Você está na página 1de 10

Boletim

Temática Contábil e Balanços

CONTABILIDADE EMPRESARIAL ______ de recebimento, de pagamento, de giro dos ativos, giro


dos estoques, margens de lucro sobre vendas, neces-
sidade de capital de giro, custo dos financiamentos,
Análise crítica de balanços - Parte II alavancagem financeira, alavancagem operacional etc.
Mas todos eles são, na realidade, instrumentos secundá-
rios que ajudam a ver o que é realmente crucial: liquidez
Prof. Eliseu Martins e rentabilidade.
SUMÁRIO
6. O terceiro passo: só há de fato dois objetivos na Análise É interessante lembrar que, em geral, liquidez e
de Balanços rentabilidade são objetivos conflitantes, já que o máximo
7. O quarto passo: o cuidado especial com os problemas da liquidez se consegue com muito recurso financeiro
de relações entre grandezas e determinadas operações
disponível para saldar dívidas e isso automaticamente
“embelezadoras”
7.1 O problema de certas classificações diminui a rentabilidade dos capitais totais emprega-
7.2 O problema de certas operações perto dos dos. A maximização da rentabilidade também implica,
balanços normalmente, trabalhar “na corda bamba”, com muitos
7.3 Cuidado especial com operações de recebíveis recursos de terceiros, quando conseguidos com custos
7.4 Operações de vendas com cláusula de recompra abaixo do que os ativos possam produzir, mas isso au-
7.5 Operações com EPE (Entidade de Propósito menta enormemente os riscos e pode provocar sérios e
Especial) insolúveis problemas de capacidade de liquidação das
7.6 Outras operações obrigações nos “soluços” negociais.
8. O quinto passo: analisando a liquidez
8.1 Liquidez a curtíssimo prazo
Não há solução ótima e perfeita para esse dilema,
8.2 O problema da sazonalidade
há décadas assim mesmo denominado pelos estudiosos
8.3 Liquidez a curto prazo
8.4 A evolução dos indicadores ao longo do tempo
de finanças e de análise financeira: dilema liquidez ×
8.5 Quais os bons e os maus números dados pelos rentabilidade. Voltaremos a este assunto em um Boletim
índices? posterior.

6. O TERCEIRO PASSO: SÓ HÁ DE FATO DOIS 7. O QUARTO PASSO: O CUIDADO ESPECIAL


OBJETIVOS NA ANÁLISE DE BALANÇOS COM OS PROBLEMAS DE RELAÇÕES ENTRE
Toda a Análise de Balanços se resume em dois GRANDEZAS E DETERMINADAS OPERAÇÕES
grandes objetivos: conhecer a liquidez e a rentabilidade “EMBELEZADORAS”
das empresas.
A grande maioria dos “índices” trabalha com o
relacionamento de pelo menos dois conjuntos de valores
Com a análise relativa à liquidez o que se preten- monetários e, muitas vezes, da mesma peça contábil (o
de é verificar a capacidade da empresa de cumprir seus balanço por exemplo). Muitas vezes também, o analista
compromissos financeiros com todos os que a provêm não percebe que “embelezamentos” (ou “gerenciamen-
de recursos, quer sejam financeiros, humanos, materiais, tos” numa linguagem mais moderna) são possíveis com
de serviços etc. Isso pode incluir análises de liquidez a classificações ou operações específicas.
prazo muitíssimo curto, a prazo médio, longo etc.

E com a análise relativa à rentabilidade o que 7.1 O problema de certas classificações


se quer é ver se a empresa remunera, efetivamente, os
capitais nela empregados, principalmente o capital pró- Tomemos o tradicionalíssimo Índice de Liquidez
prio, já que o de terceiros está visivelmente exposto nas Corrente como exemplo, que divide o Ativo Circulante
demonstrações. Tanto a incapacidade de remunerar o pelo Passivo Circulante, procurando evidenciar “quanto
capital próprio quanto a de responder pelas suas obriga- de Ativo Circulante se tem para cada R$ 1,00 de Passivo
ções significam vida não longa para qualquer sociedade de mesma natureza”. Suponhamos que existam:
de fins lucrativos.

Ativo Circulante ............................................................. R$ 20.000.000


Uma porção de indicadores de outras naturezas
é utilizada, como a dos quocientes relativos aos prazos Passivo Circulante ......................................................... R$ 10.000.000

IOB - Bol. 31/2005 TC 1


Temática Contábil e Balanços

Logo, teremos: 7.2 O problema de certas operações perto dos


balanços
R$ 20.000.000
Índice de Liquidez Corrente (1) = = 2,0 Agora, suponhamos que, continuando o exem-
R$ 10.000.000
plo anterior, a empresa tenha utilizado, imediatamente
antes da data do balanço, outras Duplicatas a Rece-
Ou seja, para cada R$ 1,00 de dívida a curto pra- ber e mais uma soma em dinheiro no montante global
zo a empresa possui R$ 2,00 de Ativo Circulante. de R$ 20.000.000, que estavam no Ativo Circulante, e
tenha pagado uma dívida a um credor de igual valor
(desconsideramos, neste caso, o deságio dessa carteira
Porém, analisando melhor a composição do Ativo apenas por simplificação), ou seja, desapareceram R$
Circulante, no próprio balanço ou então nas notas expli- 20.000.000 do Ativo e do Passivo Circulantes. Só que a
cativas, o analista pode ver que a conta Clientes, apre- empresa irá recompor esse endividamento logo no iní-
sentada no balanço por R$ 10.000.000, dentro dos R$ cio do período seguinte, porque precisa do dinheiro e
20.000.000 do Ativo Circulante, é composta por: o credor não quer, de fato, ficar com as duplicatas que
recebeu como parte do pagamento. Vemos, então, que
Clientes....................................................................... R$ 20.000.000 imediatamente antes dessa operação os genuínos valo-
(–) Duplicatas Descontadas ....................................... (R$ 10.000.000) res (e mais realistas, pelo que vimos) desses grupos do
R$ 10.000.000 balanço e o citado índice eram:

Ora, se o analista estiver consciente quanto a Ativo Circulante ............................................................ R$ 50.000.000


essa operação de desconto, provavelmente preferirá re- Passivo Circulante ........................................................ R$ 40.000.000
classificar a conta de Duplicatas Descontadas no Passi-
vo Circulante, visto que essa operação se trata de uma Logo, o índice um pouco antes da data do balan-
captação de recursos com garantia de duplicatas, e não ço era:
uma genuína e efetiva venda de direitos de crédito (o
que se assina é uma coisa, o que se pratica pode ser
diferente. Basta verificar que a quase totalidade desses R$ 50.000.000
Índice de Liquidez Corrente (3) = = 1,25
contratos de desconto obriga a empresa vendedora des- R$ 40.000.000
ses direitos a recomprá-los caso o devedor não efetue o
pagamento no vencimento). Assim, uma liquidez de 1,25, real e efetiva, aca-
bou sendo mostrada por 2,0; parte disso por uma ques-
Refazendo então essa classificação, ao passar-
tão de classificação que, se respeitada a legislação e
mos Duplicatas Descontadas para o Passivo Circulante,
a boa prática contábil, aparecerá pela evidenciação da
teremos:
conta de Duplicatas Descontadas, mas parte poderá
nunca ficar evidenciada, uma vez que parte da razão
Ativo Circulante ........................................................ R$ 30.000.000 dessa mudança diz respeito a uma operação não visível
Passivo Circulante .................................................... R$ 20.000.000 nas demonstrações financeiras.

Logo, teremos: Note novamente outra coisa que ocorreu: mudou


o índice de liquidez, mas a diferença entre o Ativo e o
Passivo Circulantes continua a mesma: R$ 10.000.000.
R$ 30.000.000
Índice de Liquidez Corrente (2) = = 1,5
R$ 20.000.000 Veja que, se o índice de liquidez for inferior a 1,00,
a situação muda: tomar empréstimo melhora o indicador,
O Índice de Liquidez Corrente terá sofrido uma aproximando o Índice de Liquidez Corrente da unidade!
mudança drástica por uma questão de classificação Reclassificar a citada conta para o Passivo Circulante
contábil, apesar de a diferença, pura e simples, entre também! Analise a seguinte seqüência. A empresa, an-
Ativo e Passivo Circulantes ter se mantido constante: R$ tes de fechar o balanço, verifica que tem:
10.000.000 nas duas alternativas.
Contudo, de fato, possuir um Capital Circulan- Ativo Circulante ....................................................... R$ 20.000.000
te Líquido (igual a uma “folga financeira de curto pra- Passivo Circulante ................................................... R$ 30.000.000
zo”) de R$ 10.000.000 frente a um Passivo Circulante
de R$ 10.000.000 é uma coisa e possuir os mesmos Logo, apresenta:
R$ 10.000.000 frente a um Passivo Circulante de R$
20.000.000 é outra bem diferente. Daí a utilização muito
R$ 20.000.000
mais generalizada da comparação relativa entre valores Índice de Liquidez Corrente (1) = = 0,67
e não apenas dos valores em termos absolutos. R$ 30.000.000

2 TC IOB - Bol. 31/2005


Temática Contábil e Balanços

Informações quanto aos descontos: Continua a observação quanto à diferença entre


Ativo e Passivo Circulantes: permanece o mesmo valor
de (–)R$ 10.000.000.
Clientes.................................................................... R$ 20.000.000
(–) Duplicatas Descontadas .................................... (R$ 10.000.000)
R$ 10.000.000 Coisas semelhantes podem ser feitas com outras
situações onde se têm comparações entre diversos valo-
res ou grupos de valores nas demonstrações contábeis:
Dessa forma, a empresa muda a classificação da relação entre Ativo Permanente e Patrimônio Líquido, en-
sua conta de Duplicatas Descontadas para o Passivo, tre Origens e Aplicações na Demonstração de Origens e
passando a mostrar: Aplicações de Recursos (Doar) etc.

Dessa forma, é obrigatório que o analista entenda


Ativo Circulante ....................................................... R$ 30.000.000
que operações dessa natureza e outras podem manipu-
Passivo Circulante ................................................... R$ 40.000.000
lar índices. Logo, estes devem ser sempre tomados com
certa cautela e não como representação, pura e simples,
Logo, teremos: de uma realidade que pode não ser exatamente a de-
monstrada.

R$ 30.000.000
Índice de Liquidez Corrente (2) = = 0,75 Bons auditores procurarão, é claro, evidências de
R$ 40.000.000
operações desse tipo, desfeitas logo após o balanço, e
deverão evitar essas práticas, além de zelar pela unifor-
Este é um número melhor que o anterior (0,67). E me classificação das contas. Mas o analista nem sem-
mais realista, pelo que comentamos sobre a mais ade- pre pode trabalhar com demonstrações bem auditadas
quada classificação das Duplicatas Descontadas para e pode estar exposto a manipulações como essas.
fins de análise.
7.3 Cuidado especial com operações de recebíveis
Novamente: mudou o índice, mas a diferença en-
tre Ativo e Passivo Circulantes continuou a mesma; era Cuidado especial precisa ser tomado com recebí-
de (–)R$ 10.000.000 e assim continuou. veis de clientes negociados em operações de factoring
(faturização), vendidos para sociedades de propósito es-
pecial, fundos de recebíveis etc., quando essas transa-
Operação ao contrário: ao invés de, como no ções são feitas de forma a dar a impressão de que repre-
exemplo anterior, pagar um empréstimo, a empresa toma sentam venda final desses ativos, quando, na essência,
um empréstimo novo de R$ 20.000.000; assim, passa a são apenas operação de puro e simples financiamento
ter os seguintes valores de Ativo e Passivo Circulantes: em que esses recebíveis são dados como garantias. Ou
seja, é como se os recebíveis fossem “descontados” e
baixados do Ativo, em troca de dinheiro, ao invés de per-
Ativo Circulante ......................................................... R$ 50.000.000 manecerem lá como recebíveis, e surgir, no Passivo, o
Passivo Circulante ..................................................... R$ 60.000.000
empréstimo que explique o aumento de disponibilidade.

O fato de a vendedora assumir, inclusive, respon-


Logo, teremos: sabilidade quanto à inadimplência desses títulos “ne-
gociados”, pode mostrar que, no fundo, o que se tem
é uma operação de passivo em que esses recebíveis
R$ 50.000.000
Índice de Liquidez Corrente (3) = = 0,83 estão sendo dados como garantia. Mas a empresa po-
R$ 60.000.000 derá contabilizar essas operações como baixas puras
e simples desses recebíveis e, com isso, alterar Ativo e
Passivo Circulantes (e totais também) por igual montan-
Assim, uma liquidez de 0,67, cujo valor mais real te, deformando seus indicadores de liquidez.
e efetivo seria 0,75, acaba sendo mostrada por 0,83,
que é um indicador melhor. Nesse caso, essa aparente
melhora se fez com as Duplicatas Descontadas mostra- Além disso, procedimentos diferentes poderão
das no Passivo (o que é justificável) e com a operação ser utilizados por empresas distintas que serão compa-
de empréstimo tomado (provavelmente a ser pago logo radas pelo analista. É fundamental conhecer esses pro-
após o balanço, injustificável eticamente porque tende cedimentos contábeis, se possível mediante contatos
apenas a “embelezar” o balanço). com as empresas, para se uniformizar os procedimentos

IOB - Bol. 31/2005 TC 3


Temática Contábil e Balanços

de análise, caso suas notas de práticas contábeis não Operações como essas “embelezam” o balanço,
sejam suficientes para o devido esclarecimento. “gerenciam” o resultado e deformam a posição eviden-
ciada pelas demonstrações contábeis. Mas, às vezes,
são de fato praticadas. Cabe ao analista, se conseguir
7.4 Operações de vendas com cláusula de tomar conhecimento delas, refazer as demonstrações
recompra para uma análise mais acurada.

Outra prática problemática é a venda de bens


com opção de compra (em muitos casos trata-se de 7.5 Operações com EPE (Entidade de Propósito
sale-lease-back); por exemplo: a sociedade vende seu Especial)
imóvel, com valor contábil líquido de R$ 10 milhões, por
R$ 15 milhões, aluga-o de volta por R$ 300 mil e adqui- Tem havido a prática de criação, por parte da en-
re o direito a exercer uma opção de compra depois de tidade ou de outra a ela ligada, ou diretamente pelo con-
decorridos 5 anos, pelo valor de R$ 12 milhões. Suas trolador, de uma sociedade com propósito específico,
demonstrações, se elaboradas em conformidade com o denominada de Entidade (ou Sociedade) de Propósito
contratado, somente registrarão: o lucro antes dos tribu- Especial. Nesse caso, a empresa poderia, lembrando
tos de R$ 5 milhões no exercício em que houver a venda, o exemplo do subitem anterior, “vender” o imóvel para
as despesas de aluguel durante 60 meses e uma aqui- essa entidade criada com o único objetivo de adquirir o
sição por R$ 12 milhões do imóvel ao final dos 5 anos. citado imóvel e alugá-lo de volta. (Transações assim po-
Durante esse período não haverá imobilização alguma, dem ser feitas com uma fábrica inteira, uma usina inteira
nem dívida, no seu balanço. de geração de energia etc.). Normalmente essas EPEs
têm capital social ínfimo, praticamente nulo, obtendo
seus recursos mediante operações financeiras de cap-
Ora, é visível que o que se fez foi tomar um em-
tação com as instituições financeiras ou com o mercado
préstimo de R$ 15 milhões, à taxa de juros de aproxima-
(debêntures, por exemplo).
damente 24,1% ao ano, dando o imóvel como garantia,
pagando a financiada 60 prestações de R$ 300 mil e
uma parcela final de R$ 12 milhões para liquidação do Se for essa EPE uma controlada integral do ponto
saldo (muitas vezes esse saldo final poderá ser nova- de vista formal da entidade “vendedora” do imóvel, aca-
mente renegociado). bará a investidora reconhecendo, nas suas demonstra-
ções individuais (ainda contabilizamos isso assim no Bra-
sil, infelizmente), o “lucro” e tudo o mais como se tivesse
A formalização da operação de empréstimo como
sido a operação efetuada com terceiros. Mas, pela equi-
se fosse de venda aumenta a garantia do financiador e
valência patrimonial, estará reconhecendo como receita
permite ao financiado não mostrar seu Ativo Imobilizado
o valor contabilizado como “aluguel” na detentora formal
nem sua dívida!
do Ativo Imobilizado, e também estará reconhecendo o
que ela registrar como depreciação do imóvel. Assim,
A relação entre imobilizado e capitais próprios estará, pela equivalência, anulando a sua despesa de
aparecerá muito melhor do que de fato é; a relação entre aluguel e substituindo a depreciação antiga pela nova,
capitais de terceiros e próprios também, e ainda have- maior (como ocorre mesmo numa reavaliação de Ativos).
rá um resultado positivo no ato da “venda”, que pode- Mas manterá o registro do “lucro” em suas demonstra-
rá gerar dividendos (e tributos também para desespero ções. Somente em suas demonstrações consolidadas
dos demais credores), resultado esse que, na realidade, (se não for companhia aberta não estará obrigada a isso,
é uma espécie de reavaliação (o imóvel seguramente como regra) é que teria de eliminar esse “lucro” na “ven-
voltará à propriedade formal da empresa - na realidade da do ativo” e esse excesso de depreciação no resultado
nunca deixará de sê-lo porque a “vendedora” não dei- de cada período. Dessa forma, nessas demonstrações
xará de adquiri-lo ao final, ainda mais sabendo que R$ consolidadas tudo voltaria ao normal, com os tributos na
12 milhões serão um preço sabidamente inferior ao seu operação de “venda” aparecendo, provavelmente, como
provável valor de mercado). tributos diferidos no Ativo a serem apropriados paulati-
namente, e o endividamento da controlada também seria
evidenciado no balanço consolidado.
O registro contábil, se adotado o conceito da
prevalência da “essência sobre a forma”, obrigaria a um
registro puro e simples do empréstimo de R$ 15 milhões Mas, se a EPE não for uma sociedade formalmen-
na financiada, com o cálculo e registro das despesas te investida da “vendedora”, não haverá esse efeito pela
financeiras e a continuação da depreciação do imóvel. equivalência, nem existirão demonstrações consolida-
E cada parcela mensal seria desmembrada em parte das (se não for uma companhia aberta) e tudo aparecerá
como pagamento desses juros e em parte como amorti- como se fosse operação com terceiros, com as conse-
zação parcial da dívida, que seria, após os 60 meses, no qüências da aparente desimobilização e sem que seja
valor dos R$ 12 milhões. evidenciada a dívida. No caso, por exemplo, de empre-

4 TC IOB - Bol. 31/2005


Temática Contábil e Balanços

sa que tenha outra operação de empréstimo que obrigue 8. O QUINTO PASSO: ANALISANDO A LIQUIDEZ
a uma limitação no nível dessa imobilização, ou de seu
endividamento, ou de ambos, tudo parecerá como nor- Depois de vermos como é necessário ter aten-
mal com esse “desaparecimento” do Ativo. ção antes de sair calculando índices e como é obriga-
tório estar sempre atento antes de extrair qualquer tipo
de conclusão, vamos à análise de liquidez, ou seja, da
Por isso é que a Comissão de Valores Mobiliários capacidade de a empresa pagar suas obrigações, em
(CVM) determinou, numa prática inovadora e elogiável, curto e em longo prazo.
e seguindo exatamente o conceito da “essência sobre a
forma”, que essas EPEs, no caso de companhias aber-
tas, sejam consolidadas nessas sociedades que podem 8.1 Liquidez a curtíssimo prazo
nem mesmo ser suas formais investidoras, de forma a
se ter um conjunto de demonstrações muito mais repre- Esses indicadores são de pouca valia na prática,
sentativo da realidade. Trata-se da Instrução CVM no uma vez que, na maioria das vezes, a informação dis-
408/2004 que merece ser lida. ponibilizada ao usuário acaba sendo posterior ao efeito
do número indicado. Comparar o que uma empresa, em
dezembro de 2004, tinha de recursos para fazer em face
7.6 Outras operações de seus compromissos no mês de janeiro de 2005, utili-
zando seu balanço de 31.12.2004, publicado em março
Há outras operações, legais em si (nosso ponto de 2005, é uma perda de tempo. Mas o problema maior
aqui não é o referente a fraudes contábeis ou de outra é o seguinte: esse balanço não identifica quanto de suas
natureza) que, mesmo tendo essa característica de lega- obrigações vence em janeiro. A classificação exigida
lidade, têm como objetivo determinadas conseqüências faz com que sejam evidenciadas todas as obrigações a
nas demonstrações contábeis que podem levar o ana- vencer no prazo de um ano1. Assim, o que se tem é algo
lista a não ter uma visão completa da efetiva realidade de não muita utilidade: comparar, por exemplo, o que
e, pior ainda, podem, às vezes, levar a conclusões er- a empresa tem de dinheiro e valores transformáveis em
rôneas. dinheiro quase que imediatamente com a totalidade das
dívidas do Passivo Circulante (que abriga as obrigações
a vencer em prazo que vai a até um ano).
Conforme já foi dito, podemos ter como exemplos
de outras situações: relação entre Ativo Permanente e
Patrimônio Líquido (por exemplo, ativar ou não ativar 8.1.1 Índice de Liquidez Imediata
uma compra efetuada sob o regime de arrendamento
mercantil financeiro (leasing financeiro); efetuar a reava- Esse indicador, repetimos, normalmente de valia
liação de bens do imobilizado; evidenciar, no balanço, muito restrita, é costumeiramente denominado de Índice
a contrapartida a um imobilizado recebido em doação de Liquidez Imediata e é assim expresso:
como redutor desse mesmo Ativo, sob o argumento de
não ter havido custo na sua aquisição, ao invés de re- Disponibilidade
Índice de Liquidez Imediata =
gistrá-la como Reserva de Capital); entre Origens e Apli- Passivo Circulante
cações na Demonstração das Origens e Aplicações de
Recursos - Doar (colocar um Realizável a Longo Prazo Ocorre que a maioria das empresas possui, como
como aplicação e colocar a origem de seu financiamen- recurso prontamente disponível, normalmente, mais do
to, uma dívida a longo prazo, como origem, ou não evi- que o que classifica como Disponibilidade, dada a exis-
denciar nem uma nem outra coisa sob a alegação de tência de Aplicações Financeiras passíveis de resgate a
que não alteraram o Capital Circulante Líquido); entre curtíssimo prazo. O problema é a não-existência, normal-
capitais próprios e de terceiros (como ocorre com a Re- mente, de informações sobre os prazos de vencimento
avaliação de bens do imobilizado; ou pela decisão de dessas aplicações.
captar recursos dos próprios sócios mediante ações res-
gatáveis versus emissão de debêntures) etc. De qualquer forma, esse indicador realmente diz
pouco.
Por isso a necessidade de estar sempre alerta
e procurar conhecer esses tipos de práticas e, princi- 8.1.2 Índice de Liquidez de Curtíssimo Prazo
palmente, conhecer o mais de perto possível os admi-
nistradores e a experiência passada de suas empresas Poderia ser desenvolvida essa formulação da li-
analisadas. quidez imediata um pouco melhor a fim de que, no nos-

(1) Em alguns raros casos o prazo é o relativo ao ciclo operacional da empresa, quando ele é superior a um ano. No Brasil quase não se vê
isso na prática, apesar de exigido pela nossa Lei das S/A na sua parte contábil.

IOB - Bol. 31/2005 TC 5


Temática Contábil e Balanços

so entender, abrangesse todas as aplicações que ven- os que melhor produzem a informação que procura e
cessem muito rapidamente (no máximo em um mês, por precisa, também, efetuar as adaptações às condições
exemplo) e mais as outras que pudessem ser resgata- de dados aos quais consegue acesso.
das antecipadamente em caso de necessidade. Afinal,
as aplicações financeiras de curto prazo podem ser res-
gatadas antecipadamente, mesmo que à custa de algu- Poderíamos então utilizar um indicador, prati-
mas perdas normalmente não muito significativas. camente não citado em bibliografias, que batizaremos
como no título deste subitem, em que comparamos o
que a empresa tem de disponibilidades mais aplicações
Lembre-se: o analista não precisa seguir padrões financeiras de curtíssimo prazo com o valor das obriga-
de indicadores e de classificações; ele precisa verificar ções a curto prazo. Poderíamos ter então:

Disponibilidade + Aplicações Financeiras de Curto Prazo


Índice de Liquidez de Curtíssimo Prazo =
Passivo Circulante

De qualquer forma, o importante é lembrar que a serem liquidadas no próximo ano. Representa o total
boa parte desse Passivo Circulante de fato se vencerá das obrigações a serem liquidadas nos próximos 12 me-
logo após a data do balanço, provavelmente nos próxi- ses, que existiam e já estavam contabilizadas na data do
mos 2 ou 3 meses. É o caso dos denominados Passivos balanço que está sendo analisado. Todas as compras
Operacionais, ou Passivos de Funcionamento (expres- recebidas a partir do início do período seguinte, todos
são antiga, mas muitíssimo apropriada), que abrange as os serviços e outras transações posteriores vão, é claro,
obrigações para com os Empregados (Salários a Pagar), criar novas obrigações que serão registradas posterior-
Tributos, Fornecedores, Contas a Pagar (aluguéis, ser- mente; em compensação, serão baixadas as que forem
viços de consultoria, energia elétrica etc.) e outros deri- sendo liquidadas. E os recursos aplicados no Ativo tam-
vados da atividade operacional da empresa. Determina- bém são os que existem na data do balanço, em função
dos passivos operacionais poderão se distribuir por um das transações ocorridas até aquela data. Novas transa-
prazo bem maior (mas dentro dos próximos 12 meses, ções ocorrerão, gerando novos Ativos. A realidade em-
se classificados no Passivo Circulante), como o relativo presarial é dinâmica, com as “fotografias” tomadas pelos
às Provisões para Férias, para Décimo Terceiro Salário balanços mostradas como estáticas.
(quando balanço for de 31 de dezembro) e outros. Mas a
maioria vencerá rapidamente. Então, para esses casos,
esse indicador é bastante adequado. 8.2 O problema da sazonalidade
Talvez esse assunto já devesse ter sido men-
Já para o caso dos Passivos Financeiros, ou
cionado, mas vamos fazê-lo agora. O que as disponi-
Passivos de Financiamento, que inclui as operações de
bilidades e as aplicações financeiras representam, bem
captação de recursos a curto prazo e mais a parcela
das obrigações contratadas originalmente a longo prazo como o Passivo Circulante, em 31 de dezembro, de uma
mas que agora vencem nos próximos 12 meses, a situa- empresa que atua no sudeste brasileiro no ramo da in-
ção é diferente: tanto podem ter parcelas significativas dústria alcooleira? Sua matéria-prima (o grosso de suas
se vencendo logo no dia seguinte ao do balanço, como compras) chega provavelmente entre maio e setembro e
no 364o dia subseqüente, ou então estarem distribuídas talvez esteja totalmente paga em dezembro. Pode a em-
de alguma forma homogênea ou irregular durante esse presa já ter recebido por toda a venda da sua produção
ano seguinte. e estar, então, “abarrotada” de dinheiro porque precisa
inclusive reter o suficiente para toda uma enorme manu-
Com essas precauções é que se deve utilizar esse tenção sendo ou a ser feita em suas instalações indus-
indicador, se for de fato utilizado. Muitas vezes é melhor triais para preparação para a próxima safra, bem como
nem utilizar quando as dúvidas forem muito grandes, a para sustentar suas despesas operacionais com sua ad-
não ser para comparar a situação de uma empresa ao ministração e talvez parte do pessoal da produção e das
longo do tempo (ver se essa situação melhorou ou piorou vendas até a safra subseqüente. Assim, o balanço de
nos últimos 3 anos, por exemplo, ou nos últimos 4 trimes- 31 de dezembro tem, de fato, uma representatividade,
tres, se as informações estiverem disponíveis; ou então válida apenas para esse momento, mas não representa
para comparar, na mesma data, empresas diferentes, o que ocorre ao longo do ano.
desde que do mesmo ramo e operando mais ou menos
dentro dos mesmos esquemas quanto a prazos normais Um balanço dessa empresa em 30 de junho
de pagamento de suas obrigações operacionais). pode mostrar uma situação absolutamente não compa-
rável com a do balanço de 31 de dezembro e, portanto,
Outro ponto importante a lembrar: o Passivo Cir- não se pode tirar conclusões simplórias do tipo “piorou”,
culante não representa, é óbvio, o total das obrigações “melhorou” etc.

6 TC IOB - Bol. 31/2005


Temática Contábil e Balanços

Na verdade, essas observações relativas à sazo- (Lembre-se novamente de tudo o que já foi dis-
nalidade valem para todos os indicadores de liquidez, cutido sobre os problemas de comparações entre gran-
mas têm uma implicação toda especial sobre os de ren- dezas e as operações que podem distorcer esse indi-
tabilidade quando são analisados períodos inferiores a cador).
um exercício social (por lei, igual a um ano, a não ser nos
casos especiais de início da empresa ou de alteração É fundamental lembrar que o balanço é um mo-
da data do encerramento desse exercício social). Imagi- delo que procura mostrar, num certo momento, uma si-
ne-se comparar o resultado do primeiro trimestre do ano tuação que, na realidade, é extremamente difícil de ser,
civil com o do terceiro nesse caso. de fato, captada em todas as suas dimensões, quer em
termos de natureza dos Ativos e Passivos quer em ter-
Muitas empresas possuem sazonalidades, mas mos de distribuições temporais e outros. Por exemplo, os
não tão marcantes como no caso das exploradoras de estoques estão registrados, normalmente, ao seu custo
produtos agrícolas; são os casos típicos das indústrias de aquisição. Quando vendidos se transformarão em re-
de brinquedos, de bebidas, de chocolate etc. Assim, há cebíveis por valores maiores do que estão apresentados
de se conhecer o ramo de negócios em que a empresa no balanço. Logo, somar disponibilidades com valores
atua, suas práticas comerciais em termos de prazos de recebíveis nos próximos 90 dias, registrados pelo seu
recebimento e pagamento e outras características do valor nominal esperado a ser recebido, já é algo que pre-
segmento; ou então há de se conseguir informações da cisa ser assimilado para se entender que tipo de soma é
própria empresa analisada; caso contrário, cuidado com essa; somar isso tudo ao custo dos estoques é algo mais
as conclusões! complexo ainda; imagine somar isso ao valor das “des-
pesas antecipadas” normalmente no Ativo Circulante!
Depois, comparar isso tudo com obrigações que só são
8.3 Liquidez a curto prazo pagáveis em dinheiro exige mesmo uma capacidade de
abstração de qualquer usuário das demonstrações con-
O indicador de liquidez mais utilizado, talvez, na
tábeis.
prática, seja o relativo à comparação entre o Ativo Circu-
lante e o Passivo Circulante (visto no subitem 7.1).
Mas, apesar de todos esses pontos, há de se ana-
lisar o que está disponível, porque não há outras fontes
8.3.1 Índice de Liquidez Corrente para utilizar para saber o que está ocorrendo com a em-
presa. Só que o fundamental é ter a consciência do que
se está fazendo, e nunca agir mecanicamente porque
Ativo Circulante
Índice de Liquidez Corrente = este ou aquele indicador é sugerido por um professor
Passivo Circulante
sério e convincente, por um livro de autor famoso etc.

Trata-se também de uma comparação a ser utili-


zada com senso crítico. O Ativo Circulante possui dispo- 8.3.2 Folga Financeira de Curto Prazo, ou Capital
nibilidades e aplicações financeiras de curtíssimo prazo, Circulante Líquido (CCL)
recebíveis também a curto prazo, mas contém estoques
que podem ser transformados em dinheiro, transforma- Repare que o Índice de Liquidez Corrente divide
dos em recebíveis rapidamente ou a serem transfor- o Ativo Circulante pelo Passivo Circulante; mas há outro
mados nesses ativos ao longo de vários meses. E essa conceito de liquidez que diz respeito à diferença entre o
distribuição dos Ativos Circulantes pode não ter muito a Ativo e o Passivo Circulantes:
ver com a dos Passivos Circulantes. Assim, pode haver
descasamentos entre esses prazos de um lado e de ou-
Capital Circulante Líquido (CCL) = Ativo Circulante – Passivo Circulante
tro que só são passíveis de serem percebidos com infor-
mações da própria empresa ou com um conhecimento Esse CCL, também conhecido como Capital de
forte do setor em que a empresa atua e das práticas co- Giro Líquido, é uma forma de medir a liquidez de curto
merciais nele utilizadas. prazo de uma empresa, trabalhando exatamente com os
mesmos números, mas por diferença algébrica, e não
Vê-se que é uma interpretação um tanto quanto por meio de um quociente.
simplória traduzir esse indicador por “quanto há de R$
1,00 de Ativo a curto prazo para pagamento de cada O Capital Circulante Líquido é um conceito que
R$ 1,00 de Passivo também de curto prazo”. O perfil do poderíamos, numa linguagem simples, denominar de
Passivo pode ser de uma distribuição temporal que faça Folga Financeira de Curto Prazo, que é, então, o quanto
com que não estejam, de fato, disponíveis os recursos se tem de “folga” diminuindo-se as dívidas de curto pra-
para sua liquidação no tempo devido como pode apa- zo dos Ativos, também, de curto prazo, valendo todas
rentar o balanço (Passivos se vencendo bem mais rapi- as observações já feitas quanto à possível distribuição
damente do que o período da transformação dos esto- heterogênea entre os componentes de um grupo e os
ques e recebíveis em dinheiro no Ativo). de outro.

IOB - Bol. 31/2005 TC 7


Temática Contábil e Balanços

Como já visto no subitem 7.1, essa diferença não Desse modo, um não elimina o outro. Ambos pre-
se altera quando transações são efetuadas aumentando cisam ser devidamente considerados. Outros pontos
ou diminuindo, concomitantemente, o Ativo e o Passivo relativos a essas comparações entre valores serão abor-
Circulantes, como no caso de liquidação de dívidas, ob- dados posteriormente.
tenção de novos empréstimos, compra de mercadorias,
pagamento a fornecedores etc. 8.3.3 Índice de Liquidez Seca
Por causa dos problemas comentados anterior-
Na realidade, um e outro indicadores têm suas mente, relativos aos estoques que ainda vão ser ven-
utilidades e suas limitações. Mas veremos isso melhor didos para depois os recebíveis se transformarem em
mais à frente. dinheiro, bem como pela existência de certos valores
que não representam recursos aplicados a serem trans-
Esse indicador, o CCL, tem de ser sempre con- formados em disponibilidades (como no caso das des-
siderado em conjunto com os indicadores de liquidez. pesas antecipadas) e outros é que se criou um indicador
Mas é vital ter em mente que aquele representa um va- especial, mais restritivo do que o Índice de Liquidez Cor-
lor absoluto, em moeda, e estes representam ordem de rente, mas não tanto quanto o Índice de Liquidez Imedia-
grandeza existente entre 2 conjuntos de valores. ta, denominado:

Ativo Circulante –- (Estoques + Despesas Antecipadas + Outros)


Índice de Liquidez Seca =
Passivo Circulante

O que se pretende com ele é excluir do Ativo Cir- Nesse caso, o Índice de Liquidez Seca precisa
culante os estoques, as despesas antecipadas, os tribu- ser utilizado com muito cuidado! O Ativo Circulante pode
tos diferidos e valores que, a juízo do analista, represen- já conter valores significativos de itens (estoques de
tem valores não transformáveis em dinheiro ou, por outra bens em produção, de materiais etc.) que serão utiliza-
razão, que não servem à liquidação de obrigações. Essa dos para liquidação de uma parte que também pode ser
é, de fato, uma comparação muito interessante também, significativa no Passivo. Eliminar de um lado esses esto-
mas que precisa, como sempre, ser utilizada com co- ques e não do outro pode representar erro conceitual, a
nhecimento da empresa, do segmento em que ela atua não ser que haja possibilidade de insucesso no término
da encomenda e que haja a obrigação de devolução do
etc.
valor recebido do cliente, mas essa não deve ser a si-
tuação normal. Talvez o melhor, nesse caso, seja a não
Esse indicador poderia ser montado de outra for- utilização desse indicador se não existirem informações
ma, com a colocação, no numerador, dos itens que se suficientes que permitam saber quanto dos estoques diz
quer utilizar para a comparação com o Passivo Circulan- respeito aos adiantamentos recebidos e ambos os va-
te: Disponibilidade + Aplicações Financeiras + Contas a lores forem relevantes (a empresa poderia, no extremo,
Receber + Outros Recebíveis, por exemplo. ter recebido dinheiro de um conjunto de clientes e estar
utilizando esse valor para produção de bens a serem
Veja-se agora um caso especial e relevante para vendidos para outros clientes, jogando com prazos, por
se ter uma idéia da necessidade de nunca se aplicar, de exemplo).
maneira automática, qualquer um desses índices: ima-
gine uma empresa que receba valores significativos de Contudo, em princípio, esse índice de liquidez é
seus clientes na forma de adiantamentos para financiar interessante em muitas situações, quando se quer ver se
parte dos custos de produção das encomendas recebi- não há dependência dos estoques para liquidação dos
das. Ela terá estoques de produtos em elaboração no passivos circulantes.
Ativo Circulante e estoques de matérias-primas e ma-
teriais diversos a serem utilizados na produção dessas 8.3.4 Índice de Liquidez de Kanitz
encomendas; só que no seu Passivo Circulante existirá a
conta de “Adiantamento de Clientes”, que também não O Professor de Contabilidade da FEA/USP,
será liquidada em dinheiro, e sim com a entrega dessas Stephen Charles Kanitz, desenvolveu um indicador para
encomendas em andamento. “conciliar” o Índice de Liquidez Seca e o Corrente2:

Ativo Circulante – (1 – x) Estoques


Índice de Liquidez (Seca) de Kanitz =
Passivo Circulante

x = % de estoques a serem mantidos no cálculo do índice.

(2) Sobre o Índice de Liquidez de Kanitz veja texto publicado no Boletim no 49/2002, pág. 1, neste Caderno.

8 TC IOB - Bol. 31/2005


Temática Contábil e Balanços

Veja que é uma forma simples, mas criativa, de igual a duas vezes o Ativo Circulante, ou um CCL igual
deduzir, do Ativo Circulante, não 100% dos estoques à metade do Ativo Circulante. Um índice de liquidez de
como ocorre no Índice de Liquidez Seca normal. Nesse curtíssimo prazo superior a 1,0 é o que todo administra-
caso imaginado por Kanitz, elimina-se apenas o percen- dor financeiro gostaria de ter para satisfazer sua tran-
tual que se considerar adequado para fins da análise. qüilidade em termos de capacidade de pagamento de
dívidas.
Por exemplo, se você, como analista, não quer a
presença de 100% dos estoques no seu cálculo de liqui- Só que índices de liquidez altos podem mostrar,
dez de curto prazo, mas, também, considera um exage- na verdade, recursos ociosos no Ativo Circulante, o que
ro eliminar 100% desses estoques no Índice de Liquidez pode levar a uma redução da rentabilidade! Muito di-
Seca, pode arbitrar: qual seria o índice se fossem elimi- nheiro aplicado financeiramente pode, em certas situa-
nados, por exemplo, apenas 30% dos estoques? Nesse ções de taxas de juros muitíssimo atraentes, representar
caso, como se quer manter 70% dos estoques, a fórmula boa alternativa de aplicação, é verdade (como tem ocor-
fica com o x = 70%. Obviamente, se quiser manter os rido nos últimos tempos no Brasil), mas numa situação
100% dos estoques, o índice ficará igual ao Índice de de economia “normal”, isso significa, comumente, obter
Liquidez Corrente normal; se quiser manter 0%, ficará rentabilidade inferior à que a empresa deveria conseguir
igual ao Índice de Liquidez Seca normal. para remunerar muito o capital utilizado (próprio e de ter-
ceiros).
Essa fórmula pode ser adaptada, é claro, para a
aplicação da mesma técnica a outros elementos even- Assim, índices muito altos podem mostrar incapa-
tualmente excluídos para cálculo da liquidez seca, como cidade de aplicação dos recursos obtidos, falta de co-
despesas antecipadas e outros itens, podendo desen- ragem ou de oportunidade para efetuar investimentos,
volvê-la para uso de percentuais diferentes para cada bem como podem indicar, por outro lado, preparação
um dos itens. para investimentos futuros atraentes, ou uso inteligente
de uma situação de aplicação financeira excepcional
(nesses casos a situação de altíssima liquidez deveria,
8.4 A evolução dos indicadores ao longo do obviamente, ser transitória) etc. Ou seja, índices muito
tempo altos não significam, sempre, situação boa ou situação
Ponto também relevante: uma empresa pode es- ruim.
tar com um Índice de Liquidez Corrente de 1,5 no final
de um período, e outra empresa semelhante também. Já índices baixos normalmente preocupam. Mas
Tudo estará igual? E se a primeira vier de uma evolução o que são índices baixos? Para isso é possível (e neces-
ao longo dos últimos anos ou outros períodos, por exem- sário) entrarmos em 2 pontos relevantes: a efetiva ne-
plo: 2,0; 1,7; 1,6 e agora 1,5, enquanto que a segunda cessidade de índice alto ou baixo conforme as práticas
vem de: 0,9; 1,2; 1,3 e agora 1,5? usuais do segmento econômico em que está a empresa
e a figura dos índices-padrão.
A evolução, não só desses indicadores, como a
A necessidade de Índice de Liquidez Corrente
de todos os demais, é algo que precisa sempre ser con-
alto implica necessidade de um Capital Circulante Lí-
siderada.
quido alto. E o que é Necessidade de Capital de Giro
Líquido?
A empresa está bem ou mal agora? Essa é uma
informação relevante, mas às vezes o mais importante é:
ela está melhorando ou piorando? Está melhorando mais (Continuaremos com esse assunto em um Bo-


rapidamente do que as demais? Etc. letim posterior).

8.5 Quais os bons e os maus números dados pelos


índices?
Devemos considerar vários fatores antes de se
querer qualificar um determinado número (informado CONTABILIDADE GERAL _____________
pelos índices de liquidez) como “bom” ou como “mau”,
além da consideração com relação à evolução.
Industrialização por encomenda
É óbvio que, quanto maior o índice de liquidez
(de curtíssimo prazo, seco, corrente ou outro qualquer,
inclusive que se queira criar para uma situação particu- 1. INTRODUÇÃO
lar), melhor do ponto de vista da capacidade de liquida-
ção das obrigações. Um Índice de Liquidez Corrente de É prática comum, entre as empresas indus-
2,0 deverá ser considerado, para a grande maioria das triais, o envio de matérias-primas e produtos semi-
empresas, muito bom, mostrando um Passivo Circulante acabados para serem industrializados por terceiros.

IOB - Bol. 31/2005 TC 9


Temática Contábil e Balanços

Neste texto, trataremos dos aspectos contá- 2) Registro, em contas de compensação, do


beis relacionados a essa operação, tanto sob a ótica retorno dos produtos remetidos para industrialização.
da empresa encomendante quanto da empresa exe-
cutora da industrialização.
D- Remessas para Industrialização (Contas de
Compensação Passivas)
2. REGISTRO EM CONTAS DE COMPENSAÇÃO C - Materiais Remetidos para Industrialização
(Contas de Compensação Ativas) R$ 100.000,00
Ao realizar uma operação de remessa de ma-
térias-primas ou de produtos semi-acabados para in- 3) Registro do valor cobrado pela empresa
dustrialização em outro estabelecimento não é neces- executora da industrialização.
sário que a empresa autora da encomenda registre a
baixa dos referidos materiais dos seus estoques.
D- Custos de Produção - Industrialização por
Encomenda (Contas de Resultado)
Do mesmo modo, não é necessário que a em- C- Fornecedores - Empresa “B” (Passivo Cir-
presa executora da industrialização registre, em seus culante) R$ 10.000,00
estoques, a entrada dos materiais recebidos para in-
dustrialização.
II - Contabilização pela empresa executora da
Todavia, é recomendável que tanto a empresa encomenda
autora da encomenda quanto a executora da indus-
trialização registrem a operação em contas de com- 1) Registro, em contas de compensação, da
pensação. remessa dos produtos para industrialização.

Notas
D- Entradas para Industrialização (Contas de
(1) Sobre as contas de compensação, veja textos publicados nos
Compensação Ativas)
Boletins nos 49/2003, pág. 4, e 50/2003, pág. 5, ambos neste Caderno.
C- Materiais Recebidos para Industrialização
(2) No Plano de Contas, as contas de compensação, em geral, (Contas de Compensação Passivas) R$ 100.000,00
são o último grupo. Veja modelo completo de Plano de Contas no Boletim no
1/2005, pág. 1, neste Caderno.
2) Registro, em contas de compensação, do
3. EXEMPLO retorno dos produtos remetidos para industrialização.
D- Materiais Recebidos para Industrialização
Consideremos que a Empresa “A” remetesse (Contas de Compensação Passivas)
10.000 unidades de determinado produto, avaliado C- Entradas para Industrialização (Contas de
em R$ 100.000,00 (constante da nota fiscal de remes- Compensação Ativas) R$ 100.000,00

sa para industrialização), para serem acondicionadas


em embalagens promocionais, pela a Empresa “B”, 3) Registro do valor cobrado pela empresa
que cobrará para a execução desse trabalho a impor- executora da industrialização.
tância de R$ 10.000,00.
D- Clientes - Empresa “A” (Ativo Circulante)
C- Receita Bruta de Vendas de Mercadorias e
Com base nesses dados, a contabilização da Serviços - Industrialização por Encomenda
remessa, da devolução e do valor cobrado pela em- (Contas de Resultado) R$ 10.000,00
presa executora da industrialização seria efetuada da ◙
seguinte forma:

I - Contabilização pela autora da encomenda

Aumente a produtividade de sua empresa.


1) Registro, em contas de compensação, da
Treinamento sob medida em diversas áreas
remessa dos produtos para industrialização.
(Contábil, Fiscal, Tributária, Trabalhista etc.).

D- Materiais Remetidos para Industrialização Cursos In Company IOB.


(Contas de Compensação Ativas)
O curso que você precisa, onde e quando você quiser.
C- Remessas para Industrialização (Contas de
Compensação Passivas) R$ 100.000,00
Ligue-nos e faça uma consulta. 0800-724 7550.

10 TC IOB - Bol. 31/2005

Você também pode gostar