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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Instituto Multidisciplinar
Curso de História
História do Brasil I

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UNIDADE II: PESQUISA E HISTORIOGRAFIA DA COLONIZAÇÃO

FAORO, Raymundo. “Traços gerais da organização administrativa, social, econômica e


financeira da colônia”. In: _________________. Os donos do poder: formação do
patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2001, pp. 198-285.
- De acordo com Raymundo Faoro, as funções exercidas pelos reis, a partir do século
XVI, eram fazenda, guerra e justiça, e iam se expandindo no controle e no
aproveitamento econômico. O patrimônio do soberano se converteria, com o
tempo, no Estado, que se encontrava cada vez mais burocrático. A partir dessas
atribuições do soberano na metrópole, podemos definir o esquema da
administração pública colonial, que pode ser traçado, na ordem descendente, da
seguinte forma: o rei, o governador-geral (vice-rei), os capitães (capitanias), e as
autoridades municipais. Essa aparente simplicidade escamoteava “a complexa,
confusa e tumultuária realidade” administrativa.
- O rei estava localizado no ponto mais alto da organização política e administrativa,
tendo os poderes supremos de comando; mas ao seu lado se articulava, limitando-
lhe o livre arbítrio, uma camada ministerial e, o que era mais importante, o
Conselho de Estado, por ele presidido.
- A unidade do governo, calcada em uma camada social, seria o meio sobre o qual se
ergueria a unidade nacional, que estava lutando contra a vocação regional e
autonomista das forças locais. A força integradora do governo seria a camada
representada pelos agentes do rei e funcionários. Esse círculo de privilégios
conferia superioridade, fidalguia e mando.
- A administração da metrópole estava ligada à colônia através do governador-geral,
que apresentava poderes escritos de grande alcance, embora não conseguisse
dominar as capitanias, os focos de autoridade local e as câmaras de uma forma
completa.
- As funções do governador-geral, que se tornou vice-rei a partir de 1640,
encontravam-se em todos os setores, regulamentando a economia e a
administração em todos os detalhes. A imensa autoridade do governador geral não
subordinava de forma hierárquica os governadores das capitanias e os capitães
generais.
- O governador-geral apenas “acumula o governo da capitania-sede com os encargos
da supervisão geral”, coordenando e centralizando o comando colonial. Sua
autoridade não estava presente em todo o território, reservando-se certos espaços,
como “o do ouro e dos diamantes, à direta nomeação e controle régios”.
- O vice-rei governa a capitania-sede, com a função de supervisão geral. Os
privilégios adquiridos com o cargo público no sistema patrimonial estamental
existente na Colônia não apresentam um racionalismo da estrutura burocrática, o
que impede um “controle de revisão e de substituição de autoridade, em graus”.
Em decorrência disso, surgem os conflitos e as tensões desse governo. Esses
conflitos ocorrem devido as disputas e as resistências de funcionários que
repetidamente se dirigem ao Conselho Ultramarino, ignorando a hierarquia dos
poderes existente na Colônia.
- Formava-se também, ao redor do município, um outro elo administrativo da colônia,
depois do vice-rei e do capitão-general e governador. O município estava submetido à
administração da centralização monárquica. Inclusive a vila, que estava habilitada a
possuir uma câmara, dependia da vontade régia, mesmo que esta se limitasse a
reconhecer um fato. A eleição da câmara garantia, no dizer de Faoro, o vínculo entre a
administração pública e o povo, sendo que este último sofria diversas limitações.
- As atribuições da câmara eram, aparentemente, bastante amplas. Os seus extensos
poderes não significavam onipotência local, pois tudo estava regulado pelo poder
público, do qual os conselhos eram um ramo. A grande extensão das atribuições não
era própria das câmaras coloniais, mas pertenciam à administração metropolitana e
ultramarina. Com o passar do tempo, as câmaras converteram-se em meras
executoras das ordens superiores, principalmente a partir do advento do
pombalismo.
- Embora houvesse toda essa divisão de atribuições, ainda existia uma grande
dispersão em todos os graus, que se agravava, pois a administração apresentava
um vínculo frouxamente hierárquico: todos os indivíduos dirigiam-se
diretamente ao rei e ao círculo de seus dependentes, ignorando os graus
intermediários de comando. O governo caracterizava-se por apresentar duas
fontes básicas de fluidez, que eram os órgãos colegiados e a hierarquia sem
rigidez.
- As conquistas e as colônias davam ênfase aos órgãos colegiados, preocupados os
soberanos em centralizar a administração e os negócios ultramarinos. Os
conselhos, tribunais e casas encontravam-se subordinados ao comando dos
ministros régios. O padrão dos novos estabelecimentos no Brasil seria o
colegialismo, que já havia sido introduzido em Portugal.
- Raymundo Faoro mostra que os funcionários portugueses eram como uma sombra
real, e os vícios que a colônia revelava neles eram escondidos na contradição
existente entre essas leis, regimentos, provisões e conduta jurídica. Ainda existia
nesse momento uma perceptível venalidade ligada ao controle fiscal e comercial do
reino, como já foi dito anteriormente.
- Todas as denúncias relativas aos abusos do sistema tinham fundamento na repulsa
da burguesia comercial e nos interesses particulares, que já estavam conscientes da
exploração metropolitana sofrida. Queria-se apresentar o domínio do funcionário
que, embora fosse infiel aos fins do soberano, encontrava-se coerente com o
patrimonialismo. Além do funcionário havia também o burocrata, que prendia o
povo que estava ligado ao seu cargo pelos interesses materiais da colônia e do
reino.
- O governo metropolitano apresentava os seguintes órgãos: Conselho Ultramarino,
Conselho da Fazenda, Mesa de Consciência e Ordens, Casa de Suplicação e
Desembargo do Paço. Em relação à administração colonial, o governo central
exercia, geralmente, apenas uma autoridade nominal sobre as capitanias gerais,
restringindo, como citado anteriormente, o papel do governador à administração
de sua capitania e daquelas que lhe eram dependentes. Não havia uma máquina
político-administrativa eficaz, e a imprecisão da estrutura administrativa resultou
em frequentes conflitos sobre competências e jurisdições.
- Em torno da fazenda, afirma Faoro, girava a economia e a sociedade coloniais. Sua
organização administrativa apresentava um corpo unido à centralização régia, que
se fixava em todos os níveis de governo, com o escoadouro comum dirigido à
metrópole. O Conselho da Fazenda na Corte, juntamente com o Conselho
Ultramarino, dirigia a administração fazendária no Brasil.
- O cargo público, segundo Faoro, conferia ao indivíduo a marca da nobreza,
transformando-o em portador de autoridade. Para a aceitação em várias funções
públicas era condição fundamental que o candidato fosse um homem de “limpo
sangue”. Esses “homens bons” compreendiam, num alargamento crescente, os
nobres de linhagem, os senhores de terra e engenhos e a burocracia civil e militar,
com a contínua agregação de burgueses comerciantes.
- A burguesia, no interior desse sistema, adquiria a consciência social da nobreza.
Todas as classes eram atraídas e mergulhadas no estamento em decorrência do
cargo público, que era um instrumento de controle das conquistas por parte do
soberano.
- O controle fazendário, a justiça e a administração garantiam a defesa e a paz
interna, que estavam voltadas contra o indígena e contra as agressões externas. A
instituição das forças armadas mostrava um modelo de integração do povoador
com as atividades e com os desígnios de Portugal.
- A ordem militar apresentava-se como característica fundamental à integração do
colono com a ordem metropolitana. A patente das milícias equivalia a um título
de nobreza, que trazia prestígio e poder e, além disso, essa patente
“embranquecia” o indivíduo. O corpo militar, nos graus de oficial, transmitia
nobreza, equiparada a milícia e depois a Guarda Nacional, às tropas de linha para
os efeitos de honra aristocrática.
- Era ainda função dos milicianos moldar a sociedade interiorana, garantindo-lhe
por intermédio do rei, a disciplina, a obediência e o respeito à hierarquia. No fim
do século XVIII, organizou-se e profissionalizou-se o corpo regular de militares,
tornando-se permanente e leal à metrópole.
- A organização militar apresentava-se com o eixo principal da colônia, por ser um
elemento de disciplina e ordem, que ajudava na cobrança de tributos e de
privilégios reais. Já o caráter, a postura e os padrões europeus foram instalados
na colônia pelo padre, principalmente o jesuíta.
- O rei exercia a suprema jurisdição da Igreja em Portugal e no Império. O estado
pagava a côngrua aos sacerdotes, vinculando burocraticamente assim o clero
ao Estado. A organização eclesiástica submetia-se ao Estado através do Real
Padroado.
- A Igreja tinha várias e importantes atribuições de caráter administrativo, como
a assistência social da colônia e o seu ensino. De todas as ordens religiosas, a
que representou papel mais importante junto aos colonos e aos indígenas,
durante dois séculos, foi a dos jesuítas. Apesar disso, eles perderam a batalha
no que concerne à segregação e libertação do índio, já que o Estado não
admitia outro poder que não fosse o de sua administração e de seus agentes.
- As ordens possuíam um patrimônio autônomo, não dependendo, portanto, da
côngrua para manter seus membros.
- O Estado no século XVIII foi bastante hostil às ordens, chegando a expulsar os
jesuítas e intervir frequentemente nas assembleias de franciscanos e beneditinos.
As exceções foram os padres oratorianos, ideologicamente simpáticos ao Estado e
por isso apoiados por Pombal, que desejou fazê-los herdeiros da obra educacional
jesuítica.
- Em se tratando da questão indígena, o governo proibia a escravidão desde o século
XVI, mas a pressão dos interesses opostos fez com que se abrissem exceções. Os
jesuítas se opunham a tais práticas e, as leis contra a escravidão foram reeditadas
por Pombal.
- Com relação à rede fiscal de Portugal, Faoro mostra que ela “se confunde com a
direta apropriação de rendas, com os monopólios e as concessões”. A economia
seguia a regência material do rei e seu estamento, tendo o pacto colonial como a
representação desse tipo de Estado dominante na Coroa.
- O monopólio foi o meio através do qual o soberano realizava o comércio direto.
Portugal delegava a exploração do negócio aos contratadores, que o realizavam
por conta do poder público.
- Além dos monopólios, criaram-se as companhias privilegiadas de comércio,
como um outro modo de cooperação dos particulares: elas caracterizavam-se
pela iniciativa oficial e pelo papel preponderante do Estado.
- Outra modalidade econômica que se constituía eram as concessões. Esses três
tipos de controle econômico se interligavam no domínio do comércio
metropolitano, o pacto colonial, comércio reservado aos portugueses.
- O quadro fiscal foi a representação do domínio estatal, sendo o tributo um
meio prático de exploração. O aparelhamento do Estado, que estava calcado
sobre o sistema colonial de controle das exportações e do comércio, gerou
consequências permanentes de dependência, além de orientar a ordem social
das classes.
- As rendas econômicas, diferentemente das tributárias, eram um modo
tradicional de realização da política do Estado. As rendas tributárias, devido
seu caráter de continuidade e permanência, dirigiam-se às despesas relativas
ao aparelhamento burocrático, enquanto as rendas econômicas eram utilizadas
para os riscos do negócio.
- As concessões, os monopólios e as companhias privilegiadas sustentaram uma
exploração colonial, com métodos revigorados de sistemas que se
encontravam em decadência em Portugal e na Europa.
- Com o passar do tempo, o monopólio passou a ser um entrave do movimento
mercantil, já que ele paralisava as iniciativas, além de dificultar as atividades
conexas; esse sistema era incompatível com o sistema liberal econômico
crescente.
- As companhias de comércio tiveram um objetivo diferente dos monopólios.
Por meio delas (as dos séculos XVII e XVIII), o soberano, associado aos
comerciantes, pretendia assegurar o predomínio do pacto colonial nas
colônias e as conquistas, através da exploração metropolitana. Mas, as
companhias não conseguiram o efeito de isolar Portugal da economia e da
política europeias.
- Por meio de diversos tratados, que culminaram na convenção de Methuen
(1703), Portugal foi entregue à tutela inglesa e, consequentemente, sua
colônia americana também teve o mesmo destino. Com isso, ao se deslocar o
centro do comércio, deslocou-se também o centro do crédito, colocando o
comerciante português em uma função intermediária, o que fez com que
malograsse o sonho das companhias do século XVII.
- D. José, em seu reinado (1750-1777), procurou, através de seu ministro, o
Marquês de Pombal, “reconquistar a independência perdida, perdida ao
mercador inglês e alienada pelo sistema mercantil”. O caminho da restauração
dessa soberania comprometida e ameaçada seria através do controle
econômico da colônia, e o programa buscava acabar com a concorrência
inglesa.
- As companhias de comércio - através da ampliação do monopólio que havia
ocorrido - seriam o modo propício para Portugal encontrar o caminho do
sucesso. Por isso, mais uma vez, a burguesia lusitana, procurando se
restabelecer recebeu o apoio do Estado, que lhe exigiu a dependência.
- A burguesia só se recuperaria na medida que obedecesse às diretrizes impostas
pelo soberano. Depois de extintas as companhias de comércio, permaneceria,
até 1808, o pensamento de que o comércio das colônias era monopólio da
metrópole.
- O comando efetivo da economia ultramarina não ocorreu somente através dos
privilégios das companhias ou dos monopólios, mas também pelo controle de
setores aparentemente livres, como o açúcar e o ouro, que eram dependentes
de concessões e estímulos.
- Essas concessões traziam consigo transferência de autoridade e atribuições de
defesa militar, cuidando principalmente de sua prosperidade.
- Enquanto o açúcar conseguiu escapar do controle oficial, o ouro jamais se
emancipou da vigilância desconfiada dos soberanos que, para garantir os
quintos, o entravou em todas as fases de produção e comércio.
- O controle metropolitano à colônia foi completado pelo fiscalismo do reino, que
era uma expressão alheia aos tributos e derivada do sistema de dependência, já
que a colônia não podia viver por si só, nem se identificar com a metrópole: era
apenas uma “estância provisória dos interesses sediados junto à Coroa”.
- O fiscalismo era realizado como um sistema estabilizador da economia,
dificultando as trocas e alimentando uma camada que se apropriava das rendas.
Entre o Estado e os interesses particulares fixava-se uma camada de exploradores,
alimentados pela Coroa, através da exploração de tributos e monopólios.

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