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A reforma do Estado é a
questão mais persis-
tente na vida política brasileira
JAWDAT ABU-EL-HAJ•
RESUMO
O texto apresenta uma retrospectiva descritiva
centralizados da tomada de
decisões. A última, a reforma
reguladora, foi concebida du-
e continua sendo o foco para de abordagens e teorias que guiaram os diversos rante os mandatos de Fernan-
um desenvolvimento justo e momentos das reformas administrativas no do Henrique Cardoso ( 1994-
sustentável. Importante dis- Brasil desde a década de I 930. Delimitou três 2002), e sua doutrina seguiu
tinguir a reforma do Estado modelos que marcaram a institucionalização do os moldes de gerenciamento
da reforma administrativa. A setor público: o burocrático-racional ( 1938), o público.
empresarial (I 96 7) e o gerencial (I 99 5). Sugeriu
primeira descreve mudanças
que a consolidação de uma administração pública A "ERA VARGAS"
na estrutura, posição e forma eclética que reforçou o peso das barganhas E O ESTADO
de intervenção do Estado na pol íticas em detrimento do desempenho
INTERVENCIONISTA
sociedade, enfocando ideolo- institucional, gerando uma invasão de atribuições
gias, forças políticas e legiti- principalmente entre as três instâncias da O Brasil da década de
federação brasileira. vinte vivenciou uma profun-
midade. Enquanto a segunda
representa uma revisão dos ABSTRACT da mudança social: cresceram
mecanismos administrativos e The article presented a retrospective of approaches os centros urbanos, nasceram
técnicos adotados para viabili- and theories that guided administrative reforms in novas classes sociais, apareceu
Brasil since the I 930s. Ir indicated three basic a indústria e entraram em de-
zar a intervenção pública.
models that marked the institutionalization of cadência as antigas elites cafei-
Em 1930, a derrubada
thc public secror: bureaucratic--rational (I 938),
da primeira república inaugu- cultoras. O país se encontrava
en treprcneurial (1967) and managerial (1995).
rou uma longa odisséia para Ir suggested that thc consolidation of an eclectic
numa conjuntura de intensa
reformular o modelo político public administration strengthened political mobilização política, urbana,
brasileiro. Até o presente, esse ba rgaining to the detriment of institutional antagônica à sociedade agrária.
performance and created a tendency of rurf- Os protestos contra as práticas
caminho perpassou por três
invasion among the three leveis of the Brazilian políticas da Primeira Repúbli-
grandes reformas do Estado:
Fcderation.
o estado interventor, o estado ca (1889-1930) se tornaram o
Doutor em Ciências Políticas e professor do
· empresarial e o estado regu- foco das mobilizações sociais.
Departamento de Ciências Sociais da Universidade
lador. Esse trabalho sintetiza Federa I do Ceará. Especificamente, as críticas se
a literatura da ciência política voltaram para: a manipulação
em torno desses grandes momentos. dos votos, o uso político da administração pública
A primeira reforma adotou um modelo de e a aplicação de políticas econômicas liberais, que
intervenção centralizadora do Estado na socieda- beneficiavam os cafeicultores e seus respectivos es-
de, enquanto o governo foi organizado de acor- tados em detrimento de outros setores produtivos.
do com o modelo administrativo racional-legal A decadência dos cafeicultores já era evidente
(1930-1945). A segunda nasceu durante o regime nos primeiros anos do século vinte. O colapso dos
militar (1964-1985), e sua política de um acele- preços do café atingiu em cheio o poderio econômi-
rado crescimento econômico é conhecida como a co dessas elites. Os industriais, comerciantes, as no-
reforma empresarial do Estado. Os seus mecanis- vas classes médias urbanas e os assalariados indus-
mos administrativos assimilaram processos des- triais projetavam uma nova sociedade embrionária
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e se organizaram para desalojar do governo as elites caracteriza-se por uma combinação de intervenção
cafeicultoras. A persistente crise do café indicava política do governo federal nos estados, com uma
que o Brasil precisava de um novo modelo econô- centralização administrativa inspirada na organiza-
mico e de uma reforma do Estado que contemplasse ção racional-legal das instituições governamentais.
as mudanças sociais. Desesperadas, as referidas eli- A sua implantação ocorreu numa seqüência de dois
tes utilizavam todos os meios para prorrogar a sua intervalos. O primeiro é localizado durante o gover-
permanência no poder: aumentaram a repressão no provisório (novembro de 1930 a 16 de julho de
dos assalariados industriais, aprofundaram o empre- 1934), enquanto o segundo corresponde à fase re-
guismo, praticaram a compra de votos e utilizaram o pressora do Estado Novo (Gomes, 1980).
câmbio para aumentar as exportações do café. Dois
A CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA (1930-
efeitos concomitantes aceleraram a queda do anti-
1934)
go regime. De um lado, fracionou-se a unidade das
elites paulistanas e, de outro, rompeu-se o pacto re- O assassinato do paraibano João Pessoa, can-
gional entre Minas Gerais e São Paulo (De Lorenzo didato à vice-presidência de Vargas, no dia 26 de ju-
e Costa, 1998). lho de 1930, foi o estopim que apressou a derrubada,
Três forças políticas se digladiavam para subs- pela força das armas, da Primeira República. Como
tituir a "Primeira República": a esquerda liderada todos os centros políticos heterogêneos, a Aliança
pelo PCB (Partido Comunista do Brasil), a extrema Liberal era polarizada entre dois projetos divergen-
direita, representada pela AIB (Ação Integralista tes. O primeiro era do Partido Democrata Paulista,
Brasileira) e o centro, aglutinando a Aliança Liberal com suas bandeiras clássicas de eleições livres e go-
e o catolicismo político. Cada agrupamento depen- verno constitucional; enquanto o segundo reunia os
dia de grupos sociais diferentes. O PCB se inspirava tenentes e intelectuais autoritários e defendia uma
nas lutas operárias. Os integralistas tiveram grande brusca centralização institucional e uma interven-
popularidade junto aos segmentos conservadores ção estatal, em prol do desenvolvimento econômico
das classes médias urbanas e a alguns círculos operá- (Lippi, 1982).
rios. As forças centristas, representadas pela Aliança Getúlio Vargas, seguidor do positivismo gaú-
Liberal e lideradas por Getúlio Vargas, consegui- cho, inclinava-se para o segundo grupo. A nomea-
ram reunir um amplo espectro: forças regionalistas ção de interventores nos estados, em substituição
contrárias à hegemonia paulistana, profissionais li- aos governadores, e a reorganização administrativa
berais, militares, empresariado industrial e as elites marcaram os primeiros atos do governo provisório.
políticas reformistas. Objetivamente, o centro era o Entre os dias 14 e 26 de novembro de 1930, Vargas
melhor posicionado para liderar o processo. Reunia criou dois super ministérios: Ministério da Educa-
o poder das armas militares, a legitimidade do clero, ção e Saúde Pública e Ministério do Trabalho, In-
os recursos do empresariado industrial e a força po- dústria e Comércio. O seu propósito era enfrentar
lítica das oligarquias estaduais. três impasses herdados do antigo regime: a questão
No dia ll de novembro de 1930, com o in- social, representada pelos protestos operários; a cri-
centivo dos militares, Getúlio Vargas dissolveu o se econômica, causada pelo colapso dos preços do
Congresso e todas as Assembléias Legislativas, além café e a assistência à agricultura que sofria de uma
de suspender os direitos políticos. Para Vargas, os crise de abastecimento (D 'Araujo, 1999).
impasses brasileiros eram causados pela anarquia Gustavo Capanema, o novo ministro da Edu-
político-administrativa. Assim, entre 1930 e 1945, cação e Saúde Pública, intelectual católico e protegi-
desencadeou uma centralização político-adminis- do de Francisco Campos, um dos mentores da "Era
trativa jamais vista no Brasil. Nesse período, popu- Vargas" e seu ministro da justiça, promoveu uma
larmente designado "Era Vargas", essa administração reorganização administrativa, absorvendo órgãos,
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público, bloqueando as possibilidades de reformas a instalação do "Estado Novo" e uma nova Consti-
políticas. tuição, autoritária, que previa eleições somente num
Em dezembro de 1935, Vargas tomou a ini- prazo de seis anos.
ciativa e nomeou dois confidentes: Luiz Simões Lo- O Estado Novo foi marcado por contradições.
pes (político gaúcho) e Moacir Ribeiro Briggs (di- De um lado, pôs em prática um dos mais brutais
plomata), para dirigirem a Comissão Presidencial sistemas de repressão. Por outro, incentivou o apa-
e elaborarem um relatório definitivo da situação do recimento de uma nova elite tecnoburocrática, mo-
funcionalismo público. Conhecida como Comissão derna, centrada no DASP (Departamento Adminis-
do Reajustamento, esta criou um plano de cargos e trativo do Serviço Público).
salários, instituiu o concurso público como critério
O DASP E A FORMALIZAÇÃO DO ESTADO
de ingresso no serviço público e criou o Conselho RACIONAL-BUROCRÁTICO (1938-1945)
Federal do Serviço Público para promover a unifi-
cação das carreiras e dos vencimentos nas reparti- No dia 30 de julho de 1938, o DASP foi fun-
ções federais. Em outubro de 1936, as recomenda- dado pelo Decreto-lei 579, com a incorporação do
ções foram transformadas na Lei de Reajustamento Conselho Federal de Serviço Público. A institui-
ção foi pensada como um· centro de planejamento
dos Quadros e dos Vencimentos do Funcionalismo
estratégico da reforma administrativa, tendo cinco
Público Civil da União (Lei 281). A administração
atribuições: 1. selecionar os candidatos aos cargos
pública brasileira se aproximou do modelo clássico
públicos federais; 2. promover a readaptação dos
racional-legal, adquirindo regras de ingresso, pisos
funcionários de carreira aos novos padrões adminis-
salariais, critérios de progressão e um sistema de
trativos; 3. padronizar as compras do Estado, através
acompanhamento e avaliação (Wahlrich, 1983).
de regras transparentes e licitações; 4. auxiliar o Pre-
O modelo administrativo racional-legal, de-
sidente na elaboração dos projetos a serem subme-
fendido por Simões e Briggs, era influenciado pelas
tidos à sanção e 5. inspecionar o serviço público e
teorias clássicas da administração pública e sinte-
apresentar relatórios anuais sobre a situação do ser-
tizava seis princípios: 1. funcionários públicos sem
viço público.
lealdades políticas; 2. hierarquias e regras bem defi-
Para desempenhar o papel de coordenação, o
nidas; 3. permanência e estabilidade no emprego; 4.
DASP foi organizado em cinco divisões: organização
institucionalização derivada de um perfil profissio-
e coordenação, empregados públicos, extranumerá-
nal bem demarcado; 5. regulação interna para evitar rios, seleção e treinamento e materiais. Na época,
arbitrariedades e 6. isonomia salarial e das condições uma sexta divisão foi estabelecida, a das finanças;
contratuais. mas, pela resistência demonstrada pelo Ministério
Os conflitos entre as elites políticas, no entan- da Fazenda, a sua operacionalização foi adiada até
to, permaneceram como fonte de instabilidade. Nos 1940, quando foi criada a Comissão do Orçamento,
meados de 1937, apresentavam-se dois candidatos à localizada no Ministério das Finanças, mas presidi-
sucessão de Vargas: Armando de Sales Oliveira, ex- da pelo diretor do DASP. A jurisprudência financeira
governador de São Paulo e representante das elites do DASP foi ampliada, alguns meses antes da queda
paulistas, e José Américo de Almeida, um integran- de Vargas, para englobar a preparação integral do
te do movimento tenentista. A vitória de Armando orçamento geral da União.
Sales era inevitável. Para impedir o retorno das eli- Os fundadores do DASP evitaram as pressões
tes paulistas ao poder e, incentivado pelos militares políticas, negando a transferência de pessoal dos
Góis Monteiro e Eurico Dutra, Vargas sucumbiu à outros ministérios para o preenchimento dos novos
tentação autoritária. No dia 1Ode novembro de 1937, cargos. Um concurso público para "técnicos de ad-
ordenou o cerco ao Congresso Nacional, anunciou ministração" foi aberto. O conteúdo do concurso re-
lletiu a posição central que o DASP assumiu dentro A adaptação das teorias weberianas por
do serviço público. As provas exigiam candidatos de William Willoughby, para os mecanismos da de-
elevada preparação acadêmica e uma especialização mocracia representativa, gerou uma compartimen-
técnica, de acordo com a função a ser preenchida. talização formal dos papéis das instâncias políticas
Por exemplo, os concursos eram divididos em três e administrativas. Seguindo esse autor, os daspianos
fases: um exame escrito de conhecimentos técnicos; defendiam a diferenciação entre os mecanismos ad -
a elaboração de uma tese na área de especialização e ministrativos (governança) e as negociações políti-
uma defesa pública do texto apresentado. Essa cri- cas, formação de consensos políticos e a elaboração
teriosa seleção criou um grupo de construtores do de programas governamentais (governabilidade). A
Estado Moderno, no Brasil, cuja legitimidade residia política é a arena de representação dos interesses so-
no conhecimento técnico c na capacidade de plane- ciais e particulares e é exercida, principalmente no
jamento, atributos alheios aos típicos funcionários poder Legislativo, pelos partidos. A administração
patrimonialistas da Primeira República. O novo técnica baseada na eficiência operacional é uma es-
estamento representava, na essência, o embrião de fera exclusiva do Executivo, que gerencia as institui-
uma nova classe média urbana, disposta a assumir ções governamentais como um "conselho diretor" de
um papel político e administrativo central na cons- uma sociedade anônima. Para Willoughby, há duas
trução de uma sociedade urbana-industrial, no Bra- típicas atividades administrativas: os fins do Estado,
sil. que englobavam os serviços fornecidos ao público
Apesar do Estado Novo ter ílertado com os fas - (saúde, educação, transporte, defesa nacional, finan-
cistas, as referências teóricas dos daspianos eram os ças, relações exteriores, etc) e atividades de plane-
clássicos da administração pública liberal: Max We- jamento e administração. O segundo são funções
ber, William Willoughby, Henri Fayol e Luther Gu- essenciais para o desempenho das primeiras. Essas
lick. Os relatórios da reforma administrativa ameri- atividades requerem a determinação e definição de
cana, durante o governo Roosevelt, "The President's autoridade, organização racional, pessoal e material,
Committee on Administrative Management Report" dotação orçamentária e adoção de métodos adequa-
(1936) , e o relatório da Brookings Institution (1937) dos de trabalho.
tiveram uma grande ressonância junto a Luiz Simões 1-Ienri Fayol, o mentor das reformas adminis-
Lopes, o mentor da entidade. trativas francesas, distinguiu entre princípio admi-
Da obra original de Weber, os daspianos deri- nistrativo e elementos administrativos. O primeiro é
varam os princípios gerais que definiam o tipo ideal composto pela divisão de trabalho, autoridade, uni-
da administração pública racional -legal. Esse mo - dade de comando, unidade de direção, centralização,
delo implica a existência de instituições gerenciadas hierarquia e disciplina. Enquanto os elementos da
por uma burocracia em que há uma hierarquização e administração representam planejamento (previsão
racionalização de funções; divisão de trabalho; auto- de resultados), organização, comando e organização
ridade limitada do cargo, regida por normas explíci- (POCCC) . Finalmente, Luther Gulick, o intelectual
tas; remuneração fixa e de acordo com a função; es- orgânico das reformas administrativas americanas
pecialização competente do funcionário nomeado, e da era Roosevelt, acreditava que as instituições go -
não eleito; a dedicação exclusiva; carreiras estáveis; vernamentais deveriam se organizar de acordo com
separação entre a propriedade do funcionário e os as seguintes linhas: planejamento, organização, re-
bens públicos e comunicações escritas e documenta- crutamento pessoal (staffing), direção, coordenação,
das. Três termos resumem a cultura organizacional informação e orçamento.
desse tipo : impessoalidade, imparcialidade e neutra- Seis princípios passaram a representar um
lidade. consenso em torno da teoria clássica da administra -
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ção pública: 1. funcionários públicos apolíticos (sem (Consolidação das Leis Trabalhistas), em 1943, e a
lealdades políticas); 2. hierarquias e regras bem de- possibilidade de uma nova Assembléia Constiluin- .
finidas; 3. permanência e estabilidade no emprego; te, desta vez com o apoio da esquerda, alertaram a
1. institucionalização derivada de perfil profissional linha dura do Exército, dominada por uma paranóia
bem demarcado; 5. regulação interna para evitar anti-comunista. Os seus dois representantes, Góis
arbitrariedades e 6. isonomia salarial das condições Monteiro e Eurico Dutra, do grupo autoritário das
contratuais. forças armadas, considerado amigável aos países do
A doutrina daspiana adaptou os princípios eixo, durante a segunda guerra mundial, aliaram-se
da teoria tradicional e formulou nove premissas à ala conservadora-liberal, liderada por Juarez Tá-
que guiariam a atuação das instituições públicas: 1. vora e Juracy Magalhães, rechaçaram os oficiais le-
racionalização da autoridade, através de uma divi- galistas, integrantes da FEB (Força Expedicionária
são hierárquica de trabalho; 2. estabelecimento de Brasileira) na Itália, e exigiram a renúncia de Vargas.
normas que minimizassem a interferência política; Temiam uma aproximação deste com os comunistas
3. ajustamento de salários, de acordo com as fun- e a deflagração de um novo golpe do Estado, de in-
ções enquadradas na hierarquia interna; 4. seleção clinações esquerdistas.
meritocrática, baseada na competência técnica dos No mesmo dia da queda de Vargas, Luiz Si-
servidores e determinada por um concurso rigoroso mões Lopes e lodos os diretores do DASP pediram
e especializado; 5. dedicação exclusiva à profissão, exoneração. Moacir Briggs assumiu a direção, até o
fixada através de um contrato de tempo integral; 6. dia 11 de dezembro de 1945, quando deixou seu car-
unidade do comando administrativo; 7. unidade da go, em protesto contra as nomeações políticas prati-
direção institucional; 8. centralização administrativa cadas pelo governo interino de José Linhares, presi-
e 9. disciplina. dente do Supremo Tribunal Federal. Na sua ofensiva
A partir de 1912, o modelo do DASP se alas- contra o DASP, Linhares alegou que as atribuições
trou às unidades federativas, começando com a deste órgão teriam excedido os poderes normais da
organização do Departamento do Serviço Público burocracia numa sociedade democrática. A sua crí-
da Bahia. A pedido dos governos estaduais, outros tica se baseou em duas funções consideradas rema-
"daspinhos" (designados como DSP- Departamen- nescentes do centralismo autoritário: a elaboração e
to de Serviço Público) foram fundados em Pará, aprovação dos orçamentos da União e a fiscalização
Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Alagoas, Sergipe, dos gastos governamentais.
Espírito Santo, Rio de Janeiro e Goiás. Seguindo as Os verdadeiros motivos da ofensiva contra o
diretrizes centrais, os "daspinhos" foram encarrega- DASP, como revelou Mário Wagner Cunha, eram
dos pela análise de racionalização das instituições as nomeações políticas e, principalmente de paren-
públicas, estaduais e municipais. Para melhorar o tescos, feitas por Linhares. Em pouco mais de dois
seu desempenho, as unidades e os setores de estatís- meses, entre 29 de outubro de 1945 e 02 de janeiro
ticas dos escritórios estaduais do IBGE foram trans- de 1946, milhares de aliados políticos e familiares do
feridos aos "daspinhos". presidente interino ingressaram sem concurso no
O destino do DASP, o núcleo planejador da governo federal. A situação foi agravada pela Consti-
reforma administrativa do Estado Novo, foi selado tuinte de 1946, que transformou as nomeações tem-
junto a Vargas. Ironicamente, os dois generais que porárias em cargos permanentes do serviço público.
forneceram as armas para a instalação do Estado Em 1948, o potentado DASP perdeu o que restou de
Novo lideraram a deposição de Getúlio Vargas, no suas atribuições deliberativas e foi reduzido a um es-
am. T3 dia 29 de outubro de 1915. A aproximação de Var- critório de assessoramento técnico.
I gas dos sindicatos, em 1942, a aprovação da CLT O surpreendente desmoronamento do DASP
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portações. Por uma década, a inconsistente e confu- Interamericano de Desenvolvimento (Sola, 1998).
sa fase dos relatórios econômicos paralisou o gover- A tendência desenvolvimentista foi reforçada,
no brasileiro. em 1953, com a conclusão do relatório do Grupo
Somente em dezembro de 1950, com a insta- Misto CEPAL-BNDES, sob a presidência do econo-
lação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, foi mista Celso Furtado, então funcionário da CEPAL
reativado o debate em torno do futuro do Estado e (Comissão Econômica e de Planejamento da Amé-
da economia. Duas posições latentes haviam se ma- rica Latina). Os dois estudos serviram de base para
terializado: a monetarista e a desenvolvimentista. O o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek,
relatório final da Comissão Mista se inclinou a favor iniciado em 1956, sob a coordenação de Lucas Lo-
das teses desenvolvimentistas e, com a re-eleição de pes.
Vargas à Presidência, em 31 de janeiro de 1951, esse Ironicamente, foram os daspianos, Lucas Lo-
grupo adquiriu uma preeminência na vida pública pes e Celso Furtado, os impulsores da nova onda
(Malan, 1977). desenvolvimentista. Aprovados na primeira leva de
O desenvolvimentismo atribuía ao Estado concurso do DASP, ambos haviam sido expurgados
a liderança na transição de uma sociedade agrária pela política clientelista que destruiu a instituição,
para a industrial, em dois aspectos: investimentos em 1945. Voltaram na década de cinqüenta, formu-
públicos diretos em empreendimentos econômicos lando o referido plano de metas e induzindo um dos
e sociais e a formulação de uma política industrial de processos mais curiosos de industrialização, nos pa-
integração dos setores industriais (insumos básicos e íses em desenvolvimento.
indústrias de bens de capitais). A política industrial
KUBITSCHEK E AS CONTRADIÇÕES DO
teria aspectos protecionistas, sistema de incentivos
DESENVOLVIMENTISMO
e intermediação financeira. O monetarismo é um
pensamento derivado da teoria neoclássica e acredi- Ao assumir a Presidência, em 1956, Juscelino
ta no equilíbrio espontâneo do mercado. O papel do Kubitschek (JK) enfrentou três desafios. Herdou ins-
Estado se restringe ao controle da inflação e à defesa tituições públicas debilitadas pelo clientelismo e ina-
de uma ordem monetária estável, ou seja, um equilí- bilitadas para formular complexas políticas públicas.
brio orçamentário. Segundo, a sua frágil sustentação partidária não per-
A Comissão conduziu uma abrangente pes- mitiu ousadas reformas administrativas, semelhan-
quisa sobre a situação de infra-estrutura econômica tes às da década de trinta. Finalmente, a sua vitória
e o grau de desenvolvimento industrial. Identificou eleitoral foi por uma margem reduzida de 36% dos
cinco setores que necessitavam de apoio imediato, votos válidos, com o agravante de, em São Paulo, o
para expandir o mercado interno: ferrovias (50% dos maior colégio eleitoral e o centro econômico doBra-
investimentos totais); energia elétrica (34%); cons- sil, haver recebido somente a aprovação de 9% do
trução pesada de estradas e portos (6%) e transporte eleitorado (Skidmore, 1996).
marítimo (6%). Três sugestões imediatas foram in- Para satisfazer as demandas contraditórias
cluídas: a importação de máquinas agrícolas para dos seus aliados, JK adotou uma prática que se tor-
intensificar a produção de alimentos; construção de nara clássica nas coalizões partidárias. Em 1956, a
silos para reduzir as oscilações de preços de produ- CEPA (Comissão de Estudos e Planejamento Admi-
tos e expansão das plantas industriais já existentes. nistrativo), constituída pelo presidente eleito para
Recomendou a criação do Banco Nacional de De- diagnosticar a administração pública, apresentou
senvolvimento Econômico (BNDE), em 20 de junho duas fórmulas para uma reforma administrativa:
de 1952, um banco de desenvolvimento para coor- uma reformulação ampla, nos moldes da adotada
denar os investimentos infra-estruturais previstos, na década de trinta; e outra, de uma administração
com os recursos do Export-Import Bank e do Banco paralela (bolsões de excelência), inspirada no GElA
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Na maioria dos casos, os GTs ultrapassaram as ex- senvolvimentista de JK, a dívida externa tinha subi -
pectativas. Entre 1956 e 1960, a feição econômica do de US$2,0 bilhões, em 1955, para US$2,7 bilhões,
brasileira mudou radicalmente, de uma típica socie- em 1960, e com 60% das somas com maturidade de
dade agrária para uma moderna economia indus-' 3 anos. A inflação alcançou uma taxa de 22,6%, con-
trial. Todavia, os pressupostos teóricos do desenvol- siderada excessivamente elevada para os padrões da
vimentismo e suas práticas institucionais causaram época. Enquanto São Paulo aumentou a sua parcela
graves incoerências entre: desenvolvimento econô- do setor industrial de 48%, em 1955, para 55%, em
mico, desenvolvimento político e desenvolvimento 1960, alcançando 82% nos setores de consumo de
social. massa. (Gomes, 1991).
Primeiro, a recusa de Kubitschek em promo- A experiência desenvolvimentista mostrou
ver uma ampla reforma administrativa significava que o crescimento não poderia precluir os direitos
a entrega do planejamento econômico às vontades sociais. Essa opção ergue uma economia insusten-
subjetivas, em vez das ações institucionais de longa tável, uma vez que gera uma crescente dependência
duração (Nunes, 1997). Por exemplo, com a saída de externa, com graves desequilíbrios estruturais: infla-
Lucas Lopes para assumir o Ministério da Fazenda, ção elevada, desigualdade regional e graves proble-
em junho de 1958, o CN D perdeu a sua importância mas sociais. O meio para alcançar o desenvolvimen-
como órgão de planejamento. A situação se agravou, to sócio-econômico justo é garantir uma continui-
em maio de 1959, quando toda a equipe original dade administrativa e uma convergência entre melas
deixou o BNDE, após o enfarte sofrido por Lopes econômicas e sociais.
e a nomeação de Lúcio Meira para a presidência da JANGO E AS REFORMAS DE BASE
instituição. Naquele mês, Kubitschek declarou en-
A eleição de 1960 complicou, mais ainda, a
cerrado o Plano de Metas e enviou ao Congresso
herança desenvolvimentista deixada por Kubitschek.
Nacional o seu relatório final.
Como <? sistema eleitoral permitia uma disputa in-
Segundo, a separação estabelecida entre de-
dependente entre a presidência e a vice-presidência,
senvolvimento econômico e inclusão social acelerou
o novo governo reuniu dois candidatos antagônicos.
o crescimento econômico e intensificou a industria-
O udenista Jânio Quadros derrotou o candidato ofi-
lização, e, ao mesmo tempo, estancou o mercado
cial General Lott e o ex-governador paulista Adhe-
interno. Esse fato significava que a acumulação de
mar de Barros. Por outro lado, o candidato do PTB
capital não era determinada por fatores internos,
e ex-ministro do Trabalho, João Goulart, foi mais
mas precisava de recursos externos para financiar a
votado do que Milton Campos, ex-governador de
expansão econômica. Terminado o ciclo desenvol-
Minas e um dos mais respeitados políticos da elite
vimentista, o Brasil exibia relações de dependência
tradicional.
externa bem mais complexas do que nas décadas O excêntrico Quadros iniciou seu manda-
anteriores. to aplicando políticas monetaristas clássicas para
Por outro lado, a acelerada industrialização contornar a inflação. Todavia, em março de 1961,
implicava um crescimento econômico superior ao repentinamente convidou o cientista político Cândi-
ingresso da população no consumo interno. Esse do Mendes, um desenvolvimentista moderado, para
fato gerou três impasses imediatos, que repercuti- presidir a sua assessoria econômica e passou a de-
ram sobre o colapso da democracia, em 1964: um fender uma síntese de estabilização monetária com a
endividamento externo e de curta duração; uma retomada de intervenção do Estado. Essa virada não
inflação galopante (principalmente pelos custos da foi bem recebida pelo seu partido, a UDN. A sua si-
construção de Brasília) e uma excessiva concentra- tuação se agravou quando, sob os conselhos do seu
ção industrial no Sudeste. Concluída a investida de- ministro das relações exteriores, Afonso Arinos de
I
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substituição do petróleo pelo álcool e disciplinamen- público, desgastou a infra-estrutura, provocou um
to dos preços das utilidades públicas. Esse último surto inflacionário e causou um recuo geral da eco-
ponto, considerado secundário no seu programa, foi nomia e das contas públicas. Até nossos dias, esses
um golpe fatal no setor público. A SEST (Secretaria danos deixados pelo regime autoritário continuam
Especial das Empresas Estatais) foi criada para apli- exercendo um efeito decisivo sobre o desempenho
car a última exigência e enquadrar as empresas esta- do setor público no Brasil.
tais dentro das metas inflacionárias do governo.
A REDEMOCRATIZAÇÃO DE 1988:
A nova guinada representou um golpe fatal
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO COM
para o setor público. Em 1979, acelerou-se uma ten-
SUSTENTABILIDADE SOCIAL
dência detectada a partir de 1976, quando os preços
das utilidades públicas começaram a ter um reajuste O retorno das liberdades políticas, coroado
inferior à inflação. Por exemplo: por volta de 1980, com a aprovação de uma Constituição democráti-
os preços de energia, telecomunicações e aço esta- ca, criou novas esperanças de um desenvolvimento
vam valendo, em média, 65% dos preços de 1975. O econômico com justiça social. A redemocratização,
efeito imediato foi uma queda de 30% dos investi- todavia, enfrentava o duro teste da viabilidade. Três
mentos das estatais, recuando de 4,66% do PIB, em desafios dominaram o cenário: uma inflação persis-
1975, para 1,66%, em 1989. Essa política se revelou tente, um novo pacto federativo e a experimentação
desastrosa. A dívida externa cresceu vertiginosa- de uma nova política industrial.
mente, a inflação passou de um fato preocupante A inflação subiu de uma média de 70%, nos
para uma crise severa e as contas públicas entraram últimos dois anos do regime militar, para 239%, em
em plena desorganização (Abu-El-Haj, 1991). 1985, e acelerou para uma situação hiperinflacio-
A estatização da dívida externa e a explosão nária, em 1989, alcançando 1.860%. Durante essa
da inflação foram as duas conseqüências mais graves década, foram oito malogrados planos econômicos
da nova política econômica. i\ reforma empresarial aplicados pelo Estado, na tentativa de contornar a
do Estado permitiu às empresas estatais contraírem subida de preços: Plano Cruzado (março-dezembro
empréstimos externos. Com a política de carteli- de 1986); Plano Bresser (junho-dezembro de 1987),
zação aliada ao desempenho positivo da economia Plano Arroz com Feijão (1988); Plano Verão (janei-
brasileira, durante o "Milagre", as empresas estatais ro-junho de 1989); Plano Collor I (março-abril de
foram as maiores captadoras de investimentos exter- 1990); Plano Collor li (janeiro-abril de 1991) e Pla-
nos. Como resultado, a dívida externa que era priva- no Marcílio (janeiro-abrill991) . Muitas dessas ten-
da, até 1972, sofreu uma inversão de acordo com a tativas foram concebidas por economistas de oposi-
qual a dívida privada externa passou de 75,1% para ção ao Governo, utilizando uma lógica heterodoxa
24,9% do total. A política de centralização e correção (distinta da ortodoxia monetarista), que combinava
de tarifas abaixo da inflação, praticada a partir de a indexação salarial com o congelamento de preços.
1976 e acelerada com a criação da SEST, multiplicou Os fracassos criaram a impressão de que a política
as dívidas do setor público. Paralelamente, houve econômica da democracia brasileira beirava o po-
um aumento significativo dos juros internacionais, pulismo econômico, ou seja, apresentação de metas
piorando a situação da dívida externa. econômicas e sociais, por partidos governistas, que,
i\ experiência do regime autoritário confirma objetivamente, eram inalcançáveis dentro das estru-
que o uso político das empresas públicas e as ins- turas econômicas e institucionais existentes (Pereira,
tituições governamentais provocaram efeitos desas- 2000).
trosos. Além da repressão política e dos retrocessos Nas políticas sociais, o novo pacto federativo
sociais, o governo de exceção, munido de controles priorizou o município como o campo da implemen-
sociais e de contestações políticas, debilitou o setor tação e o espaço de deliberações democráticas (Dag-
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produção de 1.391.435 unidades, em 1993, para pelo Plano Real, posto em vigor no dia 27 de maio
1.629.008, em 1995, sem significativos investimen- de 1994, no Governo Itamar, pelo então ministro da
tos adicionais. Previam os técnicos que a expansão fazenda Fernando Henrique Cardoso. Após uma dé-
da produção requeria US10 bilhões; todavia, os in- cada de hiperinflação, as taxas despencaram de 42%
vestimentos reais se limitaram a US$ 6.23 bilhões. mensais, registradas em abril, para 1,55%, em setem-
Os trabalhadores do setor foram os maiores prejudi- bro, e 0,57%, em dezembro de 1994 (Franco, 1995) .
cados. Apesar dos esforços das câmaras setoriais em Eleito presidente, em 1994, para o exercício
preservar os empregos durante a atualização tecno- 1995-1998, Fernando Henrique Cardoso apresentou
lógica e até as promessas de aumentos salariais, en- um dos programas mais abrangentes de reforma do
tre 1991 e 1996,23,2% dos empregos do setor foram Estado e da administração pública, desde a revolu -
eliminados, na região do ABC paulista. Em 1996, a ção de trinta. A reforma do Estado da era Cardoso
produção automobilística brasileira triplicou, com- combinou três redefinições do Estado: uma nova
parada à existente nos meados da década de oitenta, reformulação do pacto federativo, reestruturação
enquanto o setor empregava somente 68% da média econômica e adoção de uma nova concepção de ad-
da década anterior. Os salários seguiram a curva de- ministração pública, denominada de gerencial.
clinante da empregabilidade, encolhendo em 54,8%, O primeiro passo para redefinir o pacto fe-
entre março de 1995 e abril de 1988. derativo ocorreu em janeiro de 1994, quando o go-
A política industrial das câmaras setoriais se verno, sob o pretexto de reduzir o déficit público e
revelou limitada por três razões. Primeiro, a moro -
melhorar a eficiência dos gastos governamentais,
sidade das negociações coletivas foi incompatível
aprovou no Congresso uma medida provisória que
com a velocidade de investimentos e da introdu-
criava o Fundo Social Emergencial, com os recur-
ção de novas tecnologias e produtos. Segundo, essa
sos da redução em 15% das transferências financei -
política se adequou a setores concentrados como o
ras para estados e municípios. O fundo, que chegou
automobilístico; todavia, foi inviável, na maioria dos
a acumular US 16 bilhões, ficaria disponível para o
setores industriais de uma organização industrial
Executivo Federal, por um período renovável de dois
horizontal, nos quais predominam médias e peque-
anos. A centralização financeira na União fortaleceu
nas empresas. Finalmente, os ganhos dessa política
a direção político-eleitoral do governo federal, en -
foram desiguais. As indústrias receberam incentivos
fraqueceu os estados e subordinou os municípios.
fiscais para aumentar os investimentos e o governo
A reforma reguladora do Estado modificou,
conseguiu ampliar a arrecadação. O efeito sobre os
estruturalmente, o seu papel institucional e sua ló-
empregos e o poder aquisitivo dos assalariados, no
gica de intervenção. O manifesto mais claro do
entanto, foi negativo. As câmaras setoriais, na verda-
novo projeto apareceu no dia 23 de agosto de 1995,
de, levaram a um aumento brusco de demissões, nos
na Exposição de Motivos 311, do Ministério da Fa-
setores negociados.
zenda. Previa as seguintes modificações. Primeiro,
"ERA FHC": O ESTADO REGULADOR E A o Estado deveria se reservar estritamente à políti-
SOCIEDADE GLOBALIZADA ca social. Segundo, os investimentos econômicos
A permanência da inflação e as dificuldades deveriam ser exclusivos do setor privado. Terceiro,
em retomar o desenvolvimento econômico dentro avaliava-se o monopólio estatal das utilidades públi-
da tradicional substituição de importações, aliados a cas como danoso ao progresso econômico, uma vez
um quadro internacional favorável a políticas públi- que desestimulava investimentos, comprometendo a
cas orientadas para o mercado, induziram a redefi- produtividade e a qualidade dos serviços prestados
nição do papel do Estado na sociedade. Esse projeto aos cidadão:;. Quarto, a privatização do setor econô-
nasceu a partir do sucesso do controle inflacionário, mico públim democratizaria a propriedade privada
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ação estatal, nas atividades não-exclusivas, é promo- política aparecem: a perda de eficácia política (perda
vida pela privatização, tcrceirização c publicização. do entusiasmo participativo do cidadão, pela vida
A primeira transferia a propriedade estatal P,ara in- pública) e o desaparecimento de uma oposição pro-
vestidores privados. A segunda contratava empresas gramática, debates políticos e alternativas governa-
privadas para o desempenho de serviços auxiliares mentais.
e de apoio, enquanto a publicização transformava A federação: as distorções na governabilidade
uma organização estatal em uma organização de di- repercutiram no equilíbrio federativo. Ironicamente,
reito privado. foi no regime democrático que houve uma hipertro-
As técnicas utilizadas na concepção gerencial fia da União, um encolhimento do papel administra-
se aproximaram do setor privado e, em grande parte, tivo dos governos estaduais e na subordinação dos
repetiram a lógica da reforma de 1967 (Decreto-lei municípios à União. O ecletismo político levou à fal-
200). Três metas básicas guiavam as instituições go- ta de definição de atribuições, papéis e poderes das
vernamentais na delimitação das suas prioridades: três instâncias da República. Essa distorção aumenta
definir com exatidão o público alvo, garantir a auto- a desigualdade de desempenho entre municípios, es-
nomia do administrador na gestão dos recursos hu- tados e regiões, pois os resultados concretos depen-
manos, materiais e financeiros para atingir os obje- dem de fatores subjetivos, acesso político e lealdades
tivos contratados, e cobrar resultados estabelecidos partidárias.
num contrato de gestão. O controle social: as deficiências regulatórias
não se restringem ao setor privado, pois são gritan-
CONCLUSÃO
tes no setor público. São notórios o jogo financeiro
A redemocratização assinalou transformações nas administrações municipais, as violações das leis
profundas na ordem social brasileira: apareceram e as intimidações aos conselhos participativos; em
novas elites políticas, recstruturou-sc o pacto fede- suma, a insuficiência de uma fiscalização sistemáti-
rativo, adotou-se um novo modelo administrativo e ca do poder público. Essa lacuna deixa a população
alterou-se a relação entre o Estado e a empresa pri- vulnerável às arbitrariedades políticas e aos mandos
vada. Apesar das mudanças sócio-econômicas pro- administrativos. A participação do cidadão, sem a
fundas, alguns impasses são herdados do passado e proteção da lei e a adequada fiscalização do poder
representam desafios a serem enfrentados. público, é um mero discurso formalista para cum-
Governabilidade: o primeiro e o mais grave prir os ritos constitucionais.
é o modelo de governabilidade praticado entre o A regulação econômica: a regulação dos ser-
partido governista e os partidários de sustentação viços públicos e privados, a grande esperança de
política. A governabilidade, entendida como uma um novo modelo mais flexível do setor público, se
síntese programática de diversos partidos em torno tornou o elo mais frágil As lacunas das agências
de princípios político-administrativos, é substituída reguladoras (telecomunicações, eletricidade, trans-
pelo ecletismo político. O ecletismo político é a jun- portes, etc) comprometem o desempenho geral da
ção de partidos com programas e visões do mundo, economia, pois aumentam os preços das utilidades
diferentes e freqüentemente conflitantes, no mesmo públicas e reduzem a capacidade de investimentos.
governo, causando uma inconsistência nos planos, A longo prazo, essa deficiência ameaça a vitalidade
objetivos e ações do setor público. Persistentemente, do mercado interno e compromete a competitivida-
os interesses imediatos e pessoais dos líderes par- de internacional da indústria.
tidários predominam nas nomeações políticas dos O gerenciamento público: a falta de conti-
cargos de direção. Essa prática é um vício generali- nuidade nas reformas administrativas criou um
zado, tanto na União como nos governos estaduais Estado híbrido. As suas melhores instituições são
e municipais. Duas repercussões negativas na vida reservadas às intervenções econômicas, enquanto
as deficiências são localizadas nas instâncias sociais. GOMES, Ângela Maria Gomes (org.). O Brasil de /K. Rio de
Com a transferência da implementação de políticas Janeiro: FGV I CPDOC. 1991.
sociais aos municípios, essa lacuna alargou-se onde _ _ _ . Regionalismo e centralização política: partidos e
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a administração local é o elo mais frágil do sistema
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institucional que enfatize a transparência adminis-
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trativa, a fiscalização financeira continuada e a pro-
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origens da crise: estado autoritário e planejamento no Brasil.
mente qualquer governo terá as condições objetivas
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