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Resumo
O presente texto analisa o papel da afetividade nas práticas pedagógicas desenvolvidas por
professores em sala de aula. Tendo como suporte as ideias de Vygotsky e Wallon, assume-se, como
pressuposto, que as relações que se estabelecem entre o sujeito, o objeto de conhecimento e o agente
mediador também são profundamente marcadas pela dimensão afetiva, uma vez que produzem
impactos subjetivos no sujeito. Tais impactos podem gerar movimentos de aproximação ou de
distanciamento entre o sujeito e o referido objeto de conhecimento; essas relações podem ser
estudadas na situação de sala de aula. Neste sentido, pretende-se identificar e analisar algumas
decisões pedagógicas planejadas e desenvolvidas por professores e seus impactos afetivos nas
relações que se estabelecem entre o aluno e os conteúdos escolares. Dados acumulados de pesquisas
permitem identificar que as decisões que promovem o sucesso na aprendizagem aumentam as chances
de se estabelecer uma relação afetiva positiva entre o aluno e os conteúdos escolares – aqui designada
como uma relação de aproximação afetiva.
Palavras-chave: Aprendizagem, Afetividade, Práticas pedagógicas, Mediação do professor.
Abstract
This paper discusses the role of affectivity in pedagogical practices developed by teachers in the
classroom. With the theoretical support of Vygotsky and Wallon ideas, it is assumed that the
relations established between the subject, the object of knowledge and the mediator are also deeply
influenced by the affective dimension, since they produce impacts on subjective subject. Such impacts
can generate approximation or separation movements between the subject and the object of such
knowledge; these relations can be observed in the classroom situation. We aim to identify and analyze
some pedagogical decisions planned and developed by teachers and their impacts on affective
relations that are established between the student and the school contents. Research data permit to
identify the teacher decisions that promote success in learning, increasing the chances of establishing
a positive affective relation between the student and the school contents - here designated as a relation
of affective approach.
Keywords: Learning, Affection, Teaching practices, Teacher mediation.
Resumen
El presente texto analiza el papel de la afectividad en las prácticas pedagógicas desarrolladas por
profesores en el salón de clase. Con el respaldo de las ideas de Vygotsky y Wallon, se supone que las
relaciones que se establecen entre el sujeto, el objeto de conocimiento y el mediador también están
profundamente influenciadas por la dimensión afectiva, ya que producen impactos en la subjetividad
del sujeto. Estos impactos pueden generar movimientos de acercamiento o de alejamiento entre el
sujeto y el objeto de conocimiento; estas relaciones pueden ser estudiadas en el salón de clase.
Nuestro objetivo es identificar y analizar algunas decisiones pedagógicas planificadas y desarrolladas
_____________________________________
Endereço para correspondência: Rua Cayowáa, 1553, apt. 10. Bairro Sumaré, São Paulo/SP, Brasil. CEP:
01258-011. E-mail: sasleite@uol.com.br. Telefones: +55 11 3673-0759 / +55 11 9932-4673.
Artigo aceito durante a gestão do editor Gerson Tomanari.
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por los docentes y su impacto en la relación afectiva que se establece entre el alumno y los contenidos
escolares. Datos acumulados de investigación permiten identificar las decisiones que promueven el
éxito en el aprendizaje y aumentan las posibilidades de establecer una relación afectiva positiva entre
el estudiante y el contenido de la escuela - designada aquí como una relación de acercamiento
afectivo.
Palabras clave: Aprendizaje, Afectividad, Prácticas pedagógicas, Mediación del profesor.
emoção como o lado sombrio e nebuloso da moeda, mantendo entre si íntimas relações. Tais
natureza humana, responsável por grande parte questões criaram as condições para o
de suas mazelas: assim, seria função da razão o surgimento da chamada concepção monista
controle/domínio sobre a emoção, ou seja, só sobre a constituição humana.
assim o homem não correria o risco de perder a As concepções dualistas, historicamente,
razão. têm sido contestadas. Somente no século
O domínio hierárquico da razão sobre a passado, com o advento de teorias filosóficas,
emoção é observado nos diferentes períodos sociológicas e psicológicas centradas nos
históricos: na Antiguidade, pela oposição entre determinantes culturais, históricos e sociais do
conhecimento inteligível (passível de uma processo de constituição humana, criaram-se as
abordagem objetiva) e conhecimento sensível bases para uma nova compreensão sobre o
(não científico), sendo os sentimentos próprio homem e, no nosso caso, das relações
considerados não passíveis de um entre razão e emoção. O pensamento humano
conhecimento objetivo pelo seu grau de caminhou, assim, na direção de uma concepção
subjetividade. Na Idade Média, pelo conflito monista, em que afetividade e cognição passam
entre razão e fé, com o predomínio desta sobre a ser interpretadas como dimensões
aquela. Na Modernidade, pelo dualismo indissociáveis e parte do mesmo processo, não
cartesiano, embora tenha ocorrido uma sendo mais possível analisá-los separadamente.
crescente valorização do indivíduo como ser Um dos filósofos cujo pensamento
pensante, portador de uma consciência desempenhou um papel histórico fundamental
individual e de liberdade. Na sequência no processo de superação da concepção dualista
histórica, entendemos que o ápice do foi Baruch de Espinosa3 (Spinoza, 2009; Chauí,
predomínio racionalista ocorreu no final do 2005; Damásio, 2003), que nos chama a
século XIX, com o Positivismo, de Augusto atenção não só pelo conteúdo das suas ideias,
Comte1, ratificando que o conhecimento só é mas, principalmente, pelo momento em que
possível através da razão2. foram elaboradas e divulgadas – em pleno
É inegável a influência secular da século XVII.
concepção dualista nas práticas das instituições Espinosa defendia que o corpo e mente são
educacionais: herdamos uma concepção atributos de uma substância única; assumiu que
segundo a qual o trabalho educacional envolve corpo e alma seguem as mesmas leis,
e deve ser dirigido, essencialmente, para o rompendo, assim, com a hierarquia secular que
desenvolvimento dos aspectos cognitivos, situava a alma como instância superior ao
centrados na razão, sendo que a afetividade não corpo.
deve estar envolvida nesse processo. Neste
Pode-se, assim, ilustrar a radical mudança
sentido, os currículos e programas
relacionada à concepção humana pelo contraste
desenvolvidos, nos diferentes momentos da
entre duas máximas, elaboradas num intervalo
nossa política educacional, centraram-se no
de três séculos e meio: de um lado, a máxima
desenvolvimento da dimensão racional-
cartesiana4 penso, logo existo5, em que a
cognitiva, através do trabalho pedagógico em
razão/pensamento é interpretada como motivo
sala de aula, em detrimento da dimensão
da existência; de outros lado, a máxima recente
afetiva.
do neurofisiólogo Antonio Damásio existo e
Com o desenvolvimento da ciência e da sinto, logo penso (Damásio, 2001), propondo
pesquisa, em quase todas as áreas do uma clara inversão do domínio secular da razão
conhecimento, principalmente a partir do sobre a emoção, anunciando que esta é a base
século XVIII, criam-se as condições para a para a constituição da estrutura cognitiva do ser
construção de um modelo teórico mais humano – posição semelhante também
adequado; esse modelo nos possibilitou assumida por Wallon.
entender que razão e emoção são
indissociáveis, dois lados de uma mesma
1 3
1789-1857. 1632-1677.
2 4
Análise dessas questões podem ser encontradas em Descartes, 1596-1650.
5
Marcondes (2000); Bosch (1998); Figueiredo A obra de Descartes “Discurso do Método” foi
(1992); Giles (1993). publicada em 1637.
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aos núcleos; d) com esse material pronto, o constituição do sujeito como leitor; a
pesquisador solicita uma segunda entrevista afetividade nas práticas pedagógicas,
com o sujeito, onde apresenta, inicialmente, as planejadas e desenvolvidas pelos professores
matrizes contendo os núcleos temáticos e em sala de aula. É sobre este último eixo que se
solicita ao sujeito que complemente, altere, relaciona o presente texto.
amplie ou mantenha os núcleos elaborados. Após os primeiros trabalhos de pesquisa
Além disso, o pesquisador deverá apresentar as sobre o tema, focando principalmente as
dúvidas específicas surgidas, bem como outras relações interpessoais em sala de aula, logo
questões elaboradas; e) os dados da segunda percebemos que a dimensão afetiva extrapola
entrevista também deverão ser transcritos e os limites das relações epidérmicas e contatos
incluídos nos núcleos temáticos já existentes, o face a face. Os estudos que orientamos e
que pode ampliar os núcleos temáticos, a partir acompanhamos sobre o professor inesquecível
da matriz inicial; f) outras entrevistas poderão (Falcin, 2003; Tagliaferro, 2003) apontaram, de
ocorrer seguindo o mesmo procedimento acima forma clara, que todas as decisões planejadas e
descrito. Essa etapa de coleta e análise inicial desenvolvidas pelos professores produzem
de dados é encerrada quando sujeito e fortes impactos afetivos nos alunos, mesmo
pesquisador concordarem que o assunto foi quando os docentes não estão fisicamente
adequadamente abordado, não havendo mais presentes na situação, como ocorre nas relações
novas considerações; g) após as entrevistas com face a face. Isto nos levou a ampliar o nosso
todos os sujeitos, inicia-se a segunda etapa de olhar para as práticas/mediações pedagógicas,
análise, agora sob a responsabilidade somente envolvidas especificamente com as condições
do pesquisador, com o cotejamento de todas as de ensino, tentando identificar e analisar a
matrizes individuais. A meta é a construção de repercussões que as mesmas produzem nas
uma matriz final, que deverá abranger o relações que se estabelecem entre os
conjunto de núcleos temáticos com todos os alunos/sujeitos e os respectivos conteúdos
dados considerados relevantes, verbalizados escolares/objetos abordados em sala de aula.
pelos sujeitos, sobre os objetivos da pesquisa. Assim, o foco do nosso olhar sobre a dimensão
Esses serão, portanto, os resultados da afetiva passou a ser, especificamente, os
pesquisa: o conjunto dos núcleos temáticos, processos de ensino e de aprendizagem que
com seus títulos, definições e conteúdos ocorrem na sala de aula.
verbais, os quais deverão ser, posteriormente,
objetos de discussão e interpretação, à luz da
abordagem teórica assumida.
Bases teóricas
Um dos primeiros trabalhos que Este é um tema sobre o qual é fundamental
orientamos, utilizando o procedimento de a construção de um modelo teórico adequado,
entrevistas recorrentes, foi o de Grotta (2000), que possibilite uma compreensão que
que analisou o processo de constituição de ultrapasse o olhar tradicional ou o senso
leitores de quatro sujeitos adultos. comum sobre a relação razão x emoção, como
A partir desses projetos iniciais, as já foi discutido. Um modelo teórico que nos
pesquisas foram desenvolvidas, tendo como ajude a entender que o Homem é um ser único;
objeto as relações que ocorrem em sala de aula. que o dualismo é uma leitura artificial da
Especificamente, a maioria das pesquisas constituição humana, produzido pelo próprio
estudou as mediações pedagógicas planejadas e Homem em função de determinadas condições
desenvolvidas pelos professores. O livro que históricas, políticas e sociais; que o Homem é
organizamos (Leite, 2006) representou um um ser que pensa e sente simultaneamente,
marco importante nesse processo ocorrido no sendo que a emoção está sempre presente na
Grupo do Afeto: foi planejado e escrito relação do Homem com a cultura; que,
visando, principalmente, aos educadores que portanto, razão e emoção são indissociáveis, o
atuam nas redes de ensino e demais professores que aponta para uma concepção
e estudantes, que tenham interesse pelo tema. holística/monista sobre a constituição humana.
Assim, durante esse período, é possível Enfim, este é um tema que exige estudo e o
identificar três grandes eixos que nortearam os exercício da reflexão sobre o mesmo, uma vez
trabalhos desenvolvidos no Grupo do Afeto: a que essas questões frequentemente esbarram e
afetividade nas relações interpessoais colidem com velhas concepções ideológicas, de
professor-aluno-aluno; o processo de natureza liberal, muitas delas ainda fortemente
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cultura, constituir-se-á como um ser sócio- que desempenha um papel ativo nos processos
histórico. Ou seja, o ser humano nasce com as de interação vivenciados.
chamadas funções elementares, de natureza Com relação à afetividade, Vygotsky
biológica. Cabe à teoria psicológica explicar (1993) denuncia a divisão histórica entre os
como tais funções, a partir da inserção cultural, afetos e a cognição, apontando-a como um dos
vão se constituir nas chamadas funções grandes problemas da Psicologia na sua época,
superiores, que caracterizam o ser humano. ao mesmo tempo em que critica as abordagens
Oliveira (1993) resume as ideias basilares orgânicas. Para o autor, as emoções deslocam-
da teoria vygotskyana: a) as funções se do plano individual, inicialmente biológico,
psicológicas superiores têm suporte biológico, para um plano de função superior e simbólico,
pois são produtos da atividade cerebral; o de significações e sentidos, constituídos na/pela
cérebro, assumido como a base biológica do cultura. Nesse processo, internalizam-se os
funcionamento psicológico, é entendido como significados e sentidos, atribuídos pela cultura e
um sistema aberto e de grande plasticidade, o pelo indivíduo aos objetos e funções culturais, a
que permite as imensas possibilidades de partir das experiências vivenciadas, sendo
realização humana e a enorme capacidade de crucial o papel do outro, como agente mediador
adaptação do homem; b) o funcionamento entre o sujeito e os objetos culturais. Assim,
psicológico fundamenta-se nas relações sociais para o autor, “as emoções isolam-se cada vez
concretas entre o indivíduo e o mundo exterior, mais do reino dos instintos e se deslocam para
as quais se desenvolvem num processo um plano totalmente novo.” (Vygotsky, 1998,
histórico; assim, as funções superiores p. 94)
constituem-se na/pela cultura; c) a relação Comparando-se as posições de Wallon e
homem-mundo é sempre mediada por sistemas Vygotsky sobre a afetividade, percebe-se que
simbólicos, o que coloca o conceito de os autores apresentam pontos comuns com
mediação como central na teoria. Dentre os relação aos aspectos essenciais do fenômeno
sistemas simbólicos, a fala é considerada em pauta: a) ambos assumem uma concepção
fundamental para a construção das funções desenvolvimentista sobre as manifestações
superiores, sendo internalizada nos anos iniciais emocionais: inicialmente orgânicas, vão
do processo de desenvolvimento, passando a ganhando complexidade na medida em que o
funcionar como um instrumento do indivíduo desenvolve-se na cultura, passando a
pensamento. atuar no universo simbólico, ampliando-se e
O desenvolvimento humano pode ser complexificando-se suas formas de
entendido como um processo de apropriação manifestação; b) assumem, pois, o caráter
dos elementos e processos culturais, ocorrendo social da afetividade; c) assumem que a relação
no sentido do externo (relações interpessoais) entre a afetividade e inteligência é fundante
para o interno (relações intrapessoais), mediado para o processo do desenvolvimento humano.
pela ação do outro (pessoas físicas ou agentes Na sequência, apresentamos uma síntese
culturais). A aprendizagem desempenha, das ideias que embasaram todo o trabalho de
portanto, um papel crucial na medida em que pesquisa desenvolvido pelos membros do
possibilita o processo de desenvolvimento. Grupo do Afeto:
É inegável o impacto dessas concepções a) a produção do conhecimento é um
no pensamento pedagógico. De um lado, aponta processo que ocorre a partir da relação que se
que o processo de mediação pedagógica é estabelece entre o sujeito e o objeto. Nessa
fundamental na relação que se estabelece entre relação, o sujeito tem uma participação
o sujeito/aluno e o objeto de essencialmente ativa, ou seja, as relações com
conhecimento/conteúdos escolares, lembrando os diversos objetos possibilitam ao sujeito a
que, em sala de aula, o professor é o principal elaboração de ideias, hipóteses, relações,
agente mediador, embora não o único. De outro análises, sínteses, etc. Tais processos, na
lado, sugere que a mediação pedagógica ocorre escola, correspondem às relações que se
através de práticas e situações concretas, o que estabelecem entre o aluno e os diversos
significa que as mesmas podem ser planejadas conteúdos abordados;
de forma a aumentar as chances da b) toda relação sujeito-objeto é sempre
aprendizagem com sucesso pelo aluno. Este, mediada por agentes culturais, que podem ser
por sua vez, é entendido por Vygotsky (1998) pessoas físicas ou produtos culturais, como no
como um sujeito interativo, ou seja, um sujeito caso de um texto produzido por alguém, que
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relações afetivas negativas na relação que se relação afetiva de aproximação entre o aluno e
estabelece com o objeto. os conteúdos envolvidos.
c) A organização dos conteúdos de ensino Por outro lado, a escolha dos
procedimentos e atividades de ensino apresenta
Quando os conteúdos de um curso são inúmeros desafios que podem transformar tais
organizados de forma aleatória, não se escolhas em verdadeiras condições de fracasso
respeitando a lógica da organização do para o aluno: é o caso, por exemplo, da escolha
conhecimento da área, dificulta-se o processo inadequada de uma atividade, tendo em vista o
de apropriação dos referidos conteúdos pelo objetivo proposto. É comum a ocorrência de
aluno. É o caso das situações em que o atividades de ensino não relacionadas com os
professor não analisa adequadamente os objetivos específicos esperados; tal fato é
objetivos de ensino e não identifica os reforçado quando as atividades de avaliação
conteúdos envolvidos, bem como a maneira utilizadas são radicalmente diferentes das
como, por exemplo, os conceitos e princípios atividades de ensino utilizadas pelo professor.
de uma determinada área se relacionam. Alguns Ou, ainda, o desenvolvimento de uma atividade
dados das pesquisas realizadas sugerem que a totalmente desmotivadora, mesmo quando se
ausência de uma organização lógica dos apresentam objetivos relevantes. Geralmente,
conteúdos de um determinado curso pode os jovens demonstram grande sensibilidade
aumentar as possibilidades de fracasso do para identificar uma atividade de ensino como
aluno, colaborando com a prevista deterioração adequada ou não, em função dos objetivos
das relações afetivas entre o aluno e o objeto propostos.
em pauta. Organizar os conteúdos de forma
adequada, portanto, parece estar relacionado Além desses problemas, uma atividade de
com o fato de o professor respeitar a ensino pode ser inadequada por algum
organização epistemológica da respectiva área problema na sua organização interna: pode
de ensino; ou seja, como o professor não ensina ocorrer a ausência de instruções claras, ou
todo o conteúdo de uma só vez e como o aluno ocorrência de intervenções inadequadas por
também não aprende dessa forma, é necessário parte do professor, falta de correção com
organizar esse conteúdo, sequenciando-o e relação ao desempenho do aluno, ou mesmo
delimitando-o em cada etapa do ensino. É ausência de atividade relevante prevista para o
possível que as dificuldades de análise dos aluno realizar. Quando tais problemas são
objetivos ˗ geralmente por desconhecimento frequentes ou adquirem uma grande proporção,
dos professores ˗ expliquem parcialmente o a atividade escolar pode se tornar uma prática
frequente uso do livro didático como extremamente indesejável e desmotivadora para
instrumento principal de ensino dos cursos. No o aluno, produzindo, geralmente, efeitos
entanto, outros fatores também podem estar desastrosos e, obviamente, deteriorando, às
relacionados com esse fato. vezes por completo, as possíveis relações
afetivas entre o aluno e os conteúdos
d) A escolha dos procedimentos e atividades de abordados. Além disto, são frequentes os casos
ensino de afastamento afetivo que podem ocorrer entre
A escolha das atividades de ensino está o aluno e todo o ambiente escolar.
ligada às relações que, efetivamente, vão Finalmente, deve-se destacar que nas
ocorrer na sala de aula – se o professor vai atividades de ensino concentra-se,
ministrar aula expositiva e como, se vai dar concretamente, grande parte da carga afetiva da
trabalho em grupo, propor leitura de texto, sala de aula, através das relações interpessoais
realizar pesquisa de campo, etc. São, pois, as entre professores e alunos: olhares, posturas,
relações observáveis, geralmente com efeitos conteúdos verbais, contatos, proximidade, tom
imediatos identificados na própria situação, que de voz, formas de acolhimento, instruções,
devem ser adequadas aos objetivos propostos. correções, etc. constituem aspectos da trama de
Neste sentido, é inegável a implicação da relações interpessoais que implicam em um
dimensão afetiva em cada atividade planejada e enorme poder de impacto afetivo no aluno,
desenvolvida. Atividades bem escolhidas e positivo ou negativo, dependendo da forma
adequadamente desenvolvidas, sem dúvida, como essas interações são vivenciadas. Daí a
aumentam as chances do aprendizado com relevância dessas decisões: afinal, elas se
sucesso por parte do aluno e a consequente referem às formas concretas como as relações
Afetividade nas práticas pedagógicas 365
face a face são vividas e percebidas em sala de relação dialética existente entre esses dois
aula. processos – ensino e aprendizagem são
processos interdependentes. Desta forma,
e) A escolha dos procedimentos de avaliação
somente quando os dados da avaliação são
do ensino
utilizados a favor do aluno, garante-se uma das
Uma das unanimidades observadas nos principais condições para que se estabeleça
dados acumulados pelas nossas pesquisas é que uma relação afetivamente positiva entre o
a avaliação tradicional tem sido apontada como sujeito e o objeto. Isto só ocorre, portanto,
um dos principais fatores responsáveis pelo quando os resultados da avaliação são
fracasso do processo de ensino e aprendizagem, utilizados, por exemplo, para a revisão das
ou seja, pelo distanciamento afetivo entre o condições de ensino ou subsidiem estratégias
sujeito/aluno e o objeto/conteúdo. A avaliação que possibilitem que os alunos apropriem-se
parece tornar-se desastrosa quando seus adequadamente dos conteúdos desenvolvidos.
resultados são utilizados contra o aluno e, Deve-se destacar que tais alternativas
obviamente, quando tal relação é identificada também implicam no trabalho coletivo
pelo aluno. Esta é a lógica do processo de desenvolvido pelos docentes na instituição, ou
avaliação tradicional, que tem como objetivo, seja, a política de avaliação de ensino não pode
basicamente, o ranqueamento dos alunos, ser um tema puramente individual, a ser
identificando os melhores e os piores. Como decidida pelo docente isoladamente, mas exige
todo seu fundamento está centrado na diretrizes comuns, discutidas e assumidas por
concepção de homem derivada da ideologia toda a instituição.
liberal, base do sistema capitalista, pressupõe-
se que as diferenças nas capacidades humanas
são inatas, distribuídas gaucianamente7 entre os Uma palavra final
homens. A partir do exposto, é possível defender
Nesta perspectiva, ensino e aprendizagem que a afetividade está presente em todas as
são entendidos como processos independentes: decisões assumidas pelo professor em sala de
ensino é tarefa do professor, aprendizagem é aula, produzindo continuamente impactos
obrigação do aluno – e se esta não ocorre positivos ou negativos na subjetividade dos
adequadamente, certamente é por algum fator alunos. Trata-se, pois, de um fator fundante nas
relacionado intrinsecamente com o aluno. Leite relações que se estabelecem entre os alunos e
& Kager (2009) apontam os efeitos os conteúdos escolares. A qualidade da
devastadores que o processo de avaliação mediação pedagógica, portanto, é um dos
tradicional pode produzir nas relações entre principais determinantes da qualidade dos
sujeito-objeto. vínculos que se estabelecerão entre os
Por outro lado, qualquer alternativa que se sujeitos/alunos e os objetos/conteúdos
coloque implica em profundas mudanças nas escolares.
concepções de ensino e aprendizagem – Com isto, não estamos defendendo uma
mudanças inclusive de natureza ideológica, proposta pedagógica específica, mas
envolvendo visão de homem, de mundo, de assumimos que não é mais possível que se
sociedade, de relações interpessoais, e, planejem as condições de ensino sem que se
obviamente, de ensino e aprendizagem. considerem os possíveis impactos afetivos que,
Luckesi (1984) propõe o conceito de inevitavelmente, essas condições produzem nos
avaliação diagnóstica, reconhecendo que, alunos. Numa perspectiva educacional, isto
numa sociedade democrática, os resultados do aponta para um ambiente escolar absolutamente
processo de avaliação devem sempre ser comprometido com o sucesso do processo de
utilizados a favor do processo de aprendizagem aprendizado do aluno, o que só poderá se
do aluno, na medida em que altera a lógica de concretizar através de um projeto pedagógico
todo o processo tradicional: se a aprendizagem assumido e desenvolvido pelo coletivo dos
não ocorre adequadamente, o que pode ser professores, com esse compromisso
detectado pela avaliação, então, deve-se rever previamente assumido: a aprendizagem do
as condições de ensino, resgatando-se, assim, a aluno.
É possível, a partir dessas ideias, visualizar
7
De acordo com a curva de distribuição estatística a construção de uma escola efetivamente
de Gauss. democrática, que possibilite aos alunos
366 Leite, S. A. da S.
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