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O PAPEL DO PROFESSOR DIANTE DA AFETIVIDADE

Rachel Moreira Ramos ELISIÁRIO1

Gleicione Aparecida Dias Bagne de SOUZA2

Recebido em: 02/10/2015 - Aprovado em: 17/04/2016 - Disponibilizado em: 30/07/2016

Resumo
Este trabalho tem como objetivo principal chamar a atenção daqueles que têm em suas mãos a responsabilidade social
da Educação, para o fato de que precisamos rever nossas posturas diante da fase inicial da vida escolar. Sabe-se que é na
Educação Infantil que a criança adquire os primeiros preparos para o convívio social, tem as primeiras noções de
valores morais e também, através de atividades apropriadas, aprimora suas capacidades cognitivas e motoras. O
docente deve se comprometer com o processo ensino-aprendizagem possibilitando à criança, através de sua mediação e
afetividade, desenvolver sua singularidade, conhecer a si mesma e ao mundo a seu redor, de uma maneira autônoma,
crítica e consciente. É importante salientar que a relação interpessoal professor – aluno é fator determinante neste
processo que é aberto e permanente. O papel da afetividade nesse processo é um elemento importante para aumentar a
sua eficácia, pois esses fatores são concretos, históricos e trazem a bagagem que o meio lhes ofereceu. Essa teoria
auxilia no planejamento do ensino levando em conta as características individuais, o contexto e as atividades propostas.
Palavras-chave: Papel do professor. Afetividade. Processo Ensino-aprendizagem.

Abstract
This work has a main objective to ask attention of whom that has in hands the social education responsibility, to the fact
that we need to review our postures in front of the initial stage of the school life. According to the studies, it’s in the
childish education that the child acquires the first prepares to the social society, and has the first notions to the moral
values and also improves the cognitive and motive accomplishments. The lecturer must have the compromise with the
teaching-schooling process, allowing the child, through his mediation and affection, develop her peculiarity, know
herself and the world around, in an autonomous, criticism and conscious way. It’s important to accentuate that the
relation among teacher-student is a determinant factor in this opened and permanent process. The affection function in
this process is an important aspect to increase its efficacy, because the factors are tangible, historic bringing the results
that the environment had offered. This theory helps in the planning, taking into account, the individual aspect, the
context and thee proposal activities.
Keywords: Teacher Function, Affection, Teaching-Schooling Process.

1
Pedagoga e Pós-graduada em Psicopedagogia Institucional e Clínica pelo Centro Universitário do Sul de Minas-
UNIS.
2
Pedagoga, Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora em Educação
pela Universidade do Minho- Portugal, convalidado pela Universidade São Paulo- USP.

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Introdução papel relevante que a escola tem na
Pensar e sentir são ações indissociáveis. construção do sujeito.
Esta é a ideia que a presente reflexão tentará Para isso, é de fundamental importância
imprimir e defender ao longo do texto, tendo que o professor esteja consciente de sua
como preocupação central transpô-la para o responsabilidade, tome decisões de acordo
campo educacional. com os valores sociais de sua época, e
Por que o papel da afetividade é tão considere ainda, as condições de vida
importante para o processo de Ensino- familiar, social e afetiva de seus alunos.
aprendizagem? Haveria conhecimentos Apresentadas tais razões, adentra-se no
exclusivamente cognitivos? Se alguém objetivo do presente texto: refletir sobre o
acredita que sim, estará em concordância com papel do professor quanto à afetividade no
a concepção centrada na justaposição contexto educacional.
dicotômica entre cognição e afetividade,
embasada no princípio de que a razão e Afetividade e cognição
emoção constituem dois aspectos
diferenciados no raciocínio humano. Se ao Henry Wallon (1989) sustenta a teoria
contrário concebe que há uma relação de estreito entrelaçamento entre afetividade e
intrínseca entre os processos cognitivos e cognição, e traz uma nova forma de conceber
afetivos, acredita que o conhecimento dos a emotividade, a inteligência e a gênese
sentimentos e das emoções requer ações humana. Para o autor, o que possibilita o
cognitivas, da mesma forma que tais ações acesso da criança ao mundo simbólico são as
cognitivas pressupõem a presença de aspectos manifestações afetivas que vão intermediar
afetivos. Assim, no trabalho educativo suas relações com o mundo através dos
cotidiano não existe uma aprendizagem adultos e declara que, “nutrir a inteligência no
meramente cognitiva, pois os alunos não primeiro ano de vida é nutrir o afeto”.
deixam os seus sentimentos e relações A relação que caracteriza o ensinar e o
interpessoais enquanto pensam. aprender transcorre a partir de vínculos entre
Esse referencial fornece pistas as pessoas e inicia-se no âmbito familiar. A
importantes para o crescimento pessoal e base desta relação vincular é afetiva, pois é
profissional dos docentes, principalmente da através de uma forma de comunicação
educação infantil, que necessitam emocional que o bebê mobiliza o adulto,
compreender o desenvolvimento da criança de garantindo assim os cuidados que necessita.
uma maneira completa, e, principalmente o Portanto, é o vínculo afetivo estabelecido

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entre o adulto e a criança que sustenta a etapa manifestações da vida
afetiva. Na linguagem
inicial do processo de aprendizagem. comum costuma-se
substituir emoção por
Wallon explica que a emoção é social e afetividade, tratando os
termos sinônimos. Todavia
epidêmica e a mãe é afetada pelo choro do não o são. A afetividade é
bebê. A criança sobrevive graças à um conceito mais abrangente
no qual se inserem várias
mobilização do outro pela emoção. A manifestações (apud
GALVÃO, 2003, p.61).
afetividade não é apenas uma das dimensões
da pessoa: é também uma fase de Dessa maneira a afetividade assume papel
desenvolvimento, a mais primitiva. A história fundamental no desenvolvimento humano,
da construção da pessoa se dará por uma determinando interesses e necessidades
sucessão pendular de movimentos individuais da pessoa; é um domínio
dominantemente afetivos ou dominantemente funcional, anterior à inteligência.
cognitivos - não paralelos, mas integrados, Com relação a este tema, estudos
isso significa que a afetividade depende, para sociogenéticos e antropológicos comprovam
evoluir, de conquistas realizadas no plano da que, desde os primórdios, a expressão das
inteligência. emoções foi de fundamental importância para
Para Wallon, a afetividade é fator a evolução do ser humano enquanto pessoa
fundamental na constituição do sujeito. É social.
entendida como instrumento de sobrevivência “O longo aprendizado sobre emoções e
do ser humano. afetos se inicia nas primeiras horas de vida de
Desde pequeno, ainda recém-nascido, uma criança e se prolonga por toda sua
o ser humano utiliza a emoção para existência” (ARANTES, 2003, p.23).
comunicar-se com o mundo. O bebê, antes Wallon reconhece que a afetividade não
mesmo da aquisição da linguagem consegue é apenas uma das dimensões da pessoa:

estabelecer relação com a mãe, através de


movimentos de expressão, no primeiro
Ela é também uma fase do
momento, fisiológica. desenvolvimento , a mais
arcaica. O ser humano foi
Para Wallon, a emoção e a afetividade logo que saiu da vida
puramente orgânica , um ser
têm grande importância, daí a elaboração de afetivo. Da afetividade
diferenciou-se, lentamente,
conceitos a partir do ato motor, da afetividade
a vida racional. Portanto, no
e da inteligência, no entanto, faz uma início da vida, afetividade e
inteligência estão
diferenciação entre emoção e afetividade: sincreticamente misturados,
com predomínio da primeira
(1992,p.90).
As emoções, assim como os
sentimentos e os desejos, são

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necessidade de um conhecimento profundo do
Desta forma, a pessoa se constrói em um
seu modo de funcionamento por parte dos
processo constituído por alternâncias entre
educadores.
períodos de predomínio de construção do
É possível evidenciar no cotidiano das
sujeito (dominantemente afetivos) e de
escolas, grandes limites no campo da
períodos de construção do objeto
dimensão afetiva, os quais se revelam por
(dominantemente cognitivos).
baixo índice de autoestima, insuficientes
atitudes de respeito, amizade, socialização e
Nos momentos
dominantemente afetivos do interação entre algumas crianças, incidência
desenvolvimento o que está
em primeiro plano é a de atitudes orais e físicas agressivas e omissão
construção do sujeito, que se em relação aos alunos por parte de algumas
faz pela interação com os
outros sujeitos; naqueles de famílias.
maior peso cognitivo, é o
objeto, a realidade externa, A intervenção pedagógica, empregada
que se modela, à custa da
aquisição das técnicas como procedimento, almeja a compreensão
elaboradas pela cultura.
Ambos os processos são, por
das manifestações infantis que aparecem nas
conseguinte, sociais, embora atividades lúdicas propostas junto às crianças
em sentidos diferentes: no
primeiro, social é sinônimo de uma Instituição de Educação Infantil. Por
de interpessoal; no segundo,
é o equivalente de cultural meio da observação, busca-se registrar e
(DANTAS, 1992: p.91).
analisar, a partir da teoria estudada, os
acontecimentos ocorridos durante as
A afetividade, na psicogenética de atividades. Wallon indica a observação como
Henry Wallon, (1992) representa uma uma ferramenta básica para se ter acesso às
dimensão de grande importância, tanto do diversas manifestações e expressões da
ponto de vista da construção da pessoa como criança em seu contexto. Afirma o autor, que
do conhecimento e perpassa por vários só é possível entender as atitudes da criança
momentos: no início, é utilizada como meio se houver compreensão da trama do ambiente
de sobrevivência e comunicação, em seguida na qual ela está inserida.
dos dois aos seis anos, representa um No desenvolvimento do indivíduo, as
elemento marcante nas expressões e atitudes. necessidades afetivas tornam-se cognitivas, e
De acordo com o autor, o fato de a a integração afetividade e inteligência permite
emoção ser “regressiva” e levar à ineficácia à criança atingir níveis de evolução os mais
do funcionamento cognitivo, impõe que a elevados. Aos poucos, a linguagem passa a
educação da emoção deva fazer parte do substituir a expressão corporal, a
trabalho educativo, o que determina a sensibilidade orgânica passa a ser substituída

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pela sensibilidade oral e o carinho é Diante disso, reafirma-se que a
substituído pelo elogio. afetividade não é só importante na relação
professor-aluno, mas também é primordial
como estratégia pedagógica. Um professor
A afetividade na perspectiva de Vygotsky
que é afetivo com seus alunos estabelece uma
relação de segurança, evita bloqueios afetivos
Vygotsky, (2003) como Wallon, (1989)
e cognitivos, favorece o trabalho socializado,
também acredita que pensamento e afeto são
ajuda o aluno a superar erros e a aprender
indissociáveis e que só se pode compreender
com eles; e, nessa perspectiva
adequadamente o pensamento humano
sociointeracionista, se o professor for afetivo
quando se compreende a sua base afetiva.
a criança aprenderá a sê-lo.

Quem separa o pensamento


do afeto, nega a estudar a A afetividade na perspectiva de Piaget
influência inversa do
pensamento no plano
afetivo. [...] A vida
emocional está conectada a
Piaget aponta que existe uma relação
outros processos intrínseca, e ocorre paralelamente, entre o
psicológicos e ao
desenvolvimento da desenvolvimento afetivo e o desenvolvimento
consciência de um modo
geral. (VYGOTSKY apud moral. (apud SALTINI, 1999).
ARANTES, 2003, p. 18-19).
Ainda no estágio sensório-motor, o

Arantes, (2003) interpreta a teoria de sorriso infantil correspondido por um sorriso

Vygotsky sobre a importância da afetividade, adulto, torna-se para a criança, um

afirmando que, o ser humano da mesma instrumento de diferenciação entre pessoas e

forma que aprende agir, a pensar e a falar, objetos. De acordo com Piaget e Inhelder

através da cultura e da interação com os (1990), a criança começa a formar seus

outros, aprende a sentir, ou seja, a cognição e sentimentos morais a partir da sua relação

afeto se inter-relacionam e exercem afetiva com os pais. Ela estabelece os

influências recíprocas ao longo do seu primeiros contatos e experimenta as primeiras

desenvolvimento. vivências afetivas, que vão servindo de

De acordo com os pressupostos da referência para orientar as relações com outras

teoria histórico-cultural, o homem é produto pessoas.

do desenvolvimento de processos físicos e No estágio sensório-motor do

mentais, cognitivos e afetivos, internos e desenvolvimento cognitivo, existe muito mais

externos. troca afetiva e contágios para a criança do que

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efetivamente diferenciação das pessoas e da afetividade no processo educacional, deve
coisas. considerar três processos interdependentes
O estágio pré-operatório marca outra que implicam na capacidade da criança
etapa da evolução afetivo-social da criança: a quanto à identificação e expressão de
mobilidade mental, o jogo simbólico e a sentimentos, ao controle de impulsos e à
linguagem favorecem novas interações e redução de tensões: o emocional, o cognitivo
afetos. e o comportamental.
No último estágio de desenvolvimento, A criança também precisa saber
do pensamento formal que corresponde à distinguir sentimento e ação, ler e interpretar
adolescência, o pensamento já está formado e indícios sociais, bem como compreender a
se amplia com as interações afetivas, a expectativa dos outros, usar as etapas para
mudança social e a construção de novos resolver problemas, bem como compreender
valores, entre outros. normas de comportamento.
Dessa maneira, um professor afetivo
Afetividade no ambiente escolar com seus alunos, que busca a aproximação e
realiza sua tarefa de mediador entre eles e o
Pode-se dizer que a qualidade da conhecimento, atuará na zona de
afetividade na relação professor-aluno é desenvolvimento proximal, isto é, na distância
determinante para o processo ensino- entre o nível de conhecimento real e aquele
aprendizagem e para o desenvolvimento do que os alunos poderão construir com sua
aluno, pois é primordial no processo ajuda. A afetividade passa então, a ser um
educativo para dar subsídios à criança para estímulo que gerará a motivação para
que consiga manipular a realidade e estimular aprender.
a função simbólica. Assim, essa afetividade No entanto, cabe ressaltar que a
está ligada à auto-estima e às formas de motivação para a aprendizagem depende das
relacionamento entre aluno/professor e estratégias didáticas, da qualidade das
professor/aluno. intervenções do professor e também do modo
“Um professor que não seja afetivo como planeja e utiliza certos recursos em suas
com seus alunos fabricará uma distância aulas.
perigosa, criará bloqueios e deixará de criar Foi realizada uma pesquisa com a
um ambiente rico em afetividade.” (COSTA e intenção de demonstrar como os fatores
SOUZA, 2006, p.12). afetivos se apresentam na relação professor-
Para Costa e Souza (2006) o trabalho aluno e sua influência no processo de
pedagógico voltado para o desenvolvimento aprendizagem.

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Numa perspectiva teórica seis anos em média, e foi possível registrar a
fundamentalmente social, Vygotsky, (1994) partir das interações entre o professor e o
defende a manifestação da afetividade na aluno durante as atividades que envolviam a
relação professor-aluno que se constitui linguagem escrita e oral, alguns aspectos
elemento inseparável do processo de afetivos que influenciavam a relação do aluno
construção do conhecimento. E ao destacar a com a atividade, influenciando, de igual
importância das interações sociais traz a ideia maneira, a aprendizagem.
da mediação e da internalização como Na referida pesquisa de campo foi
aspectos fundamentais para aprendizagem e possível verificar, também, através de
defende que a construção do conhecimento observações do comportamento da professora,
ocorre a partir de um intenso processo de entrevista com alunos e professora, que a
interação entre as pessoas. Segundo o autor, o afetividade manifestava-se por meio de
processo de internalização envolve uma série comportamentos posturais e verbais. Postura e
de transformações que colocam em relação o conteúdo verbal – constituíram-se em fortes
social e o individual. Afirma que “todas as veículos de expressão da afetividade. Nas
funções no desenvolvimento da criança condições observadas, foi, através de ambas
aparecem duas vezes: primeiro, no nível as categorias que os aspectos afetivos
social, e, depois no nível individual; primeiro manifestaram-se na mediação professor/aluno.
entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no Com relação às posturas da professora,
interior da criança (intrapsicológica)” (1994, o que mais se observou foi a frequência com
p. 75). que se mantinha próxima de seus alunos e a
Na verdade, são as experiências forma como os acolhia fisicamente,
vivenciadas com outras pessoas que irão constituindo-se assim uma forma de interação
marcar e conferir aos objetos um sentido extremamente afetiva, que amenizava a
afetivo, determinando, dessa forma, a ansiedade, transmitia confiança e encorajava-
qualidade do objeto internalizado. Nesse os no processo de execução da atividade
sentido, pode-se supor que, no processo de interferindo, particularmente na
internalização, estão envolvidos não só os aprendizagem. Segundo DANTAS (1993), “é
aspectos cognitivos, mas também os afetivos. impossível alimentar afetivamente à
distância”.

A pesquisa Tais comportamentos estabeleciam


grande cumplicidade no processo de

Dessa maneira, foi realizada uma aprendizagem e foram extremamente

observação em uma classe com crianças de

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valorizados pelo educandos, como se pode transformações importantes nas formas de
constatar através de seus comentários. expressão e mudanças significativas nos
A entrevista com a professora baseou- níveis de exigência afetiva. As formas de
se em questões a respeito dos aspectos que expressão que utilizam exclusivamente o
mais mereciam a sua atenção, tais como: No corpo, como o toque, os olhares e as
processo de apropriação da linguagem escrita modulações da voz, vão ganhando maior
e oral e no questionamento de com o era o complexidade. Nesse sentido, é possível
posicionamento dela a respeito da concluir que a afetividade não se limita
manifestação da dimensão afetiva nesse apenas às manifestações de carinho físico e de
processo. elogios superficiais.
Ao observar os dados coletados,
percebe-se que revelaram que nessa idade, os Com o advento da função simbólica
que garante formas de preservação
gestos posturais expressam grande parte da dos objetos ausentes, a afetividade se
enriquece com novos canais de
afetividade, embora a linguagem oral expressão. Não mais restrita à troca
de corpos, ela agora pode ser nutrida
predomine nas interações em sala de aula e através de todas as possibilidades de
tenham desempenhado um papel fundamental expressão que servem também à
atividade cognitiva.(DANTAS, 1993,
nas relações observadas. Na verdade, as p.75).

posturas corporais complementaram e deram


Os comentários dos alunos
maior significado ao que era dito oralmente.
evidenciaram que a qualidade de interação
Quanto aos conteúdos verbais, observou-se
professor/aluno traz um sentido afetivo para o
que, pelas respostas dadas durante a entrevista
objeto de conhecimento e influencia a
com os alunos, eles preferiram, na maioria, as
aprendizagem do aluno.
palavras de incentivo, coragem e confiança.
Adequar a tarefa às possibilidades dos
Nesse sentido, infere-se que existiu, por parte
alunos, fornecer meios para que realizem a
da professora, maior preocupação com o
atividade confiando em sua capacidade,
processo de execução da atividade e não
demonstrar atenção às suas dificuldades e
apenas com o resultado final.
problemas, são maneiras de comunicação
Através das atitudes dos alunos, obteve-
afetiva.
se uma amostra de como eles veem, sentem e
A professora, por sua vez, demonstrou a
compreendem alguns aspectos do
preocupação de encorajar os alunos a
comportamento dessa professora e a
investirem no próprio aprendizado, confiando
influência destes comportamentos na
na capacidade de cada um e fortalecendo a
aprendizagem. A partir dos dados coletados,
autoestima. Demonstrou também que o fato
foi possível, ainda, concluir que existem
de ter consciência do entrelaçamento dos
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aspectos afetivos e cognitivos, trazia maior Da mesma forma, é a partir da relação
possibilidade de controlar e reverter com o outro, através do vínculo afetivo que,
sentimentos negativos, como também nos anos iniciais, a criança tem, aos poucos,
explorar de maneira positiva o desejo de acesso ao mundo simbólico e, assim,
aprender e o interesse em fazer. conquista avanços significativos no âmbito
O contato físico também apareceu como cognitivo. Nesse sentido, para a criança,
forma de interação afetiva, ocorrendo em torna-se importante e fundamental o papel
vários momentos durante a realização da desse vínculo, que inicialmente apresenta-se
atividade, surgindo enquanto os alunos na relação pai-mãe-filho e, muitas vezes,
escreviam ou liam para a professora ou irmão(s). No decorrer do desenvolvimento, os
mesmo quando se aproximavam dela para vínculos afetivos ampliam-se e a figura do
desfazer alguma dúvida. professor surge com grande importância na
Pode-se observar que por meio de relação de ensino e aprendizagem, na época
atividades lúdicas dirigidas e livres que escolar.
contemplam a imaginação, a relação Os dados apresentados parecem
criança/criança, criança/professor, a confirmar que existiram trocas afetivas. Foi
manipulação de objetos, as cantigas infantis e possível encontrar no comentário e na
ainda as brincadeiras, a criança vai evoluindo observação, tanto de alunos como da
nos seus conhecimentos e se constituindo professora, referências ao respeito, à
como pessoa humana. colaboração, à valorização de cada um e o
A professora atuava com o objetivo de desejo de compreender o outro. Assim,
combater o excesso de ansiedade que surgia quanto melhores forem as condições de se
durante as atividades, buscando contagiar os cultivarem sentimentos com estes, mais
alunos com sentimentos que tranquilizavam, concretos e profundos serão os
encorajavam e os fortaleciam na execução relacionamentos, e isso promoverá uma
dessas atividades. Medo, angústia, ansiedade aprendizagem significativa.
e frustração são sentimentos que desgastam o É certo que nem sempre as relações
aluno e “travam” o processo de entre as pessoas são permeadas pela
aprendizagem. Demonstrando serenidade e compreensão e tranquilidade. A raiva, o
tranquilidade, o professor reduz ou até medo, a ansiedade e a tristeza estão presentes
elimina esses sentimentos, permitindo o que nas interações sociais.
Dantas (1994) denomina de “destravamento” Deve-se ressaltar, no entanto, que na
da atividade cognitiva. presente pesquisa, os dados coletados
restringiram-se apenas às situações

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específicas de aprendizagem. Além disso, foi Como toda atividade humana, o brincar
possível inferir, a partir da entrevista com a constitui-se na interação de vários fatores que
professora, que existe uma grande marcam determinado momento histórico
preocupação em trabalhar os sentimentos que sendo transformado pela própria ação dos
influenciam negativamente no processo de indivíduos e por suas produções cultural e
aprendizagem, através de ações concretas para tecnológica.
amenizar os efeitos nocivos que tais Os jogos e a brincadeiras são, assim,
sentimentos provocam. Nesse sentido, torna- transformados continuamente. Longe de
se evidente que condições afetivas favoráveis promover unicamente uma conquista
facilitam a aprendizagem. cognitiva, estas atividades envolvem
Considerando que o processo de emoções, afetividade, estabelecimento e
aprendizagem ocorre em decorrência de ruptura de laços e compreensão da dinâmica
interações sucessivas entre as pessoas, a partir interna que perpassa a ligação entre as
de uma relação vincular, é, portanto, através pessoas. Um jogo ou brincadeira do qual
do outro, que o indivíduo adquire novas participem mais de uma pessoa sempre
formas de pensar e agir e, dessa forma implicam trocas, partilhas, confronto e
constrói novos conhecimentos. E isso negociações. A afetividade envolvida nesta
acontece ação pode adquirir nuanças variadas,
traduzindo-se na alternância de momentos
Nos momentos dominantemente harmônicos e desarmônicos.
afetivos do desenvolvimento. Em
primeiro plano é a construção do Nas atividades lúdicas, as crianças
sujeito, que se faz pela interação com
os outros sujeitos; naqueles de maior iniciam sua integração social, aprendem não
peso cognitivo, é o objeto, a realidade
externa, que se modela, à custa da
só a conviver com os outros, mas também a
aquisição das técnicas elaboradas situar-se no mundo que as cerca. Ao brincar,
pela cultura. Ambos os processos são,
por conseguinte, sociais, embora em desenvolvem seu lado emocional e afetivo
sentidos diferentes: no primeiro,
social é sinônimo de interpessoal; no bem como suas aptidões cognitivas.
segundo, é o equivalente de cultura
(DANTAS, 1992, p.91). A criatividade das crianças possibilita
mudar o final de uma história que não foi fácil
suportar e o faz-de-conta propicia a
Afetividade e o brincar
elaboração de situações vividas que lhes
foram excessivas, além disso, permite a elas
Brincar é uma atividade universa,
descarregar nos objetos de suas brincadeiras
encontrada nos vários grupos humanos, em
sentimentos de angústia e agressividade.
diferentes períodos históricos e estágios de
Dessa maneira, o brincar transforma-se não só
desenvolvimento econômico.
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em espaço da criação como um momento de importância da afetividade deflagrada pelos
elaboração de conflitos. resultados obtidos na pesquisa, conclui-se que
Brincar juntos reforça laços afetivos. É há uma forte preocupação dos educadores em
uma maneira de manifestar nosso amor à “afetar” positivamente seus alunos,
criança. A participação do adulto na oportunizando momentos e espaços
brincadeira com a criança eleva o nível de adequados ao estabelecimento de interações
interesse pelo enriquecimento que sociais, capazes de promover o
proporciona, pode também contribuir para os desenvolvimento do sujeito em todas as suas
esclarecimentos de dúvidas referentes às dimensões, ou seja, cognitiva, afetiva, motora
regras das brincadeiras, estimulando assim os e social. A afetividade desempenha um papel
aspectos afetivos e cognitivos. A criança fundamental na constituição e funcionamento
sente-se ao mesmo tempo prestigiada e da inteligência, pois são os motivos,
desafiada quando o parceiro é um adulto e, necessidades e desejos que dirigem o
este por sua vez pode levar a criança a fazer interesse da criança para conhecer e
descobertas e a viver experiências que tornam conquistar o mundo.
o brincar mais estimulante e mais rico em
Se o profissional da Educação Infantil
aprendizado.
sempre atualizar seus conhecimentos teóricos,
fundamentar sua prática, observar direta e
Considerações finais objetivamente seus alunos poderá orientar o
aprendizado no sentido de promover o
Quando se entende que o processo de
desenvolvimento potencial de uma criança,
aprendizagem é social, foca-se o olhar para as
tornando-o real. Como se constatou pelos
interações e, os procedimentos tornam-se
estudos, o professor, dentro da sala de aula, é
extremamente importantes. O que se diz,
o principal mediador do processo ensino-
como se diz, em que momento e por que. Da
aprendizagem. Ocupa uma função ímpar e
mesma forma, o que se faz, como se faz, em
privilegiada no desenvolvimento da criança e
que momento e por que, envolvem
pode contribuir para o sucesso ou o fracasso
profundamente as relações professor/aluno,
do aluno na escola. Ele pode estabelecer
influenciando desta maneira, o processo
vínculos afetivos muito fortes com e entre os
ensino/aprendizagem. O comportamento do
alunos. Conclui-se, portanto, que o professor
educador em sala de aula expressa suas
contagia e é contagiado pelos alunos. Wallon
intenções, crenças, valores, sentimentos e
(1971, p.91) defende, em sua teoria, o caráter
desejos que “afetam” cada aluno
contagioso das emoções. “A emoção necessita
individualmente. Assim, tendo em vista a
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suscitar reações similares em outrem e, (...) linguagem verbal e corporal ocupem lugar
possui sobre o outro um grande poder de privilegiado.
contágio.” Num contexto lúdico e prazeroso de
Através de seu comprometimento jogos e brincadeiras, onde as famílias e as
profissional, das sondagens dos equipes de educadores possam conviver
conhecimentos prévios da turma, das intensa e construtivamente, cuidando e
intervenções adequadas e pertinentes, dos educando, objetiva-se promover o
elogios, das correções que faz, dos incentivos desenvolvimento individual, social e cultural
que dá, da ajuda na resolução de problemas, o destas crianças. Torna-se premente que exista
professor pode ensinar muito a seus alunos. uma progressiva articulação das atividades de
Nas atitudes de respeito à diversidade e comunicação e ludicidade com o ambiente
limitações específicas de cada ser humano, escolarizado, no qual desenvolvimento,
bem como na valorização dos diferentes socialização, constituição de identidades e
saberes e na disseminação de valores éticos e construção de conhecimentos possam ocorrer
de solidariedade, conquista a admiração, a (BRASIL, 1999).
simpatia e o respeito de seus alunos.
Vimos na teoria e na prática, que as Referências bibliográficas
interações entre as docentes e os alunos não se
limitam apenas aos aspectos cognitivos. Elas ARANTES, V. A. Afetividade na escola:
alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
são impregnadas de afetividade e esta passa Atlas 2003.
orientar o processo e pode tornar-se aliada de
Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da
qualquer professor. Educação Nacional. Lei nº. 9.394/96, de 20
Portanto, analisar o processo de de dezembro de 1996.

construção de novos conceitos, sejam eles COSTA, Keila Soares da; SOUZA, Keila
matemáticos, linguísticos, artísticos e outros, Melo de. O aspecto sócio-afetivo no
processo ensino-aprendizagem na visão de
a partir das interações em sala de aula Piaget, Vygotsky e Wallon. Disponível em:
direcionando o olhar para os aspectos afetivos http: /www.educucaoonline.pro.br.Acesso em
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Dessa maneira, faz-se necessário que as TAILLE, Y de; OLIVERIA, M. K. de;
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