedimentos de intervenção conjunta, planejados para serem realizados pelas díades mãe-
filho parecem apontar um caminho viável para futuros programas. Percebeu-se isso quando
uma das mães participantes do programa relatou que o filho leu o texto que foi dado como
tarefa de casa para ela (o que não havia sido programado), tendo então refletido e reconhecido
a adequação da mãe, sendo que o filho expressou que sua mãe era uma boa mãe por não
bater nos filhos, agradecendo e demonstrado afeto para ela (beijando-a e abraçando-a). Propiciar
tarefas conjuntas, além de poder favorecer a aproximação afetiva entre as díades, fornece uma
excelente oportunidade para o início de procedimentos de modelagem de comportamento.
O processo terapêutico foi dificultado por uma série de razões: as mães faltavam às
sessões (mesmo com as estratégias de adesão e manutenção programadas); em geral não
cumpriam tarefas de casa (como leituras); as discussões tendiam a ser fatalistas e
desesperançosas; utilizavam grande parte das sessões para fazer queixas sobre o comportamento
dos filhos. Os dois últimos aspectos atados, em especial, exigem das terapeutas que trabalham
com essa população bom manejo de grupo, experiência clínica e/ ou supervisão.
Além disso, o problema da dependência química tornou, por si só, a relação entre pais
e filhos mais irritadiça. Apenas um dos filhos da amostra não tinha envolvimento com drogas, os
demais, segundo o relato das mães, apresentavam forte envolvimento com entorpecentes.
Diante das dificuldades encontradas e da limitação deste trabalho, parece que os
resultados mostraram-se positivos. Como mostra a literatura da área, o sucesso das

Sobre Comport.micnlo e CoflniçJo


intervenções parentais não é total, pois cerca de 1/3 da população não se beneficia desse
tipo de programas (Serketich & Dumas, 1996; Webster-Stratton, Hollinsworth & Kolpacoff,
1989). Cabe ainda ressalvar que o programa realizado é bem mais simples e restrito do
que os modelos norte-americanos. Lá, alguns programas oferecem além da intervenção
parental em grupo, terapia individual (para os pais e os filhos) e terapia da díade, que tem
mostrado os melhores resultados (Kazdin, Siegel & Bass, 1992; Myers e cols., 2000).
Não se pode esquecer que este programa atuou sobre uma das variáveis que
interfere no curso do desenvolvimento do comportamento anti-social - a utilização de práticas
negativas que influenciam o desenvolvimento do comportamento anti-social. Outras tantas
existem e podem ser exploradas em pesquisas futuras. Além disso, o modelo de programas
da literatura estrangeira, que inclui tratamento em clinicas, atendimentos psicoterápicos
individuais, entre outros, é um sonho que precisa começar a ser concretizado na realidade
brasileira. Com certeza, os ganhos de programas desse tipo podem ser muito mais
expressivos do que o dessa proposta. Isso sem falar nas estratégias de prevenção primária
e secundária, ainda tão pouco incentivadas e realizadas neste país.
A literatura da área aponta a grande dificuldade existente para se obter sucesso
com pais de adolescentes infratores. (Cavell, 2001; Patterson, Reid & Dishion, 1992;
Webster-Stratton, Hollinsworth & Kolpacoff, 1989) Ressalta-se que a relação entre paise
filhos está bastante deteriorada em função da agressividade, desconfiança, desilusão e
falta de afeto que está mediando a mesma. As dificuldades emocionais profundas dos
pais denotam a necessidade de terapia (e não de aconselhamento ou treinamento) (Cavell,
2001). Além disso, a terapia para pais de adolescentes deve envolver também a participação
dos filhos (Kazdin, Siegel & Bass, 1992; Myers e cols,, 2000) para que possam ser
obtidos melhores resultados. Destaca-se ainda que o tempo da intervenção desse programa,
4 semanas, foi muito breve, mas procurou atender as necessidades das famílias (que
dificilmente se engajariam em longos programas) e da Vara da Infância e Juventude, que
precisa de um modelo de atendimento breve. Mesmo num espaço de tempo tão curto,
algumas mudanças puderam ser promovidas, tais como: discriminação do comportamento
dos filhos, discriminação das diferenças entre práticas educativas positivas e negativas e
suas conseqüências e sensibilização para o uso de práticas educativas positivas.
A esperança de que podemos fazer algo e obter resultados positivos é a maior
conquista desse trabalho. Muito ainda precisa ser caminhado nessa área, mas os primeiros
passos são essenciais, pois guiarão os subseqüentes.

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Sobre Com portamento e Cognição 225


= = .= Capítulo 22

Interação entre história de


contingências e contingências
presentes na determinação de
comportamentos e sentimentos
atuais
/ /(V/V) fase C/uilhiUdi*

Júnior é filho único, tem oito anos, é bom aluno da segunda série - provavelmente,
o melhor da classe adora esportes e é bom de bola no time da vizinhança. Relatou-me
vários episódios sobre sua relação com o pai. Passo a narrá-los na primeira pessoa, mas
alerto que não são frases literais de Júnior, pois se baseiam apenas em anotações tomadas
durante as sessões. Se soubesse a riqueza das informações que Júnior iria me fornecer,
teria gravado tudo. A rotina de consultas de um terapeuta impõe tal limitação, a ser
lamentada, pois se perde o registro preciso de fenômenos humanos riquíssimos, que só
podem sor recuperados em níveis mais molares. Acredito, no entanto, quo, mesmo assim,
há muito material com que se pode lidar e aprender.

Havia faltado à aula na terça-feira, por causa de uma febre. Meu pai, assim que
terminou de almoçar, sugeriu que fossemos até a casa de Flávia, minha colega de
classe quo mora a menos de um quarteirão de casa, para ver quo tarefas de casa
a professora havia passado para o dia seguinte, Para minha surpresa, ela já havia
foito as lições... “Que rápida!", pensei, pois normalmente levo quase a tarde inteira
para terminar minhas lições da escola. Aproveitei a situação e copiei tudo dela:
perguntas e respostas. Meu pai esperou em silêncio que eu terminasse tudo.
Quando chegamos em casa ele me disse: "-Vocé viu como a lição da Flávia está
feia e sem capricho? Vocô pode fazer melhor que aquilo". Enquanto falava comigo,
arrancou a folha do caderno em que eu havia copiado a liçáo e me pediu para fazer
tudo de novo, mas caprichando na letra, fazendo os parágrafos certos, não saindo
da margem e usando caneta vermelha para grifar os aspectos mais relevantes ...
“ - A professora vai notar que sua liçào é mais bem feita... A vida é dura e vencerão
os melhores. Vocô deve se esforçar para fazer o melhor possível.” Minha mãe

'Instituto de Análise de Comportamento e Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento - Campinas - SP


' Agradeço a Maria Elolsa Bonavlta Soares, Mariana Sâo Thiago Bezerra de Menezes e Noreen Campbell de
Aguirre pelas sugestões na preparação do presente texto

Hélio lose Quilhcirdi


concordou com meu pai. Assim que ele saiu para o trabalho, recomecei a fazer a
lição, que mo tomou um bom tempo da tarde. Quando ele chegou, conferiu tudo
que eu havia feito. Mostrou que estava satisfeito com meu trabalho, sugeriu que eu
arrumasse um detalhe e, finalmente, fiquei livre da tarefa.

Comecei a pensar sobre cada detalhe da narrativa de Júnior e sistematizei o que


o pai fez com ele na forma de itens. Assim:

1. O pai estabeleceu um padrão com critérios de qualidade de desempenho mínimo


para Júnior: abaixo de determinado nlvel não estava bom, não servia;
2. O critério de desempenho para o comportamento ser aprovado pelo pai era arbitrário,
definido por ele, sem referência externa objetiva, pela qual Júnior pudesse se guiar.
Assim, por exemplo, a uma questão "Quanto é 12+10?", a resposta correta não
dependia de critérios do pai. Já, completamente diferente, era atender aos pedidos
de "letra bonita", lição bem feita", “grifarem vermelho os aspectos mais relevantes",
para os quais Júnior dependia da aprovação do pai. Não é de estranhar, portanto, que
Júnior ocupasse longos períodos da tarde fazendo a tarefa que, para espanto dele,
Flávia faria em meia hora. Ele tinha que escrever, apagar, escrever novamente até a
letra ficar "bonita" e somente teria certeza de que havia atendido aos critérios de
desempenho estabelecidos pelo pai quando este chegasse em casa à noitinha e lhe
desse a aprovação. Pode-se dizer que Júnior fazia tarefas inserido num paradigma
de fuga-esquiva, no qual o comportamento de fuga-esquiva era fazer letra "bonita" e,
assim, evitar conseqüências aversivas, tais como crítica do pai, refazer a lição etc.
Nessa condição, os sentimentos experimentados eram de ansiedade, até ocorrer o
reforçamento negativo com a chegada do pai e aprovação dele pela tarefa feita;
3. O pai valorizou o bom desempenho de Júnior com elogios, aprovação etc., mas o
elogio sinalizou, ao mesmo tempo, que o produto acadêmico do filho deixara de
estar ruim. Vamos esclarecer melhor este ponto. O elogio poderia ter dupla função:
a. fortalecer o “bom" desempenho do filho e, neste caso, o pai estaria usando um
procedimento com função de reforçamento positivo; b. sinalizar para o filho que estava
livre da crítica, de ter que refazer a lição etc. e, nesta alternativa, o pai estaria usando
um procedimento com função de reforçamento negativo. Como ambos os
procedimentos fortalecem o comportamento, não é possível concluir qual a real função
do elogio, a partir do repertório comportamental de Júnior exclusivamente. O que o
mantinha fazendo lição, diariamente, por longos períodos, em detrimento inclusive
de se engajar em atividades que lhe eram reforçadoras? (Ele disse que gostaria de
"poder terminar a lição logo e ir brincar, mas não dava para fazer isso porque as
lições demoravam muito tempo"... Tal frase sugere a operação de reforçamento.) Há,
porém, outros critérios em que se basear. Assim, por exemplo, o reforçamento negativo
produz, mais freqüentemente, estereotipia de comportamento, enquanto que o
reforçamento positivo, por sua vez, produz maior variabilidade comportamental. Mas,
no caso de Júnior, a estereotipia tanto poderia ser produzida por reforçamento negativo
como positivo (reforçamento diferencial de padrões específicos e similares de
respostas). O critério que usei foi questionar que tipo de sentimentos Júnior vivenciava
durante as tarefas e com a chegada do pai. Disse-me que ficava pensando se o pai
iria gostar ou não do que ele estava fazendo e caprichava o mais que podia. Tinha
medo de que não gostasse e ficasse triste, mas, quando o pai elogiava, sentia um
grande alívio. É interessante salientar que é difícil diferenciar alívio (pela remoção de

Sobre Com port.im rnfo c Cogniçíio 227


uma condição aversiva, ou seja, reforçamento negativo), de prazer (pela apresentação
de uma conseqüência social positiva, ou seja, reforçamento positivo), a menos que
se conheça a contingência de reforçamento que está em operação. Júnior, em função
de evidências acidentais que se seguirão no texto, estava sob controle de
contingências coercitivas produzidas pelo pai. Pode-se concluir que o elogio, quanto
à forma, é um reforço positivo generalizado e, quanto à função, é um estimulo que
sinaliza o sucesso do comportamento de fuga-esquiva;
4. O comportamento do pai levou o filho a gerar um produto que tinha grande probabilidade
de ser valorizado pela professora. Os comentários dela sobre a tarefa, as notas etc.
apoiavam a argumentação do pai de que era importante fazer "bem feito"; não bastava
fazer corretamente e de maneira completa. Júnior não emitia comportamentos
diferenciados e não mostrava variabilidade, que seriam as maneiras de testar a
arbitrariedade de alguns dos critérios do pai. Por exemplo, ele poderia tirar a mesma
nota com letra "bonita" ou com letra "menos que bonita". O comportamento
estereotipado de Júnior não lhe permitiu testar que conseqüências outro
comportamento da mesma classe de comportamento acadêmico correto produziria.
Aliás, a atuação da mãe, aprovando as orientações do pai, impediu que Júnior
apresentasse variabilidade comportamental, pois ela, similarmente à professora, não
conseqüenciava diferencialmente, nem apresentava estimulos evocadores (SDs)
diferentes;
5. O pai não ficava sob controle dos sentimentos que os procedimentos que utilizava
geravam em Júnior. Embora atuasse pelo "bem do filho", como o próprio Júnior
reconhece ("Meu pai quer o melhor para mim"), o pai usou contingências coercitivas.
Assim, os sentimentos de Júnior poderiam ser resumidos da seguinte forma: antes
da avaliação da tarefa, feita pelo pai, Júnior estava ansioso (antecipava a possibilidade
da crítica); depois da avaliação, estava aliviado (safou-se da crítica) e, adicionalmente,
sentia-se satisfeito {foi bem sucedido na sua tarefa). Infelizmente, prevalecoram as
contingências aversivas;
6. O pai manteve o filho sob a ameaça de conseqüências aversivas (crítica, decepção
etc.), mas, em função do desempenho acadêmico eficiente, Júnior não produziu
críticas vindas do pai, mas sim elogios. Numa linguagem mais precisa, pode-se
dizer que o comportamento de fuga-esquiva foi eficiente, a tal ponto que Júnior não
entrou em contato com a condição aversiva, o que dificultou a conscientização das
contingências coercitivas que controlaram os comportamentos que emitiu, uma vez
que produziram elogios e não críticas. É importante salientar que aquilo que controla
o comportamento não é o evento isolado (elogio ou crítica), mas a inter-relação entre
comportamento e ambiente, expressa na forma de contingências de reforçamento.
Frases do tipo "Meu pai elogiava muito minhas tarefas", “Meu pai nunca bateu em
mim, nem me pôs de castigo”, "Meu pai era calmo comigo, apesar de ser exigente"
etc. dão mais indícios sobre a eficiência dos comportamentos de fuga-esquiva de
Júnior, do que sobre a ausência de contingências de reforçamento coercitivas em
operação, manejadas pelo pai. Quando a pessoa não conhece as contingências às
quais vem respondendo, não consegue exercer contracontrole, isto é, não se comporta
de maneira a alterar tais contingências. Simplesmente responde a elas, já que não
é necessário conhecer (no sentido de ser capaz de descrevê-la) uma contingência
para ficar sob controle da função que ela exerce (Skinner, 1993): “Não precisamos
descrever as contingências de reforço a fim de sermos afetados por elas." (p. 111).

228 Hélio josé Quillnirdi


Por outro lado, pode-se fazer uma série de comentários sobre o que ocorreu com
Júnior. Assim:
1. Ficou sob controle da exigência do pai de que não era suficiente simplesmente fazer
certo, mas havia necessidade de fazer algo a mais. Cabe, então, a questão: onde
Júnior poderia identificar o critério de que atingiu tal algo a mais na ausência do pai?
2. Desenvolveu elaborada e, provavelmente, exagerada habilidade de observação do
próprio comportamento, a fim de estabelecer critérios - também arbitrários, agora
elaborados por ele mesmo - de adequacidade. Tal condição pode produzir
característica de perfeccionismo, em que o mais que perfeito ainda é imperfeito. O
perfeccionismo pode ser entendido como formas elaboradas de comportamento ou
encadeamento de respostas, que incluem elos desnecessários para produzir reforço
e que, como tal, atrasam e dificultam o acesso a ele; produzem também, desgastes
físicos no organismo e sentimentos adversos, produtos típicos de contingências de
reforçamento aversivas ou com baixa densidade de reforços positivos.
3. Desenvolveu elaborada e, provavelmente, exagerada habilidade de observação do
comportamento do outro. É como se Júnior ficasse se perguntado: "Que comportamento
meu será gratificante ou aversivo para o outro?" Ficar sob controle de conseqüências
que os próprios comportamentos podem produzir no outro gera sentimentos de
insegurança nas relações sociais, uma vez que é muito difícil prever que conseqüências
virão. Sentimentos de segurança são produzidos por contingências em que a relação
entre o comportamento emitido e a conseqüência que ele produz é previsível e controlável.
No caso de Júnior, a função que os comportamentos do outro passa a ter para ele é
mais importante que as conseqüências naturais dos comportamentos por ele emitidos.
"Não importa o que é reforçador para mim, mas o que é reforçador para o outro", ou
seja, "Devo emitir comportamentos que produzem reforços para o outro". “Não importa
o que é aversivo para mim, mas o que é aversivo para o outro", ou seja, "Devo emitir
comportamentos que evitam estímulos aversivos para o outro".
4. Desenvolveu excessos e déficits na área dos sentimentos. Sentimentos são produtos
de contingências e não causa do comportamentos (Skinner, 1989a; Skinnor, 1989b;
Guilhardi, 2002; Guilhardi, 2004). Se forem examinadas as contingências de reforçamento
que têm prevalecido na vida de Júnior, pode-se compreender algo sobre os sentimentos
que, provavelmente, estão mais presentes. Assim, caso se queira manter a terminologia
usualmente empregada para nomear sentimentos, pode-se dizer que Júnior:
a. Apresenta baixa auto-estima. Faz-se necessário esclarecer o que tal frase significa. O
eu do qual eu gosto é produto de uma história de contingências de reforçamento em
que a pessoa foi conseqüenciada com afeto, atenção, carinho etc., reforços sociais
dados pelo outro, sem que este outro tenha estado sob controle, ao reforçar
positivamente, das contingências em operação. Ou seja, além de conseqüenciar
comportamentos desejados, o outro propicia reforços “livres", isto é, contingentes a
quaisquer comportamentos (eventualmente, em casos particulares, até a indesejados).
Note que é essencial que haja reforços sociais positivos liberados sob controle de
comportamentos desejados (por aquele que reforça), mas também sob controle de
quaisquer comportamentos (aquele que reforça não está sob controle de comportamento
específico do outro). Embora possa parecer uma contravenção conceituai, pode-se
dizer que aquele que libera o reforço reforça a pessoa, dá afeto para o outro, não para
comportamentos específicos (precisamente, reforça positivamente sem ficar sob controle

Sobre Comportamento e 229


das contingências correntes). Embora se esteja discorrendo sobre os sentimentos de
auto-estima, faz-se necessário deixar claro que sentimentos não causam
comportamentos. Tanto sentimentos quanto comportamentos são produtos das
contingências de reforçamento; como tal, o que realmente importa ó detectar as
contingências de reforçamento que operaram prioritariamente durante a história de
desenvolvimento da pessoa e as que estão operando presentemente. Quando se diz
que Júnior apresenta baixa auto-estima, mais importante do que tal baixa auto-estima
(sentimento adverso) é detectar a carência de contingências amenas de reforçamento
positivo de natureza social a que Júnior foi e vem sendo exposto; (Os mesmos
esclarecimentos cabem aos itens ba eque se seguem.)
b. Apresenta exagerado sentimento de responsabilidade. O eu responsávelò produto de
uma história de contingências de reforçamento com conseqüências aversivas. Júnior
foi amplamente exposto a contingências coercitivas, embora poucas vezes tenha entrado
em contato com as conseqüências aversivas, por causa da riqueza de repertório de
fuga-esquiva. Da mesma maneira que o exposto no item a acima, mais importante do
que o exagerado sentimento de responsabilidade (sentimento adverso) é a
predominância de contingências coercitivas, que controlaram o que vêm controlando a
maior parte do repertório comportamental de Júnior e alterar tais contingências;
c. Apresenta alto grau de racionalidade. O eu racional é produto de uma história de
contingências de reforçamento em que o comportamento ó, basicamente, governado
por regras (descrições de contingências feitas pelos outros) ou de auto-regras (descrições
de contingências feitas por ele próprio). Tanto as regras, como as auto-regras, diferem
das contingências naturais e podem tornar a pessoa alienada das reais conseqüências
do comportamento, uma vez que as regras e auto-regras podem ser equivocadas (não
descreverem contingências reais) e nunca são descrições completas das contingências
reais. Novamente, mais importante do que dizer que Júnior é exageradamente racional
(sentimento adverso), é detectar que ele tem o repertório de comportamentos amplamente
governado por regras e auto-regras e, como tal, apresenta pouca sensibilidade às
conseqüências naturais dos comportamentos emitidos. Diante disso, faz-se necessário
alterar tais relações de controle do comportamento: responder menos a regras e mais
ás conseqüências do comportamento;
d. Apresenta sentimentos de autoconfiança. O eu confianteè produto de uma história de
contingências de reforçamento em que os comportamentos são reforçados. Quando o
comportamento é emitido e ó funcionalmente bem sucedido, surge o sentimento de
autoconfiança. O reforçamento positivo fortalece comportamento de encontro, aquele
que produz reforçamento positivo; o reforçamento negativo fortalece comportamento
de fuga-esquiva, aquele que pospõe ou remove reforço negativo. Em ambos os casos
ocorrem sentimentos de autoconfiança, porém estes estão associados a outros
sentimentos: se estão em operação contingências de reforçamento positivo, também
surgem sentimentos de satisfação, prazer etc.; se estão em operação contingências
de reforçamento negativo, também surgem sentimentos de ansiedade, preocupação,
medo etc. Qualquer sentimento enunciado não ocorre isoladamente, pois nunca está
em operação uma única contingência de reforçamento. Apenas para fins didáticos,
fala-se em baixa auto-estima, elevada autoconfiança etc., pois o ser humano é o locus
de ocorrência de inúmeros comportamentos e sentimentos em interação. Os
sentimentos de autoconfiança de Júnior (desejados) estão intimamente associados a
sentimentos de ansiedade (indesejados), uma vez que prevalecem contingências

Hélio José 0/uilh<irdi


coercitivas e os sentimentos de autoconfiança foram gerados por reforçamento negativo,
em detrimento de reforços positivos. Assim, mais importante do que afirmar que Júnior
tem sentimentos de autoconfiança (o que ó desejado) é identificar que ele tem o
repertório mantido basicamente por reforçamento negativo (o que ó indesejado) e reduzir
o papel do reforçamento negativo na vida dele; mais importante do que descrever que
Júnior tem um eficiente repertório de fuga-esquiva (que se associa ao sentimento de
autoconfiança) é reconhecer a ausência de um repertório de contracontrole, que poderia
alterar a prevalência do controle aversivo e substituí-lo por controle positivo (tal ausência
de repertório é indesejável). (Faço, arbitrariamente, uma distinção entre repertório de
fuga-esquiva - aquele composto por comportamentos que adiam ou removem,
temporariamente, reforços negativos ou eventos aversivos - e repertório de contracontrole
- aquele composto por comportamentos que removem as contingências coercitivas
em operação -, ou seja, no contracontrole, o comportamento do controlado altera o
comportamento do controlador, em benefício do controlado e, se possível, de ambos.);
e. Apresenta alta tolerância ã frustração. A frustração é um sentimento produzido por
contingências adversas, tais como contingências coercitivas, procedimentos de extinção
ou com baixa densidade de reforço positivo, sem, no entanto, perturbar, nem deteriorar
o repertório geral da pessoa, pois tal perturbação pode interferir na emissão de outros
comportamentos que produzem reforços positivos ou evitam reforços negativos. A melhor
maneira de desenvolver a (necessária) tolerância à frustração é expor a pessoa a
condições adversas de maneira gradual e progressiva (já que é impossível viver sem ter
contato com contingências aversivas). A exposição a contingências adversas deve
incluir, porém, as seguintes possibilidades: tolerar aquilo que não pode ser evitado,
sem deteriorar o repertório comportamental mais amplo; emitir comportamentos de
fuga-esquiva quando a condição aversiva puder ser por eles, temporariamente, removida
ou adiada; emitir comportamentos de contracontrole, quando tais comportamentos
puderem eliminar as contingências adversas. Mais importante do que destacar que
Júnior tem alta tolerância à frustração é reconhecer que as contingências manejadas
pelo pai e pela mãe não lhe permitiram discriminar que vinha e vem respondendo a
controle coercitivo e, menos ainda, exercer qualquer grau de contracontrole. Júnior
aprendeu apenas a tolerar ou a se esquivar do controle coercitivo, não a removê-lo de
vez. Apresentar tolerância á frustração ó desejável, num mundo repleto de controles
aversivos e de árduo acesso a reforçadores positivos; a tolerância exagerada, porém,
leva à alienação ou à aceitação resignada da realidade, sem movimentos de
transformação. A pessoa, neste caso, se toma dependente, sem iniciativa e deprimida;
5. Foi exposto mais a contingências que produziram sentimentos de ansiedade - alívio
(reforçamento negativo) do que sentimentos de expectativa positiva - satisfação
(reforçamento positivo).
6. Generalizou a visão de mundo e o repertório de comportamentos e sentimentos para
outras áreas de atuação humana, além da estritamente acadêmica. O exemplo da lição
de casa foi apenas uma ilustração, dentre muitas outras, em diferentes contextos, dos
mecanismos comportamentais que vêm operando nas interações entre Júnior e o pai.
Pode-se dizer que existe uma matriz (um padrão) de contingências de reforçamento
que prevaleceu durante o desenvolvimento comportamental. Tal matriz se caracterizou
por: a. prevalência de contingências coercitivas apresentadas pelo pai (paradigma de fuga-
esquiva); b. repertórtio de fuga-esquiva funcionalmente eficaz, que protegeu Júnior de entrar
em contato com as conseqüências aversivas; c. conseqüências com topografia (não

Sobre C om p ort.im cn lo r C o p n i(3 o 231


necessariamente com função) de reforçamento positivo social generalizado (elogio,
aprovação etc.), contingentes aos comportamentos de fuga-esquiva, liberadas pelo pai,
professora etc.; d. ausência de contingências de reforçamento positivo concorrentes,
provenientes de outras pessoas relevantes do meio social de Júnior (por exemplo, da
mãe), que permitissem a ele discriminar entre a operação de contingências coercitivas ou
reforçadoras positivas; e. repertório de comportamento extensamente governado por regras
e pouco modelado por conseqüências naturais.
Júnior narrou outros episódios da rotina de vida, que têm semelhanças funcionais
com a tarefa escolar. Assim:

Acertamos um jogo de futebol contra o time do bairro vizinho. Eu estava muito


empolgado com a partida Tinha certeza que marcaria algum gol, ató sonhava com
isso e com nossa vitória. Conversamos entro nós e até inventamos um uniforme:
era azul, pois todos do grupo tinham uma camiseta dessa cor. Nom me lembrei
que meu pai havia me proibido de ir jogar do lado do lá do córrego que separava os
bairros. Ele sempre me dizia: "A gente conhece todo mundo aqui; lá náo. É perigoso."
Eu tinha isso na cabeça, mas fui em frente... até o dia do jogo. Nos reunimos no
lugar de sempre e safmos para jogar. Fui me sentindo cada vez pior: se for jogar,
meu pai não vai gostar; mas eu quero ir, sou artilheiro do time, todos contam
comigo e eu adoro jogar. Fui ficando estranho até que, quando chegamos no
córrego, eu disse que não estava bem e precisava ir correndo para casa. Senti-me
envergonhado com a minha "mancada", derrotado, mas não joguei. Meu pai nunca
soube dessa história. Aliás, não contei para ninguém.

O episódio do jogo deixa ainda mais claro que Júnior abriu mão de produzir um
reforçador natural forte para ele - jogar futebol em favor da remoção de um reforçador
negativo arbitrário - a repreensão do pai. Trata-se de um exemplo de comportamento
governado por regras e não selecionado pelas conseqüências, aliás, padrão típico de
Júnior se comportar.
"Que menino triste e competente!”, pensei. “Se nada for feito por ele, que será de
seu futuro? Não me preocupo com a vida profissional que escolherá. Dará certo na profissão.
No entanto, viverá às custas de quantos e quais sofrimentos?".

Atendi normalmente no meu consultório, pela manhã. São 12:15h e recebi há


pouco um telefonema do meu amigo, Dr. Valmir, médico psiquiatra com quem atendo, há
anos, vários casos em comum. “Preciso que você veja uma pessoa muito especial”, me
disse. "Se possível ainda hoje, pois acabo de vê-lo e vem de fora... ficaria difícil para ele
voltar para Campinas mais uma vez nesta semana. Não queria que ele esperasse até a
próxima...". Assim, às 14 horas de uma quinta feira, no ano de 2000, recebi Eduardo,
encaminhado pelo Dr. Valmir.
Eduardo, 60 anos, casado, pai de dois filhos, profissional liberal bem sucedido,
entrou na minha sala com gestos tranqüilos e uma aproximação cativante. Ocorreu-me,
no primeiro contato, uma frase: - Estou diante de um homem triste...
Ele começou a falar sobre as dificuldades que o levaram até o Dr. Valmir:

i Iclio José Quilhdrdi


E - Tenho pensamentos que me perseguem o tempo todo e estão atrapalhando a minha
vida: interferem no meu trabalho, durmo mal, acordo no meio da noite atormentado
portais pensamentos, têm interferido com minha alimentação, perdi peso...
T - Quais são os pensamentos?
E - O que as pessoas estão pensando de mim? O que posso ter feito de errado com
elas? Estranho as expressões dos seus rostos. O menor sinal vindo delas é para
mim uma condenação: se atravessam a rua, se não sorriem pra mim... qualquer
coisa desencadeia meus pensamentos. Al penso: como posso reparar um possfvel
mal que lhes tenha feito. Tenho consciência, às vezes, que posso estar exagerando,
mas mesmo assim os pensamentos não me saem da cabeça.
T - Tais pensamentos podem ser desencadeados por desconhecidos?
E - Por qualquer pessoa.
T - Existe algum evento específico que dá início aos pensamentos?
E - Não. Em geral ó assim, um detalhe qualquer que percebo na pessoa... Mas, outras
vezes, posso simplesmente me lembrar-sem nada presente que me desperte para
isso - de uma das cenas que já "encuquei" e aí não me desligo mais dela. Pode
durar horas. Tento não interromper o que estou fazendo, mas não adianta. Se estiver
trabalhando com um paciente, não paro, mas fico perturbado e procuro acabar o
mais rápido que posso. O que atrapalha mais, é que isso tudo me causa muito
sofrimento e não sei como parar de pensar. É mais forte que a lógica... penso que
deve ser tudo da minha cabeça, mas não adianta.
T - Uma cena...
E - Sim. Imagino que uma pessoa está magoada comigo sem que eu saiba o porquê.
Vem do nada, me invade, fico elaborando detalhes mórbidos e o sofrimento parece
não ter fim...
E - Não é só isso, porém. Tenho excessiva preocupação com o bem-estar de minha
mulher e de meus filhos. Pensava que, quando eles crescessem, eu iria ficar mais
aliviado. Que nadaf Preocupo-me com o emprego deles, como estão no casamento...
Agora mesmo o meu genro pediu demissão do emprego. Sofro mais que ele! Não
adianta minha filha dizer que o João ó assim mesmo, que se vira. “Pai, daqui a pouco
ele está trabalhando e você se torturou à toa..." Sou mais preocupado com a situação
dela que ela própria. E, na prática, ninguém depende de mim financeiramente, em
nada. Cada um leva sua vida.
E - Sou muito preocupado com o futuro, com o rumo que as coisas estão tomando no
mundo, com a violência. Por isso tudo, não saio à noite de casa. Evito sair. Se vou a
alguma festa, ou restaurante, primeiro tenho que me certificar se existe no local
estacionamento próprio, se tem guarda... Fica tão complicado que acabo cancelando
tudo.
E - Não tomo remédio. Tenho pavor dos efeitos colaterais. O Dr. Valmir me receitou
antidepressivo e ansiolítico, mas deixei claro que não ia tomar nada... Sou muito
preocupado com essas coisas. Prefiro uma solução mais natural: tenho uma vida
regrada, pratico esporte (ando e corro moderadamente), mantenho uma alimentação
equilibrada. Foi por isso que ele me mandou fazer terapia. Disse que, como médico,
não tinha nada para fazer comigo.

Sobre Comportamento e Cognição


E - Tenho, de tempos em tempos, umas crises, uns sintomas no corpo quo me incomodam.
Chego a pensar que eu crio tudo, mas só penso nisso depois que os sintomas
desaparecem...
T - Desaparecem?
E - Sim. Como eles vôm, eles vão. Enquanto estou com o sintoma, tenho certeza que é
real. Procuro especialistas, pesquiso tudo que encontro a respeito, não me desligo.
E sempre penso que é o pior. Agora mesmo tenho uma coisa que me incomoda na
garganta. Já procurei três médicos. Não chegaram a um diagnóstico. Ficam receitando
antiinflamatório, antibiótico. Percebo que ficam em dúvida sobre o que fazer... Acabam
receitando... Não tomo nada... Fico pensando o pior: Pode ser o início de um mal
grave? Pode virar tumor? (Durante o processo terapêutico a dor de garganta foi
substituída por dor na coluna cervical, inicio de diabetes, dores no joelho, zumbido
no ouvido... A cada novo sintoma, Eduardo se estendia, detalhadamente, descrevendo
os médicos que havia consultado, os exames que havia feito, sempre com dados
inconclusivos, jamais tomando remédios, com períodos de melhora espontânea,
seguidos de fases piores, até mudar de queixa.).
E - Sou completamente incapaz de relaxar, mesmo em fins de semana ou nas férias.
Sempre estou preocupado com alguma coisa ou com alguém. Aparentemente, sou
calmo, não deixo transparecer minha ansiedade, mas só eu sei como vivo por dentro.
E - Só estou tranquilo no trabalho. Tenho consciência de que faço um bom trabalho, sou
valorizado pelos clientes, pelos colegas de profissão, sou convidado para dar aulas
e me sinto à vontade e muito satisfeito nessa parte. Tenho preocupações normais da
profissão.

Senti-me tocado pelo sofrimento do Eduardo e impotente para propor de imediato


quaisquer procedimentos terapêuticos. Dr. Valmir o diagnosticou como uma pessoa
depressiva e portadora de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Eu identifiquei a
depressão, mas o transtorno obsessivo-compulsivo não era típico. Havia clara
preponderância de obsessões e não havia compulsões sistemáticas, com a função de
reduzir, temporariamente, os sentimentos aversivos que, tipicamente, acompanham as
obsessões. Eduardo apresentava comportamentos de fuga-esquiva em relação às pessoas,
se isolando em casa (exceto para as atividades profissionais). Ao se esquivar de pessoas,
diminuia fatores sociais, desencadeantes das obsessões (embora existissem episódios
obsessivos a partir de lembranças ou imagens vivenciadas por ele). Ao fugir das pessoas,
após as obsessões terem sido acionadas por algum encontro social, o grau de aversividade
produzido pela manutenção do contato social diminuia (embora o seu afastamento da
pessoa não alterasse, de imediato, as obsessões). A mera repetição das obsessões
produzia um grau intenso de sentimentos aversivos, que ia diminuindo gradualmente, como
se as obsessões sofressem um processo de extinção respondente e operante.
Respondente, uma vez que o pensamento obsessivo (que tem função análoga ao som,
CS, pavloviano) não era associado com a crítica ou a desaprovação social (que tem função
análoga ao choque - no caso de condicionamento aversivo - ou ao pó de carne, US,
pavloviano): operante, porque o pensamento obsessivo não era reforçado por nenhuma
conseqüência social identificável. Incapacitado, até este momento, de compreender os
mecanismos comportamentais subjacentes à queixa de obsessão, pensei que um caminho
possível era conhecer a história de contingências de Eduardo.

234 Hélio José C/uilhanJi


Estava interessado em saber como foram modelados o selecionados os primeiros
padrões comportamentais na infância, com funções análogas ou equivalentes aos padrões
índesejados no presente. Classifiquei os padrões comportamentais da queixa como
respostas de fuga-esquiva, que evitavam ou removiam conseqüências aversivas, e abandonei
a classificação topográfica de TOC. É importante esclarecer que as conseqüências tinham
para Eduardo funções aversivas, embora pudessem não ter tais funções para outras pessoas.
A função dos eventos é adquirida na história de contingências a que a pessoa foi exposta,
e tais funções permanecem enquanto não forem mudadas através de novas contingências.
O passado tem relevância no presente, enquanto as funções dos eventos, adquiridas no
passado, se mantiverem as mesmas no presente. Em outras palavras, o passado é
simplesmente o momento em que as funções dos eventos comportamentais se instalaram.
Só existe função atual dos estímulos, no presente. Assim, os comportamentos atuais não
são determinados pelo passado, mas sim pelas funções presentes dos estímulos,
adquiridas no passado, mas - o que é relevante -mantidas, até o presente momento,
pelas contingências de reforçamento que estão atuando agora (Guilhardi, 2004). Por
exemplo, o mesmo evento (luz) pode ter função de SD para um sujeito experimental, se,
na presença dessa luz, uma resposta emitida foi reforçada positivamente e, na ausência
dela, a mesma resposta foi submetida ao procedimento de extinção. Ou pode ter a função
de estímulo pré-aversivo ou aversivo condicionado para outro sujeito experimental, caso a
luz tenha sido associada à apresentação de um choque elétrico intenso, inevitável ou não.
Mudem-se as contingências no presente e as funções da luz podem ser invertidas para os
sujeitos experimentais, desde que, com alguma engenhosidade nos procedimentos, as
contingências de reforçamento também sejam invertidas.
Os comportamentos de esquiva são difíceis de serem extintos, pois o que os
mantêm é exatamente produzirem como conseqüência, quando ocorre a resposta, a não
apresentação do estímulo aversivo. Ou, por estranho que possa parecer, até mesmo quando
a resposta produz o estimulo aversivo. Pode-se afirmar, nestes casos, que não é o
comportamento que é atípico, mas as condições que o produzem. Nas palavras de Kelleher,
Riddle eCook (1963):

“Os níveis significativos de comportamento foram mantidos tão somente pela


liberação intermitente de choque elétrico inevitável. Comportamento que persiste
por causa da ocorrência repetida de um estímulo aversivo inevitável pode ser
classificado como anormal. No presente experimento, todos os sujeitos
apresentaram tal comportamento anormal e, presumivolmente, os resultados
poderiam ser replicados com outros macacos. Uma vez que o comportamento
anormal è uma ocorrência normal sob estas condições, são as condições
experimentais que são anormais. Até o ponto em que os aspectos essenciais
destas condições experimentais possam ser especificados, o comportamento
anormal pode ser entendido e controlado."2 (p. 517).
Kelleher etal. (1963) concluíram:

"Com baso nos resultados apresentados, bom como no de outras pesquisadores,


parece que uma história de condicionamento do esquiva continua ó suficiente para
estabelecer os efeitos não usuais de choques subseqüentes inevitáveis." (p. 517)

J Itálico do autor do presente texto.

Sobre Comportamento c CognicSo


De maneira cautelosa, Kelleher et at. (1963) sugeriram uma possibilidade para
explicar tal fenômeno comportamental: "Parece que os aumentos paradoxais nas respostas,
que são gerados e mantidos por choques inevitáveis, são exemplos de condicionamento
supersticioso de esquiva." (p. 516).
Catania resumiu os procedimentos e os dados de Morse e Kelleher (1966), que
avaliaram, em experimentos nos quais fugas foram explicitamente esquematizadas, a
possibilidade considerada por Kelleher etal. (1963) de que comportamento pode ser mantido,
quando respostas são seguidas por estímulos aversivos, pela coincidência acidental entre
a emissão do comportamento e o término de estímulos aversivos e pré-aversivos, ou seja,
trata-se de comportamento supersticioso de fuga. Assim, Catania (1968):

"Por exemplo, se esquema de fuga for planejado para macacos, de tal maneira
que o choque é apresentado a intervalos de 10 min e é encerrado pela primeira
resposta do sujeito experimental, o macaco não espera até o choque ser
apresentado para responder. Ao invés disso, ele começa a responder mais cedo,
e a freqüência de respostas aumenta até que o choque soja apresentado e,
então, eliminado. O desempenho é muito parecido com aquele mantido por
esquema de intervalo fixo usando reforço positivo, mas é estabelecido com reforço
negativo. Um observador desinformado, que observa o macaco respondendo
mais e mais rapidamente até o aparecimento do choque, pode assumir,
erroneamente, que as respostas estão sendo mantidas pela apresentação e
não pela eliminação do choque."(p.265). [...] "O fato de que o responder é mantido,
mesmo quando o choque é produzido pelas respostas, ao invés de apresentado
independentemente das respostas, não significa que o choque deve ser
considerado um reforçador (positivo). Outros procedimentos demonstram que
os mesmos níveis do choque são eventos punitivos para macacos." (p. 266).

São oportunos alguns comentários, a respeito da função dos dados e procedimentos


de laboratório experimental com sujeitos infra-humanos, para a prática clínica com
humanos. Segundo Skinner( 1993):

"Obviamente, não podemos predizer ou controlar o comportamento humano na


vida diária, com a precisão alcançada em laboratório, mas podemos, no entanto,
usar resultados obtidos no laboratório para interpretar o comportamento alhures.
Tal interpretação do comportamento humano na vida diária tem sido criticada
como metaciência, mas todas as ciências recorrem a algo semelhante." (...) “As
pessoas familiarizadas com pesquisas de laboratório terão melhores condições
para procurar as coisas importantes o saberão a respeito de que coisas indagar:
terão melhor compreensão daquilo que estão vendo. É por essa razão que podem
interpretar mais acuradamente a vida cotidiana. A análise de laboratório torna
possível identificar variáveis relevantes e desprezar outras que, embora
possivelmente mais fascinantes, têm, entretanto, pouca ou nenhuma relação
com o comportamento em observação. Muitos dos progressos tecnológicos
derivados do estudo do comportamento operante beneficiaram-se dessa espécie
de interpretação", (pp.194-195).

A complexidade de interpretação dos dados experimentais com procedimentos


que empregam contingências aversivas (fuga, esquiva, punição) e contingências aversivas

Hélio lose C/uilhtirdi


interagindo com contingências reforçadoras positivas (ver, por exemplo, Azrin, 1959) mostra
que a única possibilidade de compreender tais dados é conhecer a inter-relação entre as
contingências em operação. Baseado em tais evidências, foi que achei essencial mergulhar
na história de contingências a que Eduardo foi submetido. Estava interessado nas
contingências de reforçamento que operaram na vida do cliente e não no relato atual das
funções de estímulos feito por ele. Veja as respostas de Eduardo às minhas questões:

T- Quem foi a pessoa mais significativa em sua vida?


E- Com certeza, meu pai.
T- Você foi punido por ele?
E- Nunca. Nem sequer erguia a voz comigo.
T- Era carinhoso com você?
E- Muito, com palavras. Não era de me tocar, fazer carinhos. Era calmo, me explicava
tudo com paciência - mesmo quando estava exausto -, pois trabalhava em dois
empregos para sustentar a casa.
T - Era presente...
E - Sempre. Sabia tudo o que eu fazia. Conferia minhas lições e me ajudava nas tarefas,
perguntava por onde eu havia andado durante o dia, controlava o que eu comia, me
incentivava para praticar esportes, todo domingo me levava à feira, lá comíamos
pastéis, fazia tudo pelo meu bem.
E - Se tivesse que dizer alguma coisa: era muito exigente. Consigo mesmo, também.
Um perfeccionista em tudo que fazia.
T - Que sentimentos você tem por ele hoje?
E - De muito amor. Ele viveu para a família e como sou filho único, toda a sua dedicação
era para mim. Tenho ainda hoje saudades dele.
E - Era igual com minha mãe. Se davam muito bem. Nunca os vi brigando.

A partir das respostas de Eduardo, pode-se concluir que descreve o pai com amor
(mais que as palavras transcritas acima, o modo de falar sobre o pai deixou muito claro os
sentimentos carinhosos que tinha por ele). Eu, porém, estava interessado em conhecer
as contingências de reforçamento que prevaloceram na vida do cliente. Os comportamentos
e sentimentos são função das contingências de reforçamento em operação, quer se tenha
conhecimento (consciência) ou não delas, ou seja, quer se consiga descrevê-las ou não.
Os estudos experimentais, repito, vêm revelando que não é a presença de um choque
(evento usualmente tido como aversivo) ou de um elogio (evento usualmente tido como
reforçador positivo) o que importa, mas as relações de contingências entre os eventos
antecedentes, as ações do organismo e os eventos conseqüentes. Eu estava em busca
de tais relações. Assim, como exemplo, um comportamento de esquiva, bem sucedido,
evita o contato com o evento aversivo (é como se ele tivesse deixado de existir) e o
sentimento que acompanha o reforçamento negativo é de alívio, que pode ser confundido
- se as contingências que o produzem não forem diferenciadas - com prazer. Acrescente-
se que a contingência de fuga-esquiva pode estar associada com conseqüências com
características de reforço positivo social generalizado, temporalmente associadas com a
mesma resposta de fuga-esquiva. Considere a seguinte situação: tirar nota alta numa
prova evita a crítica (fuga-esquiva) e, ao mesmo tempo, produz elogio (que pode ter função

Sobre Comporfdmcnlo c (.'oflníçJo


de estimulo roforçador social generalizado). Tais associações de contingências são muito
difíceis de serem diferenciadas pela pessoa e podem, enganosamente, levar à conclusão
de que o comportamento de estudar e o produto comportamental, nota alta, são mantidos
por reforço positivo, ao invés de reforço negativo.
Pedi a Eduardo que me narrasse fatos da infância dos quais se lembrasse. Não
estava, basicamente, interessado em eventos que lhe contaram. Estava deixando para
um segundo plano comportamentos intraverbais; estava mais interessado em tactos verbais
genuínos. Meu objetivo era, a partir das verbalizações de Eduardo, compor contingências
de reforçamento que operaram durante a infância e tentar encontrar alguma regularidade
nos controles de comportamento a que foi submetido.

"A coleção de fatos é apenas um primeiro passo em uma análise científica.


Demonstrar as relações funcionais, um segundo. Quando as variáveis
independentes estão sob controle, tais relações levam diretamente ao controle
da variável dependente. No caso presente, controle significa terapia... Os passos
quo devem ser dados para corrigir uma determinada condição de comportamento
seguem-se diretamente de uma análise dessa condição. Se podem ser
efetivadas dependo, ó claro, de se sabor se o terapeuta tem controle sobre as
variáveis relevantes". (Skinner, 1967, p.208).

Como controle de estímulo adicional para evocar tactos verbais da infância, passei
a chamá-lo, nas ocasiões em que narrava os episódios passados, de Júnior, como era
chamado pelo pai. O início de meu relato no presente capítulo, de fato, começa neste
ponto do processo terapêutico. Voltamos ao final da década de 40. Todos os fatos narrados
nas primeiras páginas ocorreram entre 1948 e 1949... Estavam tão vivos na memória de
Júnior e foram narrados com tantos detalhes e emoção, que me envolveram inteiramente.
Parecia que eu estava assistindo a um filme. Os tactos verbais de Júnior eram perfeitos. E
lá estavam as respostas para as minhas questões. As funções que os eventos da vida de
Júnior adquiriram na infância estavam preservadas até hoje. O pai não existia mais
fisicamente, mas os eventos sociais tinham para Júnior, até hoje, as mesmas funções que
o pai lhes atribuiu. O pai não estava presente, mas as contingências às quais ele manejou,
sim. Júnior se encarregou de mantê-las atuando em si mesmo.
Uma frase de Skinner (1967) mostra-se oportuna neste ponto do artigo:

"Seria difícil provar que todas essas manifestações sejam devidas à história de
contingências punitivas (a que o cliente foi exposto durante seu desenvolvimento
comportamental)’ . Mas são conseqüências plausíveis, levando-se em conta os
controles aversivos descritos, e pode-se recorrer à história anterior, se não se
encontrar outra variável que explique o comportamento. (Se o comportamento
não tiver conexão com uma história como essa, ainda menos virá a ser explicado
em uma análise científica)." (p.214)

Sabe-se que as contingências de reforçamento produzem estados corporais - emoções


e sentimentos. Contingências coercitivas crônicas produzem estados corporais que podem
prejudicar o estado de saúde corporal do indivíduo. Eduardo pode estar sob controle, quando
relata os sintomas, de manifestações orgânicas produzidas pelas contingências às quais

3 Parênteses do autor do presente texto.

I lólio José C/uilluirili


responde presentemente. A intensidade das reações e dos comportamentos sob controle dos
estados corporais atuais, deve estar sob controle da história de contingências, basicamente
regras formuladas pelo pai, que se tornaram auto-regras. Convém lembrar que Eduardo foi
modelado a ficar sob controle de aspectos muito sutis do ambiente, como forma de evitar
conseqüências aversivas e de obter ganhos sociais. É provável que tenha generalizado a
capacidade de responder a sutilezas do ambiente físico e ao comportamento de outras pessoas,
para manifestações igualmente sutis do funcionamento do próprio organismo. A citação seguinte
de Skinner (1967) permite uma clara conceituaçáo das queixas somáticas de Eduardo:

"Respostas emocionais freqüentes ou crônicas das glândulas e dos músculos


lisos, podem prejudicar a saúde do indivíduo. Distúrbios do aparelho digestivo,
incluindo úlceras, e reações alérgicas (o mesmo raciocínio se aplica a muitos outros
sintomas)* tém sido atribuídos a respostas de medo, ansiedade, raiva ou depressão.
Algumas vezes, são denominadas doenças ‘psicossomáticas’, O termo acarreta a
infeliz implicação de que a doença ó efeito da mento sobro o corpo. As vezes, ó
correto dizer que um estado emocional causa um distúrbio médico, como quando
uma resposta crônica das glândulas ou músculos lisos produz uma mudança
estrutural, como uma úlcera, mas tanto a causa como o efeito são somáticos, não
psíquicos. Além disso, um dos primeiros elos da cadeia causal permanece sem
idontificação. O estado emocional que produz a doença devo ser explicado e tratado.
As variáveis manipuláveis das quais, ambos, a causa somática e o efeito somático,
são funções, permanecem na história ambiental do indivíduo. Alguns "sintomas"
psicossomáticos são meramente efeitos paralelos de uma causa comum antorior.
Por exemplo, um ataque asmático não é o efeito da ansiedade, é parte dela.”* (p 205).

Permanece, no entanto, a questão sobre quais procedimentos terapêuticos


poderiam ser adotados em favor do cliente. Nas palavras de Skinner (1967):

"O terapeuta, eventualmente, pode ‘ver o que está errado’ e ser capaz de sugerir
um curso de ação corretiva; essa é a solução do problema. Hoje, a experiência
terapêutica tem mostrado que, quando essa solução é proposta a um indivíduo,
pode não ser eficiente, mesmo que, até onde saibamos, seja correta. Mas, se o
paciente chega sozinho à solução, é muito mais provável que adoto um curso de
ação eficiente... ‘Achar uma solução' não é terapia, não importando quem faz a
descoberta, Contar ao paciente que ele está errado pode não trazer nenhuma
mudança substancial nas variáveis independentes relevantes e, por isso, pode
representar pouco progresso em direção à cura. Quando o próprio paciente vê que
está errado, não é o fato de que a solução partiu dele que é importante, mas o quo
importa é que, para descobrir sua própria solução, seu comportamento, com
relação ao problema, deve ser alterado enormemente... Uma solução que parte do
sujeito representa assim um considerável grau de progresso... A terapia consiste
não em levar o paciente a descobrir a solução para o seu problema, mas em
mudar o paciente, de tal modo que ele seja capaz de descobri-la."" (pp. 215-216).

O procedimento terapêutico teve por objetivos, basicamente, levar Eduardo a


conhecer que:
* Parênteses do autor do presente texto.
B Itálicos do autor do presente texto.
* Itálicos do autor do presente texto.

Sobro Comportamento c Cofiniç.lo


1. Prevaleceram contingências coercitivas no desenvolvimento de sou repertorio
comportamental, a partir da interação que teve com o pai;
2. A maior parte do repertório comportamental que apresentou e vem apresentando é
de fuga-esquiva;
3. Teve pouco contato com conseqüências aversivas, pela eficiência do repertório de
comportamentos de fuga-esquiva que desenvolveu, mas as contingências que
prevaleceram eram aversivas;
4. A maior parte do seu comportamento é governado por regras e que ó pouco sensível
às conseqüências naturais do comportamento;
5. Há necessidade de substituir auto-regras impróprias (que descrevem de modo incorreto
ou exagerado as contingências sociais) por auto-regras descritivas das contingências
sociais.

Os procedimentos consistiram em:


1. Fortalecer a relação entre o terapeuta e Eduardo, valorizando com comentários,
elogios, as descrições das contingências que ele - saiba ou não - maneja, bem
como os comportamentos adequados, como profissional, pai e marido;
2. Evitar todo e qualquer tipo de punição para comportamentos de queixa;
3. Evitar sugerir diretamente qualquer tipo de procedimento; os procedimentos deveriam
ser propostos por ele, a partir das análises e comentários do terapeuta. Os
procedimentos que o terapeuta usou para gerar as mudanças comportamentais com
beneficio terapêutico para Eduardo foram: fadingin de análises progressivamente
mais complexas; e reforçamento positivo diferencial para comportamentos por ele
emitidos;
4. Evitar qualquer crítica aos comportamentos do pai;
5. Transformar os tactos, sobre as interações que teve com o pai, em descrições de
contingências e de comportamentos e sentimentos que tais contingências produziram,
sem expressar nenhum julgamento sobre adequacidade ou inadequacidade do pai;
6. Trazer o pai para a sessão - de maneira imaginária, como se estivéssemos os três
presentes - e propor para o pai (mas, de fato, falando com Eduardo), alterações nos
comportamentos do pai e dele. As questões eram dirigidas ao pai e em seguida o
terapeuta perguntava: - O que você acha que seu pai responderia? - Você acha que
ele compreenderia nossos argumentos? O cliente, sob controle do terapeuta, deveria
emitir verbalizações como se fosse o pai, e a função que se pretendia é que o pai
propusesse novas regras para o Júnior. Em suma, ao invés de o terapeuta corrigir
auto-regras de Eduardo, o pai do Júnior lhe propunha novas regras que, se aceitas,
se tornariam novas auto-regras para Eduardo. Veja alguns exemplos:
T - Eduardo (pai), se eu lhe dissesse que faria bem para seu filho ir jogar futebol além do
riacho, pela importância que ele tinha para o time e pela felicidade que ele sentiria
jogando, você o autorizaria a ir?
T - Júnior, o que você acha que seu pai me responderia?
J - Acho que ele era uma pessoa sensata e, ouvindo isso de um psicólogo, ele concordaria.
T - Eduardo (pai), você acha certo o que seu filho fez? Não lhe pediu para ir jogar e fez um
papel feio com os amigos?

240 |£|j0 jos£ C/uilhardi


T - Júnior, o que vocô acha que seu pai me responderia?
J - Se ele tivesse me explicado tudo isso, eu o deixaria ir. Só recomendaria para não se
afastar dos amigos e voltar pra casa assim que acabasse o jogo.
T - Eduardo (pai), se um psicólogo lhe dissesse que fazer as coisas com muita perfeição
(correto sim; bonito nem tanto) causaria muita ansiedade no seu filho e que isso
poderia tirar dele prazeres da vida (brincar, por exemplo), você concordaria em
minimizar as exigências para o essencial?
T - Júnior, o que você acha que seu pai me responderia?
J - Eu queria o melhor para ele. Nunca pensei que o melhor poderia ter um lado ruim. Eu
me via no meu filho: queria que fosse correto e dedicado como eu era. Concordo que
poderia ser menos exigente. Ninguém me alertou para isso.
T - Eduardo (pai), você não acha que ensinou seu filho a pensar exageradamente nos
outros? Você não queria que ele magoasse ninguém, que dissesse ‘não’, que
defendesse um ponto de vista próprio. Com isso ele acabaria se anulando. Enfrentar
os outros com critérios justos e de forma cordial, embora firme, desenvolve pessoas
assertivas, seguras etc.
T - Júnior, o que você acha que seu pai me responderia?
J - Pensava que, quando ele crescesse, ele mudaria. Nunca me ocorreu que, se desde
pequeno eu ensinasse submissão, quando adulto ele seria submisso ou inseguro.
Na verdade, queria que ele fosse educado, cordial; nunca me ocorreu que, ao tentar
fazer uma coisa, eu acabasse por produzir outra. Eu próprio sempre fui autêntico e
direto. Era isso que eu queria para meu filho.

Este procedimento se estendeu por inúmeros temas, nos quais a gênese das auto-
regras de Júnior foi sendo compreendida por ele. O procedimento foi conduzido de tal maneira
que Eduardo, o pai de Júnior - representado no papel de pai pelo próprio cliente durante as
sessões -, foi concordando com a introdução de alterações nas relações que teve com o filho.
Júnior e o pai, uma só pessoa, eram ouvintes do terapeuta e falantes para o terapeuta. O pai de
Júnior (ou o próprio Júnior) foi alterando as regras que enunciou no passado - apresentou novas
descrições de contingências, incorporando nelas as questões e sugestões do terapeuta -, as
quais podenam, a partir de então, ser transformadas por Júnior em novas auto-regras atuais. Tal
procedimento foi sendo, progressivamente, alterado: o terapeuta e Eduardo passaram a dialogar
diretamente sobre as regras que ele havia aprendido através da história de contingências a que
foi exposto, excluindo o pai como agente intermediário (fading ou tdo pai das sessões).
Do ponto de vista conceituai, os procedimentos descritos no item 6 envolveram
um procedimento de fading out do controle do pai sobre Júnior, na formulação de novas
regras, e fading indo controle do terapeuta sobre Júnior, na formulação de novas regras.
O procedimento envolveu, portanto, o rompimento do controle do pai sobre o comportamento
de Júnior (tal controle do pai permanecia presente ainda hoje, apesar de o pai ter morrido
há mais de 10 anos, na forma de auto-regras presentes que governavam o comportamento
de Júnior), sem romper a relação afetiva entre Eduardo Júnior e o pai.

R esultados
Eduardo ficou sob controle das descrições feitas pelo terapeuta e sobre as
contingências que prevaleceram durante sua infância, nas inter-relações que teve com o

Sobro Comport.imcnlo o Cognição


pai. Apresentou, na sessão, novos exemplos de interações com o pai, nas quais os
mesmos princípios comportamentais estavam atuando, mas agora sendo capaz de, por si
mesmo, analisar a função dos eventos no contexto:

Todos os domingos - com chuva ou sol - íamos à foira. Uma atividade obrigatória
era comer pastel. Meu pai me dizia: "Peça pastel de queijo. Não sabemos a
qualidade da carne que eles usam. O pastol de palmito tom uma massa de
farinha dentro, nom dá para saber onde está o palmito." Eu, a vida inteira, só comi
pastol de queijo. Elo nem precisava mais me dizer qual pastel pedir: Eu ia sozinho
e pedia de queijo. O pior é que eu achava tudo certo e achava que ou gostava de
pastel de queijo. Ele dizia: "Peça seu pastel." E ou, sem hesitar, pedia de queijo.
Eu me sentia escolhendo o que eu queria. Na verdade, sem perceber, era o que
ele queria. Não me sentia obrigado a pedir o que podia. Também não variava a
escolha. Eu acroditava tanto nele, que só comia pastel de queijo, sem que ele me
mandasse. Queria, às vezes, comer algodão doce, mas fazia "mal para os dentes";
pipoca, mas ele nunca me sugeriu pipoca, nem eu lhe pedi. Eu achava tudo
certo Não percebia que não tinha Iniciativa, que não o contrariava. Achava tudo
certo. Era para ser assim mesmo.

Vou dar um exemplo de como ele me ensinou a pensar primeiro nos outros, sem
poder usar meus critérios de certo-errado. Um domingo, eu entrei em casa atrás
dele e bati a porta da rua (para fechá-la). Ele me disse que eu havia sido sem
educação, porque bati a porta na cara do vizinho. O vizinho, quando entramos em
casa, vinha vindo pela calçada e deveria estar em frente de casa, quando bati a
porta. Meu pai me mandou ir até a casa dele e pedir desculpas pela minha falta
de educação. Achei aquilo exagerado, mas obedeci. Até o vizinho estranhou meu
pedido de desculpas...

Júnior ficou sob controle das funções de tais contingências, que aprendeu na
infância, para produzir as classes de comportamentos e sentimentos que o atormentavam
presentemente. Verbalizou: - Agora sei porque sou assim. É incrível como a compreensão
da origem dos meus problemas e do meu sofrimento me libertou. Hoje penso diferente
sobre minha relação com as pessoas. Sinto-me livre delas. Sinto-me livre dos meus
pensamentos. Esse problema está superado.
As queixas sobre os sintomas físicos não desapareceram e Eduardo continua perseguindo
médicos e exames clínicos e laboratoriais. O progresso, porém, pode ser observado a partir da
verbalização dele: - Às vezes, tenho certeza de que não tenho nada. Meus sintomas pioram
quando não estou bem ou estou preocupado (numa linguagem técnica, quando prevalecem
contingências coercitivas, ele fica mais sob controle de sinais orgânicos, eventualmente produzidos
por tais contingências). Se estou tranqüilo, eles desaparecem. Entendi que tenho que resolver
ou me desligar dos problemas, não dos sintomas. Isso nem sempre consigo na hora.

A lg u n s c o m e n tá rio s sobre o papel das reg ra s e a u to -re g ra s sobre o


co n trole de com portam entos e sentim entos.

De acordo com Skinner (1993), o comportamento pode ser modelado ou selecionado


pelas conseqüências naturais que ele produz ou governado por regras e auto-regras (ou
por uma combinação de ambas as condições):

I lélio José C/uilhcirdi


"Uma pessoa que esteja seguindo uma orientação, aceitando um conselho,
prestando atenção a um aviso, obedecendo a leis e regras, não se comporta
exatamente da mesma maneira que outra que tenha sido exposta diretamente às
contingências, porque uma descrição das contingências nunca é completa ou
oxata (usualmente ó simplificada para poder sor ensinada ou compreendida com
facilidade) e porquo as contingências de apoio raras vezos são mantidas
plenamente. O aprendiz que maneja o fole, simplesmente porquo o pagam para
fazê-lo, não o maneja como se fosso diretamente afetado pela condição do fogo...
Os sentimentos associados com as duas espécies de comportamento também
são diferentes, mas não explicam a diforonça dos comportamentos " (p. 110).

As implicações dos controles sobre o comportamento humano, que Skinner


diferenciou nas linhas acima, são de fundamental importância para compreender a origem
das queixas de Eduardo. A maior parte do comportamento dele foi instalada e mantida por
regras propostas pelo pai e pelas conseqüências advindas do pai, as quais Eduardo produzia
ao seguir tais regras. Os comportamentos do pai de Eduardo impediam amplamente que
o repertório comportamental do filho entrasse em contato e fosse influenciado pelas
conseqüências naturais produzidas pelas respostas. As conseqüências para as ações de
Eduardo eram predominantemente arbitrárias - escolhidas e liberadas por um agente
social, de acordo com critérios e valores do pai (aquilo que lhe era reforçador ou aversivo).
Eduardo teve um desenvolvimento comportamental alienado, em grande extensão, das
conseqüências naturais de reforçamento. Segundo Skinner (1993):

"As regras nunca são as contingências que descrevem: permanecem sendo


descrições e sofrem as limitações inerentes ao comportamento verbal. Uma
proposição é 'verdadeira' na medida em que ajuda o ouvinte a responder efetivamente
à situação que ela descreve. A descrição dada pelo falante funciona como substituto
do controle direto pelo ambiente que a gerou, e o comportamento do ouvinto nunca
pode exceder o comportamento controlado pela situação descrita" (p.199).

A fim de sistematizar melhor o que ocorreu com Júnior, pode-se dizer que regras
são descrições de contingências do tipo se... então, emitidas por uma agência controladora
(o pai, no caso de Júnior), e que têm para o ouvinte a função de estimulo discriminativo, ou
seja, segui-las produz conseqüências reforçadoras de duas fontes: da agência controladora
(por ter seguido a regra) e da própria situação, que fornece conseqüências reforçadoras,
desde que a regra seja uma descrição correta da contingência. Assim, por exemplo, quando
uma mãe diz ao filho "Vista o casaco", ela se refere à seguinte contingência: se você vestir
o casaco, então evitará passar frio (reforçamento negativo pela evitação da conseqüência
aversiva natural do frio). Ao mesmo tempo, seguir a regra (equivale a obedecer a mãe) - seja
ela adequada ou não (pode não estar frio) - evita uma punição da mãe pela desobediência
(reforçamento negativo pela evitação de uma conseqüência aversiva arbitrária). As regras
podem descrever contingências reais e, assim, podem ajudar a pessoa a lidar mais
eficientemente com seu ambiente: ela alcançará mais facilmente reforçadores positivos ou
evitará reforçadores negativos, sem ter que entrar em contato com eles. As regras podem
ser arbitrárias e não descrever contingências reais. Se forem seguidas, tornarão as pessoas
alienadas do seu contexto de vida, poderão desenvolver medos, fobias, inseguranças, rituais
etc. desnecessários ou, até mesmo, prejudiciais para o desenvolvimento da pessoa.
Em geral, as regras acabam se tornando auto-regras. Auto-regras são SDs verbais
que a pessoa emite para si mesma e que, como as regras, descrevem uma ou mais

Sobre Comportiimcnlo e C'oRni{'<lo 243


contingências de reforçamento. Inicialmonte, as auto-regras devem ter tido o status de
regras emitidas por outra pessoa. Posteriormente, a pessoa passa a ser capaz de emitir
as suas próprias auto-regras, por generalização ou a partir de suas experiências com
contingências de reforçamento.
A pessoa adquire um amplo conjunto de regras e auto-regras que governam
comportamentos e sentimentos. Pode-se sistematizar o funcionamento de tais regras e
auto-regras, esquematicamente, da seguinte maneira:

A. Evento real tem a função de um SD (estimulo discriminativo) ou SDp (estímulo


discriminativo de que a resposta produzirá uma contingência de punição, de acordo
com a nomenclatura proposta por O'Donnell, 2001), que estabelece a ocasião para:
B. Emissão de comportamentos encobertos: pensamentos, fantasias etc., observáveis
exclusivamente pela pessoa que se comporta. E, ao mesmo tompo:
C. Emoções e sentimentos: em geral observáveis apenas pela pessoa que os sente. E,
ao mesmo tempo:
D. Emissão de comportamentos públicos ou verbalizações sobre sentimentos: ações
explícitas observáveis por outras pessoas, além daquela que se comporta.

Quando prevalecem, dentro do conjunto de regras e auto-regras, aquelas que


descrevem incorreta ou incompletamente as contingências, ou são idiossincráticas,
revelando peculiaridades funcionais do agente que elaborou a regra ou auto-regra (aquilo
que lhe é reforçador ou aversivo têm pouca generalidade para outras pessoas), pode-se
dizer que o conjunto é alienante, ou irracional, ou neurótico etc. O que torna um conjunto
alienante ó que, em função da história de contingências de reforçamento da pessoa em
particular, o evento real inicial possui a função de desencadear os itens B, C e D tais que:
a. São de a/fa probabilidade para aquela determinada pessoa; mas são de baixa
probabilidade para outras pessoas da comunidade social em que o indivíduo está
inserido. Exemplo: ao cometer um erro (evento real), a pessoa passa a pensar que
os outros vão considerá-la incapaz, que ela não será mais merecedora de afeto
daqueles que a cercam etc.; passa a se sentir culpada, ou deprimida, ou ansiosa; e,
finalmente, se engaja em comportamentos exagerados de correção (fuga-esquiva):
se desculpa excessivamente, se sacrifica para fazer coisas que demonstrem seu
interesse, capacidade etc.
b. Os comportamentos e estados corporais apresentam função aversiva, produzem
sofrimento e tornam altamente prováveis respostas de fuga-esquiva que removam ou
reduzam temporariamente a condição aversiva (ocorre reforçamento negativo).
c. As respostas de fuga-esquiva não alteram a função do evento inicial, logo, toda vez
que um evento dessa mesma classe voltar a ocorrer, todo o processo comportamental
se reiniciará.

Considere um exemplo da história de contingências de Júnior para ilustrar o


funcionamento do paradigma acima:
A. Evento real. Júnior ó criticado pelo pai por ter feito a lição com "letra feia", sem
respeitar as margens etc. E o pai emite um mando verbal: - Faça a lição de novo,
com letra bonita...;

244 I iclio José Quilhdriii


B. Emissão do comportamentos encobertos. Pensamentos tais como: “Meu pai está
decepcionado comigo."; “Magoei meu pai."; "Ele quer o melhor pra mim e eu não
consigo corresponder à expectativa dele" etc.;
C. Emoções e sentimentos. Júnior se sente "ansioso", “preocupado”, "culpado", ocorrem
mudanças corporais quando o pai fala com ele: o coração acelera, sente falta de ar,
começa a suar excessivamente etc. Tais estados corporais se fortalecem novamente
quando o pai chega à noitinha para verificar a lição feita à tarde;
D. Emissão de comportamentos públicos. Júnior realiza a tarefa, escreve, avalia se a
letra está bonita ou não, se está respeitando as margens ou não, apaga, refaz,
apaga, refaz, até considerar o produto de seus comportamentos acadêmicos
adequados para os critérios do pai, porém sem nunca ter certeza de que os atendeu,
até o pai aprovar a lição.

Em suma, o evento real desencadeia pensamentos e sentimentos que causam


desconforto para a pessoa, sendo, em diferentes intensidades, aversivos para ela. A pessoa
se engaja em comportamentos de fuga-esquiva que reduzem o desconforto. Tais
comportamentos (se desculpar, refazer prontamente o trabalho etc.) são reforçados
negativamente pela alteração na situação real que deu origem ao processo comportamental:
o pai elogia a lição feita, diz que a letra está bonita etc. (a critica não ocorre), e os
pensamentos e sentimentos aversivos são enfraquecidos ou desaparecem após o elogio
do pai (eventualmente, como alivio - sentimento que acompanha um comportamento de
fuga-esquiva bem sucedido pode ocorrer satisfação - sentimento que acompanha um
comportamento reforçado positivamente).
O que é importante sinalizar é que a avaliação que a pessoa (no presente caso
Júnior) faz da situação real é arbitrária e ocorre em função de sua história de contato com
contingências de reforçamento (que são, em geral, contingências coercitivas). Assim,
uma frase de um pai sobre a tarefa do filho, pode aparentar a forma de crítica e, no entanto,
ter diferentes funções para diferentes filhos. Pode ser:
a. SD: evento que sinaliza que uma nova resposta de fazer a lição produzirá
conseqüências reforçadoras positivas; ou
b. SDp: evento que sinaliza que qualquer resposta de fazer a lição sofrerá uma
conseqüência punitiva; ou
c. S pré-av.: evento que sinaliza que uma nova resposta de fazer a lição evitará (ou
cessará) a apresentação de conseqüência reforçadora negativa (aversiva); ou
d. S delta: evento que sinaliza que nenhuma conseqüência se seguirá à resposta, não
havendo necessidade de alterá-la.
Uma vez que o sistema de regras e auto-regras alienantes foi instalado por
contingências de reforçamento manejadas, de forma arbitrária, pelas pessoas relevantes do
contexto social em que a pessoa se desenvolveu, esse mesmo sistema pode sor alterado
por novas e diferentes contingências manejadas por uma comunidade social diferente da
original, por exemplo, pelo terapeuta. Nesta possibilidade se baseia o processo de desconstruir
e reconstruir o sistema de crenças, alienantes ou não, de determinada pessoa.
Para concluir, pode-se afirmar que Eduardo Júnior adquiriu e vinha tendo grande
parte do repertório de queixas comportamentais e sentimentos aversivos associados a partir
de contingências coercitivas utilizadas pelo pai, que geraram no cliente um eficiente e amplo
repertório de fuga-esquiva, que o protegeu de entrar em contato direto com conseqüências

Sobre Comportamento c CogniçAo


aversivas provindas do pai. O mesmo repertório de fuga-esquiva produzia consoqüôncias
sociais generalizadas, na forma de atenção, elogio, aprovação etc. (usualmente, estímulos
considerados reforçadores positivos generalizados), estabelecendo uma contingência de
reforçamento positivo supersticiosa, não discriminada como tal pelo cliente. As contingências,
que controlam o comportamento, controlam-no quer a pessoa tenha ou não conhecimento
delas. "Não precisamos descrever as contingências de reforço a fim de sermos afetados por
elas", escreveu Skinner (1993, p. 111). Pode-se dizer que Eduardo Júnior estava inconsciente
das contingências de reforçamento que controlavam seus comportamentos. Uma pessoa
torna-se consciente, quando uma comunidade verbal organiza contingências em que a pessoa
não apenas fica sob controle dos comportamentos que emite e dos sentimentos que
experiencia, como fica sob controle das contingências de reforçamento que produzem ambos.
Tal afirmação significa ser capaz de descrevê-los (comportamentos, sentimentos e
contingências de reforçamento) e alterá-los. O papel do terapeuta é exatamente o de tornar
o cliente consciente dos comportamentos, sentimentos e de seus determinantes. As
contingências sociais manejadas pelo pai adquiriram função de regras para ação efetiva por
parte de Eduardo Júnior dentro do mundo familiar e afetivo, com eventuais confirmações
funcionais vindas do mundo externo ao familiar (por exemplo, quando a professora aprovava
tarefas caseiras, algum adulto elogiava as boas maneiras do menino etc.). As regras editadas
pelo pai - basicamente arbitrárias e idiossincráticas - tornaram-se auto-regras, que passaram
a governar os comportamentos de Eduardo Júnior, mesmo na ausência do pai. O papel do
terapeuta consistiu em substituir a força funcional de tais auto-regras, romper o controle
originado na relação entre Eduardo Júnior e o pai, sem romper a relação afetiva com o pai,
que se mantém muito amado pelo filho. Daí a estratégia terapêutica de esvanecer (fading
out) o poder do controle do pai e introduzir (fading in) o controle do terapeuta, ainda na forma
de regras formuladas pelo terapeuta, inicialmente com a aprovação funcional do pai, e
finalmente sem a presença funcional deste, até o ponto em que Eduardo Júnior passasse a
entrar em contato com as contingências naturais dos comportamentos emitidos e se tornasse
sensível às conseqüências naturais, adquirindo, desta forma, um repertório de comportamento,
selecionado por tais conseqüências, amplo, associado - mas não limitado - a repertório
comportamental governado por regras e auto-regras.

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Sobrc Comporl.imcnlo e Coflniçilo


Capítulo 23

Conservação de quantidades
discretas em crianças não
conservadoras: Efeitos do Treino
Explícito de conservação na aquisição
da habilidade de conservar1
/aio dos S,in/os C\irnnf

As investigações sobre aprendizagem de noções matemáticas devem a Jean


Piaget (1896-1980) o status e o reconhecimento atingidos na atualidade. Piaget inaugurou
um ampio e complexo programa de pesquisa cuja finalidade principal era o desenvolvimento
de uma epistemologia genética, ou seja, de uma epistemologia das origens do
conhecimento humano. Com Piaget e seus colaboradores, em particular Alina Szeminska
e Barbei Inhelder, pesquisas foram realizadas para investigar como surgiam e de que
forma se caracterizavam algumas aquisições chamadas de lógico-aritméticas, dentre elas
a gênese do conceito de número e a noção de conservação de quantidades contínuas e
descontínuas. Os trabalhos iniciais de Piaget e colaboradores fizeram surgir uma série de
novos estudos, alguns dos quais produziram dados corroborando os achados inicias do
grupo de Genebra (como era conhecido o grupo de pesquisadores que trabalhavam com a
perspectiva da epistemologia genética, liderado por Piaget), enquanto outros apresentam
informações ou interpretações em desacordo com a teoria inicial.
Particularmente relevantes são os estudos acerca de um princípio lógico-aritmético
chamado de conservação de quantidades, tanto contínuas quanto descontínuas ou
discretas (Piaget e Szeminska, 1941/1964)3. No presente texto será enfatizada a noção

1 Trabalho apresentado no Simpósio Fundamentos do Comportamento Matemático: contribuições e


controvérsias, durante o XIII Encontro Brasileiro do Psicoterapla e Medicina Comportamental /II Encontro
Internacional da ABA, Campinas-São Paulo-Brasil. agosto de 2004.
1 Universidade da Amazônia - UNAMA. E-mail para contato: p)sc@lris.ufscar br
3 O primeiro ano (1941) refere-se à primeira edição original em francôs; o segundo ano (1964) refere-se á
terceira edição brasileira consultada.

)o<lo dos Sdntos Carmo


de conservação de quantidades descontínuas a partir de uma releitura dos estudos
piagetianos, tendo como base o enfoque da Análise do Comportamento. Para tanto,
advertimos os leitores que não é nossa intenção apresentar, no presente texto, uma tradução
comportamental da abordagem cognitivista de Piaget, o que seria praticamente impossível
dadas as características epistemológicas e conceituais bastante diferenciadas; porém,
pretende-se partir da noção de conservação estudada pelo grupo de Genebra e apontar
algumas críticas metodológicas e tecer algumas considerações de pesquisa que nos
parecem bastante pertinentes, e que foram geradas a partir de estudos experimentais
descritos ao longo do capítulo.
A conservação de quantidades discretas refere-se à noção de que a quantidade
de itens em uma coleção permanece inalterada qualquer que seja a distribuição espacial
dos itens, desde que não haja acréscimo ou retirada de qualquer item. A alteração da
quantidade, neste caso, só pode ocorrer pela adição ou pela subtração de itens à coleção.
Tal noção pode ser usada, por exemplo, para julgar se duas coleções possuem a mesma
quantidade de itens ou se há alguma com mais ou com menos itens, independente de
alterações na disposição espacial de seus elementos. Para Piaget, a noção de conservação
era fundamental para o desenvolvimento do conceito de número em crianças, pois se
encontrava na base do que chamou de classificação lógica (inclusão de classes) e seriação
de relações assimétricas (ordenação de grandezas), sendo o número uma espécie de
síntese entre classificação e seriação.
Piaget e seus colaboradores desenvolveram estudos pioneiros sobre conservação
de quantidades e sugeriram, com base nos resultados apresentados pelos sujeitos em
tarefas padronizadas, três tipos gerais de desempenhos’ 1) Algumas crianças poderiam
apresentar a noção de conservação; 2) Outras seriam tipicamente não conservadoras e 3)
Outras ainda não teriam aquela noção desenvolvida a contento. Em seus estudos, crianças
conservadoras, não conservadoras e intermediárias apresentavam idades variadas, porém
em geral as náo conservadoras eram as mais novas, na faixa etária entre três anos e meio
a cinco anos, e seus julgamentos estavam sob controle de dimensões ii relevantes das
coleções como, por exemplo, a extensão e a densidade dos objetos de cada coleção.
Resumidamente, Piaget e Szeminska (1964) aplicaram alguns testes de
conservação de quantidades discretas a algumas crianças cujas idades variavam de três
anos e seis meses a nove anos. Os testes consistiam em solicitar ao sujeito que dissesse
se duas coleções (com igual número) de contas continham ou não a mesma quantidade.
As coleções diferiam apenas quanto à cor das contas (uma coleção possuía contas verdes,
enquanto a outra possuía contas vermelhas). A questão era proposta em diferentes
momentos, após algumas manipulações, diante da criança, feitas pelo experimentador,
como: colocar as contas em recipientes de igual tamanho; espalhá-las sobre a mesa;
colocá-las em recipientes de diferentes tamanhos; relacioná-las uma-a-uma (relação termo-
a-termo ou biunívoca). Além disso, a criança era requisitada a dizer porquê chegou a uma
ou outra conclusão, isto é, por que considerava que as coleções continham a mesma
quantidade ou estavam alteradas quanto à quantidade.
Conforme visto anteriormente, Piaget e Szeminska (1941/1964) classificaram os
sujeitos em três grupos, de acordo com o desempenho nos testes de conservação. O
primeiro grupo era composto por crianças não-conservadoras, cujas idades variavam de três
anos e seis meses a cinco anos. No segundo grupo, estavam as crianças que apresentavam
um desempenho intermediário entre conservação e não conservação. A idade dos sujeitos
nesse grupo variou entre cinco anos e um mês e cinco anos e dez meses. As crianças do
terceiro grupo apresentavam conservação e suas idades variavam entre cinco anos e meio e

Sobre (.'omport.imcnlo c Cognlçdo


novo anos. As crianças náo-conservadoras baseavam seu julgamento em dimensões
irrelevantes das coleções, ou seja, na extensão e na densidade de objetos de cada coleção.
A quantidade de itens não controlou o julgamento desses sujeitos.
As contribuições de Piaget e seus colaboradores quanto à identificação e descrição
de habilidades lógicas presentes no repertório de seus sujeitos são, sem dúvida, relevantes.
Seus estudos, poróm, geraram controvérsias no meio acadêmico ao propor que o
desenvolvimento cognitivo das crianças se dá através de estádios, os quais caracterizam-se
por aquisições e limitações de habilidades apresentadas pelas crianças. Embora tenha
expressado em mais (te uma oportunidade que os estádios são flexíveis e não são delimitados
pela idade, Piaget deixa claro, também, o que deve ser esperado em cada estádio. Para ele,
crianças pertencentes ao estádio das operações concretas seriam, tipicamente, não-
conservadoras uma vez que, em seus estudos, as crianças pertencentes a esse período
não demonstraram entender que a quantidade de itens em uma coleção não se altera quando
há transformações na disposição espacial dos mesmos. Três questões podem ser levantadas
em relação a esta afirmação. Primeiramente, pode-se questionar acerca da necessidade de
descrever o aumento de repertório em termos de etapas de desenvolvimento cognitivo. Apesar
de Piaget nunca ter desprezado o papel do ambiente, este fica em segundo plano em sua
teoria, em detrimento das funções biológicas do indivíduo. Em segundo lugar, delimitar urna
faixa etária correspondente a uma determinada aquisição, por mais flexível que seja esta
delimitação, é pouco parcimonioso. Em terceiro lugar, o número de sujeitos não conservadores
(cinco), participantes do estudo de Piaget e Szeminska (1964), parece ser muito pouco para
qualquer critério de generalidade dos dados.
Por outro lado, ao tratar-se a conservação genericamente como sendo uma
habilidade, pouco se diz sobre o que esta habilidade envolve. Assim, proponho que conservar
é um repertório comportamental complexo constituído pelos seguintes componentes:
1. Relacionar cada item de uma coleção a um e somente um item de outra coleção
(estabelecer a correspondência termo-a-termo);
2. Verbalizar qual coleção possui mais itens ou se são iguais em quantidade;
3. Diante de uma nova disposição espacial dos itens de uma coleção, manter o mesmo
julgamento quanto á quantidade, caso não haja acréscimo ou retirada de algum
item. Em outras palavras, o julgamento deve ficar sob controle da quantidade de
itens e não de qualquer outra dimensão irrelevante (cor, tamanho dos itens, extensão
ou densidade dos itens no espaço etc.);
4. Caso haja acréscimo ou retirada de itens em uma coleção, estabelecer a
correspondência termo-a-termo e verbalizar qual coleção possui mais itens, ou qual
coleção possui menos itens;
Ao invés da relação um*para-um (correspondência termo-a-termo), pode-se usar a
contagem em qualquer um dos casos acima. Na situação particular de só haver uma coleção,
a contagem parece ser a única forma apropriada de identificar alterações na quantidade de
itens em uma coleção; embora alguns argumentem que pequenas quantidades, até cinco,
não precisam ser contadas, pois são subitizadas, isto é, percebidas automaticamente.
Evidentemente a subitizaçào, considerando-se que seja um fato, estaria limitada a alguns
fatores como tempo de exposição dos itens, arranjo espacial, tipo de itens.
A contagem, considerada uma das primeiras aquisições matemáticas das crianças
pertencentes à nossa cultura (Nunes e Bryant, 1997: 21-22), é por si só, um repertório
altamente complexo. De acordo com Gelman e Gallistel (1978:77-82), a contagem envolve
as seguintes ações:

loão dos Santos Carmo


1) Estabelecer uma seqüência verbal estável de contagem a cada vez que se conta
(um, dois, três, quatro etc)
2) Relacionar cada item de uma coleção a um e somente um rótulo verbal ou numérico;
3) Identificar o rótulo verbal dado ao último item de uma coleção como equivalente à
quantidade de itens dessa coleção;
4) Respeitadas as ações 1 e 2, diante de uma coleção, iniciar a contagem por qualquer
um dos itens, seguindo uma seqüência qualquer, com possibilidade de mudanças a
cada contagem;
5) Contar os itens de uma coleção, independente de os itens serem ou não do mesmo
tipo, ou seja, objetos diferentes podem ser reunidos a fim de serem contados (este
principio pode ser chamado de generalização, referindo-se ao principio comportamental
de aprendizagem).

Vê-se, portanto, que para falar em conservação de quantidades discretas, é


necessário considerar os vários componentes comportamentais da mesma. Nesse caso,
sugerimos que sua aprendizagem estaria diretamente relacionada á aquisição das
habilidades que a compõem.
Alguns estudos procuraram apontar variáveis que poderiam interferir nos
desempenhos de crianças conservadoras e não conservadoras. Bisanz, Dunn e Morison
(1995), por exemplo, verificaram se a idade e a escolarização seriam variáveis cruciais na
aquisição de respostas de conservação, e concluíram que a escolarização estaria apenas
indiretamente ligada á aquisição da conservação; a idade, porém, foi apontada como
importante já que os sujeitos mais velhos apresentaram melhor desempenho nas tarefas
propostas. Galpert e Dockrell (1995), hipotetizaram que, além do arranjo espacial dos
itens de uma coleção, o não entendimento da intenção do experimentador ao propor as
tarefas de conservação seria fator relevante no desempenho final dos sujeitos. Os resultados
de seu estudo, porém, não confirmaram suas expectativas. Roazzi e Bryant (1997), por
outro lado, apontaram como variável crucial a linguagem utilizada pelo experimentador
durante as tarefas propostas. Caracteristicamente nenhum dos estudos questionou a
classificação tradicional feita por Piaget e seus colaboradores; ao contrário, parece que a
maioria dos estudos trata a classificação entre não-conservadoras, intermediárias e
conservadoras, como sendo um fato. Daí procurarem apenas identificar variáveis em relação
às quais as respostas de conservação estariam sob controle.
A possibilidade de crianças classificadas como não-conservadoras apresentarem
conservação ainda é pouco questionada. Halford e Boyle (1985) sugerem que as crianças
no período operacional-concreto apresentam, sim, algum conhecimento sobre a conservação,
embora não descartem que sua aquisição faça parte de um processo gradual. Resnick
(1988) sugere que algumas crianças podem se enganar devido à linguagem do experimentador
ou a falsas dicas perceptuais, embora já possuam um entendimento básico de adição,
subtração e conservação. Para Fuson (1988) se estimularmos as crianças a contarem os
itens das coleções como forma de comparar as quantidades, poderemos obter resultados
diferentes em termos de um melhor desempenho das crianças ditas não-conservadoras.
Cowan, Foster e Al-Zubaidi (1993), trabalhando com crianças de cinco anos e meio a
sete anos e meio de idade, forneceram inicialmente um pré-teste de conservação a fim de
determinar se usavam ou não a contagem para comparar os elementos de duas filas com
comprimentos enganadores. Então, dividiram as crianças em quatro grupos. No primeiro grupo
ensinaram as estratégias de contagem e correspondência termo-a-termo para aquelas que não
usaram a contagem durante o pré-teste, mostrando-lhes explicitamente que as duas estratégias

Sobre Comport.imenlo e CotfnlvJo 251


conduziam ao mesmo resultado. No segundo grupo, as crianças foram instruídas a contar os
elementos e, somente depois, fazer o julgamento, recebendo feedback positivo caso fizessem
julgamentos corretos. Nos dois últimos grupos, as crianças também eram ensinadas a contar,
porém não comparavam seus resultados com outras estratégias, nem recebiam conseqüências
positivas para seus acertos. Após isso, todos os quatro grupos foram submetidos a um pós-
teste semelhante ao pré-teste, demonstrando um aumento nos julgamentos corretos, sendo
que as crianças dos grupos experimentais apresentaram melhora no desempenho mais do que
as crianças dos grupos de controle. Esses resultados indicam a possibilidade de se estabelecer
respostas apropriadas de conservação mesmo em crianças cujas idades as enquadrariam no
período operacional-concreto. O mesmo efeito poderia ser obtido em crianças mais novas?
Os dados até aqui apresentados, sugerem que as experiências a que uma criança
estaria exposta poderiam determinar uma aprendizagem mais rápida ou mais demorada de
conservação, bem como de outras habilidades. Não haveria, desse modo, necessidade de
se atingir um suposto estágio de desenvolvimento para que essas habilidades pudessem
ser verificadas.
O objetivo do presente estudo foi verificar se um treino explícito das habilidades
que compõem o repertório de conservação poderia alterar o desempenho de crianças
consideradas não-conservadoras4. Um objetivo complementar foi verificar se o novo repertório
estabelecido poderia se manter com a passagem do tempo.

Método
Participantes: Participaram como sujeitos dez crianças, estudantes de pré-escola,
pertencentes à classe sócio-econõmica média e que não possuíam história prévia de
participação em experimentos. O critério de seleção para participação no estudo foi a
ausência da noção de conservação, verificada a partir das tarefas piagetianas de
conservação de quantidades discretas. O sexo e as idades dos sujeitos, à época do
experimento, eram: S1 (Uf, 4a)5; S2 (Cm, 4a:2m); S3 (Rf, 4a:3m); S4 (Jf, 4a:4m); S5
(Gf, 4a:4m); S6 (Ff, 4a:9m); S7 (Ym, 4a:10m); S8 (Rf, 4a:11m); S9 (Tf, 5a:3m); S10 (Lf,
5a: 11 m). A participação das crianças foi expressamente autorizada por seus pais.
Ambiente e Situação Experimental: Após prévio acordo com os pais dos sujeitos e de acordo
com a disponibilidade de tempo e de espaço físico, as sessões experimentais foram
realizadas em um dos seguintes ambientes: sala do serviço de psicologia, na escola
freqüentada pela criança; sala da residência de uma das crianças; sala da residência de
um dos experimentadores. Em todos os casos houve o cuidado na escolha de um
horário em que não houvesse possibilidades de interferência de qualquer natureza,
mantendo-se a sala isolada da presença de outras pessoas estranhas ao experimento.
Durante uma sessão típica, um experimentador e o sujeito sentavam lado a
lado, em uma mesa, ficando o experimentador sempre à direita do sujeito. Outro
experimentador filmava a sessão através de uma filmadora JVC de 12 mm.
Houve duas sessões para cada sujeito. A primeira era composta por pré-testes
de contagem e de conservação; treino das habilidades de conservação; pós-teste de
conservação semelhante ao pré-teste. Na segunda sessão, que ocorria cerca de um mês
4 UmH versôo reduzida do presente relato foi apresentada em Castro, Lima e Carmo (2000).
* Optou-se pela utilização do seguinte código para indicação do sexo e idade dos sujeitos: a primeira letra
refere-se ao prenome; a segunda letra refere-se ao sexo; em seguida temos a idade do sujeito em anos o
meses. Doravante, os sujeitos serâo chamados de S1, S2, S3 ...

252 lotio dos Santos Carmo


e meio após a primeira, aplicava-se o mesmo teste de conservação, porém com estímulos
diferentes daqueles usados na primeira sessão. O objetivo da segunda sessão era duplo:
verificar se o repertório de conservação de cada sujeito mantinha-se com a passagem do
tempo e se a habilidade de conservar era estendida a outros estímulos. Os detalhes
acerca de material, estímulos e procedimento de cada etapa serão descritos a seguir.
Pré-Teste de Contagem: o objetivo desta etapa foi identificar se os sujeitos possuíam a
habilidade de contar, uma vez que as tarefas de conservação poderiam ser realizadas
através de contagem.
O material utilizado foi uma folha de papel madeira medindo 70 x 58 cm, afixada
sobre a mesa a fim de que os estímulos fossem visualizados com clareza. Os
estímulos eram dez fichas plásticas retangulares, na cor azul, medindo 2 x 5 cm,
sem nenhum caractere impresso em ambas as faces.
Inicialmente o experimentador espalhava as fichas sobre a mesa e dizia ao sujeito:
“agora vou dizer um número e quero que vocô retire o mesmo número de fichas que eu
disser, ok?". Em seguida, o experimentador verbalizava o valor de um número entre 1
e 9. Após o sujeito ter retirado um certo número de fichas e dito ao experimentador que
havia acabado, este recolocava as fichas e ditava um novo número, tendo o cuidado de
não seguir uma ordem fixa, crescente ou descrente. Para cada sujoito houve quatro
solicitações. Não havia nenhum feedback programado para erros ou acertos.
Pré-teste de Conservação. O objetivo deste teste foi selecionar os sujeitos não- conservadores.
Utilizou-se o mesmo material do pré-teste anterior. As tarefas propostas foram as tarefas
clássicas de conservação de quantidades discretas desenvolvidas por Piaget e Szeminska
(1941/1964). Para cada sujeito foram apresentados quatro problemas. No primeiro, o
experimentador mostrava duas fileiras com cinco fichas em cada, arranjadas paralelamente
de tal forma que compartilhavam da mesma extensão e densidade (ver quadro I). A
seguir, perguntava: "há alguma fila que tem mais fichas ou elas são iguais em quantidade?”.
Após a verbalização do sujeito, o experimentador alterava a distribuição espacial de uma
das fileiras (a mais próxima do sujeito), espaçando seus elementos, e indagava do
sujeito: “E agora, vocô acha que tem alguma fila com mais fichas ou são iguais em
quantidade?". Após a resposta, o experimentador tornava a alterar a fileira, condensando
seus elementos, isto é, aprozimando-os entre si. A alteração do arranjo espacial sempre
era feita à vista do sujeito. Ao todo foram feitas três alterações seguidas da mesma
pergunta. Não era fornecido nenhum feedback para erro ou acerto.
Quadro 1
Manipulações Realizadas durante as Tarefas de Conservação de Quantidades Discretas

(1) Filas com mesma dimensão (2) Espaçando uma das filas

O O O O O

(3) Condensando uma das filas W Condensando as duas filas

w w w w w

oocoo oocoô
Sobre Comportamento c CoRniçílo 253
Treino de Conservação. Esta etapa consistiu em um ensino explícito das habilidades de
conservação de quantidades discretas. Três aspectos caracterizaram o treino: 1)
Uso de instruções explícitas acerca da tarefa a ser realizada: 2) Feedback verbal
imediato para erros e acertos; 3) Aumento progressivo da quantidade de itens em
cada fileira; 4) A passagem para outras etapas do treino só era possível depois de
vencida a etapa em andamento; 5) Uso de contagem ou de relação termo-a-termo,
dependendo do desempenho do sujeito no pré-teste de contagem: aos que haviam
apresentado contagem em seu repertório, ensinava-se a comparação entre conjuntos
através dessa habilidade; aos que não sabiam contar, ensinava-se a comparação
entre conjuntos através da relação um-para-um.
Os estímulos utilizados foram os mesmos dos pré-testes. A única mudança foi a
introdução de uma folha de papel madeira, medindo 70 x 58 cm, com dois círculos
desenhados sobre a superfície a fim de delimitar simbolicamente dois conjuntos
onde seriam inseridos os estímulos.
Inicialmente, o experimentador transmitia ao sujeito as seguintes instruções: "Agora
nós vamos colocar um outro papel por cima deste (a folha usada no pré-teste). Este
papel tem duas bolas desenhadas. Esta bola aqui é minha (apontando para o círculo
mais próximo de si), e essa aí é a sua bola (apontando para o círculo mais próximo
do sujeito). Agora nós vamos usar novamente as fichinhas". As fichas permaneciam
amontoadas próximas aos círculos. A seguir, o experimentador pedia que o sujeito
colocasse uma ficha em um dos círculos e perguntava: "em qual destas bolas tem
mais fichas?". Caso o sujeito acertasse, recebia um elogio verbal. O experimentador,
então, dizia: "você vai me dizer agora o que eu faço para que esta outra bola fique
com o mesmo número de fichinhas que a outra". Caso acertasse, elogio verbal era
liberado. Tanto na primeira quanto ria segunda solicitação, os erros eram
consequenciados negativamente através de feedback verbal e, em seguida,
apresentava-se novamente a questão. Estas tarefas eram repetidas até que houvesse
em cada círculo um total de cinco fichas. O critério de aumento de fichas era de dois
acertos consecutivos para a quantidade em vigor.
Um procedimento de ajuda era utilizado caso o sujeito demonstrasse incompreensão
da tarefa: contagem ou relação um-para-um. Na contagem, solicitava-se ao sujeito
que contasse as fichas de um dos círculos e, depois as fichas do outro círculo. A
seguir, perguntava-se: “quantas fichinhas têm aqui? (apontando para um dos círculos).
E aqui? (apontando para o outro círculo). Caso o sujeito verbalizasse a quantidade
incorreta, o experimentador dizia: "Não. Conte novamente, desta vez prestando mais
atenção". Assim que o sujeito verbalizasse corretamente as quantidades, era solicitado
para que dissesse se algum dos círculos possuía mais fichas ou se eram iguais em
quantidade. Na relação um-para-um, o experimentador apontava para uma ficha de
um dos círculos e, em seguida, arrastava-a lentamente para o espaço entre os círculos.
Depois fazia o mesmo procedimento com a ficha do outro círculo que se encontrava
na mesma direção da primeira, de tal forma que as fichas ficavam bastante próximas,
formando pares. Na medida em que arrastava as fichas, o experimentador dizia:
"esta (apontando para uma das fichas) casa com esta (apontando para a outra ficha)".
Tanto na contagem quanto na relação termo-a-termo, o experimentador, esvanecia
sua ajuda à medida que o sujeito demonstrasse contar ou relacionar os estímulos
sem precisar das instruções e demonstrações do experimentador.

Joilo dos Santos Carmo


Pós-teste de Conservação. Tanto o material quanto os estímulos foram os mesmos
utilizados no pró-teste. O objetivo desta etapa foi verificar se o treino explícito havia
possibilitado a aquisição das habilidades de conservar pelos sujeitos. Embora fosse
semelhante ao pré-teste de conservação, uma importante variação foi introduzida:
além de alterar a disposição espacial dos estímulos em uma das fileiras, em algumas
tentativas o experimentador, sem que o sujeito notasse, retirava uma ficha da fileira
que estava sendo alterada, de modo a que as fileiras não mais apresentassem a
mesma quantidade de estímulos.
Teste de Generalização e Follow-Up. Cerca de um mês e meio após a primeira sessão,
os sujeitos foram submetidos a mais um conjunto de testes, os quais objetivavam
verificar a estabilidade do novo repertório e a generalização da conservação para
outros estímulos. O material utilizado foi a folha de papel madeira sem círculos
desenhados. Os estímulos foram doze objetos facilmente encontrados no dia-a-dia
das crianças: uma caixa de fósforos vazia; duas bolas de linhas pequenas; duas
fichas plásticas redondas; dois dados; um prendedor de cabelo; dois dados e duas
estrelas confeccionados com cartolina. Além desses objetos, havia cinco algarismos
1 e cinco algarismos 9, confeccionados em cartolina. O procedimento utilizado foi o
mesmo do pós-teste de conservação.

Resultados e Discussão.
A Figura 1 apresenta um gráfico contendo os desempenhos das crianças em
cada uma das etapas de teste: pré-testes de conservação; pós-teste de conservação;
follow-up (seguimento).
Como pode ser visto,
nenhum dos sujeitos
apresentava a noção de
conservação no início do
• 1*1*-1 W lf
experimento. Eram, segundo a
■ l ’ i S a - l 'm c
linguagem piagetiana, sujeitos
□ l olim <(lp
não-conservadores e de acordo
com a faixa etária pertenciam
ao período ou estágio das
operações concretas. O gráfico
permite uma comparação em
F igura 1 Ruaultnrio comparativo Intra e Intorm ipltr» dorant« aa ntapaa
termos de sujeito como seu
(I prA-tenln, pôs toatci o loKow up
h próprio controle e, também,
uma comparação intersujeitos.
Note-se que S1, S4, S5 e S6
não conseguiram realizar adequadamente nenhuma das tarefas propostas no pré-teste,
ficando o desempenho dos demais participantes abaixo do esperado. Apenas S2, S4 e S7
apresentavam a contagem em seus repertórios no início do experimento (pré-teste de
contagem); entretanto tal habilidade não foi utilizada durante o pré-teste de conservação.
Durante o treino, o participante S9 apresentou dificuldades em seguir os comandos e
exemplos dados. Os demais sujeitos seguiram adequadamente os comandos e
repetiram os exemplos dados pelo experimentador. Dois participantes apresentaram

Sobro Comportamento c Cot}niç»lo


dificuldades em entender as expressões "mais", “menos" e dois não sabiam,
inicialmente, utilizar o conceito de igualdade. Dessa forma, para cada participante
houve variação quanto ao tempo de exposição ao treino de conservação.
Após a etapa de treino, os resultados do pós-teste (Figura 1) destacam que todos os
participantes apresentaram um desempenho superior ao pré-teste, com exceção de
S9. No follow-up, S1, S2, S4 e S10 continuaram com o mesmo desempenho do pós-
teste, enquanto S6 apresentou uma ligeira queda em seu desempenho. Os demais
participantes apresentaram um aumento no desempenho, possivelmente explicado
em função de exposição a atividades escolares previstas no currículo programático.
Os resultados demonstram que todos os sujeitos apresentaram a noção de
conservação no pós-teste, indicando que o procedimento de ensino aqui utilizado foi eficaz
no estabelecimento do repertório de conservação. Durante o follow-up, todos os participantes
apresentaram a manutenção do repertório, indicando que o procedimento de ensino não
foi eficaz apenas no momento inicial.
A presente pesquisa apresenta implicações teóricas ao tentar explicar o surgimento
da noção de conservação com base nas pistas ambientais e no enriquecimento do ambiente
de aprendizagem. Com isso, contrapõe-se à noção piagetiana de estágio de
desenvolvimento e fortalece dados da literatura que apontam para a possibilidade de ensino
desse e de outros repertórios, independentemente da idade dos sujeitos.
Algumas questões, entretanto, ainda permanecem em aberto:
1. O fato de algumas crianças ter apresentado dificuldades quanto ao entendimento dos
comandos verbais ou, mais estritamente, dificuldades no entendimento de expressões
como “mais", "menos” e "igual", deverá gerar novos estudos com manipulação do tipo
de pergunta feita pelo experimentador. Neste sentido, estamos conduzindo em nosso
laboratório alguns experimentos que visam identificar o efeito que o tipo de pergunta
apresentada á criança tem sobre seu desempenho em tarefas de conservação de
quantidades discretas. É possível que linguagem utilizada pelo experimentador seja
uma variável que dificulte ou impeça o desempenho adequado da criança;
2. Outra possibilidade de investigação ó quanto ao número de vezes em que a mesma
pergunta é feita, diante de manipulações realizadas em uma das fileiras. É possível
que esta seja uma variável que gere confusão no participante. Perguntar várias vezes
a mesma coisa pode levar o participante a supor que sua resposta está errada ou
que o experimentador está querendo outro tipo de resposta;
3. Finalmente, novos estudos precisam ser conduzidos a fim de replicar os achados da
presente pesquisa, ampliando a discussão em torno do ensino direto da noção de
conservação de quantidade para crianças que seriam consideradas como tipicamente
não conservadoras.
Estamos ainda no início do caminho, mas os resultados já se mostram promissores,
principalmente quando olhamos para as implicações educacionais que poderão advir, além
das discussões teóricas que poderemos adicionar à questão do desenvolvimento cognitivo
infantil. Nosso primeiro passo foi a operacionalização da habilidade de conservação de
quantidades discretas. Em seguida acrescentamos dados que corroboram os resultados
estudos já publicados, os quais apontam para a possibilidade de que a noção de
conservação é uma habilidade possível de ser ensinada diretamente a crianças que
supostamente pertenceriam a um estágio de desenvolvimento cognitivo no qual aquela

Jo«lo dos Santos Carmo


habilidade estaria ausente. Novas pesquisas deverão ser conduzidas com o propósito de
replicar os dados e identificar variáveis de procedimento que possam aumentar o controle
sobre as respostas dos participantes.

Referências
Cowan, R.; Foster, C. M.; Al-lubaidi, A. S. (1993). Encouraging children to count. British Journal of
Developmental Psychology. 1, 411-420.
Fuson, K. C. (1988). Children's counting and concept of number. New York: Springer Verlag.
Gelman, R.; Gallistel, C. R. (1978). The child's understanding of number. Massachussets: Harvard
Press.
Halford, G.; Boyle, F. M. (1985). Do young children understand conservation of number? Child
Development, 56, 165-176.
Nunes, T; Bryant, P. (1997). Crianças fazendo matemática. Porto Alegre: ArtMod.
Piaget, J; Szeminska, A. (1964). A gênese do número na criança. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar.
(Original francês de 1941).
Resnick, L. B. (1988). Developing mathematical knowledge. American Psychologist, 44, 162-169.

S o b re C o m p o r l.im c n lo c C o fliilç Jo
Capítulo 24

Refazendo a história de vida: quando


as contingências passadas sinalizam
a forma de intervenção clínica atual.
Amo Viccntc i/cSoum

A partir de análises funcionais o terapeuta comportamenta! identifica as variáveis


determinantes dos comportamentos do seu cliente e estabelece estratégias de intervenção.
Desenvolver repertórios mais adaptativos, reduzir freqüência de comportamentos
disfuncionais, promover fontes variadas de reforçamento, desenvolver regras mais efetivas,
são exemplos de objetivos comumente estabelecidos na relação terapêutica. Saber o que
deve ocorrer a partir da análise de contingências tem sido bem explorado na literatura (e.g.
Sturmey, 1996; KohlenbergeTsai, 1991; Guilhardi, 2004). No entanto, saberoquedeve
acontecer não explicita como fazer para que isto ocorra e, nesse ponto, a literatura ó
mais escassa (Follette, Naugle e Linerooth, 2000). A dúvida se aplica tanto em como
produzir as mudanças quanto em como levar o cliente a produzi-las. Por exemplo, imagine
uma pessoa que se sente inferiorizada e tem grandes dificuldades nas relações sociais. A
ausência de contatos sociais deixa-a depressiva, com regras autodepreciativas, insegura,
etc. Desenvolver relações interpessoais satisfatórias seria, portanto, fundamental para
melhorar a sua qualidade de vida. Isto incluiria um aumento na freqüência de atitudes
sociais mais efetivas e uma diminuição nas formas ineficazes de interações. Saber que
isto deveria ocorrer não indica necessariamente como fazê-lo. Bastaria dizer para o cliente
que ele precisana aumentar suas relações interpessoais1? Tentaria, o terapeuta, desenvolvê-
las a partir da sua relação com o mesmo? Fariam ensaios comportamentais no consultório?
Tentaria mostrar ao cliente a inadequação de suas regras em relação a si e sobre a

*IIBAC: Instituto Braslliense de Análise do Comportamento UnICEUB/DF


1 Embora freqüente, este tipo de conselho nâo ó recomendado, pois pode-se estar pedindo para o cliente
fazer algo que realmente nâo saiba, mesmo por que. se soubesse, provavelmente já o teria feito.

lotío Viccntc ilc Sousa Marçal


aversividade dos contatos sociais? Usaria a dessensibilização sistemática? Estimularia a
pessoa a experimentar o contato social gradativamente?
Como agir é uma dúvida muito comum entre os clínicos iniciantes. Observa-se
também que os recursos para intervenção comumente usados por terapeutas mais
experientes, foram, em sua grande maioria, modelados ao longo do tempo a partir da
relação direta com os clientes.
Alguns modelos clínicos desenvolvidos a partir dos princípios da análise experimental
do comportamento, tendo como suporte o behaviorismo radical de Skinner e estando voltados
para os settings das terapias verbais, vieram a constituir o que poderia ser chamada de
Análise Comportamental Clínica2(Vandenberghe, 2001). Recentemente sistematizados (em
média há duas décadas), têm contribuído para solucionar esses problemas ao apresentarem
estratégias para a conduta terapêutica (e.g. Kohlenberg e Tsai, 1991; Hayes, Strosahl e
Wilson, 1999; Cristensen e Jacobson. 2000). Estas estratégias, como os próprios autores
afirmam, não são aplicadas a todos os casos clínicos, sendo comum os profissionais
utilizarem-nas como uma, dentre outras ferramentas de interpretação e intervenção.
Na análise comportamental clínica, o comportamento é explicado a partir de relações
funcionais históricas e determinado de acordo com um modelo de seleção por conseqüências.
Matos (1997), apresenta algumas características básicas do behaviorista radical:

"Por lidarmos com explicações funcionais e não causais, o importante ó coletar


informações ao longo do tempo, isto é, informações repetidas do mesmo evento
o com os mesmos personagens ...” (Matos, 1997, p. 41).
"... Ao coletarmos registros ao longo do tempo dovemos comparar o desempenho
do sujeito consigo mesmo, sua história passada é sua linha de base. A
interpretação do behaviorista radical ó sempre histórica." (Matos, 1997, p.41).
A determinação do comportamento, portanto, não é vista como sendo originada
dentro do organismo, mas na sua história de interação com o ambiente; a história de
contingências. Explicações baseadas apenas em relações contíguas, típicas de modelos
dualistas, criam a necessidade de um agente causal interno e terminam negligenciando a
experiência passada na explicação do comportamento atual (Chiesa, 1994).
Outras técnicas para mudanças comportamentais na clínica já haviam sido
desenvolvidas há mais tempo e têm sido apresentadas por diversos autores ao longo dos
anos (e.g. Wolpe, 1981; Rim e Masters, 1983; Bandura, 1979; Lazarus, 1980). Esses
procedimentos foram, e ainda são, muito utilizados por terapeutas comportamentalistas,
embora muitas dessas técnicas sejam embasadas em pressupostos teóricos incompatíveis
com o behaviorismo radical, como no caso de técnicas cognitivas (Hawton, Salkovskis, Kirk
e Clark, 1997) ou do contra-condicionamento respondente para fins de mudanças internas
no organismo (Wolpe, 1981). Outras técnicas são mais adequadas para ambientes não
clínicos, como no caso das manipulações de comportamentos-alvo em ambientes
específicos, da forma como são feitas, por exemplo, em algumas instituições para pessoas
com retardo mental, transtornos invasivos do desenvolvimento e outros (Vandenberghe, 2001).

Variação e seleção
Comportamentos mais adaptativos são assim considerados em função das
conseqüências que produzem em determinadas situações. Uma ação pode ser adaptativa
1 Vandenberghe utiliza o termo Análise Clinica do Comportamento para o mesmo termo referido nesle texto:
Clinicai Behavlor Analysis.

Sobre Comport«imcnlo c C ormíç J o


om uma dada circunstância e náo ser em outra, ou mesmo num determinado momento e
não em outro. A seleção natural e a seleção por conseqüências preparam o indivíduo para
viver em um ambiente semelhante ao que ele viveu anteriormente. Mudanças ambientais
freqüentemente requerem do organismo a apresentação de novos repertórios. Para haver
seleção deve haver variabilidade. Skinner (1938 e 1966) afirma que a variabilidade ó uma
resposta adaptativa à mudança em potencial do ambiente, sendo importante para a própria
sobrevivência das espécies. Os processos de variação e seleção, que resultam na
adaptação de um organismo ou espécie ao meio ambiental, caracterizam a filogênese e a
ontogênese do comportamento (Skinner, 1981). Por exemplo, quando reforçadores estão
ausentes ou pouco freqüentes, variar comportamentos aumenta as chances do indivíduo
mudar o ambiente e melhorar a situação (Page & Neuringer, 1985).
Um dos grandes desafios clínicos é a produção desta variabilidade, principalmente
aquela que leve à obtenção de reforços. Algumas condições podem impedir ou dificultar a
variabilidade comportamental, como por exemplo: forte controle por regras, caracterizando
insensibilidade às contingências (Abreu-Rodrigues & Sanábio-Heck, 2004); longa exposição
à mesma contingência de reforçamento, levando à estabilidade comportamental (Cirino,
2001); ambientes inapropriados para modelagem de novos comportamentos3; história de
punição por se comportar diferente; variáveis motivacionais inadequadas4e outros fatores.

Análise Histórica
Embora a análise das contingências atuais seja importante para compreender as
variáveis mantenedoras dos comportamentos, elas não explicam como estas contingências
passaram a exercer controle. Perkins, Hackbert e Dougher (2000) atentam para o fato de
que isto é sempre uma questão relevante para os clientes e a respostas podem ter benefícios
terapêuticos importantes. Por exemplo, ao analisar as condições de vida de um cliente
que fica calado em várias situações, pode-se identificar que essas atitudes são muito
funcionais no seu emprego e que também trazem benefícios na relação com a esposa e a
família, No entanto, a análise baseada apenas nas contingências atuais poderia ser
insuficiente para responder questionamentos do tipo: os comportamentos foram adquiridos
nestes ambientes ou já estão presentes há muito tempo em sua vida? Qual a probabilidade
de ocorrência destes em situações diferentes? Houve situações em que não ocorreram?
Quais contextos favoreceram a aquisição? Pessoas do seu trabalho que estiveram nas
mesmas condições ao longo dos anos desenvolveram estas características? Por que
alguns não passaram a apresentá-las? Qual a função histórica destes comportamentos?
Em alguns modelos comportamentais tradicionais, a ênfase das intervenções está na
análise das condições atuais em que o indivíduo se encontra, havendo pouca investigação nas
condições passadas, como no caso das terapias oognitivo-comportamentais (Hawton, Salkovskis,
Kirk e Clark, 1997) ou no uso de técnicas de autocontrole (Rimm & Masters, 1983, cap. 10).
Mas, se o objetivo é intervir nas contingências atuais, até que ponto o conhecimento
das variáveis históricas poderia favorecer uma proposta de mudança? O que fazer a partir do
autoconhecimento histórico? Para Skinner, (1953, 1993) saber de quais variáveis nossos
comportamentos são função, deixa-nos numa posição privilegiada. No entanto, isto não implicaria
necessariamente em se ter capacidade para mudar atitudes ou sentimentos próprios.

1Ambientes em que novas respostas tôm pouca probabilidade de reforçamento ou elevadas chances de punição.
4 Elevado custo de resposta para a mudança; baixo treino em auto controle; poucos reforçadores sinalizados;
enfim, operações estabelecedoras insuficientes.

João Vicente dc Sousa Marçal


A multideterminação do comportamento e os efeitos múltiplos que o mesmo tem no
ambiente permitem variadas interpretações clinicas (Perkins, Hackbert e Dougher, 2000).
Estratégias diferentes podem chegar a resultados semelhantes. Num raciocínio selecionista,
esta variabilidade ó importante para a sobrevivência do modelo clinico comportamental pois
aumenta as chances de seleçào em inúmeras situações aplicadas. Terapeutas com orientação
analítico-comportamental têm tido, cada vez mais, acesso a referências nesta área.
O que vai ser apresentado a seguir tem por objetivo enfatizar a ocorrência de
mudanças a partir da experiência em novos contextos, desenvolvendo naturalmente
comportamentos mais adaptativos em uma pessoa. Os contextos escolhidos são
sinalizados a partir do que a pessoa viveu, sendo, no entanto, diferentes dos que já ocorreram.
A idéia não é de simplesmente anular as experiências passadas, que também trouxeram
comportamentos importantes para as situações atuais, mas de acrescentar novas
experiências que modelem repertórios mais adaptativos, proporcionem novas operações
estabelecedoras e condicionem novos estímulos. O método enfatiza o papel da história
geral de vida como determinante do que se deveria fazer atualmente. Algumas etapas do
raciocínio clínico serão apresentadas para que se compreenda o processo como um todo.

R aciocínio c lín ic o
Um analista clínico do comportamento, ajuda o seu cliente a entender o por què
da sua maneira de ser. As interpretações devem se basear na história de reforçamento e
nas variáveis de controle atuais (Kohlenberg e Tsai, 1991). Alcançada esta etapa, o cliente
já está em um nivel de autoconhecimento diferenciado e muito menos alienado sobre os
determinantes dos seus comportamentos, além de raciocinar mais em termos
funcionalistas. Nesta etapa, é muito comum eíe apresentar as seguintes indagações:
"Faz muito sentido tudo isto ... como eu me comporto, a relação com minha história e a
vida que eu estou levando atualmente. ... mas, e agora? O que eu faço para mudar?".
Logicamente que esta é uma pergunta bem pertinente e deverá levar o terapeuta a
apresentar várias propostas, tal como apresentado no inicio deste texto.
O raciocínio aqui proposto será apresentado seguindo um exemplo clínico.
- Susi5é uma mulher que está tendo problemas de relacionamento no trabalho e
também em algumas relações mais próximas incluindo marido, filhos e amigos. Sente-se
esgotada emocionalmente e acha que isto não terá fim, pois não vê solução para seus
conflitos. Ao buscar ajuda módica foi diagnosticada como tendo o transtorno obsessivo-
compulsivo. O processo terapêutico iniciou-se com a identificação de várias características
comuns nessa pessoa:

Padrões comportamentais:
forte controle por regras do tipo "quando começo uma coisa tenho que ir até o final", ‘lenho
sempre que dar o melhor de mim", "as coisas têm sempre que ser muito bem feitas":
é inflexível em muitas situações da vida: pontos de vista, atitudes etc.
• é extremamente produtiva:
responsabiliza-se por tudo;
busca constantemente o autocontrole, incluindo pensamentos e sentimentos;

8Nome fictício.

Sobre Com portiim cnlo c CoiinivAo


assume mais tarefas do que deveria;
espera que os outros ajam da mesma forma;
gosta de tudo organizado;
muito exigente consigo e com os outros;
Perfeccionista, detalhista. Refaz tarefas no trabalho e em casa inúmeras vezes quando
acha que não está perfeito.
Etc.
Sua história revela os seguintes dados:
pai e mãe sempre foram exigentes e muito preocupados com organização;
Susi sempre foi reforçada negativamente por cumprir exigências;
sendo a mais velha, sempre assumiu responsabilidades na casa e também pelos
irmãos mais novos;
sempre foi valorizada por ser organizada, boa aluna, responsável, “correta".
teve muitos ganhos por ser bastante dedicada e disciplinada naquilo que fazia (elogios,
excelente desempenho na escola, no trabalho e naquilo que se propunha fazer);
regras dos pais: "o que começou tem que terminar", "cada um colhe o que planta",
“cada um tem o que merece".
Susi sempre foi valorizada em função dos seus comportamentos, numa espécie de
amor condicional.
Pais criaram forte expectativa sobre a filha. Da mesma forma os colegas, outros
familiares e, conseqüentemente, ela mesma.
Enorme dificuldade de estar em situações de ócio ou mesmo lazer.
Etc.

Contingências atuais
Vida profissional com muitas exigências, favorecendo a dedicação constante. Esta
dedicação leva a bons resultados, que por sua vez contribuem para o surgimento de
novas exigências.
Em casa e no trabalho assume muitas coisas e as pessoas já estão acostumadas
com isso. "Ninguém sabe fazer melhor". Isto torna as pessoas destes ambientes
mais acomodadas ou passivas, o que aumenta a sua exigência de trabalho.
Os contextos em que vive são sinalizadores constantes de ameaças relacionadas
ao não ser eficiente, ser improdutiva, não ter sucesso, não dar conta do recado,
decepcionar a si e a todos. Este controle aversivo reforça constantemente repertórios
de fuga e esquiva, como atitudes obsessivas e extremas.
Seus comportamentos são reforçados positivamente com êxitos e admirações, e
negativamente ao evitar as ameaças.

O quadro a seguir apresenta um raciocínio clínico mais completo a partir de alguns


dos dados coletados. Cada condição é apresentada resumidamente em forma de tópicos.

João Vicente de Sousd M«irç*il


HlatArlas CoedlçAes " r w lW Comporta­ Onda, Quando é funcional Quando nAo é
qu» favor*caram atual* mento* quando funcional
manttnsdoras ••pacifico* ocorre
•Puis exigentes -Multas Auto • NAo se -Trabalho Ótimos • Desgasta
-História dti responsabilida •xlganta permito - fcm casa desempenhos. relações.
SUCeSSOS des em casa e errar - Relações Reconhecimentos -
- Reforço no trabalho. • Refaz o sociais SensaçAo de dov» Constantemente
diferencial para -Expectativas trabalho cumptido tensa,
performance de ai e doe vrtrirtü vn/es. somatlzaçõe*.
outros. - etc. -NAo aproveita
momentos
bons.
- Sor cobrada au • Irahalho Exigente com • Queixas, - Irahalho - Ter controle sobre - Contra-
cuidar dos com muitas os outro« cobranças, - Em caaa os outros controle das
IrmAos. exigóncias mau humor, - Relações e sobre o mundo. pessoa».
• Cargoo d® cho- - Mundo msistôncujs. com amiQon. - Ser ras/jeilada - Sêr avilaôa,
fia no trabalho, idealizado. • l-amllia • Tornar os outro* ser a chata'.
pressAo por * Multo poder do origem. mais eficientes. - Sempre
rtjsulludos. nm casa e no - Mundo mala irritada o tensa.
- Regra Indo« trabalho. próximo do ideal. - Frustrações
devem «ar constantes.
responsáveis.
• Reforçamento - Ativtdadee fc |P » ria id a . • 'ou sai bem - relações - bom desempenho • cansaço.
diferencial por que exigem foito ou nAo familiares e profissionul. • terisAo
seguir regrae, muita aerve". profissionais. - noeUaçAo social. constante.
punlçAo por não disciplina • "todos - execução • êxitos -inflexibilidade.
segui-les. - Forte contato devem ser de tarefas. generalizados. • desgastes
- Pais com com tamdiH de iguan a com outros.
regrm rlgids» origem mim’
• Multou Axitoa por - etc.
SMQüir regras
- Alto desempenho • Vive em lW»áflidriismo - refaz * trubaHio - elovado Sente-se
no que fAzia. ambientes tarefas - família desempenho presa.
* Pais buscavam competitivo« • quer que - amigos naquilo que fai. Debganto nas
"filho ideeT. (profissto, tudo saia do - execução - sucesso relações
• Mtxíolo para o# oaturio) seu /mio. de tarefas m.Hôèmco. S«mpre
outros. - Ambientes * cobra doe profissional insatisfeita
- M uita expectativa que reforçam outros - admirada nn NAo consegue
sohre «la. o roauttado fomílifl. relaxar.
mais do que o PrisAo do
tempo de ventre.
oxecuçAo.
- Cargo cfo ÔonMfMiara - Lxige. vigia - trabalho - c^jotímo sobre os - Desgastes
Responsabilidades cheíti» e e - famllin outros. nas relações
por irmáoa e pela muitas tnnsequencia - amrçjou - domínio sobre o - Irritabilidade.
cata. responsablllda na que - exncuçAo que ocorre ò som • lensflo
- Poder »obre o« des. convivem de tarefas volta. - Assume nlém
outros. ' Poder sobre com ela • melhores do que pode.
. família e resultados na
Responsabilidades funcionArlix* |>rodutlvidade do
estudantis. tarefas.

• Acostumada òb - Vive as • Tom que - trabalho • leva a atitudes - fensAo.


colsaa Bnrern do mesmas executar o - tarefas de compulsivas que - Desgasto
sou jeito. condições que casa. removem o mnl emocional.
* 1er mu/lo con­ ritmle Infância {Aonofou - n» conu- miar (rolorçmi*i)-to -NAoíiprm»J-
trole sobre o que e adoloscAncia • Ab coisas truçAo de negativo) ta momentos
ocorria em aua (Am que sair objetivos • elevado desem­ de lazer, des-
vida. do jeito penho no que ftu. contraçAo,
como * se aproxima do "eu - Dificuldade
dese)a. ideali/ado’ desde a em concen­
• NAo Infância. trar-se.
desiste - as coisas saem do - Mal estar
enquanto seu Jeito.
nAo atinge o
objetivo.
- Tem que
terminar o
qu«
começou .— 1

263
Na concepção funcionalista, a utilidade de um comportamento varia de acordo
com o contexto. Uma ação pode produzir boas conseqüências numa situação e não em
outra; pode permitir acesso a certos reforçadores positivos e não a outros; pode envolver
reforçamento a curto prazo e punição a longo; pode produzir reforçamento e punição ao
mesmo tempo, dependendo da situação etc. A idéia de adequação vai depender de uma
ampla análise das conseqüências que o responder produz. No exemplo citado, os
comportamentos de Susi produzem simultaneamente reforçamento e punição. Os contatos
com as condições aversivas têm sido freqüentes e intensos (coluna mais à direita, sobre
não funcionalidade), o que leva a cliente a buscar ajuda e ter muita motivação para mudar.
Não ó por falta de vontade que Susi não muda'*.
As interpretações baseadas nas contingências, por si só, já produzem alivio,
favorecem a motivação para mudança e ajudariam Susi a raciocinar em termos de
contingências (Perkins, Hackbert e Dougher, 2000). No entanto, Susi tem fortes' hábitos,
que sempre foram funcionais para produzir reforçamento nos contextos em que viveu e vive.
É difícil abrir mão dos reforçadores que estas ações produzem e também muito aversivo
entrar em contato com situações incompletas, imperfeitas etc. Entender este processo não
implica, necessariamente, em mudanças nas contingências. Então, como mudar?
Se alguns ambientes vividos por Susi ao longo da sua vida, muitos das quais
ainda continuam presentes, foram os grandes responsáveis pelas contingências que
determinaram a forma como se comporta atualmente, faz-se necessário novos ambientes,
qualitativamente diferentes das que ela viveu. Algumas vivências (contingências) passadas,
podem ser esquematizadas da seguinte forma:
Conseqüências
Antecedentes Resposta Reforçamento Reforçamento
positivo negativo
Cobrança, pedido dos
Execução da tarefa Aceitação Náo era punida
_____ pais______
Notas altas, m elhor
Não frustrava
Exigências da escola: aluna, admiração,
Dedicação, disciplina expectativas dos
trabalhos, p ro v a s ,... controle sobre o
outros e de si
resultado
Expectativas dos pais, Forte dedicação e Adm iração o
Não frustrá-los
amigos, pa re n te s,... esforço reconhecimento
Responsabilidades Não era repreendida,
Exercer forte controle Êxito, valorização,
com Irmãos e tarefas não decepcionava os
sobre as coisas forte dom ínio
de casa pais ___
Verbal: "regras de boa
conduta Valorização, Não era punida,
Seguimento das regras
responsabilizando C bom desem penho criticada
pelas j» nseq üê ncia s"
Desafios constantes Ser detalhista, Cum pria a tarefa, não
Êxito, sucesso
persistente, obsessiva se punia

A história de vida de Susi fez com que ela desenvolvesse características que as
colocava em situações que, por sua vez, favoreciam a manutenção destas mesmas
características. Está formado um círculo vicioso, conforme o esquema a seguir:

* Explicação comum a partir de concepções internalistas que dizem que para mudar é preciso o cliente
querer.
1 Forte no sentido de elevada probabilidade de ocorrência destas respostas em determinadas situações.

lotlo Viccntc dc Souw Marydl


Experiências de vida n— N Características comportamentais

Levam-na m reforçam

\7
Contextos com muitas exigências,
responsabilidades, poder e domínio
sobre os outros, competitividade etc.

Da mesma forma, a formação de regras obsessivas a impedia de ter experiências


diferentes, impossibilitando a mudança destas regras. Comportamentos e estímulos (e.g.,
situações, contextos) foram especificamente condicionados neste processo. Portanto,
continuar na mesma condição de vida impede a modelagem de novos repertórios, de
novos condicionamentos de estímulos, de novos condicionamentos ou extinções
respondentes, novas operações estabelecedoras, novas modelações8e assim por diante.
A exposição a novos contextos, qualitativamente diferentes daqueles que Susi viveu e
vive, permitiria a ocorrência de novos condicionamentos. Isto possibilitaria novas seleções
naturais de comportamentos. Mas, afinal, quais contextos seriam estes? Os contextos deveriam
ser aqueles em que não há contingências específicas para o elevado desempenho; com
pouco controle aversivo relacionado a resultados; com poucas cobranças e responsabilidades;
com menor dependência e controle de Susi; que estabelecessem valores incompatíveis com
a perfeição; que fossem mais imprevisíveis e assim por diante. Estas situações têm estado
pouco presentes em sua vida e podem ser exemplificadas da seguinte maneira: situações de
lazer (e.g. viagens, passeios, diversões em geral), vivência em grupos não competitivos (e.g.
culturais, artísticos, sociais), atividades com menos hierarquia e mais cooperação social,
lugares em que seria valorizada independentemente de ser muito eficiente, conviver com pessoas
importantes para ela e que não apresentassem obsessões ou perfeccionismo, estar em
situações lúdicas em que o erro ou insucesso fossem decorrências naturais, dividir
responsabilidades no trabalho com alguém também muito competente etc.
Um problema relacionado a isto é que estas novas situações foram condicionadas
aversivamente, sendo automaticamente evitadas. O terapeuta deve alertar Susi de que o
processo ó gradual e que no início haverá muitas sensações desconfortáveis, que ela
ficará sem jeito e sem saber o que fazer, que parecerá estar indo no caminho errado e que
nunca conseguirá mudar. Porém, tudo isto será passageiro e os ganhos finais serão
extremamente compensadores. As conquistas não são construídas da noite para o dia.
Felizmente, também existirão conseqüências reforçadoras já nesta fase inicial.
A compreensão de todo o processo, permitirá a Susi ficar sob controle de novas
regras que então irão levar à exposição gradativa às novas situações. O raciocínio e as
estratégias elaboradas pela ACF (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999), são ótimas ferramentas
neste sentido, pois irão lhe ajudar a identificar os círculos viciosos em que se encontra e
a aceitar os sentimentos e pensamentos como subprodutos inevitáveis das contingências.
8 A aprendizagem por modelo - Imitação - também ocorreu na relação com os pais, que eram extremamente
organizados e detalhistas (Catania, 1998, cap.13). Os pais ainda exercem esta influência atualmente.
* A ACT elabora estratégias variadas, como metáforas, para reduzir o controle por regras que Impedem as
pessoas de vlvenciarem os contextos adequados.

Sobre C o m p o rtim c n lo e C o jjn içJo


Isto é importante para remover as esquivas que as impede de experimentar novos contextos.
O sofrimento passa a ser entendido como uma condição natural humana e decorrência
inevitável das experiências, deixando de ser visto como causa dos comportamentos. Embora
seja desagradável, mas não é errado
É interessante notar que para não mais sentir-se mal nestas situações, faz-se
necessário passar por elas. É como se houvesse uma máxima: “para deixar de ter alguns
sofrimentos, ó necessário passar por eles". A melhor forma é a exposição gradual a estas
condições. Se alguém tem medo de entrar na água e verifica que isto seria muito importante
para a sua vida atual, entrar na água seria o melhor remédio. Só que náo ó bom começar
pulando de um transatlântico em alto mar, mas, numa piscina rasa e transparente, com
água pelo tornozelo, podendo sair a qualquer momento e numa situação inicialmente sem
riscos. A exposição constante à água terá vários efeitos: extinção das funções eliciadoras
aversivas do estímulo condicionado “dentro da água"; condicionamento de funções eliciadoras
reforçadoras positivas deste mesmo estímulo10(sensibilização ao “lado bom" do estar na
água); modelagem de repertórios estando dentro da água (e.g. maior mobilidade, capacidade
de boiar, de mergulhar, de deslocar-se e outros) em função de um contato crescente e
constante com a mesma; formação de novas regras a respeito de “estar na água". Estes
raciocínios são totalmente compatíveis com a premissa behaviorista radical de controle por
contingências. Salienta-se aqui a formação de crenças como também dependente das
mesmas, uma distinção necessária entre os modelos cognitivo e comportamental.
Resumindo, Susi precisa se expor a situações que não exijam ou reforcem controle,
obsessões, dedicação extrema, ou que reforcem atitudes incompatíveis. Isto deve ocorrer
gradativamente e não deve implicar em perda de reforçadores importantes na sua vida ou
na produção de algo aversivo.

A lgum as situações com uns


Serão analisados agora, alguns processos freqüentes no ambiente clínico. Não
se referem a estudos de caso e nem a uma análise completa da vida de uma pessoa,
apenas ilustram o raciocínio clínico proposto para uma modelagem natural informada pelas
pistas da história de vida.

S u perprote ção
Alguns pais ou responsáveis educam seus filhos com muito esmero e dedicação.
Isto pode trazer muitos benefícios relacionados á auto-estima e motivação para a vida.
Algumas vezes esta dedicação é excessiva: dentro daquela máxima popular de educação
"em que sempre se leva o peixe na boca" e não se ensina "a pescar", os filhos se acostumam
a receber muitas coisas sem o mínimo de esforço, tendo os pais constantemente resolvendo
os seus (dos filhos) problemas, decidindo por eles o que fazer e tomando a iniciativa em
seus lugares. Crescem acostumados a conseguir o que querem através de pedidos,
solicitações e reclamações. Vivenciar muito estes contextos tende a desenvolver
características como: comodismo; dependência; dificuldade em decidir e resolver problemas;
facilidade em desistir diante de empecilhos; tendência a culpar os outros quando algo está
errado; postura passiva diante da vida; dificuldade em assumir responsabilidades; esquiva-
se de problemas a partir de queixas de sofrimento, simulando ou acentuando doenças etc.

,u Este processo também pode ser entendido como contracondicionamento respondente (Baldwln & Baldwin,
1986).

Jofio Vicente de Sousa


Experiências desta natureza podem favorecer um quadro depressivo quando adulto:
certos reforçadores importantes na vida de uma pessoa só são adquiridos através de
muito empenho. Muitas vezes o esforço necessário é de grande magnitude e duração,
uma exigência que não ocorreu na vida da pessoa e que lhe é muito aversiva. Os repertórios
normalmente utilizados na ausência de reforçamento são os de sempre: queixas,
lamentações e adoecimento. No entanto, estes normalmente não são efetivos para produzir
sucesso na vida (e conseqüente autoconfiança), relações sociais próximas e satisfatórias
e outras coisas. Ainda por cima contribuem para afastar ou irritar pessoas em convívios
mais íntimos e duradouros. Isto ajuda no desenvolvimento do quadro depressivo.
Está formado um círculo vicioso: as experiências de vida contribuíram para a
pessoa desenvolver características de dependência, que por sua vez favorecem interações
sociais (cuidado, proteção, ajuda) que continuam a manter este estado e assim por diante.
A pessoa não vê possibilidade de mudanças e a vida fica ruim, devido a frustrações as
quais ela não está acostumada lhe dar e que ninguém consegue resolver por ela.
Sinalizar para um cliente que o seu adoecimento serve para chamar atenção, pode
quebrar o vínculo terapêutico e gerar ações de esquiva. Além do que, este repertório foi
selecionado pelas contingências de sua vida. É importante que entenda as suas características
e que as mesmas são inevitáveis por tudo que viveu o vive. No entanto, sua funcionalidade é
limitada a apenas certas condições de reforçamento. Estes padrões comportamentais também
têm produzido muitas conseqüências aversivas e pouca liberdade de escolha, comum em
situações de dependência. Entretanto, ter conhecimento declarativo disto não implica em
conhecimento operacional11. Como mudar então? O que deveria ser mudado?
Muitas vezes todos se esquecem que ninguém aprendeu a andar de uma hora para
outra. Foram necessárias inúmeras e gradativas experiências em ambientes que pudessem
modelar esta habilidade. Portanto, são necessárias novas experiências para aprender novos
repertórios. Quem foi muito superprotegido, necessita vivenciar situações em que os
reforçadores dependam de suas ações e atitudes e é importante que isto ocorra por
aproximações sucessivas, para não haver uma natural desistência. As exigências devem
ser aumentadas aos poucos, numa espécie de modelagem natural, desenvolvendo
persistência e resistência à frustração (elementos fundamentais no autocontrole), capacidade
de iniciativa, habilidade para tomar decisões, habilidades em resolver problemas, postura
ativa diante da vida etc. Tudo isto favorecerá a obtenção mais efetiva de reforçadores positivos.
De uma certa maneira, parte destas condições já estão ocorrendo na vida da
pessoa, só que de forma abrupta e desordenada, gerando desespero e desejos de mudança
imediata. A dificuldade está em não ter acesso a certas coisas com a facilidade e
tranqüilidade do passado. Desconhecer todo este processo facilita concepções mentalistas
e as mantém reféns deste círculo vicioso.
São exemplos de situações que podem favorecer o desenvolvimento da autonomia:
morar só, viajar só, ir a lugares sozinho, tentar resolver coisas antes de pedir ajuda, ter o
máximo de coisas que dependam de si no plano financeiro, ter amizades e conviver em
ambientes em que as pessoas sejam mais independentes, experimentar situações em que
haja frustrações naturais e sem conseqüências muito desagradáveis, não ter alguém sempre
próximo para ajudá-lo ou dizer o que fazer e outras situações semelhantes. A lista é infinita,

" Saber declarativo ô o saber sobre, e o conhecimento operacional é o saber como. (Ryle, 1984; Baum,
1999).

Sobre Comportamento e Co^niçAo 267


devendo ser adequada aos níveis de desenvolvimento e motivação do cada um. A exposição
deve ser em grau crescente de dificuldade. A motivação para viver novas condições vai depender
do tanto que as experiências atuais estiverem sendo aversivas e do tanto que a pessoa entender
que isto é a principal (se não a única) chance para mudar esta condição. Se isto não ocorrer,
a probabilidade de mudança será baixa e as mudanças apenas temporárias.
Uma outra forma de superproteção, refere-se aquela em que há um cuidado e
preocupação excessivos para com o bem estar do filho(a). Isto pode ocorrer quando se
vive em lugares perigosos (comum em grandes centros urbanos); quando o filho tem ou
teve alguma condição que exija muito cuidado (doença ou limitação orgânica); em pais
que vivenciaram eventos traumáticos incontroláveis (perda de alguém querido); quando os
pais sentem-se sempre e totalmente responsáveis por tudo o que acontece com os filhos;
quando os pais têm nos filhos a única ou grande razão de viver; com pais com regras do
tipo: “bom pai não deixa nada de mal acontecer ao filho” etc. A falta de exposição a
condições de enfrentamento individuais, favorece com que os filhos sintam-se inseguros
quando não estão com suporte de alguém. Motiva sempre a busca por pessoas que lhes
protejam, o que termina ajudando a manter o quadro de dependência. Os filhos tornam-se
mais sensíveis a eventos traumáticos e mais facilmente desenvolvem os chamados
transtornos ansiosos, incluindo o transtorno do pânico. Ao apresentarem este quadro,
quando adultos, facilmente receberão análises mentalistas se referindo a este estado
como o de uma doença. Tentarão, por fim, controlar a ansiedade a todo custo, mas suas
percepções são limitadas às condições atuais. No entanto, o processo é mais histórico
do que se imagina. A ansiedade resultante é coerente com a história de condicionamento
e também é inevitável. Aceitá-la como uma decorrência natural desta longa história é
necessária e expor-se é preciso. Para que haja mudanças, é fundamental vivenciar
gradativamente contextos gerais em que as coisas dependam mais dela, sem ninguém
para protegê-la. Isto irá torná-la mais autoconfiante e segura de si e o mundo ficará menos
ameaçador. Exposições adequadas promoverão conquistas constantes e gradativas.

Poucos lim ites


Quem foi acostumado a ser “majestade" a maior parte do tempo, inevitavelmente
adquire certos padrões comportamentais. Por exemplo, imagine alguém que viveu muito
tempo em ambientes onde as coisas eram de acordo com as suas vontades, suas exigências
eram quase sempre satisfeitas, suas revoltas e agressividades não eram reprimidas e foi
pouco acostumado a dividir o que era seu. Isto pode ter acontecido em casa ou até em
anos de convivência no trabalho ou outro contexto social. É uma condição típica de muito
poder. Como resultado, a pessoa desenvolveu determinadas características: agressividade
e insistência quando frustrada, impaciência, arrogância, interesse basicamente em si,
possessividade (muitas vezes em forma de ciúme), impulsividade, facilidade em desistir
quando algo não sai do jeito que quer, obsessividade, extremismo, forte desejo de vingança
quando contrariada ou ao receber oposição etc. Observe que estas características são
funcionais em várias situações para a obtenção de muitos reforços, principalmente a curto
prazo. No entanto, haverá muito sofrimento toda vez que estiver em contextos onde as
coisas não forem arranjadas conforme a sua vontade. Isto favorecerá atritos e atitudes
impulsivas. Pessoas assim querem “destruir o mundo” diante de grandes frustrações.
Muitas vezes se arrependem das suas atitudes, porém, ao perceberem que são repetitivas
e estão levando a conseqüências desagradáveis, vão buscar ajuda terapêutica. Como a
forma de agir existe há muito tempo e tem alta probabilidade de ocorrência, surgirão

loilo Viccntc de Sousa Marçal


interpretações causais internalistas levando ao conceito de índole, caráter, personalidade,
torças inconscientes etc. No entanto, suas atitudes foram naturalmente modeladas ao
longo de toda a sua história de vida.
O autocontrole só será possível quando a exposição a contingências aversivas for
efetiva, o que nem sempre é o caso, mesmo porque muitas vezes a pessoa desenvolveu
uma grande habilidade manipulativa, às vezes maquiavélica, para conseguir que as coisas
saiam do jeito que deseja. Se isto não ocorrer, afasta-se dessas situações.
Identificar todas estas características, como foram adquiridas e como estão sendo
mantidas, automaticamente estabelece um processo constante de auto-observação e autocontrole.
Passa a haver também uma redução na raiva diante de frustrações comuns. No entanto, isto não
será suficiente para uma mudança efetiva, mesmo porque não se pode desprezar a habilidade
que estas pessoas têm em fazer com que as coisas saiam exatamente do seu jeito. A motivação
para a mudança só vai existir se houver contato com conseqüências aversivas.
Torna-se necessário então vivenciar, crescentemente, situações em que
experimente frustrações naturais e ausência de poder. Cabe ao terapeuta, junto com o
cliente, identificar condições em que isso possa ocorrer. Por exemplo: ir morar com amigos,
vivenciar atividades em grupo sem ter poder sobre as pessoas, viajar em grupo, estar em
lugares em que seja comandado (e.g. atleta de uma equipe, situações profissionais, etc),
atividades competitivas ou lúdicas que não envolvam conseqüências importantes e onde o
perder é inevitável e assim por diante. A idéia não é buscar o sofrimento em si, mas
aprender como lidar com essas situações. O cliente tem consciência da importância
disso para a sua vida e também das dificuldades que terá até atingir niveis mais adaptativos.

Baixa auto-estim a
Imagine uma pessoa que tenha vivenciado muitas situações de rejeição e desprezo
desde a sua infância. Considere que isto aconteceu principalmente no seio familiar.
Provavelmente esta pessoa desenvolveu uma forte sensação de menos valia, a conhecida
baixa auto-estima. Em alguns casos o reforço social só ocorreu ao se comportar tal como
os outros gostariam ou por fazer coisas para agradá-los. Nisto resultou, entre outras
características, a prestatividade constante, a inassertividade em relações mais próximas
e a insegurança afetiva. O reforço social provavelmente será seu reforçador mais poderoso,
sendo preponderante em situações de conflito, como quando tem de escolher entre o que
agrada aos outros ou a si. O problema é que suas características, com uma longa história
de reforçamento, ocorrem automaticamente nas relações interpessoais. Muitas vezes
não consegue estar junto às pessoas sem estar sendo prestativa, acolhedora e dedicada.
Não se comportar assim é muito aversivo e leva-a a esquivar-se justamente da situação
que poderia mudar todo o quadro: vivenciar relações em que recebe afeto, atenção e
apreço, sem ter que fazer muito para obtê-los. Esta situação teria sido mais fácil de
ocorrer no contexto familiar original.
Em relações amorosas, sua dedicação excessiva muitas vezes produz desgastes
na relação e afeta a sensibilidade do(a) parceiro(a) que termina rejeitando-a e acabando
com a relação. Isto contribui ainda mais para a baixa auto-estima. Fazer constantemente
pelo outro, mesmo nas relações não amorosas, favorece o comodismo do(a) mesmo(a),
dificultando atitudes de dedicação, que por sua vez, manterá o quadro de baixa auto-
valorização. Por isso algumas pessoas passam a vida inteira nestas condições, mesmo
sendo valorizadas em alguns contextos pelo que fazem.

Sobic C om ptuldm cnlo c CotfhiÇtlo 269


Um exemplo interessante está na união de alguóm que foi pouco valorizado na
vida com alguém que recebeu muitos mimos, ‘paparicos’ e privilégios. De um lado, alguóm
voltado para servir, do outro há uma pessoa egocêntrica e preocupada quase exclusivamente
em se satisfazer. Esta é uma união que se complementa, as características de cada um
ajudam a manter as do outro. No entanto, um quadro de infelicidade e ínadaptabilidade
pode se manter a partir disto.
Embora estes comportamentos sejam funcionais, eles não produzem situações
interpessoais confortantes, há muito reforçamento negativo envolvido, há um constante
sentimento de angústia e tristeza.
Uma nova vivência pouco condicional pode ser bem desenvolvida no consultório,
como bem salienta a FAP1í (Kohlenberg e Tsai, 1991), no entanto, é necessário que isto
ocorra em diversos contextos de sua vida.
Concluindo, é fundamental viver o que não foi vivido. Ser aceita e valorizada sem
fazer muito pelos outros. Faz-se isto sabendo dos comportamentos emocionais e
inabilidades decorrentes da não experiência com este tipo de situação. Como isto ocorreria?
Isto é um problema a ser solucionado em conjunto. Pode significar estar próximo de
pessoas não muito exigentes ou de grupos que valorizem alguém apenas por estarem
juntos e assim por diante. Nas relações amorosas é importante estar com alguém que
também esteja privado daquilo que lhes possa oferecer, pois isto evita aquela condição
desagradável de ter sempre que se esforçar ao máximo para ser aceito13.

Inabilidades sociais
Muitas pessoas podem ter dificuldades nas relações sociais (Del Prette e Del Prette,
2002). Estas dificuldades impedem o acesso aos inúmeros reforçadores provenientes do contato
com outras pessoas e geram sofrimentos. Del Prette afirma que o processo de socialização
decorre de diferentes sistemas de interação: família, companheiros, escola, outros grupos. Os
comportamentos que possibilitam interações satisfatórias estão diretamente relacionados à
história de vida. Este é um dado importante, pessoas com dificuldades de expressão social
normalmente viveram em ambientes não estimulantes verbalmente, repressores. inadequados
como modelo ou com reforçamentos de comportamentos inadequados para outros ambientes
que não o familiar (e.g. conseguir as coisas gritando).
A identificação dessas deficiências ou excessos comportamentais não deve ocorrer
sem um acompanhamento histórico e contextuai em que os mesmos foram adquiridos. Da
mesma forma, questionam-se mudanças a partir de conselhos sobre o que fazer em
determinada situação ou por apresentações de modelos ao cliente, é necessária uma prática
adequada, com contingências favoráveis. O ensaio comportamental, uma técnica tradicional
na terapia comportamental (Rimm & Masters, 1983) produz bons resultados, mas corre o
risco de ser desenvolvido em um contexto muito diferente de onde há necessidade que
ocorra, além de poder incluir alguns reforçamentos arbitrários por parte do terapeuta,
dificultando o processo de generalização. A FAP (Kohlenberg e Tsai, 1991) apresenta um

12Embora produza ótimos resultados para o desenvolvimento da auto-estima, devido a uma relação autêntica
de aceitação do cliente independentemente dos seus comportamentos, a relação terapêutica não deixa de
ser uma Interação condicional, por ser profissional. Ou seja, é paga e ocorre apenas no tempo da sessão.
,J Costumo dlzor aos meus clientes que precisamos de pessoas que também precisem da gente. Relaçfies
em que tenho que me esforçar multo para ser “amado", afetam negativamente a auto-estlma e normalmente
geram insatisfação.

João Vicente ilc Sousa M.irçal


raciocínio que evita este problema ao analisar uma condição genuína de relacionamento
social entre cliente e terapeuta. No entanto, o contato com o terapeuta pode ser mínimo
quando comparado às vivências atuais e anteriores em que o cliente tem estado exposto.
Buscar contextos ambientais adequados a um bom desenvolvimento do repertório social
pode favorecer uma aquisição mais rápida e ainda mais natural para o cliente. A questão
básica é saber em quais contextos isto pode acontecer de forma mais eficaz? Falar para, ou
treinar uma mulher, sem história de enfrentamento, a começar a enfrentar o marido que é
agressivo e do qual ela depende e tem muito medo ó algo muito arriscado. Pode aumentar
a sua inibição. O reforçamento é necessário para a aquisição de um repertório e para a
motivação da pessoa no ambiente em que emita o comportamento. Buscar interagir em
lugares com maior probabilidade de reforço favorecerá o desenvolvimento do repertório que,
por sua vez, poderá futuramente se estender a outras situações de controle.

O utros processos:
Os exemplos citados estão longe de esgotar as inúmeras possibilidades de análise
que podem ser feitas em cada caso clínico. São restritos a algumas condições e tem valor
ilustrativo da importância que as inserções em certos ambientes podem ter como recursos
terapêuticos. Por exemplo, um ciumento e possessivo poderia experimentar mais situações
em que a partilha fosse inevitável e de preferência reforçada; alguém inseguro exploraria
situações com boa possibilidade de êxito, aumentando as dificuldades gradativamente;
uma pessoa desmotivada poderia inserir-se em contextos que funcionem como operações
estabelecedoras para diversos aspectos e assim por diante. Outras interpretações poderiam
ser feitas seguindo esta linha de análise.

Conclusão
A abordagem aqui empregada se assemelha ao raciocínio skinneriano aplicado
ao planejamento cultural. Se as contingências modelam as práticas culturais, que por sua
vez atuam diretamente na formação do indivíduo, por que não interferir e planejá-las, ao
invés de deixá-las ao acaso. Isto torna o ser humano mais próximo do que se chama
liberdade e autonomia, dando ao mesmo mais poder de interferir no seu futuro.
"Se queremos que a espécie sobreviva, é o mundo fizemos que temos que
mudar" (Skinner, 1987/1989, p.70, em Micholotto, 1997).
Este raciocínio se aplica perfeitamente ao plano individual: se quisermos que nossa
vida mude, é o mundo em que vivemos que devemos mudar. Assim, como foi necessário
conhecer a história da espécie para compreender a sua formação biológica, e conhecer a
história da humanidade ou das práticas culturais para compreender por que as sociedades
são assim constituídas, então precisamos conhecer nossa história de vida (i.e. história de
contingências) para sabermos por que somos do jeito quo somos. No entanto, esta análise
vai além. Este conhecimento dá poderes ao homem de interferir na sua cultura e,
especificamente, em sua vida particular, por meio de um planejamento adequado das
contingências de vida em que está inserido. Uma passagem de Skinner (1967, em 0'Donahue
e Ferguson, 2001) ilustra a visão pragmática que a análise funcional permite14:

14 TraduçAo do autor do presente texto.

Sobre Comportrtmenlo c CopnlÇiío 271


“Eu tenho, acredito, feito bom uso de minhas análises do comportamento em
conduzir minha própria vida, particularmente meu próprio comportamento verbal.
Podem os psicanalistas e os psicólogos cognitivistas e humanistas dizerem o
mesmo? Alguma vez Freud noticiou o uso de sua teoria para influenciar o seu
próprio pensamento? Sào psicólogos cognitivistas particularmente informados
sobre conhecimento? Sâo os psicólogos humanistas mais efetivos em ajudar
outras pessoas devido às suas teorias?19 (Skinner, 1967’8, em 0 ’Donahue e
Ferguson, 2001, p. 190)
O modelo de inserção em contextos é semelhante a refazer a história de vida de
uma forma mais produtiva e planejada. Logicamente isto deve ocorrer em alguns aspectos,
pois a história anterior também permitiu a seleção de comportamentos que ainda são
efetivos atualmente. O objetivo è acrescentar vivências em contextos que nào ocorreram
na vida da pessoa, a partir dos quais repertórios e estímulos serão naturalmente
condicionados. A experiência clínica do autor tem revelado um grande êxito neste raciocínio.
Entretanto, pesquisas deverão ser empregadas para avaliar a pertinência desta análise e
para melhor entender as variáveis de controle relacionadas às mudanças.
Diversos modelos clínicos têm contribuído neste sentido: a ACT favorece a quebra
no controle por regras que impedem a exposiçáo adequada às contingências necessárias
á mudança; a FAP utiliza bem os recursos da relação terapêutica para que este processo
ocorra imediatamente na sessão e se estenda para a vida fora do consultório; a Terapia
por Contingências salienta a importância de que o ambiente fora do consultório deva ser
enfatizado; e assim por diante.

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m I have, I think, made good of my analysis of behavior In managing my own life, particularly my
own verbal behavior. Can psychoanalysts and the cognitive and humanistic psychologists say
as much? Did Freud ever report the use of his theory to influence his own thinking? Are
cognitive psychologists particularly knowledgeable about knowledge? Are humanistic
psychologists more effective in helping other people because of their theories?
1fl Skinner, 1967", em Boring & Lindzey - orgs. - A history of psychology in atobiogmphy vol. 5, p. 75.

lodo Viccntc tic Sous<i M.irç.il


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Sobre C o m portam ento c Cvtfnitfo


Capítulo 25

Transtorno Dismórfico Corporal e


Análise do Comportamento:
*
Metodologia de Caso Unico
losy dc S o u a í Mony,im,i'

Vau Lúcid A d i mi Rjposv do Anhmrf

O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é considerado no DSM-IV (APA, 1995)


como uma preocupação acentuada com algum defeito mínimo ou imaginado na aparência,
em uma ou mais partes do corpo (nariz, cabelo, pele, face, mãos, quadris, órgãos genitais,
entre outras). Classes de comportamentos ficam sob o controle de estímulos específicos,
relacionados aos aspectos da aparência: checar o defeito no espelho, ou ao contrário,
evitar completamente os espelhos; camuflar o defeito (com roupas, acessórios, gestos);
fazer perguntas de confirmações sobre o defeito; passar a mão no defeito; picar a pele
(skin picking); comparar-se com outras pessoas; esquivar-se socialmente; buscar
tratamentos estéticos para modificar o defeito. Como os demais transtornos, o que
caracteriza o TDC é a alta freqüência destes comportamentos, que passa a prejudicar a
vida do indivíduo, visto que, em menor intensidade, seriam considerados normais. Os
comportamentos, em geral, mantidos por reforçamento negativo, passam a ocupar diversas
horas do dia, tornando-se rituais, semelhantes aos encontrados no Transtorno Obsessivo-
Compulsivo (TDC).
O TDC tem sido descrito como um transtorno de difícil tratamento (Saxena, Winograd,
Dunkin, Maidment, Rosen, Vapnik, Tarlow & Bystritsky, 2001). Estudos são em sua maioria
psiquiátricos e consistem em comparações entre grupos, em que se avalia a eficácia de
medicamentos ou técnicas comportamentais e cognitivo-comportamentais. Por partir do

1 Mestre em psicologia clinica e doutoranda do Curso de Pós-Graduaçâo em Psicologia do Centro de


Ciências da Vida da PUC-CampInas. Bolsista CNPq-Brasll.
2 Doutora em psicologia pela USP. Professora do Curso de Pós-Graduaçflo em Psicologia do Centro de
Ciências da Vida da PUC-Campinas.

Josy do Sou/a Moriyama, Vera Lúcia Atlami Raposo do Amaral


nomotético, em que as classes de respostas são enfatizadas e visar a demonstração da
eficácia de técnicas, este tipo de metodologia não corresponde ao suporte teórico e
metodológico da Análise do Comportamento.
Alguns autores têm apontado que as estratégias de pesquisa convencional em
Análise Aplicada do Comportamento produzem informações pouco relevantes para a prática
clínica, trazendo à tona a necessidade de desenvolver uma metodologia cientificamente
mais bem fundamentada e próxima da situação clínica natural (Kohlenberg & Tsai, 2001).
Este estudo visa apresentar a metodologia de caso único como alternativa viável e útil,
tanto aos pesquisadores, como aos clínicos, que possuem uma visão funcionalista do
comportamento e utilizam como instrumento a análise funcional, não apenas para modificar
as classes de respostas ou comportamentos-problema, mas também para alterar as
contingências de reforçamento do repertório geral do indivíduo. A título de exemplificação
será descrito o tratamento de um caso de TDC pautado na Análise do Comportamento.

1. Tratam ento do TDC


Apesar do uso de inibidores da recaptação da serotonina e terapia cognitivo-
comportamental serem apontados como os tratamentos mais indicados para o TDC, cerca
de 40% a 50% dos pacientes não respondem ao primeiro e 20% a 30% não melhoram
com o segundo (Saxena et al., 2001).
Em uma revisão sobre os estudos de tratamento do TDC que utilizaram técnicas
cognitivo-comportamentais, Cororve e Gleaves (2001) concluíram que muitos não possuem
metodologia adequada e não correspondem à realidade dos atendimentos clínicos habituais.
A maioria dos estudos sobre tratamento utiliza uma série de técnicas psicológicas,
farmacológicas, educacionais e de treinamento de habilidades sociais, de modo que, no
final, não é possível apontar quais foram os elementos realmente responsáveis pela melhora
(Cromarty & Marks, 1995; Cororve & Gleaves, 2001).
O parâmetro primordial de sucesso nestes estudos é a diminuição das classes de
resposta características do TDC. Os medicamentos diminuem as respostas fisiológicas de
ansiedade. As técnicas denominadas comportamentais de exposição (ao vivo ou por imaginação)
e prevenção de respostas também visam diminuir os comportamentos característicos através
da diminuição das respostas fisiológicas de ansiedade, enquanto as técnicas cognitivas buscam
modificar os pensamentos e crenças O treino de habilidades sociais tem como objetivo
desenvolver repertório social na própria sessão. Todos estes tratamentos enfocam apenas os
comportamentos-problema públicos ou privados. Autores de orientação behaviorista radical
consideram que este tipo de intervenção ignora a natureza verbal e contextuai dos problemas
apresentados pelo cliente (Kohlenberg, Tsai & Dougher, 1993).
Entretanto, atualmente, observa-se a expansão de tratamentos padronizados,
que aplicam procedimentos técnicos para a eliminação dos comportamentos-problema,
diagnosticados a partir dos manuais psiquiátricos. Resultados positivos em estudos com
tratamentos padronizados levantam discussões sobre a necessidade de tratamentos
individualizados (Eifert, 1996; Yano & Meyer, 2003).
Analistas do comportamento têm criticado estudos com tratamentos padronizados,
já que os procedimentos são apenas baseados na queixa, limitando-se a modificar as
topografias das respostas (Yano & Meyer, 2003), além do que, afastam-se da prática
clínica, cujo objetivo é a melhora da vida do cliente como um todo. A cada dia, terapeutas
analistas comportamentais, que realizam terapia verbal, tendem a analisar o repertório

Nobre Compor1<imcnlo c C o g n itfo 275


global do cliente e ajudá-lo a desenvolver um repertório potencial de analisar, enfrentar e
alterar seu ambiente, de modo a buscar interações mais reforçadoras, para que haja uma
melhora geral em sua vida (Gôngora, 2003; Nunes & Lhullier, 2003).
A crítica não está no uso das técnicas em si, mas em sua mora aplicação, na
ausência anterior de uma análise funcional que poderia justificar sua necessidade (Banaco,
1999; Silvares & Banaco, 2000; Yano & Meyer, 2003). Muitos autores têm apontado que a
busca pela eliminação dos sintomas, sem uma análise funcional prévia, pode resultar em
longo prazo, na substituição dos sintomas, ou seja, o comportamento-problema inicial pode
retornar ou ser substituído por outro com a mesma função (Queiroz, Motta, Madi, Sossai &
Boren, 1981; Scotti, Morris, McNeil & Hawkiws, 1996; Yano e Meyer, 2003). No caso do TDC,
com a simples eliminação dos comportamentos característicos, através de técnicas de exposição
e prevenção de respostas, em que se suprimem respostas respondentes de ansiedade, poderia
surgir um outro tipo de comportamento, que tenha a mesma função de fuga-esquiva, pois as
contingências permaneceriam inalteradas. Quando não se faz a análise funcional, também se
corre o risco de aplicar procedimentos padronizados contraproducentes, que contribuam para
a manutenção dos comportamentos-problerna. Alguns autores alertam para o perigo de aplicar
técnicas sem que sejam consideradas contingências individuais. Mudar as crenças errôneas,
por exemplo, pode ter a função de reasseguramento se for funcionalmente semelhante aos
constantes pedidos de confirmação sobre o defeito, o que poderia manter ou aumentar este
tipo de comportamento (Allen & Hollander, 2000). A técnica de treino de estimativa correta do
corpo, que visa comparar características próprias com a média da população, pode ser útil
para pacientes que estejam evitando examinar seus defeitos, mas prejudicial para aqueles
que apresentam comportamentos de olhar fixamente no espelho, pois estarão repetindo o
padrão de checagem (Veale, Gournay, Dryden, Boockok, Shah, Wilson & Walburn, 1996).
Portanto, o critério mais importante para o tratamento não são as semelhanças
entre diagnósticos ou topografia de respostas, mas se os comportamentos são
funcionalmente similares. Somente considerando a história de contingências e as variáveis
mantenedoras dos comportamentos de cada indivíduo é que se conseguirá descobrir qual
é a função dos comportamentos problemáticos e assim alterá-la. O próprio objeto de
estudo da Análise do Comportamento, as relações do indivíduo com seu ambiente,
pressupõem a singularidade do fenômeno de estudo. Muitos analistas do comportamento
têm sugerido o estudo de caso único como fundamental para o desenvolvimento dos
conhecimentos acerca do comportamento (Skinner, 1953/2000; Figueiredo, 1965; Neri,
1987; Matos, 1990; Silvares & Banaco, 2000; Ulian & Silvares, 2003).
Em uma análise da história de contingências de sete pessoas diagnosticadas com
TDC, Moriyama (2003) encontrou comportamentos não apenas relacionados às preocupações
com a aparência, mas também típicos de outros transtornos como Depressão, TOC e Fobia
Social. A hipótese levantada foi de que os comportamentos dos participantes, tanto do TDC
como comuns a outros transtornos, ficavam sob o controle de estímulos discriminativos,
que sinalizavam conseqüências punitivas. Assim, independentemente de suas topografias,
pertenceriam à mesma classe funcional, pois tinham a função de fuga/esquiva. Este tipo de
repertório limita a variabilidade comportamental e, assim, o acesso a fontes de reforçamento.
Todos os participantes demonstraram um funcionamento predominante de reforçamento
negativo em detrimento de baixa taxa de reforçamento positivo.
Em seu artigo clássico sobre a Análise Funcional da depressão, Fester (1973) destacou
como comportamentos topograficamente diferentes podem pertencer a uma mesma classe
funcional. Em sua análise, caracterizou o repertório geral da pessoa deprimida como o

losy dc Souzii Moriycimd, Verd Lúcid Ad«imi Kdposo do Am.mil


decréscimo na freqüência de certas classes de comportamento e o aumento na freqüência de
outras classos. Para Fester (1973) haveria uma estreita relação entre aspectos aversivos e
positivos na vida de uma pessoa deprimida, pois os comportamentos de esquiva causados por
condições aversivas impediriam a emissão de comportamentos positivamente reforçados. De
acordo com Banaco (2001 a), existina uma quantidade de respostas possíveis de serem emitidas
em dado ambiente, seja para a obtenção de reforçadores positivos, seja para a eliminação de
estímulos aversivos. Dessa forma, pessoas que apresentam predominantemente
comportamentos com função de fuga/esquiva, apresentarão proporcionalmente, baixa freqüência
de comportamentos que poderão ser positivamente reforçados. Este pressuposto da relatividade
das respostas dá margem à hipótese de que a alteração no valor reforçador das fontes disponíveis
de reforço também alteraria a distribuição das respostas de fuga/esquiva (Banaco, 2001a).
Estudos vêm investindo na introdução de novas fontes de reforçamento, para que,
as respostas de fuga/esquiva diminuam em freqüência, devido ao aumento das freqüências
das respostas relacionadas à obtenção do reforço. O enfoque está no desenvolvimento de
comportamentos incompatíveis, de modo que, se dê indiretamente, a diminuição na
freqüência dos comportamentos-problema (Queiroz et al., (1981); Scotti et al., 1996; Banaco,
2001b; Zamignani, 2000; Vermes & Zamignani, 2002; Zamignani & Vermes, 2003). Os
resultados destes estudos têm demonstrado que além do aumento nas relações sociais
dos pacientes, ocorre a redução nas respostas de esquiva, sem que estas respostas
tenham sido diretamente enfocadas (Banaco, 2001a).
Estudos que utilizam apenas as técnicas de exposição e prevenção de respostas
sem uma análise funcional, enfocam apenas as respostas de esquiva da ansiedade, pois
atnbuem às contingências de esquiva a manutenção dos comportamentos-problema. Entretanto,
segundo Zamignani (2000) a função de esquiva da ansiedade não é a única responsável pela
manutenção dos comportamentos de um transtorno, pois as contingências vão sendo
modificadas, de modo que, com o tempo, as contingências responsáveis pela manutenção
das respostas podem ser totalmente diferentes daquelas que as deu origem. Além disso, a
diminuição das respostas de ansiedade não prepara o indivíduo para a aprendizagem de novos
comportamentos, de modo que, a quantidade de fontes disponíveis de reforço permanece
inalterada. Outro problema apontado na utilização de técnicas de exposição e prevenção de
respostas por si só, é o seu caráter aversivo, que, muitas vezes, impede a continuidade do
tratamento (Foa, Steketee, Grayson & Droppelt, 1983; Zamignani, 2000; Banaco, 2001a).
Uma alternativa de tratamento utilizada para desenvolver comportamentos adequados
e enfraquecer comportamentos-problema, evitando os efeitos colaterais da punição é o
Esquema de Refoçamento Diferencial (DRO) (Fester, 1973; Catania, 1999). Neste esquema
os reforços positivos são dados livremente a qualquer comportamento alternativo ou
incompatível aos comportamentos-problema, os quais são colocados em extinção (Queiroz
& Guilhardi, 2001; Vermes & Zamignani, 2002). Algumas estratégias baseadas no princípio
do DRO em estudos clínicos são: modelagem a partir da própria relação terapêutica; regras
e instruções do terapeuta para que o cliente interaja com outras pessoas; modelagem no
ambiente natural com a participação direta do terapeuta ou de um acompanhante terapêutico
como mediador, que será treinado para responder consequentemente aos comportamentos
do cliente; trabalho com agentes sociais (pais, parentes e amigos) que podem manter os
comportamentos-problema e são treinados para reforçar comportamentos alternativos e treino
de assertividade (Vermes & Zamignani, 2002; Queiroz et a l, 1981).
Entretanto é fundamental a análise das contingências individuais, próprias de
cada caso (Zamignani & Vermes, 2003). Quando se considera a história de contingências

Sobre Comportamento e Co^mvilo 277


podem ser identificados os processos que estabelecem determinado estímulo como
discriminativo para a resposta, ou que fizeram com que certos estímulos se tornassem
reforçadores positivos ou punitivos, alterando a probabilidade da resposta. Somente assim
será possível determinar o repertório atual de cada indivíduo, os comportamentos que
poderão ser desenvolvidos a partir dele e os estímulos reforçadores disponíveis.
Diante destas sugestões e do estudo com as sete pessoas diagnosticadas com TDC
(Moriyama, 2003) que tinham em comum classes de comportamento com função de fuga/
esquiva e baixa quantidade de reforços positivos, foi realizado o tratamento de uma destas
pessoas baseado no DRO, em que se buscou desenvolver comportamentos incompatíveis
àqueles apresentados como comportamentos-problema, característicos do TDC.

2. Descrição do Caso

2.1. Identificação e Queixas da Cliente

Dna. lida1, uma mulher de 40 ar.os de idade, casada, dona de casa, analfabeta,
tem duas filhas adolescentes.
Sua queixa inicial ora de que se preocupava muito com a pele do rosto. Dizia que
enxergava muitas rugas, uma “coisera" na pele, vendo-se como um "monstro" (SIC).
Começou a machucar a pele com um pano que esfregava em frente ao espelho, quando
via as rugas, tentando tirá-las, por isso, passou a evitar o espelho.
Nào, nào fico mais porque agora eu tenho medo do espelho. Sabe o que
eu faço para limpar o banheiro? Eu tenho até vergonha de falar, eu abro o espelho,
pra mim não fícar na frente do espelho, eu não consigo. (Dna. lida)
Queixava-se de não conseguir parar de falar e se lamentar sobre as marcas que
via no rosto. Sentia muita tristeza, chorava, tinha insônia, não tinha vontade de fazer
nada, pensava e falava em morrer.
Ah, eu fico falando: 'o que eu vou fazer agora, porque eu fui passar esse
creme na peie? Fico falando assim, pra pessoa que está junto (...) Me lamentando.
(...) Eu tenho que ficar falando, se eu ficar parada ai é pior, eu tenho que ficar
conversando e falando comigo mesma. (Dna. lida)

2.2. História de Vida


Dna. lida é a caçula de mais 5 irmãos (3 homens e 2 mulheres). A família morava
na roça. Todos os filhos ajudavam o pai no trabalho pesado. Com 10 anos ela já trabalhava
e não tinha tempo de brincar. Às vezes fingia estar com dor de cabeça para escapar do
trabalho. O pai era bastante rígido, não era carinhoso e usava alta freqüência de punição
positiva para controlar os comportamentos dos filhos.

O pai era enjoado, bravo. Nunca sentou para conversar. Sentia falta, pois qualquer
coisa já ficava bravo (...). Ah, eu só me lembro assim, que quando eu era mais
nova o meu pai já ia falando com tapa, ele não escolhia lugar para bater, era na
cabeça mesmo, onde pegasse. O meu pai não era muito de conversar: ‘é assim,
assim e assim', ele ia dando os murros dele. Eu falo pra você que ele era bravo.
(Dna. lida)

1Nome fictício.

Josy dc Sou/a Moriyama, Vera l .úcia Adami Raposo do Amaral


Quando Dna. lida tinha 14 anos, a família se mudou para Campinas. Ela entrou na
escola, mas sentia muita vergonha porque estava atrasada, então desistiu. Tinha algumas
amigas, com as quais saía, juntamente com as irmãs. Sempre foi tímida, falava pouco,
ficava "num canto" (SIC).
Apaixonou-se por um rapaz, com quem começou a namorar, quando tinha 23
anos, porém, seu pai obrigou a term inar o namoro porque ele não o conhecia. O segundo
namorado foi o seu marido, com quem o pai deixou que namorasse, porque o conhecia.
Casou logo em seguida que o conheceu e engravidou antes de completar 24 anos.
Trabalhou numa casa, como empregada doméstica, antes de se casar. Gostava
muito do serviço e do casal para quem trabalhava. Porém, ao se casar, o marido não a
deixou mais trabalhar, dizendo que ele poderia sustentar a família. Tentou voltar ao trabalho,
mas seu marido não quis e ela acatou.
Sempre ajudou a mãe nas tarefas domésticas, mesmo depois de casada. Desde
solteira, apresentava comportamentos de compulsão por limpeza em relação à casa, que
se perpetuaram durante o casamento. A mãe também era bastante exigente com a limpeza
e elogiava estes comportamentos na cliente. Porém, com o início das preocupações com
a aparência, estes com portam entos dim inuíram .

Ah, bem não fazia né, porque eu era assim, eu limpava aqui, pra mim já tava na
hora de limpar de novo, encafifava sabe? (...) Limpei ali, parece que já ta cheio de
poeira de novo, ia de novo, passava o pano de novo. (Dna. lida).

2.3. História de Contingências relacionadas às preocupações com a aparência


As preocupações de Dna. lida com a aparência tiveram início na infância, quando
não gostava do cabelo, nem de como as roupas ficavam em seu corpo. Por causa disso
recusava-se ir à escola e acabou abandonando os estudos.
Depois dessa época não se lembra de preocupar-se com a aparência, até um dia
em que uma mulher lhe falou que ela deveria começar a usar um óleo na pele, para que
não aumentassem as rugas. Depois deste comentário, começou a perceber que estava
com algumas marcas de expressão ao redor dos lábios. Então procurou uma dermatologista
que lhe disse que em sua idade era norm al surgirem "ruguinhas" (SIC). S entiu-se
extremamente mal com esse comentário e procurou um farmacêutico que lhe indicou uma
pomada. Não satisfeita, comentou com uma conhecida sobre as marcas, que lhe indicou
um creme, o qual começou a passar várias vezes por dia. Foi após o uso do creme, há
quatro anos atrás, que começou a enxergar muitas rugas ao redor dos olhos, com as
quais veio a se preocupar exageradamente. Ela acreditava que o creme causou as rugas
e por isso se arrependia de tê-lo passado.
Há rugas de expressão em sua pele, mas não muito evidentes, normais para uma
pessoa de sua idade. Os cirurgiões plásticos a quem ela recorreu optaram por não operá-
la e a encaminharam para tratamento psicoterápico.

2.4. Comportamentos-problema e característicos do TDC


Inicialmente, Dna. lida olhava-se muitas vezes no espelho para checar a
pele. Relatava que ao se olhar, só conseguia enxergar as marcas na pele, não conseguindo
se olhar por inteiro. Seus comportamentos podiam ser caracterizados como delirantes,
comuns entre pessoas com diagnóstico de TDC.

Sobre Compoil.imenfo c (.'o^nl^o


Eli comecei a ver um negócio assim na beira do olho, né, ai eu falei ah, se eu
passar a mào eu vou tirar, a i comecei a passar a mào, passei a mão aqui, aí
acabei estragando, nó, achava que eu ia tirar, via coisa que não (...). Assim, que
meu rosto lava um monstro, aí eu olhava no espelho e passava a mào e achava
que se eu passasse a unha ia sair. (Dna. lida)
Dna. lida. ficava com a mão na frente da boca, na tentativa de camuflar as marcas
do rosto. Perguntava e se queixava das rugas freqüentemente, para o marido, para as
filhas e inclusive, para a terapeuta, no inicio dos atendimentos. Ela também reparava e se
comparava com outras mulheres.

Conversar assim aberto com a pessoa eu não converso, eu fíco sempre com a mão
assim (mostra com a mão na frente do rosto), segurando assim (segura o queixo
com a mão na frente), sinto mal de ficar assim, sem a mào na frente. (Dna. lida)

Vocô não vè?(...) O pior ó que tem esse creme em todas as farmácias, vocô já viu?
Será que só o meu rosto foi estragar?(...) Eu vejo coisa, nâo sei se você vê uma
coisera na minha pele, como ó que eu vejo, dá pra você ver? (Dna lida)
Com o início das preocupações com as marcas no rosto começou a se isolar
socialmente.

Ê eu tenho vergonha de sair, que nem, a minha menina me chama para sair e eu nâo
saio, às vezes, eu deixo de sair com ela, às vezes, eu preciso sair com ela e não saio,
fico escondida, quando as amigas dela vêem em casa, eu pego e fico escondida no
quarto. (...) Porque eu tenho vergonha, vergonha das marcas no rosto. Nem mais na
casa da minha mãe, que eu ia sempre, eu não vou mais. (Dna. lida).

2.5. Repertório global da cliente


Dna. lida apresentava um baixo repertório social. Falava muito pouco, quase não
emitia suas opiniões e quando o fazia, demonstrava insegurança. Um exemplo de interação
com a terapeuta:

Então, tudo isso fica na minha cabeça, coisa que não tem nada a ver, você acha
que eu é que to pensando errado? (Dna. lida)

Dna. lida tinha poucas amizades. Devido à falta de contato com pessoas e lugares
diferentes, desde a infância e adolescência, não teve oportunidades de desenvolver
comportamentos socialmente habilidosos.

Nunca fui assim de ter muita amiga, tambóm não gostava de sair, eu era meio
vergonhosa de sair. (Dna. lida)
Quanto aos relacionamentos familiares, foram coletadas algumas informações que
demonstraram contingências coercitivas e a ausência de comportamentos de contra-controle.
Tinha uma relação de submissão em relação ao marido. Não brigavam, porém,
tinha que estar sempre pensando no que ia dizer e fazer, pois dependendo do que dizia ou
fazia, ele ficava quieto, parava de falar com ela e só voltava a conversar depois de uns dois
dias. Diante desta situação ela tentava explicar, conversar, mas era inútil. Para evitar que o
marido ficasse bravo, ela tomava uma série de cuidados, como por exemplo, ligava para a
filha mais velha vir embora logo, caso estivesse ficando tarde, pois sabia que o marido iria

JosydcSouzd Moriyama, Verd Lúcid Addmi Raposo do Amardl


culpá-la pelo atraso da filha. Um exemplo de interação entre a cliente e o marido foi um dia
em que ela reclamou que estava cansada de cozinhar. O marido falou que se era para ele,
então não precisava cozinhar e não comeu. Ela tentou levar o prato de comida na cama,
tentou brincar, lutou para descobrir a cabeça dele, coberta pelo lençol, mas ele não quis
comer. Relatou que o "defeito” (SIC) do marido era:

Não pode tirar ele do sério, tem que saber levar, tem uma natureza difícil. Eu nào
tenho nada pra falar dele, mas tem que saber levar (Dna.llda).

Por outro lado, dizia que ele tinha muitas qualidades, como: não reclamava do
barulho quando estava dormindo, levava café da manhã para ela na cama, etc. A cliente
demonstrava ter pouca discriminação em relação às contingências do relacionamento:

Nunca brigamos, o problema tá comigo, porque ele nào faz nada de errado, vem
do serviço pra casa. Ele nào é daquelas homens que ficam em bar. Também è
um ótimo pai. (Dna. lida)
Dna. lida era uma mãe bastante dedicada, demonstrava preocupar-se com horários
a serem cumpridos, com os estudos, com a reputação, com o futuro das meninas.
Conversava e tinha bom relacionamento com a filha mais nova, que lhe fazia companhia, a
maior parte do tempo. Com a filha mais velha a relação era mais difícil, pois ela era
"irritada” (SIC) não ouvia a mãe e gritava com ela, antes que terminasse de falar. Diante
dos gritos da filha Dna. lida se omitia, ficava quieta, justificando:

Entào, eu deixo para lá um pouco, para ela sentir na pele como não se deve tratar
uma mãe (Dna lida).
Muitas vezes a cliente até evitava conversar com a filha. Por outro lado, elogiava a
filha, dizia que ela era inteligente, sabia conversar sobre qualquer assunto, que todo mundo
gostava dela.
Antes de começar com as preocupações, Dna. lida fazia o serviço doméstico para
ajudar a mãe, enquanto as irmãs não ajudavam, porque trabalhavam. Ficava preocupada se
as irmãs iriam julgá-ía por eia não ter ajudado mais a mãe, porém sabia que fazia muito mais
que elas e considerava isso injusto, mas nunca expressava suas opiniões perante a família.

2.6. Conceituação Comportamental dos problemas da cliente


A maioria dos comportamentos, característicos do TDC, apresentados por Dna.
lida tinham a função de fuga/esquiva. Estes comportamentos, provavelmente, foram
selecionados e generalizados para outras situações devido à história de contingências
coercitivas (Sidman, 1995).
Os comportamentos de esquiva estavam sob o controle de estímulos
discriminativos específicos como as marcas na pele, o olhar das outras pessoas e a
presença de outras pessoas.
Quando olham assim, eu acho que estão olhando para as marcas, mas às vezes a
pessoa não está nem pensando e, na minha cabeça, eu acho, eu penso que está.
(...) Se eu ficar assim no meio de muita gente, eu fico vendo as pessoas, fico vendo,
a í eu fico pensando, fico pensando na minha cabeça sobre o creme que eu passei,
eu começo a sair de perto, vou embora, dá crise de choro, eu falo: 'Meu Deus, por
que eu fui estragar meu rosto, o meu rosto não tava desse jeito!1(Dna. lida)

Sobic Com portamento c Cogni(<io


Diante destes estímulos específicos eram eliciadas rospostas respondentes, isto é,
alterações corporais, típicas da ansiedade, consideradas como aversivas. Estas repostas
também se tornaram estímulos discriminativos pré-aversivos, os quais a cliente tentava evitar.
Quando olho assim no espelho, sinto aquele gelo assim por dentro, que vem
assim e (mostra trazendo a mão de baixo para cima do peito) e gela o corpo, ai
eu começo a passar o pano. (Dna. lida)
Os comportamentos de fuga-esquiva eram reforçados negativamente, pois quando
não se expunha a cliente evitava que suas marcas fossem observadas, que a criticassem
ou julgassem. A alta freqüência de comportamentos de fuga/esquiva limita cada vez mais
o repertório comportamental e impede o desenvolvimento de comportamentos com os
quais se poderia ter acesso a reforçadores positivos (Sidman, 1995). Pôde-se constatar
uma baixa taxa de reforços positivos para comportamentos pouco variados no dia a dia da
cliente, como cuidar da casa, assistir TV e fazer crochê.
Ê porque ai você fica pensando outras coisas, trabalhando você nâo pensa, você
fica correndo o dia inteiro e nâo tem tempo de ficar pensando besteira. Agora, em
casa, a gente sempre pensa mais, depois do almoço, já termina o serviço e fica
parada. É um serviço que todo dia è aquela mesma coisa e você vai se estressando
nê, de manhã é a mesma coisa, vai fazer o almoço, è a mesma coisa. (Dna. lida)
Reforços positivos provindos do relacionamento com o marido também eram escassos,
pois o contato entre eles era pequeno. O marido trabalhava durante a noite e dormia o dia todo.
Foi analisado que ao apresentar comportamentos depressivos, falar em morrer, ter crises de
choro, ou machucar a pele em frente ao espelho, Dna. lida recebia ganhos secundários do
marido, que demonstrava grande preocupação, levando-a a médicos, comprando cremes etc.
Sua história de punição, provavelmente, também impediu o desenvolvimento de
comportamentos de coritra-controle. Na época em que deu início à terapia, ainda estava
sob o controle coercitivo, tanto punição positiva, quando a filha gritava com ela, por exemplo,
como negativa, quando o marido retirava a atenção, deixando de falar com ela.
A cliente se comportava de modo a tentar agradar o marido e ficava quieta para
não perder reforçadores ou ser punida ativamente. Viver privada de reforçadores positivos
e sob constante ameaça de punição, elicia comportamentos encobertos respondentes de
ansiedade e tristeza (Sidman, 1995).
A história de contingências e os estímulos em operação atuais podem explicar os
comportamentos apresentados por Dna. lida característicos da depressão, TDC, assim
como, do TOC, apresentados anteriormente aos comportamentos de preocupação com a
aparência. Independente das diferentes topografias, estes comportamentos puderam ser
entendidos como pertencentes à mesma classe de comportamentos de fuga/esquiva.

3. Descrição do Processo Terapêutico2

3.1. Objetivos do processo3

Os objetivos eram enfraquecer os comportamentos-problema (característicos do


TDC) e ampliar o repertório comportamental da cliente, desenvolvendo comportamentos
'* Paralelamente ao processo terapêutico a cliente foi indicada a um psiquiatra e passou a utilizar Venlafaxlna,
um antidepressivo de dupla açâo (inibidor da recaptaçáo da serotonina e noiadrenalina).
3 Até a descrição deste trabalho, foram realizadas 25 sessões. A cliente continua em atendimento terapêutico
e psiquiátrico.

losy de Sou7d Moriyama, Vera l.úua Ad.imi Raposo do Amaral


com os quais ela pudesse ter acesso a reforçadores positivos, que estavam bastante
suprim/dos. Entretanto, partindo-se das discussões anteriores, sobre as vantagens em
desenvolver repertório, ao invés de trabalhar diretamente os comportamentos-problema, a
ênfase da terapia estava voltada, principalmente, para a ampliação do repertório global da
cliente, que era bastante deficitário.

3.2. Intervenção terapêutica

Com o objetivo de ampliar o repertório social da cliente, a terapeuta modelou,


durante a própria sessão, seus comportamentos de emitir opiniões e falar de si mesma.
"O conceito de modelagem pode auxiliar na identificação dos repertórios vigentes"
(Kohlenberg & Tsai, 2001, p.34). Quando a cliente emitia a sua própria opinião, a terapeuta
conseqüenciava com falas do tipo:

Isso mesmo, a opinião da Sra. também é muito importante, gostoi de ver a Sra.
se colocar, (terapeuta)
Paralelamente, quando a cliente emitia o comportamento de pedir confirmações de
suas opiniões, a terapeuta, no início devolvia suas perguntas, depois começou a nào responder
e a mudar de assunto, visando a extinção deste comportamento. Um exemplo de interação:

Você acha que eu estou pensando certo? (Dna. lida)

O que a Sra. acha? Mais importante do que a minha opinião, è a opinião da Sra
(terapeuta)
Estes procedimentos estão de acordo com as sugestões de Kohlenberg e Tsai (2001):

“(..,) um terapeuta habilidoso em observar a ocorrência, na sessão de instâncias


do comportamento clinicamente relevante, tenderá a reagir naturalmente, no
sentido de reforçar, extinguir e punir o comportamento em questão, propiciando
o desenvolvimento de alternativas úteis para a vida diária" (p. 29).
Para fazer a cliente discriminar as contingências a que respondia, a terapeuta
buscou colocar seus comportamentos sob o controle de novos estímulos discriminativos
e, também, mudar a função dos estímulos discriminativos a que seus comportamentos já
estavam sob controle.

"Controlo de estímulo significa que um estímulo exerce controle sobre o


comportamento, que o comportamento muda em sua presonça.(...) Discriminação
refere-se somente à mudança no comportamento com a mudança na situação"
(Baum, 1994, p. 113).
Passou a orientá-la a buscar novas atividades, discutindo algumas alternativas,
como curso de pintura, aulas de leitura e escrita, caminhadas, trabalho voluntário. Em
concordância com a cliente, ligou para sua filha mais nova, que já havia sugerido essa
tarefa à mãe, e pediu que ela ensinasse a mãe a ler e escrever, todos os dias, pelo menos
durante trinta minutos. Também dava instruções para a cliente realizar algumas atividades
durante a semana, as quais chamavam de tarefas, por exemplo: para que visitasse a mãe,
ligasse para alguma amiga, convidasse a amiga para que fosse a sua casa tomar um café,
entre outras. A terapeuta procurava reforçar os relatos verbais sobre as atividades que
havia realizado. Isto está de acordo com a visão de Catania (1999):

Sobff CompoiUmento c Cognição


"(...) podomos modificar o comportamento não apenas por meio de instruções,
mas também modelando o que se diz acerca do mesmo. Se forem reforçados
tanto o dizer, quanto a correspondência entre o dizer e o fazer, o fazer poderá
ocorrer" (p. 280).
A terapeuta acompanhou a cliente em ambiente natural, durante três sessões,
com o objetivo de observar seus comportamentos e mudar o controle de estímulos. Foram
até uma lanchonete, próxima à clínica e, enquanto tomavam café, a terapeuta dava
orientações para que a cliente observasse o movimento, o quanto as pessoas à sua volta
estavam preocupadas com suas próprias coisas, que eram mínimas as chances delas
estarem reparando a pele da cliente.
Com o intuito de fazer Dna. lida discriminar as contingências coercitivas em operação
e lidar com a punição positiva e negativa, da filha e do marido, respectivamente, de forma a
desenvolver comportamentos de contra-controle, a terapeuta pedia exemplos sobre as
interações com ambos e os analisava juntamente com a cliente. Perguntava que sentimentos
os comportamentos do marido lhe causavam, quais suas opiniões sobre as atitudes dele, o
que ela esperava que ele fizesse para que se sentisse melhor. Quanto à interação com a
filha, analisaram que seus comportamentos de se omitir perante os comportamentos
agressivos da filha não estavam funcionando, pois ela continuava gritando com a mãe.
Discutiram que uma coisa é a filha ser educada, inteligente e saber conversar
com outras pessoas, que isso lhe causava sentimentos de orgulho e satisfação. Outra
coisa, era a filha ficar gritando com a mãe e desrepeitando-a, o que lhe causava sentimentos
de tristeza. Diante de questionamentos sobre algum tipo de procedimento da cliente,
após os comportamentos inadequados da filha, que tivesse alguma vez funcionado para
que ela melhorasse, a cliente respondeu que uma vez não deu atenção às amigas da filha
quando foram à sua casa e ela ficou muito chateada. A terapeuta explicou que neste
exemplo ela tomou uma atitude, que era necessário dar conseqüências como esta, que
fossem significativas para a filha, para impor-lhe limites.
Embora os comportamentos incompatíveis aos comportamentos característicos
do TDC estivessem sendo prioritariamente enfocados, alguns comportamentos-problema
apareciam na sessão. Foi utilizada a extinção de verbalizações sobre o defeito, assim
como, de reclamações e lamentações. Diante dos pedidos de confirmação sobre o defeito,
que eram bastante freqüentes no começo da terapia, a terapeuta discutiu com a cliente
como não adiantava que ela lhe respondesse que não estava vendo nada, instruindo:

Eu não vou mais ficar respondendo a essas suas perguntas sobre o rosto. Gostaria
que a Sra. começasse a perceber como vai ser bom eu não responder, pois, com
o tempo, a Sra vai ficar menos preocupada com isso e poderemos conversar
sobre outras coisas. Também gostaria que a Sra. tentasse nâo ficar perguntando
aos outros sobre o rosto, nem ao seu marido, nem às suas filhas, para vermos se
vai melhorando, se vai ficando menos preocupada depois de algum tempo.
(terapeuta)
A terapeuta também deu instruções para a cliente procurar evitar passar qualquer
coisa no rosto e olhar-se no espelho, mais do que o necessário, que foi estipulado em
duas vezes por dia, na hora em que se levantava, para lavar o rosto, e depois que tomava
banho, para pentear o cabelo. Para Baum (1994) todas as instruções são regras e encaixam-
se na categoria de estímulos discriminativos verbais que indicam uma contingência.

Josy do Sou/a Moriyama, Vera l.úcia Atlami Raposo do Amaral


Portanto, além de extinguir os comportamentos-problema na própria sessão e os
relatos verbais sobre os comportamentos característicos do TDC fora da sessão, foi utilizada
a prevenção de respostas. No entanto, a técnica não foi utilizada como um fim em si
mesmo, mas como mais um tipo de controle discriminativo, pois a cliente deixou de ficar
sob o controle de estímulos específicos (imagem no espelho) e passou a ficar sob controle
da instrução (regra) da terapeuta.

3.3. Resultados

Dna. lida diminuiu significativamente o comportamento de pedir confirmações sobre


o defeito a outras pessoas, o que também foi percebido ao longo das sessões. Com o
tempo, conforme foi voltando a frequentar as festas de família, procurava não falar do rosto
e quando alguém lhe perguntava, já que antes este era seu assunto mais recorrente, ela
evitava continuar o assunto. Além disso, a cliente demonstrou ter discriminado a função
que tinha este comportamento:

Eu vi que quando falo de outras coisas, eu acabo me distraindo e esqueço do


rosto. Sabe J. (terapeuta), eu decidi isso, que nâo vou mais falar, pois se todo
mundo que perguntar eu for falar, eu nunca vou melhorar. (Dna, lida)
Observa-se uma nova descrição de contingência (instrução/regra) e a
correspondência entre dizer e fazer. "Por meio de tais contingências (correspondência
entre o dizer e o fazer), o próprio comportamento verbal de cada um pode se tornar eficaz
como estímulo instrucional" (Catania, 1999, p. 280).
Os comportamentos de olhar no espelho e passar o pano diminuíram drasticamente.
Dna lida passou a se olhar no espelho apenas duas vezes por dia e teve duas recaídas em
que passou o pano para tentar tirar as rugas.
Os comportamentos de emitir opiniões, dentro e fora da sessão, aumentaram.
Passou a emitir opiniões e, inclusive, opor-se a comportamentos de parentes que achava
injusto. Com esse tipo de comportamento, passou a receber reforços do ambiente natural,
pois o marido passou a elogiá-la. Um exemplo foi ter respondido á cunhada que estava
tentando puni-la:

Outro dia ela (a cunhada) jogou na m/nha cara, hoje, eu è que jogo na cara dela.
O meu marido, quase ajoelhou no chão de tanto que gostou do que eu falei. Disse
que finalmente eu estou mudando, estou aprendendo a me defender. (Dna. lida)
Dna. lida passou a discriminar algumas contingências no relacionamento com o marido
e a filha mais velha e a contra-controlar. Ela explicou ao marido que ele ficava "emburrado"
(SIC) muito fácil e que isso a incomodava. Obteve reforços com este comportamento de
conversar e expor seus sentimentos, pois o marido deixou de apresentar os comportamentos
de retirada de atenção, após situações, em que normalmente faria. Ela verbalizou:

Sabe J. (terapeuta), a gente nâo pode ficar guardando com a gente, nâo tá certo
a pessoa ficar emburrada. (Dna. lida)
Em relação à filha, passou a consequénciar seus comportamentos
inadequados, retirando estímulos reforçadores (punição negativa), como por exemplo, não
deixando o jantar pronto para ela, o que trouxe bons resultados nos comportamentos da
filha para com a cliente. É importante ressaltar que se optou por ensinar a cliente a usar a
punição como contra-controle, porque a extinção, quando deixava de falar com a filha

Sobre (.'omport.imonto e CofiniçJo 285


após seus comportamentos agressivos, não era eíicaz. Entretanto, a cliente foi instruída a
usar a punição apenas num primeiro momento, para obter outros comportamentos mais
adequados da filha, que passaram a ser reforçados, instalando-se assim, um repertório
mais adequado na filha, em relação à cliente.
As fontes de reforçamento da cliente foram ampliadas. Iniciou aulas de leitura e
escrita com a filha. Começou a caminhar e ir à igreja todos os dias. Voltou a visitar a mãe
e ir ás festas de família. Fez algumas viagens com as filhas e sozinha. Voltou a se relacionar
com uma velha amiga, que passou a encontrar para tomar café, ir à missa e até foram
assistir a um show, durante o processo terapêutico.
Durante as sessões, a cliente passou a sorrir, a ficar mais falante, a vir mais
arrumada, com lápis nos olhos, sobrancelhas tiradas e cabelo pintado. Passou a dormir
melhor e raramente tinha crises de choro.

Agora eu levanto de manhã e estou mais feliz, o dia está mais bonito! (Dna. lida)

4. Conclusões
A terapeuta procurou ampliar o repertório geral da cliente. Isto foi feito através da
modelagem dos comportamentos na própria sessão e do aumento da discriminação das
contingências em operação. Dna. lida ia até as situações naturais, realizava as mudanças
comportamentais e recebia conseqüências diferentes. Ao voltar à sessão e relatar seus
comportamentos a terapeuta liberava conseqüências positivas e o repertório da cliente ia
sendo ampliado. Entretanto, reforçar o comportamento verbal durante as sessões não é
suficiente para que os comportamentos sejam mantidos em ambiente natural (Delitti,
2003). Isto vai depender das conseqüências naturais obtidas com estes comportamentos.
Os comportamentos incompatíveis aos característicos do TDC, no caso de Dna. lida,
foram generalizados para fora das sessões, pois passaram a ser reforçados em ambiente
natural. O marido, de quem antes recebia atenção com os comportamentos-problema,
passou a reforçar positivamente os comportamentos incompatíveis. Embora as classes
de comportamento características do TDC não tenham sido diretamente alteradas, elas
diminuíram em freqüência, como conseqüência da alteração dos comportamentos
incompatíveis a elas, estes sim diretamente manejados durante as sessões.

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Josy de Souza Moriyama, Vera Lúcia Ada mi Raposo do Amaral


„Capítulo 26

Uma análise sobre os


comportamentos de indisciplina na
sala de aula
Kctncy fton/oifo fíocchi*

O objetivo do presente texto óode apresentar uma pesquisa sobre a análise da


ocorrência de comportamentos de indisciplina em sala de aula e corno os professores
atuam diante deles. Para tanto, se faz uma introdução do que vem a ser indisciplina e
como ela ó vista pelos professores e, posteriormente, são demonstrados os procedimentos
de coleta e análise de dados empregados, bem como algumas considerações finais.
Sabe-se que a indisciplina faz parte de discussões e preocupações dos professores
tanto de escolas públicas quanto de escolas privadas. Para entendermos como ela ocorre,
considera-se importante, em primeiro lugar, conhecermos quais são os comportamentos
apontados pela literatura tidos como indisciplina. Para isso foram selecionadas pesquisas
que mostram resultados sobre o que pensam alunos e, principalmente, professores em
relação à mesma em sala de aula.
De um modo geral a indisciplina é vista como algo que interfere negativamente
nas atividades escolares. Em pesquisa realizada por Ivanoff (1988) os comportamentos de
indisciplina aparecem agrupados em três conjuntos: movimentação dos alunos; desrespeito
do aluno para com o professor e descompromisso do aluno para com as atividades
acadêmicas. Tais comportamentos são, na opinião de professores e alunos, incompatíveis

*Psicóloga, Doutoranda em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
botxhiffiiiQl.cQm -br
O presente trabalho é baseado na Dissertação de Mestrado da autora (2002) sob orientação da Profa. Dra.
Melania Moroz apresentado na mesa-redonda intitulada "Contribuições Convergentes da Análise do
Comportamento na Educação" no XIII Encontro da ABPMC / II ABA - Campinas. Setembro de 2004.

Nobre Comporl.imcnlo c Cotfniçdo


com a aprendizagem em sala de aula. A pesquisa da autora ainda nos permite notar que
os comportamentos de indisciplina não só aparecem quando professores e alunos falam
de indisciplina, mas também ao discutirem a disciplina. De acordo com os dados de
Ivanoff (1988), ao serem questionados sobre o conceito de disciplina, professores e alunos
passaram a identificá-la, em alguns momentos, com a negação dos comportamentos de
indisciplina. Portanto, não agredir, não fazer bagunça e outros foram elencados como
comportamentos de disciplina. Tal visão de disciplina, segundo a autora, acaba tendo
como características a docilidade, a obediência, a passividade e o silêncio. Esta visão
seria oposta a uma perspectiva de transformação e mudança sociais, ou seja, segundo a
autora, a indisciplina pode ser vista também como indicador de necessidade de mudança
das contingências que estão operando em sala de aula.
Freller (2000) realizou pesquisa na qual elencou um conjunto de comportamentos
que na opinião de professores ó considerado indisciplina: conversar em sala, locomover-
se na sala, fazer perguntas de outros assuntos, cantar durante as aulas, responder ao
professor, correr pelos corredores, não fazer atividades, fazer atividades diferentes da
proposta, brincar na aula, imitar animais, roubar, brigar etc.
É interessante notar que, embora as pesquisas tenham sido realizadas em épocas
diferentes, os comportamentos relatados por professores pesquisados por Freller (2000)
se aproximam dos comportamentos apontados por Ivanoff (1988). Do conjunto de
comportamentos apontados pelas autoras temos os seguintes comportamentos de
indisciplina: conversar (em tom normal ou elevado); gritar (individualmente ou com os
colegas); cantar (individualmente ou com os colegas); brincar (imitar animais, caçoar,
dentre outros); movimentar-se (sair do lugar, correr, pular); responder ao professor
(desobedecer, contrapor-se oralmente); agredir fisicamente ou verbalmente (brigar, executar
brincadeiras de mau gosto a pessoas ou ao ambiente físico, xingar, danificar objetos ou o
prédio da escola); roubar; mentir; fazer atividade diferente da proposta (mexer em agenda,
usar walkman); perguntar sobre outros assuntos.
Embora os comportamentos apontados nas duas pesquisas possuam semelhanças,
a opinião dos alunos acerca da indisciplina na pesquisa de Freller (2000) difere da opinião
dos alunos na pesquisa de Ivanoff (1988). Estes últimos entendem a indisciplina como uma
série de comportamentos que incomodam e que são sempre categorizados como
inadequados, independentes da atuação do professor em sala de aula. A pesquisa de
Freller (2000) revela um aluno mais crítico que considera a indisciplina na relação que existe
com o professor. Embora tenha sido uma postura apresentada somente pela parte discente,
ela já revela um passo para o entendimento de que comportamentos de indisciplina indicam
a necessidade de modificação de contingências de ensino. Neste sentido, podemos destacar
uma diferença entre professores e alunos ao se referirem aos comportamentos de indisciplina:
os alunos os consideram interligados à atuação do professor em sala de aula, ou seja, a
indisciplina tem a ver com a relação professor-aluno. Por sua vez, os professores não vêem
a indisciplina na relação professor-aluno, mas apenas a consideram característica do
comportamento do aluno, apoiando-se nos conceitos de quietude, passividade e silêncio.
Quanto às causas da indisciplina a pesquisa de Freller (2000) demonstra que os
professores apontam os fatores individuais, familiares e sociais como possíveis explicações
em detrimento do julgamento das práticas escolares que produzem.
Estudos realizados por Rego (1996) já evidenciavam explicações semelhantes
acerca das causas da indisciplina. Referindo-se aos professores, mostraram que estes
vêem a indisciplina sob diversos ângulos: atribuem aos "traços de personalidade do aluno",

290 Ketncy Honfofio Bocthi


ao "sinal dos tempos", reflexo da pobreza ou ainda educação recebida na família. Conforme
descrito, na concepção do professor, a ocorrência de comportamentos inadequados parece
não depender das contingências que ele mesmo planeja em sala de aula, já que atribui as
causas ao próprio afuno, a fatores familiares e sociais.
No entanto, sob o olhar do aluno, as explicações para a indisciplina são diferentes.
De acordo com Rego (1996), há constantes reclamações dos alunos não somente a
respeito do autoritarismo presente nas relações escolares, da aspereza de determinados
professores, mas também da qualidade de suas aulas, da quantidade de matérias
incompreensíveis e desinteressantes. Em outras palavras, os alunos colocam em
discussão o arranjo de contingências de ensino em sala de aula.
O arranjo de contingências de ensino, como fator importante no entendimento da
temática da indisciplina, pode ser visto no trabalho de Guilhardi, Bettini e Camargo (1977).
Há muito tempo, esses autores, apoiados na análise experimental do comportamento,
mostram que a manipulação adequada de contingências de reforçamento pode melhorar o
desempenho acadêmico do aluno, diminuindo, conseqüentemente, a ocorrência de
comportamentos inadequados. Os autores ressaltam que não se trata de estar atento aos
comportamentos tidos como indisciplina e, conseqüentemente, puni-los, mas, sim, saber
observar os adequados, reforçando-os contingentemente.
Na mesma direção, De Rose (1999) chama a atenção para alguns aspectos
importantes em relação às atividades empregadas em sala de aula: primeiro propõe uma
discussão que gira em torno do tipo de conseqüência presente nas atividades acadêmicas;
segundo, discute a possibilidade de diminuir os comportamentos de indisciplina em sala
de aula planejando e adequando as atividades aos alunos; terceiro, chama a atenção para
a revisão do conceito de disciplina baseado no silêncio e na passividade. Colocando em
questão o ensino, o autor atribui parte dele como sendo responsabilidade do professor.
Concordamos com De Rose (1999), ao dizer que os professores precisam rever o
conceito de disciplina baseado no silêncio e na passividade. Dessa forma, atos
categorizados como indisciplina em sala de aula podem sinalizar não o desrespeito e a
bagunça perante o professor, mas comportamentos adequados como interesse e
questionamento, possíveis de ser compatíveis com a aprendizagem. Também concordamos
que os comportamentos de indisciplina são, em parte, produtos das contingências
arranjadas pelo professor em sala de aula, portanto, a análise de sua ocorrência deve ser
feita a partirdas interações estabelecidas entre professor e aluno.
Quanto ao enfrentamento dos comportamentos de indisciplina pelos professores
em sala de aula. as pesquisas de Carvalho (1990); Martin (1999); Estrela, 1992; Vasconcellos,
1993; Araújo, 1996; Jover, 1998; Zanotto, Moroz E Gióia, 2000; Bibou-nakou, 2000 revelam
o emprego de estratégias baseadas na coerção como notas baixas, repreensões, atividades
extras, bem como transferência do aluno para o suporte intra-escolar.
Tendo em vista aprofundar o conhecimento relativo aos comportamentos de
indisciplina em sala de aula, no presente trabalho propomo-nos a identificar os
comportamentos de indisciplina que ocorrem e como professor atua diante deles.

P rocedim ento de coleta de dados


No presente trabalho, tomada a decisão pela observação direta em contexto natural,
ou seja, na própria situação de sala de aula, optou-se por realizá-la em aulas do ensino
médio de uma escola particular da cidade de São Paulo. As observações foram realizadas

Nobre Comporl.imonfo c Coflniçilo


no segundo ano do ensino médio, em especial numa das turmas do segundo ano, com 42
alunos. A escolha dessa turma deu-se pelo fato da pesquisadora, em contato com a
assessora da escola, tomar conhecimento de que havia, entre os professores, queixas de
indisciplina em relação a este grupo de alunos.
Ao total foram 13 dias de observação, sendo 15 aulas observadas ao todo.
abarcando três diferentes disciplinas, perfazendo um total de 12 horas e 30 minutos de
observação. Para a escolha das disciplinas, levou-se em consideração aquelas que
normalmente fazem parte do currículo e que são avaliadas no vestibular (português,
matemática, física, biologia, inglês, história, geografia, química) e também aquelas
disciplinas que, embora curriculares, não são comuns a todas as escolas (sociologia,
arte, ensino religioso e desenvolvimento pessoal). No total foram escolhidas três disciplinas,
sendo duas do primeiro grupo e uma do segundo grupo.
O registro sistemático das observações teve como foco a descrição dos
comportamentos de indisciplina na interação professor-aluno. Como já visto na revisão de
literatura, são considerados como comportamentos de indisciplina: conversar (em tom
normal ou elevado); gritar (individual ou com os colegas); contar (individual ou com os
colegas); brincar (imitar animais, caçoar, dentre outros); movimentar-se (sair do lugar,
correr, pular); responder ao professor (desobedecer, contrapor-se oralmente); agredir
fisicamente ou verbalmente (brigar, executar brincadeiras de mau gosto a pessoas ou ao
ambiente físico, xingar, danificar objetos ou o prédio da escola); roubar; mentir; fazer
atividade diferente da proposta (mexer em agenda, usar walkman); perguntar sobre outros
assuntos. Assim, havia uma delimitação sobre o que observar em sala de aula, muito
embora, houvesse imprevisibilidade quanto à ocorrência desses comportamentos.
O registro feito foi cursivo, destacando-se as atividades propostas pelo professor e a
forma como o grupo-classe respondia ao proposto; a pesquisadora criou um sistema no qual
pudesse identificar o início e o fim das atividades desenvolvidas em sala de aula. Registrava-se,
seqüencialmente, as ações do professor e as dos alunos (individual e grupo-classe). Ao terminar
o registro do episódio, a pesquisadora mudava de parágrafo e iniciava o registro do novo episódio.

Procedimento de análise de dados


O primeiro passo para começar a análise dos dados foi a digitação do registro de
todas as aulas observadas. A maioria das aulas foi digitada na sua totalidade; ocorreu o
descarte de apenas algumas frases que estavam incompreensíveis. Como uma forma de
preservar a identidade dos professores, optou-se por colocar nomes fictícios; quanto às
disciplinas, além de não nomeá-las, optou-se por eliminar os conteúdos específicos que
pudessem identificá-las, substituindo-os por descrição do tipo "aluno pergunta ao professor
como se faz para resolver x; o professor responde".
No primeiro momento de análise, ocorreu a transformação do registro cursivo para
episódios que descreviam as interações professor-aluno, tendo como referencial a tríplice
contingência. No caso, procurou-se relacionar o comportamento do aluno com o
comportamento do professor; para tanto, foram elaborados quadros com três colunas,
respectivamente: comportamento do professor, comportamento do aluno e comportamento
subseqüente do professor. Assim, a pesquisadora analisava cada frase registrada e a
transferia, conforme o descrito, em cada coluna do quadro. Por exemplo:
O critério para a identificação de episódios baseou-se na mudança de parágrafo registrada
no caderno de registro de observações. Durante a observação, a cada término de algum episódio

Kctncy Nonfogo Bocchi


Comportamento do professor Comportamento dos alunos Comportamento subseqüente
do professor

Explica a matéria. Aluna convorsa com colega. Olha para ela e diz: "Tchau, nos
vemos na próxima aula".

Olha para ela e diz: “Tchau, nos Aluna levanta e sal da sala. Continua a explicação da matéria.
vemos na próxima aula".

ocorrido em sala de aula, como já salientado, a pesquisadora passava a escrever um novo


parágrafo. Deste modo, o término de cada parágrafo facilitava a identificação dos episódios.
Conforme os episódios eram transfendos para o quadro, eram também enumerados.
Durante o processo de transformação do registro cursivo para esses quadros que
apresentavam as interações professor-aluno, a pesquisadora verificou que alguns elos dos
episódios não foram registrados; por exemplo, um dado episódio poderia conter o
comportamento do aluno e o comportamento do professor que lhe foi conseqüente, sem
especificar o comportamento antecedente do professor. Optou-se, então, por sinalizar
com [...] a perda das informações, sempre que isso ocorreu durante o processo de registro.
O processo descrito permitiu a elaboração dos Quadros que descreviam as aulas de cada
um dos professores segundo a proposta da avaliação funcional.
A partir da construção desses quadros, foram construídos gráficos de ocorrências
dos comportamentos de indisciplina. Posteriormente, foram construídos novos quadros nos
quais foram destacados os episódios em que ocorreram esses comportamentos. Durante a
releitura dos quadros que descreviam as aulas segundo a proposta da avaliação funcional, a
pesquisadora verificou que alguns comportamentos de indisciplina dos alunos ora eram
conseqüenciados diretamente pelo professor, ora não. Em outras palavras, em alguns
momentos, diante da conversa dos alunos, o professor imediatamente emitia uma
conseqüência direcionada ao comportamento dos alunos; em outros momentos, diante
desse mesmo comportamento, o professor não os conseqüenciava. Decidiu-se, então, fazer
um reagrupamento dos episódios em função da ocorrência da conseqüência: de um lado, os
episódios em que não houve conseqüências direcionadas aos comportamentos considerados
indisciplina; de outro, os episódios em que houve conseqüências direcionadas aos
comportamentos considerados indisciplina. Além dessas, foi criada uma terceira categoria
chamada outros episódios. Isto ocorreu porque a pesquisadora considerou que alguns
episódios de comportamentos ocorridos durante a aula, embora não fizessem parte do
elenco de comportamentos de indisciplina, deveriam ser considerados, pois poderiam contribuir
para o entendimento do padrão de interação de cada professor com os alunos.
A partir desses recortes feitos, os dados foram analisados tanto quantitativamente,
quanto qualitativamente, procurando-se revelar que comportamentos de indisciplina estão
presentes durante as aulas e como o professor atua diante deles.

R esultados e D iscussão
A seguir, são apresentados os resultados e a discussão a respeito dos
comportamentos apontados pela literatura como indisciplina nas aulas dos professores
Francisco, Antônio e Sílvia.

Sobre Comportamento e C oriiIiüo


Em primeiro lugar serão apresentados os resultados das aulas do professor
Francisco. Dentre os comportamentos de indisciplina apontados pela literatura, a conversa
é o mais freqüente com 75% do total de ocorrências. Já o comportamento de executar
tarefa diferente da proposta ó o menos freqüente com apenas 8% do total de ocorrências.
Do conjunto de 5 aulas observadas, foram identificados 45 episódios que apresentaram
ocorrência de um ou mais comportamentos de indisciplina. Tendo identificado que nas
aulas do professor Francisco ocorreu basicamente conversa entre alunos, cabe analisar
como o professor atua diante delas. Verificou-se que, em 17 episódios, o professor não
emitiu conseqüências direcionadas a esses comportamentos, à diferença dos outros 28
episódios em que houve conseqüências a eles direcionadas.
Do acordo com os resultados apresentados, observou-se que os comportamentos
tidos na literatura como indisciplina são permitidos pelo professor em diferentes situações:
no início da aula, no início de atividade didática e quando escreve na lousa. No entanto,
esses mesmos comportamentos parecem ser aversivos para o professor durante a aula
expositiva (explicação da matéria) e durante a realização dos exercícios. Nestas situações,
o professor conseqüencia esses comportamentos de modo a eliminar / diminuir sua
freqüência ou intensidade. O repertório de conseqüências liberadas pelo professor é bastante
diversificado: faz perguntas, inferências, fala para o aluno guardar material extra, expulsa,
sinaliza futura conseqüência aversiva, gesticula com e sem som, ameaça com objetos,
joga objetos sobre os alunos, interrompe a exposição e olha para o aluno. Na maioria das
vezes em que libera essas conseqüências, o efeito sobre o comportamento do aluno é
imediato, mas, eventualmente, o professor precisa fornecer novas conseqüências.
As falas do professor, na grande maioria das vezes, evidenciaram o comportamento
inadequado do aluno, supondo como fatores explicativos falta de empenho, falta de atitude
etc; em outras palavras, para o professor o desempenho inadequado dos alunos não está
relacionado com a sua atuação corno professor. Além disso, o professor fica claramente
sob controle dos alunos que emitem os comportamentos tidos como indisciplina (conversa,
movimentação, manuseio de material extra), ao invés de ficar sob controle daqueles que
se comportam adequadamente. Ao invés de reforçar os comportamentos adequados, pune
os inadequados, utilizando-se de gestos ou falas.
Enfim, o professor se utiliza do controle aversivo diante do comportamento de
indisciplina do aluno e acaba tendo como conseqüência a recorrência da indisciplina. Pode-
se dizer que o padrão de interação professor-aluno é aversivo, pois repreensões e castigos
são utilizados freqüentemente pelo professor. O acompanhamento das aulas revela ainda
que o professor desenvolve o conteúdo com procedimentos que se repetem constantemente:
exposição oral, exercícios na lousa. Não há estratégias didáticas diversificadas.
Nas aulas do professor Antônio, observou-se que o comportamento de conversar é o
mais freqüente com 89% do total de ocorrências. Já o comportamento de executar atividade
diferente da proposta é o menos freqüente com apenas 4% do total de ocorrências. Do conjunto
de 5 aulas observadas desse professor, foram identificados, no total, 51 episódios que
apresentaram ocorrências de um ou mais comportamentos considerados de indisciplina. Desse
total, frente a 37 o professor não emitiu conseqüências direcionadas a esses comportamentos,
diferentemente dos outros 14 episódios em que houve conseqüências a eles direcionadas.
De acordo com os resultados apresentados, pode-se dizer que dos comportamentos
apontados pela literatura como indisciplinados aparece, em especial, a conversa. Ocorreram,
raramente, nos episódios, movimentação e execução de atividade diferente da proposta

Kctney Konfogo Bocchi


(aluna com agenda na mão, aluna escrevendo no caderno, não reposta ao exercício). Os
comportamentos de postura corporal inclinada sobre a carteira e resposta ao exercício no
lugar de outro aluno não são comportamentos que a literatura aponta como indisciplinados,
porém receberam conseqüências semelhantes às dos comportamentos indisciplinados.
Assim, podemos supor que, para este professor, são considerados inadequados.
Chamou-nos a atenção o fato de que, se compararmos o número de episódios em que
os comportamentos de indisciplina (conversa, movimentação...) não foram diretamente
conseqüenciados com o número de episódios em que as conseqüências foram a eles direcionadas,
verificamos que o professor passa a maior parte do tempo comportando-se em função daquilo
que está ensinando, ao invés de interromper a aula para conseqüenciar aqueles comportamentos,
quando emitidos pelos alunos. Portanto, podemos supor que os comportamentos dos alunos
considerados pela literatura como indisciplina parecem não ser aversivos ao professor e
incompatíveis com a condução das aulas. Pode-se supor que, para esse professor, alunos que
emitem esses comportamentos não seriam considerados, a rigor, indisciplinados.
O acompanhamento das aulas revelou que o professor desenvolve o conteúdo
pautado em um único procedimento: correção de exercícios de uma apostila. Na há
estratégias didáticas diversificadas; no entanto, verificamos, no decorrer das aulas, que o
professor solicita constantemente a participação dos alunos, seja dirigindo-se à classe
como um todo, seja aos alunos individualmente, dirigindo-se inclusive às suas carteiras.
Nas aulas da professora Sílvia, observou-se que, dentre os comportamentos apontados
pela literatura como indisciplina, o comportamento de conversar é o mais freqüente com
69% do total de ocorrência. Já os comportamentos de executar atividade diferente da proposta
e agredir oralmente são os menos freqüentes com apenas 2% do total de ocorrência.
Durante as cinco aulas dessa professora, foram identificados, no total, 46 episódios
nos quais houve ocorrência de comportamentos de indisciplina. Desse total, em 13, a
professora não emitiu conseqüências direcionadas a esses comportamentos,
diferentemente dos outros 33 episódios em que houve conseqüências a eles direcionadas.
Os resultados nos permitem dizer que dos comportamentos apontados pela literatura
como indisciplina apareceram, nas interações, movimentação, agressão verbal (xingar),
contraposição ao professor e execução de atividade diferente da proposta (aluna com folhas
nas mãos) com pouca freqüência, os mais freqüentes foram a movimentação e, em especial,
a conversa. Além desses comportamentos, apareceram também: postura inclinada sobre a
carteira, estouro de bola de goma de mascar e troca de material entre alunas. Esses
comportamentos, embora não tenham sido citados pela literatura como indisciplina, acabaram
recebendo conseqüências semelhantes às dos indisciplinados. Portanto, supomos que esses
comportamentos sejam considerados como inadequados para esta professora.
Esses comportamentos, quando ocorrem, não são conseqüenciados pela
professora em diferentes situações: no início da aula, durante o filme, na entrega de trabalhos
/ prova. No entanto, esses mesmos comportamentos são conseqüenciados pela professora
em outros episódios ocorridos em situações similares. Isso nos faz supor que esta
professora é inconsistente no que diz respeito à emissão de conseqüências aos
comportamentos de indisciplina. Às vezes é permitido conversar, às vezes o aluno é punido
por emitir esse mesmo comportamento. Para o aluno, há maior dificuldade em discriminar
as situações em que recebe conseqüências (punitivas).
Quando conseqüencia de modo a eliminar / diminuir sua freqüência ou intensidade,
o repertório da professora é bastante diversificado: sinaliza conseqüência aversiva, faz

Sobre Comportamento e CogmiAo


comentário irônico, diz "Psiu”, manda alunos sentarem, utiliza objetos e adverte por escrito.
Na maioria das vezes em que emite essas conseqüências, o efeito sobre o comportamento
do aluno é imediato, porém temporário, já que volta a ocorrer pouco tempo depois;
eventualmente, a professora fornece novas conseqüências, prolongando os elos da
interação, mas nem por isso sendo eficiente.
O acompanhamento das aulas revelou que a professora desenvolve o conteúdo
com procedimentos diversificados: aula expositiva, filme, exercicio para nota. Nota-se
ainda que a professora não solicita a participação dos alunos durante as aulas. Raros
foram os momentos nos quais a professora solicitou a participação dos alunos. Em uma
das situações em que o fez. acabou tecendo comentários inadequados diante da resposta
incorreta do aluno. Além disso, verificou-se que, embora a professora tenha diversificado
sua metodologia, o padrão aversivo de interação se manteve o mesmo. Em outras palavras,
mesmo durante o filme, durante a prova ou durante a explicação da matéria, foram raros,
por parte da professora, elogios, comentários acadêmicos, instruções etc.
Em sala de aula, pôde-se perceber que os comportamentos emitidos pela
professora em relação aos comportamentos de indisciplina foram não só ineficazes, visto
o número de recorrências desses comportamentos, como também representativos de
interação professor-aluno aversiva.

Considerações Finais
Tomando-se como referência a literatura (Ivanoff, 1988; FreHer, 2000) existem vários
comportamentos considerados, pelos professores, como indisciplina: conversar (em tom
normal ou elevado); gritar (individual ou com os colegas); cantar (individual ou com os colegas);
brincar (imitar animais, caçoar, dentre outros); movimentar-se (sair do lugar, correr, pular);
responder ao professor (desobedecer, contrapor-se oralmente); agredir fisicamente ou
verbalmente (brigar, executar brincadeiras de mau gosto a pessoas ou ao ambiente físico,
xingar, danificar objetos ou o prédio da escola); roubar; mentir; fazer atividade diferente da
proposta (mexer em agenda, usar walkman); perguntar sobre outros assuntos. De acordo
com os dados obtidos no presente trabalho, verificou-se que apenas alguns desses
comportamentos ocorreram em sala de aula: movimentação, contraposição ao professor,
agressão verbal ao professor, execução de atividade diferente da proposta e conversa.
Como os resultados apontaram, as conseqüências emitidas pelos professores
eram de natureza aversiva e, nesse aspecto, há concordância com a literatura (Estrela,
1992; Vasconcellos, 1993; Araújo, 1996; Jover, 1998; Zanotto, Moroz E Gióia, 2000; Bibou-
nakou, 2000) que destaca o uso de estratégias coercitivas dos professores ao lidarem
com os comportamentos considerados indisciplina. De acordo com os autores, os
professores acabam agindo de diferentes formas, utilizando castigos (às vezes físico),
retirada de algo valioso para o aluno (baralho, revista), ameaça, ironia, expulsão, bilhete
para os pais, redução de nota, gritos, repreensões, entre outros. De acordo com os dados,
ao elencarmos as conseqüências emitidas pelos professores em relação ao comportamento
de indisciplina, alguns desses recursos puderam ser vistos, inclusive a expulsão. O uso
da coerção, no contexto escolar, é uma prática antiga. Skinner (1975) faz referência à
Antiguidade, quando estudar era acompanhado de grosserias e de brutalidades. Segundo
o autor, os educadores da época defendiam o uso da vara de marmelo como um poderoso
coadjuvante da educação, sendo empregados a força e até mesmo a crueldade.

296 Kcfncy Bonfogo Bocchi


De acordo Skinner (1975), à prática de castigar fisicamente, tão cruel e dolorosa,
foram sendo incorporadas outras práticas não-corporais: criticas, descomposturas, sarcasmos,
trabalhos forçados, encarceramento, tarefas adicionais etc. Houve apenas uma substituição
do tipo de práticas, e não uma modificação no seu padrão. De acordo com o autor:
(...) Sâo alguns dos artifícios que têm permitido ao professor poupar o bastão
sem estragar a criança: Sob certos aspectos, sáo recursos menos condenáveis
do que a punição corporal, mas o padrão permanece: o estudante passa a maior
parte de seu dia fazendo coisas para as quais não se sente inclinado: A educação
ó "compulsória" em mais de um sentido (...) (p.92)
Como fica claro na citação, embora essas práticas não deixem marcas físicas no
indivíduo, elas não são menos comprometedoras. Skinner (1975) considera que o trabalho
forçado pode ser tão ruim para o aluno quanto a surra. De acordo os nossos dados, vimos
professores se utilizando de comentários, bem como da ameaça de jogar objetos nos
alunos. Então, nesse ponto podemos questionar: O que os nossos professores entendem
por ensino? Será que ensino está vinculado ao castigo? Parece que sim.
De acordo com Skinner (1975), o uso do controle aversivo provoca alguns
subprodutos indesejáveis que são prejudiciais para a educação. O aluno, educado por
meio do controle aversivo, acaba adquirindo comportamentos que podem ser classificados
como fuga, esquiva e contra-ataque. Outros subprodutos indesejáveis da coerção, também
apontados por Skinner (1975), são a ansiedade, o medo, a raiva e o ressentimento sentidos
pelo aluno. Estes são tidos como reações aos eventos aversivos, reações estas que
podem prejudicar seu desempenho acadêmico.
Além desses subprodutos indesejáveis para o aluno, há o lado dos professores
que também acabam sofrendo os efeitos do controle aversivo. Conforme Skinner:

(...) O jovem professor pode começar sua carreira com uma atitude favorável para
com a sua profissão e para com os seus alunos, apenas para encontrar-se na
posição de quem desempenha um papel consistentemente inamistoso, na medida
que o repertório do comportamento agressivo vai sendo repetidamente reforçado.
É uma perspectiva quo não atrai nem segura bons professores (...) (1975, p.95).
Assim, de acordo com o autor, podemos considerar que as conseqüências do uso do
controle aversivo são capazes não só de provocar subprodutos indesejáveis nos alunos, mas
também nos próprios professores. A desistência e a falta de interesse pela profissão podem
ser geradas por essas condições aversivas de ensino, sem considerar o fato de que a aplicação
de técnicas aversivas chega a ser impeditiva também para o bom relacionamento entre professor
e aluno. Além de se opor a práticas coercitivas, deixando claro os seus sub-produtos indesejáveis,
Skinner (1975) também mostra que é um engano pensar que, ao eliminar os comportamentos
inadequados, ensinam-se os adequados. De acordo com o autor:
(...) Não se faz com que um estudante seja aplicado punindo a preguiça, ou
corajoso punindo a covardia, ou interessado no trabalho punindo a indiferença
(...) (1975, p.141).
De acordo com o autor, o controle aversivo não tem poderes de gerar os
comportamentos desejados. Como afirma Skinner (1995): (...) Retornar ao controle punitivo
é admitir que fracassamos na resolução do problema central da educação (...) (p.137).
Essa é uma das sugestões que consideramos importante para a superação dos
problemas de indisciplina - agir em função do comportamento adequado do aluno,

Sobre Compor1«imer»lo c CoRniçJo


reforçando-o contingentemente. De acordo com os nossos dados, foram identificadas
tanto conseqüências reforçadoras em sala de aula como conseqüências aversivas. Nas
situações em que as conseqüências eram reforçadoras, os alunos também emitiam
comportamentos como perguntar sobre dificuldades, responder questões demonstrando
interesse e participação; diferentemente das situações aversivas em que não verificamos
esse tipo de postura dos alunos.
Concordamos com De Rose (1999), ao destacar que a adequação, pelo professor,
das atividades educacionais ó uma forma de lidar com problemas de indisciplina em classe.
De acordo com os nossos dados, um dos professores mantinha a participação e o engajamento
dos alunos nas tarefas por meio de vários comportamentos que consideramos adequados
do ponto de vista do ensino: solicitava a participação dos alunos e atendia freqüentemente
às dúvidas destes. Esses comportamentos eram contrários aos identificados nos demais
professores, prevalecendo nestes últimos o emprego de contingências aversivas que,
conforme vimos, provoca o distanciamento do aluno em relação à escola.
Também concordamos com De Rose (1999) quando afirma e necessidade de revisão
do conceito de disciplina baseado no silêncio e na passividade. No caso do presente estudo,
os dados indicam que, para dois professores, este parece estar, sim, baseado no silêncio e na
passividade que, por sua vez, parecem ser concebidos como condições necessárias para que
o aluno aprenda. Os dados nos indicam, porém, que não é porque os alunos apresentam
certos comportamentos categorizados como indisciplina, que eles não aprendem. Há indicações
de que mesmo ocorrendo esses comportamentos em sala de aula, há possibilidades de
serem compatíveis com a aprendizagem. O caso de um dos professores é exemplo de que é
possível manter participação dos alunos, motivação, respostas adequadas, concomitantemente
a alguns comportamentos como conversar com o colega, movimentar-se, tidos na literatura
como indisciplina. É claro que um certo silêncio em sala de aula é necessário, mas isso não
significa que ele deva ser condição para que a aprendizagem ocorra.
Enfim, o presente trabalho permitiu verificar que não se pode fazer referência à
indisciplina em sala de aula, desvinculando-a da atuação do professor. Os professores
lidam de formas diferentes diante da ocorrência dos comportamentos tidos como
indisciplina. Ou seja, de um lado, há aqueles que atuam no sentido de eliminá-los, portanto
agem como se considerassem esses comportamentos como indisciplina; por outro lado,
há aqueles que não agem direcionados a esses comportamentos, mas conduzem suas
aulas na presença destes; portanto demonstram não considerá-los como indisciplina.
Também não podemos dizer que conversar, movimentar-se e outros comportamentos
elencados sejam comportamentos de indisciplina, porque, conforme destacado por De
Rose (1999), atos que são categorizados como indisciplina em sala de aula podem estar
sinalizando não o desrespeito, a bagunça, mas comportamentos adequados como interesse
e questionamento, possíveis de ser compatíveis com a aprendizagem.

R eferências
Amado, J. da S. (1998). Pedagogia e actuação disciplinar na aula. Revista Portuguesa de
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^98 Kctney Bonfogo Bocchi


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9, n. 23, p. 217.

Sobre Com /witim cnlo e (.'otfniç.lo


= Capítulo 26

Interpretações analítico-
comportamentaís de histórias
infantis: A história de Pinóquio1.
Idcrcid Abreu Vüsconcclof

A nd Rita C'outinho XdvicrN dvcs

Cdro/inc C'unfhi dd SHvd

Lucidnd Mdchddo Hdrrciros


M d itlid (/d Cos/d Arrudd‘

As histórias infantis facilitam a comunicação com as crianças e possibilitam a


abordagem de uma variedade extraordinária de temas importantes para o desenvolvimento
do repertório comportamental de uma criança. As interações verbais entre pais-criança e
professor-criança, quando mediadas por esses instrumentos lúdicos favorecem reflexões,
tanto por parte das crianças como dos educadores, sobre conceitos e valores importantes
para um determinado grupo social. A criança não é um adulto pequeno, mas um indivíduo
completo, dinâmico, capaz de interagir com o outro e, sobretudo, sensível às contingências
existentes em seu meio. Portanto, ela poderá receber contribuições para o desenvolvimento
de seu repertório comportamental, assim como oferecer contribuições para os seus próprios
educadores. Interações assim constituídas são valiosas e dependem de práticas educativas
destituídas de autoritarismo e que não tenham uma orientação adultocêntrica ou
androcêntrica (e.g., Gomide, 2004; Moreno, 1993/1999).
As ricas interações sociais entre educadores e crianças necessitam de um
ambiente acolhedor, o qual depende de alguns pontos: (1) saber ouvir a criança, aspecto
enfatizado em pesquisas voltadas para o campo da filosofia para a criança - a escola para
0 pensar (e.g., Sardi, 2004). (2) Respeitar as formas de expressão da criança e seu ritmo

1 Projeto parcialmente financiado pela FINATEC e pelo Decanato de Pesquisa e Pós-graduaçáo da Universidade
de Brasília (FUNPE).
2 Endereço: Departamento de Processos Psicológicos Básicos, Instituto de Psicologia, Universidade de
Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro. CEP 70910-900Brasllla, DF. Email: laercia@unb.br
* Alunas do Progama Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica - PIBIC/UnB.

300 Iitfrxli A Viisconcdo*, Aivi kiti C. X. N.ivrv (.'«troliix- C. ill Silva, I ik1<iivi M. Himirus, M«ii1Ii<i di C. AhuiLi
de aprendizagem. O termo gradual deve ser sempre lembrado pelos educadores ao
interagirem, especialmente, com essa população. A aquisição de novas respostas ou a
alteração de um padrão de comportamentos deveria seguir, sempre que possível, um ritmo
de exigências gradual, o que facilitará experiências de sucesso por parte da criança. (3)
Evitar comparações da criança com outras pessoas e, ainda, a classificação de seus
comportamentos por meio de rótulos - tal pai (mâe), tal filho(a); nào adianta ensinar
porque ele(a) è como o pai(mãe) - ou rótulos tais como agitada(o), acelarada(o), lenta(o),
burra(o), atrevida(o), estúpida(o), desamorosa(o) e interesseira(o) - estratégias que podem
contribuir para experiências de insucesso por parte da criança, sendo, em geral,
acompanhadas também por sentimentos de tristeza e raiva. (4) Que os pais tenham uma
rotina de brincadeiras com seus filhos, ainda que seja apenas uma hora por dia no período
da noite. Isso possibilitará a transmissão de seus próprios valores familiares e,
principalmente, conhecer o mundo da criança - seus pensamentos, sentimentos, suas
formas de expressão; seus amigos; as brincadeiras do grupo de amigos ou colegas; e as
atividades em que se insere a cada dia. (5) Não transferir para nenhum profissional a tarefa
de educar o(a) filho(a), mesmo que os pais estejam diante dos especialistas mais
renomados e premiados do planeta. A tarefa de educar o filho é um direito inalienável dos
pais (e.g. Azevedo,2003; Guerra, 2000).
A introdução apresentada neste capítulo evidencia o compromisso do analista do
comportamento no contexto da clínica infantil, considerando tanto os padrões de
comportamentos da criança como os comportamentos apresentados pelos seus
cuidadores/educadores, para tanto, é necessária a compreensão da organização familiar.
A família tem apresentado mudanças significativas em sua rotina e valores. Investimentos
voítados para a criação de estratégias de convivência que aproximem os pais de seus
filhos, apesar da concorrência entre a vida profissional e a vida familiar, constituem-se de
fundamental importância para o desenvolvimento de crianças felizes e saudáveis.
As novas tecnologias de comunicação do século XXI são responsáveis pela
transmissão de informações em alta velocidade, nunca antes imaginada. Inúmeras
informações diariamente alcançam as famílias. São muitos os “especialistas" que
apresentam por meio de softwares, internet, televisão, rádio, jornais e revistas orientações
voltadas para práticas educativas. Diante da variedade de abordagens teóricas e de posições
defendidas por estes “peritos”, vale ressaltar aos pais a importância e a pertinência de
uma auto-observação cuidadosa de sua história familiar, seus valores e dinâmica
idiossincráticos3. As diferenças individuais seja entre famílias, pais ou crianças devem ser
consideradas por todos os profissionais-observadores, profissionais-pesquisadores, os
quais diante de um problema a ser resolvido não recorrem imediatamente a um sistema de
classificação por síndromes ou por faixas etárias.

'Pais atuantes na vida de seus filhos - aqueles que, além de atenderem as necessidades básicas de suas
crianças, brincam e mantém diálogos rotineiramente - desenvolvem fortes vlncutos de amor com seus filhos.
Uma criança acompanhada dessa forma, ao entrar na escola, pode apresentar dificuldades de adaptação e
estes pais podem ser questionados em suas práticas educativas, ouvindo de um especialista que “amor em
excesso faz mal". Entretanto, o retomo destes pais aos seus próprios valores poderá conduzi-los à conclusão
de que sun rotina com seus filhos nâo deve ser alterada, que a forma como estâo transmitindo amor nâo tem
efeitos adversos Concluindo, portanto, que outras estratégias deveriam ser implementadas a fim de facilitar a
adaptação daquela criança ao contexto escolar. Vale ressaltar que muitas instituições de ensino Infantil tôm
desenvolvido uma metodologia com passos que envolvem a presença e a salda gradual dos pais da escola,
deixando a criança mais confortável dentro do contexto académico. Esse exemplo presente na clinica psicológica
infantil ilustra uma visão critica dos pais diante de avaliações apresentadas por especialistas

Sobre Comportiimonto e Co^nlçdo


Entre os instrumentos lúdicos facilitadores da comunicação entre os educadores
e as crianças está a história de Pinóquio. Os profissionais que lidam diretamente com a
criança podem utilizar a história para criarem uma ocasião de discussão de temas
contemporâneos fundamentais: a interação pai-filho; a definição da escola: o seguimento
de instruções dadas por estranhos em detrimento às instruções de um pai; o ganhar
dinheiro de forma fácil; o fumo e o álcool na vida da criança; comportamentos pró-sociais;
o estabelecimento de rotina na vida da criança; o efeito de um rótulo ou diagnóstico; a
responsabilidade de se tornar uma pessoa, um adulto feliz e produtivo, atribuida a uma
criança; e as implicações sociais de se dizer inverdades.
A história de Pinóquioioi escrita na Itália ao final do século XIX por Cario Collodi,
pseudônimo de Cario Lorenzini (Angiolillo, 2002; Collodi, 1883/2002). A versão de Walt
Disney é de 1940 e foi selecionada no presente estudo por ser de amplo acesso a crianças
de diferentes nacionalidades. O filme produz encantamento em crianças e adultos o que
representa uma estratégia adotada pelos produtores de entretenimento infantil. É comum
uma criança assistir a um filme inúmeras vezes, enquanto o adulto pode criar ocasião
para a modelagem de diferentes classes de comportamentos apropriados4. Assim, o objetivo
das interpretações analítico-comportamentais de histórias infantis ó aumentar a liberdade
dos educadores ou terapeutas ao utilizarem estes recursos lúdicos, adaptando-os às
necessidades das crianças atendidas. O trabalho a ser apresentado não é uma crítica
literária, mas uma análise dos comportamentos emitidos pelos personagens. Assim, a
análise da história de Pinóquio faz parte de um projeto voltado para uma abordagem
funcional, apresentando as contingências conseqüênciais que são mostradas às crianças
por meio de histórias infantis.
A seguir serão apresentadas algumas contingências que poderão orientar
discussões sobre diferentes temas com as crianças, em uma situação lúdica, que poderá
envolver brinquedos, músicas ou danças, em diferentes contextos - familiar, escolar, entre
outros. É importante considerar também a possibilidade de utilização dessas mesmas
estratégias adaptadas na interação entre os profissionais e os pais. A participação efetiva
dos pais na educação das crianças e dos jovens é valorizada no contexto das grandes
modificações pelas quais a família tem passado, especialmente nas três últimas décadas.
A história de Pinóquio possibilita um destaque para a figura paterna e para uma
família constituída apenas por pai e filho, uma composição diferente da noção tradicional
de família. Ambos os destaques são temas contemporâneos discutidos por diferentes
profissionais - como psicólogos, filósofos, antropólogos e pedagogos (e.g., Biasoli-Alves,
1997; Donatelli, 2004; Ribeiro, 1995; Zagury, 2004). A participação efetiva dos pais é
necessária no contexto familiar, ao dividir tarefas domésticas e, sobretudo, ao contribuir
para o desenvolvimento de vínculos de amor e segurança com as crianças. A presença
dos pais na vida de seus filhos tem também um efeito a longo prazo ao tornar-se um

4 Comportamentos apropriados referem-se àqueles que mostram sensibilidade às contingências, que são
freqüentemente seguidos por reforçamento social e sentimentos de prazer, sendo valorizados por um
determinado grupo social. Entretanto, estes comportamentos nào são sinônimos de comportamentos
adaptativos Comportamentos inapropriados podem ser considerados também como adaptativos ao garantir
a sobrevivência do indivíduo, embora envolvam riscos a longo prazo O dizer inverdades, por exemplo, pode
evitar uma pu
rilção física, em uma família cujas interações são coercitivas Entretanto, a longo prazo, esses relatos
poderão ser descobertos, confrontados e conseqüenclados com perdas significativas para o Indivíduo.

302 Litoi.i A V.isconcdos, An«i RJf«i X. N<iv«, C\m>llnr t'. ili Silva I ihiwiii M . IViirvinK, M.irlll.i il«i C, Anudi
modelo educativo que provavelmente será repetido pelas futuras gerações de pais e
educadores (e.g., Gomide, 2004).

^ KVCIltON llIlUTCriCIlti*» * ('U llip o rtU IIH M itO S -u lv u •» ('»IIKl>4|ü(lH'lllN


* Sonho do pai o as metas <♦ Scr valente, sincero e generoso. # A transformado tle 1’ inóquio
cstabclccidus pela Pada A /u i (1’ inòquio) em um menino de verdade,
ao IMnòijuio

Para realizar o sonho do entalhador Gepeto de ter um menino de verdade, Pínóquio


deveria seguir os preceitos da Fada Azul: ser valente, sincero e generoso. A
responsabilização da criança por se tornar um menino de verdade ou um adulto responsável,
produtivo e feliz poderá orientar uma outra discussão voltada para práticas educativas e
para o próprio conceito de criança ou de infância. A multideterminação do comportamento
humano e a consideração tanto da história passada de aprendizagem como da situação
presente são princípios que tornarão as explicações de um determinado comportamento
mais completas. Assim, muitas variáveis poderão ser responsáveis por um padrão de
comportamentos observados, seja ele apropriado ou inapropriado. A personalidade da criança
será, assim, compreendida como um processo que depende de suas próprias
características biológicas, incluindo sua aparência física, bem como de seu contexto
familiar e sua cultura (e.g., Keller & Schoenfeld, 1950/1973).
Quanto às práticas educativas, alguns problemas deveriam ser evitados. É comum
o adulto estabelecer como aceitável apenas a emissão de comportamentos apropriados,
com altos níveis de exigência para o repertório comportamental de uma criança. É possível
observar também um viés para o tipo de humor aceitável - uma criança que seja alegre,
não havendo espaço para a expressão de sentimentos como a tristeza e a raiva. Outro
problema é observado quando é substituída a correção do comportamento inapropriado -
criticando-o e oferecendo alternativas de ação - pela crítica do adulto voltada para a criança,
questionando seu amor por ela, diante daquele comportamento emitido. Entretanto, uma
postura humanista e mais efetiva na promoção do desenvolvimento de qualquer
comportamento apropriado-alvo seria demonstrar amor incondicional pela criança,
destacando sua importância como pessoa e, utilizando contingências de reforçamento
positivo em detrimento de contingências aversivas, amplamente empregadas.

* K v c n lo s H iit c c c d c iit c s # ( o m p o r(H im M ilo s -a lv n * C o n s c q iiC n c ia s


Conselhos do pui, da Consciência e ^ Descuniprir tima instrução # Kiscos à integridade llsica e
da liidit • ir puru a escola. do pai e seguir u instrução psicológica de 1’inóiiuio e de
de um novo “amigo". seu pai.
(l’ inó(|iiio)

O seguimento de instruções por parte de uma criança é uma área de estudo que
merece ser considerada tanto com os educadores e terapeutas quanto com as próprias
crianças. Pinóquio recebe a instrução de seu pai de ir para a escola, entretanto, em seu
caminho novos amigos o convencem de buscar uma maneira mais rápida para o sucesso
e a fama - o teatro. O boneco não tem repertório comportamental para considerar os reais
objetivos de seus novos amigos - vendê-lo ao proprietário de um teatro de marionetes. A
influência de outras pessoas sobre os comportamentos de uma criança pode ser observada

Sobre Comportamento c Coflnlçilo


desde os seus primeiros anos da pré-escola. Somada a esta possibilidade tem*se a
contribuição da televisão e da internet apresentando novos itens de consumo, desenvolvendo
novas "necessidades" e valores. Portanto, a presença rotineira dos pais ó fundamental
para apresentar suas alternativas de escolha diante das opções oferecidas pelo mundo
externo à família.
É comum diante do náo-seguimento de instruções que os educadores interpretem
que a criança ou o jovem o está desafiando ou desrespeitando deliberadamente, o que
conduz, em geral, a programação de práticas educativas coercitivas. Entretanto, uma
criança em seus primeiros anos de vida pode receber uma instrução e não generalizá-la
para outras situações semelhantes, o que evidencia a necessidade de repetição da
instrução, podendo ser apresentada de forma variada, utilizando reforçamento positivo, e
não o reforçamento negativo ou a punição. Parâmetros como a clareza da instrução, o seu
detalhamento versus uma instrução geral; a modelagem do comportamento verbal e sua
relação com o comportamento não-verbal são algumas das variáveis que podem ser
consideradas nas discussões com educadores (ver as revisões de Cavalcante, 1999 e de
Abreu-Rodrigues & Sanabio-Heck, 2004).
Questões reflexivas poderiam ser apresentadas às crianças: o que é ser um menino(a)
de verdade? O que significa ser valente, sincero e generoso? Um menino(a) de verdade pode
também cometer erros? O que podemos fazer quando percebemos que cometemos um
erro? Pinóquio poderia ter dito “não” às propostas de seus novos amigos? Pinóquio poderia
resolver os seus problemas de forma diferente - quando foi convidado a ir ao teatro e, quando
recebeu o diagnóstico de que estava doente e deveria ir para a Ilha dos Prazeres?

# Kvcntos antecedentes # ( omportumcntos-alvo * ('onscqüí'nci»s


Apresentação de um diagnóstico # Pudrâo de comportamentos Atenção social, limitações ou
ou um rótulo. estereotipados consistentes privilégios de acordo com o
com o diagnóstico ou rótulo. diagnóstico ou rótulo.

Os efeitos da rotulação das crianças, a partir de seus comportamentos, são também


tratados pela história. Pinóquio encontra a caminho da escola uma raposa, o João Honesto,
que lhe convence da necessidade urgente de buscar descanso em um local apropriado, já
que o pequeno boneco sofria de alergia. A Ilha dos Prazeres foi apresentada como o local
perfeito onde tudo ó permitido. As crianças podem fumar, beber, bater à vontade e destruir o
que desejarem. Novamente, Pinóquio não percebeu os verdadeiros objetivos de seus amigos,
que era o de entregar todas as crianças que gazeteiam as aulas e desobedecem a seus
pais a um misterioso mercador. Este, por sua vez, tinha também um objetivo secreto -
transformar todas essas crianças em burrinhos de verdade a serem comercializados.
É interessante enfatizar a mudança das expressões de Pinóquio ao receber o
diagnóstico de João Honesto, o amigo que se dispôs a examiná-lo, supondo haver algo
muito sério em seu estado de saúde. João Honesto, ao encontrar-se pela segunda vez com
Pinóquio se apressou em dizer; Oh, pobrezinho, você deve estar com esgotamento nervoso,
com palpitação psicopata da aorta florestal, com tiques nervosos... No transcorrer do
diagnóstico, Pinóquio que antes caminhava com segurança e disposição passou a apresentar
uma expressão de cansaço e tristeza. Seu novo estado o fez concordar em viajar para a Ilha
dos Prazeres. Os rótulos tornaram-se estímulos discriminativos para os comportamentos
de Pinóquio, o que o fez mudar e procurar por um tipo de tratamento indicado.

L ifa .ii A . V riscunuH oi A n .i Rll.i t \ X . N iiv w , (".iruJlnc d i S ilv a I ik íiik i M Ktirmros, Miirfliii d i A rrw li
Os educadores e terapeutas podem promover uma reflexão sobre a ampla utilização
da classificação de comportamentos considerados inapropriados de uma criança em
transtornos mentais definidos pelo Manual de Diagnóstico e Transtornos Mentais, o DSM
IV-TR (2002/2003). As condições ambientais oferecidas a uma criança podem conduzir ao
desenvolvimento de um padrão de comportamentos inapropriados. Assim, a análise e a
intervenção devem ser voltadas para as condições adversas, e não para a responsabilização
simplista da criança, utilizando construtos internalistas como explicação de seus
comportamentos inapropriados ou, ainda, a medicalizaçào de problemas sociais.
Diagnósticos intuitivos formulados por profissionais em instituições de ensino ou por
pais, com altos níveis de exigência diante de uma criança, têm sido freqüentemente registrados.
Ademais, o diagnóstico médico de muitos transtornos mentais da infância se apresenta também
sobre uma base frágil ao se detectar critérios vagos em sua formulação. Diante de dificuldades
acadêmicas é urgente que todos os profissionais da infância atuem em busca de condições
que favoreçam o desempenho com sucesso da criança. O método de ensino, a punição como
estratégia disciplinadora, as salas com excessivo número de alunos, o significativo rodízio de
professores devido às condições de trabalho questionáveis, a ausência dos pais na rotina de
seus filhos são variáveis a serem alteradas para que as crianças formem vínculos de amor e
segurança e desenvolvam o comportamento de estudar de forma apropriada. É necessário
estimular a curiosidade, a investigação, oferecendo alternativas de açáo. Uma educação plena,
não apenas voltada para o conteúdo de disciplinas do ensino regular, mas que envolva a
formação voltada para as áreas intelectual, emocional e social.

+ K v e n t o s a n te c e d e n te s # C o n ip o r tu m e n to s - a lv o # C o n s e q iiô n c ia s
# Fada A a i I - ^ Kclato de inverdades. # Mais relatos de inverdades
l’ or que vocô nâo ibi para escola? (1’ inóquin) para evitar contradivftes...
Cirsci/neMo di> nariz,..
A descoberta de uma inver­
dade.

E, finalmente, a contingência mais citada em Pinóquio- as conseqüências coercitivas


para o comportamento de dizer inverdades. O que se destaca é o rótulo mentira ou o que
acontece a um menino(a) mentiroso(a). O dizer inverdades, quando altamente freqüente no
repertório de uma criança, ocorre, em geral, para evitar a estimulação aversiva. Pinóquio sabia
que para ser um menino de verdade dependia apenas dele ser sincero, valente e generoso. Em
seus descaminhos da escola ele se vê preso em uma gaiola e sendo interrogado pela Fada
Azul. Nesse contexto, o boneco conta uma história que não ocorreu, na tentativa de evitar um
resultado adverso - ser boneco para sempre ou ficar preso para sempre.
Diante do comportamento de dizer inverdades de uma criança, torna-se fundamental
uma análise das práticas educativas, as quais em geral envolvem punição, com uma
convicção pedagógica do comportamento de bater nos fííhos (e.g., Azevedo & Guerra,
2001). Entretanto, nossa história mostra significativas alterações da visão da criança tanto
na pedagogia quanto na legislação que envolve crianças e adolescentes. Na pedagogia
tradicional, enfatizava-se a submissão da criança ao adulto, uma educação voltada para a
disciplina e, a visão da criança como detentora de uma natureza originalmente corrompida,
o que justificaria os comportamentos de supervisão coercitiva (Azevedo & Guerra, 2001).
Porém, os preceitos dessa pedagogia foram substituídos e passaram a incluir os direitos
da criança, com uma visão dinâmica entre o ensinar e o aprender. O autoritarismo presente

Sobre C o m p ortam en to e Cotfniç.lo 305


nessas relações é substituído pelo diálogo, pela possibilidade infinita de troca entre o
professor e o aprendiz. Uma mudança significativa, envolvendo os direitos da criança também
ocorreu no mundo jurídico na passagem da antiga legislação menorista, denominada Código
de Menores para o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA\ Entretanto, as reais
condições de grande parte das crianças ainda necessita de urgente modificação. A
negligência" é uma das principais variáveis associadas a comportamentos anti-socials
nas crianças e tem efeitos tão severos quanto o espancamento (Gomide, 2004). Muitos
bebês e crianças são órfãos de pais vivos e muito ocupados com seu universo profissional.
Assim, ao analisar o comportamento de dizer inverdades é necessário investigar as
práticas educativas às quais a criança tem sido exposta nos contextos familiar e escolar.
Esta contingência da história de Pinóquio cria também uma ocasião para discussão das
diferenças existentes entre os comportamentos de fantasiar e de mentir' do uma criança. É
possível observar a criança no mundo do faz-de-conta sem, contudo, representar um potencial
problema. Ela poderá criar informações, o adulto poderá compartilhar, brincar com os novos
conceitos ou relações imaginadas sem resultar em problemas de adaptação ao mundo real.
Brincando com a criança podemos transitar entre os conceitos e personagens do imaginário
e os da realidade. Fantasiar ou brincar podem estar presentes em todas as faixas etárias e
contribuir para estados de relaxamento e felicidade na vida profissional e familiar. Monteiro
Lobato e James Burrie, autor da história de Peter Pan, são excelentes escritores de histórias
infantis que podem ilustrar o valor do transitar entre os mundos da fantasia e da realidade.
A ênfase em rótulos, uma vez mais, poderá contribuir para sentimentos de tristeza,
vergonha e auto-avaliações depreciativas, não-consistentes com as contingências. Dizer a
uma criança que ela é mentirosa é uma adjetivação que pressupõe o seu objetivo de induzir
o outro ao erro. Essa denotação, por sua vez, controla o comportamento do ouvinte,
conduzindo-o à crítica ou punição do falante. Assim, as crianças poderiam ser conduzidas
a uma reflexão sobre os riscos de utilizar esse adjetivo ou substantivo, mentiroso(a) e mentira:
o que podemos sentir ao ouvirmos que somos mentirosos ou o que dissemos é uma mentira?
Podemos interagir de uma forma diferente sem utilizarmos os termos mentiroso(a) e mentira?
Quais podem ser as conseqüências para o comportamento de dizer inverdades? Podemos
brincar no mundo da fantasia sem que isso represente dizer uma inverdade?
A história de Pinóquio, portanto, pode contribuir para o fortalecimento de
comportamentos apropriados no repertório de crianças e de jovens. Os temas tratados
podem ser ampliados num contexto lúdico-educativo envolvendo os pais, os professores ou
os terapeutas. Os comportamentos dos personagens, apresentados a partir de contingências
conseqüênciais, podem tomar-se ocasiões ricas para o desenvolvimento de conceitos variados
presentes na história. Uma visão crítica para além do bem e do mal pode ser, assim, modelada
sem, contudo, retirar a criança do mundo do faz-de-conta. Os adultos podem adaptar a
história aos seus valores e, sobretudo, ao seu cotidiano, introduzindo conteúdo que julgar
importante para a criança e para a transmissão dos seus valores familiares.

“EGA - Lei No 8 069 de 13/07/1990, texto atualizado em 08/07/2002 (Ministério da Justiça, 2002)
"Negligência é caracterizada pela desatenção, pela ausôncla, pelo descaso, pela omissão ou, simplesmente,
pela falta de amor (Gomide, 2004, p 69) É a omlssôo ao rrâo-prover as nocessidades físicas e emocionais
de uma criança ou adolescente (e g , Azevedo, 2000/2003).
' Mentir - Dizer, afirmar ser verdadeiro (aquilo que se sabe falso); dar informação Uilsa (a alguém) a fim
de induzir ao erro (Houaiss, 2002)

306 I «lóaii A , V iisconidos, A n .i Rjl«i C'. X . N«ivw, C.iaJiiH ’ C iLi Silv.i, I u i i i m M Rinvirt*, M .irlli.i <l.i A m id i
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Sobre (.'om porl.im cnlo i* ('of)nl(tlo 307


Capítulo 28

O Questionário Construcional de
Qoldiamond:
Uma Análise Não-linear de
Contingências
Lincoln di S//v,i L/imcncs!

!\w t I honuisAndnmis*

/. V. /oc Liyntf3

A Abordagem Construcional de Goldiamond (1974) é definida como "uma orientação


alternativa à abordagem patológica, onde a solução para os problemas consiste na
construção de repertórios (ou no seu restabelecimento ou transferência para novas
situações) em vez de eliminação de repertórios" (p. 14). Essa abordagem ó contrastada
com uma orientação patológica que "focaliza no alívio ou eliminação de perturbações
comportamentais, por vários meios... Tal abordagem (patológica) freqüentemente considera
0 problema em termos de uma patologia que, a despeito de como foi estabelecida,
desenvolvida, ou é mantida, deve ser eliminada" (p. 14).
Esta orientação construcional faz uso de uma análise funcional não linear
(Goldiamond, 1975; 1979; 1984), que se refere a situações onde o comportamento de interesse
(perturbador, alvo, terminal, etc.) não é simplesmente uma função das ocasiões e
conseqüências (e suas histórias) que imediatamente o circunscrevem, mas também das
ocasiões e conseqüências de padrões alternativos (e suas histórias). Os comportamentos
problemáticos (e não problemas) ou perturbadores (CPs) são analisados como sendo função
da resolução de uma matriz contingencial envolvendo esses comportamentos e outros
comportamentos alternativos, considerando seus custos de desenvolvimento e suas relações
conseqüênciais de custos e benefícios. Dessa forma, os CPs são considerados como se
fossem uma escolha racional, dada a resolução da matriz das alternativas disponíveis.
As intervenções orientadas por esta abordagem são geralmente dirigidas à
programação de outros padrões de comportamento (alvos) e à resolução da matriz de
forma favorável a esses alvos. Assim, os CPs não são objetivos de mudança, mas tornam-
1 Universidade de Brasília
2 Northern Michlgan Unlversity
3 Headsprout, Inc

I in io ln dii Silva ly im e n c s, l\iul íliom<is A n d ro o is , I. V . loc l.<iy»)N


se ausentes quando a matriz ó resolvida "economicamente” de outra forma. Os programas
eliminativos, orientados por uma abordagem patológica, dirigidos aos próprios CPs, podem
privar o indivíduo de reforçadores críticos e reduzir os graus de liberdade para obtenção
desses reforçadores. Por outro lado, os programas construcionais desenvolvem novas
alternativas que propiciam a obtenção desses reforçadores, aumentando assim os graus
de liberdade, além de evitar as armadilhas óticas e legais de programas eliminativos (cf.
Goldiamond, 1974; 1976; Wexler, 1973). Mais do que isso, a abordagem construcional
respeita o indivíduo como funcionando normal, racional e adaptativamente (apesar das
conseqüências perturbadoras do comportamento).
Na análise dos CPs, suas alternativas, e comportamentos alvos, além da matriz
de relações contingenciais, são consideradas também as variáveis satélites que
complementam a ecologia comportamental. Entre essas variáveis, podemos citaras regras
de estabelecimento das contingências e seus resultantes controles abstracionais (por
exposição à contingência) e instrucionais; os programas/história (procedimentos) de
desenvolvimento das contingências; as variáveis potencíadoras (motívacionaís, ou
operações estabelecedoras) que tornam as contingências mais ou menos efetivas; o cenário
(conjunto de estímulos constantes), que não entra na definição da contingência, mas na
presença do qual a contingência foi estabelecida e cuja mudança pode alterar
temporariamente o controle da contingência sobre o comportamento; e os padrões de
comportamento induzidos pelas contingências, ou comportamentos adjuntivos.
Um programa construcional para o estabelecimento de novos repertórios
comportamentais envolve os seguintes elementos: 1) Metas - especificação dos objetivos
comportamentais a serem alcançados; 2) Repertório corrente relevante - o repertório
comportamental de entrada, a partir do qual novos repertórios serão construídos; 3) Conseqüências
mantenedoras - identificação e determinação dos reforçadores a serem utilizados no transcorrer
do programa; 4) Passos do programa - agenda de intervenção considerando a "distância” entre
o repertório de entrada e as metas; e 5) Medidas de progresso - critérios estabelecidos para
avaliação do progresso do programa e para sua reestruturação, quando necessário.
O Questionário Construcional proposto por Goldiamond (1974) como um
instrumento auxiliar nessa abordagem, é utilizado para obter informações específicas para
programas comportamentais na clínica, na escola, nas organizações, bem como em outras
aplicações. Esse instrumento é útil para avaliar: 1) O repertório corrente e atributos pessoais
do cliente que contribuem de forma significativa para seus problemas comportamentais; 2)
variáveis ecológicas atuais e históricas que sustentam ou mantém seus padrões de
comportamentos problemáticos; 3) qualquer recurso pessoal, comportamental, material,
social ou ambiental que o cliente tenha que possa ajudá-lo a completar o programa com
sucesso; e para 4) explicitar objetivos comportamentais que ele possa razoavelmente
atingir participando no programa.
O questionário agrupa perguntas específicas em questões com objetivos mais
gerais, e serve como um roteiro de entrevista, focalizando aspectos que são importantes
para o desenvolvimento de uma análise funcional bem com para a elaboração de um
programa de intervenção. Este texto tem como objetivo ajudar na utilização efetiva desse
roteiro. O entrevistador pode alterar o fraseado (quando o respondente não entender
corretamente o conteúdo da pergunta, ou necessitar dicas extras), mas tanto os objetivos
explícitos quanto implícitos devem ser preservados. Dessa forma, o questionário será
apresentado com as perguntas seguidas de comentários sobre qualquer objetivo implícito,
sugerindo perguntas de seguimento ou alternativas, e vários exemplos comuns que podem

Sobre C o m p o rtiim cn lo c (.'»flníção


servir como dicas úteis. As questões gerais e as perguntas específicas são apresentadas
em negrito, com as partes em itálico servindo de orientação para o entrevistador. Algumas
das perguntas foram expandidas ou elaboradas para uma melhor compreensão das mesmas.

Introdução
Eu vou lhe fazer algumas perguntas que podem nos ajudar entender
exatamente em que direção devemos trabalhar neste programa. As perguntas
têm três objetivos:
Primeiramente, nós precisamos de informações que nos auxiliem a conhecer você.
Em segundo lugar, a partir das perguntas que as pessoas fazem, podemos aprender
coisas sobre elas; assim, estas perguntas podem lhe ajudar a conhecer sobre a
abordagem que usaremos neste programa.
Em terceiro lugar, para verificar como estamos progredindo, nós precisamos de
registros, informações anteriores e posteriores. Isto é um tipo de "informações
anteriores” sobre como você vê as coisas agora, e quais os objetivos que você deseja
alcançar. Portanto, por favor, fale o que achar necessário.

Questão 1. Resultados
Eu vou lhe fazer uma série de perguntas sobre nossas metas. Você está aqui
porque deseja que algum tipo de mudança ocorra em sua vida ou algo semelhante.
1a. (Resultados apresentados). A primeira delas é: Assumindo que nós
tenhamos sucesso, quais seriam os resultados para você?
Esta questão fornece aos clientes a chance de dizer em suas próprias palavras
exatamente porque eles procuraram nossa ajuda. Respostas comuns podem incluir: “eu
preciso perder peso”; “eu preciso perder tantos quilos"; "meu médico disse que eu tenho de
parar de me preocupar tanto com meu..."; “eu quero parar de gritar tanto com meus filhos";
"eu não posso parar de trabalhar, mas também não posso continuar no mesmo emprego";
etc. Como as respostas a esta pergunta são tipicamente apresentadas em termos negativos
(perder, se livrar, não magoar, evitar, sentir menos, etc.) elas são freqüentemente inadequadas
para determinar direções positivas do programa. Entretanto, esses tipos de resposta podem
fornecer dicas sobre como o cliente foi motivado a procurar o programa. Esta também é uma
boa pergunta para coletar importantes informações módicas, como diagnósticos anteriores
de diabetes, hipertensão, arteriosclerose, padrões familiares de doenças cardiacas ou
vasculares, e assim por diante. Nesse respeito, respostas a esta questão ajudam a identificar
se pode haver algum benefício físico imediato e distinto que os clientes esperam obter do
programa (como alívio de dores de artrites, serem capaz de respirar mais livremente etc.), ou
se eles foram encaminhados ao programa simplesmente por conta de futuros riscos em sua
saúde - infelizmente, medo de uma morte iminente é um motivador (surpreendentemente)
fraco e (somente) temporário para mudanças de comportamento, e quanto mais as pessoas
vivem após ouvir sobre os riscos para sua saúde, menos elas são motivadas pelo medo.
Finalmente, esta questão dá aos clientes a oportunidade de apresentar imediatamente suas
agendas, expressar suas preocupações, e simplesmente começar a conversar com o
entrevistador em seus próprios termos. Não deveria haver nenhuma tentativa de reestruturar
ou redirecionar qualquer resposta a esta pergunta, exceto quando o entrevistador necessitar
alguma clarificação ou alguma informação adicional importante.

Lincoln ila Silva C/imenes, l\»ul I hom .is A rn lro n ls, f. V . loc I iiynfl
1b. (Resultados observáveis). Isto pode parecer ridículo, mas suponha que
um desses discos voadores que vivemos ouvindo falar seja real. Ele aterrissa e
2.000 pequenos marcianos desembarcam. Um deles ó designado para observar
você. Estamos no Dia-L - Dia de Liberação dos seus problemas - e o pequeno
marciano segue você invisivelmente. Ele registra suas observações e as repassa
a um computador toda noite. O que o marciano vê você fazendo? Lembre-se:
Você já terminou este programa com sucesso, e você parece e se sente da maneira
como você queria. O que o marciano vê?
Esta pergunta pode, na verdade, soar ridícula, mas é bastante eficiente em fazer
os respondentes pensarem (freqüentemente pela primeira vez) sobre alguns resultados
verdadeiramente positivos que eles podem esperar se participarem com sucesso no
programa. É uma pergunta suficientemente "brincalhona" para fazer os respondentes se
sentirem confortáveis - permite a eles darem respostas genuínas, sem sentir pressão
para apresentar alguns tipos de metas completamente racionais e intelectuais que eles
podem pensar que o entrevistador está buscando. Dizer que um marciano é o observador
do resultado do programa permite ao entrevistador focalizar nos esforços do respondente
em descrever aspectos concretos e observáveis das suas vidas futuras; listas explícitas e
objetivas de atividades recreacionais, ocupacionais e de rotina diária que eles se engajariam
se não fossem seus problemas; qualquer relação interpessoal existente que é importante
para eles ou a falta delas; redes sociais disponíveis que podem sustentar mudanças de
comportamento; e assim por diante. A forma da pergunta também ajuda a elucidar (sem
fazer o entrevistador parecer distanciado ou crítico) quaisquer hábitos ou práticas
aparentemente idiossincráticas que podem simplesmente ser obscuras às pessoas não
familiarizadas com a cultura nativa ou subcultura particular do respondente. Sendo solicitado
a falar em termos concretos e no “aqui e agora" ao invés de falar em termos subjetivos ou
“anteriores e posteriores” (como “eu quero ser mais feliz”... “ter uma aparência melhor"...
“sair mais vezes"... “ter mais amigos"... “ser capaz de usar roupas mais elegantes" etc.),
o respondente fornecerá ou dará respostas que podem ser usadas para formular metas
úteis de tratamento e medidas objetivas do seu progresso durante o mesmo. O entrevistador
pode fornecer algumas dicas tais como: “com que freqüência o marciano vê você jogando
boliche quando você não se cansa mais facilmente?"; "exatamente que estilo de roupa
você estaria usando?"; “você estaria trabalhando no mesmo emprego (ou teria os mesmos
amigos, cônjuge etc.)?"; ou “o que o marciano veria você fazendo que mostrasse a ele que
você está feliz (mais energético, mais saudável, mais capaz de controlar estresse, com
bom humor, mais popular etc.)?". Esta pergunta pode também ajudar a identificar problemas
pessoais ocultos que, mesmo que não relacionados às metas do programa, podem,
entretanto, interferir com um compromisso adequado do respondente em participar das
atividades programadas. Um comentário final: esta questão tem sido utilizada efetivamente
com uma ampla variedade de clientes psiquiátricos, incluindo alguns que eram
extremamente paranóicos na ocasião das entrevistas, outros que reclamavam de ansiedade
crônica ou aguda, fobias, obsessões, compulsões ou dores (sem causa física aparente),
e muitos que simplesmente procuraram alívio de hábitos problemáticos ou distúrbios mais
sérios de comportamento. Clientes psiquiátricos geralmente não esperam um terapeuta
começar a falar sobre um marciano, assim essa pergunta tem, geralmente, o efeito de
"desarmar" ou "baixar a guarda", especialmente com pessoas que de outra forma podem
ficar extremamente na retaguarda ou desconfortáveis num ambiente clínico. Se você tiver
qualquer reserva mais séria sobre o uso desta questão com um cliente em particular, pule

Sobre C’omport«imcr»to e (.'ogniçAo 311


a parte do marciano e pergunte de forma alternativa como, por exemplo: "Imagine que você
pode se observar depois que completou nosso programa com sucesso. O que você vê?".
Enquanto essa forma de pergunta pode parecer menos bizarra ou provocativa para você do
que a versão apresentada anteriormente, ela também será, quase com certeza, menos
efetiva em fazer o cliente falar livremente ou nos termos concretos do observador marciano.
1c. (Estado presente). Como isso é diferente do jeito que as coisas são agora?
Esta pergunta dá aos clientes uma chance de dizer o que está atualmente errado
com suas vidas, mas os forçam a dizer o que está errado em comparação com o jeito que
eles gostariam que as coisas fossem. A resposta que eles darão aqui, dirá geralmente
aquilo que provavelmente você já sabe muito bem: sobre algumas das maneiras em que
os problemas médicos ou comportamentais são custosos e perturbadores para eles. Essa
informação é geralmente sugerida, se não explicitada de forma bastante clara, pelas queixas
apresentadas pelos clientes.
1d. (Exemplo). Você pode me dar um exemplo?
Se na pergunta anterior o cliente lhe der respostas vagas ou (muito) gerais, como
"Ah, quase tudo na minha vida agora é diferente daquilo que o marciano veria...", peça a
ele que dê alguns exemplos concretos dessas diferenças, e forneça dicas caso precise
lembrar-lhe algumas das coisas que ele disse que o marciano poderia ver.

Questão 2. Áreas a serem alteradas e inalteradas pelo program a


O próximo grupo de perguntas se relaciona àquelas coisas na sua vida
que estão indo bem, e outras que não estão.
2a. (Áreas inalteradas, coisas indo bem). Provavelmente têm coisas na sua vida
neste momento que estão indo bem - coisas que você não quer que sejam alteradas
pelo nosso programa (incluindo algumas comidas favoritas que você absolutamente
se recusa em parar de comer, ou hábitos distintos que o tornaram "famoso” com sua
familia e seus amigos, dos quais você não quer desistir). Você pode descrever algumas
dessas coisas que estão indo bem, ou que você não quer alterar de forma alguma?
Respostas a esta questão podem fornecer dois tipos de informações úteis: 1) sobre
certos aspectos do estilo de vida dos clientes que podem competir com a obtenção dos
resultados almejados pelo programa (e dessa forma podem apresentar problemas em potencial
a suas adesões aos protocolos de intervenção); e 2) sobre algumas coisas ou atividades que
você pode utilizar dentro do programa para ajudar motivar os clientes a continuarem ou aderirem
aos requisitos da intervenção. Entretanto, os clientes geralmente responderão a esta questão
com afirmações curtas, sem inspiração, e de certa forma superficial, do tipo: "nada na minha
vida está indo bem, então eu não me importaria de mudar tudo!" Você pode dar dicas para que
eles digam se, de fato, mudariam seus cônjuges, seus trabalhos, suas casas, e assim por
diante, se eles tivessem a chance de fazê-lo; isso geralmente os faz ser consideravelmente
mais específicos, mas também, para muitos desses clientes, isso pode ser a primeira
oportunidade, em um longo tempo, para que "lembrem suas bênçãos", por assim dizer.
2b. (Coisas que nâo estão indo bem, mas que não serão melhoradas pelo
programa). Têm coisas acontecendo na sua vida neste momento que você não
gosta, mas que não serão afetadas pelo nosso programa?
Esta é uma pergunta despretensiosamente simples e inofensiva, mas não se deixe
enganar por ela. O que você obtém aqui serão geralmente os mais importantes pedaços de

312 I Iiko I m il.i Silvd l/lm en«, l\iul lliom.u Amironls, I. V. )oc I itynq
informação em toda a entrevista. Esta é algumas vezes chamada de questão da “agenda
oculta", porque geralmente leva o cliente a falar livremente de problemas que são muito
importantes para eles, extremamente pessoais, e que de outra forma eles poderiam não
admitir ter. A forma da pergunta sugere aos clientes que você não quer aprofundar muito
esses poucos e especiais problemas privados que os estão perturbando, mas que eles
podem, caso queiram, contar esses problemas de forma que vocês saibam quais problemas
deixar nos bastidores; isso dá aos clientes a chance de falar desses problemas nos seus
próprios termos, na sua própria velocidade em confidenciá-los a você, e na extensão em que
eles sintam que é confortável e “seguro". Você geralmente obterá relatos surpreendentemente
gráficos de certos tipos de problemas (isto é, problemas extremamente pessoais em relações
maritais, sociais, parentais, e outras relações sociais, admissões secretas de baixa auto*
estima ou autoconfiança, medos secretos, e assim por diante), que os clientes sentem
muito constrangimento de trazê-los à tona, ou que eles sentem serem muito dolorosos para
discutir com meros conhecidos, mas que geralmente constituirão as mais importantes áreas
de suas vidas que necessitam de intervenção programática.
2c. (Subprodutos do programa). Que outras coisas na sua vida podem mudar,
além daquelas em que trabalharíamos diretamente no programa?
Esta pergunta geralmente produz respostas similares àquelas dadas a questão
prévia de “agenda oculta", mas tem uma abordagem mais positiva. Ela também começa a
modelar o pensamento dos clientes sobre alguns dos benefícios na vida real que eles
podem experimentar a partir de intervenções bem sucedidas, e geralmente representa
algumas das suas primeiras oportunidades para “avaliar" os resultados desejáveis da adesão
aos seus programas de intervenção, ao invés de focalizar exclusivamente no trabalho duro
e nas difíceis mudanças de estilo de vida necessárias para alcanças suas metas.

Questão 3. História de mudanças


3a. (Tentativa presente). O que fez com que você quisesse começar um
programa como este agora? Por quê?
Esta pergunta fornece pistas para os clientes desvendarem se eles estão procurando
ajuda devido a piora de seus problemas; mudanças importantes em suas vidas privadas (i.e.,
perda de emprego ou moradia, abandono do cônjuge por outro amor, etc.); janelas de
oportunidade (i.e., alteração positiva inesperada de rendimentos ou outros benefícios no trabalho
(geralmente um novo trabalho), disponibilidade extra de tempo não prevista, etc.); coerção por
outras pessoas que lhes são importantes; e assim por diante. Algumas dessas informações
também sào úteis para descobrir se os clientes estão procurando ajuda por razões que irão,
na verdade, sustentar sua recuperação, ou irão simplesmente satisfazer os requisitos de
outras pessoas, totalmente não relacionados com as necessidades dos próprios clientes.
3b. (Primeira tentativa). Quando lhe ocorreu pela primeira vez tentar essas
mudanças? O que estava acontecendo na sua vida naquele momento? O que
vocô fez? Quais foram os resultados?
Respostas a esta (e à próxima) pergunta podem fornecer a você histórias completas,
tanto módicas, psicológicas, ou ocupacionais. Você pode induzir os clientes a fornecerem
informações específicas sobre seus tratamentos módicos passados, e suas tentativas para
mudar aspectos em seus estilos de vida, suas razões para tentar isso naqueles momentos,
que tipos de profissionais foram consultados ou os recursos utilizados, o quanto eles tentaram,
se outras pessoas foram úteis nessas tentativas, qual o sucesso delas, e assim por diante.

Sobre C‘om port.im c»to e ('o riiíçJ o


Ao lhe fornecer as cronologias de seus estados de saúde e tentativas passadas de
tratamentos, os clientes geralmente também relembram detalhes biográficos sobre eventos
concorrentes e circunstâncias, que os ajudam em suas próprias lembranças; você pode
registrar essas informações adicionais para referências futuras - algumas vezes você pode
retomar esses fatos adjacentes, com os próprios clientes ou com suas familias, para verificar
a qualidade da informação que você obteve durante esta entrevista inicial. Além disso, toda
informação histórica ajuda a formar um quadro mais completo dos clientes como pessoas,
sejam essas informações acuradas ou não! Mesmo suas mentiras, suas distorções do
passado, os fatos que elas evitam falar, ou suas lembranças meramente falhas, tudo isso
diz alguma coisa sobre as pessoas que você está entrevistando.
3a. (Outras tentativas). O que vocô fez então? O que estava acontecendo?
Quais foram os resultados? (A sórie continua ató o presente).

Questão 4. Recursos
A próxima série de perguntas ó sobre áreas em que você é forte, certas
habilidades ou recursos que você tem que nós podemos desenvolver no nosso
programa. Todas as pessoas têm algumas coisas nas quais elas são muito boas,
de forma que ninguém tem que começar completamente do zero.
4a. (Habilidades relacionadas às metas do programa). Que habilidades ou
aptidões você tem que são relacionadas com aquilo que você gostaria de alcançar
neste programa?
Você pode dar dicas aos clientes sobre habilidades específicas que eles podem
precisar em seus programas específicos, e avaliar em que extensão eles podem já ter
essas habilidades. Por exemplo, conhecimento básico sobre bons hábitos alimentares e
interesse e aptidão para certos esportes são repertórios úteis para pessoas que devem
mudar seus hábitos alimentares e físicos; experiência de manter registros no trabalho, ou
história de manter diários pessoais, é extremamente útil para clientes que precisam manter
registros detalhados de suas atividades diárias ou hábitos específicos; estudantes
universitários podem (ou não) já saber como elaborar e ler gráficos; diabéticos podem
saber como aplicar em si próprios, injeções de insulina; e assim por diante. Dadas as
metas que os clientes afirmaram em resposta á primeira pergunta da entrevista, junto com
sua compreensão geral da vinculação que a intervenção em seus problemas particulares
pode vir a estabelecer, você pode guiar e fornecer dicas aos clientes ao longo da avaliação
de seus repertórios correntes relevantes - "correntes" no sentido em que eles já podem
fazer tais coisas, "relevantes" significando diretamente relacionados ao seu mais provável
programa prospectivo de tratamento, e “repertórios" significando algumas vezes habilidades
complexas e de grande escala, tanto "cognitivas" quanto físicas.
4b. (Outras habilidades não relacionadas às metas do programa). Que outras
habilidades ou aptidões você tem? Algum recurso especial (tais como equipamentos
especiais em casa; sociedade em alguma organização que pode ser útil; possíveis
novos recursos financeiros, etc.)?
Aqui você obtém informações sobre as competências gerais dos clientes, e seus
recursos sociais e financeiros. Você pode avaliar: se seus clientes podem ler, ou a qualidade
da leitura (leitura é uma habilidade básica, mas também muitas vezes inexplicavelmente
ausente, e que é crucial para quase qualquer programa de mudança de comportamento

3 1 4 I incoln il>i Silv.i l/ im c n r t, l\iul I liom .is A in lro n is, |. V . lot* I <iy»R
para adultos); se eles têm algum passatempo, ou interesses especiais (i.e., fazer
artesanato, cozinhar, ler romances, ou outras atividades que podem ser úteis, por exemplo,
em programas de "redução de estresse" ou relaxamento); se eles pertencem a alguma
organização que provavelmente apóia as tentativas dos clientes para mudar seus estilos
de vida (i.e., organizações comunitárias, religiosas ou profissionais, Alcoólicos Anônimos,
clubes de leitura ou de outras atividades, grupos de casais, e assim por diante); que
recursos financeiros são disponíveis para os clientes e suas famílias (i.e., seguro saúde
para atendimento psicológico e outros, renda familiar, parentes abastados que poderiam
oferecer o uso de casa de praia ou coisas do tipo, etc.) Você pode usar esta pergunta para
avaliar com o que, no geral, os clientes podem contar, tanto por eles mesmos ou por
outros.
4c. (Controle de estímulos). Existem momentos ou lugares quando o problema
presente não é um problema, ou quando ele é pelo menos mais ameno?
"Controle de estímulos" refere-se a observação que um dado padrão de
comportamento ó mais provável de ocorrer sob certas circunstâncias (geralmente porque
é mais provável de ser "recompensado", ou porque outros padrões alternativos não são
"recompensados" sob essas mesmas circunstâncias.) Ao invés de focalizar nas piores
situações, piores momentos, e fracassos, esta pergunta dá aos clientes a chance de falar
sobre aqueles momentos e circunstâncias quando as coisas não são tão ruins, ou sobre
momentos quando eles são, na verdade, capazes de lidar um pouco mais eficientemente
com seus problemas. Tente chamar à atenção aqui para quaisquer habilidades adaptativas
e de enfrentamento eficaz que os clientes possam já possuir, mas que não estão cientes
delas. Como você está perguntando "existem alguns momentos quando...", você está, na
verdade, revelando aos clientes que você sabe que os problemas deles estão presentes
na maior parte do tempo, mas com algum esforço eles podem ser capazes de pensar em
algumas poucas e extraordinárias circunstâncias quando eles obtiveram algum grau de
alívio (em geral, os clientes podem rapidamente pensar em numerosas situações quando
seus problemas não são tão severos, mas eles têm medo de admitir, por pensar que isso
pode questionar a legitimidade de seus sintomas).
Como uma regra geral, evite perguntar diretamente aos clientes quando os
problemas ocorrem ou quando os problemas são particularmente ruins - você pode ter de
esperar um longo tempo para qualquer resposta satisfatória a tais perguntas, especialmente
em casos onde os problemas permitem aos clientes evitar ou escapar de certas tarefas
desagradáveis ou obrigações, as quais, caso contrário, teriam de realizar. É como dizer
ao cliente, "eu penso que você está simplesmente fingindo que tem esses problemas,
para obter simpatia, ou evitar cumprir suas responsabilidades familiares ou sociais. Você
pode me dizer exatamente quando você tem esses problemas específicos, de forma que
eu possa provar que você está apenas fingindo?" Que clientes em seus perfeitos juízos
admitiriam tais coisas ao responder suas perguntas colocadas dessa forma? Além disso,
os clientes geralmente têm uma fala automática que eles recitam toda vez que solicitados
para descrever seus sintomas (mesmo quando solicitados “só mais uma vez, para nossos
registros"), e dessa forma as informações que os clientes fornecem geralmente se tomam
menos acuradas e menos úteis cada vez que eles são solicitados a repeti-las. Eles também
não precisam de mais prática em reclamações, a maioria deles já é bastante bom nisso
quando você os vê pela primeira vez. Eles poderiam, entretanto, usar toda a prática que
eles têm para pensar e falar construtivamente sobre seus problemas, sobre como solucioná-
los, o assim por diante.

Sobro C o m p orliim en to r ('o# m çdo 315


Faça alguma coisa que seja provavelmente bem diferente daquilo que os clientes
esperam: pergunte aos clientes sobre momentos e circunstâncias quando as coisas não
são tão ruins, ou quando eles se sentem um pouco melhor, ou mesmo particularmente
bem. Como resultado, os clientes geralmente fornecem respostas genuínas e bem
elaboradas e podem, algumas vezes, aprender tanto sobre seus problemas quanto vocé,
a partir das respostas deles.
4d. (Outros problemas resolvidos). Que outros problemas você lidou com
sucesso? Como?
Esta pergunta (e a próxima) é uma pergunta indireta sobre as habilidades e recursos
gerais que os clientes possam dispor e que funcionam para eles; é similar à pergunta 4b, acima,
mas ajuda vocô conseguir que o cliente fale em termos concretos sobre habilidades específicas
para solução de problemas, que eles podem possuir, mas as quais podem não ser capazes de
lembrar fora de contexto. Esta é uma forma contornada, mas bastante efetiva de conseguir que
os clientes forneçam exemplos reais de áreas nas quais eles são dotados de atributos pessoais
especiais ou de outros recursos disponíveis. Esta é uma outra forma de fazer os clientes
"lembrarem suas bênçãos", fazendo-os lembrar específicas linhas de evidência históricas.
4c. (Controle passado). Você alguma vez teve domínio sobre o presente
problema? Caso afirmativo, quando e sob que circunstâncias? Alguma idéia de como?
Esta pergunta objetiva a identificação de habilidades dos clientes para lidar com o
problema atual. Respostas a esta pergunta ajudam você identificar situações positivas de
controle de estímulos, estratégias e recursos utilizados, e apoio social, que poderão ser
úteis na elaboração do programa de intervenção.

Questào 5. Conseqüências
Eu vou fazer algumas perguntas sobre alguns efeitos produzidos pelo seu problema,
ou efeitos que você gostaria de produzir com a solução desse problema.
5a. (Reforçadores dos sintomas: positivos). Você provavelmente já ouviu o
provérbio, “ há males que vêm para o bem.” Com respeito a algumas vantagens
ou desvantagens que possam ter “ vindo para o seu bem," alguma vez seu problema
produziu alguma vantagem especial ou considerações por você (na escola, no
trabalho, ou em casa)? Por favor, forneça exemplos específicos.
Você pode fazer algumas coisas com esta pergunta. Primeiro, pela sua própria
forma, você pode usar esta pergunta como parte da sua avaliação da capacidade de
compreensão dos clientes (i.e., eles compreendem o provérbio corretamente, ou eles o
interpretam de uma forma particularmente desordenada ou destorcida?).
Mais importante ainda, vocô pode começar identificar que resultados do comportamento
problema do cliente pode, na verdade, manter esse padrão, apesar dos custos módicos ou
sociais para ele - em outras palavras, de que maneiras podem os sintomas do cliente ser
"adaptativos" ou considerados de algum modo benéficos, apesar de seus aspectos obviamente
perturbadores. Algumas vezes, os clientes são extremamente cautelosos ao responder qualquer
pergunta sobre "o que eles conseguem" com seus sintomas, mais uma vez por conta das
possíveis implicações de que os sintomas sejam falsos. Após garantir a eles que você acredita
que os sintomas sejam, sem dúvidas, reais, você diz a eles que, mesmo assim, normalmente
existem algumas coisas boas que podem advir de doenças ou problemas. Os clientes geralmente
respondem adequadamente a isso (por exemplo, "bem, pela primeira vez em 20 anos meu
cônjuge diz que me ama, que sente minha falta, e que não vê a hora de eu voltar para casa após

Lincoln da Sllv<i l/im cnc*, P.iul Ihom.is Andronlí, T. V, loc l.iiynn


o trabalho" ou "meu patrão finalmente me deu a sala maior, de modo que eu pudesse estar mais
perto do banheiro", ou "quando eu falto à escola por causa de uma dor de cabeça, mamãe me
deixa tomar sorvete em casa para me ajudar a sentir melhor").
5b. (Reforçadores dos sintomas: negativos). Como um resultado do seu
problema, vocô já foi alguma vez desculpado por coisas, ou de coisas, o que você
não seria se a situação fosse outra?
Esta é uma pergunta difícil, pelas mesmas razões citadas nos comentários das
perguntas 4a e 4b acima. Vocô pode fornecer dicas que vocô acha que funcionaria aqui
para deixar os clientes saberem claramente que vocô não está sugerindo que eles são
enganadores. Mais uma vez, a questão aqui é avaliar se, e em que extensão, o padrão
perturbador de comportamento dos clientes estão produzindo algo para eles, neste caso
possibilitando a saída de certas situações indesejáveis, tarefas desagradáveis, obrigações,
circunstâncias, ou simplesmente livrando-lhes a cara" quando eles fazem coisas que não
seriam normalmente perdoadas. A maioria dos clientes dirá embaraçadamente, por exemplo,
que "Minha família é tão solícita e preocupada que eles não me deixam fazer muitas
coisas para ajudar na manutenção da casa, cuidar do quintal, etc. - eu estou ficando
pirado por não ter muito que fazer, mas eles simplesmente não me deixam!"
5c. (Custos dos sintomas). Como o seu problema atual ó um peso para
vocô, ou como ele ó um risco para você?
(Simplesmente omita esta pergunta se o cliente já forneceu uma resposta satisfatória
à pergunta 3a. acima: ("Por que começar agora?")).
5d. (Possíveis reforçadores atuais). Que tipos de coisas você realmente gosta
de fazer? Existe alguma coisa que realmente lhe motiva?
Existem coisas que os clientes gostam de fazer, ou coisas que eles estariam dispostos
a se esforçar para fazô-las. Você pode sistematicamente arranjar oportunidades para eles
fazerem algumas dessas coisas como incentivos para atingir metas do programa, ou como
atividades que, por si mesmas, tenham aspectos terapêuticos. Na maioria das vezes, os
clientes falarão livremente sobre essas coisas, mas clientes deprimidos farão vocô trabalhar
duro, para tentar arrancar alguma resposta razoável - deixe claro para eles que você compreende
que provavelmente eles não tenham se divertido muito ultimamente, mas durante os bons
tempos, antes deles ficarem deprimidos, que tipo de coisas eles gostavam de fazer?
5e. (Comportamentos de alta probabilidade). Ao invés disso, o que você se vê
fazendo (ou conseguindo?)
Esta pergunta pode lhe dar muitos tipos de informação importantes, sobre seus
clientes: se eles realmente sentem falta das coisas descritas na pergunta anterior (5d.),
ou se eles estão fazendo agora o que eles realmente gostam de fazer; se eles são realmente
capazes de fazer as coisas que eles dizem gostar, ou se a situação atual deles permite
que eles façam essas coisas; se estão atualmente fazendo o que eles tôm que fazer, ao
custo das suas atividades preferidas; se estão fazendo aquilo que fica mais fácil para eles
fazerem, mesmo que isso signifique a longo prazo que eles não podem fazer as coisas
que eles dizem gostar; e assim por diante. Em geral, o principal objetivo desta pergunta,
é descobrir se os clientes estão fazendo alguma das coisas que eles gostam e, se não,
porquê não?
5f. (Reforçadores sociais). Quem mais está interessado nas mudanças que
você está buscando?

Sobre Com portamento e Coflmçfio 317


Esta pergunta fornecerá uma lista de “pessoas significativas", incluindo membros
da família imediata, parentes mais distantes, amigos, colegas de trabalho, conhecidos, e
outros, que poderiam ser recrutados como participantes no programa do cliente.
Ostensivamente, os clientes trabalharão em direção às metas se isso agradar essas
pessoas. Mas, as respostas dos clientes a esta pergunta podem geralmente lhe dizer não
somente quem mais estaria interessado no bem estar deles, mas também quem poderia
ser um “obstrucionista" em relação ao andamento do programa. Algumas vezes, os
problemas dos clientes colocam outras pessoas em evidência, ou fornecem a essas
pessoas papéis especiais na família ou em outras relações sociais, que eles poderiam
não ocupar se os clientes estivessem bem - essas "pessoas significativas" perderiam
algo importante para elas com a recuperação dos clientes, e se essas pessoas são
genuinamente importantes para os clientes, ou podem exercer forte influência sobre suas
ações, então o programa de intervenção faria bem, e funcionaria melhor, se levasse em
consideração as necessidades dessas pessoas, além das dos clientes.
5g. (Reforçadores sociais). Que pessoas lhe ajudaram no passado? Como
elas lhe ajudaram? Como vocô obteve ajuda delas?
O objetivo desta pergunta não é somente identificar "pessoas significativas" no
passado dos clientes, mas também avaliar a extensão em que os clientes podem
efetivamente solicitar ajuda de outros, e se eles precisam mesmo pedir ajuda para outras
pessoas ou apoio quando enfrentando problemas. Você pode induzir respostas aqui para
lembrar aos clientes que eles não estiveram sozinhos no passado quando precisaram de
ajuda, e não estão sozinhos agora se eles precisarem de ajuda ou apoio emocional. (Você
descobrirá o quanto de apoio social os clientes tiveram verdadeiramente no passado, se
eles procuraram esse apoio, se esse apoio foi oferecido “gratuitamente", ou se esse apoio
já estava disponível desde o começo.)

Questão 6. Conclusão
Tem alguma coisa que deixamos de fora ou não discutimos o suficiente?
Tem alguma coisa que nós passamos por cima - ou enfatizamos demais? Tem
alguma impressão que você gostaria de corrigir?
Se alguns clientes mais resguardados estiverem se sentindo mais confortáveis
com você a esta altura da entrevista, eles podem querer neste momento suplementar suas
respostas anteriores com mais detalhes. Alguns fatos ou detalhes que eles não se lembraram
antes podem vir à tona agora, depois de eles terem falado por algum tempo sobre assuntos
distantemente relacionados. Por outro lado, clientes com personalidades anti-sociais ou
com dificuldades de expressão verbal, geralmente usam esta oportunidade para alterar
substancialmente respostas prévias, ou dar informações que obscurecem ou mudam os
significados subjacentes de suas respostas prévias, especialmente se eles suspeitam que
revelaram alguma coisa que mais tarde pode ser usada contra suas "agendas ocultas". As
respostas às estas perguntas de “complementação" são algumas vezes mais implicitamente
informativas sobre as personalidades dos clientes do que as respostas diretas ás perguntas
anteriores de conteúdos específicos. Por essas razões, é geralmente uma boa idéia deixar
as respostas originais dos clientes às perguntas de conteúdo específico de lado, e claramente
identificar qualquer informação que eles adicionaram mais tarde ou mudaram em resposta a
esta pergunta de complementação. Dessa forma, você deveria anotar quaisquer impressões
que você tenha neste momento sobre tais atributos como compulsão, paranóia, sensibilidade
emocional, preocupações demasiadas com certos temas recorrentes, auto-engrandecimento,

I incoln il«i Sllv.i C/imenct, l\iu l rhom.is Amlronis, í, V. loe I «lynfl


e assim por diante. Vocô pode mais tarde sumarizar essas impressões para estabelecer um
perfil dos clientes, que irá sugerir como abordar certas questões de forma a evitar barreiras
advindas das características pessoais dos clientes.

Questão 7. Inversão
Inverter papéis é jogar limpo. Nós lhe fizemos muitas perguntas. Tem qualquer
pergunta que você gostaria de nos fazer? Algum comentário? Reclamações? Alguma
coisa que você gostaria de saber sobre nossas metas, ou abordagem?
Esta questão ó auto-explanatória, e não tem nenhum grande significado oculto.
Ela fornece uma maneira natural de introduzir o cliente à filosofia geral do programa,
regras e regulamentos, e recursos institucionais disponíveis. Esteja preparado para,
ocasionalmente, receber algumas criticas construtivas (ou mesmo pessoais e
desagradáveis) sobre o seu estilo de entrevistador, ou aceitar o ímpeto da raiva de um
cliente por ter problemas ou não estar bem. Apenas considere esses tipos de incidentes
como oportunidades para o seu próprio ajustamento e crescimento pessoal.
Considerações finais. Como descrito acima, o Questionário Construcional é um
roteiro de entrevista inicial elaborado para coletar as informações necessárias para identificação
das relações funcionais controladoras dos CPs, dentro de uma análise não linear do
comportamento. Além disso, estas informações servirão como base para o desenvolvimento
do programa construcional a ser implementado. Dessa forma, o Questionário Construcional
nào é um instrumento de auto-aplicaçáo, nem táo pouco se trata de uma entrevista rígida e
com tempo definido para aplicação. O tempo necessário para obtenção das informações
dependerá do tipo de cliente e das condições de interação entre cliente e entrevistador, não
sendo incomum a utilização de algumas sessões para completar o questionário. Além disso,
as informações obtidas podem ser complementadas por registros de atividades realizados
pelos próprios clientes ou por entrevistas com pessoas significativas para eles.

R eferências

Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional approach to social problems: Ethical and


constitutional issuos raised by applied behavior analysis. Behaviorism, 2, 1-84.
(Reimpresso em Behavior and Social Issues, 11, 108-197 (2002)).
Goldiamond, I. (1975). Alternative sets as a framework for bohavioral formulations and research.
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Goldiamond, I. (1976). Protection of human subjects and pationts: a social contingency analysis
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Goldiamond, I. ( 1979). Behavioral approaches and liaison psychiatry. Psychiatric Clinics of
North America, 2, 379-401
Goldiamond, I (1984). Training parent trainers and othicists in nonlinoar analysis of behavior. In
Dangle, R. F. & Polster, A. (Eds.), Foundations of research and practice, (pp. 504-545).
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Woxlor, D. B. (1973). Token and taboo: Behavior modification, token oconomies, and the law.
Behaviorism, 1, 1-24.

Sobrc t'o m p o rt.im rn fo e C'oRnifdo


ANEXO

The University of Chicago Rev. Mar. 74


Departamento de Psiquiatria Or. Fev. 70

QUESTIONÁRIO CONSTRUCIONAL
(O objetivo destas perguntas é obter informações, portanto, as palavras devem ser
adequadas a cada situação.)

Introdução

Eu vou lhe fazer algumas perguntas que podem ajudar a entender exatamente em que
direção nós devemos trabalhar neste programa. As perguntas têm trôs objetivos:
Primeiramente, nós precisamos de informações que nos auxiliem a conhecer vocô.
Em segundo lugar, a partir das perguntas que as pessoas fazem, podemos aprender
coisas sobre elas; assim, estas perguntas podem lhe ajudar a conhecer sobre a
abordagem que usaremos neste programa.
Em terceiro lugar, para verificar como estamos progredindo, nós precisamos de
registros, informações anteriores e posteriores. Isto ó um tipo de “informações
anteriores" sobre como vocô vô as coisas agora, e quais os objetivos que você deseja
alcançar. Portanto, por favor, fale o que achar necessário.

Questão 1. Resultados

Eu vou lhe fazer uma série de perguntas sobre nossas metas. Vocô está aqui porque
deseja que algum tipo de mudança ocorra em sua vida ou algo semelhante.
1a. (Resultados apresentados). A primeira delas ó: Assumindo que nós tenhamos sucesso,
quais seriam os resultados para vocô?
1b. (Resultados observáveis). Isto pode parecer ridículo, mas suponha que um desses
discos voadores que vivemos ouvindo falar seja real. Ele aterrissa e 2.000 pequenos
marcianos desembarcam. Um deles é designado para observar vocô. Estamos no Dia-L
- Dia de Liberação dos seus problemas - e o pequeno marciano segue vocô invisivelmente.
Ele registra suas observações e as repassa a um computador toda noite. O que o marciano
vô vocô fazendo? Lembre-se: Vocô já terminou este programa com sucesso, e vocô
parece e se sente da maneira como vocô queria. O que o marciano vô?

1c. (Estado presente). Como isso ó diferente do jeito que as coisas são agora?

1d. (Exemplo). Vocô pode me dar um exemplo?

Questão 2. Áreas a serem alteradas e inalteradas pelo programa

O próximo grupo de perguntas se relaciona as coisas na sua vida que estão indo bem, e
outras que não estão.

320 Lincoln ila Silva C/imenet, Paul I homat Andronl*, í. V. loc I ayn#
2a. (Áreas inalteradas, coisas indo bem). Provavelmente têm coisas na sua vida neste
momento que estão indo bem - coisas que você não quer que sejam alteradas pelo nosso
programa (incluindo algumas comidas favoritas que você absolutamente se recusa em
parar de comer, ou hábitos distintos que o tornaram ‘‘famoso" com sua família e seus
amigos, dos quais você não quer desistir). Você pode descrever algumas dessas coisas
que estão indo bem, ou que você não quer alterar de forma alguma?

2b. (Coisas que nào estão indo bem, mas que não serão melhoradas pelo programa). Têm
coisas acontecendo na sua vida neste momento que você não gosta, mas que não serão
afetadas pelo nosso programa?

2c. (Subprodutos do programa). Que outras coisas na sua vida podem mudar, além daquelas
em que trabalharíamos diretamente no programa?

Questão 3. História de mudanças

3a. ( Tentativa presente). O que fez com que você quisesse começar um programa como
este agora? Por quê?

3b. (Primeira tentativa). Quando lhe ocorreu pela primeira vez tentar essas mudanças? O que
ostava acontecendo na sua vida naquele momento? O que você fez? Quais foram os resultados?
3a. (Outras tentativas). O que você fez então? O que estava acontecendo? Quais foram os
resultados? (A série continua até o presente).

Questão 4. Recursos

A próxima série de perguntas é sobre áreas em que você é forte, certas habilidades ou
recursos que você tem que nós podemos desenvolver no nosso programa. Todas as pessoas
têm algumas coisas nas quais elas são muito boas, de forma que ninguém tem que
começar completamente do zero.
4a. (Habilidades relacionadas às metas do programa). Que habilidades ou aptidões você
tem que são relacionadas com aquilo que você gostaria de alcançar neste programa?

4b. (Outras habilidades não relacionadas às metas do programa). Que outras habilidades ou
aptidões você tem? Algum recurso especial (tais como equipamentos especiais em casa;
sociedade em alguma organização que pode ser útil; possíveis novos recursos financeiros etc.)?

4c. (Controle de estímulos). Existem momentos ou lugares quando o problema presente


não é um problema, ou quando ele é pelo menos mais ameno?

4d. (Outros problemas resolvidos). Que outros problemas você lidou com sucesso? Como?

4c. (Controle passado). Você alguma vez teve domínio sobre o presente problema? Caso
afirmativo, quando e sob que circunstâncias? Alguma idéia de como?

S o b rr C o m p o rt.im c n lo e C o r u IçíIo
Questão 5. Conseqüências

Eu vou lhe fazer algumas perguntas sobre alguns efeitos produzidos pelo seu problema,
ou efeitos que você gostaria de produzir com a solução desse problema.

5a. (Reforçadores dos sintomas: positivos). Você provavelmente já ouviu o provérbio, "há
males que vêm para o bem." Com respeito a algumas vantagens ou desvantagens que
possam ter "vindo para o seu bem," alguma vez seu problema produziu alguma vantagem
especial ou considerações por você (na escola, no trabalho, ou em casa)? Por favor,
forneça exemplos específicos.

5b. (Reforçadores dos sintomas: negativos). Como um resultado do seu problema, você já
foi alguma vez desculpado por coisas, ou de coisas, o que você não seria se a situação
fosse outra?

5c. (Custos dos sintomas). Como o seu problema atual ó um peso para você, ou como ele
é um risco para você?

5d. (Possíveis reforçadores atuais). Que tipos de coisas você realmente gosta de fazer?
Existo alguma coisa que realmente lhe motiva?

5e. (Comportamentos de alta probabilidade). Ao invés disso, o que você se vê fazendo (ou
conseguindo?)

5f. (Reforçadores sociais). Quem mais está interessado nas mudanças que você está
buscando?

5g. (Reforçadores sociais). Que pessoas lhe ajudaram no passado? Como elas lhe
ajudaram? Como você obteve ajuda delas?

Questão 6. Conclusão

Tem alguma coisa que deixamos de fora ou não discutimos o suficiente? Tem alguma
coisa que nós passamos por cima - ou enfatizamos demais? Tem alguma impressão que
você gostaria de corrigir?
Questão 7. Inversão

Inverter papéis é jogar limpo. Nós lhe fizemos muitas perguntas. Tem qualquer pergunta
que você gostaria de nos fazer? Algum comentário? Reclamações? Alguma coisa que
você gostaria de saber sobre nossas metas, ou abordagem?

l.incoln d i Sllvii C/lmcncs, P.iul Ih o n n it A m íro n l*, 1. V . Joc I iiynyj


Capítulo 29

Religião, Espiritualidade, FAP e ACT.


I uc Vündcnbcr^hc'

1. Religião versus espiritualidade.


A intenção deste texto é compartilhar umas reflexões acerca dos temas de religião
e de espiritualidade e o papel que podem ter durante um trabalho terapêutico. A resenha
considera as opiniões advindas de diversas orientações clínicas, mas funda seu raciocínio
em princípio nas idéias de autores da chamada 'terceira onda' na terapia comportamental,
que depois da terapia comportamental clássica e da terapia cognitivo-comportamental deu
um novo enfoque à prática de consultório (Kohlenberg, Hayes e Tsai, 1993; Hayes, 2004).
Em primeiro lugar, deve-se apontar que os dois termos não são sinônimos. Reíigiâo
é uma teia de significados ligada a práticas morais e espirituais específicas que são geralmente
sustentadas por práticas sociais (Worthington e Sandage, 2002). De acordo com Hill e
cols. (2000), a religião envolve métodos de procura ao sagrado que são validados e sustentados
por uma tradição ou grupo organizado, enquanto espiritualidade é uma dimensão de
experiência pessoal que ocorre tanto dentro quanto fora de grupos religiosos. Miller e Thoresen
(1999) definem a religião em termos de crenças, rituais e práticas socialmente instituídos, e
a espiritualidade em termos de consciência e busca de transcendência. Assim, a religião é
um fenômeno social e a espiritualidade uma questão de vivência subjetiva do indivíduo.
Imagine um cliente para quem assumir uma certa opçào de vida gera um conflito em
função de uma proibição religiosa que implica em perder o apoio moral dos correligionários
e vergonha de aparecer no meio deles como pecador. Para um outro cliente, o problema em
assumir a mesma opção de vida está ligado com sua visão espiritual. No primeiro caso,
trata-se de um conjunto de contingências sociais que mantém esquiva passiva e evocam

'Universidade Católica de Goiás

Sobre C o m p o rta m e n to e (.'o g nivilo


sentimentos negativos. São, portanto, relações coercitivas, mesmo quando as funções
aversivas são muito sutis e a pessoa envolvida não toma consciência delas. No segundo
caso, trata-se de valores profundos relacionados ao que é muitas vezes o mais reforçador
para a pessoa. Atentar à Fé do cliente impõe então uma dupla contextualização de seu
comportamento dentro da sua história pessoal, buscando sentido na sua existência e no
contexto das redes de relações interpessoais em que ele participa (Vandenberghe, 2002).
Enquanto a busca espiritual do indivíduo e as implicações sociais da religião são
qualitativamente diferentes, são também muitas vezes intrinsecamente intertecidos. Neste
sentido, Sperry e Giblin (1996) encaram ambos (o espiritual e o religioso) na terapia em
termos da procura de sentido, ou da dimensão de "valores" da convivência cotidiana. Uma
explicação possível para este emaranhamento da espiritualidade e da religião pode ser que
a pessoa interpreta sua experiência espiritual através da doutrina ou cosmovisão de sua
comunidade e tradição religiosa (Worthington e Sandage, 2002).
Outras explicações para o entretecimento da religião com o espiritual são possíveis.
A transcendência ou o encontro com suas verdades profundas como vivenciados pela pessoa,
pode ser um resultado de práticas religiosas. Neste sentido, pode-se falar de sentimento
religioso-espiritual como efeito (privado) das mesmas contingências sociais que mantêm o
comportamento religioso (publico), retomando o princípio skinneriano que sentimentos são
efeitos colaterais de exposição a contingências.
Parece funcional, que a prática religiosa leve a sentimentos deste tipo, considerando
as metas da religião organizada. Como Marlatt e cols. (2004) apontam, um alvo explícito da
maioria das religiões é promover o alcance da vida espiritual compartilhada pelos seus
seguidores. Práticas religiosas bem sucedidas devem, então, levar ao crescimento espiritual
dos participantes. Há análises, porém, que apontam que a influência das religiões sobre as
sociedades é muito mais abrangente e inclui uma variedade de áreas além da vida espiritual.

2. Religião.
A religiosidade é analisada na literatura skinneriana como fazendo parte das práticas
culturais. Práticas culturais muitas vezes permanecem consistentes entre indivíduos através
das gerações. São conjuntos intertecidos de contingências em que o comportamento e os
produtos do comportamento de cada participante funcionam como eventos ambientais com
os quais o comportamento de outros indivíduos interage (Glenn, 1988). Em outras palavras,
são práticas de indivíduos que dependem das práticas do grupo (Skinner, 1953).
Skinner (1981) propõe que práticas culturais são selecionadas e moldadas pelas
conseqüências que têm para o grupo. Enquanto o comportamento do indivíduo está muito
sensível a conseqüências imediatas, as práticas de uma sociedade têm uma escala maior
e entram em contato direto com conseqüências mais adiadas que não influenciam diretamente
os atos de um indivíduo isolado. Assim, o paradigma operante permite ver o homem como
produto das suas relações sociais, porém enfatiza que essas relações, por sua vez, são
produzidas a partir do processo histórico de uma sociedade. Enquanto o indivíduo age,
produz história para si mesmo (ele muda através de suas ações e por conseqüência dos
efeitos das suas ações). Mas ao fazer isto, também produz (inova, cria ou reproduz)
contingências que controlarão o comportamento de outros.
De acordo com Malott (1988), práticas religiosas emergem em função de contingências
de sobrevivência de sociedades. Conseqüências de comportamentos que são nocivas ou
benéficas para o grupo podem não influenciar o comportamento do indivíduo, por serem muito
afastadas no tempo dos atos individuais. Precisa-se, então, de um outro mecanismo para

324 I uc V.im lcnberfilif


proteger o grupo. Isto é a função das práticas culturais de acordo com a análise de Skinner.
Práticas culturais (como regras de fidelidade, honestidade ou outras condutas) podem ter
evoluído para controlar socialmente tais comportamentos que têm conseqüências importantes
a longo prazo para a sobrevivência da cultura.
As estruturas religiosas são analisadas como agências controladoras (Skinner, 1953).
Elas favorecem comportamento benéfico para o grupo e diminuem comportamento socialmente
nocivo (Malott, 1992). Neste sentido, práticas religiosas também seriam promotoras da
sobrevivência do grupo, porém têm uma resistência maior à mudança. As condições que
geraram uma regra religiosa podem mudar enquanto a regra permanece e adquire outras
funções que podem ser ou não ser benéficas para a sociedade (Houmanfar e cols, 2001).
Manipulação de regras morais civis por grupos que têm poder na comunicação ou
que são influentes de outras formas é sempre possível. Isto pode resultar em instabilidade e
caos numa cultura. A natureza sagrada das práticas religiosas, porém, os dá uma durabilidade
maior. De acordo com Schoenfeld (1993), a origem transcendente atribuída às práticas
religiosas as proteja contra manipulação oportunista, mas Houmanfar e cols. (2001)
argumentam que as regras religiosas ainda são vulneráveis à manipulação por autoridades
religiosas, de acordo com os interesses políticos dos mesmos.
É imprescindível considerar, em nossa reflexão, a relevância da religiosidade para a
psicoterapia, como o fez Banaco (2001) e o que Skinner escreveu sobre estes dois temas.
A análise que Skinner (1953) faz das agências religiosas também não è inteiramente lisonjeira.
Em vários pontos, sua visão segue uma linha paralela com a do sociólogo Hoffer (1951), que
enfatizou os mecanismos de coerção envolvidos no controle que a religião exerce sobre o
comportamento humano e o efeito alienador da imposição das prioridades do grupo religioso
sobre o indivíduo. Em certos casos, as repercussões do controle religioso sobre o
comportamento podem ser devastadoras. Gewirtz (1993) aponta que quando as agências
têm um monopólio à verdade numa dada sociedade, um contexto opressivo é criado que
gera uma variedade de comportamentos de esquiva e fuga. O cidadão procura caminhos de
ação que são alternativos ao comportamento socialmente benéfico que a agência deveria
promover, e que podem ser altamente nocivos para a sociedade.
Na opinião de Skinner (1953), a psicoterapia tem a função de resolver os estragos
que as agências controladoras fazem na vida das pessoas. Enquanto as contingências
controladas pela agência podem eliminar comportamentos (públicos) não desejados, podem
gerar sentimentos de culpa, raiva e vários tipos de conflitos pessoais, que a pessoa pode
levar para a terapia. Em tal momento, religião e terapia não são aliados. Enquanto a análise
de Skinner foi puramente teórica, um terapeuta cognitivo-comportamental como Ellis (1983)
captou a mesma oposição de interesses a partir da prática.

3. Espiritualidade
Enquanto é possível estudar a evolução da religião no nível da seleção cultural, a
espiritualidade é compreendida como o encontro com si mesmo e com o transcendente
que dá sentido a todo o resto da vivência. É a experiência pessoal de significado profundo
e de transcendência. A busca espiritual é a procura do ser humano para dar sentido
profundo a sua existência (Barnes, Hayes e Gregg, 2001). Isto é uma definição ampla que
inclui também a construção de valores por um sujeito ateu (Worthington e Sandage, 2002).
A fé é uma base para operações, um contexto que dá sentido a ações, más é
diferente do conhecimento racional ou da crença intelectual (Amatuzzi, 1999). Trata-se de

Soòre ( ‘omporfiimcnfo c Coftnfolu 325


uma dimensão de saber mais intuitivo. Alvos comuns são a transcendência do sofrimento
humano e o desenvolvimento de uma consciência diferente do conhecimento verbal
(consciência no sentido Skinneriano da palavra). São valorizadas experiências não-intelectuais
como salvação, satori; iluminação; graça divina; samadhi. Os métodos geralmente não são
de análise racional, mas de entregar-se, aceitar, amar, perdoar. Este caminho não é
inalcançável para uma análise psicológica. Passar por contingências muda o organismo
sem que este necessariamente seja capaz de dar uma explicação racional pela mesma. A
pessoa ó modificada pelas vivências. Age e reage diferentemente dependendo delas.
Na visão behaviorista radical, pode haver saber sem controle verbal (Hayes, 1997).
Pessoas sabem muitas coisas que não podem sustentar racionalmente. Não são capazes
de relatar porque ou como sabem, mas sabem e este saber ó diretamente relacionado
com as opções que fazem e as atitudes que tomam. Pesquisas neuro-cognitivas mostram
diferenças em atividade cerebral entre o lembrar verbal e o saber não-lingüístico. A ativação
cortical é mais alta durante recuperação de memórias falsas (relato verbal destorcido),
menos alta durante recuperação de memória verdadeira (isto é relato corresponde com o
que ocorreu), o mais baixa ainda durante instantes de saber irracional, mas correto. Além
dessa diferença em ativação, há também uma diferença em localização. Saber não-
lingüístico é relacionado com atividade no córtex frontal direito. A recuperação de informação
verbal é relacionada com ativação no córtex frontal esquerdo (Tulving, 1999).
Como terapeutas preferimos o conhecimento verbal, porque é racional, e aberta a
argumentação e porque evita muitos devaneios e escolhas absurdas. Mas este controle
verbal também não é totalmente confiável. O relato verbal pode não corresponder com a
realidade. Pessoas seguem regras racionalmente muito bem sustentadas, que descrevem
contingências inexistentes.
Hayes (1984) apontou que numa visão comportamental, termos podem ser entendidos
pela análise das condições sob quais são usados e os efeitos que têm. O sentido literal,
como descrito no dicionário, é somente parte deste todo. A questão é identificar as
contingências sob as quais as pessoas falam sobre experiências espirituais. Procura-se
estas contingências, nas circunstâncias relacionadas com a tomada de consciência pelo
indivíduo da sua própria consciência. Ver que você está vendo algo, saber que você sabe
algo é ter consciência do seu próprio comportamento. Esta auto-consciência só emerge
como resultado de contingências específicas que são organizadas por uma comunidade
verbal. Uma vez que alguém tomou consciência do fato que está consciente do seu próprio
comportamento, pode-se perguntar quem ou o que está tendo esta consciência? Aqui se
trata da perspectiva a partir do que você vê ou sabe. Esta perspectiva não é sua consciência.
É algo que não tem consistência. É diferente dos seus conteúdos. Não é o que você sabe
ou sente ou acredita, é a perspectiva a partir da qual você sabe, sente ou acredita. Não pode
ser conhecido como objeto pela pessoa, é pura experiência.
Hayes e Gregg (2000) apontam que enquanto os conteúdos da sua vida (opiniões,
projetos, desejos) podem mudar, esta perspectiva não muda. O que você pensou, acredita
ou sente, a sua forma de pensar, acreditar ou sentir podem mudar, mas a perspectiva a
partir da qual você pensa, acredita ou sente não muda. Hayes (1984) propõe que esta
possibilidade de ter consciência de ter consciência (consciência da conciência) tornou
possível para o ser humano fazer uma diferença entre ele (1) como conjunto de conteúdos
e (2) como perspectiva. Assim, a experiência transcendente seria um efeito colateral do
comportamento verbal. Seria a linguagem que deu à humanidade seu espírito.
É interessante observar que a noção de crescimento espiritual de Hayes e Gregg
(2000) no sentido de descobrir-se como perspectiva (ou contexto) diferente dos conteúdos

I ut ViimJcnbcrtilir
(desejos, paixões e conceitos), está em perfeita concordância com o sentimento que predomina
em certas filosofias Orientais (Hayes, 2002). O caminho espiritual é um processo de abrir mão
(das ilusões de poder controlar sua vida, das lutas e das regras mundanas) que leva a uma
maior liberdade e a uma compreensão do que realmente importa. É coerente com o argumento
de Tagore (1931) que o cativo em todas suas formas está nos conteúdos do eu e não no
mundo exterior, no estreitar do nosso olhar e em nossa avaliação arbitrária das coisas.
Hayes (1984) argumenta que a espiritualidade pode ser fonte de sabedoria profunda
porque seria mais fácil entrar em contato com as contingências reais, a partir de um ponto
de vista espiritual (eu como perspectiva) do que a partir do “eu" como conjunto de crenças
e outros conteúdos. Aponta que o controle verbal produz uma insensibilidade ás
contingências e que o controle por estímulos simbólicos pode ser altamente alienador. Ver
conceitos, símbolos e verdades convencionais a partir de uma perspectiva transcendente
enfraquece este controle verbal e dá espaço para contato mais genuíno com as contingências
e para emergência de comportamento mais criativo. O autor lembra que práticas espirituais
não promovem o pensamento analítico, mas a abertura para o que acontece, e o
distanciamento dos conteúdos, tanto os racionais quanto os emocionais. Argumenta que
o homem moderno pode ter uma necessidade a mais de espiritualidade, que poderia
ajudá-lo a se distanciar das ilusões geradas pelo controle verbal e entrar mais efetivamente
em contato com as contingências naturais.
A experiência espiritual pode ser entendida como a perspectiva a partir da qual
tem-se consciência do sentido da vida, e como se situa no todo. Seria um desenvolvimento
mais avançado que vai além da consciência semântica (a dos conteúdos) e que tem a
vantagem evolutiva de possibilitar a pessoa a se situar no seu universo, dar sentido e rumo
à sua vida. Alternativamente, pode ser considerada um modo de saber mais primário e
mais básico, que antecede o comportamento verbal, este saber irracional, intuitivo, que
situa o organismo nas suas interações diretas com as contingências, sem intermediação
de significados convencionais.
Pode-se indagar se tal análise não nos afasta muito do mundo material do
consultório e dos problemas muitas vezes extremamente concretos do cotidiano dos nossos
clientes. O conceito de fé ficou especialmente relacionado com o saber irracional e com a
crença em coisas sagradas, fora do alcance da ciência. Mas como Amatuzzi (1999) ressalta,
precisa-se desta fé em algo para poder fundamentar qualquer epistemologia, e a
racionalidade também somente traz sentido para quem tem fé na razão.
A espiritualidade aponta, então, para a perspectiva a partir da qual nós percebemos,
entendemos e acreditamos em coisas. É um contexto profundamente íntimo e próprio do indivíduo,
que fundamenta suas escolhas, seus atos ooncretos. É possível que uma análise comportamental
da espiritualidade possa contribuir para uma visão behaviorista do processo psicoterápico.

4. Encontros
Quando a religiosidade e a espiritualidade encontram a terapia comportamental?
De acordo com Eysenck (1994), o efeito terapêutico não-especlfico compartilhado por
quase todas as formas de psicoterapia, pode ser parcialmente explicado pelo lugar de
sacerdote profano, que na sociedade moderna ó o do terapeuta. Compara o papel
sociocultural do psicoterapeuta com o do padre, o guru ou do xamâ.
A observação de Eysenck está correta porque os terapeutas assumiram algumas
funções que tradicionalmente caracterizam estes personagens, o que abre espaço para um

Sobre Com portam ento c Coflni(<lo 327


observador externo para confundir os papeis da terapia e da religião (Miller e Hubble, 2004).
Porém a terapia que tentaria aproveitar esta confusão deixaria de ser terapia e se tornaria
uma pseudo-religião. Também não ó possível para nós construir nossa atuação nesta posição
porque pressupõe uma autoridade moral da parte do clínico que è estranha à nossa concepção
de terapia. Além disso, como argumenta Kopp (1972), assumir a posição de discípulo do
terapeuta coloca limites severos às possibilidades de progresso do cliente.
Uma relação hierárquica, como ó proposta em teorias que consideram que o
trabalho terapêutico constitui o degrau inferior, e que o espiritual é o degrau superior de um
mesmo caminho de transformação pessoal (p.ex. Bateson e Bateson, 1988), também não
é coerente com nossa concepção, porque desconsidera os motivos pelos quais as pessoas
procuram terapia. Estes são muito distintos dos de uma jornada espiritual. O cliente não
procura a psicoterapia para receber orientação espiritual ou religiosa, mas para resolver
dificuldades às vezes extremamente concretas, que o empecem de ir em frente com sua
vida. A linha que seguimos neste trabalho considera que se trata de dois processos
independentes que em momentos específicos necessariamente se encontram porque
espiritualidade e religiosidade fazem parte da vida de muitos clientes e terapeutas.
Em princípio, terapia é uma atividade que tem nada em comum com a religiosidade.
Por isso, os momentos em que os dois se encontram podem ser extremamente delicados,
mas (e talvez justamente por serem delicados) também às vezes surpreendentes nas
suas possibilidades. Estando alerto para estes encontros, o terapeuta pode aproveitar-se
das oportunidades que o envolvimento religioso ou a abertura espiritual do cliente oferecem,
para intensificar o processo terapêutico.

5. Religião e espiritualidade como recursos para o cliente.


O sentimento religioso. Quando falamos de sentimento religioso, nos referimos a
efeitos encobertos das conseqüências de comportamentos religiosos sobre a pessoa.
Podemos pensar tanto no efeito da convivência numa comunidade verbal, quanto os efeitos
diretos de práticas religiosas como reza, jejum, participação em sacramento. Para discutir
estas contingências, deve-se distinguir pessoas para quem a religiosidade é um fim em si
(os intrínsecos), e pessoas para quem é um meio para outros alvos, como pertencer a um
grupo ou ser aceito (os extrínsecos). Quando vai à missa, as conseqüências às quais o
membro da segunda categoria se expõe (p. ex. aprovação social, reconhecimento público),
são de natureza distinta das que afetam o primeiro grupo (p.ex. encontro pessoal com
Deus). Por conseqüência, a experiência subjetiva, efeito das contingências, será diferente
também. Nas suas revisões da literatura empírica, Worthington e Sandage (2002) apontam
que pessoas que são intrinsecamente religiosas têm melhores índices de saúde mental do
que pessoas que são extrinsecamente religiosas e Gartner (1996) destaca que pesquisa
mostrou uma correlação negativa entre a religiosidade intrínseca e preconceitos contra outros.
O sentimento religioso pode ajudar alguém a descobrir uma riqueza de recursos que
já possui, mas não explorou. A consciência ética é um aliado precioso da terapia, porque
esclarece quais serão as conseqüências mais valiosas para o comportamento do cliente.
Muitos clientes seguem regras ou agem sob contingências coercitivas, desprezando sua
própria sabedoria mais profunda (Linehan, 1993). “O que sua convicção te diz?" é uma pergunta
fundamental na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Explorando mais de perto o
sentimento religioso do qual um cliente testemunha, o terapeuta pode ajudá-lo a despertar-se
para valores profundos que podem orientar suas escolhas de vida. Tomando seus valores
explícitos, pode esclarecer para o cliente quais escolhas são as certas, com quais alvos pode
se comprometer e quais métodos pode usar. Os exercícios evocativos através dos quais, na

328 I uc V.imlenbcrfilic
ACT procura-se desenvolver clareza acerca dos valores fundamentais do cliente (Hayes, 2004)
podem tomar o sentimento religioso do cliente como ponto de partida.
A experiência espiritual, A busca espiritual e a terapia podem se encontrar na
tentativa do cliente de construir um sentido mais profundo. A experiência de transcendência
pode ser uma aliada nesta construção de sentido. O conhecimento racional é frio e rígido
e a experiência espiritual possibilita à pessoa superar as limites do seu próprio paradigma
intelectual, sua visão do mundo. Esta quebra de paradigma pessoal, permite aumentar a
resolução criativa de problemas, inclusive de impasses bem concretos na vida do cliente.
A vivência espiritual pode promover flexibilidade intelectual e tolerância de
incongruências e possibilita à pessoa aprender a lidar com a incerteza e o não definido.
Possibilita, ainda, observar a se mesmo de ângulos que diferem das concepções
convencionais. Isto pode ter vantagens, como a melhora do manejo dos limites pessoais;
a identificação de contingências que não correspondem com as suas regras, a intensificação
da vida. O cliente pode se tornar um pouco menos rígido em relação a si mesmo e um
pouco mais tolerante de sua incompletude.
A afiliação religiosa. Na sua revisão da literatura empírica sobre a relação entre
compromisso religioso e saúde, Gartner (1996) destaca estudos que mostraram que a
freqüência à igreja está relacionada com melhor saúde física, satisfação conjugal e bem-
estar e especula sobre variáveis que poderiam mediar esta relação como beber ou fumar
menos. Pessoas que se comprometem mais com uma religião, vivem mais, cometem
menos suicídio e têm menor índice de delinqüência. Um ponto interessante que é destacado
nesta revisão ó que estudos não encontraram relação entre delinqüência e convicções
religiosas, mas sim uma relação negativa entre freqüência à igreja e delinqüência. Os
dados não são tão claros quando se trata da saúde mental. Há resultados contraditórios
entre estudos quanto à relação entre religiosidade e ansiedade, enquanto principalmente
entre pessoas convertidas o grau de religiosidade é relacionado com intolerância de
ambigüidade, uma atitude rígida que caracteriza uma falta de abertura para experiência.
O apoio social oferecido pela comunidade religiosa, ao membro que participa
regularmente nos encontros, pode ser uma variável na prevenção de delinqüência, suicídio,
e evitação de vários comportamentos de risco para a saúde. O terapeuta pode recorrer a
este recurso quando percebe, por exemplo, que um grupo de oração do qual um paciente se
afastou por medo de ter um ataque de pânico no caminho poderia trazer motivação para sair
de casa e se engajar em contatos sociais renovados, ou que um paciente depressivo poderia
retomar as idas a sua comunidade, onde poderia assumir tarefas e atividades sociais.
Pertencer à uma comunidade religiosa significa também que o cliente tem à sua
disposição mais um ambiente onde pode experimentar. Novas estratégias podem ser
exploradas, como aprender a desliteralizar normas; questionar, aceitar por inteiro ou em
parte, tolerar o outro, colaborar, contribuir, se engajar em projetos, defender seus limites
pessoais contra tentativas de invasão por outros participantes ou líderes da comunidade.
O terapeuta pode combinar com o cliente tornar este setor da vida real, como também a
relação de casal, o trabalho e outros ambientes em situações em que o cliente pode
mudar as maneiras em que se relaciona com seu mundo.

6. Religião e Espiritualidade como recursos na terapia


O encontro da religiosidade ou espiritualidade com a terapia pode ser formal ou
informal. Um exemplo de integração formal é a terapia cognitivo-comportamental cristã. A

Sobre ro m p o rtiim fn fo f t'oflnlv.lo


revisão da literatura por Worthington e Sandage (2002) mostra que é eficaz, mas não mais
ou menos eficaz do que terapia cognitivo-comportamental tradicional.
Fonte de inspiração. Informalmente, o terapeuta pode usar técnicas que aproveitem
as fontes que o cliente valoriza, como usar uma frase da bíblia para bloquear um pensamento
intrusivo ou um ato compulsivo. As convicções religiosas do cliente podem servir como
fontes de criatividade e inspiração. Conceitos como perdão; iluminação ou consciência
cósmica podem expressar valores do cliente que podem ser aproveitados para a mudança.
Da mesma forma, as convicções religiosas do cliente podem ser aproveitadas para ajuda-
lo a se auto-examinar, se questionar e também para desafiar certos padrões de
comportamento disfuncional. Em certos casos pode ser produtivo pedir ao cliente para ver
suas crenças e valores religiosos sob um outro ângulo ou prestar atenção a aspectos ou
implicações dos mesmos que não levou em conta na prática até agora. Trata-se aqui de
atualizar recursos que o cliente já tinha, mas não usou para seu próprio benefício.
Apoio do Livro Sagrado da religião do cliente possibilita passar recados numa
linguagem que o cliente valoriza, e que é coerente com o próprio referencial de valores do
cliente. Isto é coerente com a preocupação que o terapeuta sempre deveria ter de nortear o
seu trabalho de acordo com a orientação de valores do cliente, para estruturar intervenções.
Marden (2000) discute o exemplo de uma cliente com uma fobia social que a terapeuta
motivou a enfrentar o seu medo, mobilizando seu desejo de testemunhar na igreja. Quando
a cliente justificou sua passividade frente à vida, com versículos, a terapeuta a convidou a
um estudo da bíblia que minou a resistência à mudança. Quando a cliente se queixou de um
vazio interior, de inferioridade e de uma falta de sentimentos com as pessoas próximas, a
terapeuta a ajudou iniciar práticas no seio da família que eram coerentes com os seus
princípios religiosos, tomando iniciativas, fazendo celebração em casa e mudando sua
convivência com os familiares de acordo com suas crenças religiosas. Conseguir viver em
coerência com suas convicções e fazer escolhas de acordo com seus próprios valores
religiosos, a levou a uma nova visão de si e a uma liberdade de ser espontânea e de descobrir
seus próprios sentimentos.
Proveito da visão que o cliente possui. O terapeuta pode aproveitar da linguagem
religiosa para comunicar-se melhor com um cliente religioso e resgatar a visão que o cliente
possui para o beneficio do processo terapêutico. Se o terapeuta trabalha com ACT ou com
outras abordagens pautadas em "Mindfulness" (Hayes, 2004), tem a possibilidade de entender
o que cliente está falando sobre a “Graça” sem precisar entrar em confronto com ele, porque
pode aproveitar do que o mesmo já entende por este conceito para levá-lo através dos estágios
de “aceitação e difusão", “estar no presente estabelecendo o eu-como-processo" e "ação
comprometida com valores escolhidos". A cliente que cita o Epistolo de Paulo aos Romanos
7,17, dizendo "Não sou eu mas o pecado que reside em mim" não está muito afastada da
teoria do "eu-como-contexto" versus ‘ eu-como-conteúdo" que diz que você não é seus conteúdos,
e que não é saudável identificar-se com eles. Do ponto de vista Hayeseano, ela pode estar no
caminho certo. Ao invés de insistir que a cliente controle seus encobertos, precisa perceber
que seus comportamentos não estão sob controle dos seus encobertos. Neste sentido, aceitar
a linguagem do cliente religioso pode ajudar o terapeuta ser mais tolerante e escutar melhor as
explicações irracionais do cliente e usá-las produtivamente depois. O terapeuta pode abrir
mão do papel de ser dono da verdade e missionário da razão. Pode trabalhar mais diretamente
com a idéia de que a verdade para o cliente está na vivência do próprio cliente.
Proveito da sabedoria da religião. Há uma tendência entre as terapias
comportamentais da ‘terceira onda’ em integrar lições da espiritualidade oriental no tratamento,

I ui ViimlenlKTtflic
assim como práticas meditativas (Hayes, 2004; Linehan, 1993), Metáforas e parábolas
Budistas ou Hindus podem ajudar introduzir estratégias centrais da ACT, como difusão, a
tomada de perspectiva, o distanciamento dos conteúdos ou das ilusões e regras sociais
que nos impedem de viver. Este entusiasmo para o Oriente não deve ofuscar o fato de que
lições bíblicas podem ser aproveitadas da mesma forma. Além de passar recados ricos para
o cliente, falar em parábolas evita que o terapeuta reforce o contexto de literalidade. O
cliente pode experimentar entender o que o terapeuta fala em sentidos metafóricos e literais,
para depois poder distanciar-se das regras e dos conceitos rígidos com os quais lutou sua
vida inteira. A consideração de metáforas ó um exercício que enfraquece o controle verbal.

7. Religiosidade e espiritualidade como problema na terapia.


Interdição da terapia. No caso mais extremo, a religiosidade pode acarretar na
proibição de fazer terapia. Freqüentemente se ouve dizer que quem tem fé não precisa de
terapia. Quem acredita nisto, pode não procurar a ajuda profissional da qual tem necessidade.
Em outros casos, o pastor pede o fiel para verificar a que igreja o psicólogo pertence e
instruí-lo de interromper o tratamento para procurar um terapeuta que pertença à sua igreja.
A religião pode oferecer um substituto enganoso para a terapia. Muitas vezes,
uma pessoa que passa por uma crise grave na sua vida, encontra na conversão religiosa
a solução de certos problemas e vai, a partir de então, seguir regras que vêm da mesma
fonte (por exemplo, esta igreja que deu a solução no pior momento). É possível que estas
regras resolvam certos problemas, mas ajudem a manter um contexto socio-verbal
patogênico em que o comportamento de seguir regras continua muito forte. A pessoa pode
assim estagnar num equilíbrio, mais suportável que antes, isentando-se de encarar seus
problemas mais graves.
Controle verbal rígido. "O que o pastor fala ó a palavra de Deus". Necessariamente,
e mesmo com as melhores intenções, acontece que o pastor recomenda ações e atitudes
prejudiciais para a vida do cliente. Em última análise, todas as recomendações são
problemáticas quando alguém as concede autoridade absoluta sem considerar o sentido
das mesmas no seu contexto. O preceito “se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-
lhe também a outra" (Mateus, 5, 39; Lucas, 6, 29), seguido literalmente demais por um
cliente que "deixa os outros pisar nele", pode se tornar particularmente prejudicial. A citação
bíblica, ou a instrução do pastor pode se tornar uma razáo para continuar com estratégias
interpessoais que mantêm os problemas. O mesmo pode acontecer com o versículo que
diz que o marido é cabeça da mulher (Efésios, 5, 23), quando é aproveitado como uma
razão para permitir que o marido se comporte de maneira abusiva.
A regra: "Sou um pecador" quando é assumida literalmente, providencia ao cliente
razões suficientes para continuar não cuidando de si mesmo ou desconsiderando suas
necessidades e seus direitos. "Tenho que entregar tudo nas mãos de Deus" pode significar
que o cliente não resolve mais seus problemas. O contexto da literalidade mantém
comportamento sob controle das palavras e do que estas pretendem dizer. É a ditadura dos
conteúdos. Comunidades verbais que promovem este tipo de controle verbal rígido tornam
difícil para a pessoa se distanciar dos conteúdos e fazer sentido de preceitos e regras.
O excesso de controle verbal que pode acompanhar o zelo religioso pode ajudar
manter comportamentos rígidos e atitudes intolerantes. O cliente pode não desenvolver relações
humanas construtivas por condenar sistematicamente pessoas que não correspondem com
suas regras. Melhoras na terapia podem entrar em choque com normas sociais que são

Sobre C'onipori.imenlo e t'oflnlv'.lo


sustentadas por um grupo religioso. O comportamento assertivo que uma cliente desenvolve
pode ser punido por não se encaixar na regra que o marido é a cabeça da mulher.
Modelos inadequados de problemas psicológicos. A orientação religiosa pode
complicar a compreensão que pacientes têm dos seus problemas e aumentar a resistência
à mudança. Pode ser muito difícil levar o cliente a lidar bem com pensamentos obsessivos
blasfêmicos, quando o paciente acredita que é um pecador por tê-los ou que eles são a
prova que o demônio vive dentro dele. Como levar um paciente com TOC a cessar a luta
desesperada contra pensamentos intrusivos e se engajar em estratégias curativas se sua
religião o proíbe estas mudanças? Quando comportamentos compulsivos consistem em
rezar repetitivamente depois de cada pensamento obsessivo, tentativas do psicólogo de
dissuadí-lo, podem esbarrar-se em resistência religiosa.
Na vivência de alucinações, problemas similares podem aparecer. Quando o
paciente pertence a uma comunidade que sustenta que Deus ou o demônio literalmente
falam com as pessoas por este meio, será difícil ajudar o cliente a desenvolver uma forma
adequada de lidar com as vozes.
Desencontros entre terapeuta e cliente. Quando os valores do terapeuta e do
cliente são muito diferentes, pode se tornar difícil negociar os alvos da terapia. A proliferação
de igrejas aumenta a probabilidade de que um dado cliente e seu terapeuta divergem na
sua orientação religiosa.
Diferenças em valores e crenças podem influenciar o processo terápico. O cliente
pode ter preconceitos contra a orientação religiosa do terapeuta, o que pode tornar a relação
terapêutica improdutiva. Além disso, o cliente pode reter informação pessoal quando assume
que o terapeuta tem valores diferentes, ou quando percebe que o terapeuta não acredita nas
mesmas coisas que ele. Foi mostrado que clientes religiosos se abrem mais com terapeutas
que tem a mesma orientação religiosa que a sua e clientes não religiosos tem a mesma
vantagem com terapeutas não religiosos, mas não há evidências que similaridade entre terapeuta
e cliente seriam benéfica para a eficácia da terapia (Worthington e Sandage, 2002).
Terapeuta e cliente se identificam pela sua religião. O terapeuta e o cliente podem
ser multo similares nas suas crenças e valores e ter as mesmas manchas cegas. Neste
caso, a harmonia entre as suas opiniões implica pobreza de oportunidades, já que a
mudança terapêutica muitas vezes é fruto de confrontos. Quando o terapeuta vê as coisas
demasiamente como o cliente as vê, pode ter pouco a contribuir. De um lado, como
Kohlenberg e Tsai (2001/1991) apontam, ter passado por contingências similares como os
do cliente é uma vantagem para o terapeuta. Do outro lado, quando terapeuta e cliente
possuem os mesmos repertórios e carecem dos mesmos, as possibilidades de crescimento
de ambos serão limitados.
Esquiva de questões concretas. As sessões podem chegar a focalizar-se em
temas religiosos ou espirituais. Este foco pode ser uma tática de esquiva dos assuntos
que realmente deveriam ser trabalhados e o terapeuta que se dá conta de que tal deslize
está ocorrendo, deve-se perguntar por que o permitiu. Quem está se afastando do trabalho
árduo da terapia, o cliente ou ele mesmo? Quais são os assuntos dos quais ele ou o
cliente foge? O foco nos problemas concretos deve ser retomado, e se o terapeuta consegue
identificar a função (ou as funções) de seu próprio comportamento de fuga/esquiva ou da
sua atitude passiva de deixar o cliente fugir/esquivar, a experiência pode até contribuir ao
aprofundamento da análise funcional e à detecção de assuntos ameaçadores que não
tinham sido abordados.

I.uc VdiulirnbriRbc
8. Aproveitar os problemas na terapia
A ocorrência de dificuldades do cliente na sessão constitui uma oportunidade
inédita para a atuação terapêutica (Kohlenberg e Tsai, 2001/1991; Kohlenberg, Hayes e
Tsai, 1993). Na terapia, o excessivo controle verbal religioso ó atacado por intervenções
que promovem pensar a partir dos dados; avaliar evidência; promover flexibilidade; tolerar
ambivalências sem precisar se esconder atrás de uma regra que assegura e garante;
valorizar a própria experiência, promover desliteralização e procurar ver o que pode ter de
válido ou pragmático numa dada regra religiosa, além da aparência literal. Assim, o encontro
com tais regras pode se tornar uma oportunidade para aprender a questionar palavras e a
filtrar significados. Que o excessivo controle verbal se refere a conteúdos religiosos não é
tão relevante, mas a ocorrência do comportamento de seguir regras de modo inflexível
possibilita ao terapeuta atuar diretamente sobre este comportamento do cliente, tornando
assim o dogmatismo e a rigidez religiosa oportunidades para trabalhar atitudes disfuncionais
que vão muito além da sua vida religiosa.
O mesmo pode ser dito quando a religião é responsável por desencontros pessoais
entre cliente e terapeuta. Os problemas na relação terapêutica muitas vezes são
oportunidades de explorar a vivência do cliente. Diferenças e conflitos fazem parte do
processo contínuo de negociação do relacionamento entre terapeuta e cliente. Uma ruptura
é uma possibilidade de tornar este processo explícito. Assim, o terapeuta preparado e
atento pode aproveitar de crises na relação para aprofundar a terapia.
Explorar e resolver conflitos e dificuldades de comunicação sobre valores religiosos
ou espiritualidade pode ser uma oportunidade para identificar comportamentos que dificultam
relacionamentos no cotidiano do cliente e de trabalhar com estes ao vivo. Na exploração
dos conflitos, pode-se evidenciar, por exemplo, que um certo cliente não é capaz de levar
em conta que o outro (no caso o terapeuta) veja as coisas de sua própria maneira e do seu
próprio ponto de vista, e não da maneira e do ponto de vista do cliente. Este déficit é
clinicamente relevante quando o mesmo acontece com outras pessoas no seu cotidiano,
em relação aos problemas para os quais o cliente procura a terapia.
Neste caso, um conflito de valores entre terapeuta e cliente, é uma oportunidade
para aprender a negociar a partir de visões diferentes da realidade. O cliente pode descobrir
que vive num mundo onde realidades são negociáveis e aprender a lidar com isto sem abrir
mão do que é importante para si mesmo e sem agredir o outro. Até em casos extremos,
quando a vivência do cliente é irreconciliável com a do terapeuta, as incompatibilidades
continuam sendo oportunidades de aprendizagem. O cliente vai ter a oportunidade de
lidar, numa relação bastante íntima, com alguém que não pensa igual e não concorda com
ele. A identificação de opostos aparentes pode propiciar a oportunidade de reconhecer
elementos comuns que se situam além das aparências (Vandenberghe, 2002).
A impossibilidade de aceitar a visão do outro, pode oferecer acesso a um
autoconhecimento aprimorado. Quando uma diferença aguda entre ambos está em
evidência, o cliente tem a oportunidade de aprender a lidar com sua decepção com o
outro, e com o sentimento que o outro não o entende inteiramente (mas que pode entende-
lo muito bem em outros aspectos). O cliente que se vê assim confrontado com o fato que
relacionamentos não são perfeitos tem a oportunidade de aprender a aproveitar, a apreciar
e a curtir trocas dentre de uma relação que inclui diferenças. A imperfeição do encontro
constitui em parte sua riqueza em oportunidades. Da mesma forma, amizades, namoros,
relações de trabalho e outros relacionamentos com os quais o cliente não consegue lidar
no seu cotidiano não são invalidados pelos seus inevitáveis defeitos.

Sobre l ‘ om porl.imcnto e CoflniçJo 333


Para o cliente que tem dificuldades de mostrar seus sentimentos, ou de negociar
relacionamentos, as diferenças entre terapeuta e cliente são ao mesmo tempo a
oportunidade de aprender a expressar sua insatisfação com o terapeuta, a ceder e a
exigir, para subseqüentemente lidar com as reações do outro. Assim, o cliente consegue
se perceber plenamente como participante ativo na construção da relação terapêutica e
assumir os resultados das suas próprias táticas interpessoais. Tais situações são também
oportunidades para o terapeuta de oferecer ajuda construtiva para o cliente que se sente
mal compreendido. O terapeuta pode responder não-defensivamente e usar as reações do
cliente como sinal para mudar seu comportamento, se adequando às necessidades do
cliente dentro da relação.
O terapeuta que revelou algo sobre as suas crenças ou sua orientação religiosa,
e percebe que o cliente virou mais relutante e parece reter informação, deve discutir
abertamente a mudança que percebeu, e compartilhar também qual foi o efeito desta
atitude sobre sua pessoa. O cliente pode descobrir que sua capacidade de abertura tem
limites e pode aprender a entender os mesmos. Pode reconhecer sensibilidades e
imperfeições, aprender a valorizar os próprios limites e respeitá-los. Além disso, esclarecer
mal-entendidos pessoais entre cliente e terapeuta, pode ser um exercício para o cliente
entender como o outro o vê e tentar lidar com a leitura que este outro faz dele.
A detecção de preconceitos contra as convicções pessoais do terapeuta é uma
outra oportunidade de acessar e trabalhar ao vivo na sessão certas dificuldades de um
cliente que podem atrapalhá-lo no seu cotidiano. Crenças e valores de acordo com o
behaviorismo radical são comportamentos verbais e produtos da inserção do indivíduo
numa comunidade verbal. Esta análise exclui a possibilidade do terapeuta ou do cliente
possuir a verdade absoluta. Assim, escolhe-se uma posição pragmática frente ao saber.
Na relação, o cliente tem a oportunidade de expressar visões que são diferentes das do
terapeuta. Pode chegar a entender que suas expectativas e opiniões são comportamentos,
relacionados com sua história de aprendizagem, e não são dados universais inquestionáveis.
Os desencontros podem ser oportunidades de aprimorar a análise funcional do
relacionamento. Por exemplo, um cliente pode achar invasora ou prepotente a colocação
do terapeuta a respeito de um assunto religioso ou espiritual. O terapeuta poderia questionar
a relação entre estas avaliações e os sentimentos freqüentes do cliente de ser dominado,
rejeitado ou desqualificado por outros. Tal momento possibilita perguntas que podem
esclarecer problemas que podem ter ficado ocultos durante as sessões. Como o cliente
entende o que o terapeuta falou sobre suas crenças ou sobre sua filiação (ou não filiação)
a uma comunidade? Como isto se compara com a maneira com que o cliente lida com
avaliações sobre si por outras pessoas no cotidiano?
A interpretação que o cliente faz do que aconteceu pode ser explorada. Como o
cliente percebe as pessoas que têm convicções diferentes das dele? O cliente se sente
invalidado quando lida com alguém que pensa diferente? Se sente agredido? Ou considera
o terapeuta como uma pessoa menos valiosa? Em tais momentos é possível notar como
o cliente reage ao terapeuta e que tipo de comportamento o cliente evoca no terapeuta. A
relação é funcionalmente similar com aquela entre oprimido e opressor? Aluno e mestre?
Mártir e inquisidor? Oponentes acadêmicos? Um casal brigando?
O terapeuta que descobre que suas crenças e valores são similares aos do cliente,
pode considerar que a própria experiência terapêutica pode providenciar diferenças. A
diferença entre perguntar e responder, entre dar e receber, abrir-se e acolher, são próprias

334 I uc V.indcnbcTflhr
dos papeis que desempenham naturalmente na relação terapêutica. Estes temas permitem
variações ilimitadas. É um momento para sair de rotinas e experimentar sua disposição
para tentar formas de relacionamento imprevisíveis.

9. Religião e espiritualidade do terapeuta


Em princípio, podemos repetir à respeito da pessoa do terapeuta muitas das mesmas
coisas que foram ditas sobre o cliente. A religiosidade pode se tornar um problema quando
o terapeuta tem preconceitos e se mostra rígido nas suas regras e avaliações. Por outro
lado, pode ser um recurso para o terapeuta, quando é uma fonte de inspiração e de consciência
ética.
Sperry e Giblin (1996) consideram que o terapeuta deve ser capaz de articular
sua própria jornada espiritual quando trabalha com clientes religiosos. Nós acreditamos
que quando o terapeuta é capaz de reconhecer algo de si mesmo no cliente, a ressonância
de emoções e vivências no seio da relação terapêutica, facilitará ajudar o cliente a entrar
em contato com os seus impasses. Experiências religiosas e escolhas relacionadas com
valores espirituais podem fazer parte deste processo. A mesma ressalva concernindo
similaridades entre terapeuta e cliente, que foi feita em nossa discussão de problemas na
terapia, deve ser feita aqui. Quando a harmonia pareça empobrecer as dinâmicas do
relacionamento, medidas devem ser tomadas para quebrar esta homeostase nas sessões.
Quando o terapeuta se permite refletir sobre sua atuação durante a sessão e a
analisar a relação que tem com as contingências interpessoais configuradas pelas reações
do cliente, pode também se conhecer melhor. Quando suas vivências são similares com
as do cliente, tem a oportunidade de aprofundar a compreensão das mesmas pela
ressonância que ocorre na sessão.
Como o comportamento muda em função dos efeitos que tem sobre o ambiente e,
visto que no diálogo terapêutico o ambiente do cliente é o terapeuta, o comportamento do
cliente se transforma de acordo com os efeitos que tem sobre o do terapeuta. Isto significa
que o terapeuta deve se deixar tocar pelo cliente. Não é possível mudar o outro sem que
este outro tenha um efeito sobre você. Por isto, a psicoterapia analítico-funcional é um
processo de transformação não só para o cliente, mas também para o terapeuta. Assumir
esta conceituação do processo terapêutico acarreta a necessidade de considerar as
crenças e valores do terapeuta. Assim, interligamos o que acontece na relação terapêutica
com a busca de sentido de ambos terapeuta e cliente, e das comunidades das quais cada
um ó produto e (necessariamente também) co-criador.

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Sobrc C'omportiimcnto v (.'oflniçdo 337


Capítulo 30

Tacto de eventos privados: estudo de


relatos verbais sob efeitos de
diferentes contingências de
reforçamento
/ udtino de SouSii C'unlhi'
A tin o Antônio Anuiml C'hequer*
/ato Cjr/os M u n i/ Mdthncllt

í/i/eu HiUisU Horloti'

Introdução
O relato verbal é a fonte de dados mais amplamente utilizada na psicologia,
constituindo a base de entrevistas clínicas, levantamentos e avaliações padronizadas,
entrevistas pós-experimentais, entre outros. Segundo De Rose (1995/2001 ) \ a psicologia,
além de estar freqüentemente interessada no comportamento verbal per se, também se
interessa pelo comportamento verbal como um relato de comportamentos, eventos ou estados,
aos quais não se tem acesso fácil ou direto. É nesta perspectiva que se situa este trabalho.
Skinner (1989/2003) defende que o analista do comportamento deva fazer uma
análise funcional do comportamento operante “relatar" e, em muitos casos, isso significa
perguntar o que as pessoas estão sentindo ou pensando. A partir dessas informações, ó
possível inferir algo sobre as suas histórias, genética e pessoal. De fato, fazer estas
perguntas é, freqüentemente, a única forma de que os analistas do comportamento (e
pesquisadores de quaisquer abordagens teóricas) dispõem para investigar sobre uma
dada história pessoal. Faltam-lhes as facilidades necessárias para investigações diretas
das condições sentidas ou do pensar em si mesmo.

’Universidade Federal do Espirito Santo, E-mail para correspondência luciano.psicologia@ig.com br


'Universidade Vale do Rio Doce
3 Universidade Federal do Espirito Santo
4 Todas as ve/es que uma referência possuir duas datas, a primeira se refere à obra original e a segunda
se refere à obra consultada

338 I ilo Sou&i t\ m lw , M .ir io A n tó n io A . (.'Iicquci, lodo t\n lo s M . M .ir tin d li, I li/c u KitisM Horloli
Lidando com tais limitações, o presente Capítulo visa, portanto, apresentar uma
discussão acerca do comportamento verbal tacto sobre controle de estímulos a partir de
dados de um experimento usando um software elaborado para o estudo de relatos verbais
sobre efeitos de diferentes contingências de reforçamento. Para isso, antes serão apresentados
alguns conceitos fundamentais para a compreensão do objeto de estudo aqui focalizado.

O com porta m e nto verbal, relatos verbais e ta cto s


Skinner (1957/1978) apresentou o conceito de comportamento verbal diferenciando-
o do comportamento não verbal. Estas diferenças foram discutidas em detalhes por Catania
(1986) e a principal delas diz respeito ao fato de o comportamento verbal afetar o ambiente
fisico somente pela mediação de um outro repertório (seja o de outra pessoa ou do próprio
falante). Apesar desta diferença, o controle do comportamento verbal - o relatar, por exemplo
- está sujeito às mesmas leis que mantém os comportamentos não verbais (controle de
estímulo, reforçamento etc.).
Relatar é um comportamento verbal emitido diante de uma audiência, sob controle de
estímulos discriminativos'. Esses estímulos podem ser compartilhados pelo falante e pela
audiência, mas quando eles são os objetos do sentir e do pensar, não ó isto o que ocorre.
Nessas situações, De Rose (1995/2001) faJa que o pesquisador, por não ter acesso direto,
normalmente fica interessado em conhecer algo sobre estes estímulos e precisa pedir que o
falante fale sobre eles. O relato verbal inclui-se, portanto, na categoria operante verbal que
Skinner (1957/1978, p. 108) denomina tacto, que segundo ele pode ser definido como “um
operante verbal, no qual uma resposta de certa forma é evocada (ou pelo menos reforçada) por
um objeto particular ou um acontecimento ou propriedade do objeto ou acontecimento”.
De Rose (1995/2001) explicita então que a propriedade caracteristica do tacto é,
portanto, o controle singular que algum aspecto do ambiente exerce sobre a forma da
resposta. Neste sentido, o tacto é o operante verbal que tem uma relação de
correspondência com o mundo externo ou interno e, por esta razão, "emerge como o mais
importante operante verbal” (Skinner, 1957/1978, p. 109). Esta importância permitiu a vários
autores [(Skinner, 1974/2003; 1989/2003), Holland & Skinner (1961/1973), Banaco (1999),
Millenson (1967)j discutirem correspondências entre comportamentos verbais descritivos
de eventos privados (tacto) e contingências as quais um indivíduo é exposto.
Skinner (1957/1978) incluiu a discussão do modo como os estados corporais são
relatados e isto foi sintetizado por Guilhardi (2002): as pessoas discriminam estados
corporais (produzidos pela sua interação com eventos ambientais), nomeiam esses estados
corporais de acordo com nomes de sentimentos aprendidos com sua comunidade verbal
e, finalmente, atribuem às palavras assim aprendidas a função de causar comportamentos.
Nesse sentido, se torna importante enfatizar o que é sentido como função de contingências,
de preferência sobre condições programadas que possibilitem uma análise detalhada das
variáveis envolvidas na produção do estado sentido.

As co n tingên cias em questão: considerações m e to dológicas


Segundo De Souza (1995/2001), contingência é a relação existente entre eventos
com porta mentais e/ou ambientais, estando além de uma relação temporal (contigüidade),
seguindo um modelo selecionista, no qual um efeito adquire função para outro. Assim, podemos
dizer que é a probabilidade de um evento ser afetado a partir da ocorrência de outro.
* Segundo Keller (1973/2003). um estimulo discriminativo sinaliza que o reforço está disponível no ambiente,
fa/endo com que a resposta entre em extinção em todas as situações, exceto num conjunto muito restrito de
condições de estímulos

Sobre (‘omport.imcnto c Cojjmçilo 339


No caso dos operantes, as contingências estudadas são referentes à relação da
resposta com os estímulos antecedentes e conseqüentes. Dentre outras, as operações
básicas entre respostas e estímulos, para os operantes, que geram relações entre variáveis
públicas e respostas ditas “estados corporais", estão as contingências de reforçamento
positivo e negativo, e as de punição positiva e negativa.
Catania (1999) refere a esses termos da seguinte maneira:

"Um estimulo ó reforçador positivo se sua aprosontação aumonta o responder


que o produz, ou um roforçador negativo se sua romoção aumenta o respondor
que o suspende ou o adia". (Catania, 1999, p.418) e; "Um estimulo é um punidor
positivo, so sua aprosentação reduz a probabilidado do rospostas que o produzem
ou um punidor nogativo, se sua romoçáo roduz a probabilidade de respostas
que o terminam". (Catania, 1999, p.416)
A terminologia do reforço é descritiva e, segundo Catania (1999), depende de três
condições: a resposta produz alguma conseqüência: a resposta ocorre com mais freqüência
do que quando não produz conseqüências e; o aumento das respostas ocorre porque a
resposta tem aquela conseqüência. Ao contrário do reforço, a punição tem como efeito
suprimir* a possibilidade de emissão futura de uma resposta.
Segundo Sidman (1989/1995), no reforçamento positivo, a ação de uma pessoa é
seguida pela adição, produção, ou aparecimento de algo novo, algo que não estava lá antes
do ato. No reforçamento negativo uma ação subtrai, remove ou elimina algo, fazendo com
que uma condição ou coisa que estava lá antes do ato desaparecesse. Quando nosso
comportamento é reforçado positivamente obtemos algo; quando reforçado negativamente
removemos, fugimos, ou esquivamos de algo. Ambos os tipos de conseqüências tornam
mais provável que façamos a mesma coisa outra vez. Ambos são, portanto, reforçadores.
Sidman (1989/1995) também elabora uma relação entre estímulos reforçadores e puntdores,
quando explicita que cada tipo de reforçamento tem também uma contraparte simétrica:
‘‘Algumas vezes fazemos coisas que terminam reforçadores positivos, algumas vezes
produzimos reforçadores negativos. Estas contrapartes simétricas de reforçamento positivo
e negativo constituem a punição. Punição pode, portanto, assumir uma de duas formas. Um
tipo de punição confronta-nos com o término ou retirada de alguma coisa que comumente
seria um reforçador positivo, o outro tipo confronta-nos com a produção de algo que
normalmente seria um reforçador negativo". (Sidman, 1989/1995, p.59). Essa definição de
contrapartes feita por Sidman, nos informa que depois da apresentação de reforçadores
positivos, sua retirada constitui uma operação chamada de punição negativa. E após a
apresentação de estímulos aversivos (punição positiva), a sua retirada constitui reforçamento
negativo. Tais apresentações são sempre acompanhadas de estados sentidos que são
nomeados a partir dos processos que controlam o relato verbal sobre eles.

Nomeação de eventos priva dos


A definição de comportamento abrange eventos públicos e encobertos (eventos
que ocorrem no mundo dentro da pele da pessoa que se comporta). Assim, tanto a vida
pública quanto a privada são regidas pelas mesmas leis (Skinner, 1953/2003). A partir
desta afirmação, Tourinho (1995/2001) fala que a objeção do behaviorismo radical às
abordagens psicológicas centradas na problemática da privacidade é, antes de tudo, uma

fl O termo “suprimir" é utilizado no sentido de que ocorre uma interrupção súbita do responder

340 L ik IiIih » ile Sous.1 ('u n iu , Mcirco António A . C lieqwer. lodo (~<iriiw M . M .irtinclli, I li/mi K.itkt«i IW Ioti
objeção a qualquer concepção internalista do homem. No behaviorismo radical, as relações
com o ambiente externo (à ação)7que devem ser buscadas para as explicações pertinentes
ao fenômeno com porta mental.
Pode-se dizer então, que “ao se voltar para os determinantes externos do
comportamento, a análise do comportamento evidenciou progresso significativo na
compreensão do fenômeno comportamental. Isso sugere que um progresso científico na
direção de uma maior capacidade de previsão e produção do comportamento pode
independer da análise do que eventualmente esteja ocorrendo no interior de cada um".
(Tourinho, 1995/2001, pág. 176)
Em reíação á nomeação disso que ocorre no interior do corpo, Engeímann (1978),
diz que o vocabulário das línguas naturais compreende um grande número de palavras que
costumam ser consideradas nomes de “emoções”. Tudo indica que os nomes de "emoções"
em sentenças de tipo "Eu sinto x (emoção)" possuem fundamentalmente uma função
referencial. Isso já foi reconhecido por Skinner (1957/1978) ao incluir respostas verbais que
descrevem emoções na categoria de tactos. Holland & Skinner (1961/1973) falam que, sob
diferentes condições emocionais a serem tateadas, diferentes eventos entram no seu controle
de estímulo da resposta de relatá-las, e diferentes grupos de operantes aumentam sua
probabilidade de emissão. O quadro 1 aponta as relações entre as contingências operantes
básicas e o comportamento verbaí tacto sob controle de estímulos privados (sentimentos)8.

QUADRO 1 - Referências demonstrativas entre sentimentos e contingências

Koforçnmonto Positivo Fô, confiança, segurança, intorosso, «ntxçAo, dotomiinaçfln, obstmaçAo, porsovorançn, oxdtaçâo,
entusiasmo, d«dlcaçAo, compolsAo (Skinner, 1974/2003); Alegria, prazer, «atmfaçAo (Skinnor,
____________________ 1989/2003); Prazer, dacAo, áxtaso (MHIenaon, 1967).______________________________________
Hciforçamonto AimMxJadft, (uga, agroesivldado, vergonha (Skinnor, 1974/2003), Anslodado, torror, aproonsAo,
Nouativo____________ alivio (MINnon. 1967): AqrcusMdado. avereflo, anfiedad» (Hdland & 8klnnr. 1961/1973).__________
Puniçflo Poaitiva Ansledad*. vergonha, culpa (Skinnor, 1974/2003); Kaiva (Banaco, [1999?]); Medo, ralvn (Holland &
Skinnor, 1961/1973); Raiva, Cókwa, Atxrrecimonto (Milifinuon, 1967); Anniododo (HayoB, ot nl„
1994); ______________ ________________
PuniçAo NnyaUV'1 FrufitraçAo, doprosnâo, incnrtoza, desapontanionto, Impotdncia, dononcoratanionto, iniltiçAo,
limidojr, ombaraço (Skmnaí. 1974/2003); FrustraçAo, Trtntoza (Banaco, |1999?|); Alivio, sonaogo,
^^^^^^^^^^^^^^calm^BanjKalíWSI^ruj^rjKfljWHolIan^^Skinnor^^l/igTS^TjlBte^

Considerando estas relações, o presente trabalho teve por objetivo analisar o


controle de contingências programadas sob o tacto de eventos privados (sentimentos),
verificando a correspondência, sugerida pela literatura, entre o relato verbal dos participantes
e as contingências programadas.

M étodo

Participantes:
Participaram deste estudo 30 estudantes de graduação em Psicoíogía, de ambos
os sexos, da Universidade Vale do Rio Doce, cursando até o quinto (5o) período, com
idade variando de 18 e 22 anos.

7 Uma discussão detalhada sobre a terminologia "ambiente externo à açáo" encontra-se em Matos (1995/
2 0 0 1 ).
8 É importante ressaltar que o quadro 1 nâo Inclui o conceito de extinção, uma vez que o procedimento
experimental usado neste estudo não trabalha com essa operação.

Sobre Com port.im ento c (,' o r h Iv.Io 341


Local e materiais:
O procedimento foi executado num ambiente de laboratório, livre de interferências
externas, equipado com um micro-computador marca AMD ATHLON, 1.2 Ghz, 132 Mb
Ram, drive de CD rom 52x, disco rígido de 40 Gb, monitor colorido de 15” , teclado, mouse
e caixas acústicas com potência de 1500 watts pmpo. O monitor ficou disposto sobre
uma mesa. O experimentador permanecia no laboratório dando as instruções necessárias
para a execução do procedimento.
O software utilizado contém um programa específico para o estudo dos efeitos de
diferentes contingências programadas sobre o comportamento verbal tacto - " PsychoTacto"
(Cunha, Chequer, Cunha, Martinelli & Borloti 2004). O programa é executado em ambiente
Windows e apresenta janelas para o cadastramento, nas quais se podem registrar dados
do participante. Durante o procedimento, o computador apresenta em sua tela quatro
estímulos similares a cartas, sendo uma localizada na parte superior central da tela (estímulo
modelo), tendo a sua direita um display de contagem de pontos (cupons), e mais três
estímulos, alinhados horizontalmente, na parte inferior da tela (estímulos de comparação).
Respostas a uma das cartas inferiores disponibilizam na tela uma conseqüência, que
indica se a resposta dada pelo participante está certa ou errada (Figura 1).

CUPONS

Figura 1 - Descrição esquemática do procedimento adotado

Cada participante teve acesso a uma regra, dependendo das contingências a que
foi exposto, e teve também a chance de concorrer a cupons para participar do sorteio de
um brinde (R$ 50,00; cinqüenta reais). Portanto, o participante se comportava e, durante o
desenrolar do procedimento, seus “acertos" e “erros" eram trocados por cupons para
concorrer ao sorteio de cinqüenta reais. Em outras pesquisas (Critchfield, et al„ 2003) foi
verificado que o dinheiro era um reforçador efetivo, assim como a perda de dinheiro era
também um punidor efetivo, sendo esse o critério adotado para a utilização do dinheiro ao
invés de outros reforçadores. Acredita-se que o valor generalizado do dinheiro possa tornar
os efeitos das contingências mais efetivos.
O sistema processa relatórios para visualização em vídeo informando o número da
tentativa, acertos e erros e o tempo de respostas (contagem em segundos entre a
apresentação do estímulo modelo e a resposta de clicarem uma dos estímulos comparação).
Os gráficos podem ter as suas escalas configuradas de acordo com a necessidade do
pesquisador.

I ud.mo di» Sousa Cunha, M arco AntOnio A . Chequer. loAo Carlos M , Martinelli, I li/eu Hatkta Uotlotl
Figura 2 - Visualização dos relatórios em video

Procedimento:
Cada participante foi encaminhado ao local de realização da coleta de informações
e solicitado a sentar-se diante do monitor, ao lado do qual havia um cartão instrução e 50
cupons para o sorteio. As únicas informações que os participantes tiveram acesso se
referiam ao procedimento, e eram disponibilizadas tanto na tela do computador quanto no
cartão instrução.
O início do procedimento consistiu em apresentar ao participante, após este se
sentar em frente ao monitor, a seguinte instrução: "Você terá a sua frente uma tela de
computador com 4 cartas, sendo que uma estará à mostra (carta modelo), e outras três
ocultas. Sua tarefa será tentar acertar, através de um clique com o mouse, qual das três
cartas ocultas é igual à carta modelo. Ao clicar em uma das cartas, o computador informará
se sua resposta está certa ou errada e o número de cupons que você terá direito. Esses
cupons serão trocados ao longo do experimento, acompanhando o número exibido na
parte superior direita da tela. Tente acertar o máximo possível, pois o numero de acertos
será convertido em cupons para o sorteio de 50 (cinqüenta) reais. Quando a tarefa terminar
você será avisado. Compreendeu? Caso seja necessário, poderá consultar a instrução
que está ao seu lado. Clique em iniciar para começar a tarefa". Após 1er a instrução geral,
o participante deveria clicar no botão "iniciar a tarefa" para então aparecer na tela uma
configuração semelhante á mostrada na figura 1.0 número de “acertos" e “erros" já estavam
programados, e estes eram randomizados, de modo que o desempenho de cada
participante ocorreu de acordo com a programação prévia.
O experimento seguiu dois procedimentos com duas fases cada um, e cada fase
apresentava dois momentos. Em um deles predominava um esquema de reforço em razão
variável, e no outro, um esquema de reforço contínuo (CRF) ou punição num esquema fixo.
Nesse caso o desempenho era uma variável controlada ao longo do experimento, para
garantir que cada participante fosse exposto a uma contingência específica. O quadro 2
especifica a programação em cada momento.

Sobre C om port.im enlo e Coqnlv«lo


Quadro 2 - Programação dos esquemas de razão variável e reforço (ou punição) continuo
ContingAncla 1o Momonto 2o Momento
Esquoroa do RazAo VnrifWol Esquoma do Rof<irço (ou PunlçAo)
(ConaequândflB Randomi/nda») Con Inuo
Poaltlvo
H o fo rc w N O n to 10 acoftna 10 IKTOH 30 acwtns 0 orroa
Puniçflo H ar.ortoa 8 arro* 0 acortoa 34 QITOB
NngaUva
PUtttÇÃO 8 ar.orto« 8 orra* Q«corto* 34 nrroa
Positiva
RofofÇíimonto Nogativo 5 acarto« 5 orroa 40 acflrtoa 0 orroa

As quatro contingências (Reforçamento Positivo, Reforçamento Negativo, Punição


Positiva e Punição Negativa) foram agrupadas em duas classes: Reforçamento Positivo e
Punição Negativa, e Punição Positiva e Reforçamento Negativo. Esse agrupamento se deveu
ao fato de que para se garantir que o participante fosse exposto a Punição Negativa, ele
deveria passar por uma história de Reforçamento Positivo e, para ser exposto ao Reforçamento
Negativo, deveria passar por uma história Punição Positiva (Sidman, 1989/1995). Deste
modo, o procedimento possuía um total de cem telas, e estas foram distribuídas em cinqüenta
telas, para cada contingência.
O quadro 3 apresenta a distribuição das contingências programadas e das telas
durante os procedimentos, explicitando como o desempenho fica sob controle de um
esquema de razão variável, selecionado para que o participante não consiga discriminar a
variável independente (programação das contingências).

DiRtrlbulçAo des Contingência« ContingAncia Contingftncia


em Procedimentos Tela 1 a 50 Fel» 51 a 100
(distribuição aleatória) (òisInbuiçAo aleatório)
Procedimento 1 Reforçamento 40 acerlos Puniçào Negativa 8 acertos
R+/ P- Positivo
10 erros 42 erros

Procedimento 2 Puniçào Positiva 8 acertos Reforçamento 45 acertos


P*/R- Negativo
42 erros 5 erros

O procedimento 2 possuiu uma peculiaridade, pois suas contingências "incluem os eventos


que, no linguajar comum, chamamos de 'initantes', ’desconfortáveis', ‘dolorosos', ’desagradáveis',
’nocivos' e assim por diante" (Millenson, 1967, p. 383). Assim, durante a fase de Punição Positiva,
havia um ruído (estímulo inicialmente neutro) que era apresentado por 3 segundos toda vez que
houvesse a ocorrência de uma resposta errada. Assim, ocorria um pareamento desse estímulo
neutro com uma situaçãode punição positiva, para que esse passasse a ser um aversivo condicionado,
ao adquirir algumas das características citadas acima por Millenson. Portanto, na fase de
Reforçamento Negativo, houve a presença do mesmo ruído (aversivo condicionado), porém, este
era contínuo até que a resposta certa o interrompesse por 3 segundos”. Os participantes foram
divididos em 2 grupos iguais para submissão a cada procedimento.

g Uma pergunta poderia surgir diante da utilização da punição, Como manter o responder numa operação de
punição, se uma das características da punição é a supressão de respostas? Uma pista da resposta é fornecida
por Sklnner (1989/1995), que diz que a programação para o responder, em um esquema de razão variável produz
a manutenção de comportamentos resistentes á extinção na ocasião em que reforçadores ocorrerem
infrequentemente Por isso, durante a fase onde o sujeito era exposto á punição, foi usado um esquema d® razão
variável, onde o sujeito terá acesso a reforços esporádicos, conforme exposto no Quadro 3.

344 I uci<ino ili’ Sousa 1'unKi, Marco António A . Chcqucr, kxlo C'.irlos M Martinelli, Hl/eu Batista Rorloll
Durante a metade de cada procedimento, os participantes eram interrompidos e
aparecia na tela uma mensagem dizendo "Você está na metade da tarefa. Agora responda,
qual dos sentimentos corresponde mais precisamente o que você sentiu durante esta primeira
metade da tarefa? Marque sua resposta na folha ao lado". A tela disponibilizava múltiplas
opções de respostas que deveriam ser escolhidas e marcadas em uma folha. Ao final do
experimento o participante também respondeu a outra pergunta: "Você terminou a tarefa.
Agora responda, qual dos sentimentos abaixo corresponde precisamente o que você sentiu
durante esta segunda metade da tarefa? Marque sua resposta na folha ao lado". Tanto na
metade quanto no fim de cada fase, as respostas disponíveis para os participantes eram:
Opção a: Alegria, Satisfação e Contentamento: Opção b: Frustração, Desapontamento,
Tristeza; Opção c: Medo, Raiva, Aborrecimento; e Opção d; Ansiedade, Apreensão, Aversão.
Os sentimentos escolhidos para compor estas opções de respostas, seguiram
os critérios utilizados para a confecção do Quadro 1 e tais opções descreviam os principais,
e mais típicos, estados corporais para cada contingência. Esse critério aumentou a
probabilidade de uma opção com maior probabilidade de reforçamento prévio por parte da
comunidade verbal. Para certificação desse critério foi feita a seguinte pergunta: "Os
sentimentos disponíveis nas opções de respostas do questionário representam
adequadamente o que você sentiu? Você acha que sentiu algo que não estava escrito?
Em caso de resposta positiva, enumerar os sentimentos”.
O procedimento de análise incluiu a estatística descritiva, a partir da qual foi feito
um histograma das respostas às perguntas. Assim, pode-se verificar a freqüência absoluta
dos relatos dos participantes em cada contingência, e também a porcentagem da incidência
desses relatos. Torna-se necessário informar que 100% dos participantes (N=30),
consideraram que os sentimentos disponíveis no questionário eram suficientes para
descrever o que estes observavam introspectivamente em seus estados corporais.

R esultados
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As informações contidas no Gráfico 1 permitem perceber que os participantes


expostos ao Procedimento 1 (N=15), após a fase Reforçamento Positivo, relataram que
durante essa fase sentiram: Satisfação (N=4, 26,7%), Contentamento (N=3, 20%),
Frustração (N=1,6,7%), Ansiedade (N=6,40%) e Apreensão (N=1,6,7%). Os participantes
expostos a fase Punição Negativa do Procedimento 1 relataram que durante essa fase
sentiram: Frustração (N=3, 20%), Desapontamento (N=6, 40%), Raiva (N=2, 13,3%),
Aborrecimento (N=2,13,3%) e Aversão (N=2,13,3%).

Sobrr ('om porf.im cnto c Coflnlvào


Já os participantes expostos ao procedimento 2 (N=15), durante a fase Punição
Positiva relataram que sentiram: Satisfação (N=1,6,7%), Desapontamento (N=2,13,3%),
Raiva (N=3,20%), Medo (N=1,6,7%), Aborrecimento (N=1,6,7%), Ansiedade (N=6,40%)
e Apreensão (N=1,6,7%). Já durante a fase Reforçamento Negativo, do procedimento 2,
os participantes relataram que sentiram: Satisfação (N=3, 20%), Contentamento (N=1,
6,7%), Alegria (N=1,6,7%), Frustração (N=1,6,7%), Ansiedade (N=5,33,3%), Apreensão
(N=2,13,3%) e Aversão (N=2,13,3%).
De acordo com o gráfico 1 foram obtidos os seguintes resultados:
Procedimento 1 - Fase Reforçamento Positivo: os sentimentos relacionados ao
Reforçamento Positivo foram relatados por 46,7% (N=7) dos participantes. Os
sentimentos relacionados à Punição Negativa foram relatados por 6,7% (N=1) e os
relacionados ao Reforçamento Negativo por 46,7% (N=7) dos participantes.
Procedimento 1 - Fase Punição Negativa: os sentimentos relacionados a Punição
Negativa foram relatados por 60% (N=9) dos participantes. Os sentimentos
relacionados a Punição positiva foram relatados por 26,7% (N=4), e os relacionados
ao Reforçamento Negativo por 13,3% (N=2) dos participantes.
Procedimento 2 - Fase Punição Positiva: Os sentimentos relacionados à Punição
Positiva foram relatados por 33,3% (N=5) dos participantes. Os sentimentos
relacionados ao Reforçamento Positivo foram relatados por 6,7% (N=1) dos
participantes, os relacionados à Punição Negativa por 13,3% (N=2) e os relacionados
ao Reforçamento Negativo por 46,7% (N=7) dos participantes. Observou-se, portanto,
uma variabilidade dos relatos nessa fase, o que pode indicar diferentes controles
sobre a resposta.
Procedimento 2 - Fase Reforçamento Negativo: Os sentimentos relacionados ao
Reforçamento Negativo foram relatados por 60% (N=9) dos participantes. Os
sentimentos relacionados ao Reforçamento Positivo foram relatados por 33,3% (N=5)
dos participantes, e os relacionados à Punição Negativa por 6,7% (N=1) dos
participantes.

D iscussã o e co n side raçõ es fin a is


De acordo com os relatos sobre o que os participantes sentiram ou observaram
introspectivamente em seus estados corporais, podemos ver que as respostas escolhidas
para a descrição dos sentimentos foram adequadas para o estudo, à medida que todos os
participantes consideraram que estas representavam adequadamente o que sentiam.
Ao fazer uma comparação entre os sentimentos descritos no quadro 1 e o relato
de sentimentos pelos participantes podemos inferir que as contingências programadas
produziram os estados corporais descritos pelos participantes, a partir do relato verbal,
aproximando-se de forma correspondente aos sentimentos descritos pelos autores das
obras consultadas. De acordo com as obras consultadas, consideramos que os relatos
de sentimentos em cada contingência são relatos “esperados", o que pôde ser verificado
nas contingências programadas.
Na fase Reforçamento Positivo, predominaram os relatos de Satisfação e Contentamento
(N=7; 46,7%) e Ansiedade e Apreensão (N=7; 46,7%). Os relatos de Ansiedade e Apreensão
também podem ser considerados “esperados" nessa fase, pois ao serem perguntados sobre
esses sentimentos, os participantes relataram que estes se referiam ao fato de estarem participando
de um jogo, o que pode indicar que “ansiedade" e “apreensão" se aproximam de “excitação" ou

I mimo de Souso (. uuIm, M.irto Anlrtnlo A. ( brquer, loilo Carlos M M<irttiH*lli, 1ll/cu l^itisU Horloti
“emoção”. Há algumas explicações para isto. Skinner (1974/2003) afirma que todos os sistemas
de jogos se baseiam em esquemas de reforço de razão variável, embora seus efeitos sejam
geralmente atribuídos a sentimentos. Para Skinner, freqüentemente, as pessoas jogam pela
excitação (exercendo a função de reforçador interoceptivo), mas ‘este é entendido como um
produto colateral das contingências de reforçamento. Então, de acordo com a análise de Skinner,
os relatos dos participantes (Ansiedade e Apreensão) podem ocorrer nessa ocasião. Durante
essa fase (Reforçamento Positivo), também houve um relato indicando que o participante sentiu
frustração (N=1; 6,7%). Pode-se inferir a partir deste dado que essa frustração pode se referir ao
fato desse participante ter descoberto que a contingência que estava sendo exposto era
programada, e que seu desempenho era uma variável independente. Para esse participante, o
jogo parece ter “perdido a graça".
Na fase Punição Negativa, confirmando o conteúdo do quadro 1, predominaram
relatos sobre Frustração e Descontentamento (N=9; 60%), "esperados" para esta
contingência. A respeito dos relatos sobre Raiva e Aborrecimento (N=4; 26,7%), estes sugerem
uma baixa tolerância do participante à punição, na medida em que o limite de diferenciação
entre estes sentimentos e aqueles "esperados", de acordo com os autores das obras
consultadas, difíceis de serem delimitados. Em nossa comunidade verbal a raiva pode estar
relacionada à frustração; é difícil saber a diferença entre descontentamento e aborrecimento.
Durante o Procedimento 1, nas duas fases descritas acima, os relatos “esperados"
de Alegria e Tristeza não ocorreram. Isto pode ser interpretado pelo que propõe Millenson
(1967). Segundo ele algumas emoções, aparentemente diferentes, podem ser consideradas
correspondentes a diferenças na intensidade do reforçador positivo ou negativo em que
estão baseadas, de acordo com a história do sujeito e a intensidade da contingência atual.
Portanto, a ausência desses relatos "esperados" sugere que o pouco tempo de exposição à
contingência pode não ter sido suficiente para controlar a emissão desses relatos.
Durante o Procedimento 2, na fase Punição Positiva, 33,3% (N=5) dos participantes
relataram que sentiram Medo, Raiva e Aborrecimento, enquanto os relatos sobre Ansiedade,
Apreensão e Aversão tiveram uma incidência maior (60%; N=9). Estes relatos, também,
podem ser considerados “esperados", a partir das afirmações de Millenson (1967) e Sidman
(1989/1995), que dizem que o uso de estimulação aversiva pode estar relacionado a esse
tipo de relato de sentimentos.
Outra interpretação possível ó de que a contingência Punição Positiva, conforme
a programação do software, pode não estar representar uma contingência pura. Isso se
deve ao fato de que durante essa fase, houve a retirada de reforçadores, o que poderia
constituir Punição Negativa. No entanto, essa possibilidade de controle por dupla relação
de contingência se justifica na medida em que essa programação foi feita para que o
participante não discriminasse que estava sendo exposto a uma contingência programada,
impedindo que o relato ficasse sobre controle do seu desempenho (Variável Independente).
É, portanto, baseado nessa análise, que a exposição dos participantes à fase de Punição
Positiva possa ter produzido uma variação nos relatos sobre sentimentos. Uma sugestão
metodológica para estudos futuros ó que o Participante exposto a Punição Positiva seja
exposto anteriormente ao Procedimento 1, e que ao se passar para a contingência em
questão, não haja necessidade da retirada de reforçadores, mas sim, apenas da introdução
de estímulos aversivos como conseqüência ao erro.
Já durante a fase Reforçamento Negativo predominaram os relatos sobre
Ansiedade, Apreensão e Aversão (60%; N=9), considerados “esperados", o que denota,
que o ruído, estímulo antes neutro, passou a ser um aversivo condicionado ao ser pareado
com o erro e, por conseqüência, á perda de cupons. Ocorreram também relatos sobre

Sohrc (,'om porl.im ento c C»jjniv«lo


Satisfação, Contentamento e Alegria (33,3%; N=5) sugerindo que, para alguns participantes,
o ruído não adquiriu uma função aversiva ou, então, que esses sentimentos estiveram
associados a uma sensação de alívio, o que, de todo modo, seria uma sensação produzida
pela remoção da estimulação aversiva. Assim como na fase Reforçamento Positivo, houve
um relato sobre frustração, que pode ser associado ao fato do participante ter discriminado
que os acertos não dependiam de seu desempenho.
De todo modo, considerando ou não a análise funcional das respostas “não esperadas",
a comparação entre os relatos de sentimentos dos participantes e as descrições de sentimentos
referenciadas pelas obras consultadas sugere uma considerável correspondência entre a
resposta emitida pelo participante e aquelas consideradas "esperadas".
É importante ressaltar a questão do comportamento supersticioso. Foi observado
que a maioria dos participantes formulava regras e acreditava que havia descoberto a regra
para acertar, ou até mesmo, ter "perdido" a regra quando passava a errar. Em termos de
comportamentos públicos, isso se toma evidente, quando os participantes contavam as
cartas nos dedos, ou até mesmo seguiam um certo tipo de seqüência, como "cliques" nas
cartas da esquerda para direita, ou vice-versa. Portanto, mesmo que alguns participantes
desconfiassem que seu desempenho era uma variável independente, eles parecem não
ter discriminado o uso de contingências programadas.
Sobre a variabilidade da ocorrência dos relatos, reside na história filogenótica,
ontogenética e cultural, as razões de cada participante. Skinner (1974/2003), diz sobre
variabilidade de sentimentos ao afirmar que “todas as palavras usadas para designar
sentimentos começaram como metáforas, e é significativo que a transferência sempre tenha
sido do público para o particular. Nenhuma palavra parece ter sido originalmente cunhada
para denominar um sentimento". (Skinner, 1974/2003, p. 20). Essa variabilidade acontece
porque não podemos apresentar ou apontar uma dor, por exemplo. Ao contrário, inferimos a
presença da dor através de alguma circunstância concomitante pública. Portanto, uma vez
que eventos públicos e privados raramente coincidem exatamente, palavras que designam
sentimentos não são ensinadas com tanto sucesso quanto palavras que designam objetos.
As influências ontogenéticas e culturais sobre o relato de sentimentos sugerem
pesquisas futuras pesquisas sobre as discrepâncias entre os relatos de mulheres e homens
ou entre relatos de participantes em diferentes fases do desenvolvimento e de outras
comunidades verbais. Outra sugestão é que após a exposição ao software, seja pedido ao
participante para relacionar as suas condições corporais com exemplos da vida cotidiana.
O software permitiu medir a latência da resposta de clicar o mouse e isto forneceu dados
para a análise da correlação entre o comportamento motor, as contingências de
reforçamento e os sentimentos correlatos.
Em síntese, o que a presente pesquisa mostra é que existe uma relação entre
exposição à contingência e relatos emitidos após essa exposição, mesmo diante de uma
certa variabilidade de respostas. Os sentimentos são produtos de contingências ambientais
(Skinner, 1989/2003). Outra observação importante, é que o software mostrou-se eficiente
e adequado para novas pesquisas, possibilitando correções, alterações e planejamento
de outros delineamentos experimentais.

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S o b re C \m ip o r t, im c n f o e ('(ifln/ivJo
Capítulo 31

Suicídio: Epidemiologia,
características, fatores de risco e
medidas preventivas
Mitkilin Nunes liipt/shi'

M jiv c L i R i^otkf

\y m/rd / c,i/

A história aponta que os comportamentos autodestrutivos sempre atraíram e


intrigaram filósofos, religiosos e escritores, recebendo conotações diversas nos vários
períodos, tais como: um ato heróico tendo como recompensa a entrada no reino dos céus
(nos primórdios do Cristianismo), expressão demoníaca para a religiào católica (São Tomé
de Aquino), prova de amor (Tibes e Píramo), desonra ou culpa (como na história de Jocasta
e Ajax, guerreiro grego que se matou por não merecer a armadura de Aquiles), dentre outras
explicações. Nas últimas décadas o suicídio vem sendo estudado de forma mais científica,
por estudos dos mais diferentes delineamentos, desde os de levantamento epidemiológico
até os retrospectivos, com famílias de indivíduos que se suicidaram (anamnese ou autópsia
psicológica) ou mesmo de corte transversal com aqueles que tentaram o suicídio (Baptista,
2004b; Bastos, 1995; Pellizzari & Almeida, 2001, Toledo, 1999).
O suicídio é entendido de maneira diferenciada conforme as culturas, podendo
ser compreendido de variadas formas por pensadores, religiosos e cientistas, já que pode
ser considerado como um ato de coragem e nobreza, sendo exaltado e reforçado

' - Doutor pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP); Docente
e Pesquisador do Programa de Pós-Graduaçâo Strlcto-Sensu em Psicologia da Universidade sáo Francisco
(USF) — Itatiba/SP Endereço - Rua Dr Miguel Pierrô, 61 - Cidade Universitária II - Campinas-C E P 13083-300,
e.mall: makllim baptista@saofrancisco.edu.br.
7 - Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco
(USF) — ltatlba/SP
3 - Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas; professora assistente-doutor
na UNESP, campus Bauru SP

350 M .iktlln Nunes Kiiptístu, D.ilemc M«irccl«i Kigotto, Samlr.i I e,il C\il.ils
socialmente ou como um ato de covardia e repulsa, punido e desencorajado por instituições
sociais. Por exemplo, no Japão existe uma prática integrante da cultura samurai, o seppuku
(haraquiri), em que o suicídio constitui-se em um fenômeno rodeado de preconceito e
pouca compreensão das variáveis inseridas neste processo, pelos leigos. No Brasil, muitas
vezes, a mídia noticia de forma inadequada os casos de suicídio, já que geralmente observa-
se também uma exagerada associação com doença mental e/ou fatores de risco que nem
sempre são avaliados de forma adequada (Daher e Baptista, 2004; Mello, 2000).
Anualmente, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (2001), um
milhão de pessoas no mundo comete suicídio e entre 10 a 20 milhões de pessoas por ano
tentam se suicidar (OMS, 2001). Da mesma forma, o suicídio pode ser considerado como
um problema de saúde pública mundial, além do que ó um fenômeno complexo multicausal,
envolvendo diversas variáveis psicológicas, sociais e neurobiológicas.
Na literatura, as mulheres apresentam maior freqüência de tentativas de suicídios,
no entanto o número de suicídios (mortes) em homens é maior do que em mulheres, fato
provavelmente relacionado à utilização de métodos mais violentos e também, ao fato de
as mulheres geralmente deixarem pistas sobre seu ato, sendo socorridas na primeira hora
após o evento. Considerando a faixa etária, a predominância do suicídio relaciona-se a
adultos mais velhos, porém os jovens estão aumentando seus índices, bem como os
idosos também são uma faixa etária prevalente (Merlin, Baptista e Baptista, 2004; Grossi,
Marturanoe Vansan, 2000; Vansan, 1996).
Algumas pesquisas corroboram com os dados citados no parágrafo anterior, por
exemplo, em um estudo realizado no HC-Unicamp, na cidade de Campinas - SP, com 156
pacientes de ambos os sexos que tentaram suicídio no período de maio a setembro de
1992, levantou-se o seguinte perfil: predominantemente do sexo feminino, majoritariamente
adolescentes e adultos jovens, residindo na zona urbana, sendo o ato geralmente impulsivo
e com baixa intencionalidade suicida por meio de ingestão medicamentosa, motivado por
crises sócio-familiares (Botega e cols., 1995).
Em um outro estudo, por meio dos dados de 60 indivíduos da cidade de Ribeirão Preto/
SP de abril a novembro de 1993, levantou-se o seguinte perfil: predominantemente do sexo
feminino, com idade entre 12 e 24 anos, sendo o ato mais impulsivo que planejado, por meio de
ingestão de medicamentos, praticado na própria residência e, em decorrência de estados
emocionais imediatos como perdas pessoais ou problemas sócio-familiares (Vansan, 1996).
Marcondes e cols. (2002), por meio de um estudo retrospectivo dos dados de um
hospital universitário no município de Londrina-PR com 70 participantes, de 12-24 anos, que
apresentaram tentativa de suicídio entre janeiro de 1994 e julho de 1999, objetivaram caracterizar
o perfil das tentativas de suicídio por substâncias químicas e observaram que as mulheres
apresentaram mais tentativas que os homens; o lugar de maior prevalência de tentativa foi na
própria residência; o método mais utilizado foi a ingestão de medicamentos e praguicidas e,
os motivos mais relevantes foram perdas pessoais, depressão e abuso de drogas.
Como afirmam Dhossche, Ulusarac e Syed (2001), as taxas de suicídios de
pacientes recém-hospitalizados, que tiveram alta hospitalar e se suicidaram após este
evento chega a ser três vezes maior do que as taxas da população, nos Estados Unidos,
ou seja, algo em torno de 32 indivíduos por 100.000 habitantes (no caso dos pós-
hospitalizados). Um outro ponto levantado pelos pesquisadores é que uma parte significativa
destes suicidas tinha diagnóstico de transtornos psiquiátricos, levantados pelos prontuários,
especificamente depressão e abuso de substâncias. No entanto, esta pesquisa deve ser
vista com certa cautela, já que a maioria dos suicidas pesquisados era de origem indígena,

Sobrr fo m pu rttim cnlo e CogniçAo


um forte fator de risco social para o suicídio. Bostwick e Pankratz (2000), por meio de uma
análise metanalítica revelaram que a estimativa de suicídio ao longo da vida de indivíduos
que já foram internados por tentativa de suicídio gira em torno de 8,6%. No caso de
indivíduos hospitalizados com transtornos afetivos (sem especificação de tentativa de
suicídio anterior), essa taxa chega a 4,0% e, por último, a estimativa de suicídio durante a
vida da população que não possua transtornos afetivos é menor que 0,5%.
Os dados epidemiológicos nem sempre são convergentes, devendo levar-se em
consideração as proporções geográficas e diferenças culturais, além das possíveis
limitações e falhas nos sistemas de informação atualmente disponíveis. O tipo de coleta e
de análise também merece atenção diante dos diferentes objetivos de cada pesquisador
(Baptista, Borges e Biagi, 2004).

Alguns Fatores de Risco e Suicidio


É importante citar que diversos fatores de risco podem ser apontados como
associados aos casos de suicídio, sendo alguns deles comentados neste texto. Dentre
esses, há fatores de risco relacionados às questões genéticas e biológicas, sociais e
culturais e individuais ou psicológicas, no entanto geralmente são encontradas divergências
na literatura internacional e nacional sobre tais fatores de risco, uma prática muito comum
em ciência, já que diversas pesquisas utilizam amostras diferentes, além de muitos estudos
possuírem vieses metodológicos diversos.
Por exemplo, Baptista (2004) aponta alguns fatores de risco para tentativa e suicídio,
tais como: episódios de depressão passados e presentes; sensação de abandono;
isolamento social; falta de suporte familiar; desesperança; transtornos psiquiátricos
comórbidos; uso de álcool e drogas; eventos negativos de vida; migração; luto; dor física
crônica; quebra ou perda de relacionamentos/pessoas significativas, gênero masculino;
estado civil (separado, divorciado); dificuldades escolares/profissionais, dentre outras. É
muito pertinente não se falar de causalidade quando o assunto relaciona suicídio e fatores
de risco, mas sim de aumento de probabilidade do suicídio, sendo que geralmente o
aumento de chance de suicídio é diretamente proporcional ao aumento do agrupamento
de diversos fatores de risco.
Outros fatores de risco, apontados por Agerbo, Nordentoft e Mortensen (2002) em
um estudo de caso-controle dinamarquês, revelam que adolescentes com maiores
probabilidades ao ato suicida são aqueles que tiveram parentes que se suicidaram, que já
passaram por serviços psiquiátricos, são solteiros, desempregados, possuem mães já
falecidas (ou são imigrantes), têm baixa educação e nível sócio-econômico.
Em contrapartida, Malone e cols. (2000) e Callahan (2000) relatam alguns fatores
protetivos para os atos suicidas, sendo os principais expressar mais sentimentos de
responsabilidade para com a família, possuir valores de desaprovação social para com o
ato suicida ou ter maiores objeções morais contra o suicídio, ter grande capacidade de
enfrentamento de problemas, além de ter suporte familiar e social.
Johnson e cols. (2002), por intermédio de um estudo longitudinal com 659 famílias
de Nova York, de 1975 até 1993, relatam que a inadaptação parental (falta de suporte) e
maus tratos em crianças estão associados a um elevado risco de dificuldades interpessoais
nestes futuros adolescentes. Também se pode observar que estas crianças maltratadas e
com estrutura e suporte familiares de risco possuem aumento de chance de tentativa de
suicídio, quando atingem a adolescência e começo da vida adulta, mesmo quando

M d k ilin N im c« Hiipllstj, D .jlcm c M>irvrl<i Rifloffo, Sitmlr.i I t\il í \ i l . i i t


controladas diversas variáveis de confundimento, tais como idade, gênero, sintomas
psiquiátricos durante a infância e adolescência e sintomatologia psiquiátrica dos pais.
Em relação ao estado civil, pode-se observar uma diferença entre casados e não casados,
como aponta Kposowa (2000), relatando por meio de uma análise estatística proveniente do
National Longitudinal Mortality Study (1979-1989), base de dados dos Estados Unidos, que
homens divorciados e separados possuem o dobro de probabilidade de cometer suicídio quando
comparados com os casados, não ocorrendo o mesmo com as mulheres, além do que ser
solteiro ou viúvo não significou risco estatisticamente significante na amostra estudada.
Por último, em relação à idade, apesar da pouca prevalência, a criança também
pode apresentar comportamentos de tentativa de suicídio e em alguns casos, concluir o
ato. Segundo Cassorla (1998), as crianças que apresentam o comportamento suicida
podem se avaliar como rejeitadas, desprezadas, como uma carga para os pais e, por isso,
más ou desvalorizadas, dentre outras diversas possibilidades. O desencadeamento do
ato geralmente ocorre por causas aparentemente banais, como por exemplo, discussão
com a mãe ou irmão, ou diante de ameaça de castigo, ou ainda, por conseqüência de um
baixo rendimento escolar, porém a possibilidade deste comportamento ser conseqüência
de um estado depressivo também deve ser considerada. Geralmente, as famílias de crianças
e adolescentes depressivas e/ou que tentaram o suicídio, apresentam-se como perturbadas,
desestruturadas ou emocionalmente frias, mantendo relações com escassos
comportamentos de carinho e afeição para com os filhos. No entanto, é importante citar
que outros fatores são tão importantes quanto o suporte familiar, tais como o suporte
social, percepção e avaliação cognitivas pessoais sobre os eventos da vida, coping, dentre
outras (Baptista, Baptista e Dias, 2001).
Na adolescência, observa-se o suicídio como uma das três principais causas de
morte entre 15 e 34 anos de idade em países da Europa e China, destacando ainda, que
a depressão é a condição mais relacionada ao suicídio também nesta faixa etária (OMS,
2001). As causas para os comportamentos suicidas são complexas, porém alguns fatores
são apontados, tais como relações familiares perturbadas, altos níveis de eventos
estressores de vida, dificuldades acadêmicas e sociais, depressão e uso de álcool e
drogas (Feijó, Raupp e John, 1999).
Sobre o suicídio entre as pessoas idosas, Corrêa (1996), por meio de uma revisão
de artigos internacionais e nacionais, aponta tal ato como sendo uma importante causa
de mortalidade, principalmente entre os deprimidos, chegando a atingir a faixa de 30% do
total de suicídios quando comparadas todas as idades. Destaca ainda, que tal problema
ainda não é tratado com empenho pelas autoridades sanitárias, diante da pouca repercussão
do fato na população, que vê a morte do idoso como “um descanso" para uma vida de
sofrimentos. No Brasil, fica difícil apontar as taxas precisas diante da ausência de informação
nos prontuários módicos, significando que as autoridades não têm um controle sobre
estes documentos, além da possível omissão familiar.
A terceira idade é caracterizada como um período diferenciado das outras etapas
do ciclo de vida em decorrência das mudanças sofridas e de maior probabilidade de déficits
cognitivos, biológicos e sociais. Tais características são propiciadoras, em certos casos,
do desencadeamento de transtornos mentais, incluindo depressões, que podem evoluir
para ideação, tentativa e suicídio (Merlin, Baptista e Baptista, 2004). É interessante notar
que além dos diferentes fatores de risco, aígumas profissões também apontam uma maior
prevalência de tentativa de suicídio.

Sobre Comportamento e CotffiiçJo


S u ic íd io e n tre M é d ic o s e R e s id e n te s de M e d icin a

Diversas são as pesquisas que apontam uma prevalência de tentativa e de suicídios


em estudantes e profissionais de medicina, quando comparado com a população. Por
exemplo, Martins (1990), por meio de uma revisão sobre a morbidade psicológica e
psiquiátrica na população módica mundial, aponta que, em relação a outros grupos de
profissionais, ou mesmo em relação à população geral, a taxa de suicídio entre os médicos
é duas ou três vezes maior do que as demais, independentemente do sexo. A taxa anual
de suicídio entre os médicos é de 38,3 na população masculina e 40,5 na população
feminina por 100.000 pessoas. Nota-se que, comparando com outros grupos de mulheres
acima de 25 anos, as taxas de suicídio entre as médicas é aproximadamente quatro
vezes maior, sendo importante destacar que o maior número de suicídios entre a população
médica ocorre na fase mais produtiva de sua vida profissional, com idade média de 48
anos para os homens e 41 para as mulheres.
Nogueira-Martins e cols. (2004) avaliando 146 estudantes de pós-graduação da
Universidade Federal de São Paulo, que procuraram auxílio espontâneo em um núcleo de
atendimento e assistência a residentes módicos, encontraram 18% da amostra com
desordens do sono e tendências suicidas, além do que as maiores prevalências de sintomas
de transtornos mentais se encontravam dentre os de humor, principalmente os episódios
depressivos leves, moderados e severos.
Uma hipótese para tais dados, oferecido por D’Andrea e Achatz (1987), por meio
de um levantamento de opiniões entre um grupo de 100 módicos, descreve a profissão
médica como estressante e não facilitadora de condições interpessoais adequadas para
minimizar as ansiedades oriundas da profissão. Estas dificuldades de relacionamentos
tendem a reforçar sentimentos de rejeição, tanto na família como no meio profissional,
além da possível carência de apoio psicológico no meio módico.
Outra hipótese é apontada por Martins (1990) quando argumenta que a
insalubridade psicológica, decorrente do contato com a fragilidade humana e suas
expressões inerentes à tarefa médica pode ser um fator desencadeante de distúrbios
emocionais em estudantes, residentes e médicos que tenham predisposição ou mais
vulnerabilidade. Diante deste quadro sugere a implantação de medidas psicoprofiláticas
no curso de Medicina e na Residência Módica. Várias hipóteses acerca dos diversos
motivos que levam o indivíduo a cometer suicídio são freqüentemente levantadas diante
deste quadro, tornando relevante discutir melhor o problema.

Fatores Desencadeadores do Comportamento Suicida


O comportamento suicida geralmente é precedido por alguns fatores que podem
ser considerados desencadeadores ou associados à tentativa ou suicídio, também
denominados de fatores de risco, tais como: depressão; medo do sofrimento;
hipersensibilidade ao meio ambiente; perda da eficiência dos mecanismos de defesa; dóficits
em resolução de problemas; auto-estima rebaixada; baixa auto-eficácia; estados delirantes;
pouco suporte social e familiar; dor física intolerável e prolongada; invalidez definitiva do
companheiro; viuvez; solidão, pobreza; mudança de domicílio; institucionalização; condutas
alcoólicas; presença de queixas somáticas (prévias consultas médicas, insônia, perda de
peso, redução de atividades, hipocondria); tentativa anterior de suicídio; histórico de transtorno
psiquiátrico; presença de doenças físicas concomitantes ou dores fortes que acompanham
algumas doenças, dentre outras (Baptista, 2004b; Corrêa, 1996; Carneiro e Figueiroa, 1994).

354 M.ikllln Nunt** l\iicmc M«irvd«i Rlflolto, Siin<ir<i l.í«il C.iliiis


Sidman (1995) e Pellizzari e Almeida (2001) destacam que o suicídio pode ser
considerado como uma forma para escapar de uma situação intolerável, como uma saída.
Pode-se pensar em uma determinação de fatores (biológicos, sociais, econômicos,
psicológicos) e considerar que dependendo do contexto onde o suicida está inserido, este ato
pode ser compreendido não somente como patológico, mas também como uma necessidade
do sujeito de se esquivar de ambientes altamente coercitivos. Ludermir (1994) igualmente
aponta os fatores sociais como influenciadores no comportamento suicida ou na tentativa de
suicidar-se, dentre estes o desemprego e, conseqüentemente as condições econômicas
decorrentes da ausência de atividades laborais, o que também pode ser considerado coercitivo.
Mello (2000) estudando 44 pacientes internados em uma enfermaria de psiquiatria
de um hospital do servidor público estadual por tentativa de suicídio, chegou à conclusão
de que nem sempre as tentativas de suicídio estão associadas à doença mental subjacente,
podendo ainda ter diversos significados, tais como o sagrado, heróico ou irrelevante. O
mesmo autor enfatiza que a opção pelo ato pode ocorrer por diversos motivos, tais como
a fuga ao sofrimento causado por doença sem prognóstico, saída romântica para um amor
não correspondido, opção para fugir de fraquezas, dentre outros.

Transtornos Afetivos
Segundo Baptista (2004a), a depressão, além de causar sofrimento para o indivíduo,
afastá-lo de suas atividades e ocupações, dificultar sua convivência com a rede social,
também pode ser considerada um dos mais prevalentes transtornos deste século e do
passado, acometendo milhões de pessoas em todo o mundo.
Nunes (1990), em seu artigo de revisão bibliográfica, enfatiza que a depressão é
um problema mundial, atingindo 3 a 5% de toda a população. Porém apenas 1,5% das
pessoas deprimidas chegam ao médico clínico geral e 0,2% ao psiquiatra. O diagnóstico
clínico da depressão é necessário, para que um tratamento precoce previna um possível
suicídio, sendo este a causa morte de 15% desta população. Torna-se fundamental, então,
que os módicos saibam diagnosticar a depressão, que é uma enfermidade com bases
etiológicas cada vez mais conhecidas, e que saibam encaminhar para o tratamento
adequado, evitando que o quadro evolua para uma complicação maior, o suicídio.
Aproximadamente um terço das pessoas que apresentam transtornos afetivos
estão em tratamento. Tal fato se dá, principalmente, devido à procura por centros de
atendimento primários de saúde, sendo os pacientes deprimidos atendidos por médicos
generalistas, com pouco conhecimento em psiquiatria e psicofarmacologia. Este é um
problema de saúde pública, não somente pelo alto custo econômico decorrente do prejuízo
em várias áreas de funcionamento do indivíduo que não é diagnosticado adequadamente,
mas principalmente pelo alto risco de suicídio nesta população (Nascimento, 1999).
Bandim, Fonseca e Lima (1997), fizeram uma pesquisa em uma escola particular de
Recife, a fim de levantar dados referentes à prevalência de ideação suicida em uma população
de 270 escolares com idade entre 9 e 13 anos do nordeste brasileiro. Concluíram através do
Inventário de Depressão Infantil (CDI) que destas 270 crianças, 32,2% apresentaram ideação
suicida e 1,5% intenção suicida, o que denota uma associação importante entre ideação
suicida e sintomatologia depressiva. Deve-se levar em consideração que a amostra referida é
de conveniência e em pequeno número, o que limita sua generalização, mas pode denotar um
problema que vem ocorrendo nesta faixa etária, em outras instituições escolares.
Diante do conhecimento acerca da depressão maior, faz-se necessário diagnosticar
o paciente deprimido com risco de suicídio e estabelecer um tratamento através da associação

Sobre C'omport«imento e Cofjnlçtlo


de terapêuticas biológicas e técnicas psicoterápicas específicas, inclusive o atendimento à
família. A avaliação do risco de suicídio se dá a partir de uma boa avaliação do quadro clínico
da depressão maior e de uma comunicação aberta e empática com o paciente (Carneiro &
Figueiroa, 1994). No entanto, deve-se levar em consideração que o risco de suicídio pode
ocorrer independentemente da comorbidade com transtornos depressivos.
Bastos (1995), por meio da investigação de alguns autores enfatiza que nem
todos os pacientes com sério risco suicida estão deprimidos. Da mesma forma, nem
todos os deprimidos são portadores de grave potencialidade autodestrutiva. Em média
60% dos suicidas estariam gravemente deprimidos, 30% seriam esquizofrênicos e 10%
preencheriam os critérios para as demais categorias diagnósticas.
É interessante notar que alguns fatores de risco estão associados ao suicídio.
Por exemplo, Pokorny citado por Nunes (1990), apresenta as características de pacientes
depressivos com maior risco para o suicídio, sendo elas: depressão do tipo endógena;
idade acima de 40 anos; perda de um progenitor por suicídio na infância; prévias ameaças
de suicídio; doença de longa duração ou ter recentemente saído de hospitalização; viver
sozinho e estar bebendo abusivamente.
Diante de tais apontamentos e de acordo com Baptista (2004b) a questão do
suicídio não deve ser avaliada de forma unidimensional, já que envolve diversas variáveis,
sejam biológicas, genéticas, psicológicas, sociais ou culturais. A necessidade de uma
maior atenção nestes aspectos é clara, pois se está diante de um fenômeno complexo,
que muitas vezes acaba sendo definido erroneamente, tanto pela população como por
alguns profissionais de saúde despreparados.

O Paciente Suicida e a Equipe de Saúde


A maioria dos estudos acaba abordando as características, fatores de risco e
epidemiologia dos suicídios, no entanto se deve também enfocar aqueles que trabalham
diretamente com estes pacientes. Cassorla (1987) aponta para o impacto sofrido pela
equipe de saúde frente a um ato suicida, muitas vezes como um reflexo de um despreparo
diante da morte, já que são profissionais acostumados a lidar com pacientes que querem
curar-se, portanto viver e não com pacientes que chegam até eles com o propósito de
morrer. Em alguns casos, a formação médica, que procura uma relação linear e visível,
pode ser um impeditivo na adoção de uma postura diferenciada frente a este tipo de
paciente, que apresenta causas ou justificativas aparentemente banais para a equipe,
para o ato. Desta forma, a equipe também pode responder de forma inadequada, refletindo
sua indignação no tratamento do paciente, manifesta através do desprezo, agressividade
e de uma aparente ansiedade em dar alta ao paciente.
Por meio de uma revisão da literatura acerca do suicídio, Grossi, Marturano e
Vansan (2000), observaram que na nossa sociedade, a maioria das pessoas que tenta
suicídio ou se suicida passa antes por um serviço de saúde. Sabendo-se que, na maioria
dos casos, um tratamento adequado ou o encaminhamento do paciente a um serviço de
saúde mental pode evitar o ato suicida ou a reincidência, observa-se o quanto os programas
específicos de saúde mental ainda não se encontram satisfatoriamente desenvolvidos e
em número suficiente para uma boa atuação nesta área.
Porém, segundo Carneiro e Figueiroa (1994), a responsabilidade diante da
prevenção do suicídio não deve ser apenas do médico, mas sim do grupo social no qual o
indivíduo está inserido. Deve-se levar em consideração que os programas preventivos de
tentativas ou de suicídio são, muitas vezes, difíceis de avaliar a eficiência.

M<ikllin Nunes K.ipllsl.i, P.iiemc M<ircW«i Klgottu, Santlra l.c«tl Ciil.iis


M e d id a s P re v e n tiv a s e T ra ta m e n to em T e nta tiva de S u ic id io
Costa (1999), após uma coleta de dados de 25 casos de suicídio, por meio de
entrevistas com familiares e com a equipe multidisciplinar, responsáveis pelo atendimento
em hospitais (públicos, privados e unidades de emergência médica e psiquiátrica), além
da avaliação de tentativas de suicídio em prontuários médicos (período de três anos) em
Salvador-BA, sugere as seguintes medidas preventivas dos riscos de suicídio:
atentar-se para o risco ao prescrever drogas em quantidades que possam ser usadas
deforma letal;
cuidar para que armas de fogo ou objeto perfurante nào fiquem disponíveis na casa;
abordar e avaliar pacientes com intenção suicida junto de familiares;
observar pacientes depressivos com ênfase na melhora e alertar familiares dos perigos
de tal fase;
ficar atento para todo e qualquer pedido de ajuda do paciente, evitando comentários
de casos de suicídio conhecidos do paciente;
• • atentar-se para a continuidade do perigo de suicídio mesmo diante da melhora ou da
internação;
não subestimar ou minimizar a veracidade das idéias e as potencialidades da intenção
suicida de um paciente e, finalmente
cabe à família não omitir do médico os fatos relacionados a episódios como uma
primeira crise.
Corrêa (1996) aponta como medidas preventivas frente ao comportamento suicida
a hospitalização urgente para o paciente, os cuidados especiais, já que o hospital é um
dos locais onde se encontra o maior número de materiais cortantes e perfurantes, além da
intervenção psicofarmacológica, que, dependendo do diagnóstico, deve serfeita de imediato
em quadros depressivos com risco suicida.

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Sobrf Comportamento c C'ofjnlç«lo 357


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Sobre Comportamento c Coyjnlvdo 359


Capítulo 32

A Relação Terapêutica na Terapia


Comportamental
M <i/yPc//W

"Supõe-se que (...) a terapia do comportamento è exclusivamente uma questão


de idear contmgôncias reforçadoras, mas ela também inclui, do forma bastante
apropriada dar ao paciente avisos, conselhos, instruções e regras a serem
seguidas" Skinner (1974/1999)^, p.159.
A relação terapêutica, segundo o enfoque da Terapia Comportamental, é um dos
aspectos importantes do processo terapêutico.
Desde a década de 70 este assunto é abordado por estudiosos da área como
Kanfer e Phillips. Estes autores consideravam que os fatores de relacionamento eram muitas
vezes determinantes da mudança do repertório comportamental do cliente e que os
comportamentos do terapeuta faziam parte de um conjunto de variáveis que podiam aumentar
ou diminuir a eficácia das técnicas comportamentais. Isto quer dizer que a atuação do
terapeuta, através do impacto de suas características pessoais e de sua interação sobre os
comportamentos do cliente, era fator primordial para a adesão do cliente á terapia.
Nesta mesma direção, Rimm e Masters (1974) fizeram menção à importância da
empatia para a relação terapêutica. Segundo os autores, "nenhuma terapia pode ocorrer
se o cliente perceber seu terapeuta como frio e indiferente"(p.35).
Desta forma, percebe-se que uma relação terapêutica duradoura é aquela embasada
num sólido vínculo terapeuta-cliente, vínculo este que se torna estímulo reforçador para que
0 cliente progrida e seja perseverante nas tarefas comportamentais propostas pelo terapeuta.
Goldried e Davison (1975) enfatizam este aspecto em seu livro "Clinicai Behaviour
Therapy", onde afirmam:
1 Mestre e Dra em Psicologia IPUSP - Profa PUC- Sâo Paulo. E-mall' malvdel@unl nom.br

* Sempre que na referência de alguma obra aparecerem duas datas, a primeira Indicará a dala de publicação
original da obra e a segunda, a data da publicação da obra consultada Agradeço á psicóloga Silvia Groberman
por sua colaboração durante a elaboração deste texto

360 M .ily D ellN l


Qualquer terapeuta comportamental que afirme serem os princípios de
aprendizagem e da influência social tudo o que precisamos conhecer para produzir
mudança no comportamento, está desligado da realidade clinica. Temos
conhecido terapeutas capazes de conceitualizar problemas segundo a linha
comportamental, mas apenas em poucas oportunidades, demonstraram sua
eficácia; muitas vezes estes terapeutas tôm dificuldade de consorvar seus
clientes em terapia, sem falar de conseguir que os clientes sejam perseverantes
na execução de tarefas comportamentais (p.55).

Ainda segundo Goldried e Davison, "a tecnologia comportamental deve se expandir


para incluir não somente os instrumentos de tratamento, mas também as interações
entre o terapeuta e o cliente desde o primeiro contato até a alta final"(p.57).
A literatura atual mostra que os analistas do comportamento tôm realizado
pesquisas, definindo e categorizando os comportamentos do terapeuta e desenvolvendo
metodologias de pesquisa que possam ser aplicadas em situações clínicas, sem perder a
perspectiva científica e operacional como método eficiente de avaliação (Zamignani, 1996;
Banaco, 1997; Delitti, 2002; Wielenska, 2002). Muitas destas pesquisas preconizam o
estabelecimento da relação terapeuta-cliente como condição essencial para o manejo de
contingências terapêuticas bem como a adesão ao tratamento.
Diante de todas estas considerações, o objetivo deste artigo ó discutir a relação
terapêutica como fator fundamental para o processo clínico, tendo em vista a Análise
Experimental do Comportamento.

A Relação Terapêutica e as Mudanças Comportamentais


Um dos objetivos da terapia comportamental é promover mudanças no repertório
do cliente. Dito de outra forma, o processo terapêutico pode ser considerado como um
processo de ensíno-aprendízagern, no qual o terapeuta visa modificar (extinguir/instalar)
comportamentos antigos que não mais são considerados adaptativos ao cliente e/ou ensinar
novos comportamentos que possibilitem uma melhor interação com o ambiente.
Mesmo havendo uma vasta literatura que estude o assunto, conforme foi mostrado
anteriormente, há ainda lacunas a serem pesquisadas, principalmente pelo fato de na
clínica não haver um modelo experimental que observe os rigores exigidos, como em
pesquisa básica. De acordo com o estudo teórico produzido por Rosenfarb (1992), poucos
pesquisadores e clínicos se dispuseram a traçar relações entre os princípios desenvolvidos
no laboratório e as mudanças comportamentais que ocorrem no contexto da relação
terapêutica. Isto porque no contexto terapêutico os comportamentos emitidos pelo terapeuta
e cliente ocorrem na própria sessão, havendo dificuldade de uma atenta análise pelo fato,
de muitas vezes, tais comportamentos estarem sob controle de encobertos. Rosenfarb
sugere vias alternativas para a pesquisa na área clínica, como partir das discrepâncias
entre comportamento verbal e não-verbal do cliente e o comportamento do terapeuta como
parte do controle recíproco e, portanto, como estímulo discriminativo (Sd) para o
comportamento do cliente.
A partir do momento que há um controle recíproco na díade terapeuta-cliente, a
terapia pode ser considerada um processo de influência mútua e ocasião de aprendizagem
na qual o terapeuta poderá instalar comportamentos mais adequados, treinar discriminações
de encobertos e planejar a generalização destes padrões para a vida do cliente. Assim, a
história de aprendizagem que ocorre na interação terapeuta-cliente é uma variável de

Sobre C 'om p o rt.im cnfo c Cognição 361


mudança; daí a importância do terapeuta ser uma figura reforçadora para o cliente (Follette,
NaugleeCalIaghan, 1996).
Quando o cliente entende a relação terapêutica como uma relação onde é cuidado
e apoiado, ele começa a revelar informações, sente-se protegido, confia no terapeuta;
identifica este relacionamento como especial, diferente do que tem com outras pessoas.
Como conseqüência, as respostas adquiridas e reforçadas nesta interação freqüentemente
se generalizam para outros ambientes, ficando sob controle das contingências naturais.

A Díade Terapeuta-Cliente
Uma vez que a situação de terapia é caracterizada pelas interações comportamentais
entre terapeuta e cliente, cabe analisar cada um separadamente, a fim de compreender
como ocorrem tais interações.
O Terapeuta: É na sessão de terapia que o terapeuta tem a oportunidade de analisar e
modificar o comportamento do cliente, via relato verbal. A prática terapêutica, então, baseia-
se essencialmente na interação verbal, instrumento que tem sido muito utilizado pelos
terapeutas para ter acesso aos comportamentos encobertos do cliente.
Levando em conta tais considerações, entende-se porque a Terapia Funcional Analítica
(FAP - Kohlenberg) preconiza a importância do terapeuta criar condições para que os
comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) do cliente sejam emitidos durante a sessão.
Os comportamentos de esquiva emocional, dificuldades de comunicação, agressividade e
outros que são emitidos na sessão, costumam ser os mesmos que o cliente emite fora dela,
e através da relação com o terapeuta é que se torna possível haver a mudança para padrões
mais adequados. Devido a este fato, desde o início do processo, o terapeuta deve ter como
objetivo estabelecer-se como uma fonte de reforçamento social, ou segundo Skinner (1953/
1998) uma audiência não-punitiva, pois é a partir deste poder de reforçamento do terapeuta
que muitos eventos da terapia se desenvolvem. Estudos realizados em situação de terapia
mostraram que a expectativa e a percepção que os clientes têm acerca do terapeuta e da
relação influem diretamente sobre os resultados da terapia (Ford, 1978)
Por ser uma figura significativa, o terapeuta muitas vezes serve de modelo para o
cliente. Conforme afirmam Goldfried e Davison (1975):

(...) Por isso, o terapeuta deve estar sempro consciente do seu impacto sobre o
cliente, fazendo todo o esforço para dar modelo de comportamentos, atitudes e
emoções que possam acelerar o progresso terapêutico. Exomplificando, os
clientes podem expor problomas que fazem parte da própria experiência pessoal
do terapeuta. O terapeuta pode muitas vezes usar suas próprias experiências de
vida para ajudar na mudança do comportamonto do cliente (p.61).
Pode-se afirmar, portanto, que o terapeuta, no início do processo terapêutico,
deve procurar reforçar toda uma ampla classe de comportamentos, que poderia ser
denominada de "comportamento de ser cliente”. Sem esta classe, a terapia não ocorreria.
Entretanto, o terapeuta deve ter bem clara a diferença do emprego do reforçador
natural e do arbitrário. A este respeito, Ferster (1967) acrescenta que o reforçamento
natural ocorre sem planejamento e o terapeuta dele se utiliza quando o seu comportamento
está sob controle do comportamento do cliente. A utilização do reforço natural na relação
terapêutica aumenta a probabilidade de generalização dos comportamentos do cliente
para a situação natural. Quanto ao reforçador arbitrário, o seu uso deve ser contingente a

362 M .i ly D e lilli
comportamentos do cliente que freqüentemente são diferentes daqueles reforçados no
seu ambiente natural. Assim, o reforçamento arbitrário ó efetivo para a modelagem de
determinado comportamento, mas como apontado anteriormente, para que o comportamento
aprendido seja generalizado e mantido no ambiente natural do cliente, gradualmente o
reforçamento arbitrário deve ser substituído pelo natural.
Ainda com relação à utilização do reforçamento no processo terapêutico, Folette
et al (1996) afirma que o terapeuta pode liberar dois tipos de estímulos reforçadores: o
geral, que implica em reforçar todos os comportamentos da classe “ser cliente", como: vir
à sessão, esforçar-se em mudar, emitir comportamentos alternativos aos comportamentos
queixa, auto-revelação; enfim comportamentos cuja função ó estabelecer e manter o
repertório necessário para a aprendizagem de novos padrões comportamentais; e o
especifico, que o terapeuta deve fazer uso depois que já tenha se constituído numa figura
significativa para o cliente, e portanto, um estímulo reforçador natural, para reforçar os
comportamentos alvo, que vão ficando cada vez mais específicos.
Nota-se que as definições de tipos de reforçadores que estão à disposição do
terapeuta para uso no processo não são excludentes, mas sim complementares. Por
exemplo, ao mesmo tempo em que um estímulo reforçador ó natural, pode ser específico
para determinado tipo de comportamento alvo; ainda, o mesmo estímulo reforçador pode
continuar sendo natural, mas geral para outro padrão comportamental. O interessante é
sempre fazer a análise da contingência em vigor para identificar quais estímulos estão
controlando o comportamento em questão e verificar a sua funcionalidade. Feito isto, o
terapeuta terá mais clareza do esquema de reforçamento vigente.
Outras variáveis que devem ser levadas em consideração referem-se a determinadas
características pessoais do terapeuta que podem facilitar ou dificultar a mudança comportamental.
Habilidades sociais não substituem conhecimento teórico, mas terapeutas que se mostram
mais seguros, flexíveis e afetuosos costumam ter mais sucesso em seu trabalho.
Banaco (1993) chama atenção para o impacto que o cliente pode ter sobre o terapeuta.
O autor refere-se a temas como: valores morais ou religiosos muito diferentes; identificação
do terapeuta com o problema do cliente; desrespeito do cliente em relação ao terapeuta, e
outros. É comum, principalmente no início de seu trabalho, que os terapeutas possam
apresentar dificuldade no estabelecimento da relação terapêutica, ficando sob controle das
regras aprendidas de seus professores e supervisores. Não conseguir ficar sob controle das
contingências da sessão e deixar de ouvir o discurso do cliente ou de discriminar todos os
SDs da situação são exemplos desta dificuldade'. A supervisão e o aprimoramento constantes,
bem como a terapia pessoal são recursos recomendáveis para solucionar este problema.
Existem muitos estudos que abordam classes de comportamento do terapeuta que
pedem favorecer a relação com seu cliente. Os trabalhos clássicos de Rogers (1957) enfatizam
a importância da empatia, da compreensão, e a aceitação. Outros autores como Kanfer
(1970), Wielenska (1989), Banaco, R. Zamignani, D.Re Kovac, (1997) também estudaram
classes de comportamentos do terapeuta e todos parecem concordar que além de ficar sob
controle de regras, é importante que o terapeuta fique atento às contingências da sessão
bem como a dicas de seu próprio comportamento e de seus eventos internos.
O Cliente: O cliente pode procurar o terapeuta com queixas mais ou menos específicas; sabe
que aígo está incomodando ou causando desconforto, isto ó, identifica alguma situação aversíva

1Para facilitar esta aprendizagem os supervisores de Terapia Comportamental da PUC/SP fazem a observação
direta dos atendimentos via espelho unidireclonal e a supervisão é feita imediatamente após o mesmo.

Sobre Com portiimcnlo o Coflnlçüo 363


e/ou déficit em seu repertório. Por outro lado, há clientes que ao procurar terapia, dizem nào
ter nada de especial para discutir, mas que gostariam de autoconhecer-se.
O autoconhecimento tem um valor especial para o indivíduo. Na terapia, através de
perguntas ou comentários que o terapeuta faz, o cliente fica mais consciente de si mesmo,
ou seja, é capaz de prever e controlar o seu próprio comportamento mais adequadamente.
Indo de encontro a este fato, Skinner (1989/1995) afirma que "a psicoterapia é, freqüentemente,
um espaço para aumentara auto-observaçâo, para trazer à consciência uma parcela maior
daquilo que ó feito e das razões pelas quais as coisas sào feitas"(p.47). Dito de outra forma,
o terapeuta tem como objetivo ensinar o cliente a discriminar comportamentos abertos e
encobertos e criar condições para que ele inicie um tipo de controle do comportamento
denominado conhecimento. Tal fato ocorre, quando o cliente é capaz de descrever
contingências e identificar as variáveis das quais o seu comportamento ó função.
Desta forma, a terapia é propícia para a aquisição de autoconhecimento, sendo
tarefa primordial do terapeuta estabelecer relações funcionais entre comportamentos abertos
e encobertos e contingências e/ou regras que controlam o comportamento do seu cliente.

C asos C lfnico s
O objetivo de descrever alguns casos clínicos, é poder ilustrar na prática terapêutica,
como os aspectos considerados estão presentes.
Caso 1: P. relatou já ter feito outras terapias, antes de ser encaminhado ao terapeuta
comportamental; mas nenhuma havia conseguido “lidar com o seu caso" (palavras do
cliente). Disse que ouviu falar da terapia comportamental por agir diretamente no problema,
sendo desta forma eficiente.
Quando P. iniciou a terapia estava com depressão profunda; mal conseguia sair
de casa. A queixa é que tinha terminado o namoro de aproximadamente um ano. Também
relatou que há muitos anos era deprimido e já havia feito inúmeros tratamentos, mas todos
sem efeito. Quase morrera ao tomar antidepressivos e, por este motivo, não acreditava
neste tipo de medicamento, recusando-se a tomá-lo. Ao conhecer sua ex-namorada, M.
passou a se sentir muito melhor, como se os seus problemas tivessem terminado.
Nas sessões, P. se queixava por não entender o porquê M. havia terminado o
relacionamento. Ele relatava que era ótimo companheiro; limpava a casa dela, fazia comida,
resolvia assuntos burocráticos etc. M. trabalhava o dia todo e P. estava desempregado.
Moravam em casas separadas, sendo que uma amiga da ex-mulher de P. havia emprestado
o seu apartamento para ele morar.
P. era separado e não tinha filhos. Como estava desempregado, não tinha dinheiro
para nada e reclamava que a vida era ruim, que “nada dava certo"(palavras do cliente). Por
este motivo, não adiantava procurar emprego porque não iria ter sucesso.
Conforme pode-se perceber, P. tinha um padrão de comportamento queixoso;
reclamava tanto da sua vida pessoal como profissional. Sempre atribuía ao ambiente externo
o motivo de seus fracassos.
Ao ser encaminhado á terapia comportamental, logo de imediato, perguntou em
quantas sessões estaria "curado". O episódio a seguir ilustra como ocorreu a interação
terapeuta-cliente neste momento:
C - "Eu vim procurara terapia comportamental porque ouvi dizer que ela è rápida..."
T - "O que você quer dizer com rápida ?"
C - "Em algumas sessões já estarei curado... ”

364 M .i ly D elltfl
T - "Mas vocé acha que é simples assim?"
C - "Bom, falaram que a terapia comportamental vai direto ao ponto...”
T
C - "Se é direta, então é rápida...”
T - “Como foram as suas outras experiências terapêuticas?"
C - “Muito longas... Nem me lembro..."
T - “Porque você desistiu?”
C - “Desisti porque os terapeutas não eram bons. Nada mudou, eu continuei deprimido..."
T - "O que você espera então?"
C - "Eu espero que vocé tenha a solução para o meu caso, afinal, você ó o profissional e
tem o conhecimento. Só depende de você..."
T - “Não, você está enganado; não depende só de mim, depende muito de você"
Este episódio mostra uma situação comum enfrentada pelo terapeuta nas sessões
iniciais com o cliente. Este pensa que o terapeuta tem a solução pronta para todas as
suas queixas e, como se fosse uma receita, dirá o que fazer e como fazer e, num passe
de mágica, estará “curado”.
Partindo da premissa que o vínculo terapêutico ó o aspecto central a ser trabalhado
com o cliente, fundamentalmente no Início da terapia, o terapeuta que se vê na situação
acima, deve orientar a sua intervenção no sentido de buscar uma forma de expor ao cliente
os pressupostos da terapia comportamental (o que ó, como funciona, qual o papel do
cliente, do terapeuta, contrato, sigilo, etc.), sem no entanto, confrontá-lo de maneira punitiva.
Desta forma, é importante que reforce o fato do cliente ter vindo, mais uma vez, procurar
ajuda (já que neste caso o histórico de vida do cliente ó de frustrações com outras terapias)
e demonstre que compreende que estar lá não é fácil.
Dando seqüência à interação, o seguinte trecho demonstra tais características:
T - "Ter vindo até aqui ô muito importante, demonstra que você está mesmo buscando
ajuda. O processo terapêutico depende de nós dois; temos que trabalhar juntos: você na
sua vida lá fora e também aqui na terapia comigo”.
Ao mesmo tempo em que o terapeuta atua como uma figura reforçadora, fortalecendo
o vínculo terapêutico, deve esclarecer que a terapia não depende só dele, mas que é um
trabalho construído baseado em uma relação; e por ser uma relação, é uma via de mão
dupla: depende dos dois.
Ainda, o terapeuta deve discutir com o cliente se ele está disposto a enfrentar as
situações aversivas de sua vida porque, muitas vezes, o mero queixar-se não significa
estar a fim de mudar certos padrões de comportamento. A terapia propicia o
autoconhecimento, mas é um processo que passa por momentos difíceis e doloridos; o
cliente que não estiver preparado para tanto, não aderirá ao que for proposto pelo terapeuta
ef na primeira situação aversiva, abandonará a terapia por fuga/esquiva.
Mais uma vez, fica claro a importância do papel do terapeuta como uma audiência
não-punitiva, no sentido de saber reforçar e acolher o seu cliente, mas também ensiná-lo
a analisar funcionalmente a situação e torná-lo consciente das variáveis que estão
controlando o seu comportamento.
Retomando o exemplo em questão, num dado momento da terapia, o cliente faltou

Sobre Com porl.im cnto e


duas vezes em seguida sem avisar o terapeuta. Na terceira sessão, chegou e disse ao terapeuta:
C - “Você não me dá mesmo atenção. Eu faltei duas vezes e você não me ligou. Você é
mais um que me rejeita"
T - “Você está se comportando da mesma fomia que faz sempre. Novamente outra pessoa
é responsável pelo seu comportamento".
Neste exemplo clínico, também foi trabalhado o fato do cliente achar que tudo dependia
do outro e nada dependia dele; em outras palavras, o terapeuta utilizou a própria definição do
que é comportamento para lidar com a questão. Partindo do princípio que comportamento ó
uma interação entre indivíduo e ambiente e que tem conseqüências e, retomando o episódio
anterior, não é correto que o cliente deposite no terapeuta (ambiente) o sucesso ou insucesso
da terapia, mas sim na relação, pois é na relação terapêutica que há a interação e somente
através dela que a análise das contingências envolvidas pode ser realizada.

Caso 2: S. era a irmã do meio de outras duas irmãs. Sua mãe sempre exigiu que fossem
ótimas alunas (e elas eram) e bem educadas. Punia fisicamente e verbalmente quando
cometiam erros. O pai sempre foi quieto e ausente, "um cara apagado e triste; o que me
lembro dele é que recebeu medalha de operário padrão apôs 30 anos no trabalho, o que
eu acho ridículo"(palavras da cliente).
A irmã mais velha de S. tornou-se uma advogada bem sucedida e a mais nova,
administradora de empresas. Ambas ganhavam bem e a mãe dizia para ela que até nisso
havia errado: na escolha da profissão. Ela era professora de inglês no secundário, mas
freqüentemente ficava sem emprego, pois brigava com as colegas de trabalho.
O seu marido, engenheiro, trabalhava em uma empresa do governo; conheceram-
se quando estava na faculdade. Ele era quieto, pouco afetivo com ela e com a filha de 12
anos; dedicava-se totalmente ao trabalho. A vida sexual do casal era insípida e rotineira,
com uma média de duas relações sexuais por mês, sem ela ter orgasmo
S. era uma mulher sem amigos e seu lazer se resumia em assistir televisão e ir ao
shopping. Quando isto ocorria, ela e o marido combinavam a hora e o local para se encontrar
posteriormente: ela e a filha iam para um lado e o marido para outro, nunca conversavam.
Com a filha, o seu relacionamento “não era dos melhores”('‘sic"): a menina reclamava
que era uma mãe "careta", exigente e que não dava carinho. Quando queria conversar, a
filha saía de perto.
Tinha ainda uma cunhada, irmã do marido, que era executiva de uma multinacional.
S. sentia-se mal perto desta cunhada. Segundo ela "... me incomoda, ô arrogante, acha
que sabe mais do que todo mundo, quando falo com ela me irrito demais, acabamos
discutindo"(palavras da cliente).
Desde o início da terapia, S. constantemente agredia o terapeuta com frases
como: "Sua sala é bem simples hem !!!", "Você não é nada vaidosa não é?”,
"Engraçado...Intelectual ô tudo igual... Não se cuidam mesmo... Olha só sua sandália...".
O terapeuta ignorava, não reagindo às provocações da cliente. As agressões sempre
aconteciam no início da sessão; até que um dia, por volta do 4o mês de terapia, aconteceu
o seguinte diálogo:
C - "Hoje estou bem triste mesmo... Puxa, hoje você caprichou, sua roupa está feia
mesmo... Parece coisa de hipe velho"

366 M .ily D clittf


T - “Você está mesmo com uma expressão triste. O que aconteceu?"
C - “Falei que sua roupa é feia, 6 horrível e você nem reage?"
T - Silêncio...
C - “É... Você tem sangue de barata mesmo, ou ó porque eu pago e você tem que
aguentar tudo?"
T - Silêncio
C - “Olha, pode ficar bancando a psicóloga impassível porque eu vou embora...".
A cliente saiu da sala e bateu porta. Voltou depois de 30 segundos, sentou-se e
chorou.
Quando a cliente voltou à sala, a terapeuta fez com ela a análise da situação.
Conhecendo sua história de vida, sabia que na história passada de S. as mulheres (mãe,
irmã, cunhada) estavam associadas a puniçào e eram para ela sinalizadoras de seu fracasso
e mau desempenho. Nas sessões de terapia cada vez que se sentia mais próxima da
terapeuta, ela a agredia provavelmente por esquiva. A terapeuta não revidava e com isto
conseguiu mostrar para esta cliente que ela podia ter outro tipo de relacionamento com as
mulheres. A terapia foi planejada para que ela desenvolvesse um melhor repertório de
relacionamento em geral, com as colegas de trabalho, a cunhada, filha, mãe, etc.
Vale a pena ressaltar que a terapeuta, quando selecionou os estímulos sob os
quais ficou sob controle, isto é, quando a cliente verbalizou: “Hoje estou bem triste mesmo...
Puxa, hoje você caprichou, sua roupa está feia mesmo... Parece coisa de hipe velho",
respondeu abertamente à 1a parte da fala e ficou com a 2a parte como um dado a mais
para análise do comportamento do cliente. Terapeutas principiantes poderiam ficar sob
controle de seus eventos encobertos e perder aspectos significativos da sessão.
Este relato mostra a história de uma pessoa que só viveu em ambientes aversivos
durante sua vida, sendo privada de reforçadores importantes, como: bom relacionamento
com a mãe, com o marido, com a filha, etc. Pelo fato de ter sido punida, passou a se
comportar agressivamente, mesmo com aqueles que não conhecia, como o seu terapeuta.
Nas sessões, o terapeuta procurou abordar os seguintes aspectos:
1. Inicialmente, construir um vínculo com a cliente foi primordial para que o processo
terapêutico pudesse progredir, principalmente pelo fato de sua história de vida ser
marcada pelo uso constante da punição;
2. Reforçar positivamente qualquer comportamento adequado, de forma que a cliente
pudesse perceber outras formas de relacionamento interpessoal, que não a punição;
3. Busca de novos reforçadores: procurar atividades pela qual se interessasse, como
cursos, trabalhos voluntários, etc. para criar condições da cliente interagir em outros
ambientes e ser reforçada;
4. Autoconhecimento: Tomar a cliente consciente das variáveis que estariam controlando
o seu comportamento e, a partir daí, propor situações de mudança. A assertividade
foi um assunto discutido exaustivamente, no sentido de ensinar à cliente formas de
contra-controlar o ambiente quando este se tornasse punitivo;
5. Generalização: Aos poucos, o que foi aprendido em terapia, se generalizou para a
situação natural da cliente, que desenvolveu um repertório comportamental adequado
para se relacionar e ser reforçada ao invés de punida.

Sobre Comportamento e CogniçAo


A partir do relato destes casos, pode-se perceber que o fundamental para o sucesso
da terapia foi o vínculo estabelecido entre o terapeuta e o cliente, e que para que o contato
terapêutico provoque mudanças reais na vida do cliente é necessário o uso do reforçamento
natural ao invés do arbitrário. Desta forma, o terapeuta pode ser considerado como uma
audiência não-punitiva,conforme ressaltado por Skinner (1953/1998). De acordo com o autor:

(...) Do ponto de vista do paciente, o terapeuta em principio ó aponas mais um


membro de uma sociedade que tem exercido excessivo controle. É tarefa do
terapeuta colocar-se em situação diferonte.Evita portanto consistentemente o
uso de punição. (...) A medida que o terapeuta gradualmente se estabelece
como uma audiência não-punitiva, o comportamento que ató então foi reprimido
começa a aparecer no repertório do paciente. (...) O aparecimento do
comportamento previamente punido na presença de uma audiôncia não-punitiva
torna possível a extinção de alguns efeitos da punição. Esse é o principal resultado
da terapia (p.405).

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Sobre ('omportdm cnto e lo flnfção 369


Capítulo 33

Promovendo melhorias nas


interações em sala de aula:
efeitos preventivos de uma
intervenção multifocal
M iitv u / Iclcihi <// SHvj M elo*

tdw ifjes ferreim de M j Hos SHvjres**

A competência nas relações sociais na infância tem suscitado crescente interesse


da comunidade científica, sobretudo nas últimas décadas, haja vista a quantidade de
produções nesta área, revelando a notoriedade alcançada pelo tema nos estudos sobre o
desenvolvimento infantil.
Pesquisas indicam que a forma como se estabelece e se desenvolve o
relacionamento, seja com adultos significativos para a criança, ou entre pares, tem um
impacto significativo no desenvolvimento da criança (Donohue, Perry, & Weinstein, 2003;
McFadyen-Ketchum & Dodge, 1998). Sabe-se que o relacionamento entre pares é uma
situação propícia à aprendizagem de habilidades específicas, as quais não seriam tão
facilmente aprendidas em outros momentos. Daí se predizer que a ausência de tal
relacionamento pode acarretar danos em diversas áreas da vida. Observa-se em grande
parte da literatura que interações negativas com pares e adultos do ambiente escolar estão
associadas com problemas como a delinqüência, abuso de drogas e fracasso escolar
(Criss, Petit, Bates, Dodge & Lapp, 2002; Webster-Stratton, 1998; Patterson, Reid & Dishion,
1992). Em contrapartida, parece evidente para autores como Coie, Dodge e Kupersmidt
(1990) que interações sociais positivas, especialmente com os pares, são requisitos
necessários para o sucesso acadêmico.

‘ Pesquisadora do Programa de Pós-doutorado do Departamento de Psicologia Clinica da Universidade de


São Paulo emall: mmelo@usp.br; mhmelo@bol.com br
“ P rofe ssora T itu la r do D e pa rta m ento de P sico log ia C lin ic a da U n ive rsid a d e de São Paulo.
emall nfdmsilv@usu hr
Agradecimentos à Fapesp, à Capes e ao CNPq

370 M átvI«» I W'len>» il.t Silv.» M d o , I dw iflts I crnnr.i ilc M iiltos Mlv.wc»
Apesar de estar claro que as oportunidades de relacionamentos com os pares
infantis são insubstituíveis, seus efeitos - sejam eles benéficos ou não - parecem ter
raízes nas interações das crianças com os pais, como bem sinalizam Patterson et al.
(1992). A aquisição de um repertório comportamental socialmente competente na infância,
portanto, parece depender primariamente da habilidade dos pais em lidar com suas crianças.
Não esquecendo, entretanto, que assim como o que os pais fazem ou deixam de fazer
possui uma influência sobre o desenvolvimento de seus filhos, seus comportamentos
também estão sob ação das contingências, muitas vezes estressantes. Sabe-se que a
pobreza, a falta de emprego, moradia precária constituem variáveis contextuais de risco
para o desenvolvimento de padrões comportamentais desajustados, interferindo assim em
qualquer intervenção que venha a ser realizada (Mash, 1998; Dumas, 1994).
Neste sentido, o alcance da intervenção clínica tradicional se mostra restrito,
insuficiente para resultar na prevenção ou mesmo remediaçào de condutas socialmente
desadaptativas, tornando imperiosa a necessidade de ampliar o enfoque do tratamento
psicoterápico. Isso porque, incluindo o maior número de elementos do mundo significativo
da criança neste trabalho, maximizam-se as possibilidades de sucesso da atuação do
psicólogo, sobretudo quando a intervenção se dá no próprio contexto do cliente, isto é, no
ambiente escolar ou familiar, posição esta defendida por autores como Biglan, Metzler e
Ary (1994) e Spence e Matos (2000). Para estes autores, considerando que um dos papéis
do psicólogo reside na capacitação do indivíduo para participar da vida na comunidade,
faz-se necessária a promoção de competências que lhe permitam melhorar a qualidade
de suas relações com os demais. Como conseqüência direta, a aquisição de competências
reduz a probabilidade de desenvolvimento de condutas que comprometem a qualidade das
relações interpessoais, constituindo uma relevante forma de prevenção.
A partir dessas considerações, justificam-se as vertentes que regem este trabalho
- uma ampliação do atendimento em clínica com enfoque preventivo e atuação na
comunidade, envolvendo màes, crianças e professores em uma escola estadual na periferia.
Considerou-se pertinente inserir no atual estudo o ambiente social da escola, já
que reconhecidamente é onde a criança põe em prática os comportamentos aprendidos
no âmbito familiar, além de ser um local que favorece mais interações sociais e, por
conseguinte, a ampliação de seu repertório comportamental.
Optou-se, ainda, por intervir junto às crianças que faziam parte de grupo de risco,
apresentando já algumas dificuldades tanto no que se refere aos comportamentos
externalizantes (p,ex. conduta agressiva) como aos comportamentos internalizantes (p.ex.
retraimento social) e ao desempenho acadêmico insuficiente.
Tal escolha fundamentou-se no resultado de outras pesquisas, que apontam a
conduta externalizante, ao lado do fracasso escolar, como um dos principais motivos de
encaminhamento para atendimento psicológico, como enfatizam Silvares (1999) e Ancona-
Lopez (1983). Do mesmo modo, tem-se conhecimento de que o retraimento interfere na
qualidade das interações sociais. Seguindo a proposta de ampliação do modelo de
atendimento, a intervenção se estendeu aos pais destas crianças, aos seus professores
e ainda aos colegas de sala de aula.
Todos os passos percorridos para a realização desta pesquisa objetivaram
exatamente verificar a eficácia de um modelo de atuação preventiva na comunidade,
trabalhando com crianças de baixa renda que já manifestavam algumas dificuldades de
interação interpessoal.

Sobre (.'omport.imenlo e Coflnlçflo


Neste sentido, o programa buscou avaliar os efeitos de uma intervenção multifocal
realizada no ambiente escolar, verificando a ocorrência de mudanças nas relações em
sala de aula.

M é to d o

1. Participantes
Participaram desta pesquisa 26 crianças (12 meninas e 14 meninos) entre sete e
oito anos, suas mães (n=26), suas professoras (n=7) e seus colegas de classe (n=219).

2. Instrumentos de Avaliação
Neste capítulo serão ressaltados os resultados provenientes das observações de
comportamentos ocorridos em sala de aula, a partir de gravações em vídeo-tape. Os
comportamentos foram agrupados e analisados como Categorias Comfwrlamentais. Estas
foram elaboradas para avaliação do envolvimento da criança nas tarefas escolares e das
interações ocorridas em sala. As interações sociais observadas entre aluno-professor foram
categorizadas como positivas e negativas. Entre os pares foram registrados episódios de
interações pró-sociais, reação agressiva e intimidação. Observando o comportamento do aluno
em relação à classe, foram estabelecidas as categorias perturbação do ambiente e
comportamento solitário e, por último, levando-se em conta o desempenho das crianças nas
tarefas escolares durante as aulas foram criadas as categorias atenção à tarefa e dispersão.

3. Procedimento
Baseados nos objetivos do estudo e nos eventos naturais da situação de pesquisa
aplicada, foram adotados os procedimentos descritos a seguir.

FASE 1 - Contatos com as professoras


Foram estabelecidos contatos semanais com as professoras para detalhar o
projeto, esclarecer a participação, discutir as expectativas relacionadas às contribuições
da pesquisadora e das próprias docentes, assim como debater e refletir sobre as
dificuldades e limitações envolvendo a atuação do professor e do psicólogo.
Para formar este grupo foi estabelecido como único critério ministrar aulas para a
segunda série do ensino fundamental da referida escola.

FASE 2: Avaliação pré-intervenção - estabelecimento da linha de base


Com finalidade de obter dados diretos do comportamento, foram realizadas
gravações em vídeo-tape das interações entre os alunos e destes com a professora, 10
minutos por dia durante 03 dias consecutivos, antes de iniciar a intervenção. Os
comportamentos observados foram categorizados e sua ocorrência, registrada.

FASE 3: Formação dos grupos de crianças


Grupos de atendimento infantil (GAI) e de validação social (GVS)
Foram formados grupos de atendimento infantil (n=13) e de validação social (n
=13). Cabe aqui esclarecer que o grupo de validação social, neste estudo, foi um grupo
cujos integrantes não necessitavam de intervenção psicológica, conforme julgamento de
suas professoras. O grupo de validação teve por finalidade servir como parâmetro na avaliação

M .irc ld I I c l c n j d.i S ilv a M f l o , I d w if lc t l-cnreim d e M .itlo s Sllv«ircs


das crianças que compuseram os grupos de atendimento. Duas questões o justificaram:
1a) O atendimento psicológico tem sentido em virtude das diferenças comportamentais
entre as crianças encaminhadas e as não encaminhadas e 2") Esperava-se que o
atendimento psicológico auxiliasse na aproximação do desempenho das crianças do grupo
de atendimento com o desempenho das crianças do grupo de validação.
Para a composição dos grupos de crianças tanto de atendimento psicológico
como de validação social, foram obedecidos os critérios abaixo:

Critérios de inclusão nos grupos de atendimento infantil


Indicação pelas professoras para atendimento psicológico, independentemente da
queixa;
Não estar em psicoterapia.

Critério do inclusão no grupo de validação social (grupo de comparação)


Indicação pelas professoras de crianças sem dificuldades interativas e sem
necessidade de atendimento psicológico.

FASE 4: Atendimentos

• Atendimento às professoras
Nas primeiras reuniões com as professoras foram salientados os objetivos que
norteavam as atividades propostas, inseridas no Programa de Educação Social e Afetiva
elaborado por Trianes e Muftoz (1994), para professores. Durante trinta e nove encontros,
uma hora por semana, as professoras foram instruídas sobre como proceder na sala de
aula, treinando esses procedimentos. Eram discutidas as dificuldades que surgiam na
execução das atividades, buscando solucioná-las em conjunto. Além de treinar as atividades
do programa, discutiu-se durante os encontros a qualidade do relacionamento que
estabeleciam com seus alunos, analisando-se funcionalmente suas condutas em sala de
aula, incluindo seus sentimentos em relação às crianças.

• Atendimento às crianças
Após oito semanas do início do Módulo I, foi iniciado o atendimento psicológico
ao GAI, utilizando recursos lúdicos. As 22 sessões realizadas com as crianças ocorreram
uma vez por semana com duração de 60 minutos. Durante o processo de intervenção,
procurou-se implementar algumas estratégias básicas no manejo com a criança para
aumentar a freqüência de comportamentos adaptados ou para a aquisição de novas
habilidades.

FASE 5: Avaliação pós-intervenção

Ao término das intervenções foram realizadas novas gravações em sala de aula.

FASE 6: Seguimento
Intervalo de nove meses sem nenhuma intervenção psicológica e reaplicação do
procedimento de filmagem em sala de aula.

Sobro C om p o rta m e nto c C ognição


FASE 7: Análise dos dados
Os comportamentos das crianças emitidos em sala de aula, tanto dos grupos de
atendimento como do grupo de validação social, foram categorizados a partir de observações
feitas por amostragem de tempo. As categorias foram observadas por três juizes que
obtiveram um índice de concordância de 93%.
Por meio das referidas medidas avaliativas, foram realizadas as análises estatística
e de significância clínica. A significância estatística dos escores foi avaliada através do
Teste T para amostras independentes e da ANOVA, a fim de verificar as diferenças inter e
intragrupos após a intervenção. Para tanto, foram consideradas significativas as diferenças
com p < 0,05.
Quanto à significância clínica, foram adotados, para as categorias
comportamentais, dois critérios para averiguar em que medida as condições de tratamento
resultaram em melhoras no desempenho social da criança: a) aumento de pelo menos
30%, em relação à linha de base, nas categorias comportamentais positivas relacionadas
aos professores e às crianças e b) redução de pelo menos 30%, em comparação com a
linha de base, nas categorias comportamentais negativas. O valor de referência de 30%
baseou-se em estudos sobre problemas de conduta na infância, os quais consideraram
este percentual de redução como indicador de sucesso do tratamento (Webster-Stratton,
1994; Webster-Stratton & Hammond, 1997).
Para melhor compreensão dos resultados será apresentada a situação das crianças
na linha de base, nas etapas inicial e final da intervenção, bem como ao final de toda a
pesquisa, ou seja, incluindo os dados do seguimento. Em seguida, descreve-se a avaliação
em termos de significância clínica, demonstrando as mudanças ocorridas dentro de cada
grupo, como efeito da intervenção global.

R esultados das Categorias C om portam entais


Os familiares das crianças relataram dificuldades escolares, coincidindo com as queixas
referidas pelas professoras. Tais dificuldades foram percebidas pela família no ano anterior, por
ocasião da primeira série. De maneira geral, as famílias foram alertadas pela escola de que suas
crianças não estavam acompanhando suas turmas e as professoras solicitavam ajuda dos pais.
Estes, por sua vez, afirmavam que era papel da escola criar mecanismos para que os alunos
aprendessem o conteúdo. Além disso, vários deles não se sentiam em condições de dar este
suporte, fosse por falta de paciência ou de tempo. As crianças não tinham rotina para fazer as
lições de casa, passavam bastante tempo envolvidas com brincadeiras com os irmãos, primos
ou colegas da sua rua e faziam poucas atividades com os pais. Por outro lado, os pais
freqüentemente puniam seus filhos quando as professoras mandavam algum bilhete de advertência
por desatenção na sala ou não cumprimento da lição de casa.

1. Comparando os grupos de atendimento e do validação social na linha de base


Os comportamentos manifestos em sala de aula - referentes tanto aos grupos de
atendimento psicológico infantil como ao grupo de validação social e às professoras -
foram agrupados em categorias, divididas segundo interações sociais observadas entre
aluno-professor e classificadas como positivas e negativas. Entre os pares, foram
registrados episódios de interações pró-sociais, reação agressiva e intimidação. Quanto
ao comportamento do aluno em relação à classe, foram estabelecidas as categorias

M .írd .1 I Iclcrici ii<i S ilvd M e lo , h t w i g c s f m c i r d tlc M .ilto s Silv*irc*


perturbação do ambiente e comportamento solitárioe, levando-se em conta o desempenho
das crianças nas tarefas escolares durante as aulas, foram criadas as categorias atenção
à tarefa e dispersão. Destacaram-se ainda os momentos em que os alunos - grupo de
atendimento e de validação social - encontravam-se fora do campo de observação.
Conforme Tabela 1, a análise das categorias comportamentais demonstrou que os dois
grupos eram significativamente diferentes entre si, exceto nas interações negativas professor-
aluno e aluno-professor. Nesse sentido, alguns pontos ficam muito claros. Primeiramente, as
professoras e os alunos não indicados para atendimento psicológico estabeleciam mais interações
positivas (módia=11,30), não havendo registro de interações negativas. Em segundo lugar, além
do registro de interações negativas (média= 1,76), as diades professoras e alunos dos grupos de
atendimento se caracterizavam por uma freqüência média igual a 0,84 de interações positivas,
sendo, portanto, inferiores àquela apresentada peto grupo de validação.

Inbela 1: Comparação estatística das médias obtidas nas avaliações dos comportamentos das
crianças integrantes dos grupos de atendimento infantil e de validação social, na Imhn de bane.

AVALIAÇÕES DO
COMPOHT AMtNI O INFANTIL

; CatogoriH» coniportamentals
i Interação positiva professor-aluno
; Interação negutlva prolosüor-aluno
Interação positiva Hluno-professor
Intnriiçfto negativa aluno-professor
Interações prô-sociais
Roaçfto agresslv»
Intimldaçfto
Perturbação do ambienta
Comportamento solitário
Atenção á tarefa
DIspersAo na tareia
Fora d« observiçflo
>rtni jvae»r v
Nota: foi aplicado o Teste T (para amostras independentes) na análise estatística das categorias
comportamentais para os Grupos de Atendimento e de Validação Social. O * indica diferença ostatlsticamente
significativa, considerando a*5%.

Quanto às categorias que envolvem relacionamento com os colegas de turma e


engajamento acadêmico, todas apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre
os grupos de atendimento e de validação social. As categorias interações pró-sociais e
atenção à tarefa ocorreram com maior freqüência no grupo de validação enquanto que o
grupo de atendimento exibiu maior ocorrência nas categorias indicativas de dificuldades.
Em outras palavras, os alunos do grupo de atendimento manifestaram mais reações agressivas
contra os colegas, comportamentos de intimidação, perturbação do ambiente e comportamento
solitário. Além disso, também apresentavam maior dispersão nas tarefas acadêmicas.
Outro aspecto de igual relevância diz respeito ao quanto estas crianças permaneciam
sentadas durante as atividades exigidas pelas professoras. Observou-se uma freqüência média
de 13,84 ocorrências da categoria fora de observação entre as crianças indicadas para
atendimento psicológico contra 1,46 daquelas náo indicadas pelas professoras. Os alunos do
grupo de atendimento passavam, assim, mais tempo engajados em comportamentos
concorrentes com aqueles necessários ao cumprimento das tarefas escolares.

Sobre Com portamento c ('oRnivAo 3 7 5


2. Comparando os grupos de atendimento e de validação social após a intervenção
e no seguimento
Os comportamentos observados em sala de aula e agrupados em categorias
resultaram na seguinte análise:

a) Interações sociais entre professores e alunos


Em relação aos comportamentos que demonstravam a existência de uma interação
positiva iniciada pelo professor e dirigida às crianças do grupo de atendimento psicológico,
houve um aumento estatisticamente significativo na freqüência desta categoria tanto no
momento da avaliação pós-tratamento como no seguimento, mesmo tendo-se registrado
um leve decréscimo na média desta última fase, como se observa na Tabela 2. Apesar da
evolução das interações positivas professoras-alunos do grupo de atendimento, percebeu-
se que a freqüência média destas interações permaneceu inferior à do grupo de comparação
no pós-tratamento e no seguimento. Nesse sentido, as professoras interagiam bem mais
com as crianças do grupo de validação na linha de base, fato que não se alterou na
avaliação pós-tratamento. No seguimento, observou-se ligeira queda na média das
interações com este grupo (de 11,53 no pós-tratamento para 8,84 no seguimento), não
sendo encontradas alterações estatisticamente significativas.
Em contrapartida, ficou evidente uma diminuição - em relação à linha de base - na
freqüência da categoria interação negativa professor-aluno, embora não se tenha alcançado
mudança estatisticamente significativa, seja no pós-tratamento ou no seguimento. Ao
verificar os escores médios do grupo de validação, constatou-se que não houve registro de
nenhum episódio nesta categoria nas duas primeiras avaliações e que a média de 0,15
obtida pelo grupo de validação social no seguimento foi inferior àquela do grupo de
atendimento na mesma etapa de avaliação (1,0).
A exemplo da categoria positiva iniciada pelo professor, a interação positiva iniciada
pelo aluno do grupo de atendimento, revelou aumento significativo no pós-tratamento e no
seguimento. Nesta etapa da avaliação, a média de interações mostrou-se inferior ao pós-
tratamento; mesmo assim, observou-se que as professoras passaram a interagir mais
com seus alunos do que faziam na linha de base.
Com relação ao grupo de validação social, verificou-se que seu escore médio foi
superior ao do grupo de atendimento no momento da primeira avaliação. Na segunda
etapa, os escores médios de ambos os grupos se aproximaram para se distanciarem
novamente na fase de seguimento (3,09 para o grupo de atendimento contra 8,53 para o
de validação social).
Na mesma linha das alterações relacionadas aos comportamentos negativos
iniciados pelos professores, além das médias de interações negativas iniciadas pelos alunos
do grupo de atendimento apresentarem-se muito baixas em todas os momentos de avaliação,
não variaram; as pequenas mudanças registradas também não chegaram a ser
estatisticamente significativas. A freqüência média de interações negativas aluno-professor
no seguimento chegou a zero, assim como no grupo de validação, que apresentou este
escore médio em todas as avaliações.

a) Interações sociais entre alunos


No que diz respeito às condutas entre os pares categorizadas como interações
pró-sociais, destaca-se que elas ocorreram com maior freqüência ao longo das avaliações,
alcançando, desta forma, significância estatística no pós-tratamento e no seguimento.

376 M ilrild I Iclcna <ia Sllv.i Melo, h iw itfe t Ferrelia «le Mattos Silvares
rabeia 2: Avaliações dos comportamentos das crianças dos grupos de atendimento e de validação social
nas fases de linha de base, pós-lntervençâo e seguimento a partir da análise das categorias comportamentais.

[ PÓS I N I I K V ' S l.lillIM I N T O 1 V A I O R D l- p 11


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1
1
L 1_______ --------- --- •- -t- 4

Nota: Os Testes estatísticos aplicados foram o Teste T (para amostras Independentes) e ANOVA (análise de
variância para medidas repetidas). Instrumento estatisticamente analisado: Categorias Comportamentais
para os Grupos de Atendimento e de Validação Social. O n da amostra foi Igual a 13, pré e pós-intervençAo
em ambos os grupos (atendimento e validação social). Na fase de seguimento, o n reduziu para 11 no grupo
de atendimento. O * Indica diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). ** é Indicativo de forte
tendência à slgnlflcáncia estatística.

Sobre Comportamento f CojjnlçJo


Salierite-so ainda que a média deu um grande salto da primeira para a segunda avaliação
(de 2,07 para 12,3), aumentando ligeiramente no seguimento em relação ao pós-tratamento
(13,90). Estes dados evidenciam a manutenção dos ganhos obtidos, mesmo estando as
crianças inseridas em grupos diferentes daqueles em que se deram as avaliações de linha
de base e de pós-tratamento.
Na comparação com o grupo de validação social, percebeu-se grande diferença
por ocasião da linha de base na freqüência media da categoria em questão. Enquanto as
crianças indicadas para atendimento estabeleciam média de 2,07 interações pró-sociais,
a média das crianças consideradas como sem dificuldades era de 13,61. Nas avaliações
pós-tratamento e seguimento os desempenhos dos grupos se aproximaram, podendo-se
dizer que ambos os grupos alcançaram o mesmo nlvel de desempenhos pró-sociais.
Inversamente à categoria interações pró-sociais, as médias da categoria reação
agressiva - com média inicial de 5,15 para o grupo de atendimento - foram reduzidas no
decorrer das avaliações. Tais diminuições se apresentaram como estatisticamente
significativas na comparação entre a linha de base e o pós-tratamento e na comparação
entre a linha de base e o seguimento. O mesmo ocorreu com a categoria intimidação,
que, anteriormente ao inicio da pesquisa, alcançou média de episódios protagonizados
pelo grupo de intervenção igual a 1,84, decrescendo na avaliação pós-tratamento para
0,46 e se mantendo no seguimento de nove meses, sendo estas alterações estatisticamente
significativas.
Apesar do notório decréscimo na freqüência média de reações agressivas no grupo
de atendimento, este ainda se envolvia mais em interações agressivas que o grupo de
validação, o qual, desde a primeira avaliação, já apresentava poucos episódios de brigas e
xingamentos, fato verificado pela média de 1,30 nesta categoria. Esta média diminuiu para
0,53 na avaliação pós-tratamento e no seguimento chegou a zero. Na comparação intragrupo
das freqüências médias desta categoria apresentadas na linha de base e no pós-tratamento,
obteve-se uma tendência à significância estatística. Verificou-se ainda clara significância
entre as médias da linha de base e do seguimento. Em resumo, percebeu-se que ambos os
grupos alcançaram, nesta categoria, mudanças positivas estatisticamente significativas e
que o grupo de validação se encontrava em condições ligeiramente melhores do que as
crianças que receberam atendimento psicológico. Isto também é verdadeiro no que se refere
à categoria intimidação, na qual o grupo de validação social não apresentou nenhum
comportamento que pudesse fazer parte desta categoria em todas as avaliações.

b) Interações sociais dos alunos em relação à classe


Pelos dados expostos na Tabela 2, verificou-se que a maior média das categorias
de interação na linha de base pertencia à perturbação do ambiente (11,61), relativa às
crianças do grupo de atendimento. Quando se avaliou em um segundo momento o
comportamento dos alunos na classe, observou-se considerável diminuição na média do
grupo nesta categoria. Após nove meses de seguimento esta média reduziu-se ainda
mais, significando que as melhoras não apenas se mantiveram com o passar do tempo,
mas que os episódios de perturbação do ambiente tornaram-se menos freqüentes mesmo
sem qualquer intervenção, apesar das mudanças ambientais quanto aos pares e às
professoras daquelas crianças.
Quanto ao grupo de validação social, seu desempenho médio na categoria
perturbação do ambiente não variou nas três avaliações realizadas, registrando-se escores

Márci.i I lolcuii da Silv.t Melo, hlwiflcs ferreira de Maltos Silvares


inferiores a um. Quando se estabeleceu um paralelo com o grupo de atendimento, notou-
se que este só se aproximou do grupo de validação na etapa de seguimento, quando as
médias alcançadas corresponderam a 1,36 e 0,15, respectivamente.
Outra categoria em que o grupo de atendimento psicológico alcançou melhoras
estatisticamente significativas com percurso semelhante ao da categoria perturbação do
ambiente foi comportamento solitário. Na avaliação pós-intervenção, a média já tinha sido
reduzida à metade - de 8,61 na linha de base para 4,76 - e praticamente chegou a zero no
seguimento. Isto significa dizer que as crianças anteriormente isoladas das interações
com as demais passaram a ser mais solicitadas o procurar mais os pares durante o
andamento das aulas. Analisando as médias do grupo de validação quanto à categoria
comportamento solitário (0,76 na linha de base e no pós-tratamento e 0,38 no seguimento),
notou-se que este grupo não tinha dificuldades de isolamento e suas médias permaneceram
estáveis ao longo do processo avaliativo.

c) Envolvimento nas tarefas escolares


Quando se investigou o quanto as crianças do grupo de atendimento estavam
atentas às atividades escolares desenvolvidas em sala de aula, observou-se uma sensível
melhora da categoria atenção à tarefa no pós-tratamento. Apesar da média ter se mantido
no seguimento, tomando como referência os dados da linha de base, esta comparação
não alcançou nível de significância estatística. Considerando que os alunos passaram a
prestar mais atenção nas atividades escolares, era de se esperar que a freqüência da
categoria dispersão na tarefa diminuísse significativamente, como de fato ocorreu.
Em relação às médias do grupo de validação, mostrou-se evidente o quanto seus
integrantes eram bem mais atentos do que as crianças do grupo de atendimento nos três
momentos em que se deram as avaliações, não sendo verificada qualquer mudança nesta
categoria para o grupo de comparação. Conseqüentemente, a freqüência de dispersão
durante as tarefas era baixa e se manteve assim no pós-tratamento e no seguimento.
Quanto à categoria fora de observação, o grupo de atendimento psicológico
melhorou significativamente tanto na avaliação após a intervenção como no seguimento.
Por outro lado, não houve nenhuma mudança significativa no grupo de validação social
quando se comparou a média da linha de base com a da pós-intervenção. Os dados de
seguimento, contudo, revelaram alterações significativas, com o aumento da ocorrência
média da categoria em questão, de 1,46 na linha de base para 3,38 no seguimento.
De um modo geral, os comportamentos exibidos pelas crianças do grupo de
atendimento passaram a favorecer sua maior integração na dinâmica da sala de aula, visto
que começaram a interagir mais com suas professoras, sendo mais notadas por estas.
Mostraram-se também mais concentradas nas atividades propostas pelas professoras,
ficando mais tempo em suas carteiras, realizando suas tarefas e perturbando menos os
demais. Nas relações com os colegas, as crianças também passaram a manifestar mais
comportamentos pró-sociais como cooperação e receptividade, ao tempo em que também
apresentaram menos comportamentos agressivos, hostis ou de intimidação.
Durante as observações, ficou evidente que o ambiente das salas, conforme
pretendido, tornou-se mais agradável e que as professoras conseguiram lidar melhor com a
disciplina dos alunos, bem como administrar melhor suas preferências por determinadas
crianças e os conflitos que ainda ocorriam. Este resultado também foi explicitado nas reuniões
com as docentes, que observaram, ao final da intervenção, melhorias no clima da classe.
Quanto ao grupo de validação social, há de se ressaltar que foi registrada uma
alteração positiva na categoria reação agressiva, considerando que na situação pós-
tratamento e no seguimento houve redução significativa na ocorrência média desta categoria.

Sobre Comportamento e CoRniçí»


Se por um lado, as crianças do grupo de validação passaram a exibir menos reações de
agressividade ao longo das avaliações, por outro, a freqüência com que as crianças
passaram a ficar fora de observação aumentou significativamente na avaliação do seguimento
em relação à linha de base, embora a freqüência média ainda tenha se mantido abaixo da
atingida pelo grupo que recebeu atendimento psicológico.
Os resultados obtidos na categoria reação agressiva não causam surpresa, visto que
o grupo de validação também participou do programa de educação sócio-afetiva desenvolvido
por suas professoras, o que parece ter contribuído para a redução de comportamentos
inadequados dentro da sala de aula. Os dados parecem ainda sublinhar que os efeitos do
programa sócio-afetivo foram maximizados no grupo de atendimento infantil em função do
atendimento psicológico a que foi submetido assim como da orientação a seus familiares.

3. Com parando os resultados referentes ao com portam ento infantil quanto


à significância clínica
Com base nos critérios estabelecidos para averiguar em que medida as condições
de tratamento resultaram em alterações positivas no desempenho infantil, observou-se
uma evolução nos comportamentos pró-sociais das crianças, sobretudo das que
compuseram o grupo de atendimento psicológico. A evolução das interações na sala de
aula e do engajamento dos alunos nas atividades escolares alcançou um implemento
superior a 30% na freqüência das categorias comportamentais mais desejáveis (interação
positiva professor-aluno, interação positiva aluno-professor, interações pró-sociais, atenção
á tarefa). Em contrapartida, houve um decréscimo de pelo menos 30% nas categorias
mais negativas, exceto a categoria interação negativa aluno-professor, visto que esta já
apresentava, no momento da linha de base, uma freqüência muito baixa, não cabendo sua
inclusão no critério de melhora clínica significativa.
Os desempenhos dos grupos de atendimento e de validação social podem ser
observados nas Figuras 1 e 2, respectivamente.
a) Interações sociais entre professores e alunos
No que tange aos comportamentos das professoras em interação positiva (IPP)
com os alunos que receberam atendimento psicológico, notou-se que na linha de base a
freqüência média era muito baixa, sendo inferior a um episódio dentro do tempo possível.
Conforme Figura 1, esta freqüência aumentou oito vezes após a intervenção, sendo reduzida
para cinco episódios com as novas professoras no seguimento de nove meses. Embora
estas professoras não tenham participado do programa, elas interagiam, em média, bem
mais com seus alunos do que aquelas treinadas durante a intervenção.
Tais resultados traduziram certa aproximação entre os grupos de atendimento e
de validação social, tendo em vista que, neste último, a interação entre as professoras e
os alunos registrou a freqüência de 11 episódios na linha de base, mantidos na segunda
avaliação e reduzidos para oito no seguimento, como demonstra a Figura 2.
No que se refere às interações negativas iniciadas pelas professoras (INP) com o
grupo de atendimento, percebeu-se que ocorreram com baixa freqüência por ocasião da linha
de base, com leve redução no pós-tratamento, mantida no seguimento. Mesmo com freqüências
médias muito reduzidas, o grupo de validação obteve resultados bem mais favoráveis, não se
observando qualquer momento de interação negativa. Faz-se importante salientar que os dados
da avaliação pré-intervenção revelam que as professoras pouco atentavam para o relacionamento
com aqueles alunos, indicados por elas mesmas para atendimento psicológico. A intervenção
como um todo parece ter favorecido uma maior proximidade entre professoras e alunos,
considerando a necessidade de dirigir atenção a toda a classe de 37 crianças.

Márcia I Iclcn«* da Silva Melo, í dwiges f crreira de Maltos Silvares


Ao mesmo tempo em que as professoras começaram a interagir mais com seus
alunos, houve um incremento na freqüência média das interações positivas (IPA) iniciadas
pelas crianças do grupo de atendimento. Na linha de base não foi registrado qualquer episódio,
mas após o tratamento a média de ocorrências chegou a nove dentro do tempo avaliado,
ficando em igualdade com as interações do grupo de validação social. Este aumento não se
manteve no seguimento, embora a média nessa etapa tenha sido superior à linha de base.
A categoria interação negativa entre alunos e professores (INA) apresentou uma evolução
similar para ambos os grupos avaliados. Contudo, no grupo de atendimento ainda ocorreram
alguns comportamentos negativos em relação às professoras na primeira e segunda avaliação.
■ Pté-4l«fK]im«ntD ■ l ’Oa-AlwxJimwib ftUaguimwilo

I » m iit ln ria» 1'n le it iir iu i

IPP; Interação Positiva iniciada pelo Professor,


IPA: InteraçAo Positiva Iniciada pelo Aluno.
IPS: Interações Pró-socials;
AT- Atenção à Tarefa.

IPP PA PS AT

ComportMinnnlato Poaitiva»

■ P »-#*fK tw n *n to ■P'w-Mtfn&iTNNito BS«guim unto

I. i 'Kcih I u da» la» ncgatha*:

INP: Interaçáo Negutiva iniciada pelo Professor;


INA InteraçAo Negativa iniciada pelo Aluno,
RA Reação Agressiva;
IN: Intimidação;
PA Perturbação do Ambiente,
| CS. Comportamento SolitArio.
. iw __ ir ! DIS Dispersão durante a Tarefa;
INP INA RA IN PA CS DIS K) FO. Fora de ObservaçAo.

C a ta g o riA ftC o m p o rtim e n tn i* N o g n tv n i

Figura 1: freqüência média das categorias comportamentos positivas e negativas do (jru|>o de ntoiidlmento psicológico
infantil, no« trAs momentos de avaliaçáo- pró-atendimento, pós-atendlmento e seguimento de nove meses.

b) Interações sociais entre alunos


Tomando como referência as interações pró-sociais entre alunos (IPS), o grupo de
crianças submetidas a tratamento psicológico - que inicialmente pouco manifestava
comportamentos desta natureza (média=2) - passou a exibi-los com maior freqüência na avaliação
pós-tratamento, registrando-se média igual a 12. No seguimento, esta pontuação subiu um
pouco, indicando que a melhora clínica alcançada se manteve com a passagem do tempo.
Estas alterações evidenciam que além de ter modificado positivamente seu
repertório social, as crianças que receberam atendimento psicológico passaram a
estabelecer tantas interações pró-sociais quanto aquelas que não necessitaram de tal
tratamento, cujo bom desempenho se manteve sem variação.
Uma vez que o grupo de atendimento começou a se engajar em comportamentos
mais sociáveis, era de se esperar que estes atuassem como concorrentes de condutas
agressivas (RA) e de intimidação (IN), provocando uma diminuição na freqüência com que
se manifestavam no decorrer do tempo.
Como indica a Figura 1, a média da categoria reação agressiva reduziu
sensivelmente da primeira para a segunda avaliação e desta para a terceira. O mesmo

Sobrc Com porliim cnto c CoflniçJo


ocorreu com a categoria intimidação, que nas avaliações pós tratamento e seguimento
atingiu a média igual a 0,45 e 0,46 respectivamente, ficando bem próxima das freqüências
médias do grupo de validação social (Figura 2), o qual não exibiu qualquer comportamento
de intimidação nas três avaliações realizadas.
c) Interações sociais dos alunos em relação à classe
Outra categoria em que o grupo de atendimento - na avaliação após a intervenção -
apresentou desempenho clínico satisfatório diz respeito aos comportamentos que evidenciavam
a perturbação do ambiente de sala de aula (PA). Na linha de base, o grupo atingiu a média de
ocorrências igual a 11, reduzida sensivelmente na segunda avaliação. Na etapa de seguimento,
os comportamentos categorizados como perturbadores deixaram de acontecer com tanta
freqüência, contribuindo sobremaneira para a melhora no clima da classe. Ficou evidente que,
posteriormente à intervenção, as professoras se engajaram menos tempo em interações
estressantes para elas e para seus alunos, facilitando não apenas o afeto entre eles, mas
também ajudando a criar um clima mais favorável à aprendizagem.
A intervenção, de forma mais ampla, sugere sua eficiência também na categoria
comportamento solitário (CS), que a exemplo da categoria anterior (PA) aparece bastante
freqüente na avaliação pré-intervenção (média=8,61). Após o tratamento foi visível a melhora
clinica do grupo de atendimento psicológico (média=4,76) e mais ainda no seguimento
(média=0,45). Nesta avaliação, não houve diferença entre este grupo e o de validação social,
indicando que as crianças com dificuldades de relacionamento ficaram mais desinibidas e
aptas a se aproximar dos colegas e/ou passaram a ser mais solicitadas por seus pares.

Grupo de Validação Social

Legenda das categorias positivas:

30 IPP: Intoração Positiva iniciada pelo Professor;


2« IPA Interação Positiva iniciada polo Aluno;
24 IPS: Interações Prò-socials;
AT: Ateriçâo à Tarefa.

IPA IPS AT

Catoaorlns C oinpoftum ontal* Ponltl\««

i r P r í> ía n d im * n to u Pd»-AKirtdim *nto # S aguim anlu


Legenda das categorias negativas:

INP: Interação Negativa Iniciada pelo Professor;


INA: Interação Negativa iniciada pelo Aluno;
RA: Reação Agressiva;
IN: Intimidação;
PA: Perturbação do Ambiente;
CS: Comportamento Solitário;

0
2

INP INA RA IN PA CS
II
DIS FO
PIS: Dispersão durante a Tarefa;
FO: Fora de Observação.

C a tegoria* C om purtum ontal» NogaHvds

382 M d iciti I Iclen.» d.i Silv.i M o io , I dw i^cs Fcrrcir<i do M .itlo s Nilvuros


d) Envolvimento nas tarefas escolares
Observando as freqüências médias de engajamento nas tarefas escolares (AT) do
grupo de atendimento psicológico infantil, nota-se na Figura 1 que houve melhora considerável
após o tratamento (de 16 para 19 ocorrências médias), mantida na avaliação de seguimento.
Apesar do resultado alcançado, este ainda se manteve aquém das freqüências médias
exibidas pelo grupo de validação social durante as avaliações. De fato, os integrantes deste
último apresentaram-se bem mais atentos que os alunos atendidos, dado confirmado pelas
médias das categorias dispersão na tarefa (DIS) e fora de observação (FO).

D iscussão
O modelo de intervenção multifocal implementado nesta pesquisa mostrou-se efidente
no alcance dos objetivos propostos, promovendo melhoras, sobretudo na esfera escolar,
quanto à relação da criança com seus pares e à percepção das professoras. Os resultados
obtidos também apontam a maximização dos efeitos do programa sócio-afetivo no grupo de
atendimento infantil em função do atendimento psicológico a que foi a submetido. A eficácia
do programa refletiu-se nos resultados das categorias comportamentais criadas a partir da
observação do comportamento das crianças em classe. A avaliação deste instrumento sugere
que o grupo de atendimento psicológico infantil adquiriu habilidades que apóiam indícios da
superação dos déficits escolares e comportamentais.
Em relação às professoras, vale mencionar que os encontros com elas favoreceram
não apenas discussões em tomo das atividades que cumpriram ao longo do desenvolvimento
do programa, mas também trocas de experiências sobre o que passavam em sala de aula
e com a direção da escola. Além disso, foram ensinadas a identificar os eventos dos quais
seus comportamentos eram função assim como os fatores contextuais aos quais estavam
expostas e como isso afetava sua relação com seus alunos. Desta forma, a intervenção
conduzida com as professoras também apresentou o caráter de mudança de suas práticas
com seus alunos, na medida que estudos como o de Donohue et al. (2003) demonstram
que a atenção às diferenças individuais, o desenvolvimento de relações sociais positivas e
a orientação acadêmica auxiliam na redução da probabilidade de rejeição pelos pares.
Nesse sentido, quando se observam as interações entre professoras e alunos,
nota-se que inicialmente as primeiras davam mais atenção às crianças consideradas por
elas como sem dificuldades, enquanto que praticamente não notavam as crianças que
receberam atendimento psicológico. Após a intervenção, as professoras passaram a interagir
mais com este último grupo, como seria desejável.
Assim como os participantes adultos desta intervenção, as crianças também
(re)aprenderam novas formas de ler o ambiente, alternativas de condutas que viessem a
melhorar a interação com as pessoas que as cercavam, dentro de casa ou na escola. Se
durante as sessões de atendimento psicológico as crianças aprenderam a identificar, descrever
e alterar comportamentos - abertos e encobertos - na sala de aula elas parecem ter tido
oportunidade de treinar suas novas habilidades, como afirmam Price e Dodge (1989). No
decorrer das sessões, tais habilidades foram ensinadas por meio de jogos e brincadeiras,
que são experiências significativas para aprendizagem de novas habilidades que favorecem
o convívio, com destaque para os pares. Esta estratégia é defendida por autores como
Trianes e Murtoz (1994) bem como por Guerrelhas (1999) e Del Prette e Del Prette (2001).
As mudanças alcançadas pelo grupo infantil ficaram evidentes quando avaliadas
no ambiente escolar. Não só suas relações com os pares se tornaram mais amigáveis

Sobre C o m |K > rl.im en lo c C ojjniçclo


como também foram observadas melhoras no desempenho acadêmico, mesmo sem
qualquer intervenção direcionada para este aspecto. Pode-se, nesse sentido, dizer que os
resultados do presente trabalho seguem a mesma direção dos de Elias (2003).
A evolução das interações na sala de aula e do engajamento dos alunos nas atividades
escolares alcançou um implemento superior a 30% na frequência das categorias comportamentais
mais desejáveis (interação positiva professor-aluno, interação positiva aluno-professor, interações
pró-sociais, atenção à tarefa). Em contrapartida, houve um decréscimo de pelo menos 30% nas
categorias mais negativas, exceto na categoria interação negativa aluno-professor, visto que
esta já apresentava, antes da intervenção, uma freqüência muito baixa.
Destaca-se ainda que as melhorias no relacionamento social com pares e professores
e no engajamento das crianças nas tarefas escolares também foram observadas nas gravações
em vídeo, notando-se que, mesmo com as alterações ambientais decorrentes da mudança de
série, os ganhos comportamentais dos alunos se mantiveram estáveis com o passar do tempo.
Pelos resultados alcançados neste estudo, associados aos relatos da literatura,
fica evidente que uma intervenção multifocal, envolvendo o maior número de agentes sociais
significativos do ambiente infantil - pais, pares, professores - é mais eficiente na promoção
de mudanças positivas que àquelas que priorizam apenas a criança e/ou parte de seu
universo. Pode-se dizer que este trabalho, ao focalizar sua intervenção para além da criança
estigmatizada, promoveu alterações ambientais. Ao extrapolar o alcance pessoal e familiar,
ampliou o modelo de atuação clínica tradicional e possibilitou ganhos de maior repercussão.

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384 Marcia I Iclcna da Silva Moio, hlwincs Ferreira dc Mattos Silvares


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Sobrc Comportiimrnto c Cogniçilo


Capítulo 34

A Terapia Comportamental Infantil


em Qrupo e sua Aplicação nos
Transtornos de Aprendizagem
M .in ú i d i Rocht) P itU / crr.iz*

O mau desempenho ou fracasso escolar constitui uma das queixas mais


freqüentes, que leva pais, educadores ou profissionais de saúde a buscar auxilio psicológico.
No trabalho de levantamento feito por Silvares (1993) na Clínica-Escola do IPUSP, a queixa
de mau desempenho escolar foi a mais frequente (41,2%), seguida dos comportamentos
agressivos (30%). Observamos a mesma tendência, durante os vários anos de atendimento
em clínica, apesar do seu caráter particular. Dentre os vários fatores que podem relacionar-
se ao fracasso escolar estão os Transtornos de Aprendizagem (TA), que se caracterizam
por um desempenho acadêmico abaixo do esperado, tendo em vista a idade cronologica e
medidas de inteligência e educaçáo apropriadas á idade (DSM-IV, APA, 2000). Observamos
dificuldades para ler, falar, soletrar e efetuar cálculos matemáticos que não são explicadas
pelo retardamento mental, quadros neurológicos e/ou psiquiátricos, déficits sensoriais de
visáo ou audição, história de vida (deficiências de ensino, ambientes com pouca estimulação
decorrente de dificuldades socioeconômicas, condições médicas ou emocionais
temporárias). Os Transtornos de Aprendizagem referem-se a um conjunto de padrões
comportamentais e não apenas a uma característica isolada, que estão associados ao
sofrimento ou ao prejuízo em uma ou mais áreas de funcionamento da pessoa em seu
ambiente ou aumentam o risco de sofrimento, perda importante de funcionamento social e
liberdade. A definição de TA apresenta inúmeros problemas por sua falha de
operacionalização, nem sempre sendo utilizada de modo uniforme para referir-se aos
mesmos fenômenos em diversas situações - o presente trabalho não tem como objetivo
discutir a definição de TA. Estes serão definidos de acordo com as características já
mencionadas, dentro dos critérios do DSM-IV (APA, 2000), complementada com a definição

* CLIN (Clinicas Integradas) e GARPE ( Grupo de Atendimento e Reabilitação ao Paciente com Esquizofrenia,
do Ambulatório Geral do IPQ do Hospital das Clinicas da Faculdade do Medicina da Universidade de São Pauto).

386 M.írcid tl«i Rotltii Pttt.i frrr.i/


de Ross (1974) sobre distúrbio psicológico, em que o autor afirma que "há distúrbio
psicológico quando uma criança revela comportamento que se afasta de uma norma social
e arbitrária relativa, porque ocorre com uma freqüência ou intensidade que os adultos
significativos de seu meio julgam ser muito alta ou muito baixa". De acordo com nossa
experiência, um dos cuidados que os profissionais que lidam com queixas de problemas
no desempenho escolar devem ter é diferenciar os TA das dificuldades escolares comuns,
esperadas para a idade cronológica e nível de escolaridade e que podem ocorrer quando
se inicia a aquisição de uma nova habilidade (como ler e fazer cálculos).
A presença de TA geralmente está associada a problemas comportamentais, que
agravam o quadro descrito: passividade ou agressividade nos relacionamentos com seus
pares ou adultos significativos de seu meio (pais, professores), desenvolvimento de estratégias
de estudo ineficazes, dificuldades em seguir instruções ou atender ordens, dificuldades em
discriminar as contingências em uma dada situação, incapacidade de antecipar conseqüências
de seus comportamentos, dificuldade de discriminação de pensamentos e sentimentos de
outras pessoas, formação de crenças distorcidas ou regras ineficazes sobre si mesmo, os
outros e seus relacionamentos com os mesmos e comportamentos de esquiva frente a
situações de estudo, acadêmicas ou de vida diária que requerem as habilidades de leitura,
escrita, cálculos, organização já mancionadas. Este quadro caracteriza-se como um problema
psicológico complexo, que envolve a criança que o apresenta, a família à qual pertence e a
escola que ela freqüenta. Os TA constituem um desafio que requer contribuições de várias
áreas do conhecimento na explicação de suas origens, características e intervenções
terapêuticas o que, na prática clínica, requer uma equipe de caráter multidisciplinar tanto na
sua avaliação quanto no manejo das variáveis a eles relacionadas.
O presente trabalho é uma descrição da Terapia Comportamental Infantil aplicada
a crianças que apresentam um conjunto de dificuldades que as enquadram dentro da
definição de TA, numa situação em grupo. Vamos examinar as vantagens da terapia em
grupo, as características atuais da Terapia Comportamental Infantil e descrever sua aplicação
para crianças em idade escolar com os TA.
A Terapia Comportamental em grupo tem um respaldo amplo na literatura e apresenta
inúmeras vantagens. Autores como Rose (1977) e Vinogradov (1992), ressaltam a importância
das interações sociais e sua relação com problemas comportamentais. Rose (1977) afirma
que a maioria dos problemas que podem ser tratados nas terapias individuais também pode
ser manejada em grupo, uma vez que a maioria destes problemas tem componentes de
interação social e o grupo favorece a oportunidade da prática de novas interações numa
situação protegida. O grupo, segundo Rose (1977), não ó só a situação em que ocorre a
mudança, mas é o "meio" (técnica) que a torna possível, uma vez que:
O grupo simula o mundo real do cliente;
A presença de outras pessoas proporciona a oportunidade de praticar habilidades
como elogiar, premiar, dar e receber feedback imediato para cada um dos
comportamentos de seus membros, habilidades essenciais para um bom
relacionamento social;
Favorece a generalização destas novas aprendizagens por sua semelhança com o
mundo real, sendo um passo intermediário mais próximo ao ambiente fora da clínica;
Favorece o desenvolvimento de normas que controlam o comportamento de cada um
de seus membros e que o terapeuta pode utilizar como ferramentas;
A situação do grupo facilita o uso de procedimentos variados como reforçamento do
grupo, abundância de modelos, realização de ensaios comportamentais;

Sobre Com portam ento e Co^nlçAo 3 8 7


Tem um custo financeiro menor, tanto para o cliente como para o terapeuta, uma vez
que várias pessoas podem ser atendidas ao mesmo tempo.
Vinogradov e Yallom (1992) apontam também vantagens para as terapias em grupo,
afirmando que “tanto as interações paciente-paciente quanto as interações paciente- terapeuta
são úteis, à medida que ocorrem no setting do grupo, efetuando mudanças no comportamento
mal adaptado de cada um de seus membros. Apontam uma série de "fatores terapêuticos"
que explicariam porque o grupo promove as mudanças nos seus membros. Basicamente,
as pessoas do grupo interagem umas com as outras de maneira semelhante á sua interação
no mundo real; o grupo funciona como um microcosmo social, onde cada um de seus
elementos apresenta seus problemas e, através da interação social, os identifica e aprende
maneiras mais adaptativas de relacionamento num ambiente seguro.
A Terapia Comportamental Infantil atual inclui variáveis importantes, apontadas
por Conte e Regra (2000), como o comportamento dos pais na manutenção do
comportamento infantil, o ambiente educacional, eventos privados e a relevância da relação
terapêutica. Nossa premissa básica é a de que o grupo favorece a observação das
contingências que atuam tanto na identificação dos comportamentos-problema quanto
nos fornece o meio de atuar sobre eles através do desenvolvimento de estratégias que
envolvem as crianças na própria situação, permitindo que elas atuem diretamente sobre
as contingências da situação. O terapeuta tem a oportunidade de identificar, avaliar e
intervir diretamente na ocorrência dos comportamentos clinicamente relevantes
(Kohlenberg, 1991) e desenvolver, em conjunto com a criança, formas mais adaptativas de
interação num ambiente protegido e semelhante ao ambiente tora da clínica. Knell (1995)
ressalta a importância do envolvimento direto da criança na situação de terapia para que
ela seja responsável por sua própria mudança, através do controle do ambiente (manejo
de contingências) e que esta participação torna as mudanças favoráveis mais duradouras
e eficientes. Conte e Regra (2000) apontam a importância do trabalho terapêutico realizado
diretamente com a criança, uma das características que distinguem a Terapia
Comportamental Infantil atual. O uso de jogos e brincadeiras nas sessões em grupo favorece
a aplicação das estratégias comportamentais como modelação, modelagem, feedback
positivo e corretivo, ensaios comportamentais e a observação de eventos encobertos. A
relação terapêutica nesta situação é fundamental para que as estratégias possam atingir
os objetivos propostos.
A TCI em grupo, voltada para os TA, aqui descrita, pretende atingir os seguintes
conjuntos de objetivos:
Em relação à criança:
Desenvolvimento de habilidades específicas, relacionadas ao desempenho escolar
que se apresentam deficitárias;
Desenvolvimento de habilidades cognitivas importantes tanto para o desempenho
escolar quanto para o relacionamento social: análise e discriminação de contingências
(incluindo discriminação de sentimentos, pensamentos e antecipação de
conseqüências); desenvolvimento de auto-regras e regras mais eficazes (relacionadas
às contingências em vigor), resolução de problemas (identificação do próprio
comportamento problema e novas alternativas de ação);
Desenvolvimento de Habilidades Sociais que permitam um melhor relacionamento
social tanto com os pares quanto com os adultos significativos.
Em relação aos pais:

388 M iirc i.i (l.i Roch.i PiH«i Fcrr.i/


Identificação dos problemas da criança e das variáveis a eles relacionadas;
Definição de objetivos viáveis, concretos e com dificuldade crescente a serem
alcançados, em relação aos problemas apresentados pelas crianças;
Treinamento em modelagem para alcançar cada um dos objetivos;
Desenvolver as habilidades de elogiar e premiar;
Desenvolver o feedback corretivo para os comportamentos-problema.
Em relação à escola:
Orientação dos professores quanto aos problemas de aprendizagem apresentados,
suas características, as variáveis a eles relacionadas e sensibilização quanto á
importância de sua participação no processo terapêutico;
Definição de objetivos mais específicos e em ordem crescente de dificuldade, em relação
aos problemas tanto de aprendizagem quanto de relacionamento apresentados pelas crianças;
Desenvolver uma "postura modeladora" no professor, ressaltando as vantagens do
reforçamento positivo para os progressos graduais que vão sendo alcançados em
relação às desvantagens do uso de críticas e/ou comentários negativos ou outras
estratégias de punição ou reforçamento negativo.

M étodo de Trabalho
É importante ressaltar que o trabalho de terapia aqui descrito é um processo que
segue algumas etapas que aparecem descritas separadamente, mas que de forma alguma
são estanques em termos do tempo requerido para sua execução ou da ordem em que
ocorrem: a avaliação é sempre a primeira etapa, mas os objetivos propostos inicialmente
são constantemente revistos, bem como os procedimentos para alcançá-los e a formulação
das hipóteses levantadas sobre as contingências relacionadas aos comportamentos
apresentados; durante a etapa de avaliação também pode ocorrer uma intervenção, ou
seja, avaliação e intervenção ocorrem durante todo o processo de terapia. A descrição a
seguir é uma tentativa de operacionalizar esta forma de atendimento.

A entrevista inicial
A entrevista inicial é realizada com os pais da criança e tem como objetivo fazer um
levantamento da queixa apresentada, da história de vida da criança em relação a aspectos
familiares, desenvolvimento físico, de linguagem, escolarização, relacionamentos sociais tanto
familiares quanto fora da família. Nesta entrevista é possível o levantamento de dados sobre
expectativas dos pais em relação à criança, o relacionamento dos mesmos e com cada elemento
da família, não sendo importante só o que dizem, mas a forma como fornecem as informações,
como ocupam a sala e se relacionam com o terapeuta. Outras características sobre a entrevista
comportamental infantil podem ser encontradas em Silvares (1998) e Conte e Regra (2000).

O contato inicial com a criança


A partir das informações obtidas, o terapeuta faz o primeiro contato com a criança,
geralmente individual, no qual ele se apresenta e à clínica, são abordados os motivos de
sua presença no consultório, sua percepção das dificuldades que enfrenta e as possíveis
causas, suas próprias queixas e as maneiras de lidar com elas. Neste contato o terapeuta
pode fazer um levantamento inicial tanto das dificuldades específicas que a criança
apresenta, do relacionamento desta criança com um adulto (no caso, o terapeuta), sua

Sobre Comportamento c Cognivâo


manoira de explorar o ambiente da clínica, desde a sala de espera ató a sala de atendimento,
a linguagem que utiliza, o conteúdo de suas verbalizações, suas escolhas de jogos e
brincadeiras que pode realizar com o terapeuta, o seu desempenho nestas atividades
lúdicas, desenhos, atendimento de regras, limites. Algumas vezes as crianças apresentam
uma história de dificuldades de relacionamento com adultos ou com formas de terapias
que se utilizam de outras abordagens psicológicas, com as quais tiveram contato por
algum tempo e que náo se apresentaram como uma experiência agradável. Neste caso, o
contato inicial individual com o terapeuta ó feito em pouco tempo, sendo já encaminhada
para um grupo. Em geral, os resultados são positivos e a criança relata que “gosta" desta
forma de terapia e demonstra isto durante as sessões e em relatos para os familiares.
Com os dados da entrevista com os pais e o contato inicial com a criança, o
terapeuta decide sobre as possibilidades da mesma participar de um grupo. Podem ser
necessários outros contatos individuais e o fortalecimento da relação com o terapeuta, no
sentido da própria criança sentir-se protegida e ter certeza de que não sofrerá críticas. É
importante ressaltar que o grupo é uma proposta de intervenção que só ó decidida após
uma análise funcional da queixa envolvida, a identificação do problema e sua formulação
em termos da relação deste com as variáveis ambientais envolvidas. O "problema” ó
hipoteticamente definido não em termos de uma resposta específica, mas de
comportamentos abertos e encobertos, dos mais simples aos mais complexos, para o
estabelecimento de objetivos, é constantemente redefinido e suas hipóteses testadas.

O encaminhamento para o grupo


Após os levantamentos de dados anteriormente descritos, a criança é encaminhada
para um grupo cujos elementos têm idade cronológica, desempenho escolar e dificuldades
relacionadas semelhantes. Sua participação no grupo nos fornece mais dados sobre os
aspectos de dificuldades específicas de aprendizagem, seu relacionamento com as outras
crianças, sua maneira de resolver os problemas colocados em cada sessão e seu desempenho
nas atividades propostas. Estes dados podem interferir na decisão sobre continuar ou mudar
de grupo ou mesmo participar de sessões individuais. A partir do seu desempenho nas
situações planejadas para o grupo, podem ser revistos mais uma vez os objetivos e as
hipóteses iniciais. A decisão para participar de um grupo específico depende do desempenho
da criança, avaliado em relação aos objetivos propostos para ela, procurando sempre uma
situação onde ela tem a maior probabilidade de obter reforçadores. Nosso objetivo é colocar
a criança que apresenta os problemas de aprendizagem aqui descritos e as formas de
relacionamento que desenvolveram fora da clínica sob controle de reforçadores positivos
para seus pequenos progressos, num esquema que reduza os padrões de fuga-esquiva que
desenvolveram ao longo de vários anos vivendo sob condições onde o uso do controle coercitivo
é o mais freqüente. É comum ouvir de professores que o bom educador deve apontar os
erros dos alunos, que não se educa se não ressaltarmos erros. No caso da criança com o
TA, estamos nos deparando com uma ausência ou déficit acentuado de repertórios específicos,
levando a uma probabilidade de erros bem maior que de acertos, apesar dos esforços desta
criança para atingir desempenhos freqüentemente observados nos seus colegas de classe,
o que a expõe a conseqüências adversas a maior parte do tempo, principalmente na escola.
Planejar um ambiente em que desempenhos mais simples vão gradualmente se tornando
mais complexos e sendo reforçados, dar conseqüências amenas para os erros (desempenhos
mal sucedidos), analisar com a criança sua ocorrência e as variáveis possíveis que a eles
se relacionam bem como criar com ela estratégias alternativas de ação, são os pontos

390 M«Uc!d (l.i Rocha Pilt.i f crru/


norteadores deste trabalho. No grupo, os outros elementos ou têm dificuldados semelhantes
ou as estão superando, o que torna o grupo uma alternativa mais agradável e eficaz.
A duração destas etapas iniciais tem sido, em média, de oito sessões, após as
quais o terapeuta tem um plano de intervenção estabelecido com objetivos mais claros e
definidos para aquela criança em particular.

Características dos Grupos


Os grupos para os Transtornos de Aprendizagem aqui descritos são abertos, divididos
de acordo com a série escolar, desempenho dos seus elementos e idade cronológica. Têm
número limitado de participantes (no máximo oito). Rose (1977) afirma que o tamanho do
grupo depende da experiência do terapeuta, dos procedimentos a serem utilizados e do
número de terapeutas (segundo a autora, dois terapeutas é o número ideal) e concorda com
Vinogradov e Yallom (1992) que o número ideal de elementos num grupo de terapia com
adultos varia de 6 a 8. Em nossa experiência na clinica, com crianças com os TA, o número
de participantes ideal é de até 8 elementos, se possível com dois terapeutas, o que concorda
com as afirmações desses autores. O mesmo é observado num grupo de adolescentes cujo
objetivo é o Treinamento de Habilidades Sociais, com idades entre 15 e 18 anos.

Características das Sessões


As sessões são realizadas duas vezes por semana, inicialmente, por um período
de 60 minutos cada uma e com a duração aproximada de 18 meses. Após este período,
de acordo com o desempenho das crianças em relação aos objetivos específicos propostos,
a freqüência das sessões é de uma vez por semana. Nossa observação é a de que, no
caso dos TA, é fundamental um número maior de sessões inicialmente, uma vez que os
objetivos envolvem a instalação de repertórios comportamentais complexos, tanto abertos
quanto encobertos num indivíduo exposto continuamente a condições desfavoráveis por
um período que pode representar uma parcela significativa da sua vida se considerarmos
a pouca idade dos nossos clientes. Observamos também que, quanto mais cedo a
intervenção ó feita no caso dos TA, melhores são os resultados obtidos em termos de
tempo e aquisição de habilidades e menores os danos causados pela exposição às
conseqüências aversivas que envolvem tanto a situação familiar quanto a escolar.
Como os grupos têm caráter aberto, o critério para alta é atingir os objetivos definidos
para aquela criança especificamente. O número total de sessões é variável e observamos que
depende de fatores como a complexidade dos objetivos a serem alcançados, da colaboração
da família e da escola e, é claro, das habilidades do terapeuta em escolher, planejar e conduzir
os procedimentos de intervenção, tanto na clínica quanto junto aos ambientes fora dela (família
e escola). A média de permanência nos grupos tem sido de cerca de 18 meses.
O local onde os grupos funcionam também tem características próprias: as salas
são amplas, existe material pedagógico (como papel, lápis, lápis de cor, canetas
hidrográficas, giz de cera, tinta, lousa, livros), jogos, quebra-cabeças, mesa e cadeiras
simples, o que facilita seu deslocamento pela sala e permite mudanças rápidas no espaço
disponível, além do baixo custo no caso de reposições.
As sessões são estruturadas, planejadas previamente e seguem o seguinte fomiato:
Relato inicial das experiências vividas fora da clínica entre as sessões: Por cerca de 5-
10 minutos, as crianças relatam livremente as atividades da semana, o relacionamento
com os amigos, as dificuldades vividas e as experiências bem sucedidas.

Sobre C om poitiim cnlo c (.' orihv Ao


Análiso das contingências envolvidas nas situações descritas: o terapeuta parte do
conteúdo trazido pelas crianças e salienta as conseqüências relatadas por cada um
nas experiências vividas, as situações que a antecederam e todos formulam alternativas
de ação para cada um dos problemas relatados. Cada criança é orientada em evitar
comentários negativos, ressaltar os resultados positivos de algum relato e ajudar na
busca de alternativas de ação. O terapeuta explora habilidades de expressão e
discriminação de sentimentos, além da antecipação de conseqüências.
Proposta da atividade lúdica, explicação dos objetivos aos quais ela atende e execução
das mesmas: as atividades podem ter conteúdos baseados nos relatos das interações
vividas pelas crianças no início da sessão ou podem atender objetivos mais relacionados
às habilidades deficitárias como dificuldade de leitura, escrita, organização do
pensamento, raciocínio matemático, coordenação motora (ou atender aos dois aspectos
simultaneamente). São utilizadas técnicas como ensaio comportamental, modelação,
modelagem e, principalmente, reforçamento diferencial para comportamentos mais
adequados e incompatíveis com os comportamentos-problema que possam ocorrer,
que são colocados em extinção (se possível). O grupo ó um importante aliado porque
ó alta a probabilidade de um de seus elementos emitir comportamentos esperados e
adequados á situação e o terapeuta pode salientar estes comportamentos e reforçá-
los, sem comentar diretamente sobre os inadequados de determinada(s) crianças. As
contingências são descritas pelo terapeuta e é enfatizado o controle que a criança
pode exercer sobre as mesmas. Este passo dura aproximadamente 40 minutos.
Avaliação do desempenho de cada um dos elementos do grupo; a avaliação final é
feita pelo terapeuta e pelas crianças, incluindo uma autoavaliação que cada participante
faz sobre si mesmo, de acordo com suas expectativas e as regras do grupo. O
objetivo principal deste passo é dar ênfase às regras básicas de relacionamento
social, de estratégias comportamentais e cognitivas para o enfrentamento de cada
situação-problema colocada no grupo em forma de jogos e brincadeiras e a
discriminação da relação comportamentos/pensamentos/sentimentos/conseqüências.

Procedimentos
Os procedimentos e atividades desenvolvidos nos grupos de crianças com os TA
estão voltados aos comportamentos que observamos freqüentemente relacionados às suas
dificuldades. As crianças com estas características têm mais chances de falhar ao se
exporem a situações que exijam as habilidades de leitura e escrita que estão deficitárias, o
que as coloca abaixo do desempenho esperado por pais e professores e expostas a níveis
crescentes de exigência tanto em sala de aula quanto em casa. Esta situação favorece o
desenvolvimento de comportamentos de fuga e esquiva por parte das mesmas. Desta maneira,
um dos primeiros objetivos é reverter gradualmente a esquiva apresentada em situações que
exijam habilidades acadêmicas e comportamentos específicos (como realizar uma atividade
até o final). As atividades selecionadas têm um nível de dificuldade crescente e gradualmente
vão aproximando-se de uma atividade considerada escolar. O princípio que orienta o terapeuta
é valorizar o esforço e empenho ao realizar uma tarefa e não só o resultado obtido com a
mesma. No início, todos conseguem emitir comportamentos que serão reforçados, mesmo
que sejam remotamente semelhantes ao que esperado como objetivo final. As exigências
na terapia vão aumentando de acordo com os progressos na aquisição das habilidades.
Construímos, com as próprias crianças, um conjunto de regras que envolvem o
desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas sobre enfrentamento de situações -
problema, que são afixadas nas salas de terapia e servem para a avaliação e auto-avaliação

392 M .U fiti il.i Roch.i Pilt.i Fcrni/


do desempenho de cada uma. Elas sào exaustivamente aplicadas às situações, explicadas
ás crianças em sua relação aos resultados e conseqüências da situação. São elas:
1. Errar pode, desistir nunca:
2. Falar somente quando outra pessoa não estiver falando:
3. Falar baixo;
4. Não fazer fofocas (comentários sobre ações das outras crianças, que as coloquem
em situação desfavorável):
5. Identificar os pequenos progressos de cada um, não fazendo comentários negativos
sobre si mesmo ou sobre os demais:
6. Esperar a vez;
7. Elogiar o amigo;
8. Resolver os impasses de relacionamento de forma não agressiva (verbal ou
fisicamente).
A construção de um conjunto de regras que são estabelecidas juntamente com as
crianças, durante as atividades, parece favorecer o desenvolvimento das habilidades sociais
de interação e os processos cognitivos envolvidos em comportamentos como reconhecer,
por pistas exteriores, os pensamentos e sentimentos dos outros, antecipar as conseqüências
de comportamentos e lidar com os próprios fracassos. Tais aspectos cognitivos são
importantes fatores que não se apresentam no repertório da maior parte das crianças com
os TA. Silvares (2000) e Dodge (1998) afirmam que padrões de interação social interpessoal
envolvem comportamentos cognitivos encobertos que muitas vezes não se encontram no
repertório comportamental da criança e necessitam ser adquiridos. É comum que as crianças
que apresentam uma dificuldade maior na execução de tarefas escolares e que ficaram
expostas às exigências crescentes da escola e família por mais tempo (são mais velhas)
apresentem também conduta social com problemas sérios como agressões verbais e físicas
tanto aos pares de mesma idade quanto com adultos, manipulação de informações, omissões,
transgressões a qualquer regra estabelecida, auto-conceito comprometido. Patterson (1986)
e Dodge (1998) apontam as conseqüências perturbadoras para a vida adulta dos problemas
de conduta social em crianças, recomendando uma intervenção que aborde um treinamento
de habilidades sociais, de remediação acadêmica e treinamento de pais.
O reforçamento diferencial de outro comportamento, incompatível com o
comportamento-problema apresentado é uma das técnicas fundamentais no controle do
comportamento de interação social, de excesso comportamental e de atendimento às regras
da situação na realização das atividades e que é muito semelhante ao que ocorre em sala
de aula. O terapeuta valoriza sempre os desempenhos mais adaptativos, pontuando-os para
quem os emite, usando extinção para quem apresentou os comportamentos-problema. O
grupo é muito importante neste momento, uma vez que as crianças apresentam repertórios
semelhantes, mas em níveis diferentes de desenvolvimento. Algum dos elementos acaba
tendo um desempenho mais adequado, possibilitando o reforçamento do terapeuta e
colocando o grupo sob controle do terapeuta e nào da criança que apresentou o
comportamento Inadequado. A modelação e a modelagem são amplamente utilizadas. O
terapeuta deve adotar uma "postura modeladora" (Bellack et al, 1977) em qualquer situação,
ou seja, reforçar positivamente aproximações sucessivas ao comportamento final, evitando
críticas e comentários negativos por parte de qualquer dos elementos do grupo, estando
atento aos progressos, mesmo pequenos, de cada um dos seus membros.

Sobre Loni|>ort<imen!o c C'o«nlv*‘io


O feedback corretivo para a ocorrência dos comportamentos-problema que não puderam
ser controlados com extinção é outro aspecto importante do procedimento, sempre enfatizando
as alternativas de ação mais adequadas. Este feedback é feito na avaliação que cada um
deles faz de si mesmo e do outro ou exatamente no momento em que ocorre um determinado
comportamento que impede a continuação da atividade, São descritos os comportamentos,
suas conseqüências dentro da situação, seus antecedentes, os pensamentos de quem o
emitiu, e todos procuram não só uma alternativa verbal de ação, mas emitem o comportamento
mais desejado dentro da mesma situação (por exemplo, na ocorrência de agressões físicas
entre as crianças ou a quebra continuada das regras combinadas para uma atividade).

O caráter lúdico das atividades


Como já foi anteriormente descrito, o objetivo deste trabalho é o desenvolvimento de
repertórios de habilidades sociais, escolares e cognitivas e as atividades como brincadeiras
e jogos têm um papel fundamental no mesmo. Independentemente da linha teórica do
psicólogo que realiza o atendimento infantil, o brincar parece sempre fazer parte do
procedimento, mas o conceito, a definição e a sua função variam de acordo com o referencial
teórico do terapeuta (Guerrelhas et al, 2000). O uso de jogos e brincadeiras surgiu da dificuldade
que o terapeuta enfrenta em lidar com crianças que não apresentam repertório básico
desenvolvido para se beneficiar de uma terapia puramente verbal, com um nlvel de linguagem,
atenção e raciocínio mais elaborados; da necessidade de realizar a terapia diretamente com
as crianças; dos beneficios observados pelo envolvimento direto e ativo da criança no processo
de mudança e da necessidade do desenvolvimento de estratégias que facilitam a observação
de comportamentos encobertos como sentimentos, pensamentos e cognições.
De acordo com Conte e Regra (2000), com a passagem da Modificação do
Comportamento Infantil para a Terapia Comportamental Infantil, que se deu através da inclusão
de variáveis importantes, além do comportamento dos pais, como os eventos privados infantis,
o ambiente educacional e a relevância da relação terapêutica, cada vez mais terapeutas
comportamentais vêm incluindo o uso de brincadeiras como forma de trabalhar os problemas
comportamentais infantis. Os jogos e brincadeiras que constituem as atividades utilizadas
nas sessões não são maneiras de expressar conteúdos inconscientes ou de acesso do
terapeuta a conflitos intrapsfquicos. Elas são aqui utilizadas como uma maneira de planejar
um ambiente de modo a favorecer o desenvolvimento de repertórios comportamentais, ter
acesso a eventos privados da criança, aumentar as chances de generalização e manutenção
dos objetivos alcançados para outros ambientes, fora da situação de terapia, fortalecer a
relação terapêutica. Através do brincar ou jogar, a criança é envolvida diretamente na
identificação das variáveis de controle de seu comportamento, na escolha dos procedimentos
para alteração de contingências, ou seja, aprende novas maneiras de agir e altera sua
relação com o ambiente. O brincar ou jogar em grupo possibilita à criança agir diretamente
sobre o comportamento das outras crianças, receber as conseqüências imediatas de outras
crianças e desenvolver um conjunto mais adaptativo de regras.
Cada uma das atividades e brincadeiras é realizada a partir do repertório inicial da
criança e de seu desenvolvimento, de acordo com sua idade cronológica. Os jogos utilizados
podem ser os existentes no mercado ou criados na própria clinica. Para os jogos comerciais,
é feita uma análise das contingências envolvidas nas regras que são modificadas de acordo
com o desempenho da criança e os objetivos estabelecidos. Para um mesmo jogo,
poderemos ter vários níveis de dificuldade e ter mais de um objetivo a ser atingido. O cuidado
do terapeuta é selecionar níveis crescentes de dificuldade, expondo gradualmente a criança
a situações que envolvem sucessos e frustrações. As frustrações ou "fracassos" que acabam

394 M á rc ia il.i R o c Im 1’ittd f m a /


ocorrendo num jogo de grupo são importantes e o terapeuta pode ensinar às crianças a
encarar um fracasso como uma forma de aprendizagem, diminuindo as esquivas. Para isto,
sempre é valorizada a busca de alternativas de solução de problemas e o agir, ensaiando o
comportamento que pode levar a maiores chances de reforçamento. A regra "Errar pode,
desistir nunca" é reconstruída em cada uma destas situações, enfatizando que as pessoas
podem aprender errando e que errar não é sinônimo de falta de capacidade. A cooperação é
enfatizada, procurando mostrar que ganhar não é o mais importante e, na situação de grupo,
as outras crianças mantêm os amigos mesmo "perdendo" num jogo, ou seja, para ter amigos
é preciso ajudar, reconhecer qualidades, rir junto etc e não ser sempre "o melhor".

Habilidades do Terapeuta
A descrição da Terapia Comportamental em grupo para crianças com TA foi feita
com o objetivo de ser operacional e cada um dos passos e características importantes,
que enfatizamos durante sua realização, foi descrita separadamente. No entanto, estamos
nos referindo a uma situação extremamente dinâmica, onde muitas variáveis atuam ao
mesmo tempo, onde várias técnicas são aplicadas ao mesmo tempo, interferindo não só
no comportamento das crianças, mas também no do terapeuta. Nesta situação, o terapeuta
deve desenvolver todo um conjunto de habilidades que são fundamentais para o processo
de terapia. Sem pretender esgotar estas habilidades, seguem abaixo as que nos parecem
mais importantes e evidentes.
Afeto, empatia, compreensão, aceitação: como é afirmado e enfatizado pelos que
descrevem e analisam o processo de terapia, seja ela individual ou em grupo, com adultos ou
crianças, é de fundamental importância a relação terapêutica. Com crianças, este é um dos
aspectos centrais sem o qual nenhuma técnica utilizada funciona. A afetividade da relação, a
empatia que o terapeuta demonstra, o respeito pela criança ao aceitá-la sem críticas e a
ausência de punição para os comportamentos inadequados, são alguns dos aspectos centrais.
As crianças com os TA apresentam uma imagem do adulto como alguém que o critica, que é
"chato". Tornar a sessão divertida, rir com a criança, torna o processo mais suave e reformula
esta visão que ele desenvolveu sobre os adultos. O caráter lúdico das atividades e uma postura
do terapeuta sem críticas, afetiva, descontraída, torna mais suave o momento de desenvolver
habilidades que são especialmente difíceis para estas crianças como a leitura, escrita, raciocínio
mais sistematizado e que estão associadas a inúmeros fracassos e punições anteriores.
Habilidades Sociais como contato visual, expressar sentimentos positivos, postura
física dentro da sala de atendimento, usar contato físico adequado, elogiar, rir, ser assertivo,
devem ser desenvolvidos em quem pretende trabalhar com crianças em situação de grupo.
O próprio terapeuta é modelado pela Situação e melhora todas as suas habilidades sociais
de relacionamento,
Empregar uma linguagem adequada à compreensão da criança e um padrão de
verbalização que utilize termos semelhantes aos do seu grupo social é outro aspecto importante.
Estar muito atento aos comportamentos e pequenos progressos alcançados pelas
crianças, principalmente no início do processo, encorajando-as a continuar. Para isto o
terapeuta deve ter clareza dos objetivos a alcançar e ser diretivo. Planejar as sessões é
importante, assim como modificá-las de acordo com os resultados que obtém. Nenhum
planejamento ou técnica deve ser mais importante que os dados obtidos na situação real
de terapia, que vão avaliar se realmente a estratégia utilizada foi adequada.
Colocar limites claros dentro das sessões, sem confrontar diretamente a criança.

Sobre Com porldm cnlo c Co^mv>lo


Muitas das crianças apresentam problemas com limites, atendimento de instruções,
esquivas de atividades que envolvem o desenvolvimento de habilidades deficitárias e o
terapeuta deve colocar claramente os objetivos da sessão, as atividades que atingem
estes objetivos e utilizar alguns jogos somente no final de um período que envolveu atividades
que requerem mais atenção e enfrentamento das dificuldades.
Ter um conhecimento teórico adequado sobre as técnicas e princípios de análise
do comportamento.

Resultados e Conclusão
Ao longo do processo de terapia, são observados os seguintes resultados:
Realização de um maior número de tarefas, com níveis crescentes de dificuldade;
Diminuição no número de tarefas começadas;
Aumento na participação em situações novas de desafio;
Diminuição nas verbalizações de queixas e recusas prévias à execução de alguma
atividade;
Aumento nas verbalizações que indicam aceitação dos desafios e pedidos para
executar tarefas cada vez mais complexas;
Aumento da colaboração com as outras crianças do grupo;
Diminuição das críticas às dificuldades de outras crianças frente a alguma situação
surgida na sessão;
Seguimento das regras que foram construídas para cada um durante as várias sessões
e verbalizações que indicam o uso destas regras pela própria criança, bem como
uma auto-avaliação de seus comportamentos e suas conseqüências de acordo com
elas;
Verbalizações que indicam uma compreensão maior de que as conseqüências
dependem de seus comportamentos e podem ser manejadas por eles mesmos.

Descrição de caso

Entrevista inicial e contato com a criança


Felipe, atualmente com 12 anos, foi encaminhado para avaliação quando freqüentava
a 4“ série do Ensino Fundamental. Mora com os pais e um irmão mais velho. Foi encaminhado
pela escola para uma avaliação psicológica, pelas dificuldades observadas. Apresentava baixo
rendimento escolar, principalmente em português e matemática, recusava-se a fazer as lições
de casa e da sala de aula, tinha uma letra ilegível, não atendia às solicitações feitas pela mãe
e apresentava-se irritado e de mau humor quando contrariado. Tinha dificuldades em fazer
amigos, era agressivo com os colegas de escola e vizinhos. No contato com o psicólogo
apresentou bom relacionamento, era reservado, mas atendia a todas as solicitações feitas
durante as sessões individuais. Mostrou um desempenho em leitura e escrita bem abaixo do
esperado para a idade e série em que se encontrava: a leitura oral era lenta, com erros e
dificuldades no entendimento de textos com leituras silenciosas, escrita com erros de ortografia.
Tinha dificuldades rcentuadas em cálculos que envolviam as operações básicas, mesmo em
contas bem simples, não sabia tabuada, tinha dificuldades com entendimento de enunciados
de problemas e questões de verificação de leitura. Era agitado, engajava-se em comportamentos
de dispersão, diante de algumas tarefas, levantava-se do local em que realizava as atividades

396 Merrill d.i Rocli.i Pilt.i Km.i/


e ficava olhando a janela, brincando com algum objeto sobre a mesa ou batendo sobre ela com
os próprios dedos. Recusava-se a realizar qualquer atividade, mesmo jogos, que envolvessem
ler, escrever, calcular ou mesmo alguma estratégia mais estruturada de desempenho. Sua
linguagem oral era adequada, apresentava um bom nfvel de informação geral, gostava de
noticiários na TV e de futebol. Conseguia relatar todos os problemas de seu time, dos jogadores
etc. Nesta época, o terapeuta fez um encaminhamento para a fonoaudióloga da clínica, em
função das dificuldades de leitura e escrita apresentadas. A avaliação fonoaudiológica constatou
que os erros ortográficos apresentados por Felipe não eram relacionados a problemas de
audição ou discriminação de sons, mas sim visuais, provavelmente ligados à atenção. Foram
observados erros em cópias simples, onde Felipe pulava palavras, sílabas ou linhas inteiras,
havia desorganização na utilização do espaço do caderno e dificuldades dígito-manuais que
provavelmente se relacionavam com sua letra.

Hipótese inicial
O conjunto das dificuldades apresentadas, repertórios de leitura, escrita e cálculo
deficitários, em contraste com seu repertório verbal adequado, bom nível de informação geral
sobre diversos assuntos e relacionamento adequado com as terapeutas, combinava com a
descrição para Transtorno de Aprendizagem. Este quadro geral o expunha a conseqüências
aversivas como críticas constantes dos professores e pais, fracassos em relação às outras
crianças, mesmo em situações mais descontraídas. Felipe passou a desenvolver
comportamentos de esquiva das situações onde as habilidades de leitura, escrita, cálculo
ou a elas relacionadas eram requeridas, caracterizados por dispersões, agressões, queixas
e recusas de realizar as tarefas. Tal situação persistia desde a pré-escola e Felipe era
interpretado pelos adultos como "preguiçoso", "mimado", "protegido da mamãe", “briguento".
Suas verbalizações demonstravam uma crítica acentuada à sua pessoa como um todo
(“sou burro"; "sabia, eu errei de novo"). Ele era indiferente à importância do trabalho escolar,
tanto verbalmente quanto em termos de comportamentos. Conseqüências como notas mais
baixas, comentários negativos dos professores ou pais e a possibilidade de ser reprovado
não exerciam controle aparente sobre seu desempenho de realizar as tarefas. O fracasso
diante destas solicitações era altamente provável e ele optava por não mostrar seu nivel real
de dificuldades ("não vou fazer nada chato!" - relacionado a ler, escrever e calcular).

Encaminhamento para o grupo e intervenção


O terapeuta decidiu iniciar com um acompanhamento em grupo, cujos elementos
tinham idade próxima à sua, apresentavam dificuldades escolares e freqüentavam a mesma
série que ele. O grupo estava realizando atividades em situação bem lúdica. Ele teve grandes
dificuldades de relacionamento, recusava-se a fazer as atividades, mesmo o jogo considerado
mais divertido pelos outros. Começava a burlar as regras, só concordava em fazer o que
sabia, não aceitava desafios, gritava com as outras crianças, "caia" da cadeira nos momentos
mais impróprios. Tais comportamentos tornavam-se mais freqüentes se ele não estivesse
se desempenhando melhor que todos (e isto era difícil, dadas as suas dificuldades). Acabava
achando uma forma de acabar com as atividades do grupo. As outras crianças começaram
a apresentar comportamentos de punição em relação a ele, recusando-se a participar das
atividades que ele sugerisse, a sentar-se próximas, a conversar com ele.
Ao mesmo tempo, era realizado um acompanhamento com a fonoaudióloga, com
o objetivo de trabalhar especificamente as dificuldades de leitura e escrita, em sessões
individuais. Os problemas de esquiva tornaram este acompanhamento impossível de caminhar:
ele recusava-se a realizar as atividades propostas para lidar com os problemas de leitura e

Sobrr Comportamento e Co#niç<io


escrita. No entanto, precisávamos de um mínimo de repertório de leitura e escrita para que
as dificuldades na escola ficassem um pouco mais suportáveis. A fonoaudióloga realiza um
trabalho conjunto com a psicóloga e é treinada em análise do comportamento, dominando
as técnicas utilizadas nas sessões, bem como os princípios de aprendizagem no qual
estão fundamentadas.
Em conjunto, redefinimos os objetivos estabelecidos inicialmente para a criança e o
colocamos em grupos onde os elementos apresentavam idade cronológica com cerca de
três anos abaixo de Felipe (na época com quase 10 anos) e que estavam nos estágios
iniciais de alfabetização e de aquisição de habilidades de cálculo, com o objetivo de diminuir
as esquivas de atividades, uma vez que as habilidades exigidas seriam mais simples. Foi
quando percebemos que as esquivas dele impediram até mesmo uma avaliação mais
adequada das suas dificuldades iniciais: ele não reconhecia números além de dois dígitos,
não dominava o raciocínio envolvido em somas e subtrações, não tinha idéia do que era
multiplicação e divisão e tinha graves dificuldades com compreensão de textos e perguntas
escritas. Em contraste com estas dificuldades, sua linguagem e sua compreensão oral
eram muito boas, o que permitia que ele usasse tais habilidades para encobrir seu repertório
inadequado. Quando um problema era lido em voz alta e explicado em termos concretos,
seu desempenho em termos de raciocínio era muito bom, mas não conseguia efetuar cálculos,
mesmo simples. A escola foi orientada a ter um nível de tolerância para com Felipe mais
compatível com suas dificuldades. Foi uma longa batalha para convencer os professores de
que as atividades deveriam ter níveis crescentes e diferenciados de dificuldades e que ele
deveria ser valorizado pelo seu engajamento em fazer uma tarefa, inicialmente, sem se ater
aos resultados, muitas vezes tendo que utilizar recursos diferenciados (uso de calculadoras),
que o mantivessem pelo menos realizando uma parte da tarefa, ou valorizando algum
comportamento que se relacionava apenas remotamente ao que era exigido dos demais
alunos da sala (ele poderia realizar a mesma tarefa dos outros, mas com um número bem
menor de exercícios). A família foi orientada em uma nova postura frente às dificuldades de
Felipe, mas também foram trabalhados repertórios como colocar limites, reconhecer pequenos
esforços, aumentar as exigências gradualmente, reconhecer e valorizar aspectos positivos
de seus comportamentos, entre outros pontos importantes.
Felipe passou a realizar as tarefas mais simples no grupo, passou a ter repertórios
melhores de habilidades escolares e de relacionamento com as crianças da sessão. Começou
a realizar as atividades das sessões que se pareciam cada vez mais com atividades escolares,
sou relacionamento com as terapeutas ficou muito próximo. Quando estas habilidades
estavam estáveis no seu repertório, e com seu consentimento, mudamos novamente seus
companheiros de grupo, que passaram a ser da mesma série que ele. Desta vez, seu
desempenho nas sessões foi adequado, seu relacionamento com as crianças mais velhas
mostrou progressos (sem agressões ou comentários negativos). Seu autoconceito melhorou,
com verbalizações mais positivas e realistas sobre si mesmo, enfrentando situações novas
mais adequadamente, encarando fracassos de maneira mais adequada, sem cair seu
desempenho geral ou ficar irritado. Nesta fase ainda apresentava dificuldades de organização
das tarefas escolares e da sua agenda no geral, mas passaram a ser conduzidas de modo
mais colaborativo. Atualmente, organiza sua própria agenda, realiza sozinho trabalhos
escolares, tem um relacionamento excelente com suas terapeutas e demais adultos
importantes em sua vida, aumentou seu grupo de amigos e discrimina as situações nas
quais deve fazer perguntas ou solicitar orientações para melhorar seu desempenho. Seus
familiares também relatam mudanças significativas em seu comportamento em relação a
compromissos e relacionamento em casa, com seu pai ou seu irmão.

398 M itr c iii iiti Rocha P ífia Frrra/


Este relato procurou ilustrar, de maneira resumida, um caso de acompanhamento de
dificuldades escolares relacionadas aos baixos repertórios de leitura, escrita, cálculo,
característicos dos Transtornos de Aprendizagem, numa situação onde o grupo proporcionou
uma ferramenta de acesso a uma compreensão melhor das variáveis envolvidas e manejo das
mesmas pelo terapeuta e pela criança, numa situação onde se procurou controlar as conseqüências
aversivas geradas pela inadequação dos repertónos exigidos, Esta situação estava relacionada
aos problemas comportamentais observados que, por sua vez, agravavam mais ainda as habilidades
deficitárias. Mostrou também as dificuldades que o próprio terapeuta enfrenta em todo o processo
de terapia, exigindo sempre uma sensibilidade muito grande em relação aos dados que vai
obtendo nas sessões, reformulando suas estratégias de intervenção de acordo com os mesmos
e investindo muito trabalho no vínculo de confiança estabelecido com a criança, sem o qual os
resultados positivos e as estratégias de intervenção estariam comprometidos.

Referências
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fourth edition, Text Revision. Washington, DC: American Psychiatric Association.
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Módicas.

Sobro C'omportiimcnto c C o r ii M o
Capítulo 35
0 Jato de A r Quente Como Estímulo
Aversivo: Efeitos da sua
Apresentação Contingente e Não-
Contingente em Rattus
N orvegicus'2.
M d rcua Hcntcs </<• C',itv,ilho Neto*

Vivúnc VcnJu Rico **


C/nicy K d ly d i .V/A',/ Tobnts ***

Prvf. Pr. Aniduri C /o u v c m Jr ****

Prof. Pr. hsó Í/Utilbcrto lu^i Angcnmii*****

A grande maioria dos trabalhos estudando os efeitos dos eventos aversivos em


laboratório adotou o choque elétrico como punidor positivo ou reforçador negativo (Azrin &
Holz, 1975, p. 463; Baron, 1991, p. 176; Domjan & Burkhard, 1993, p. 283). Os princípios
estabelecidos sobre contingências aversivas se apóiam na generalidade presumida dos
efeitos obtidos com esse estímulo particular e em testes assistemáticos com outros
estímulos aversivos, especialmente com o som (ver, por exemplo, Azrin, 1958; Barry &
Degelman, 1961; Herman & Azrin, 1964; Holz & Azrin, 1962; Knutson & Bailey, 1974).
Como o choque elétrico possui certas propriedades peculiares (Azrin & Holz, 1975; Catania,
1999; Lattal & Perone, 1998), toma-se necessário incorporar diferentes estímulos de maneira
sistemática para testar a generalidade das relações funcionais até agora observadas.
Desde 2002 está sendo testado na UFPA a função aversiva de um jato de ar
quente (JAQ) emitido por um secador de cabelos. O equipamento é fácil de obter e de
adaptar às caixas de condicionamento operante comumente usadas, com baixo custo
financeiro e com parâmetros físicos padronizados e replicáveis.
Foram concluídas até agora quatro pesquisas testando o efeito do JAQ como
estímulo punidor positivo (Sp+). Em um primeiro estudo (Carvalho Neto e cols, Submetido)

* UFPA; **Mestranda/UFPA; ***Mestranda/UFPA; ****UNESP-Bauru; , ****UNESP-Bauru


1 Os autores agradecem os valiosos comentários e sugestões dos professores Solange Calcagno, Romariz da Silva
Barras, Maria Helena Hunziker e Carlos Barbosa Alves de Souza e de todos os membros do Grupo de Pesquisa
Sobre Contingências Aversivas e Comportamento Criativo da UFPA que ajudaram a construir o presente texto.
3 Trabalho parcialmente financiado através de bolsas de Mestrado CAPES (2* autora) e CNPq (3* autora).

400 Marcuti R. ile Ctirvalho Neto, Vivliinc V Rico, l}r<Ky K. »1» S. Anwurl C/ouvctii I r , losó Q . I. An^cnimi
foi testada a função do JAQ (concorrendo com reforçamento positivo continuo) após o
fortalecimento de uma resposta em esquema contínuo. Tanto em esquema contínuo (CRF)
quanto em esquema intermitente (FR3) de apresentação do evento, observou-se a
supressão do responder (na ordem de ‘‘"{98,4% e “|71,15%, respectivamente).
Em um segundo estudo (Maestri & Carvalho Neto, 2004), após dez sessões de
punição, de forma continua para um grupo e intermitente (FR3) para outro, ambas
concorrendo com o reforçamento positivo continuamente apresentado, observou-se que a
função supressora do JAQ foi mantida ao longo de todo o experimento (com queda de
"186,27% no grupo CRF e de “151,45% no grupo FR3).
Em um terceiro estudo (Ribeiro & Carvalho Neto, 2004) foi avaliado o efeito da
ordem de apresentação do esquema de punição, de contínuo para intermitente (FR3) em
um grupo e de intermitente (FR3) para contínuo em outro (todos concorrendo com
reforçamento positivo contínuo). O JAQ funcionou como Sp+ em ambas as condições e o
efeito supressor foi maior no esquema contínuo nos dois grupos. Esses resultados também
sugerem que prevaleceu o tipo de esquema usado e não a experiência prévia (efeito de
ordem de exposição) com o Sp+.
Em um quarto estudo (Magalhães & Carvalho Neto, 2004) foi testado o efeito da
apresentação contínua do JAQ (concorrendo com reforçamento positivo contínuo) após
diferentes histórias de fortalecimento prévio (CRF, VR5 e VI5"). Observou-se uma queda
de “ {92,91 % no grupo CRF 4, deu{88,08% no grupo CRF 8, de "{98,98% no grupo VR5
e de" |97,78% no grupo VI5”. Ocorreu, portanto, a supressão parcial do responder (acima
de" {88%) independentemente do esquema de fortalecimento prévio.
Note-se que em todas as condições testadas o JAQ, nas especificações físicas
aqui descritas e usando um total de 22 ratos, suprimiu parcialmente o responder, mostrando-
se um punidor efetivo nos contextos utilizados.
Sendo o JAQ um evento supressor do responder quando disposto de maneira
contingente, como um punidor positivo, seria também capaz de suprimir o responder quando
apresentado de maneira não contingente a uma classe de respostas?
Camp, Raymond & Church (1967) testaram alguns procedimentos envolvendo a
apresentação contingente, com e sem atraso do choque elétrico, e a apresentação não
contingente deste mesmo estímulo sobre a freqüência da resposta de pressão à barra em
ratos. Em um dos experimentos, 84 ratos foram divididos em seis grupos: um grupo de
apresentação contingente do choque elétrico sem atraso (0.0 segundos), composto por
18 ratos; dois grupos com atraso diferenciados (7.5 e 30 segundos, respectivamente),
compostos por 18 ratos cada; um grupo de apresentação não contingente do choque; um
de apresentação contingente com atraso de 2.0 segundos; e um grupo controle (não
recebia choques), cada um composto por 10 ratos. Todos os ratos foram submetidos
inicialmente a 10 sessões de treino discriminativo durante as quais respostas de pressão
à barra na presença de um estímulo auditivo eram conseqüenciadas com pelotas de
alimento. Em seguida, cada grupo foi submetido a 12 sessões de apresentação do choque
com intensidades variando de 0.1 a 2.0 mA. A apresentação do choque após cada resposta
ocorria para cada grupo da seguinte forma: apresentação sem atraso (grupo 1),
apresentação com atraso de 2.0 segundos (grupo 2), com atraso de 7.5 segundos (grupo
3) e com atraso de 30 segundos (grupo 4). Na ausência do estímulo auditivo, choques
eram liberados aproximadamente a cada 2 minutos independente da emissão da resposta
para o grupo 5 (apresentação não contingente) e o grupo 6 não recebia choques. Em

Sobre C om portiim cnlo e C o r iiíç « 1 o 401


todas essas condições de apresentação do choque, em 50% das tentativas todas as
respostas de pressáo à barra eram seguidas de reforçamento e nas tentativas restantes
(50%) o esquema de reforçamento variou entre os grupos.
Os resultados indicaram uma maior freqüência de respostas no grupo controle do
que nos outros grupos. Os grupos de apresentação não contingente e contingente com
atraso de 30 segundos demonstraram uma freqüência de respostas maior do que nos
grupos contingente com um atraso menor (7.5 e 2.0 segundos). Por fim, o grupo de
apresentação contingente sem atraso demonstrou uma supressão da resposta maior do
que todos os outros grupos. Portanto, quanto mais imediata a apresentação do punidor,
maior a supressão do responder. A comparação entre apresentação contingente sem atraso
e não contingente mostra que a supressão seria mais acentuada na primeira. A supressão
de uma resposta pode ser função da mera apresentação do estímulo aversivo, como ocorreu
durante a apresentação não contingente, e também pode ser primordialmente função de
uma relação temporal entre a resposta e o estímulo aversivo, fato demonstrado pela
supressão da resposta durante a apresentação contingente.
De acordo ainda com Camp & cols. (1967), a definição de comportamento operante
como aquele sensível às conseqüências parece ser válida não apenas quando se refere à
apresentação de um estimulo apetitivo independente do responder, mas também quando
se trata da apresentação de maneira contígua de um estímulo aversivo. Dessa forma,
torna-se necessário investigar os efeitos distintos das relações de contingência entre
resposta e estímulo e os efeitos das apresentações dos estímulos (Catania, 1999).
A presente pesquisa buscou: (a) Comparar os efeitos de duas diferentes formas
de apresentar o JAO (apresentação contingente em CRF e não contingente em FT10'')
sobre o responder operante previamente fortalecido em esquema contínuo; (b) Comparar
os subprodutos emocionais de cada tipo de contingência aversiva.

M ÉTODO
Sujeitos; Seis ratos albinos (Rattus norvegicus, Wistar), machos, com idade no início do
experimento de aproximadamente 10 meses, obtidos junto ao Biotério da UNESP de
Botucatu, experimentalmente ingênuos, em privação de água de 24 horas antes de cada
sessão experimental e fornecimento continuo de comida na gaiola-viveiro. Os animais
eram acomodados em duas caixas de polipropileno forradas com serragem: Grupo Punição
+ CRF com cinco sujeitos (dois não usados) e Grupo Não Contingente com quatro sujeitos
(um não usado). Ambas as caixas ficavam alojadas em uma Estante Ventilada Para
Camundongos e Ratos da Alesco Indústria e Comércio Ltda (mod. ALE 9902.001) com
controle constante de temperatura (20°) e umidade (65%). Os animais eram conduzidos
em grupo nas sessões de fortalecimento e individualmente nas sessões de enfraquecimento
da resposta e eram imediatamente devolvidos a estante logo após as sessões, quando
recebiam então 10 minutos de água.
Ambiente da Pesquisa: As sessões de fortalecimento da resposta de pressão á barra
foram realizadas no Laboratório de Psicologia Experimental da UNESP-Bauru. As sessões
que envolveram a apresentação do JAQ foram realizadas no Laboratório de Psicobiologia
e Psicopatologia Experimental da UNESP-Bauru.
Equipamentos & Materiais: Para as sessões de fortalecimento operante foram utilizadas
seis Caixas de Condicionamento Operante Modelo 3 da Insight Equipamentos Ltda, todas
alojadas em Cabines de Isolamento Térmico e Acústico (Modelo padrão da Insight). As

M.IIWS R. ilo C.hv.i IIw Neto, Vrvwme V Rkt>, (yr.iiy K. tLi S. fobia», Am.iun C/uuvru Ir , liwé (./■ I. An#ci<imi
sessões envolvendo apresentação do Sav foram realizadas em uma Caixa de
Condicionamento Operante Modelo FUNBEC adaptada: o teto era constituído de uma tela
de arame (com orifícios em formato quadrangular de 0,5 cm cada) que separava o interior
da caixa de um secador de cabelo acoplado sobre a caixa de condicionamento (Para
detalhes sobre o equipamento, ver Carvalho Neto & cols., Submetido). O secador da
marca TAIFF, modelo Turbo 6000,1700w, com cinco possíveis combinações de intensidade
do deslocamento do ar e temperatura do jato e nível de ruído de 85 db. A intensidade do
jato de ar quente aqui adotada foi a intermediária do equipamento (número 2). O jato era
acionado por um período de 5 segundos e aumentava a temperatura em aproximadamente
2 graus Celsius em um raio de 10 cm. Uma filmadora (Panasonic NVRZ315 BR) usada
somente nas sessões de apresentação do JAQ, cronômetro, folhas de registro e caneta.

Procedimento Geral: Os animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos de três


sujeitos cada. Um Grupo Contingente (Punição + CRF) e um Grupo Não Contingente
(FT10"). Na primeira fase todos foram expostos a sessões de estabelecimento e
fortalecimento da resposta de pressão à barra e em uma segunda fase aos procedimentos
específicos de exposição ao JAQ. (Ver Figura 1)

Fase
Fase
Fase 3(Condição Fase 4(Condição
Grupos 1(Modolagom da 2(Fortalecimento da
Aversiva 1) Aversiva 2)
RPB)
RPB)
A. JAQ Aquisição da CRF (água) _ 5’ iniciais: CRF _ 30':CRF
Contingente RPB (5 sessões de 60’ (água). (água)+CRF
cada) „ 25’ CRF (JAQ)
(água)+CRF (Uma sessão)
(JAQ)
(Uma sessão de
30)
B: JAQNão Aquisição da CRF (água) _ 5’ iniciais: CRF _ 30’:CRF
Contingente RPB (5 sessõos de 60’ (água). (água)+FT10"
cada) _ 25’:CRF (JAQ)
(água)-* FT10" (Uma sessão de
(JAQ) 30’)Não Ocorrida
(Uma sessão de
30')
Fig. 1; Delineamento experimental com exposição ao Jato de Ar Quente, concorrentemento
ao reforçador positivo (água), de forma Contingente (CRF) o Não-Contingente (FT10").
Procedimentos Específicos:
As sessões de instalação e fortalecimento da RPB para todos os sujeitos seguiram o
padrão clássico, com modelagem, autoshaping e CRF em sessões de 60 minutos em média.
Para o Grupo Contingente, na 1asessão de Punição+ a água permanecia disponível
em regime de CRF contingente á RPB durante os 5 primeiros minutos. Após esse período
a água permanecia disponível em regime de CRF contingente à RPB, mas também, no
mesmo regime, durante 5 segundos, um jato de ar quente era acionado a cada RPB. Essa
parte da sessão durou 25 minutos. Na 2“ sessão de Punição* não houve um período
inicial de 5 minutos de CRF de água sem a presença do JAQ, iniciando já com a punição*
e pelo mesmo tempo total (30 minutos).

Sobre C'omporl«ime»to e C o g n içã o 403


Para o Grupo Não Contingente houve apenas uma sessào de apresentação do
JAQ. Nos primeiros 5 minutos a água estava disponível em CRF e não havia um Sav
programado. Em seguida, durante 30 minutos, um JAQ era acionado por 5 segundos a
cada 10 segundos, independentemente do que o sujeito estivesse fazendo (FT10").
Foi registrado, na fase de instalação e fortalecimento da RPB, o total de respostas
de pressão à barra de cada sessão. Nas sessões usando o estímulo aversivo, todas
filmadas, registrou-se todos os comportamentos dos sujeitos, bem como o tempo de
imobilidade dos mesmos durante as sessões. Registrou-se adicionalmente se os animais
urinavam e defecavam e, no segundo caso, quantas bolas fecais eram expelidas por sessão.

R esultados e discussão
Observou-se nas sessões envolvendo apresentação do JAQ uma redução na
freqüência da classe de resposta previamente fortalecida independentemente do esquema
de apresentação, CRF (contingente) ou FT10" (não contingente). Entretanto, a apresentação
contingente suprimiu parcialmente o responder (percentuais de queda por sujeito de: PC1:
" j 84,87% e " |95,4%; PC2: "J 88,98% e "J 88,98%; PC3: " [ 92,02% e "189,57%,
respectivamente), enquanto que a apresentação não contingente suprimiu integralmente o
responder nos três sujeitos (FT 1, FT2 e FT3:" Jl 00%3). (Ver Figura 2).

Taxa de RPB - Grupo P +

8.0 T
45 ■
c 4.0 ■
2 3.6-
Î npci
á ,i0 ,
$ 2.5 • --------------------- ; D PC?

(üsssm 1
& 2,0 ■ *! " — .....1 BPC3
8 1.S ■
<r 1,0 •
0.5 ■
0.0 •
CRF1 CRF2 CRr3 CRF4 CRhfi Modm CRr P+ P*
Sa m Ao

Taxa de RPB - Grupo Fl 10"

CHM CNFIi CRF3 CRF4 CRF6 Média CRF Fn<r


Ssstâo

Fig. 2: Taxa de RPB ao longo das sessões nos dois Grupos


(Contingente e Não-Contingente).
3A segunda sessão programada de exposição ao evento aversivo não foi realizada no Grupo Não Contingente
em função de problemas técnicos Incontornáveis.

404 Mcirvus H. tic C'cwviillw Neto, VM.irw V Riu), Qn*cy K. <Li S. lobia», Anviuri C'/ouvtii Ir , kwí C/. T. Antfcntmi
Tipicamente, os padrões de fortalecimento da resposta nos primeiros cinco minutos
preliminares da primeira sessão de condição aversiva foram similares (positivamente
acelerados) nos dois Grupos, mas ao iniciar o período de exposição ao JAQ os desempenhos
diferenciaram-se. No Grupo Contingente o responder foi reduzido de freqüência, mas não
integralmente, pois algumas respostas ainda ocorriam ao longo da sessão. No Grupo Não
Contingente houve, em contraste, uma supressão absoluta do responder, não sendo
registrada nenhuma RPB durante esse período (Ver Figura 3).

Fig. 3: Freqüência da RPB de um sujeito do Grupo Contingente (PC2) o do Grupo Não


Contingente (FT10") durante a primeira sessão de exposição ao Sav. A linha vertical no minuto
cinco marca o início da apresentação do JAQ.

Os dados aqui descritos são diferentes dos produzidos com choque elétrico por Camp
& cols. (1967), no qual a supressão observada foi maior durante a punição positiva sem atraso do
que durante a apresentação não contingente. Esta diferença pode ser atribuída especialmente
ao procedimento adotado em cada estudo. Mais à frente a questão será retomada.
Em relação â produção de respostas emocionais, observou-se que todos os sujeitos
expostos ao evento aversivo de maneira não contingente defecaram e urinaram durante o
experimento, enquanto apenas um sujeito do Grupo Contingente urinou durante a sessão,
não sendo registradas respostas de defecaçào nesse Grupo (ver Figura 4).

Defecar Defecar Urlner


Urinar (CondiçAo (CondiçBo
Sujellos (Condição (Condição
Aversiva 1) Aversiva 2)
Aversiva 1) Aversiva 2)
PC 1(Contingent*) Nâo Nâo Nâo Nâo
PC2(Contingente) Nflo Nâo ___ Nâo Sim __
PC3( Contingente) Nâo ’ Nâo ’ Nâo “ Nâo
FT1(NAo Sun
Slm(3 pelotas)
Contingente)
FT2(Nío Sim
Sim(4 pelotas)
Contingente)
FT3(NAo Sim
Sim(3 pelotas)
Contingente)

Fig. 4: Respostas emocionais (defecar e urinar) apresentadas por cada sujeito em cada
Grupo (Contingente e Não-Contingente).

Sobre Comportamento e C'onniv<U>


A mera apresentação de um evento aversivo parece não ser condição suficiente para
induzir a ocorrência das respostas emocionais. A natureza, a intensidade e, no presente
estudo, a forma como esse evento é apresentado parecem ser relevantes. Os dados
sustentariam que a aversividade, entendida como a freqüência de respostas emocionais geradas
por um estímulo aversivo, seria maior em uma condição incontrolável (não contingente) do que
na situação controlável (contingente). Como durante as sessões do Grupo Não Contingente
houve uma exposição maior aos episódios aversivos (FT10"), alternativamente, os dados
poderiam ser interpretados como um efeito da densidade diferencial da apresentação do JAQ
e não do esquema em vigor em cada grupo. Essa diferença na densidade da estimulação
aversiva poderia explicar a incompatibilidade entre os dados desse estudo e os do Camp &
cols. (1967). Um procedimento acoplado, no qual o número de eventos e o momento da sua
apresentação seriam igualados nos dois grupos, poderia controlar essa variável, separando os
dois efeitos. Apenas após a realização desse controle seria possível saber se o JAQ teria
realmente efeitos distintos do choque elétrico nesse contexto.
Um padrão comportamental adicional observado nos sujeitos submetidos ao JAQ
não contingente foi o aumento da freqüência de respostas de fuga genericamente denominadas
de "respirar fora da caixa" (focinhar a tela e o piso, colocando o focinho fora da caixa e respirando
aceleradamente) na segunda metade da sessão. Tais respostas indicam que a apresentação
continuada do JAQ produziu uma elevação na temperatura interna da própria caixa, que parece
funcionar também como um aversivo (mais precisamente um reforçador negativo). Logo, além
da propriedade "calor em contato direto com o JAQ" também parecer haver uma outra em
ação: “elevação da temperatura interna da caixa". A redução inicial do responder, quando a
temperatura interna ainda não havia sido elevada significativamente, não poderia ser atribuída
a produção de respostas de fuga incompatíveis, mas ao longo da sessão os dois efeitos
poderiam se somar, suprimindo integralmente o responder previamente fortalecido.
Observou-se também que no Grupo Não Contingente o comportamento de "lamber as
patas dianteiras e passa-las no focinho", provavelmente para reduzir a temperatura do corpo
que estava em contato direto com o piso aquecido, ocorreu com freqüência. Este comportamento
ocorreu já nos 10 primeiros minutos de apresentação do JAQ e poderia ser mais uma condição
aversiva concorrente que tomaria qualquer outra resposta menos provável. Esses dados indicaram
a necessidade de alterar o equipamento e atualmente os pisos e a barra são feitos de acrílico
e não mais de metal, havendo, por isso, uma dispersão mais rápida do calor.
O efeito na redução da freqüência das respostas previamente fortalecidas pela
apresentação do JAQ nas duas condições foi claro. Os dados, porém, ainda não são conclusivos
sobre o efeito diferenciado da apresentação contingente e não contingente do JAQ. O que
contribuiu para os patamares diferenciados de supressão ainda precisaria ser esclarecido
com a descrição mais precisa dos mecanismos específicos subjacentes a cada desempenho.
O equipamento aqui adotado (e o estímulo punidor por ele produzido), por sua vez, mostrou-se
uma alternativa cientifica e economicamente viável para a condução de investigações
experimentais sobre contingências aversivas.

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Caderno de Resumos da VII Semana Científica do Laboratório de Psicologia (p. 26).
Departamento do Psicologia Experimental, Programa do Pós-Graduação em Tooria e
Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará, Belóm-PA.

Sobre Com,'u>r1.tmcnlo e Cotfniv«!«


Anexos

(iRÜPO I: PUNIÇÁO K R?
SHSSÓFS
---------- ------------ 1--------- Pt 1
um o CRI- 1 CRI* 2 CRI* 3 CRI 4 CRI 5 Pt 2
CRI- Pi
122 RÍ’ B 9 6 RPB~ ” 95~RPB 94 RPB 81 RPB 17 RPB 7 RPB 2 RPB
PCI 1,52 1.6 1.58 1,57 1.35 3.4 0,23 0,07
R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN
43 RPM 6« RPB 81 RÍ*B 62 RPB 66 RPB 21 RPB 4 RPB 4 RPB
PC 2 1,43 1.0 1,35 1,03 1,1 4.2 0,13 0,13
R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN
117 RPB 124 RPB 84 RPB 76 RPB 147 RPB 8 RPB 4 RPB 5 RPB
PC3 1,95 1,57 0,93 1,27 2,45 1.6 0,13 0,17
R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN RM IN R/MIN R/MIN R/MIN

Anexo 1: Total de RPB, Taxa de RPB/Min de cada sujeito, em cada sessão, do Grupo
Contingente.

GRUPO 2: APRHSl-NTAÇÀO NÃO CONTINGliNTH IX ) S AVHRSIVO


SKSSÒIS
" " ' P' 1
SUJKITO CRF 1 C RI* 2 ( RI 3 CRI 4 CRI 5
CRI Pi
15 RPB 65 RPB 40 RPB 55 RPB 3 RPB
0 RPB
IT I 0,21 1,08 0.67 0,92 — 0,6
0 R/MIN
R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN
161 RPB 111 RPB 69 RPB 125 RPB 62 RPB 20 RPB
0 RPB
IT 2 2,2 1,23 1,15 2,08 1,03 4,0
0 R/MIN
R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN
58 RPB 142 RPB 106 RPB 91 RPB 155 RPB 11 RPB
0 RPB
FT3 0,97 1,89 1,18 1,52 2,58 2,2
0 R/MIN
R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN R/MIN

Anexo 2: Total de RPB, Taxa de RPB/Min de cada sujeito, em cada sessão, do Grupo
Não Contingente.

408 Miircus B. de C.irv.tllK) Nldo, V íw in r V Rico, C/wcy K. tki S. lobvis, Am<njri C/ouvci.i I r , losí C/. f. An#cr<imi
Capítulo 36

Concepções de pais de baixa renda


acerca de abuso sexual contra
crianças
Mdrid dd C/Mfti Siiltfanhti Pddilhd'

l.úcid Cdvdkdntide Albuquerque Willidnnf

O abuso sexual caracteriza-se por uma relação permeada pela utilização da


sedução, onde não há meramente vitima e agressor, mas sim uma dinâmica onde a criança/
adolescente é colocada no lugar de objeto sexual; quando na busca de amor e atenção de
um adulto, recebe uma resposta sexualizada que subverte seu desenvolvimento físico e
emocional, provocando uma confusão nos seus valores e atitudes (Pacto São Paulo, 2000
-disponível online: www.pactosp.orQ.br).
De acordo com Reppold, Pacheco, Bardagi e Hutz (2002), é comum na realidade
brasileira a relação de parentesco entre o agressor e a vitima. Segundo dados do Sistema
Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil (Associação Brasileira de
Proteção á Infância e à Adolescência, 2003 - disponível online: www.abrapia.orq.br). em
relatório que considera os casos notificados de janeiro de 2000 a janeiro de 2003, o abuso
sexual intrafamiliar ocorre em 54,55% dos casos. Os agressores mais freqüentes são os
pais (42,31% dos casos), seguidos pelos padrastos (16,92%). Outros agressores são
tios, mães, irmãos, primos, avôs e avós. Dos casos de abuso extrafamiliar (45,45% de
todos os casos), os agressores mais freqüentes são homens ou mulheres que aliciam
para si próprios (45,32%), seguidos de vizinhos (17,24%), líderes religiosos, donos e
funcionários de instituição de ensino, de abrigos para crianças e muitos outros.

’ Doutoranda do Programa de Pós-graduaçâo em Educação Especial da Universidade Federal de Sâo Carlos.


Docente da Universidade Tuiuti do Paraná.
2 Docente da Universidade Federal de Sflo Carlos no curso de Psicologia e no Programa de Pós-graduaçâo
em Educação Especial.

Sobrr C om porl.im m to c C o^niç.lo


O abuso sexual pode gerar impacto psicológico para aquele que foi vitimizado
quando criança ou adolescente. As vítimas relatam maior número de sintomas de estresse,
depressão, ansiedade, distúrbios de conduta, abuso de drogas ilícitas, problemas de
sexualidade, transtorno de estresse pós-traumático, tentativas de suicídio na vida adulta e
maior incidência de abuso verbal para com os filhos (Padilha, 2001; Reppold et al„ 2002).
Há, porém, controvérsias sobre a correlação entre abuso sexual e problemas
psicológicos a longo prazo, como relata Williams (2002) em revisão sobre estudos que
abordam este tema. A autora menciona também trabalhos sobre a multigeracionalidade -
o fato de a criança abusada ontem se tornar o pai abusivo de amanhã. O abuso sexual
seria um fator de risco para práticas parentais abusivas. De acordo com Reppold et al.
(2002), as práticas parentais de indivíduos vitimizados na infância podem repetir o
comportamento abusivo, agressivo ou negligente de seus próprios pais, não oferecendo
aos filhos uma organização familiar adequada.
Em um estudo correlacionai, Pears e Capaldi (2001) demonstraram que altos
níveis de abuso na infância predizem altos níveis de abuso em direção à próxima geração.
Faller (1989) mostrou que quase 40% dos agressores e quase a metade de mães de
vítimas reportam abuso sexual em sua infância.

A prevenção do abuso sexual


Para Lisboa e Koller (2002), a prevenção dos maus-tratos à criança envolve o
reconhecimento da influência de diversos fatores, tais como características históricas,
culturais, sociais, políticas, econômicas, familiares e psicológicas. As autoras recomendam
adotar uma visão ampla das relações entre as diversas influências e as práticas abusivas
na família, para que a prevenção do abuso se dê por uma variada gama de estratégias que
abranjam diversos níveis do problema. Os programas de conscientização pública, atividades
educativas de amplo alcance e situações de intervenção mais específicas a certos grupos
de indivíduos caracterizam a prevenção primária, cujo objetivo é a eliminação ou redução
dos fatores sociais, culturais e ambientais que favorecem o abuso (Wolfe, 1998).
Conforme Benetti (2002), o relatório da ISPCAN {International Society for Prevention
ofChild Abuse and Neglect- Sociedade Internacional para Prevenção de Abuso Infantil e
Negligência) de 2000 detectou, após pesquisa em 37 países, que as estratégias consideradas
mais efetivas na prevenção de maus-tratos e abuso foram as intervenções educativas.
Abordagens preventivas de larga escala que ensinam às crianças as habilidades necessárias
para resistir a agressores têm o potencial de alcançar muitas crianças e possibilitar a redução
da tendência ao abuso (Wurtele, 1987). Crianças que participaram de programas de prevenção
formais mostram conhecimento mais acurado sobre conceitos de prevenção de abuso sexual
e tendem a aceitar menos convites de estranhos do que crianças que não receberam este
treinamento (Leventhal, 1987; Gibson e Leitenberg, 2000).
Em um trabalho sobre ética na prevenção primária, Trickett e Levin (1990), afirmaram
que a prevenção primária deve ser direcionada por valores sociais da comunidade onde será
realizada. Os pais podem assumir uma variedade de papéis que aumentam a sensibilidade do
pesquisador para potenciais questões éticas, promovendo um fórum para sua resolução. Em
um programa de prevenção para crianças em ambiente escolar, levantamentos preliminares
nas comunidades nas quais o programa será realizado podem garantir a adequação das
intervenções ao repertório dos participantes. De acordo com Lisboa e Koller (2002- p.206), na
avaliação e discussão de um processo de pesquisa, intervenção ou programa educativo, "o

410 Mitri.i ilii C/r.ivu Sdlil.mfni P.uiilli.t, I úci.i C.Witlamti de Albuquerque Willicim*
profissional não deve apenas relatar os resultados, levantamentos e números à comunidade,
mas interagir com esta, proporcionando momentos de reflexões, questionamento e discussões,
a fim de explicar e entender os seus achados e articulá-los para futuras aplicações práticas
que promovam a proteção das pessoas e o desenvolvimento adaptado."
Segundo Gordon e Schroeder (1995 - p. 17), os pais apresentam diversas desculpas
para não falarem sobre abuso sexual com seus filhos. As mais comuns são: "o assunto é
muito difícil para discutir"; "os tópicos podem amedrontar as crianças"; "a criança ó muito
jovem para esta discussão" ou ainda "a necessidade desta discussão não ocorreu aos pais".
É importante detectar o conhecimento que os pais têm acerca do abuso sexual
infantil, para que possam aprimorar suas habilidades de proteger seus filhos, e maximizar
as habilidades pessoais de segurança das crianças, seja orientando-as, seja oportunizando
sua participação em programas de prevenção primária.
O estudo relatado a seguir teve como objetivos verificar o conhecimento de pais
de uma comunidade carente acerca de abuso sexual e verificar sua opinião sobre questões
pertinentes a esse assunto, para posterior aplicação de um programa de prevenção.

Método
Os participantes foram 63 pessoas residentes em uma comunidade da região
metropolitana de Curitiba-Pr, da qual emergem com freqüência denúncias de maus-tratos
e abuso sexual feitas ao Conselho Tutelar da região. Entre os participantes, 82,5% eram
mulheres e 17,5% homens, com idade média de 38 anos, renda familiar média de 633,00
reais e a maioria com escolaridade de primeiro grau (73%). Os participantes foram sorteados
entre pais de alunos de uma escola local de primeiro grau, na qual foi posteriormente
realizado um programa de prevenção primária de abuso sexual.
Utilizou-se um questionário com 40 afirmações (alternativas: concordo totalmente,
concordo em parte, não sei, discordo em parte, discordo totalmente), abordando os seguintes
temas: características do abuso sexual, causas, conseqüências para a criança, informação
para crianças e pais, características do agressor, punição ao agressor. Os participantes foram
convidados a comparecerem locais previamente determinados, escolhidos pela Direção da
escola, segundo sua proximidade com as residências dos participantes. Os aplicadores do
questionário, que foram a primeira autora e oito alunos de graduação em Psicologia, reuniram-
se com os participantes nesses locais, em horários previamente determinados. A aplicação foi
feita individualmente porém simultaneamente nos locais citados acima, na forma de sessões
de aplicação que duraram aproximadamente uma hora cada. Os aplicadores leram as questões
para cada participante e anotaram as alternativas escolhidas (alguns dos participantes eram
analfabetos). Após cada sessão, os participantes foram convidados para uma confraternização,
que consistiu em reuniões com lanches fornecidos pela equipe de aplicadores.

Resultados e Discussão
A análise a respeito de conhecimento e opiniões dos participantes acerca de
abuso sexual foi realizada agrupando-se as questões do questionário referentes a cada
um dos seis temas abordados.
Na Tabela I são mostrados os resultados sobre o conhecimento dos participantes
em relação às características do abuso sexual. Os resultados de duas questões chamam
a atenção: o abuso sexual envolve contato físico (58,7%) e o abuso sexual é praticado
com violência física (65,1%). De acordo com a literatura, há comportamentos considerados

Sobre (_'ompor1<»nn*nto e ( , 'o r h i v 'J o 411


abusivos, como expor a criança a ver situações de conteúdo sexual, que não implicam em
contato físico. Da mesma forma, o abuso sexual pode ser praticado sem violência física,
com o uso da sedução por parte do adulto (Williams, 2002). Nas demais questões, os
participantes responderam de maneira correta, na sua maioria.

Tabela I. Porcentagem de concordância em questões relativas a características de abuso sexual.


Questõea _____ %
Pessoas dosconhecidas praticam abuso 19
Envolve contato físico 58,7
Praticado com violência física 65,1
Mos»i nr filmes pornográficos 6 abuso 87,3
Podo ocorrer dentro da familia 94,8
Passar a mão á abuso 95,2
Criança não consegue se defender 96,8
0 abuso ocorrt* em qualquer classe social 96,8
Apenas meninas sAo vitimas 25,4

As questões sobre causas de abuso sexual apresentadas na Tabela II foram também


respondidas corretamente pela maioria dos participantes, à exceção de duas: "roupas curtas
podem causar abuso" (65,1 %) e "o agressor usa drogas ou álcool" (58,7%). Esses resultados
podem indicar que os participantes desconhecem que o abuso sexual é um fenômeno multi-
determinado, e atribuem suas causas a variáveis que culpabilizam erroneamente a criança
ou ao uso do álcool ou drogas. De fato, o senso comum vai na direção da simplificação de
eventos complexos como o abuso sexual. A literatura, entretanto, aponta o uso do álcool
como um fator pré-disponente a dominar as inibições internas do agressor, mas somente se
combinado a outros fatores considerados pré-disponentes (Finkelhor, 1984).

Tabela II. Porcentagem de concordância em questões relativas a causas de abuso sexual.


Quesitos_______________________________________ I %
O agrewor usa mentiras 95,3
A criança ó abusada porque quer 12,7
Roupas curtas podem causar abuso 65,1
Ocorre dentro da iamllla porque mâe nào percebe 71,5
Pobreza e desemprego causam abuso 20,6
O agressor usa drogas ou álcool 58,7

Na Tabela III são apresentados os resultados das questões sobre conseqüências


de abuso sexual, das quais os participantes parecem ter mais conhecimento, pois a
maioria respondeu corretamente a todas as questões.

Tabela III. Porcentagem de concordância em questões relativas a conseqüências de abuso


sexual.
Questões____________________________________ |~%
A criança poderia ficar traumatizada para a vida toda 92
O abuso praticado por pessoas da família ê mais grave 85,7
A criança abusada pela famflia pode fugir de casa 85,7
A vitima sente vergonha e culpa 92
A vitima pode entrar para a prostituição mais tarde 66,7
A vitima pode apresentar comportamentos sexualizados 71,4

Já a Tabela IV ilustra questões nas quais os participantes puderam expressar sua


opinião a respeito de educação sobre o abuso sexual. Note-se que quase a totalidade deles
concordou que as crianças deveriam ser educadas a respeito do abuso tanto pelos pais
(95,2%) quanto pela escola (96,8%) e que os adultos deveriam conversar mais sobre o assunto

412 M iiri.i <!<■ C/r.iç.i S<il<lanh.i [\idilh.i, Lúci«i L'.iv.ilc.tnli de Albuquerque W illi<nm
(96,8%). Adicionalmente, a maioria náo considerou que falar sobro abuso com a criança
poderia aumentar sua curiosidade, no sentido de fazê-la expor-se a situações de risco (25,4%).

Tabela IV. Porcentagem de concordância em questões relativas à educação sobre abuso sexual.

Questões T%
Falar sobre abuso aumenta a curiosidade da criança 25,4
As pessoas nâo tôm informação sobre abuso 46
As crianças deveriam ser informadas pelos pais 95,2
As crianças deveriam ser informadas pela escola 96,8
Os adultos deveriam conversar mais sobre o assunto 96,8

As questões exemplificadas na Tabela V indicam o conhecimento dos participantes


sobre características dos agressores sexuais. Chama a atenção que quase a metade deles
(44,4%) considera que apenas homens praticam abuso sexual. Este dado é relevante por
indicar que os pais poderiam, em tese, expor seus filhos a serem abusados por agressores
do sexo feminino, não considerando que esta seria uma situação de risco. De acordo com
Parynik (1995), as agressões sexuais de mulheres contra crianças podem chegar a 40% do
total de agressões sexuais. Ramsey-Klawsnik (1990) relataram que, em 37% dos meninos
de uma amostra de crianças abusadas, o abuso foi cometido por mulheres.

Tabela V. Porcentagem de concordância em questões relativas a características do agressor.

Questões [%
Apenas homens praticam 44,4
Pode ter qualquer escolaridade 87,3
Pode ter sido vitima de abuso 49,2
Nào tem caráter 96,8
Deve ser denunciado 98,4
Nunca é condenado 55,6
Deveria fazer tratamento psicológico 84,2
A Tabela VI contém, finalmente, questões que permitem conhecer a opinião dos
participantes, a respeito da punição ao agressor. A grande maioria (87,3%) sabia que
abuso sexual é crime, pouco mais da metade (58,7%) opinou que as pessoas denunciam
os casos de que tomam conhecimento, mas quase a totalidade opinou que os que não
denunciam não o fazem porque têm medo de ameaças ou de vingança (90,4%). Uma
pequena parte (22,3%) achou que a comunidade deveria fazer justiça com as próprias
mãos, dado que somado ao da Tabela V - o agressor nunca ó condenado (55,6%)- pode
apontar para a incredulidade dos participantes no sistema judicial brasileiro quanto à
impunidade de tal crime.

Tabela VI. Porcentagem de concordância em questões relativas à punição ao agressor.

Questões ["%
Abuso sexual ó crime na lei brasileira 87,3
As pessoas denunciam casos 58,7
As pessoas nâo denunciam porque tômmodo deameaças ou 90,4
de vingança
A comunidade deveria fazer justiça com asprópriasmáos 22,3

Sobre C om porLim cnlo c C o ^ n l^ o 413


Conclusão
Considerando que a maior parte das denúncias de abuso sexual ocorrem na camada
economicamente menos favorecida da população, foi gratificante constatar por meio dessa
pesquisa que a população participante apresenta conhecimento sobre abuso sexual de
crianças. No entanto, seu repertório para ensinar aos filhos como se protegerem parece
ser limitado, visto que comportamentos como a culpabilização das vítimas podem ocorrer.
Os resultados mostraram a possibilidade de adesão dos pais desta comunidade a programas
de prevenção primária de abuso sexual realizados com os filhos na escola e a necessidade
de orientação aos pais como parte destes programas. A escola foi apontada como
fornecedora de informações sobre abuso, o que abre as portas para programas de prevenção
realizados na escola.
O trabalho direcionado ao abuso sexual infantil pode ir além das intervenções
curativas, que minimizam as possíveis seqüelas psicológicas. A prevenção primária desta
forma de abuso ó um campo pouco explorado e exige dos pesquisadores um olhar sobre
o fenômeno que vai além da disseminação de informações. Como afirmaram Trickett e
Levin (1990), a sensibilidade do pesquisador para questões óticas relacionadas à prevenção
pode ser aumentada se este interagir com a comunidade em que a intervenção será
realizada. Os levantamentos preliminares sobre conhecimento e opiniões podem ajudá-lo
a adequar a intervenção ao repertório dos participantes.

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Sobrc C'omporldmento c CognlçJo 415


Capítulo 37

Estudar: Como Ensinar?


tstcr Rodrifjuvs

Na análise do comportamento aplicada à educação tornou-se lugar comum afirmar


que educar é estabelecer comportamentos vantajosos para o indivíduo e o grupo em
tempo futuro, destinando-se à sobrevivência do grupo e da cultura. Para MOROZ (1993) a
finalidade última da educação, para Skinner, seria formar o aluno para o autogoverno
intelectual. A Escola também tem como função, além de ensinar conteúdos propriamente
ditos, ensinar comportamentos precorrentes que afetem o próprio comportamento, como
ensinar a pensar, manipulando variáveis que ensinam o pensar.
Trata-se de um processo que acontece no presente visando o futuro, não destina-
se somente à manutenção do status quo (ou das coisas como elas são) mas também
fornece subsídios para a transformação da realidade. A escola é o local social onde há
aprendizagem formal com ensino planejado.
Como comportamento vantajoso para o indivíduo e sua sobrevivência, bem como,
para a sobrevivência da sociedade/grupo cultural em que o indivíduo se encontra e também
como comportamento precorrente para outros comportamentos (tal como, pensar) encontra-
se o comportamento de estudar.
Para Skinner (1972) “Ensinar pode ser definido como o dispor contingências de
reforçamento sob as quais o comportamento muda" (p. 108). O ensino tem como meta
levar o aluno a ser controlado por suas ações sem interferência direta do professor e/ou de

E.mail para contato: marlaostpr99(ffiuol.com.br Professora Assistente da UNIOESTE PR e Doutoranda em Psicologia


da educação pela PUC SP, sob orientação da Profa Dra Melanla Moroz. Trabalho apresentado no XVIII ENCONTRO
NACIONAL DAABPMC e II ENCONTRO ABA INTERNATIONAL, na mesa redonda Intitulada: Contribuições convergentes
da Análise do Comportamento na Educação, sob coordenação da Profossora Dra. Fátima Regina Pires de Assis,

416 M tiriti hstcr Rodrigues


conseqüências arbitrárias. O critério de eficiência do ensino, portanto, é a ocorrência do
comportamento em questão em outra ocasião, sem a presença dos agentes de ensino
(professores e outros agentes, escola de modo geral com ênfase para o professor). A
aprendizagem sem o ensino pode ocorrer, porém, com dificuldades adicionais, ou mesmo,
no limite, é provável que não ocorra. Ensinar é facilitar a aprendizagem, planejando o mais
eficientemente possível, contingências de aprendizagem.
Aprender envolve desenvolver comportamentos não existentes, manter os
existentes, diferenciar e refinar comportamentos, emitindo-os em diferentes condições ou
emitindo comportamentos que produzem conseqüências diferentes.
O não aprendizado, respeitadas as condições de boa saúde física e ausência de
problemas emocionais graves, indica, quase sempre, problemas de ensino e de seus
procedimentos e não problemas referentes ao aluno. O ensino deve valorizar diferenças de
história de vida e até possíveis diferenças genéticas (no ensino especial isso é evidente),
porque a variabilidade de comportamentos entre indivíduos da mesma espécie é fundamental
(não somos e não precisamos ser padronizadamente iguais e é desejável que não sejamos).
Resumindo, ensinar implica em aprendizagem e, portanto, envolve planejamento da
aprendizagem, bem como, da manutenção e generalização dos comportamentos aprendidos.
O planejamento do ensino visa estabelecer no aluno um novo fazer ou um fazer diferente do
que ele já faz. A escola é o local, por excelência, do ensino formal e planejado. O planejamento
ou a organização de atividades programadas visando ensino e aprendizagem é responsabilidade
da escola e, dentro da escola, mais diretamente, do (s) professor (es).
Dentre as funções do professor estão a explicitação de objetivos em termos
comportamentais; o planejamento e execução de procedimentos de ensino; a avaliação dos
processos de ensino-aprendizagem (avaliar o plano, o repertório do aluno e a atuação de si
próprio - do professor-); o replanejamento, se necessário e a partir da avaliação constante e,
por último, mas não menos importante, a utilização de contingências reforçadoras positivas
ao invés de punitivas. Para a execução de tais funções o professor deve ficar atento para o
comportamento do aluno, estando sob controle do mesmo (Zanotto, 1997).
O planejamento do ensino é parte especial das funções do professor e dos agentes
educativos, de modo geral. A ação dos mesmos deve ser planejada, com definição prévia
de comportamento (s) a ser (em) estabelecido (s) ou de quais mudanças são relevantes,
de procedimentos a serem utilizados e de condições ambientais necessárias.
A ação planejada deve considerar o repertório e ritmo de cada aluno e o emprego
de reforçadores adequados, ou seja, o planejamento adequado requer conhecer quem é o
aluno, para selecionar o que fazer. Planejar condições necessárias para uma aprendizagem
mais ágil e mais eficiente do aluno, utilizando-se de contingências reforçadoras para tal,
possibilita a avaliação do ensinar. O planejamento é flexível, servindo às novas propostas
que se fizerem necessárias ou ao replanejamento.
É importante que os objetivos sejam expressos em termos de ações ou
comportamentos e não de conteúdos, para que se possa definir com mais clareza o que
ensinar e o que avaliar mais tarde. Para o correto e eficiente estabelecimento de objetivos há
que se identificar o que já existe no repertório do (s) aluno (s), se os pré-requisitos já existem
(embora exista muita controvérsia acerca do que é pré-requisito para as mais diversas habilidades)
e dos comportamentos precorrentes para a tarefa. Em outras palavras, deve-se conhecer
quem é o aluno e as habilidades que já possui, entre elas as necessárias para o ensino de
novas habilidades. A partir daí segue-se o planejamento sistemático das situações de ensino
antecedentes e conseqüentes a cada nível de comportamento que se deseja instalar.

Sobre C om porldm cnlo c foflnivA o 417


Inúmeras escolas e famílias têm como questão o como ensinar a estudar, ou
como garantir que seus alunos e filhos desenvolvam a classe de comportamentos que
pode ser considerada precorrente - o estudar - para o desenvolvimento de quaisquer
outras habilidades escolares. Muitos psicólogos são solicitados a auxiliar escolas,
profissionais e famílias nessa questão. O conjunto de orientações a serem dadas à família
e à escola difere em alguns aspectos e é desejável que pais e professores, entre outros
agentes educacionais, tenham uma ação conjunta nesse caso, ou seja, que estejam
engajados na tarefa de propiciar condições para que o comportamento de estudar ocorra
e seja reforçado, mas essa não ó, por inúmeras razões, a maior parte da realidade escolar,
o que traz para a escola a responsabilidade de garantir que o aluno aprenda no ambiente
escolar a adquirir habilidades básicas de estudo e a interferir minimante no seu ambiente
doméstico para que isso ocorra do modo mais eficiente possível.
Vários autores são unânimes em dizer que estudar é um comportamento (ou uma
habilidade, a depender do referencial teórico de cada um), e como todo comportamento
trata-se de uma classe de respostas que incluem várias topografias, todas passíveis de
serem ensinadas. CORTEGOSO e BOTOMÉ (2002) definem estudar como:

"Um comportamento que, entendido como um conjunto do ações do um indivíduo


ao lidar com suas lacunas de conhecimento identificadas e de conhecimento
disponível nas mais diferentes formas, que levem à suprir tais lacunas (de
preferência gorando à identificação de outras, mais comploxas o oxigontos),
permanece como fundamental mesmo depois de os indivíduos deixarem os
bancos escolares - ou talvez principalmente quando isso ocorro.

Estudar, compreendido como uma relação especifica entre a ação de uma pessoa
e seu ambiente, constituiu uma classe de comportamentos. Como tal, está sujeita
às mesmas leis e princípios que regem condutas humanas, e tão passível de
investigação quanto quaisquer outros comportamentos específicos tomados com
objotos da Ciência". (Cortegoso e Botome, 2002, p. 50 e 51)
Os autores também discorrem sobre a relevância de estudar como objetivo
educacional e sua inclusão nas práticas do cotidiano escolar:

“Em uma sociedade a cada dia mais exigente em relação á produção e uso do
conhecimento, muitas são as dificuldades, nos âmbitos acadêmico, profissional
e social do um modo geral, que decorrem de ausência ou insuficiência de um
roportório de comportamentos que, não sondo dirotamonte ensinado pela oscola
ó, no entanto, crucial para atonder às domandas dessa agência: o de estudar".
(Cortegoso e Botome, 2002, p. 50)

Obviamente, não há “receita pronta” para o ensino de comportamentos de estudo,


mas é possível uma compreensão razoável dos fenômenos envolvidos com a aprendizagem
do comportamento de estudar. Também é possível falar em algumas orientações gerais ou
dicas que podem auxiliar a escola, a família e o aluno a promover hábitos de estudo,
necessários, principalmente, a partir da 5" série do ensino fundamental, onde a organização
das disciplinas e a forma de ensino modifica-se substancialmente. Esse hábito deve se
manter para além do término da vida acadêmica.
Dentro dessa concepção de estudo como comportamento necessário, relevante e
passível de ser ensinado, não se espera que o aluno desenvolva comportamentos e rotinas
de estudo por conta própria e sim, toma-se para a escola e para o professor a tarefa de

4 1 8 M .iri.i I sfcr liodrifltie*


implementá-los em consonância com os seus objetivos educacionais e como mais um
objetivo educacional a ser atingido. Em nossa cultura geral e educacional mais ampla ó
comum que as inabilidades, fracassos ou problemas de aprendizagem do aluno sejam
concebidos, mesmo pelos professores, como um problema afeto ao indivíduo ou aluno ou,
ainda à sua família (fatores individuais e familiares).
Entre os fatores individuais comumente apontados como causadores de problemas
de aprendizagem estão a ausência de habilidades pré-requisitos ou déficitsem repertórios
ou comportamentos dos alunos. Caso estes de fato existam, devem ser superados pela
escola incluindo atividades que favoreçam sua aquisição. Poucas vezes anallsa-se clara e
suficientemente os fatores intra-escolares como falhas no curriculum ou em procedimentos
de ensino. Os fatores intra-escolares, longe de traduzirem uma falha do sujeito que aprende,
constituem-se em condições antecedentes desfavorecedoras ou como condições de ensino
inapropriadas ás características de um aluno (condições de estimulo antecedentes),
maximizando a permanência de eventuais lacunas ou déficits no repertório do mesmo ou
criando dificuldades antes não existentes, bem como, condições antecedentes favorecedoras,
ou condições de ensino adequadas que podem minimizar ou superar tais lacunas.
As condições de ensino antecedentes, obviamente, relacionam-se com as
condições conseqüentes ou de reforçamento, que podem aumentar ou diminuir a
probabilidade de que os problemas de aprendizagem se mantenham ou voltem a ocorrer.
Para Hübner (1999), ao contrário dos problemas de aprendizagem, os problemas
de estudo têm características e fatores determinantes quase sempre relacionados às
condições de estímulos diante das quais o problema ocorre e às condições conseqüentes
que o seguem. Alunos com problemas de estudo seriam aqueles alunos que tem todos os
pré-requísitos e habilidades para "ir bem na escola" mas que, ainda assim, obtém notas
ou conceitos abaixo do esperado. Problemas de estudo estão diretamente relacionados
com o que ocorre na escola, que oferece condições de aquisição de habilidades a serem
generalizadas para outras situações, mas também está diretamente relacionado com o
que ocorre extraclasse, em momentos de fixar conteúdos trabalhados em aula, ou ao
comportamento de estudar propriamente dito. Ocorrem mais freqüentemente, conforme
já mencionado, após a 4" série do ensino fundamental quando o volume de matéria e
número de disciplinas requer uma atuação do aluno complementar a sala de aula.
Esse conjunto de "variáveis domésticas" não anula, por assim dizer, o conjunto de
variáveis proveniente da escola e o papel do professor no estabelecimento do comportamento
de estudar. Esses diferentes conjuntos de variáveis afetando o desempenho escolar do
aluno apenas confirma que estudar, como qualquer outro comportamento, é multideterminado.
Hübner (1999) analisa a participação dos pais e da família como um dos determinantes
que minimizam os problemas de estudo e as características de diferentes tipos de família em
termos de efeitos sobre o comportamento de estudar dos filhos. A análise foi feita num trabalho
de 17 anos de consultório, atendendo cerca de 300 famílias com queixas relativas ao
desempenho escolar dos filhos. Já Assis (1986) e Cortegoso e Botome (2002) detém-se mais
nos aspectos referentes ao professor e à escola, embora Assis também enfatize que diferenças
no ambiente doméstico, principalmente quanto à supervisão parental, funcionam como variáveis
que interferem na elaboração das lições de casa e do estudo fora do ambiente escolar.
Quais seriam, então, os pré-requisitos do comportamento de estudar? Até o presente
momento poderíamos afirmar que se referem à inclusão de estudar como objetivo educacional
pela escola e o planejamento de seu ensino como parte do currículo, condições emocionais

So b re ComfKirUmcnlo c Cofínlçào 419


e de saúde do aluno adequadas e uma desejável parceria entre escola e família na
implementação de comportamentos de estudo fora do ambiente escolar. Há autores (dentro
e fora da abordagem) que discorrem bastante detalhadamente sobre fatores envolvidos no
estudar (incluindo familiares e da escola), bem como métodos e técnicas para seu
favorecimento (ASSIS, 1986; MATOS, 1994; HÜBNER, 1999; SILVAe SÁ, 1997; SERAFINI,
1991 entre outros).
Conforme já mencionado, não é possível identificar os passos necessários à
implementação do comportamento de estudo em forma de receita, uma vez que existem
inúmeras variáveis envolvidas e sua direção ou confluência de ação ó quase impossível de
ser determinada. Isso ocorre na maior parte das intervenções sobre os comportamentos
que se dão em situações altamente complexas como os ambientes naturais e não
controlados. Mas a literatura mostra que existem algumas variáveis em conjunto (ou
“'pacotes” de variáveis) freqüentemente produzindo bons resultados e que, portanto, podem
ser sinalizadoras de ações a serem seguidas pelos interessados. Isso é definido por
CORTEGOSO e BOTOMÉ na citação a seguir:

"A Psicologia (e a Análise Experimontal do Comportamonto om particular) tem


produzido conhecimento considerável sobre relações entre aspectos do ambionto
o propriedades de comportamentos humanos, tanto a partir de pesquisa com
organismos infra-humanos, em laboratórios, ou em situações naturais e
complexas. Nas primeiras, em geral, são maiores as possibilidades de identificar
e investigar relações comportamentais que envolvem dimensões especificas e
sutis do ambiente e propriedades também específicas e sutis de condutas
envolvidas (Catania, 1980; Catania, Ono & Souza, 2000). Já em situações naturais
e complexas, com freqüência, tem sido possível identificar e examinar apenas ou
preponderamente a influência de pacotes de variáveis sobre propriedades mais
gerais da conduta humana. A dificuldade de ‘isolar’ e mensurar, om nívois crescentes
de precisão, em especial as propriedades da conduta humana ocorrendo em
situações comploxas tais como as que caracterizam situações de ensino, não tom
sido pequena, e requer superação." (Cortegoso o Botome, 2002, p.51)
No que compete especificamente à escola vale dizer que o comportamento de
estudar deve ser implementado como qualquer outro comportamento ou atividade acadêmica
enfatizando-se as condições antecedentes e conseqüentes adequadas à sua
implementação. Tendo em vista o objetivo: ensinar a estudar, traça-se a estratégia que
inclui, segundo Assis (1986) instruções claras e precisas sobre o que o aluno deve executar
em casa e o prover conseqüências para a realização da mesma. Ensinar o aluno a organizar
o seu ambiente, dentro de suas limitações e possibilidades, da melhor maneira possível,
também é tarefa da escola. O aluno pode e deve, com a colaboração da família, sempre
que possível; ser ensinado a estudar em casa, a se programar, a se organizar e a organizar
o seu ambiente, a interferir na rotina familiar de modo a prover melhores condições de
estudo, desenvolvendo um comportamento precorrente fundamental que é o de estudo e,
também, a autonomia como objetivos educacionais concomitantes.
Se o desenvolvimento e a aprendizagem de qualquer comportamento são passíveis
de ensino planejado perguntamo-nos o que deve incluir o planejamento do ensino do
comportamento de estudar. As rotinas e as normas de estudo em sala de aula podem ser
generalizadas para a casa do aluno ou para o estudo na biblioteca ou qualquer outro ambiente
físico. O comportamento do professor e situações que ele cria (tanto individuais como grupais)
podem funcionar como modelo para o aluno utilizar em seu programa de estudos fora da

4 2 0 M .iri.» f sler Rodrigues


escola. A apropriação dessas normas exige trabalho e persistência do professor, sobretudo
nos primeiros meses de aula. O autocontrole e a autonomia do aluno também podem ser
ensinados diretamente planejando antecedentes para que o comportamento ocorra fora da
escola: planejamento e organização do estudo (horários de estudo e estabelecimento de
objetivos específicos); controle de estímulos concorrentes (identificação de estímulos
presentes no local de estudo que dificultem a concentração do estudante, com a descrição
pelo estudante do local e do que costuma fazer enquanto estuda - TV, rádio, celular, pager
etc.) e reorganização do focal de estudo (preferencialmente específico para estudar, confortável
na medida do possível, e com boa iluminação, com presença de todo o material necessário
no local para evitar interrupções e evitando ser interrompido por outras pessoas); estratégias
facilitadoras etc. (Silva e Sá, 1997 e Hubner, 1999).
Além do planejamento de condições antecedentes não se pode descuidar das
conseqüências oferecidas. As mais detalhadas e claras instruções sobre como estudar e o
melhor planejamento de estudo podem não surtir efeito ou o comportamento do aluno pode
entrar "em extinção" caso o planejamento de eventos conseqüentes para a lição de casa
trazida para a escola não seja levado a efeito. Nesse sentido, a lição de casa é um pré-
requisito para discussão inicial em classe e integrada ao planejamento e cotidiano escolares.
O aluno com "desmotivação" para o estudo, freqüentemente, não foi ensinado a
dedicar ao estudo tempo suficiente e desconhece estratégias de aprendizagem que o
facilitem. Há uma falta de noção de planejamento e organização de estudos em casa.
Muitos alunos só estudam as disciplinas que gostam e, muito freqüentemente, na véspera
das provas. Uma crença muito comum entre estudantes é que "basta assistir as aulas para
saber a matéria e que não é necessário estudar em casa". Muitas escolas também solicitam
lições de casa que não são "corrigidas" ou aproveitadas pedagogicamente em sala de aula,
não provendo as conseqüências necessárias para o fortalecimento do comportamento de
realizá-las. Em face desse estado de coisas é possível afirmar que muitos "problemas de
aprendizagem" ou “de estudo" podem ser explicados pek) não ensino direto de comportamentos
de estudo e pela inexistência de hábitos de trabalho que favoreçam a aprendizagem.
Desta forma, é importante, por exemplo, que o professor tenha certeza que os
alunos saibam ler e compreender um texto (entre outras coisas), e conheçam estratégias
de autocontrole como a organização de seus horários e métodos de estudo. Entre as
estratégias ensinadas em sala de aula que servirão como modelo para o aluno em casa
encontram-se, habilidades de leitura (Silva e Sá, 1997): 1. compreensão da leitura:
identificando as idéias principais, organizando-as e relacionando-as com outras anteriores;
2. parafrasear um texto ou dizer com as suas próprias paíavras as idéias contidas no
mesmo; 3. resumir ou sintetizar um texto ou vários deles, selecionando as idéias principais,
hierarquizando as informações e transmitindO'as de forma "econômica".
Outras orientações úteis são: Estabelecer objetivos específicos e realistas para
cada período de estudo, de acordo com as avaliações e trabalhos da semana. Levar em
conta as necessidades e dificuldades pessoais (dedicar mais tempo a disciplinas em que
tem maior dificuldade) e prever tempo para revisar as matérias antes das avaliações.
Ensinar o aluno a organizar o estudo, prevendo as atividades diárias (trabalhos de casa,
rever a matéria das aulas, preparar pontos específicos), a dimensão exata do que se deve
estudar (número de páginas a estudar, quantas lições rever, quantos exercícios resolver),
por onde começar (começar pelo que agrada menos) e a avaliar o cumprimento de objetivos
(estou trabalhando bem ou é melhor rever os meus planos?) (Silva e Sá, 1997).

Sobre 1'omportiimcnto e Co^nlç.lo


Ainda sobre os pacotes de variáveis que atuam sobre as condições conseqüentes
ao comportamento de estudar estão o tipo de conseqüência reforçadora utilizada. O sistema
aversivo é pouco indicado (trata-se de uma orientação da Psicologia, comum para quase
todas as abordagens) e tanto a literatura básica como a aplicada são pródigas em fornecer
anti-recomendações à sua utilização. Nas escolas costuma-se incluir a apresentação de
conseqüências desagradáveis para o aluno, ou retirada de conseqüências agradáveis
contingentes ao não estudo. O uso extensivo de tais práticas apresenta “efeitos colaterais”
como supressão de respostas; aparecimento de respostas emocionais de ansiedade e
medo; respostas de fuga; respostas de esquiva (lentidão, adjuntivos, procrastinação,
automatismos) e autoconhecimento deficiente (Hübner, 1999).
Nesse momento caberia perguntar: porque estudar pode ser pouco gratificante
quando poderia e deveria ser o contrário? Parte da resposta são as contingências aversivas
que povoam o mundo escolar. Há variáveis que influenciam e/ou produzem o ‘‘não gostar" de
estudar. Para Cortegoso e Botome (2002) estão relacionadas a histórias escolares de
insucesso repetido, ausência de ensino específico de comportamentos relevantes para o
que ó chamado de estudar, irrelevância do que é ensinado na escola, ausência ou insuficiência
de utilização, pelos educadores, do conhecimento existente sobre o comportamento humano.
O uso de conseqüências positivas, aliado ao combinado claro de limites e uma
disposição dos professores para serem “dicas eficientes" e modeladores dos conteúdos
escolares são as melhores opções. Elogios sinceros, graduais, imediatos, relacionados a
ações e não a traços fatalistas de "personalidade", esvanecidos e contextualizados são
facetas de interações pró-saber para Hübner(1999), ou seja, de estabelecimento de
conseqüências dentro de contingências que aumentam a probabilidade do comportamento
de estudar, ao invés de eliminá-lo ou reduzi-lo ao mínimo desejável.
Os dados até agora apresentados sobre o papel da oscola e dos agentes educativos
na promoção de agentes educativos são sustentados empiricamente pela pesquisa de
Cortegoso e Botome (2002). Conforme já mencionado cabe à escola e aos agentes educativos
que nela se encontram a tarefa primeira de proporcionar condições para a aprendizagem
dos alunos, dispondo condições antecedentes e dispensando conseqüências, no que se
refere a qualquer tipo de comportamento. Os autores apresentam uma análise do
comportamento de agentes educativos responsáveis pela promoção de comportamentos de
estudar em crianças e jovens. Conforme já mencionado, pouco se sabe além de "pacotes
de variáveis" a respeito de propriedades muito específicas da conduta de um educador em
correlação com aspectos do desenvolvimento infantil, por exemplo. Os autores salientam
que há muito a conhecer sobre propriedades sutis e específicas de eventos e comportamentos
de professores na relação complexa com eventos comportamentais igualmente complexos
relacionados com situações de ensino e aprendizagem, embora os efeitos gerais sejam
muito conhecidos. O estudo dos autores propõe-se a superar parcialmente a lacuna.

"No preparo e na formação de oducadoros, tem sido insuficiente levar em


consideração aponas classes amplas de comportamentos já identificadas como
rolevantes para promovor aprendizagem. Um exemplo dessa insuficiência se roforo
ao papel das conseqüências (possibilitadas ou providonciadas polo oducador) para
a aprendizagom (do aluno). Embora os ofeitos gerais sejam muito conhecidos,
pouco se sabe sobro propriedades específicas da conduta do um oducador
(freqüência, topografia, latôncia etc. o os valores que tais variáveis assumem) que
podem ser roquoridas para uma adequada aplicação do princípio do reforço em
situaçóes de ensino. Matos (1983), examinando estudos no âmbito de

42« M iiri.i I stcr Kotirifturs


dosonvolvimento infantil, enfatiza a necessidado de que investigações sobro osses
fenômenos avancem para além do exame do pacotes do variáveis e do mero
estabelecimento de correlações ontre eventos ambientais o aspectos do
desenvolvimento infantil. Para a autora, a utilização do rótulos em substituição á
indicação precisa de variávois e relações entre variáveis comprometo tanto a
possibilidade do compreensão de fenômenos envolvidos quanto a de inlorvonçào
sobro situações nas quais estão prosentes. O mesmo tipo do consideração parece
aplicávol a pelo monos parte do conhocimento que ó produzido sobre condições do
ensino, em quo pacotes do variáveis geralmente são correlacionados a resultados
obtidos em termos do aprendizagem, sem que seja possivol idontificar quo aspectos
ostão efetivamente relacionados a tais resultados. Atualmente, já há conhecimento
suficiente sobre conduta humana para afirmar que rolaçõos comportamontais
complexas e relevantes são ostabelocidas entro propriedades, muitas vezos sutis,
do eventos ambientais o do comportamontos dos diforentes agentes envolvidos em
situações de ensino e aprendizagem (Cortegoso o Botome, 2002).
Algumas das perguntas que orientaram o estudo de Cortegoso e Botome (2002)
foram: Como ensinar a estudar de forma eficaz, autônoma e gratificante? O que é necessário
que uma criança aprenda a fazer, para "saber estudar" e para “gostar de estudar"? Que
condições devem ser criadas para que essas aprendizagens ocorram e sejam mantidas?
Que comportamentos e que propriedades de comportamentos de agentes educativos são
relevantes nesse processo de ensinar a estudar? Que variáveis influem na probabilidade
de ocorrência e nas propriedades desses comportamentos? Os objetivos do estudo foram
a identificação e descrição de comportamentos de agentes educativos em situações de
orientação de estudos: identificação de variáveis relativas a esses comportamentos
identificados e valores assumidos por essas variáveis em situações específicas de orientação
de estudos: identificação e caracterização de ocorrências dos comportamentos
identificados para o repertório de agentes educativos e para os aprendizes, considerando
o comportamento de estudar.
Nào iremos nos ater aos dados específicos do estudo (que podem ser obtidos
pela consulta ao trabalho) mas a algumas conclusões possivelmente generalizáveis a
situações de ensino em geral.
Os comportamentos das agentes educacionais foi descrito e analisado de acordo
com os seguintes critérios: 1. Serem potencialmente favorecedores ou desfavorocedores
de aprendizagem; 2. Típicos no repertório da supervisora considerada ou indicativos de
variáveis possivelmente influentes sobre os comportamentos das agentes.
Descrições sucessivas dos comportamentos identificados foram realizadas, com
explicitação crescente das classes de respostas, condições diante das quais tais classes
de respostas ocorriam e resultados, efeitos, produtos ou conseqüências das ações
observadas, a partir de vários critérios, e reformuladas até serem consideradas relações
plausíveis entre propriedades de componentes dos comportamentos dos agentes educativos
e propriedades dos comportamentos das crianças e jovens que constituíram os objetivos
finais da atividade de acompanhamento de estudos.
Os padrões que produziram resultados menos vantajosos para a instalação do
comportamento de estudar foram os padrões que os pesquisadores denominaram:
governanta e fiscal, cujo resumo abaixo, indica conjuntos de atitudes a serem evitadas
como padrão freqüente (outros padrões podem existir como variação pessoal do agente
educativo em questão):

Solwi’ l'i)m porl,niK 'i)fo e C ohm IvAo 4 2 3


Padrão 1 (governanta) - Preponderaram interações pouco gratificantes ou não
gratificantes, com ênfase em desaprovações, indicação de erros cometidos e determinações
para refazer trabalhos insuficientes. Havia certo grau de autoritarismo e distância pessoal. Há
uma relação entre tal padrão e os padrões considerados coercitivos ou punitivos, que geram
subprodutos como fuga e esquiva, bem como, fortalecem o comportamento de seguir ordens
e instruções incompatível com a autonomia desejada e necessária em situações de estudo.
Pode-se dizer que havia nesse padrão uma supervalorização do erro em detrimento
da instalação de padrões alternativos aos inadequados ou do comentário sobre os acertos.
Os autores comentam que uma formação onde o comportamento de estudar é instalado e
mantido sob padrões aversivos pode acarretar prejuízo para o repertório de estudar a
médio e longo prazo, assim como para a formação do indivíduo em geral.
Padrão 2 (Fiscal) - A exemplo de governanta também apresentou um padrão de
classes de comportamento que se identificava mais provavelmente com interações de
propriedades aversivas em vez de gratificantes. Os autores avaliam o comportamento de
físcalcomo “autoritário" e guiado mais por regras do que por contingências que as regras
pretendem representar. Enfatizam também que as propriedades de intervenção aversiva
inibem alguns aspectos indesejáveis da conduta da criança mas não ensinam sobre como
estudar ou mesmo sobre como se relacionar com pessoas em geral em com a Fiscal em
particular. Comportamentos denominados “indisciplinados” são equiparados a outras formas
de “desistência" (comportamentos de fuga ou esquiva) em relação ao estudo como
conseqüências do uso de controle coercitivo em ambiente escolar.
Fiscal reagia às queixas dos alunos sobre a tarefa ou a comportamentos indesejáveis
sem analisar o contexto em que ocorriam ou o comportamento propriamente dito:
“Ao reagir às condutas de crianças não relacionadas ao estudo da maneira como
o fazia, Fiscal evidencia estar atenta apenas à ação da criança, e não ao seu
comportamento, compreendido como a relação entre o que ela faz e o ambiente em que o
faz. “Queixar-se do trabalho", “recusar-se a realizar uma tarefa", “protestar diante de uma
determinação de um adulto", não são comportamentos adequados ou inadequados em si
mesmos. Se a recusa ocorrer diante de uma tarefa absurda ou excessivamente difícil para
a criança, ou se ocorrer em uma condição em que outra atividade competitiva esteja
ocorrendo, ou ainda depois de tentativas mal-sucedidas de realizá-la, o mero empenho em
interromper o comportamento será apenas indicativo de limitação do agente educativo em
lidar com condutas humanas, que é exatamente sua função. Em cada um dos casos
acima, o agente estará diante de um comportamento diferente, já que são diferentes suas
funções. Um esforço por eliminá-los sem compreendê-los corresponde a "tratar de um
sintoma", enquanto as condições que os geram continuam a existir e até os tornam
adequados ou significativos". (Cortegoso e Botome, 2002 p. 61)
As classes de comportamento padrão que produziram os melhores resultados foram
os da agente denominada “analista" e o da agente denominada “companheira", embora, no
último caso houvesse também algumas atitudes a serem evitadas se emitidas com alta freqüência.
Padrão 3 (companheira) - No caso de "companheira", uma grande parte das classes
de comportamento poderia ser considerada como favorecedora de interações gratificantes
com as crianças, aumentando a probabilidade de que estudar também o seja. Atuar em
relação às dificuldades da criança ao estudar, ajudando-a, aumenta a probabilidade de
aprendizagens importantes para a criança ao estudar.

4 2 4 M .irl.i I sli*r RodrltfUfi


Padrão 4 (Analista) - As classes de comportamento da Analista são consideradas
pelos autores como representativas de formas alternativas de lidar com situações em
relação àquelas identificadas pelas outras agentes identificadas em sessões de estudo
analisadas, obtendo bons resultados em relação à aprendizagem e desempenho das
crianças no estudo conforme relatos das famílias e modificações observadas nos repertórios
de crianças com repertórios anteriormente incompatíveis com estudar em alta freqüência.
Ela não utilizava práticas coercitivas e apresentava uma classe de comportamentos
analisados pelos autores da seguinte forma:

... A “demora" da Analista para interferir sobre um comportamento que se desviava do


ostudo parece aumentar a probabilidade de duas ocorrências: a) a criança engajar-
se novamente em atividade de forma espontânea - caso a própria interrupção altere
a condição que levara à interrupção, o que pode ocorrer, por exemplo, logo após uma
pausa, ainda que breve, em situação de cansaço - ou b) a agente observar mais e
molbor o comportamento da criança. Tal providência poderia, assim, ampliar as
informações disponíveis para "avaliar" o comportamento apresentado pela criança
e, possivolmente, intervir melhor em relação a ele.

O modo como Analista costumava falar com as crianças, aproximando-se delas e


falando baixo, são fatores que devem contribuir para que não interfira de imodiato,
quando ocorre estar longe da criança: mantô-la sob observação enquanto não pode
chogar até ela. é um comportamento que provavelmento a auxilie para ampliar a
porcopçâo sobre o que está ocorrendo e detectar situações mais graves que exijam
intervenção imediata.

A maneira como Analista realizava a intervenção, nas vezes em que chegava a fazé-
lo, indica também propriedades importantes para a compreensão dos efeitos que
conseguia. Ao invés de dar destaque ao comportamento presente (e eventualmente
inadequado da criança) ou de constrangè-la utilizando recursos do controle coercitivo,
Analista sugeria nova atividado ou novo modo de fazer o que estava sendo feito pola
criança. Algumas vezes apenas conversava com a criança sobre assunto diverso. Ao
invés do admoestar oferecia nova condição para que a criança pudesse se engajar
em comportamento mais apropriado.

... Evitar um confronto direto com a criança sobre seus comportamentos inadequados
não significa privá-la de informações sobre os aspectos de sua conduta que são
indesejáveis. O fato de Analista olhar em tomo de si, para o conjunto das crianças,
mesmo na ausência do solicitação especifica por parte delas, de tempos em tompos,
criava, provavelmente, uma condição privilegiada para a identificação precoce de
acontecimentos, ao mesmo tempo em quo permitia a ola munir-se de informações
sobro o dosompenho das crianças enquanto ocorriam, ainda que por amostra ... É
possível supor que, ao contrário de companheira, sua atuação tendia a se voltar
mais para processos comportamentais subjacentos ao estudar do que a
comparações do que era produzido pela criança com padrões estabolecidos, de
forma absoluta e sem inserção no repertório comportamental da criança. (Cortegoso
e Botome, pps 62 e 63)
Especificamente para a família também existem algumas orientações ou pacotes de
variáveis que produzem comumente resultados favoráveis ou desfavoráveis à implementação
de hábitos de estudos. Hübner (1999) analisa tais conjuntos de comportamentos familiares
dividindo-os em dois padrões antagônicos que comportam, no entanto, um complexo continuo
entre ambos, da seguinte forma:

Sobre C om portiim cnto e


"Após tantos anos de atendimento, fui percebendo que havia, basicamonto, dois padrões
antagônicos de familia: aquela que chamoi do 'pró-saber', porque as contingências e
rogras relativas à vida escolar do seus filhos favoreciam um clima agradável o
estimulador para a busca do conhecimontos, e aquela família ‘anti-saber', com
contingências basicamente aversivas o rogras quo visavarn aponas o cumprimento
do tarofas o obtenção de notas. A familia 'prò-sabor' tom como conceito do ostudo algo
como o do Froiro (1982) ‘como uma atitude diante da vida de quem indaga o busca
conhocor’ e não somente tirar boas notas, fazer lição do casa e ostudar para as
provas’. É uma família quo propicia a curiosidado om seus filhos, desde poquonos,
valorizando o criando situações para que oles explorem ao sou redor, porguntem,
consultem, ostabeleçam relações e desenvolvam, onfim, o pensamento científico -
observar, levantar suposições, perguntar, tostar, interpretar e porguntar novamente
(Luz o Marques, 1989). Em sua rotina o docisões ó uma família quo sempre valoriza o
rospoita as atividades relacionadas à vida escolar do sous filhos. A família ’antisabor’,
por sua voz, ou se preocupa excessivamonto com as notas dos filhos, valorizando
aponas o produto final, ou demonstra, pro várias atitudes o docisões, que a busca do
conhecimento não é prioridade no contexto familiar " (Hübner p. 252)
Assim como a atuação dos professores e da escola, a atuação dos pais em
relação ao comportamento de estudar dos filhos também se dá pelo modelo da tríplice
contingência, nas condições antecedentes ou conseqüentes a este comportamento
(antecedentes - comportamento - conseqüências). Alguns exemplos de condições
antecedentes propiciadas pela família e dificultadoras de implementação do estudo são,
ainda para Hübner (1999): 1. Aspectos físicos do local de estudos: Casa em constante
reforma ou desorganizada, sem lugar para nada, dificultando a localização do material de
estudo ou favorecendo encontrá-lo em um estado desagradável para se trabalhar; 2. Horários
e rotina de vida\ 2.1. Rotina sobrecarregada de atividade extradasse (tanto para classe
média alta como famílias pobres em que crianças também trabalham ou auxiliam no
serviço doméstico); 2.2. Pais que priorizam outras atividades na vida de seus filhos como
saídas, viagens, passeios, visitas, sem levar em consideração a agenda escolar dos filhos;
2.3. Diante de solicitações de recursos e instrumentos para o estudar, os pais queixam-se
sobre custos e trabalho envolvido mas que, contraditoriamente, respondem prontamente a
uma solicitação do filho para comprar uma roupa nova, por exemplo. A mensagem e o
modelo passados são de que as “coisas" de escola não são tão importantes; 3. Persistir
no controle e ordens quanto ao horário de estudos mesmo depois dos filhos já terem
adquirido e demonstrado a habilidade de tomar iniciativa para o estudo (podendo gerar o
aparecimento do comportamento de esperar pela ordem para começar e o estabelecimento
de situações aversivas para os pais e filhos); 4. Regras (conselhos e ordens) tais como
preconceitos e discursos antiescola e antiestudo, tem grande efeito sobre o comportamento
por sermos seres verbais; 4.1. Ex. Regra 1.: Sentar para estudar é coisa de menina. Esse
conceito, transformado em regra pode gerar meninos que não toleram o estudar em casa;
4.2. Discursos antiescola e antiestudo podem gerar ou, pelo menos, manter o
comportamento antiescola e antiestudo.
Os exemplos de condições antecedentes propiciadas pela família e facilitadoras de
implementação do estudo apresentadas pela mesma autora (Hübner, 1999) são exatamente
as opostas às especificadas acima: 1. Horários e rotina de vida - Pais que consultam filhos
sobre suas ocupações escolares para o estabelecimento da agenda de lazer da família (ou
outras decisões), mostram a prioridade da escola e o respeito a ela conferido; 2. Fornecimento
de recursos e instrumentos para o estudar dentro das possibilidades familiares com boa

426 M .iri.i J íle r Rodrigue*


vontade e presteza, explicita o valor dado pelos pais à escola; 3. Estabelecimento de horários
de estudo aumentando a probabilidade de ocorrência do comportamento de estudar. A forma
de estabelecimento da agenda e programação de estudo entre pais e filhos deve ser estimulada
e negociada entre ambos os pólos a depender da faixa etária dos filhos. Após isso feito o
esvanecimento do controle e supervisão do cumprimento desses horários pelos pais é desejável.
4. Regras (conselhos e ordens) coerentes, confiáveis e não preconceituosas.
Ainda para Hübner (1999), pais que conseguem mudar do sistema aversivo para o
sistema de reforçamento e instruções claras foram aqueles com os melhores resultados na
evolução da vida escolar de seus filhos. O mesmo pode-se dizer dos professores, o que é
corroborado pelos dados da pesquisa apresentada em Cortegoso e Botome(2002). Esse
segundo trabalho é profícuo em indicar propriedades de classes de respostas de agentes
educativos sobre os quais é possível inferir relações entre as propriedades dos mesmos e
propriedades de comportamentos de estudar. Os próprios autores indicam caminhos para
estudos posteriores, como a descrição detalhada de componentes das condições
antecedentes e subseqüentes dos comportamentos que os compõem e que tenham se
mostrado como possivelmente inseridas em contingências eficazes para promover
comportamentos de estudo, identificação e caracterização de propriedades relevantes dos
comportamentos de quem ensina, de quem estuda e de quem aprende a estudar.

R eferências
ASSIS, Fátima Regina Pires de (1986). Lição de casa: um estudo exploratório sobre as condições
e conseqüências de sua elaboração, em crianças da primeira série do primeiro grau.
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educativos como parte de contingências de ensino de comportamentos de estudar.
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SERAFINI, Maria Teresa (2001). Saber estudar e aprender Lisboa: Editorial Presença.
SILVA, Adelina LoposeSÁ, lsabolde(1997). Saber estudar e estudar para saber. Porto (Portugal):
Porto Editora, LDA.
SKINNER, B. F. (1972). Tecnologia do Ensino. Sào Paulo: Hurder e Edusp.
ZANOTTO, Maria de Lourdes Bara. Formação de Professores: a contribuição da análise
Comportamental a partir da visão Skinneriana de Ensino. Tese de Doutorado em
Psicologia da Educação PUC-SP, orientada pela Profa Maria do Carmo Guedes.

Sobro C'omport.irm‘nlo e Co(?nlv<lo


Capítulo 38

Autoconhecimento: uma via de mão


dupla entre terapeuta e cliente.
M tiyni / M c /u lionikkio Q ju to Mcncfjhdo'

Augusto A n u to N c k f

M j / í j Cr/sti/u Trigueto Vc/o/ feixeirj'

In trodu ção e Revisão Teórica


Na posição de analistas do comportamento passamos a conhecer a influência
que o ambiente exerce sobre o indivíduo. Isto toma possível examinar a natureza de diferentes
processos. Um deles é o autoconhecimento daqueles elementos que reforçam
diferencialmente este processo. O terapeuta busca maneiras de propiciar o desenvolvimento
humano e, especialmente, auxiliar a pessoa a empregar seus recursos pessoais e
ambientais (Kerbauy, 2001).
Assim, o autoconhecimento ó uma questão de estar-se em contato consigo próprio.
Quando as pessoas começam a descobrir por que os outros se comportam de determinada
maneira, surge um tipo diferente de autoconhecimento, o qual leva em consideração o
patrimônio genético, a historia ambiental e cenários atuais de vida. Segundo Skinner (2002),
a prioridade histórica do autoconhecimento fundado na introspecção deu lugar ao
conhecimento das contingências ambientais.
Com o conhecimento dessas contingências, freqüentemente o indivíduo vem a
controlar parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem conseqüências
que provocam conflitos, no sentido de levar tanto a reforço positivo quanto negativo (Skinner,
1998). As conseqüências positivas e negativas geram duas respostas relacionadas de
modo especial: uma resposta, a controladora, afetará variáveis de maneira a mudar a

1 Aluno do 9o semestre da Graduação em Psicologia da Universidade Presbiteriana Macken/ie


1 Aluno do 9o semestre da Graduação em Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie
J Supervisora Faculdade de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie

M iiy r.i I lclcn .1 Roniltkio O/. M encflliclo, A u r u * Io A m .ilo N o to , Miiri<i 1'rislinti I. V e lo / leixcír.i
probabilidade da outra, a controlada. A resposta controladora pode manipular quaisquer
das variáveis das quais a resposta controlada ó função. Há muitas formas diferentes de
autocontrole (Skinner, 1979).
O comportamento dos sujeitos ocorre (desenvolve-se e modifica-se) em função de
certas condições ambientais que podem ser especificadas segundo Caballo (1996). A
partir desses pressupostos teóricos o objetivo geral deste trabalho foi analisar e explorar a
influência da análise comportamental de um cliente colaborador no desenvolvimento do
processo de autocontrole, tanto em relação à situação terapêutica como em relação a
contingências da vida diária. Derivado disso, um dos objetivos específicos do trabalho foi
explorar como este processo de autocontrole poderia se manifestar não só na cliente,
mas tambóm nos estagiários em fase de treinamento em análise do comportamento.
Partiu-se da hipótese que as diferentes análises funcionais dos comportamentos
relevantes do cliente colaborador afetariam o domínio e a capacidade de autocontrole
desses estagiários frente ao processo terapêutico. Isto é, as respostas operariam em
diversas contingências ambientais do processo com o objetivo de alterar outras respostas,
no caso: as respostas de autoconhecimento do cliente-colaborador e as respostas de
conhecimento por parte dos estagiários responsáveis pelo processo terapêutico. Alguns
comportamentos do cliente seriam, em última instância, uma função dos comportamentos
dos estagiários que conduziam essas sessões.
Existem pressupostos teóricos para tentar compreender de que maneira um
indivíduo pode ter êxito na regulação de seu próprio comportamento. Caballo (1996) coloca
que o autocontrole converte os processos naturais que normalmente estão fora da
consciência, por serem encobertos e informais, em procedimentos que são conscientes,
manifestos e formais. O desenvolvimento do autocontrole parte de uma premissa essencial
que é a generalização desses comportamentos conscientes e formais ao ambiente natural
da pessoa situando de algum modo a Intervenção nesse ambiente.
É possível afirmar, ainda, que o termo autocontrole expressa claramente a importância
do papel da pessoa como diretor de seu próprio comportamento. Trata-se a pessoa como se
fossem duas pessoas. De um lado, um indivíduo que se comporta de modo problemático em
uma serie de situações (controlado) e, de outro, o indivíduo controlador que observa, avalia e
tenta modificar o comportamento do primeiro (Caballo, 1996).
Desta forma, o objetivo do autocontrole ó comumente chamado de auto-realização
ou auto-atualização. A satisfação parece estar associada com a realização, com evitar
restrições e descobrir reforçadores positivos. A atualização parece estar mais voltada para
o engrandecimento de histórias genéticas e ambientais a fim de livrar a pessoa de seus
cenários imediatos. Nos dois casos a ênfase permanece claramente no aqui e agora, no
ser ou bem estar ou na transformação momentânea (Skinner, 2002).
Então, em inúmeras vezes o comportamento é resultado de conseqüências
imediatas ambientais. A pessoa com um lugar de controle interno pode acreditar que os
resultados estão, geralmente, sob seu controle e responsabilidade pessoais. A pessoa
que prioriza o ambiente externo de controle acredita que os acontecimentos se encontram,
na maioria das vezes, controlados por fatores fora dele e que por estarem fora dele, muitas
vezes fogem a seu controle (Caballo, 1996 p. 583).
Caballo (1996) ressalta que a forma como a pessoa maneja suas respostas aos
acontecimentos é determinada, em parte, pelas causas que ele atribui a estes
comportamentos. As atribuições se produzem ao longo de dimensões básicas, como

Sobre Com portiimento e (.'ognlfAo


causas internas versus causas externas (quer dizer, devido a meu ambiente interno versus
devido a causas alheias a mim, ambiente externo) e causas estáveis versus instáveis
(uma influência contínua sobre esses acontecimentos, com implicações em ocasiões
futuras, versus uma causa limitada a um único acontecimento).
Portanto, as estratégias de desenvolvimento de autocontrole colocam uma ênfase
especial no indivíduo dentro da relação pessoa-interaçào. O autocontrole inclui técnicas
que a pessoa aplica a partir de diversos contextos. Isto implica que alguns dos métodos
podem ser cognitivos (Caballo, 1996 p.582).
Skinner, neste sentido apontou:
"Uma análise cientifica do comportamento deve, creio eu, supor que o
comportamento de uma possoa ó controlado mais por sua história genética o
ambiontal do que pela própria pessoa enquanto agente criador, iniciador; todavia,
nenhum outro aspecto da posiçáo behaviorista suscitou objeções mais violentas.
Não podemos evidentemente provar que o comportamento humano como um
todo seja inteiramente determinado, mas a proposição torna-se mais plausível à
modida que os fatos se acumulam o creio que chegamos a um ponto em que
suas implicações devem sor consideradas a sério” (Skinner, 2002, p. 163).
Refletindo sobre esta citação e, de acordo com os objetivos do trabalho, acredita-
se que os comportamentos relevantes do cliente-colaborador estariam controlados pela
história ambiental do mesmo. Conhecer essa história no papel de terapeuta levar-nos-ia a
um processo de conhecimento dos fatores e variáveis que poderiam estar contribuindo
com os comportamentos do cliente. E, ao mesmo tempo, esse conhecimento contribuiria
com um conhecimento maior por parte nossa sobre o processo aumentando a capacidade
de autocontrole sobre o trabalho que desenvolvíamos. Acredita-se que o processo de
autoconhecimento que queríamos desenvolver na cliente reforçaria diferencialmente nosso
próprio conhecimento sobre o processo terapêutico. Da mesma maneira, nossa atuação
como terapeuta agiria diferencialmente no comportamento do cliente em relação à
compreensão das variáveis das quais os comportamentos dele seriam função.
Trazido para dentro, o ambiente se converte em experiência, assim como se converte
a ação, em idéias, propósitos e vontade. Como aponta Skinner (2002) a feitura, armazenamento
e consulta de memorandos estabeleceram o padrão para o processamento das recordações.
Buscar consultar as recordações é buscar o autoconhecimento, e esta busca
traz questões sobre o que é mais conhecido pelo indivíduo: o mundo interno ou o mundo
externo? Pertinente a esse questionamento segue a dúvida dentre os estímulos públicos
e os estímulos privados: qual deles exerceria mais controle sobre o comportamento
humano? Devem-se determinar ainda quais as circunstâncias sob as quais se diz que
alguém tem autoconhecimento.
Toda ciência, vez por outra, busca as causas do processo que se realiza no interior
das coisas que teoricamente seria seu objeto de estudo. Algumas vezes a tática pode ser
útil, mas em outras ocasiões não. Não há nada errado em uma explicação interior, como tal,
mas os eventos que se localizam no interior de um sistema, tendem a ser difíceis de observar
segundo Skinner (1998). Nesse sentido, Baum(1999, p. 120) colocou:
“A dificuldado surge, não da falta do estímulos discriminativos - públicos, privados,
passados o presentes, mas da falta de urna história de reforço para a
discriminação ontre um relato verbal o outro. Falta de história do reforço resulta
na falta de “dicas” públicas para controlar o comportamento daqueles que
poderiam reforçar o relato verbal correto".

M .iyf.i I (e(ci)ii Honil.kio Q. Mcocfllielo, Augusto Am<ilo Neto, M iiri.i ('rlstln.i f. Velo/ leixeir.i
Em Ciência e Comportamento Humano (1998), Skinner fala da vida privada como
aquela que é construída na relação do indivíduo com a comunidade verbal pertencente ao
seu meio cultural. Por isso, para compreender e analisar a subjetividade é preciso investigar
o contexto com a qual a mesma está relacionada. (Costa, 2004).
Os eventos privados são menos conhecidos que os eventos públicos. O mótodo
de contornar o que é privativo do indivíduo não ó isento de erros, pois as manifestações
públicas e privadas podem não estar perfeitamente correlacionadas (Skinner, 1998).
No processo de instalação dos eventos privados no repertório comportamental do
indivíduo, é preciso que ele se comporte publicamente e que a comunidade verbal o ensine
a discriminar e nomear o evento privado (Costa, 2004).
Um dos fatos mais extraordinários a respeito do autoconhecimento é que ele
pode não existir. Um homem pode não saber que fez alguma coisa, nem saber porque o
fez. Pode ter se comportado de uma dada maneira, talvez energicamente, e não obstante
ser incapaz de descrever o que fez. Os exemplos vão desde os lapsos verbais não
percebidos até as amnésias prolongadas nas quais grandes áreas do comportamento
anterior não podem ser descritos pelo próprio indivíduo. A possibilidade de que o
comportamento que não pode ser descrito seja encoberto origina um problema teórico
interessante, pois a existência desse comportamento deve ser inferida, não apenas pelo
cientista, mas pelo próprio indivíduo. Um homem pode não reconhecer as variáveis das
quais seu comportamento é função. Como aponta Skinner (1998), talvez devêssemos nos
surpreender com a freqüência com que esses eventos são observados.
O autoconhecimento é um repertório especial. O ponto crucial não é saber se o
comportamento que um homem deixa de relatar é realmente por ele observável, mas sim
saber se alguma vez houve razão para observá-lo. Não obstante, o autoconhecimento pode
faltar mesmo quando prevaleceram circunstâncias reforçadoras apropriadas (Skinner, 1998).
Por conta da história da filosofia e da psicologia, acreditamos que, ao emitir um
comportamento, necessariamente sabemos que ele foi emitido, mas muitas vezes temos
dificuldade em reconhecer que, quando descrevemos um comportamento nosso, dois
comportamentos ocorrem - o comportamento descrito e o comportamento de descrever -
e provavelmente eles estão sob controle de variáveis diferentes, ou seja, um não implica
necessariamente no outro. Em outras palavras, acreditamos que dada a aparente intimidade
que cada um de nós tem consigo mesmo, nossos fenômenos seriam acessíveis ao nosso
próprio conhecimento, tão acessíveis que esse conhecimento pode ser imediato; no entanto
temos dificuldades em reconhecer que o conhecimento que temos a nosso respeito está,
necessariamente, mediado por outros homens. Em fim o autoconhecimento é um produto
social (Sério, 2001, p. 206).
Sendo assim, só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante
para as demais é que ele se torna importante para ela própria. Ele então ingressa no
controle de comportamento chamado conhecimento. Mas o autoconhecimento tem um
valor especial para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se tornou consciente de si mesma
por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar
seu próprio comportamento (Skinner, 2002, p. 31).
Hipotetizamos que quando nossa atuação terapêutica era mais consciente, maior
autocontrole estávamos desenvolvendo no cliente. No caso clínico que será apresentado aqui,
quando o mundo privado passou a ser importante no contexto terapêutico, os comportamentos
de fuga e esquiva da cliente colaboradora frente a essa exploração nos trouxeram uma

Sobrr (.'om porl.im oifo c


necessidade de lidar com o autocontrole, sendo, portanto, uma situação reforçadora para o
autoconhecimento que os estagiários estavam desenvolvendo sobre o processo terapêutico.
Banaco (2001); Zamignani (2001) e Kovac (2001) afirmam que comportamentos
do tipo encoberto, tais como emoções sentidas durante a sessão terapêutica são mais
difíceis de serem descritos e controlados do que os comportamentos abertos. Por essa
razão, são dificilmente discriminados, e muitas vezes manejados de forma ineficiente pelo
terapeuta iniciante. Esses comportamentos teriam sua parcela de determinação no
comportamento expresso, tanto pelo cliente como pelo terapeuta na sessão e,
consequentemente isso repercute na qualidade do atendimento.
Assim como a aprendizagem de qualquer outro comportamento, a aprendizagem
verbal de discriminação dos eventos encobertos ó construída a partir da relação com a
comunidade verbal. No entanto, ao contrário dos comportamentos abertos, aos quais a
comunidade têm acesso direto a partir da observação para a instalação da resposta verbal
discriminativa; nos comportamentos encobertos, a comunidade tem acesso apenas aos
eventos públicos que os acompanham. Decorre disso, muitas vezes, uma aprendizagem
discriminativa deficiente e uma variação para cada sujeito da relação entre cada resposta
verbal descritiva e seus respectivos eventos encobertos. A descrição de comportamentos
encobertos dificilmente será absolutamente precisa, pois o relato verbal nem sempre terá
uma correlação perfeita com o evento relatado. A qualidade desta correlação vai depender
da história de reforçamento e da exposição a contingências de descrição destes
comportamentos encobertos. Este é o limite do acesso a comportamentos encobertos
com o qual temos que lidar (Banaco, 2001; Zamignani, 2001; Kovac, 2001).
Para Skinner (1995, p. 108-9) a análise de contingências ambientais:

"não significa porém que os terapeutas comportamentais nunca devem porguntar


aos sous clientes o que oles estão sentindo ou pensando. A partir das respostas
dos clientes ó possível inferir alguma coisa sobre suas histórias, genética e
pessoal. De fato, fazer tais perguntas ó freqüentemente a única forma do quo os
terapeutas dispõem para aprender sobre uma dada história pessoal No entanto,
perguntar sobre sentimentos e pensamentos ó apenas uma conveniência - a
verdadoira conveniência de fato, que explica porque as pessoas têm perguntado
sobre o por tantos séculos - e devemo-nos voltar para variáveis mais acessíveis
se quisermos promover uma análise científica, ou ontão usá-la para fazor alguma
coisa em relação a problemas pessoais"
Ao longo de sua prática, no entanto, o terapeuta pode repetir seus procedimentos
(pode-se dizer que o procedimento terapêutico é uma classe de comportamento que tem
algumas funções em comum, funções essas que permitem classificar desempenhos
bastante diferentes na forma de o terapeuta se relacionar com o cliente em uma mesma
classe funcional, por exemplo, comportamentos reforçadores e punitivos com diversos
clientes, de modo a conseguir de certa maneira replicar a introdução das variáveis
terapêuticas (experimentais) em sucessivos clientes (Guilhardi, 2001).
Em suma, é possível identificar e descrever as possíveis contingências a partir do
relato do cliente. No entanto, a descrição dessas contingências não supera o status da
hipótese de trabalho (Guilhardi, 2001). A evolução do processo terapêutico acrescenta
dados que confirmam ou refutam a adequação das contingências hipotetizadas,
influenciando assim o comportamento do terapeuta, modelando, reforçando ou ató punindo
seu repertório de analisar e manejar as contingências. O trabalho é basicamente indutivo

M .iyr.i I k’lcn.i Honíf.kio (./. Mcneflbelo, Augusto Am .ito Neto, M .iri.i Cristln.i f. Velo/ leixelr<i
e funcionai. Se correta, a previsão por parte do terapeuta adiciona evidências a favor da
adequação de sua análise, porém não a prova. Somente o controle sobre o comportamento,
pouco acessível num contexto clínico, a comprovaria. A repetição dos padrões de análise
e a repetição das comprovações de previsão dão maior solidez ao trabalho do terapeuta,
mas não lhe outorgam ainda o status de experimento (Guilhardi, 2001, p. 317-8).
O processo de autoconhecimento ocorre, concretamente, através de questões feitas
pelo terapeuta, que levam o cliente a descrever seus comportamentos e os sentimentos que o
acompanham e a relacionar esses comportamentos e sentimentos com o ambiente (Guilhardi,
2001). Neste caso, as contingências verbais que promovem a autoobservaçào sào explícitas.

"As pessoas sáo solicitadas a falar sobro o que estão fazendo ou porque o estão
fazendo e, ao responderem, podem tanto falar a si próprias com a outrem. A
psicoterapia ó, freqüentemente, um espaço para aumentar a auto-observação,
para “trazer è consciência'' uma parceria maior daquilo que é feito e das razões
pelas quais as coisas são feitas" (Skinner, 1991, p. 46-7).
O terapeuta pode auxiliar ainda mais nesse processo discriminativo dando modelos
para o cliente. Sua função não é exclusivamente questionar, mas também sistematizar as
informações, fazer previsões, levantar hipóteses, etc. (Guilhardi, 2001, p. 319).
Assim, o conhecimento emerge da relação inseparável entre a prática ou vivência
(o cliente deve entrar em contato real com, as conseqüências de seus atos) e a reflexão (o
terapeuta deve auxiliar o cliente a identificar as operações às quais responde). Essa relação
dinâmica envolve: observação do comportamento como ponto de partida para a formulação
(ainda que na forma de hipóteses) das contingências em operação; previsão sobre
comportamentos, se essas contingências forem reais, ou sobre suas alterações, no caso
de manipulação das contingências; contato com as contingências, o que permitirá confirmar
ou não as previsões; nova elaboração das contingências em operação (se for o caso);
novo teste de realidade e assim sucessivamente (Guilhardi, 2001).

M étodo

Estudo de Caso
A pesquisa no presente estudo assumiu a forma de estudo de caso para a coleta de
dados. Partiu-se do pressuposto de aplicar a análise clinica de orientação comportamental
para explicar aqueles comportamentos clinicamente relevantes do cliente.
Considerando que os resultados desta pesquisa estavam enquadrados na parte
prática de uma disciplina do currículo básico de formação em bacharel em psicologia
denominada Técnicas de Observação Comportamental, determinou-se que o critério de
inclusão do caso na pesquisa fosse que o cliente não estivesse estudando psicologia,
nem ser menor de idade. Assim, o cliente que se dispôs a colaborar era uma estudante de
19 anos que na época cursava o 2o ano do curso de Administração. Para referir-se à
mesma usaremos o nome fictício de Isadora.

Procedimentos de coleta de dados


Foi utilizada uma estratégia de avaliação multimodal com o objetivo de compreender
e rastrear aqueles fatores que poderiam estar influenciando e mantendo comportamentos

Sobre ( omport.imenlo e Cofiniv«lo


relevantes na cliente colaboradora. Foram utilizadas algumas técnicas de auto-informe
para identificar e analisar seus comportamentos. As mesmas foram: técnica das frases
incompletas, que segundo Anastasi (1977) consiste em formular frases incompletas ao
cliente de maneira a provocar respostas importantes, e por ser uma técnica flexível, trazia
vantagens para os objetivos clínicos e de pesquisa. A segunda foi uma escala de adjetivos
baseada nas escalas do Instituto para Avaliação e Pesquisa da Personalidade (IPAR) que,
segundo Anastasi (1977), a técnica consiste em uma lista de adjetivos a partir do qual se
pede ao sujeito que se avalie em uma escala de 0 a 5 o quanto ele acha que possui de
cada item e, num segundo momento se lhe pede que avalie o quanto de cada adjetivo, o
cliente acha que as outras pessoas lhe atribuem. O último procedimento foi a representação
de papéis que consistiu em interpretar os papéis de cinco pessoas, familiares e amigos,
respondendo aos questionamentos dos estagiários como se ela fosse essas pessoas.

Procedimento de Análise de Dados


O procedimento que seguiu à identificação de comportamentos relevantes foi a
análise funcional dos mesmos baseado no método da análise experimental do
comportamento. Foram tomados todos os cuidados éticos conforme o Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que aprovou a execução da pesquisa.
A ênfase da análise foi nos operantes verbais que ocorreram nas sessões de avaliação.
Isto nos dava a possibilidade de explicar a possível funcionalidade desses comportamentos
em outros contextos da vida da colaboradora fora das sessões terapêuticas.

Discussão do Resultados:
Comportamentos clinicamente relevantes da cliente colaboradora que funcionaram
como estímulos discriminativos para o controle e atuação terapêutica dos estagiários.

1-Medo de julgamento:
Esse medo de julgamento foi um comportamento que se manifestou a partir da
contingência associada com o uso do gravador nas sessões de avaliação comportamental.
Vejamos o seguinte exemplo de análise funcional de um dos comportamentos da classe
comportamental “medo de julgamento":

EvhhIo antecedente Comportamento deJ_siidor.'i OonsHquAnciií


Foi proposta a gravaçlo da* "Tenho medo do que vocès Estagiário* concordam om não
•essõos terapêutica*. divulguem alguma col*a". gravar e •■tabolocem um novo
___ contrato torapòutlco. ___

Foi proposta a gravação das sessões terapêuticas, Isadora colocou sua


insegurança e percebemos que estava tentando exercer controle sobre os encontros a fim
de limitar, na medida do possível, as possíveis interpretações que faríamos das ações
dela. Vejamos o seguinte relato de sessão de avaliação:
Isadora: A única coisa, tipo, a fita que vocês estão gravando, eu queria que vocês depois
jogassem fora ou me dessem depois.
Terapeuta: Está atrapalhando muito o gravador?

M.iyr.i i leleii»i Honií.kio (/. M cnqiholo, A urusIo Am .ilo Neto, M<iri.i (.'rislimi |. Velo/ lelxelr.i
Isadora: Não, não, a única coisa que eu tenho medo é que às vezes vai que, sei lá,
divulguem alguma coisa, não se sabe o que vão fazer com essas coisas.
O contrato verbal estabelecido com a cliente-colaboradora e o termo de
consentimento assinado pela mesma, não foram suficientes para que se sentisse segura na
realização das atividades durante as sessões, mesmo depois da abolição do uso do gravador.
Assim, verificou-se que o receio que sentia sobre o uso das verbalizações era um
comportamento cuja funcionalidade era semelhante aos comportamentos que ela expressava
em outras situações sociais. No caso, ela agia na maioria das vezes, tentando ganhar a
aceitação do grupo. Infere-se que desde o início do processo de avaliação comportamental,
inconscientemente, produzimos uma contingência aversiva que propiciou em Isadora a
emissão de comportamentos de fuga e de esquiva. Obviamente esse sentimento de medo e
insegurança verbalizado por ela foi aprendido. A recusa da gravação tinha uma função muito
clara: evitar julgamentos posteriores e conseguir a aceitação dos estagiários. Com certa
nitidez percebe-se, como colocam Queiroz e Guilhardi (2001) que a cliente ainda não
conseguia avaliar a função real da condição específica, no caso o operante “fuga”. Logo nas
primeiras sessões conseguia-se identificar um dos comportamentos clinicamente relevantes
da cliente que estava contribuindo de maneira importante com sua inadaptação social.
A vontade de agradar os outros produzia em Isadora comportamentos de esquiva,
por exemplo, respostas estereotipadas. As conseqüências almejadas desses
comportamentos geralmente eram a aceitação das outras pessoas (reforçador positivo)
ou a rejeição do grupo evitada (reforçador negativo). Quer dizer, mecanismos de fuga ou
esquiva que não contribuíam de modo algum com um processo de autoconhecimento por
parte dela sobre as causas que influenciavam essas contingências.
Uma pessoa que age, fundamentalmente, por reforçamento negativo, tem suas
interações com outras pessoas influenciadas por esse tipo de controle coercitivo (Sidman,
1995). Na vida, os estímulos aversivos são tão ubíquos quanto as respostas de fuga e
esquiva que eles produzem. Sempre que houver um estímulo aversivo, potencialmente ocorrerá
alguma resposta que lhe dará término ou o evitará. (Abreu, C.; Guilhardi, H., 2004).
Eventos aversivos estão presentes no ambiente natural e têm efeitos sobre as
respostas dos sujeitos. Frente a (ou a possibilidade de) um evento aversivo, o sujeito
aprende a emit/r determinada resposta que cessa ou evita a apresentação dele e, assim,
a resposta aumenta de freqüência graças ao seu efeito no mundo. A função dessa resposta
é um fato cotidiano e as pessoas as apresentam em virtude da adequação ao ambiente.
Apresentar algumas dessas respostas é altamente adaptável e mantém a sobrevivência.
(Abreu, C.; Guilhardi, H., 2004).
Quando uma resposta de esquiva bem sucedida ocorre, a conseqüência importante
é que nada ocorre. Como pode a ausência de um evento afetar o comportamento? De
acordo com um ponto de vista, o respondedor de esquiva ó mantido porque o organismo
está fugindo de algumas propriedades da situação que acompanharam os estímulos
aversivos passados. (Catania, 1999).
O comportamento de esquiva pode ser persistente depois de uma longa história de
esquiva, e sua extinção pode ser lenta, pois a conseqüência de uma resposta de esquiva é
que nada acontece, o evento aversivo é esquivado com sucesso (Abreu & Guilhardi, 2004).

2- Medo da rejeição social:


Na técnica de Lista de Adjetivos, ela devia dar-se uma nota de zero a cinco em cada
adjetivo assim como uma outra nota que supostamente a descrevesse segundo o que outras

Sobro (.'om port.imcnlo c Connlç<lo


pessoas achariam dela. No adjetivo "esnobe" foi observado que ela tinha atribuído nota 3 para
quanto os outros a achavam esnobe, e um para quanto ela se achava "esnobe". A partir desse
fato questionamos ambas as pontuações e a verbalização da colaboradora foi a seguinte:
“Por ou ser alta, eu intimido um pouco. Nossa! Eu venho para São Paulo o mou
nariz tampa, acho que ó poluição. Eu vou ao otorrino, porque uma amiga estava
como eu o ola teve um probloma que a carne fechou o nariz".
Uma vez mais a verbalização de Isadora estava operando de modo a fugir e se
esquivar de qualquer possível análise das respostas que ela emitia (quando fez alusão ao
problema do nariz).
Skinner (2002, p. 146) afirma que ao indagar acerca daquilo que uma pessoa pode
conhecer acerca de si própria, somos levados de imediato à pergunta: quem pode conhecer
acerca de quem? A resposta a esta pergunta, geralmente ó encontrada nas contingências
que produzem tanto um eu cognoscente quanto um eu conhecido. Nossa cliente parece
nunca ter se questionado por que ela acha que as outras pessoas a julgam ser
razoavelmente “esnobe". Uma vez mais o operante fuga desviando ou ignorando as causas
desta avaliação evidenciava a falta de autoconhecimento dela. Isto, por sua vez, agia no
nosso comportamento como condição discriminativa para a necessidade de aprender ainda
mais sobre os comportamentos da cliente.
Um operante que confirma esta necessidade de autoconhecimento foi expresso
pela cliente na técnica de completar frases. A escrita de uma das sentenças foi da seguinte
maneira: “Eu gostaria de ser mais desenvolta"4. Ao questionar essa frase, ela disse que os
amigos dela a achavam alegre e expressou:

"Ah, porque eu falo muita merda (risos). Ah, sei lá, a gente se diverte mesmo, a
gente faz bastante zoeira, fala bastante, como é que eu vou falar? Ah sei lá".
Na verbalização acima pode ser observado um comportamento que sinaliza como
ela se costumava agir em situações sociais fora da sessão de avaliação. De um lado se
mostra alegre e fútil e, de outro, o operante encoberto indica a necessidade de Isadora de
poder expressar o que realmente pensa e sente. Não o faz pelo medo de ser rejeitada em
situação social.
Na mesma técnica de completar frases, ao completar a sentença: "Carinho ó
essencial na minha vida"5, nosso questionamento foi:
Terapeuta: carinho: como você definiria?
Isadora: se sentir acolhida, sabe.
Terapeuta: por quem?
Isadora: por quem? Ah, por todo mundo, eu acho.
Pode-se perceber que uma preocupação de Isadora é como os outros a vêem, e
verbaliza que sua altura pode ser um fator que intimida as pessoas com as quais convive.
Quando coloca que carinho e acolhimento são essenciais em sua vida, mostra uma
necessidade grande de aceitação pelos grupos do seu convívio social, e conseqüentemente

4 Refere-se à atividade das frases incompletas, os caracteres sublinhados indicam a lacuna que foi completada
pela cliente-colaboradora Assim, na atividade constava: "Eu gostaria de s e r ____________
b Neste caso, na atividade constava: ___________ é essencial em minha vida".

M iiym I IcIfOii Honifócio (}. Mencfjlicio, Augusto Am .ito Nefo, M .irtii Crisfin.i I. Velo/ leixeira
um receio da rejeição que nunca foi compreendido por ela própria. A cliente funcionava
mais sob o controle da auto-regra "ser acolhida por todos" do que sob o controle das
conseqüências das condições em que ela vivia. Outras vezes, ela funcionava sob controle
de reforçamento negativo o que impedia que ela se tornasse sensível a outros estímulos
do meio, por exemplo: poder emitir uma opinião própria, mesmo que fosse contrária a de
outras pessoas e entender que isso não a levaria, necessariamente, a uma contingência
de rejeição social. Nosso raciocínio pode ser compreendido no seguinte relato:
Isadora referia que rejeição era o que mais detestava e acrescentou: "eu acho que
rejeição é discriminação, que eu acho uma coisa muito besta". Vejamos o seguinte relato
de umas das sessões de análise comportamental:
Terapeuta: você já se sentiu rejeitada alguma vez?
Isadora: já, quando eu era pequena, eu era muito rejeitada porque eu era grande (risos).
Terapeuta: rejeitada em que sentido?
Isadora: no sentido de zoeira, assim, na escola.
Terapeuta: E recentemente, você tem passado por isso?
Isadora: não, ah, já "to” meio acostumada com as piadinhas, assim, mais nada a ver.
Criança é fogo, uma porque é banguela, uma porque usa óculos.
Quando verbaliza que rejeição é o que mais detesta, Isadora sinaliza que seu
comportamento de “falar besteira" em situação de grupo tem como evento antecedente o
medo perante uma possível rejeição do grupo. Assim, ao “falar besteira” a leva a ser aceita no
grupo, já que as pessoas passam a rir e podem achar ela engraçada agindo como um reforçador
positivo e negativo ao comportamento descrito anteriormente. Infere-se que há uma generalização
de operantes sem um adequado processo de discriminação de contingências.

3 - Independência e Autonomia
Durante as sessões, Isadora se avaliava como independente e corajosa e dizia que
seus familiares também a consideravam assim, como o mostra o seguinte relato. Durante a
execução da técnica de representação de papéis, Isadora representou o papel de seu cunhado
e ao perguntara Isadora-Cunhado (termo que será usado para mostrar Isadora representando
o cunhado) sobre o que mais ele gostava de nossa colaboradora, Isadora-Cunhado respondeu:
adoro minha cunhada, acho que ela é bem independente. No papel de sua mãe quando
perguntamos: O que você menos gosta na Isadora? Isadora-Mãe respondeu: o fato de ela se
achar independente, ela não tem medo das coisas, eu fico preocupada. Entretanto, na
primeira entrevista a cliente havia dito ao se referir à sua independência financeira que ganhar
mesada era a melhor coisa do mundo. E quando a questionamos sobre se ela já sentiu
alguma vez dificuldades para lidar com seu dinheiro ela disse: às vezes eu ultrapasso um
pouco, mas minha mãe me dá dinheiro, cobre a conta, mas geralmente consigo.
Ao confrontar as verbalizações acima da cliente, discutimos com Isadora se ela
realmente se achava independente depois dos exemplos citados e ela disse: não
totalmente, financeiramente não sou. No entanto nessas verbalizações há operantes verbais
que mostraram outros eventos comportamentais encobertos de se achar capaz de funcionar
por si própria e, ao mesmo tempo, operantes encobertos de ter que aceitar a condição de
ainda ter que depender da família. Isto gerava conflitos importantes em Isadora.
A seguir ilustraremos uma outra vinheta do 4o encontro em que o proceder da
sessão gerou um experimento clínico que trouxe a testagem de nossas hipóteses a respeito
do comportamento clínico relevante de fuga de Isadora.

Sobre Com portiim enlo c 1'ognlvÜo


Na técnica de representação de papéis quando representou o papel da irmã dela
nós questionamos:
Terapeuta: o que você mais gosta na isadora?
Isadora-lrmã: não sei, (canta baixinho um trecho de uma música), não sei.
Durante a representação do papel da sua mãe, ao fazermos a mesma pergunta, ela
usou uma contingência que nos tomou muito sensível para identificar e provar os fatores dos
quais os comportamentos de fuga da cliente eram função. Vejamos o trecho abaixo:
Terapeuta: o que você mais gosta na Isadora?
Isadora: Nossa Margaret! (se referindo a boneca de seu chaveiro), você esta precisando
tomar um banho.
Quando representou o pai:
Terapeuta: qual é sua profissão?
Isadora-Pai: Citricultor.
Terapeuta: Qual é sua idade?
Isadora-Pai: Ai, eu não sei, uns 56.
O tom de alguns dos operantes verbais determinavam outras perguntas que foram
formuladas diretamente a Isadora:
Terapeuta: você conversa com seus pais?
Isadora: não, não converso. Mais ou menos, minha mãe é meio fechadinha.
Terapeuta: e com seu pai?
Isadora: meu pai? De jeito maneira.
Terapeuta: você pretende trabalhar com o seu pai?
Isadora: não, não tenho nada a ver com o meu pai.
Nosso questionamento sobre a relação familiar nos permitia cada vez mais
desenvolver habilidades terapêuticas orientadas ao conhecimento e à tomada de consciência
sobre as dificuldades de Isadora para aceitar a simplicidade dos pais. Estes dados foram
relevantes para formular e entender a funcionalidade de muitos dos comportamentos de
isolamento, fuga e rejeição de Isadora quando estava em situação familiar. Chamou a
atenção que embora a intenção de Isadora tivesse sido controlar nossas ações terapêuticas
de análise comportamental, essa sua resistência, suas fugas e esquivas desenvolveram
em nós, na qualidade de estagiários, todo um processo de autoconhecimento sobre as
variáveis das quais os comportamentos de Isadora eram função. E isto ia gerando nos
estagiários estratégias de autocontrole das sessões terapêuticas.
Operantes verbais que funcionaram como estímulos discriminativos para o
desenvolvimento autoconhecimento e autocontrole na cliente-colaboradora:
1. Autoconhecimento
Em uma sessão, Isadora colocou: "Outro dia estava lavando louça e fiquei pensando
no que vocês me falaram na última sessão. Acho que vocês têm razão".
O andamento do processo terapêutico acrescentou dados que confirmavam a
adequação de algumas das contingências hipotetizadas e o nosso repertório de analisar e
manejar as conseqüências. Assim, os operantes verbais dos estagiários funcionaram como
estímulos discriminativos para o autoconhecimento e autocontrole na cliente-colaboradora.
Na vinheta citada anteriormente, pode-se verificar que Isadora tomou consciência de alguns

M iiyr.i I leltrn,i Homíácio (./. Mcncflbelo, Augusto A n u lo Nclo, M drl.i Crisfin.i I. Velo/ Irlxclra
dos comportamentos relevantes que ela produzia e que foram identificados nas sessões
de avaliação. Já, os fatores mantenedores desses comportamentos não puderam ser
identificados como conscientes na verbalização acima de Isadora. Entretanto o fato da
cliente fazer esse comentário mostra como nossas intervenções estavam se tornando
estímulos discriminativos. Ao mesmo tempo essa fala servia como auto-reforço para um
melhor conhecimento do porque de seus comportamentos.

2. Autocontrole
Na técnica das frases incompletas, Isadora completou a frase da seguinte maneira:
"Honestidade é o meu melhor".6 E explicando disse: “Então, eu sou honesta, quando me
perguntam alguma coisa, eu falo a verdade. Ou quando, às vezes, a verdade não tem a
hora certa de dizer a verdade. Às vezes eu omito, mas eu não fico jogando confete só para
dizer que eu sou boazinha".
A partir dessas verbalizações, identificamos a necessidade de um inquérito mais apurado:
Terapeuta: por qual motivo a honestidade é o seu melhor?
Isadora: então, não sei. Não tinha pensado. Eu acho que não ó o meu melhor não. É
porque eu acho que é assim, você tem que conquistar a confiança das pessoas. Se você
tem confiança você adquire o restante.
O trecho acima evidencia a falta de autoconhecimento por parte da coladoradora
e, novamente, a presença da auto-regra "ser acolhida por todos". Essa auto-regra motivou
Isadora a usar do senso comum como expressão de seus pensamentos. Desta maneira,
os estagiários viram-se obrigados a desenvolver o autocontrole frente os operantes verbais
da cliente-colaboradora, que muitas vezes contradiziam verbalizações anteriores. O inquérito
era conduzido de maneira a confrontar estes operantes verbais contraditórios para
proporcionar um autoconhecimento maior sobre os fatores que influenciavam as
contingências de fuga ou esquiva dela.

3. Estímulo discriminativo para o autoconhecimento sobre a relação familiar.


Nas sessão 3 representando o papel do pai:
Terapeuta: O que você mais gosta e o que você menos gosta de Isadora?
Isadora-pai: gosto porque ela é uma boa filha.
Terapeuta: por que ele é boa filha?
Isadora-pai: porque, ah, ela não me dá trabalho.
Terapeuta: o que você menos gosta?
Isadora-pai: ela é fresca.
Terapeuta: porquê?
Isadora-pai: porque ela é cheia de frescura, não é tudo que ta bom, não é tudo que
agrada ela, não vai em lugares que eu queria que ela fosse, como na quermesse por
exemplo.
Terapeuta: só por isso?
Isadora-pai: ela não se mistura

ü Indica como Isadora completou a frase: "____________ é o meu melhor".

Sobre Comportamento e Cofiniç.lo


Terapeuta: tem algum outro motivo?
Isadora-pai: pode ser que ela se sinta filhinha de papai.
Terapeuta: o que você espera da Isadora?
Isadora-pai: espero que ela se de muito bem na vida, seja feliz. Tenha um bom emprego.
Também representando o papel de irmã apareceu o termo "fresca" avaliando os
comportamentos de Isadora.
Os dados obtidos sobre a relação familiar trouxeram informações sobre a dificuldade
da cliente-colaboradora de aceitar a simplicidade dos pais. Assim, entendendo a
funcionalidade dos comportamentos de Isadora, nossa conduta foi orientada para, a partir
das suas verbalizações, abordar o assunto familiar sugerindo algumas orientações para
testar novas interações familiares, pois como coloca Guilhardi (2001), a função do terapeuta
não é exclusivamente questionar, mas também sistematizar informações, fazer previsões,
levantar hipóteses, etc.
Do ponto de vista da Psicoterapia Analítico Funcional, a potência da intervenção
terapêutica é fortalecida se a situação emocionalmente evocativa ocorrer de fato na sessão
(Kohlenberg,2001).
Como uma estratégia geral, como cita Kohlenberg (2001), o terapeuta reinterpreta
as afirmações do cliente, em termos de relações funcionais, uma história de aprendizagem
e comportamento. Tais interpretações comportamentais enfatizam a historia e reduzem a
importância de entidades mentalistas e não-comportamentais. Isto é importante para o cliente
porque dirige sua atenção aos fatores que acabam gerando intervenções terapêuticas.
Enquanto terapeutas esperamos que as razões que fornecemos aos nossos clientes
os auxiliem em seus problemas da vida diária. Dependendo da razão, fornecida e da
história do cliente, é possível, entretanto, não surtir efeito algum, ou mesmo, se configurar
em um obstáculo para o cliente. (Kohlenberg, 2001).
Dissemos que ela podia fazer algo para se aproximar de seu pai, para que o
relacionamento deles melhorasse. Dissemos que não precisaria ir com o pai a lugares
que ele vai com os amigos dele, mas que existiam outras formas de se aproximar do seu
pai. Perguntamos se ela gostaria de tentar formas diferentes de se aproximar de seu pai e
Isadora diz já terem (referindo-se a ela, suas irmãs e sua mãe) "melhorado" muito o pai,
pois ele era muito mais distante, pois a criação dele foi bem rude. Dissemos também que
para se acabar com todo um vínculo familiar que existe é muito fácil do que reconstruí-lo.
Portanto, este foi um estímulo discriminativo com o objetivo de desenvolver em Isadora
comportamentos de aproximação familiar.

C onsiderações fin a is
Considerando a proposta do trabalho, o objetivo das sessões de análise
comportamental foi tentar integrar dois processos: o de autoconhecimento e o de autocontrole.
De um lado o desenvolvimento deste processo nos estagiários, decorrente dos operantes de
Isadora nas sessões. De outro, a conscientização de alguns dos fatores determinantes dos
comportamentos relevantes em Isadora a partir das perguntas. Os estagiários se tornavam
sensíveis às contingências de fuga e de esquiva que eram trazidas pela colaboradora e ela
também se conscientizava em relação a alguns dos comportamentos-problema relevantes
que produzia e sobre o por que dos mesmos. Como coloca Guilhardi (2003) tanto o terapeuta
como o cliente participaram do processo de autoconhecimento, O terapeuta aprende a

M iiy rti I idcMti Honlf.kío (./. Meneflbelo, Aufluslo A n u lo Nclo, M.irl»i Crlstlru I. Velo/ leixcir<i
funcionalidade dos operantes do cliente, o cliente aprende a funcionalidade dos próprios
operantes gerados durante o processo da terapia.
No caso da cliente trazida neste trabalho chama a atenção que, pelo menos, a
análise comportamental contribuiu para que ela descrevesse aqueles comportamentos e
contingências em que ela agia na base de fuga e de esquiva. Isto nos permitiu hipotetizar,
como afirmou Skinner (2002), que a cliente se tornou consciente de seus próprios atos.
Ao passo que nós desenvolvíamos habilidades terapêuticas, Isadora ontendia e percebia a
relação funcional que existia entre muitas das respostas emitidas por ela. Daí um processo
de mão dupla.

R eferências

Abreu, C., Guilhardi, H. (2004). Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental, Práticas


Clinicas. (1*. Edição) Sâo Paulo: Roca.
Anastasi, A. (1977). Testes Psicológicos (2.a Edição) São Paulo: EPU.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem,: Comportamento, Linguagem e Cognição. (4*.Edição)
Porto Alegre: Artmod
Costa, N.(2004). Até onde o que vocô sabe sobre o behaviorismo ô vordadeiro? (1". edição),
Santo André: ESETEC.
Kohlenberg, R., & Tsai, M. (2001) Psicoterapia Analítica Funcional. Santo André: ESETEC.
Banaco, R. A., Zamignani, D. R., & Kovac, R. (2001). O estudo de eventos privados através de
relatos verbais de terapeutas. In.R. Banaco (org) Sobre Comportamento e Cognição, vol
1, p.283-298. Santo André: ESETec Editores Associados.
Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura, Porto
Alegre: Editora Artes Módicas Sul Ltda..
Cozby, P. C. (2003). Mótodos em Ciências do Comportamento.Sèio Paulo: Editora Atlas.
Guilhardi, H. J. (2001). Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clinica?
In.R. Banaco (org) Sobre Comportamento e Cognição, vol 1, p.316-331.Santo André:
ESETec Editores Associados.
Korbauy, R. R. (2001). O repertório do terapeuta sob ótica do supervisor o da prática clinica. In
H. Guilhardi, M. B. Madi, P. P. Queiroz, M.C. Scoz (org) Sobre Comportamento e Cognição,
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Serio, T. M. (2001). A concepção de homem e a busca de autoconhecimento: onde está o
problema? In.R. Banaco (org) Sobre Comportamento e Cognição, vol 1, p.206-212.
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Skinner, B. F. (1995). Questões Recentes na Análise Comportamental (2.* Edição) Campinas:
Papirus.
Skinner, B. F. (1998). Ciência e Comportamento Humano (10 • Edição) São Paulo: Martins
Fontes.
Skinnor, B. F. (2002). Sobre o Behaviorismo (7." Edição), São Paulo: Editora Cultrix.

Sobre Comport.imenío c CoRniç.io


Capítulo 39
A Análise do Comportamento em
Manuais de Psicologia da
Personalidade
S&tf/o í )/tis C'/rino *

lustiiquio hsó </(• Sou/ii Júnior*

MdnucLi í/omcs l opcs*

M ôniiü HcssthOlivcirti*

R c n jt i C/u/n?,i/itcs / /o r /j*

É essencial ao progresso de um sistema teórico a maneira como seus conceitos


são abordados na comunidade acadêmica. Nesse contexto, psicólogos, estudantes de
Psicologia e o público em geral, vêem freqüentemente a Análise do Comportamento (AC)1
de forma alheia aos seus pressupostos (Barros, 1989; DeBell e Harless, 1992; Miraldo,
1985; Rodrigues, 1999; Velasco, S; Cirino, S; Alves, A; Abreu, L; Nascimento, M; Mota, A
& Borges, C., 2000).
Apesar da produção científica e da aplicação dos conhecimentos produzidos pela
AC, a perpetuação de incorreções se mantém em diversas publicações de uso freqüente
no Brasil. Em trabalhos como o de Velasco & Cols. (2000), no qual foram analisados livros
introdutórios de Psicologia, foram utilizados critérios que classificavam vários aspectos da
AC como acurados, parcialmente acurados, não acurados e omite das discussões
apresentadas. Nesse estudo, 64% dos critérios avaliados foram classificados como não
acurados ou omite das exposições analisadas. Considerando a importância dos manuais
introdutórios para o ensino de Psicologia e constatando a ocorrência de imprecisões
constantes nesses volumes, seria possível estabelecer uma correlação entre esses recursos
didáticos e a perpetuação de distorções sobre a AC.
Miraldo (1985) enumera possíveis conjuntos de variáveis relacionadas ao problema.
O primeiro refere-se aos fatores relacionados às concepções de homem e ciência do
aluno, assim como seus conhecimentos prévios e a influência destes na aprendizagem
dos conceitos em AC. O segundo à maneira como a disciplina é ensinada, englobando
* Faculdade de Educação - UFMG
' O termo ‘Análise do Comportamento' foi deliberadamente usado no presente texto como sinônimo dos
termos 'Behaviorismo Radical' e 'Análise Experimental do Comportamento'. O leitor Interessado em uma
discussAo mais aprofundada das diferenças entre esses termos pode se beneficiar da leitura dos textos da
Professora Maria Amélia Matos (cf Matos, 1992 e 1995).

Sérgio I ).Cirino, I ustáquioJ.dcS, lúnior, Manuel) C/. I opcs, Môniai H.-Olivrim, Ismifa Q. I lortti
também os recursos didáticos utilizados. O terceiro remete às características próprias da
filosofia desta ciência e seu impacto na construção de conhecimento válido para os
problemas humanos. Finalmente, a autora aponta a construção histórica da abordagem,
enquanto uma forma de pensar o fenômeno psicológico.
Com numerosas variáveis determinando o problema, justifica-se a investigação de
textos introdutórios em Psicologia que abordam questões da AC. Objetiva-se, portanto,
verificar a qualidade do tratamento dado aos conceitos e questões consideradas mais
importantes no estudo da AC em manuais de teorias da personalidade. A escolha destes
manuais decorre do assunto psicologia da personalidade estar presente na grande maioria
dos cursos de graduação em Psicologia e, somando-se a isso, o fato de serem recursos
didáticos de utilização provável nestes cursos. Além disso, nem sempre o professor está
preparado para apresentar as diversas abordagens com a mesma qualidade.

1) M etodologia

Foram escolhidos cinco manuais, obedecendo aos seguintes critérios: (1)


apresentar capítulo sobre AC; (2) apresentar capitulo sobre outra abordagem psicológica;
(3) estar disponível em português; (4) estar disponível no acervo de pelo menos duas
bibliotecas da região metropolitana de Belo Horizonte.

1.1) Referências dos livros analisados:

Burton, A. (1974). Teorias operacionais da personalidade. Rio de Janeiro: Imago


Editora.

Cloninger, S. C. (2003). Teorias da personalidade. São Paulo: Martins Fontes.

Fadman, J., Frager, R., & Mayer, E. L. (1986). Teorias da personalidade. São
Paulo: Harbra.

Pervin, L. A (1978). Personalidade: Teoria, avaliação e pesquisa. São Paulo:


E.P.U.

Schultz, D.P., & Schultz, S. E.(2004). Teorias da personalidade. São Paulo:


Pioneira Thomson Learning

Para a análise desses manuais foram utilizadas as categorias de Wyatt, W. J.;


Lamal, P. A.; Newman, B. E. & Hobbie, S. (1997), com o acréscimo da categoria "Define
personalidade".

1.2) Categorias de análise utilizadas:

Assim como as categorias de análise, os critérios de avaliação de Wyatt, W. J.;

Sobre l'o m p o rt.iin e u to e C o ^ n M o


C 1) Ê um campo de estudos legitimo
Indicar a AC como um campo de destaque e influência na Psicologia. Mostrar: credibilidade, que aborda
campos diversos e que existem possibilidades de estudo.

C2) Leva em conta tanto a causalidade genética quanto a ambiental


Citar e explicar os níveis de determinação do comportamento

C3) Oferece uma análise dos eventos privados


Citar posição da AC frente a eventos privados.

C4) Iam ampla utilidade


Apresentar a diversidade de possibilidades de aplicação da AC (clínica, escolas, lares, comunidades,
empresas e t c )

C5) Focaliza tanto o comportamento humano quanto o náo humano


Apresentar os princípios do comportamento como aplicáveis tanto a humanos quanto a náo humanos;
dar Anfase ao comportamento humano, sendo as espécies não humanas um melo de estudá-lo Citar
aplicações para o comportamento humano.

C6) Faz uma análise da linguagem o da sua aquisição


Apresentar a posição da AC frente à linguagem; citar o comportamento verbal e como ele se baseia nos
princípios da AC, mostrando possibilidades deste posicionamento.

C7) Tem uma ampla e crescente base de pesquisa básica e aplicada


Dizer da existência e importância dessas pesquisas de forma histórica, destacando os principais
campos explorados na década da publicação

C8) Incluir citações relevantes e recentes da literatura comportamental


Citações da década de publicação, datadas, de fontes conceituadas

C9) Definir e usar corretamente termos técnicos


Definir os principais termos de forma completa e usá-los de maneira adequada

C10) Evitar a perpetuação de mitos


Não apresentar afirmações equivocadas (como1 AC nega os eventos privados, é a psicologia do S-R,
concentra-se no comportamento de espécies Inferiores etc.).

C11) Deixai clara a ánfase da área em métodos positivos (náo avers/vos)


Discutir as vantagens dos métodos não aversivos, apresentando exemplos e explicando os efeitos dos
métodos aversivos

C12) Apresentar a contingência de trôs termos


Descrever a contingência de trôs termos, exemplificando e mostrando algumas possibilidades do seu uso

C13) Deixar clara a diferença entre os behaviorismos de Watson e Skinner


Descrever o Behavlorlsmo Metodológico e o Radical, diferenciando-os do ponto de vista histórico e
funcional.

C14) Deixar claro que o analista do comportamento reconhece que nem todos os comportamentos sâo
igualmente condicionáveis

C15) Define personalidade


Dar urna definição de personalidade coerente com os princípios apresentados

Sórtfioí).Grino, Lustóquio l.cleS. lúnior, M »inixii Q, Lopes, Mònic.i K.-Oliveim, RorviLi Cy. I lorti
& Cols. (1997) foram definidos como se segue:

1.3)Critérios de Classificação

Acurada (A): quando a análise foi considerada cuidadosa seguindo todos os critérios
determinados na definição da categoria:
Parcialmente acurada (PA): quando as informações foram consideradas
insuficientes:
Nâo acurada (NA): quando as explicações envolviam considerações equivocadas:
Omite (O,); quando o texto não fazia nenhuma referência às questões de determinada
categoria.
--------- A anaiise aos iivro5~PCorreu em duas-etapas: na primeiracteias unr qos lit ros
(Fadman) foi analisado por todos os pesquisadores individualmente. Desta forma, foram
feitos o treino de análise e a avaliação das categorias e critérios a serem utilizados. Os
resultados dessa análise consistiram no consenso dos pesquisadores com relação à
classificação de cada categoria.
Na segunda etapa, cada livro foi analisado por dois pesquisadores, primeiro
individualmente e depois em dupla. Na análise em dupla, os pesquisadores entraram em
consenso quanto à classificação de cada categoria.
Em todas as etapas foram selecionados trechos dos textos lidos como forma de
exemplificar e justificar a classificação.

2) R esultados

2.1) Classificação das categorias em cada manual

Categoria Fadman Cloninger Shultz Pervm Burton


1 A A A A PA
2 PA NA NA NA NA
3 NA NA NA NA 0
4 A A A PA PA
5 PA NA NA 0 1 PA
6 NA PA PA PA NA
7 NA PA PA PA 0 Legenda
8 A NA NA A PA
9 PA PA PA PA NA
A - Acurada
10 NA NA NA NA NA
PA - Parcialmente Acurada
11 PA A PA PA PA
NA - Não Acurada
12 NA PA NA PA 0
O - Omite da discussão
13 PA 0 NA PA PA
14 0 NA 0 0 0
15 A PA 0 0 0

Sobre (.'ornporttm cnto c Cofjníçilo


2.2) Resultados acum ulados das análises dos manuais
Fadman C o llin g *r Porvln
7% 20%
20°^ -
27%

40%
20 %
47%
" 33%
Shultz Burton A nálls* conjunta
13% 13% 0% 16% _ 19%
33% "V
40%
27%
29%
47^
27%
2.3) Análise de cada categoria

CD É um campo de estudos-leaílimo
Somente em Burton essa categoria não foi classificada como acurada. O autor
não mostrou os diferentes campos de aplicação. A predominância da avaliação dessa
categoria como acurada foi atribuída à possibilidade de que, ao dedicar um capítulo sobre
determinada teoria, os autores já estejam considerando a legitimidade do campo de estudos.

C2) Leva em conta tanto a causalidade genética auanto a ambiental


Fadman faz uma análise parcialmente acurada e os outros manuais foram
classificados como não acurados. Em Burton, não encontramos citações sobre os níveis
de determinação do comportamento; Schultz não descreve o papel de genética; Cloninger,
apesar de citar os níveis de determinação, se contradiz ao falar da importância da genética.
Em Pervin, por exemplo, encontramos: 'Eles têm tendido a negligenciar a
importância de fatores genéticos e processos internos, ambos relevantes para a
compreensão das diferenças individuais".(p.501)

Cd) Oferece uma análise dos eventos privados


Apenas Burton omite essa categoria da discussão em seu manual, no entanto
todos os outros manuais foram classificados como não acurados, uma vez que apresentam
colocações equivocadas.
Em Cloninger, por exemplo; ‘Os processos mentais são difíceis de estudar porque
o cientista não tem acesso a eles. Em princípio, os processos mentais podem ser explicados
em termos comportamentais. Na prática isso provavelmente não vale a pena: o melhor seria
enfocar os comportamentos observáveis" (p. 302). Ou seja, ao enfatizar o comportamento
observável, a autora sugere que a AC não se ocupa da investigação de eventos privados.

04) Tem amola utilidade


A maioria dos manuais apresenta uma diversidade de possibilidades de aplicação
da AC (foram classificados como acurados). No entanto, os manuais de Pervin e Burton
^^6 SérgioIXCirino, Fustáquiol.iloS.lúnior, M a n ix ii0/.I.ofx*?;, MônicaK.-Oliveird, C/.I lort«i
foram classificados como parcialmente acurados, uma vez que seus exemplos foram
restritos às áreas clínica e/ou educacional.

C5) Focaliza tanto o comportamento humano quanto o não humano


O manual de Schultz foi classificado, nessa categoria, como não acurado: "Embora
as idéias de Skinner sobre comportamento tenham sido aplicadas a pessoas, as pesquisas
de sua abordagem comportamental utilizaram ratos e pombos. O que podemos aprender
sobre a personalidade humana a partir de pombos? Lembre-se que o interesse de Skinner era
por respostas comportamentais a estímulos, e não por experiências da infância ou o sentimento
do adulto" (p. 362). Em outras palavras, o autor não considera possível o avanço na compreensão
dos assuntos humanos a partir de investigações de comportamentos não humanos.
Os outros manuais foram classificados como parcialmente acurados. Apesar de citar
as aplicações tanto em humanos quanto em não humanos, os autores não mostram a ênfase
na compreensão do comportamento humano,

C6) Faz uma análise da linguagem e da sua aauisicão


Essa categoria apresentou grande discrepância ao ser abordada nos manuais.
Pervin não fez qualquer citação envolvendo a linguagem em nenhum aspecto (omitido
da discussão). Burton e Fadman citam a linguagem de forma indireta e em única passagem.
Schultz esboça um exemplo de aquisição da linguagem sem, no entanto, fazer uma análise.
Cloninger apresenta uma análise acurada: “Skinner propôs definições
comportamentais para formas comuns de comportamento verbal. A mais popular de suas
idéias são os tatos e mands (...). Relações mais complexas entre elementos verbais ocorrem
com o desenvolvimento da gramática. Esses processos autoclíticos não estão diretamente
ligados a eventos ambientais como os tatos e mands." (p.326)

C7) Tem uma ampla e crescente base de pesquisa básica e aplicada


A maioria dos manuais cita a importância desses dois tipos de pesquisa sem, no
entanto, fazer qualquer deíineamento histórico (parcialmente acurada).
Burton omite da discussão e Fadman cita a pesquisa experimental de forma
geral, sem contextualizá-la historicamente, não destaca sua importância e não faz referência
à pesquisa aplicada (não acurada).

C8) Incluir citações relevantes e recentes da literatura comportamental


Três dos cinco manuais analisados apresentam, em sua maioria, citações recentes
e/ou relevantes (acurada). Em Burton, encontramos apenas cerca de 50% de citações recentes
(parcialmente acurada), e Schultz apresenta demasiadas citações indiretas (não acurada).

C9) Definir e usar corretamente termos técnicos


Burton faz uso de termos antes de defini-los, apresenta definições confusas e faz
uso de alguns termos de forma equivocada (não acurada). Os outros autores definem
corretamente os termos de forma geral, mas apresentam algum tipo de equívoco na definição
ou no uso de alguns deles. Em Pervin, por exemplo, encontramos: “É tarefa deste técnico
especificar os comportamentos desejados, determinar as recompensas às quais o paciente
responderá, e determinar os esquemas de reforçamento que devem ser usados para modelar
os comportamentos desejados" (p. 479). Apesar da frase estar, de uma maneira geral,
coerente com a AC, o uso do termo "recompensa" ó equivocado.
Sobre ('om portiim cnto e Coflnlçdo
010) Evitara perpetuação de mitos
Todos os manuais foram classificados como não acurados, uma vez que todos
apresentam informações equivocadas, como no exemplo retirado de Pervin: “A abordagem
skinneriana, de várias maneiras, representa uma ênfase radical do conceito de organismo
vazio" (p. 441).
C11) Deixar clara a ênfase da área em métodos positivos (não aversivos)
Quatro dos cinco manuais analisados apresentaram análises consideradas
parcialmente acuradas nessa categoria. Esses manuais apresentam a discussão analisada,
embora não a desenvolvam. Em Cloninger, no entanto, essa categoria foi classificada como
acurada, uma vez que a autora apresentou uma discussão bastante completa sobre o assunto,
como se verifica no seguinte trecho: “O efeito imediato da punição ó, conforme a sua definição,
reduzir a freqüência de um comportamento operante (...). Infelizmente a punição também
tem efeitos adversos, não pretendidos que, dizia Skinner, fazem dela uma técnica indesejável
para se controlar o comportamento. A punição produz reações emocionais entre as quais o
medo e a ansiedade que perturbam mesmo após o desaparecimento do comportamento
indesejável. (...) Skinner criticava muito a punição e incitava a sociedade a encontrar maneiras
mais eficientes e humanas para controlar o comportamento" (p. 309).

C12) Apresentar a contingência de três termos


A melhor classificação obtida nessa categoria encontra-se nos manuais de Pervin
e Cloninger. Esses autores explicam a contingência de três termos sem exemplificar ou
destacar a importância de seu uso (parcialmente acurada). Burton omite da discussão.
Em Fadman e Schultz, a categoria foi classificada como não acurada.

C13) Deixar clara a diferença entre os behaviorismos de Watson e Skinner


Cloninger omite essa diferenciação, não fazendo referência a Watson. Schultz
apresenta o Behaviorismo de Watson e Skinner de forma indistinta (não acurada). Os
outros manuais foram classificados como parcialmente acurados: apresentam a
diferenciação de forma superficial.
ClAlJDeixar claro aue o analista do comportamento reconhece aue nem todos os
comportamentos são igualmente condicionáveis
Apenas Cloninger não omite essa categoria da discussão, sendo classificada
como não acurada.
C 15) Define personalidade
Somente Fadman fornece uma definição de personalidade satisfatória e coerente
com os princípios da Análise do comportamento: "Personalidade no sentido de um eu
separado não tem lugar em uma análise científica do comportamento. Personalidade ó
definida por Skinner como uma coleção de padrões de comportamento. Situações diferentes
evocam diferentes padrões de respostas" (p. 193). Os outros manuais omitiram uma definição
de personalidade.

3) D iscussão

Sérgio P.Cirino, tustáquio l.do S. júnior, M inudd Q. Lopes, Mòrm.i H.-Olivriru, Rerviü C/. I lorti
A pesquisa aponta para dados que permitem a proposição de reflexões e
discussões sobre alguns pontos. O primeiro deles refere-se à constatação de que livros
mais atuais (Shultz e Cloninger) trouxeram temas mais avançados, omitidos ou tratados
inacuradamente pelos livros mais antigos (Pervin e Burton). Talvez por isso, representem
um momento bibliográfico de transição naquilo que se refere aos recursos didáticos da
AC. Ao acrescentar em suas análises temas como comportamento verbal e relações de
equivalência, refletem o movimento histórico da produção científica da AC, que passou a
se ocupar mais de assuntos como a aquisição e o desenvolvimento da linguagem e a
emissão de comportamentos sem treino prévio direto.
Uma dificuldade encontrada no processo de pesquisa, e que não é uma
particularidade desse campo, como nos mostra Lakoff (1987), foi a definição de categorias
e a utilização das mesmas. Ainda que a definição de cada categoria tenha sido construída
para objetivar aqueles critérios que deveriam ser levados em consideração, vimos que o
próprio fato de considerar critérios ocorre de forma subjetiva, onde alguns têm mais valor e
outros não são tão importantes. A medida de valor dado, ao que deveria ser levado em
conta, varia de acordo com o sujeito que analisa o texto. Isso ficou evidente nas discussões
que buscavam o consenso dos pesquisadores, como foi descrito na metodologia. O critério
de análise PA (parcialmente acurado), é um bom exemplo de como essas classificações
podem variar, sendo interpretado, em alguns momentos, de maneira mais positiva, em
outros, no entanto, de maneira mais negativa.
Ao contrário do que se pode pensar, essas pequenas diferenças podem trazer
informações pertinentes, apesar de sutis. Porém, não se encontram instrumentos mais
adequados para descrever essas sutilezas, uma vez constatada a limitação do método de
categorização.
A categoria que avalia se a AC poderia ser vista como um campo de estudo legítimo
(C1), também pode apresentar alguns problemas. Por exemplo, um campo de estudo hoje
considerado legítimo pode não ter sido assim abordado há algum tempo. E ainda que seja
considerado legítimo isso pode acontecer apenas dentro de um contexto histórico, ou seja,
o autor pode mostrar a legitimidade e importância da AC para a história da Psicologia, mas,
não deixar claro que ainda considere esse, um campo de estudos legítimo.
A partir dessas dificuldades concordamos que"(...) uma categorização clássica,
pautada por condições necessárias e suficientes, se torna extremamente problemática"
(Matos, 2004).
Outro aspecto que deve ser observado nesse tipo de pesquisa é que algumas
análises podem receber influências de problemas de tradução. O uso de traduções neste
estudo se justifica pelo fato de constituírem recursos usados com maior freqüência do que
as obras originais. Não obstante, o problema de se valer de uma tradução para análise,
reside no fato de que sempre será analisada a percepção do tradutor acerca da obra
original e não aquilo que o autor pretendeu transmitir de fato com a publicação.
Pode-se destacar a importância do analista do comportamento trabalhar
diretamente com outras áreas, principalmente no meio acadêmico, mostrando na prática
as possibilidades da AC. Já que se constata que o material didático, muitas vezes, aponta
incorreções sobre a abordagem, torna-se mais relevante ainda o estabelecimento de um
diálogo com outros campos de estudo, mostrando como os princípios comportamentais
podem ser aplicados, onde, quando, em que tipo de contexto, com que grau de
generalização, dentre outros aspectos. Algumas experiências brasileiras de aproximações

Sobre (.'om poftim cnto e ('ogniçJo 4 4 9


da AC com outras áreas podem ser destacadas. Por exemplo, Medeiros e Rocha (2003)
apontam que Skinner"(...) em muitas passagens endossa a pertinência das análises
feitas por Freud da conduta humana” (p. 187). Uma outra aproximação ó feita por Fazzi e
Clrlno (2003) entre a AC e a proposta de Paulo Freire, destacando semelhanças
metodológicas e conceituais. Trabalho seminal foi feito por Pereira (2000) ao investigar
aproximações e distanciamentos no estudo da Linguagem nas perspectivas skinneriana e
bakhtiniana. A construção social do conhecimento nas perspectivas da Psicologia Social
e da AC é objeto de análise de Souza, Ruas e Cirino (2004). Já no campo da Administração,
Horta (2004) aproxima Schein, importante teórico da área de cultura organizacional, com
determinados aspectos da perspectiva skinneriana. Todos esses diálogos entre a AC e
outras áreas podem ser encaradas como tentativas de avançar na compreensão dos
assuntos humanos. Em última análise, além de contribuírem para o estreitamento de
laços entre diferentes áreas que estão legitimamente ocupadas da tarefa de investigar
causas para os comportamentos humanos, esses trabalhos também podem auxiliar na
diluição dos equívocos sobre a AC.
Por fim, ó possível refletir sobre as conseqüências que esse tipo de pesquisa tem
trazido para a AC. Quando uma comunidade científica aborda as incorreções a seu respeito,
ela, além de pretender um uso mais criterioso dos próprios conceitos, compete,
paralelamente, para atualização desses equívocos, uma vez que os coloca em evidência
e suscita questões, tais como: o porquê da elevada recorrência de pesquisas voltadas
para a defesa conceituai da AC (Gioia, P. S., 2001; Miraldo, 1985; Velasco & Cols 2000,
Lamal, P. A.; 1995). Uma resposta provável pode remeter a uma dificuldade das comunidades
de analistas do comportamento na transmissão eficaz dos seus conceitos e objetivos.
De acordo com esse argumento, faria-se necessária uma mudança no
comportamento de ensinar desses profissionais com objetivo de diminuir em nossa própria
comunidade a freqüência com que se discutem muitos equívocos, enfraquecendo, assim
a probabilidade de perpetuação dos mesmos e aumentando a probabilidade de análises
mais propositivas.
A princípio, procurou-se fazer uma análise descritiva de como a AC tem sido
representada em livros de teorias da personalidade. Constataram-se imprecisões recorrentes
nos textos analisados. Entretanto, a conclusão de que este campo de estudo ó apresentado,
muitas vezes, de forma não acurada, não constitui uma novidade, dada a existência de
trabalhos sobre representações distorcidas do mesmo. Além de reavaliar suas estratégias
de ensino e divulgação, a AC poderia, sem fazer referência aos mitos, atuar sobre questões
relacionadas à história da abordagem, tais como: a diferenciação entre o Behaviorismo
Metodológico de Watson e o Behaviorismo Radical de Skinner, as diversas influências
recebidas por Skinner durante sua trajetória, o delineamento e a construção dos conceitos
da abordagem, dentre outras. A atuação sobre essas questões visaria uma seleção cultural
mais eficiente, já que, a crítica à abordagem é exatamente o que pode estar sendo
selecionado. Nesse sentido, a concretização desse trabalho teve uma importância
significativa para que se formulasse essa discussão; propiciando, para os pesquisadores,
uma oportunidade de refletir sobre os desdobramentos do mesmo. Assim, essa pesquisa
torna-se, ela própria, um objeto de análise.

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Sobre Com portamento c C ormívüo 451


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five leading introductory psychology textbooks. Balance (Monograph), n° 1.

Sobrc C o m p o rt.m u -n lo f C o r o I vJ o
A Terapia Comportamental e a Terapia
Cognitivo-comportamental têm se expandido
rapidam ente como processo terapêutico,
ampliando significativamente os recursos de
psicólogos e psiquiatras, na prática clínica. O
volume que você tem em mãos lhe oferece o que há
de mais atualizado e abrangente na área
comportamental e cognitivo-comportamental,
complementado por textos teóricos e de pesquisa
que dão sustentação científica e conceituai aos
procedimentos terapêuticos. Além disso, a atuação
comportamental tem se expandido para outras
áreas, com a mesma clareza de intervenção e
consistência de resultados, tais como nos contextos
hospitalar, de ensino, das organizações. O presente
livro é um instrumento indispensável a todos os
estudantes e profissionais da Psicologia,
interessados no desenvolvimento e nas contribui­
ções da abordagem comportamental como ciência
e como aplicação.

Os organizadores

ESETec
Editores Associados

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