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O ESTADO NOVO: ESTRUTURA

DE PODER – RELAÇÕES DE
CLASSE
Eli Diniz
ANTECEDENTES:
 crise das representações liberais-oligárquicas no Brasil e no mundo:
 Greves (1917-1919)
 Tenentismo (1922);
 Criação do PCB (1922);
 Semana de Arte Moderna (1922);
 Quebra da Bolsa de Valores em Nova Iorque (1929);
 Crise na sucessão presidencial (1930):
 - Tenentismo e aliança liberal;
 - Morte de João Pessoal (vice de Vargas);
 - Início do Movimento Armado em Julho de 1930;
 - Deposição de W. Luiz em 24 de Outubro de 1930;
 A Revolução Constitucionalista em 1932;
 A Intentona Comunista em 1935;
 A instituição do Estado Novo em 1937;
 A tentativa de golpe integralista em 1938;
 Diversos estudos apontam para a
centralização/hierarquização e ampliação do poder de
Estado após 1937;
 Conformam uma ideia de bloco monolítico de poder;
com maior força do executivo presidencial; com a
complexização e diferenciação dos órgãos de Estado; a
supremacia federal sobre os poderes regionais;
 Tese do autor: o reconhecimento de tais linhagens não é
suficiente para explicitar a natureza do Regime: é
preciso conhecer os mecanismos de relacionamento
entre Estado/sociedade.
 I – Centralização do Poder e Predomínio da Ordem
Pública
 A ampliação de poder do Estado pós-1930 e 1937 pode
ser vista de dois ângulos distintos:
 A) luta e vitória contra o particularismo/faccionismo
regional e o estabelecimento de uma ordem superior
pública nacional;
 B) implantação de uma ordem autoritária de Estado –
sob inspiração das teorias corporativas que envolvia
Estado e sociedade – por exemplo Oliveira Vianna
II – CENTRALIZAÇÃO DO PODER E
REESTRUTURAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CLASSES
 Um aspecto que precisa ser denotado é a relação entre o
Estado e a sociedade (O Estado Novo, instituiu e
significou a incorporação de novas camadas sociais –
sob o influxo do fenômeno da diferenciação da
sociedade brasileira – pois já não era mais possível o
Estado abrigar quase exclusivamente apenas os
interesses do setor agroexportador);
 O regime consolidado com Prudente de Morais no final
do século XIX, constituiu o poder expresso e abrangente
das oligarquias e seus interesses, sob a coordenação da
burguesia cafeeira;
III- AUTONOMIA RELATIVA DO ESTADO E
REALINHAMENTO DAS FORÇAS SOCIAIS EM
CONFRONTO
 Nova Direção da Análise: a centralização/diferenciação do
Estado responde a um conjunto de pressões advindas das
transformações sociais – formações que não podiam ser
acomodadas nos marcos do regime civil oligárquico;
 1930, foi antecedido por uma longa crise de hegemonia e uma
crise ideológica que perdurou na década de 30. Os
acontecimentos evoluíram no sentido do fim do poder
hegemônico da burguesia cafeeira – mas, também, na
impossibilidade de constituição de uma outra hegemonia –
havendo uma acomodação de forças em situação de confronto
latente;
 1930/1937, houve um aprofundamento desta crise,
alcançando-se uma situação limite de salvaguarda da ordem
social e a instituição de um Poder Executivo forte;
 1937/1945, notamos, ao mesmo tempo, a centralização
de poder e, também, um maior espaço de forças anti-
oligárquicas. E, ainda, a eliminação do cenário público
político das forças consideradas mais radicais e
incômodas ao pacto de compromissos, então
estabelecido, para uma mudança dentro da ordem
(exemplo: Tenentistas, Integralistas e Comunistas);
 Podemos falar em uma supremacia do Estado, que busca
por um lado, resguardar os interesses tradicionais, sem
deixá-los controlar o “sistema” – reduzindo os seus
espaços decisórios anteriores e, por outro lado, dar vazão
às forças que levaram à mudança em 30 – o setor urbano
industrial, especialmente a burguesia industrial;
 Estado de compromisso: o Estado é uma espécie de
“árbitro” sobre as lutas em jogo – corporativo, forte e
centralizado;
 Não quer dizer neutro! Pois, atuava no sentido de viabilizar
ou de inviabilizar determinados interesses ou ideologias;
 O poder central e os espaços decisórios centrais possuíam
relativa autonomia, já que não atuavam de modo isolado
em relação aos interesses sociais representados nas
instâncias internas e subalternas a ele;
 Assim, devemos olhar para os aspectos interdependentes do
político e do social e não ter uma visão unidirecional e
dicotômica, com uma lógica da imposição do Político, pura e
simplesmente;
 Duas conclusões:
 A) o Estado não é monolítico, mas sim uma estrutura
cada mais e mais diferenciada e em articulação com as
forças da sociedade;
 B) não existe uma ruptura, em 1937, com o movimento
histórico precedente; o que existe é uma experiência
autoritária/corporativa e cumulativa após 1930;
 1930/1945, é uma continuidade: com o declínio do poder
do setor agroexportador e ascensão do poder
urbano/industrial e a articulação e diferenciação do
poder autoritário corporativo – liderado por Vargas –
representante das forças vitoriosas em 1930;
IV- O SIGNIFICADO DA REVOLUÇÃO DE
1930: CONSERVAÇÃO OU MUDANÇA?
 No debate acadêmico sobre a modernização
conservadora, alguns autores destacam o caráter de
continuidade pós-1930, chamando a atenção para o
caráter conservador e tradicional da atuação do Estado
brasileiro frente a crise de 1929/1930; destacando o
automatismo econômico da reação ao quadro externo;
 Salientam, inclusive, que o Governo ao atuar de modo
tradicional, de acordo com um política monetarista, teria
refreado a própria desenvoltura da recuperação
econômica que se daria naturalmente no sentido da
imposição fora do sistema econômico anterior;
 Para o autor: teria sido muito importante as políticas
anticíclicas, adotadas por Vargas, para a recuperação da
economia brasileira; mas elas não foram automáticas e
devem ser destacados os esforços do Estado e da
burguesia industrial no sentido de articular uma nova
composição político/econômica para o período;
 O caráter conservador não deve nos levar a minimizar o
lado modernizador das transformações nos anos 30;
nota-se o deslocamento econômico do eixo
agroexportador para o eixo urbano industrial; também,
um deslocamento político com a diminuição do poder
civil/oligárquico para um novo compromisso na forma
do Estado centralizado/corporativo.
 Nem industrialismo/nem agrarismo! Existem pesos
relativos e um certo pragmatismo a demarcar as
orientações da política econômica do período;
 Mas, deve-se notar que, ao longo do período, se
fortaleceu a posição dos setores emergentes na sociedade
brasileira; os dados revelam isso:
 - 1940: 49.418 indústrias, sendo 34.691 criadas após
1930; com crescimento de 8,4% de 1929 a 1933; 11,2%
de 1933 a 1939 e de 5,4% de 1939 a 1945 (enquanto que
a agricultura cresceu em média menos de 2% no
período);
 Outras informações deixam claro o maior dinamismo no
setor urbano industrial:
 - o desenvolvimento de setores não tradicionais da
indústria (básica e química), obteve crescimento maior
que os demais setores tradicionais;
 O menor nível de crescimento após 1939 se devem às
dificuldades de importação de equipamentos;
- Outra questão: as análises tem destacado a importância dos segmentos
técnicos da burocracia estatal e também dos pensadores autoritários nas
escolhas pós-1930;
- De fato, não podemos escamotear a presença importante de tais setores,
mas também, deve ser dada relevância a atuação dos líderes industriais e as
convergências do pensamento destes com os pensadores autoritários e com
segmentos da burocracia do Estado. Por exemplo:
 - construção ideológica de uma nova identidade/ordem nacional/social;

 - papel ativo do Estado na nova ordem social;

 - intervencionismo/regulação da economia e proteção do mercado


interno;
 - atuação estatal no desenvolvimento de infraestruturas e na indústria de
bens de capital;
 - reserva à iniciativa privada na produção em geral;

 Quanto às divergências entre tais segmentos: graus de


dirigismo/centralismo estatal nas decisões.
 Concluindo:
 - vários níveis de rupturas após 1930;

 - reestruturação da política;

 - centralização do poder/esvaziamento do poder


local/regional;
 - reestruturação das participações das classes no interior
do Estado;
 - papel ativo da liderança industrial/articulação com
setores do Estado;
 - espaços políticos conquistados pelo setor urbano-
industrial – não obstante, esse setor não tenha
alcançado um proposição de hegemonia no período!
V- OS ANOS TRINTA: DIFERENCIAÇÃO DE
INTERESSES E REDEFINIÇÃO DAS ALIANÇAS
POLÍTICAS
 Diversos estudiosos chamam a atenção para a não
diferenciação entre as posições de industriais e do setor
agroexportador antes de 1930 e após 1930;
 Outros estudiosos levantam a permanente divergência
entre os dois segmentos ao longo do período;
 No entanto, temos que ter um visão mais abrangente sobre o
conjunto dos interesses que articulam as posições em jogo:
 A) as possibilidades de crescimento industrial, antes de 30, se
inseriam na ordem capitalista existente, não havia a necessidade
de uma ruptura da ordem social e econômica de um modo radical;
 B) muitos interesses industriais se acomodavam com os interesses
do setor agroexportador, exemplo: desvalorização cambial;
 C) deve ser olhado o conjunto das posições e ações dos industriais
no período pós 1930: política de crédito; investimentos em
infraestruturas; controle e proteção de mercado interno etc – que
representam as necessidades do setor e demandam novos
contornos políticos, diferenciação da estrutura de Estado e
políticas setoriais diversas daquelas que orientavam o poder civil-
oligárquico antes de 1930;
 A posição dos industriais: a posição de indiferenciação
dos industriais no interior do complexo agroexportador
foi sendo abandonada já na década de 20 (criação do
CIESP em 1928) e se fortaleceu ao longo do período
estudado;
 De fato, com o advento da guerra e as dificuldades
econômicas, os industriais chegaram a uma elaboração
que significava: indústria = menor fragilidade da nação =
interesse nacional = defesa de mercado interno (embora
não representasse uma consciência política hegemônica);
 Não obstante a incapacidade do setor burguês industrial
em propor um projeto industrializante que incorporasse
os interesses de outros setores dominantes e subalternos
da sociedade (operariado, por exemplo), ao longo do
período evoluiu para uma diferenciação inter-elites e
articulou-se com outros segmentos da burocracia do
Estado: o Exército, por exemplo.
 O Exército não pode ser considerado protagonista do
industrialismo; pois sua percepção e auxílio na
constituição de um campo de forças favorável à
industrialização do país, decorreram da crise dos anos 30
e sobretudo do esforço da guerra;
 Antes de 1930, a importação de equipamentos satisfazia
os interesses do exército brasileiro.
 Também, não podemos ver uma subordinação de seus
interesses e visões aos interesses da burguesia industrial,
pois havia diferenças entre ambos: indústria de base;
exploração das riquezas de subsolo; de fontes de energia.
 Da ausência de uma perspectiva hegemônica dos
industriais, decorreu a aceitação do Estado de
Compromisso de cunho autoritário estabelecido após
1930;
 A burguesia industrial não chegou à formulação de um
projeto abrangente e que articulasse uma proposta de
sociedade nacional, com a aceitação mínima de
interesses sociais mais amplos; o que exigiria, talvez, um
caminho de democracia formal;
 Daí, temos a percepção de que o período revela mais as
dissenções do que as congruências no interior do Estado
de Compromisso;
 O setor agroexportador: é verdadeira a afirmação que,
após 1930, o Governo atuou no sentido de proteger esse
segmento, em meio a crise mundial;
 No entanto, as próprias críticas desse setor ao Estado,
durante todo o período varguista, às vezes de maneira
bastante radical, revelam a permanente insatisfação, pois
avaliava-se que o governo atuava em um sentido
contrário à manutenção do seu predomínio e centralidade
na economia brasileira, especialmente do café; por
exemplo:
 - a criação do DNC – Departamento Nacional do Café;
 - a taxação de impostos ao setor e a divisão do ônus com
a política de valorização do café;
 - o estabelecimento de limites da expansão da produção;
 - a centralização da política de exportação;
 Indicam um esvaziamento político do setor, em
benefício relativo de outros segmentos sociais.
 Evidentemente que, entre os vencedores da Revolução
de 1930, não havia desde o início um projeto definido
para a saída da crise, por via da industrialização. Mas
aos poucos foi-se consolidando tal perspectiva;
 Uma aproximação dos industriais com o Governo, ocorre
após 1932; entre Governo Federal e as entidades mais
representativas do empresariado industrial: FIESP;
FIMG e CNI;
 Enquanto que as entidades mais representativas do
setores tradicionais, como SBR se distanciava e assumia
posturas críticas e contundentes às políticas de Vargas;
 Percebe-se, assim, que o Estado foi aos poucos
consolidando uma certa autonomia relativa, que lhe
permite ser o locus de uma composição de alianças
classistas, com um realinhamento das forças sociais no
seu interior.
VI- CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E
DIVERSIFICAÇÃO DAS INSTÂNCIAS DECISÓRIAS
 Faz-se necessário olhar para dentro do Estado e de sua
complexidade crescente para a articulação/representação
das forças sociais;
 A rigor não existe uma ruptura em 1937, mas com o
advento do Estado Novo, ocorreu um aprofundamento da
centralização/diferenciação e nacionalização das
decisões estratégicas do país, com:
 - esvaziamento dos poderes regionais;
 - o abrigo no interior do Estado de interesses privados
cada vez mais diferenciados;
 - uma base policlassista – mas rigidamente controlada;

 - interpenetração e diálogo com os setores privados;

 - maior força e autonomia decisória na cúpula do


sistema;
 - maiores possibilidades de jogo com os diferentes atores
– alijando, postergando, derrubando, secundarizando as
posições não desejáveis ao movimento da
“modernização conservadora”.
VII- OS MECANISMOS CENTRALIZADORES:
INTERVENTORIAS, INSTITUTOS, AUTARQUIAS E
CONSELHOS ECONÔMICOS
 A Constituição de 1937, conferiu amplos poderes a
Presidência da Republica que podia legislar através de
Decretos Leis, sobre os mais variados problemas da Nação;
 Vários tipos de órgãos estatais foram criados no período, o
que fortaleceu de modo significativo o poder do Estado e a
centralização das decisões;
 Primeiro: as Interventorias, recurso já previsto e largamente
utilizado na Primeira Republica – após 1930 tornou-se
comum e regra constitucional em 1937 – quando junto com
o Departamento Administrativo – formou-se o modo de
governar as regiões (Departamentos) – esvaziando, mas
não isolando os interesses locais;
 Segundo: foram criados vários órgãos reguladores –
especialmente voltados para os setores exportadores –
retirando a autonomia dos mesmos;
 Terceiro: criação de órgãos voltados à industrialização
em geral e também voltados à indústria básica
(siderurgia, por exemplo);
 Quarto: órgãos embrionários de políticas de Planejamento
mais abrangente. O mais importante no período foi CFCE
– criado em 1934, inicialmente para regular o setor de
exportação, aos poucos foi ampliando suas funções
econômicas e ao longo do tempo tornou-se o principal
órgão formulador e assessor da Presidência da República;
 - CNPIC – criado em 1943 – não teve efetividade- mas
ganhou notoriedade sob a liderança de Roberto Simonsen
– e foi transformado no principal órgão na defesa do
industrialismo, enquanto “defesa do interesse nacional”;
 - CPE: criado em maio de 1944, sob a liderança do Prof.
Eugênio Gudin – foi utilizado para se contrapor às
posições do CNPIC.
 O debate entre intervencionistas e liberais, foi crescente
no interior do Estado, sendo que em geral a primeira
posição era defendida pelos industriais (limite de
subsídios, orientação política econômica, política de
crédito...etc) e a segunda posição defendida pelo setor
agroexportador;
 Não obstante percebermos uma linha de evolução
favorável ao setor urbano industrial, ela nunca foi linear
no interior do Estado. O governo não adotou uma
postura industrialista e, no jogo de pressões internas e
externas, oscilou entre mais ou menos uma
modernização da economia brasileira (somente na
década de 50 uma política industrialista).
VIII- O PAPEL DO EXÉRCITO
 Após 1935 e especialmente com o início da II Guerra, o
Exército brasileiro foi se transformando em uma
Instituição mais distante da política partidária e
voltando-se para as preocupações com o seu “destino”
institucional. Embora fosse um pilar de sustentação do
Regime, não podemos considerá-lo como submisso ao
comando de Vargas;
 Foi um ator importante contra o liberalismo e na defesa
da industrialização brasileira. Importante interlocutor dos
industriais, manteve, no entanto, posições divergentes
com esses, por exemplo, quanto ao grau de intervenção
especialmente nas chamadas indústrias de base;
IX- CONSIDERAÇÕES FINAIS
 Diferenciação dos espaços decisórios e de participação
da sociedade civil no interior do Estado: autonomia
relativa das Instâncias Centrais do Estado Corporativo;
 Participação relativa da sociedade civil;

 Reforço do Núcleo Central;

 Estado poroso às influências mais organizadas dos


interesses privados;

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