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A CARTA DE TIAGO

VISÃO GERAL

O autor apresenta-se como “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus


Cristo”(1,1). A opinião tradicional identifica-o como Tiago “irmão do
Senhor”(Gl 1,19), filho de Maria de Cléofas (Mc 15,40), primo de Jesus (Mc
6,3), martirizado em 62 dC. Não é certo se fazia parte dos Doze (Mc 3,18s; Jo
7,3s). Mas teve uma aparição do Ressuscitado (1Cor 15,7), em conseqüência
da qual se converteu, tornando-se o chefe da comunidade primitiva (At 12,17;
21,18; Gl 1,16). Na hipótese de a epístola não ser autêntica, é sem dúvida a
este Tiago que o autor atribuiu o seu escrito. Muitos, de fato, negam que
Tiago “irmão do Senhor” seja o autor da epístola, em razão da ausência de
concepção legalista, da falta de referências à vida de Jesus, da canonicidade
da epístola tardiamente reconhecida (III/IV séculos) e do grego da epístola,
por demais perfeito num palestinense. O autor poderia ser um judeu-cristão
helenista e grande conhecedor do AT. A epístola poderá ter sido escrita na
Síria pelo final do I século.
Mais do que epístola, Tiago é um escrito didático-exortativo, influenciado
pela tradição parentética grega e judaica, especialmente sapiencial. As
exortações parecem corresponder ao contexto político e social do final do I
século. Contra a agitação política e a agressividade social de então, contra a
detração e a deslealdade, o autor recomenda a humildade, a paciência
(1,2s.12.19s) e a lealdade (1,25; 2,8; 3,17; 4,6. 10s). À agressividade social
ele contrapõe o Evangelho e o mandamento do amor, chamados “a lei
perfeita da liberdade”. Mas ao mesmo tempo se coloca do lado do pobre,
defende sua dignidade e seu direito a melhores condições de vida, e critica o
rico opressor e explorador (1,9-12; 2,5-9; 4,13–5,6). Condena a discriminação
social nas assembléias litúrgicas (2,1-7) e a sabedoria mundana que leva à
discórdia (1,5; 3,13-16). Insiste na responsabilidade social do cristão: assistir
os órfãos e as viúvas (1,27), vestir os nus e dar de comer a quem tem fome
(2,15s; Mt 25,35-36). A fé deve inspirar todas as ações (2,14s), como já dizia
Paulo (Gl 5,6. 16s; 1Cor 13; Rm 12–15). Em suma, prega a verdadeira
sabedoria de Deus, sem fingimento, pautada pela coerência entre pensamento
e ação, entre fé e obras.
No passado os protestantes consideravam Tiago como “epístola de
palha”(Lutero) e os católicos a valorizavam, sobretudo por causa do
sacramento da Unção dos Enfermos (5,14-15) e da polêmica contra a
concepção protestante da salvação unicamente pela fé (2,14-26). Mas o
mundo em que vivemos, onde os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais
pobres, nos levam a redescobrir um valor sempre atual da epístola de Tiago: a
responsabilidade ética e social da vida cristã.

INTRODUÇÃO DO LIVRO

A Carta de Tiago foi escrita a todos os cristãos do seu tempo e trata de


assuntos práticos da vida cristã. O autor fala de pobreza a riqueza; tentação;
preconceito; maneira de viver; o falar; o agir, o criticar; orgulho e humildade;
paciência, oração e fé. Ele põe acima de tudo a necessidade de não somente
crer como também agir. Não adianta nada alguém dizer que tem fé se não
provar por meio das suas ações que a sua fé é viva e verdadeira. "Porque,
assim como o corpo sem o espírito esta morto, assim também a fé sem ação
esta morta" (2.26). A verdadeira fé cristã se manifesta em ações cristãs. O
autor chama a si mesmo de "mestre" (3.1). Com clareza e vigor Tiago nos
ensina como devemos agir e viver, se é que queremos ser cristãos.

ESBOÇO

- 1.1 Fé e sabedoria
- 1.2-8 Pobreza e riqueza
- 1.9-11 Provas e tentações
- 1.12-18 Ouvir e fazer
- 1.19-27 Tratamento igual para todos
- 2.1-13 Fé e ação
- 2.14-26 Dominar a língua
- 3.1-12 A verdadeira sabedoria
- 3.13-18 O cristão e o mundo
- 4.1-5.6 Resistir as paixões

CONTEÚDO

A carta de Tiago tem uma série de homilias sem muito relacionamento umas
com as outras, resiste a uma demarcação estrutural clara. Mas é possível
discernir cinco seções gerais.
Preocupação e maturidade cristã (1.1-18). Depois da indicação dos
destinatários e da saudação (1.1), Tiago inicia com uma seção em que trata
de diversos temas, entre os quais o sofrimento cristão ("provações") e o mais
proeminente (1.2-18). Ele incentiva seus leitores a descobrirem relevância e
propósito nos sofrimentos por que passam (1.2-4), a orar com fé pedindo
sabedoria (1.5-8) e a aplicar um enfoque cristão à pobreza e a riqueza
(1.9-11). Depois de voltar à terra das provações (1.12), ele passa para a
questão da tentação (1.13-15), transição esta facilitada pelo fato de que as
palavras podem ter a conotação tanto de "provações" quanto de "tentações". A
seção termina com um lembrete da bondade divina em dar (1.16-18).
O cristianismo verdadeiro esta em suas obras (1.19 2.26). A segunda seção da
carta caracteriza-se pela concentração em três vocábulos-chaves: "palavra [de
Deus]" (1.19-27), "lei" (2.1-13) e "obras" (2.14-26). Depois de uma advertência
contra a maledicência e a ira (1.19-20), Tiago incentiva seus leitores a
"acolher com mansidão a palavra em vos implantada" (1.21) e depois se
desenvolve essa exortação mostrando que o verdadeiro acolhimento da
palavra de Deus implica em praticá-la (1.22-27). Como exemplo importante de
"praticar a palavra" Tiago cita a necessidade de os cristãos serem imparciais
ao lidarem com o próximo. Somente assim cumprirão a "lei régia" e escaparão
ao juízo (2.1-13).
A importância das ações dos cristãos em evitarem o juízo do ensejo e famosa
analise de Tiago da relação entre fé e obras (2.14-26). Tiago insiste em que a
fé verdadeira sempre se caracteriza pela obediência e que somente esse tipo
de fé demonstrada em obras trará salvação.
Dissensões dentro da comunidade (3.1-4.12). Nenhuma interrupção obvia
indica o inicio da terceira seção da carta. Mas podemos entender as
advertências de Tiago sobre a fala inconveniente (3.1-12; 4.11-12) como
indicação de um parêntese em que Tiago se concentra de modo geral no
problema de dissensões entre cristãos a suas raízes na inveja. Voltando a uma
terra abordada anteriormente (1.19-20, 26), Tiago emprega uma série de
figuras de linguagem vividas e memoráveis para advertir os cristãos do poder
e do perigo da língua (3.1-12). Depois ele ataca frontalmente o problema das
dissensões, remontando essa agitação exterior ao tipo errado de sabedoria
(3.13-18) e a desejos frustrados (4.13). O texto de 4.4-10 apresenta uma
advertência séria contra um cristianismo de concessões e convoca os leitores
ao arrependimento. A seção termina com uma exortação final sobre a fala
(4.11-12).
Implicações de uma cosmovisão cristã (4.13-5.11). Esta seção e ao menos
óbvia, mas podemos sugerir que sua terra principal tem a ver com uma
cosmovisão cristã. Uma dessas implicações é a necessidade de levar Deus em
conta em todos os planos que fazemos (4.13-17). Outra é o reconhecimento
de que Deus, quando da volta do Senhor, julgará os ricos ímpios (5.1-6) e
recompensará os justos (5.7-11).
Exortações finais (5.12-20). Tiago conclui com: exortações sobre juramentos
(em harmonia com o ensino de Jesus, Tiago insta que juramentos sejam
evitados [5.12] ); sobre a oração, especialmente pela cura física (5.13-18); e a
responsabilidade de os crentes cuidarem da saúde espiritual uns dos outros
(5.19-20).

AUTOR

A carta declara ter sido escrita por "Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus
Cristo" (1.1). A ausência de maiores detalhes indica um Tiago bem conhecido,
é natural pensarmos antes de tudo nos homens com esse nome que são
mencionados no Novo Testamento. Há pelo menos quatro: (1) Tiago, o filho de
Zebedeu, irmão de João, um dos Doze (Mc 1.19; 5.37; 9.2; 10.35; 14.33); (2)
Tiago, o filho de Alfeu, também um dos Doze (Mc 3.18; ele talvez seja "Tiago,
o menor", de Mc 15.40); (3) Tiago, o pai de Judas (Lc 6.16; At 1.13); (4) Tiago,
"o irmão do Senhor" (GI 1.19), que desempenha um papel de liderança na
igreja primitiva em Jerusalém (At 12.17; 15.13; 21.18).
Destes quatro, o último é de longe o mais óbvio candidato à autoria desta
carta. Tiago, o pai de Judas, é por demais obscuro para ser seriamente
considerado; o mesmo vale, num grau menor, para Tiago, o filho de Alfeu. Por
outro lado, Tiago, o filho de Zebedeu, tem um papel de destaque entre os
Doze, mas a data de seu martírio - 44 d.C. Então, Tiago, o irmão do Senhor,
que certamente é o Tiago mais proeminente na igreja primitiva.
A circunstância que corrobora essa opção é a semelhança marcante entre o
grego da epístola de Tiago e o da fala atribuída a Tiago em Atos 15.13-21.2
Também, em consonância com essa identificação, acham-se as freqüentes
alusões na carta aos ensinos de Jesus, o clima judaico do livro e a autoridade
que o autor arroga a si ao dirigir-se "as doze tribos que se encontram na
Dispersão". O testemunho cristão primitivo não é unânime neste aspecto, mas
tende a favorecer a mesma identificação.
O argumento para identificar a carta com Tiago, o irmão do Senhor, é,
portanto, bastante forte. Apesar disso, teorias alternativas de autoria tem
sido apresentadas e devem ser analisadas.
Muito provavelmente foi escrita entre 45-49 dC.

LOCAL DE ORIGEM

Caso o autor da carta seja desconhecido, então é possível que ela tenha
provindo de praticamente qualquer lugar. Se Tiago, o irmão do Senhor, é o
autor desta carta, então ela provavelmente foi escrita de Jerusalém durante o
tempo em que ele liderou a igreja cristã em Jerusalém (Segundo a tradição
Tiago foi o primeiro bispo de Jerusalém). O contexto social e econômico
pressuposto na carta diz respeito aos leitores e ao autor, e também se
coaduna com uma procedência palestina: comerciantes que percorrem
imensas regiões em busca de lucro (4.13-17), proprietários de terras que
residiam em outros locais e tiravam vantagem de uma força operadora cada
vez mais pobre e desprovida de terras (2.5-7; 5.1-6) e acalorada controvérsia
religiosa (4.1-3).

DATA

A explicação oferecida acima para o relacionamento entre o ensino de Tiago


2.14-16 e Paulo requer que se atribua a Tiago uma data um pouco depois de o
ensino de Paulo começar e ter influência, antes de Tiago e Paulo se
encontrarem no Concílio de Jerusalém (At 15). Paulo dedicou-se ao ministério
de ensino e pregação desde a ocasião de sua conversão (cerca de 33 d.C.), e
ao Concílio de Jerusalém provavelmente se deve atribuir a data de 48 ou 49.
Se, então, admitirmos que passou algum tempo até que o ensino Paulino da
justificação pela fé se desenvolvesse e se tornasse conhecido, a data mais
provável pare a carta de Tiago seria em algum momento no inicio ou meados
dos anos 40. Essa data harmonize-se muito bem com as circunstâncias e
ênfases da carta. Não há nenhum indicio de conflito entre cristãos judeus e
gentios (o que seria de esperar se a carta tivesse sido escrita depois do
Concílio de Jerusalém), e a teologia da carta é relativamente pouco
desenvolvida.
Existem duas alternativas básicas para essa data. Outros que identificam
Tiago, o irmão do Senhor, como o autor atribui a carta uma data perto do fim
de sue vida (ele foi martirizado em 62 d.C.). Em favor desta data há as
seguintes alegações: (1) a necessidade de as cartas de Paulo serem
suficientemente conhecidas pare que Tiago pudesse estar respondendo ao seu
ensino (2) o problema do mundanismo, típico de cristianismo de segunda
geração, que Tiago enfrenta na carta. Entretanto, o mundanismo dificilmente
precisa de um período de tempo para se desenvolver e, como mostramos,
Tiago 2.14-26 faz mais sentido caso Tiago nunca tenha ouvido Paulo nem
tenha lido nenhuma de suas cartas. Uma data próxima do fim do século I é
geralmente adotada pelos que acreditam que a carta é pseudônima.
DESTINATÁRIOS

Tiago foi incluído entre as denominadas epístolas gerais porque não se dirige a
uma igreja específica. A carta, porém, foi com quase toda certeza escrita
para um público específico. Diversos aspectos da carta deixam claro que os
destinatários eram cristãos judeus, a maneira natural de mencionar o Antigo
Testamento (1.25; 2.8-13), a referência ao lugar onde os destinatários se
reuniam como uma sinagoga (2.2) e o uso disseminado de metáforas do Antigo
Testamento e do judaísmo. Ademais, trechos tais como 5.1-6 dão a impressão
de que a maioria dos leitores eram pobres - embora se possa alegar com bons
argumentos que 1.9-11; 2.1-4 e 4.13-17 pressupõem a presença de alguns
cristãos mais ricos entre os leitores.

NATUREZA E GÊNERO

Conquanto a carta de Tiago apresente uma introdução epistolar típica, falta-


lhe a costumeira conclusão epistolar. Ademais, ela não traz nenhuma
referência pessoal, como saudações, planos de viagem ou pedidos de oração.
Tudo isso sugere que é melhor ver Tiago como o que poderíamos chamar de
carta literária. Provavelmente ela foi escrita para as várias comunidades em
que os dispersos paroquianos de Tiago haviam-se estabelecido.

TIAGO EM ESTUDOS RECENTES

Como vimos, tem havido um renovado interesse pela história da redação de


Tiago, havendo vários estudiosos que propõem que a forma atual da carta se
deve a um redator que trabalhou em cima de material mais amigo. A incisiva
condenação dos ricos (5.1-6) naturalmente fez com que a carta se tornasse
uma das favoritas daqueles que estão propondo diversas formas de teologia da
libertação. Talvez, no entanto, o desdobramento mais interessante tenha sido
a atenção dada ao contexto social da carta. Em consonância com um renovado
interesse por essa terra nos estudos neotestamentários em geral, estudiosos
tem procurado identificar o contexto histórico e social da carta, para então
usar essa reconstrução como uma chave hermenêutica para a interpretação
que fazem. Uma dessas reconstruções entende que a carta de Tiago é dirigida
a cristãos judeus oprimidos e empobrecidos, e que são atraídos pela filosofia
revolucionária que acabou dando origem ao movimento zelote. Tiago defende
a causa deles (5.1-6) a os direitos dos pobres oprimidos, ao mesmo tempo em
que os adverte a não empregarem meios violentos para aliviar sua situação
(4.1-3). Essas reconstruções podem ser esclarecedoras, mas temos de ter o
cuidado de não ser mais específicos do que o texto nos permite, caso
contrário estaremos forçando a carta a se conformar a um molde em que o
autor não pretendeu colocá-la.

A CONTRIBUIÇÃO DE TIAGO
Entre as contribuições de Tiago destacasse sua insistência em que a fé cristã
autêntica tem de se evidenciar em obras. Ele se opõe resolutamente a
tendência tão comum entre os cristãos de se satisfazerem com uma fé
acomodada e que faz concessões, que procura tirar o melhor proveito deste
mundo e do vindouro. Para Tiago o pecado fundamental é o coração dividido
(1.8; 4.8) e ele insiste em que os cristãos se arrependam disto e voltem ao
caminho que conduz ao caráter integro e perfeito que Deus deseja.
A própria maneira incisiva com que Tiago faz afirmações a esse respeito
suscita perguntas a respeito da perspectiva teológica da carta, em especial
quando Tiago insiste em seu argumento a ponto de vincular justificação as
obras (2.14-16). Pois a essa altura ele parece contradizer a insistência de
Paulo de que a justificação provem exclusivamente por meio da fé (Rm 3.28).
Muitos se satisfazem em ver aqui uma indicação da profunda diversidade
dentro do Novo Testamento, e acham que Paulo e Tiago dizem coisas
diferentes e conflitantes sobre como alguém é justificado perante Deus. Mas
não é necessário adotar uma posição tão destrutiva; existem pelo menos duas
maneiras legitimas de harmonizar Tiago e Paulo nessa questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Introdução ao Novo testamento – D. A. Carson, Douglas J. Moo, Leon Morris –


Editora Vida Nova.
- CD Bíblia sagrada Seafox.
- CD Bíblia sagrada Laicus.

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