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FAUSTO, Boris. Cap. 3. A “derrubada” das oligarquias.

In: A revolução de 1930 – história


e historiografia, p. 116-147.

● O sistema político oligárquico vigente começou a apresentar sinais inquietantes de


desequilíbrio nos primeiros anos da década de 20. Eles se revelam ao inconformismo das
classes médias e, sobretudo, nas revoltas tenentistas. [...] A antecipação revolucionária dos
“tenentes” – sintoma gravíssimo de uma crise que se instala no aparelho do Estado – liga-se
a uma dupla frustração. De um lado, a burguesia cafeeira confere ao Exército um papel
subordinado; de outro, a cúpula militar aceita esse papel e entra em acordo com as
oligarquias. O movimento tenentista não se volta apenas contra os quadros dirigentes da
República Velha [...]
● [...] vitória à chapa Júlio Prestes, mas o governo deixa de contar com sua base de sustentação
para os momentos decisivos, como os acontecimentos de outubro iriam revelar. O contraste
entre a frieza dos setores agrários paulistas em outubro de 1930 e sua ampla mobilização,
em outro contexto, dois anos depois, é nesse sentido um exemplo bastante revelador.
● A crise alenta também os ressentimentos regionais, no instante em que desaba um sistema
construído fundamentalmente em função dos interesses da burguesia cafeeira de São Paulo.
Na Câmera Federal, a atitude da maioria, rejeitando um requerimento de informações ao
governo acerca das medidas tomadas para enfrentar a crise, provoca uma longa discussão.
● A imprensa paulista de oposição, no curso do ano de 1930, reflete a nítida consciência de
que uma onda de instabilidade varia a América Latina e o claro propósito de explorar os
acontecimentos, em proveito das articulações revolucionárias. [...] A articulação
revolucionária, que ganha forças entre marchas e contramarchas, após a derrota eleitoral da
Aliança em março de 1930, nasce do esforço dos quadros jovens, tanto civis quanto
militares. Sob esse aspecto, o corte de gerações tem algum significado no entendimento do
episódio. Os velhos oligarcas aceitam a tradicional recomposição [...] São os “tenentes” e
homens como Virgílio de Melo Franco, Osvaldo Aranha, João Neves da Fontoura que dão
impulso ao movimento revolucionário, conseguindo arrastar afinal as figuras tradicionais.
● O êxito da Revolução de 1930 dependeu em essência do papel desempenhado pelos
militares, mas o Exército não atuou como uma força homogênea [...] O setor militar mais
dinâmico na articulação do movimento, representado pelos “tenentes”, encontrava-se, a
rigor, fora do aparelho militar do Estado, pois muitos de seus membros haviam sido
afastados das fileiras do Exército.
● Em síntese, a crise da hegemonia da burguesia cafeeira possibilita a rápida aglutinação das
oligarquias não vinculadas ao café, de diferentes áreas militares onde a oposição à
hegemonia tem características especificas. Essas forças contam com o apoio das classes
médias e com a presença difusa das massas populares. Do ponto de vista das classes
dominantes, a cisão ganha contornos nitidamente regionais, dadas as características da
formação social do país (profunda desigualdade de desenvolvimento de suas diferentes
áreas, imbricamento de interesses entre a burguesia agrária e a industrial nos maiores
centros), e as divisões “puras” de fração – burguesia agrária, burguesia industrial – não se
consolidam e não explicam o episódio revolucionário.
● [...] caracterizando os anos posteriores a 1930 como o período em que “nenhum dos grupos
participantes pode oferecer ao Estado as bases de sua legitimidade: as classes médias porque
não têm autonomia frente aos interesses tradicionais em geral; os interesses do café porque
diminuídos em sua força e representatividade política por efeito da revolução, da segunda
derrota em 1932 e da depressão econômica que se prolonga por quase um decênio; os demais
setores agrários porque menos desenvolvidos e menos vinculados com as atividades de
exportação que ainda são básicas para o equilíbrio do conjunto da economia.”
● Em tais condições, instala-se um compromisso entre várias facções pelo qual “aqueles que
controlam as funções de governo já não representam de modo direto os grupos sociais que
exercem sua hegemonia sobre alguns dos setores básicos da economia e da sociedade”.
● A possibilidade de concretização do Estado de compromisso é dada, porém, pela
inexistência de oposições radicais no interior das classes dominantes e, em seu âmbito, não
se incluem todas as forças sociais. O acordo se dá entre as várias frações da burguesia; as
classes médias – ou pelo menos parte delas – assumem maior peso, favorecidas pelo
crescimento do aparelho do Estado, mantendo, entretanto, uma posição subordinada. À
margem do compromisso básico fica a classe operária, pois o estabelecimento de novas
relações com a classe não significa qualquer concessão política apreciável.
● Uma análise sumária dos primeiros sete anos do governo Vargas revela os traços essenciais
dessa composição de forças. A burguesia do café é apeada do poder central, abrindo-se a
partir daí uma espécie de longa renúncia das classes dominantes de São Paulo à instância
política. [...] A própria entrega do Estado a seus representantes políticos só se realiza
efetivamente após a Revolução de 1932. Isso não contradiz o fato de que Vargas tenha
encontrado sempre vias para não cortar suas pontes com a burguesia paulista [...]
● A instituição que garante a existência do Estado de compromisso é o Exército. Ele sustenta
o regime como liame unificador das várias frações da classe dominante.
● Embora Vargas tenha se apoiado nos “tenentes” durante os primeiros anos da década de 30,
e algumas aberturas nacionalistas difusas se devam à influência destes, a consolidação do
novo governo dependia da homogeneização do aparelho militar. Isso implicava a liquidação
do tenentismo como força autônoma que, a cada passo, ameaçava corroer a disciplina, sem
prescindir dos “tenentes” individualmente, e o combate às organizações radicais, cuja
influência ideológica, por meio da figura de Prestes, crescia nas Forças Armadas.
● O Estado que emergiu da Revolução de 1930 manteve o papel fundamental de
desorganizador político da classe operária, [...] ao mesmo tempo em que procurava
estabelecer com o conjunto da classe um novo tipo de relações. A política de marginalização
pura e simples realizada pelas velhas classes dominantes não tinha mais condições de se
sustentar.
● Postura do Estado – necessitava se abrir a todas as pressões sem se subordinar diretamente
a nenhuma delas.
● A nova forma de Estado – mais centralizado, intervencionista – é uma condição básica para
a expansão das atividades industriais, mesmo quando deformada e submetida ao capital
externo. [...] Tendo em vista as características da burguesia nacional dos países dependentes,
foi necessário que o núcleo dominante do ponto de vista econômico – onde a burguesia
industrial fez grandes progressos, a partir dos anos 30 – perdesse o comando do Estado, para
que este se abrisse aos grupos técnicos da nova classe média, à influência de setores
militares, que deram forma a algumas medidas conducentes ao desenvolvimento autônomo
(Petrobrás, Eletrobrás), sob a pressão dos movimentos populares.

Texto Complementar
• [P.15] “Metrópole nascida com o café e a ferrovia, São Paulo era, nos anos 1920, uma
cidade cuja população aspirava uma semelhança com as belas cidades europeias.”
• [P.24] No quadro do sistema republicano, embora o regime fosse eminentemente civil,
os militares ocupavam posição destacava. Presente na vida política republicana desde
seu nascimento, o Exército tinha como atribuição constitucional o papel de guardião das
instituições, de maneira que parte de seus oficiais se considerava justificadamente capaz
de intervir no processo político. [...] Nos períodos de campanha sucessória expressavam-
se mais claramente as críticas à ordem vigente e as possíveis soluções para corrigir os
rumos, no entanto, sem que se desenhasse uma transformação mais significativa no
sistema de poder em vigor. Nas eleições de 1922, entretanto, o clima político estava
bastante alterado especialmente em virtude da profunda crise econômica, gerada
sobretudo pela diminuição das exportações de café.
• Nilo Peçanha contava com a simpatia dos militares, Arthur Bernardes foi eleito e os
militares buscavam alguma maneira de impedir sua posse. Uma primeira tentativa de
revolução – um movimento armado contra a ordem vigente – ocorreu no Rio em 1922 e
foi rapidamente debelado. [...] Iniciou-se a propaganda conspiratória. Durante todo o
ano de 1923, o general Isidoro Dias Lopes visitou as divisões militares do país inteiro,
verificando as possibilidades de concretizar uma ação efetiva e depor Arthur Bernardes.
Buscavam, principalmente uma maior centralização do poder em detrimento da
autonomia dos estados e a defesa dos interesses nacionais.
• [P. 32] – Na madrugada de julho de 1924, unidades rebeldes do Exército e da Força
Pública – a milícia estadual – ocuparam as ruas de São Paulo no intuito de sublevar os
quarteis e organizar uma marcha revolucionária em direção ao Rio para depor o
presidente da República, Arthur Bernardes. [...] Ainda no Centro, ocuparam ruas,
abrindo trincheiras, estendendo correntes e improvisando cercas de arame farpado,
impedindo assim a circulação dos cidadãos.

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