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Dizemos que uma doutrina é dualista quando essa doutrina sustenta que há dois tipos de
coisa em um dado domínio. Por oposição, uma doutrina é dita monista quando segundo essa
doutrina há apenas um tipo de coisa em um dado domínio. Aqui estamos interessados no
domínio dos enunciados. Para o dualismo analítico-sintético há dois tipos de enunciado, a
saber, os enunciados analíticos e os enunciados sintéticos. Já o monismo metodológico rejeita
essa divisão e admite um só tipo de enunciado.
Há várias concepções do que sejam enunciados analíticos e enunciados sintéticos. Para Kant
(1724 – 1804), enunciados analíticos são aqueles em que o conceito do predicado está contido
no conceito do sujeito e enunciados sintéticos são os outros, isto é, aqueles em que o conceito
do predicado não está contido no conceito do sujeito. Quine apresenta a posição de Kant
dizendo que enunciado analítico é aquele que atribui “a seu sujeito não mais do que o já
conceitualmente contido no sujeito”. Quine faz isso no ensaio Dois Dogmas do Empirismo
(vejam na Bibliografia do curso a referência da coleção Os Pensadores). Nesse ensaio Quine
critica e rejeita o dualismo analítico-sintético. Já Frege tem uma outra visão da analiticidade.
No parágrafo 3 de Os Fundamentos da Aritmética, ele especifica que no âmbito da matemática
um enunciado é analítico se ele pode ser demonstrado apenas a partir de leis lógicas gerais e
definições; caso contrário, esse enunciado é dito sintético. Assim, o projeto logicista de Frege
pode ser entendido como uma tentativa de mostrar que os enunciados da aritmética são
analíticos. A rejeição de Quine ao dualismo analítico-sintético parte da concepção segundo a
qual “um enunciado é analítico quando verdadeiro em virtude de significados e independente
de fatos” (vejam Dois Dogmas do Empirismo) e os enunciados sintéticos são aqueles cuja
verdade depende de fatos. Os fatos a que nos referimos aqui são fatos da experiência.
Esse enunciado parece ser verdadeiro em virtude dos significados dos termos envolvidos.
Parece que não precisaríamos fazer uma pesquisa experimental de campo entrevistando
solteiros previamente selecionados para saber de cada um deles se é casado ou não. Sendo
solteiros, claro, eles não são casados e não haveria necessidade de fazer entrevista alguma.
Entretanto, Quine assinala que para sabermos que “solteiro” é definido como “homem não
casado” precisamos recorrer a um dicionário (podemos detalhar isso dizendo que precisamos,
em última análise, recorrer a um dicionário, isto é, precisamos recorrer a um dicionário, ou
recorrer a uma pessoa que recorreu a um dicionário, ou recorrer a uma pessoa que recorreu a
uma pessoa que recorreu a um dicionário, etc) e o lexicógrafo que elaborou esse dicionário é
um cientista empírico, ou seja, experimental (assim, alguém cujo trabalho está apoiado em
fatos da experiência).
O fato de que na visão naturalista de Quine a ciência deve ser julgada em seus próprios
termos e não nos termos de um sistema filosófico externo coloca uma pergunta interessante:
em que termos deve ser julgada a parte da matemática que não é aplicada na ciência? Claro,
essa parte varia no tempo, mas é razoável supor que haja partes da matemática que
provavelmente jamais terão aplicações na ciência (isso vale, em particular, para certos tópicos
de teoria dos conjuntos). Voltaremos a esse ponto adiante no curso.
Por fim, faço duas observações. A primeira é um comentário, muito breve, acerca de dúvidas
que surgiram sobre o nominalismo. Como disse antes, esse é um tema importante na filosofia
contemporânea da matemática, mas não vamos tratar dele mais detidamente aqui, pois o foco
de nosso curso é outro. Entretanto, podemos dizer o seguinte: nominalistas procuram, por um
lado, reformular teorias científicas, evitando os compromissos dessas teorias com objetos
abstratos e, por outro lado, mostrar que embora o uso de objetos abstratos da matemática
tenha enorme importância prática nas aplicações da matemática nas teorias científicas, os
mesmos resultados poderiam ser obtidos em teoria, não na prática, sem recorrer a esses
objetos abstratos. Esse é um trabalho gigantesco e tecnicamente muito elaborado (para uma
introdução, vejam o capítulo 7 do livro de Linnebo na Bibliografia). A segunda é uma
informação sobre Frege que pode ajudar no esclarecimento de algumas dúvidas. Frege, claro,
era um filósofo, mas também era um matemático profissional. Ele se doutorou na
Universidade de Gottingen em 1873 e foi professor no Departamento de Matemática da
Universidade de Jena de 1874 até 1917, quando se aposentou.