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Portugal no primeiro pós-guerra

Figura 1, A última carícia antes da partida para a frente de guerra na Flandres, em


França, numa das fotografias mais icónicas da participação portuguesa na Grande
Guerra.
Ana Maria Costa

N1 1206

Ano letivo 2023/2024

Disciplina de História A

Escola Secundária da Trofa

Agrupamento das Escolas da Trofa


Resumo

A Primeira República ficou marcada pela instabilidade política e governativa, por


problemas económico-financeiros e pelo descontentamento social, agravados com a
participação de Portugal na Primeira Guerra.

A participação na guerra agravou as dificuldades económicas, fez aumentar a inflação e


o custo de vida e a dívida pública cresceu. A fome e a miséria marcaram o quotidiano.

A contestação social agravou-se: as greves e os atentados bombistas eram frequentes,


generalizando-se um clima de insegurança e desordem. Progressivamente, criaram-se
condições para o avanço das forças conservadoras: República perdeu a sua base social
de apoio (classes médias, urbanas e operariado) e setores sociais, como os grandes
proprietários, industriais e a Igreja olhava para as soluções antidemocráticas e
autoritárias, como a resposta para a crise e a instabilidade.

O exército surgiu como único meio capaz de solucionar os problemas do país.


À semelhança do que aconteceu na Europa, a solução autoritária começou a impor-se. A
República caiu a 28 de maio de 1926 através de um golpe militar. O Parlamento foi
dissolvido, a Constituição suspensa e as liberdades restringidas.

A ditadura militar instaurou se.


Índice

 Introdução ----------------------------------------------------------------------------------1
 Os condicionalismos que provocaram a falência da Primeira República----------2
 A queda da Primeira República--------------------------------------------------------10
 A instauração de um regime autoritário: a ditadura militar ------------------------13
 Conclusão---------------------------------------------------------------------------------17
 Bibliografia-------------------------------------------------------------------------------18
Introdução
O presente trabalho é sobre os condicionalismos que provocaram a falência da Primeira
República em Portugal, mais concretamente as dificuldades económicas, o
descontentamento social e instauração de um regime autoritário.

Os objetivos deste trabalho são explorar as consequências econômicas que Portugal


enfrentou após a Primeira Guerra Mundial, investigar os fatores que contribuíram para o
descontentamento social, analisar o processo pelo qual Portugal passou da democracia
para um regime mais autoritário e identificar as personalidades políticas que
desempenharam papéis significativos durante esse período.

Este trabalho está organizado em 6 tópicos.

A metodologia deste trabalho foi a consulta de diversos manuais, enriquecida com a


pesquisa de alguns sites.

1
Os condicionalismos que provocaram a falência da Primeira República

As dificuldades económicas

Após a Primeira Guerra Mundial, verificou-se em Portugal. Um intenso desenvolvimento do


capitalismo, nomeadamente no setor industrial. Surgem, então, importantes indústrias com
características modernas, como a fábrica dos cimentos de Leiria e de Martingança, propriedade
de Henrique Sommer. Também a CUF expande com o início da produção de enxofre e de
sulfato de cobre, em 1923, provocando a intensificação da exploração das minas de pirite. A
indústria têxtil e as conservas substituem gradualmente os mercados europeus pelas colónias,
evitando qualquer sintoma de recessão.

A inflação fiduciária favorece o desenvolvimento


do aparelho bancário. Entre 1918 e 1920 aparecem
onze novos bancos, quase todos associados a casas
comerciais envolvidas no comércio externo,
firmando no crédito usurário a muito curto prazo,
alimentado pela especulação da bolsa (tabela 1).
Figura 2, Um retrato da pobreza na primeira
República Porém, não conseguem resistir à alteração da
conjuntura e desaparecem dois ou três anos mais tarde.

No domínio da agricultura regista se a crescente especialização da vinicultura, impulsionada


pela expansão do mercado colonial e pela conquista de novos mercados europeus. Porém, a
produção cerealífera diminui. Esta tendência verifica-se desde o início da guerra e prolonga-se
até 1923, obrigando as importações crescentes de cereais. Idêntico fenómeno se verifica com a
produção de leguminosas e outros produtos de primeira necessidade que escasseiam no mercado
interno.
A quebra da produção agrícola reflete-se negativamente sobre a balança comercial. As
importações apresentam valores muito superiores às exportações, provocando a saída de divisas.
Os produtos de primeira necessidade, nomeadamente os cereais, atingem, então, preços
incompatíveis com o poder de compra dos consumidores.
Com o objetivo de evitar os efeitos perturbadores da falta do pão no mercado e manter este
produto a baixo preço, o governo importa cereal, distribuindo, posteriormente, pela Moagem a
preços inferiores ao seu custo. Aparece, assim, o “pão político” subvencionado pelo Estado.
Entretanto, a produção nacional do cereal continua a cair.
2
Os baixos preços, fixados pelo Estado obrigam muitos agricultores a transformar as suas searas
em pastagens, favorecendo o desenvolvimento da pecuária e a exportação de carne.
Os produtores de trigo protestam frequentemente contra o “pão político” e pressionam o
Governo aumentar o seu preço. O Governo, consciente das implicações políticas do aumento do
pão, procura por todos os meios, evitar qualquer alteração.
O mesmo não acontece com os restantes produtos, que aumentam constantemente sob o efeito
da desvalorização da moeda, especulação cambial e da fuga de capitais para o estrangeiro.
Porém, a evolução dos pesos não é uniforme em todo o país. No Porto, os preços sobem a um
ritmo duas vezes mais rápido do que registado em Lisboa, de acordo com as estatísticas oficiais
(tabela 2).
A alteração dos preços reflete negativamente na vida político-social, provocando graves
perturbações nos principais centros populacionais do país (figura 2)

Tabela 1, Comércio Externo Especial


Anos Importação Exportação
(contos) (contos)
1914 70 343 28 849
1915 79 593 36 366
1916 129 779 56 466
1917 137 582 55 189
1918 178 450 83 444
1919 229 477 106 982
1920 691 086 222 150
1921 932 729 224 478
1922 1 251 825 443 700
1923 2 299 921 694 256
1924 2 958 198 948 984
1925 2 484 636 862 074
1926 2 342 672 736 369
1927 2 662 208 722 975
1928 2 679 161 1 030 140
1929 2 528 707 1 073 321
1930 2 407 722 945 274

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Tabela 2, Índices dos preços Lisboa, Porto e Continente
Continente Lisboa Porto
1915 julho 111,5 111,5 111,5
1916 “ 137,1 137,1 137,5
1917 “ 162,3 172,1 214,8
1918 “ 292,7 234,2 377,6
1919 “ 316,7 313,6 399,4
1920 “ 551,6 475,2 830
1920 dezembro 902,1 878,7 1 187,3
1921 julho 816,7 728,1 1 044,2
1921 dezembro 937,89 822,4 1 222,2
1922 junho 1 009,9 928,1 1 242,8
1923 julho 1 719,5 1 613,1 2 418,7
1924 julho 2 652 1 907,9 3 064,1
1924 dezembro 2 336,1 2 143,1 2 934,6
1925 julho 2 286,4 2 114,7 2 874,6
1925 dezembro 2 148,1 2 146,6 2 881,1
1926 julho 2148 - -
1927 julho 2 430 - -
1928 julho 2 294 - -

O descontentamento social

A eclosão da Primeira Guerra Mundial desencadeou a alta dos preços, a desvalorização


da moeda e, consequentemente, a degradação das condições de vida.

Estes fatores provocaram, naturalmente, o


descontentamento geral, nomeadamente entre o
operariado (figura 3). Desta forma, o movimento
grevista intensificou-se, a partir de 1918,
contribuindo para o derrube do sidonismo que
inicialmente a própria União Operária Nacional,
Figura 3, Greve geral de 1917
entidade suprema de sindicalismo organizado,
apoiara. Ainda em novembro de 1918 a União Operária Nacional (U.O.N) desencadeou
um movimento grevista de âmbito nacional destinado a colocar os salários ao nível dos
preços. Porém, os objetivos pretendidos não foram alcançados.

Após a queda do sidonismo e em consequência da íntima colaboração do operariado na


luta contra a tentativa de restauração monárquica de 1919, as organizações da classe
operária ganham prestígio junto dos partidos republicanos e conseguem a participação
de um representante do Partido Socialista, Augusto Dias da Silva, nos governos de José

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Relvas (27/1 a 30/3/1919) e de Domingos Pereira como verdadeiro representante das
classes trabalhadoras, tomando importantes medidas favoráveis ao operariado. Porém,
as consequências económicas da Guerra impediram a solução dos graves problemas que
afligiam os assalariados. Desta forma, o operariado, devidamente organizado sob a
orientação da U.O.N, intensificaram os movimentos grevistas provocando conflitos
sangrentos entre forças armadas e trabalhadores e afastando o operariado dos partidos
do governo.

A partir de abril de 1919 as greves intensificaram se. Durante este mês, os empregados
municipais de Lisboa entram em greve pela primeira vez, criando uma situação
favorável ao desenvolvimento de outras lutas reivindicativas. Na cidade do Porto entram
em greve os empregados municipais, os metalúrgicos e os corticeiros. Os trabalhadores
do comércio e indústria aproveitam a onda grevista para apresentar ao patronato
importantes reivindicações laborais. O patronato reclama do governo medidas
energéticas tendentes a entravar o movimento reivindicativo da classe operária. Exige
que o decreto a aplicação da lei, das oito horas de trabalho não seja publicado sem o seu
acordo prévio. Porém, o vigor do movimento operário impediu a solução do problema a
contento do patronato. Entretanto, o incêndio ocorrido no dia 1 de maio no depósito de
encomendas postais, no Terreiro do Paço, tem consequências alarmantes em virtude da
greve dos bombeiros municipais. Muitos setores da imprensa e da opinião pública
responsabilizam os grevistas pelo incêndio e as suas consequências. O Governo
aproveita a situação para ordenar a prisão de vários grevistas.

Os operários recuam e muitos regressam ao trabalho.

O movimento operário não perde, contudo, o seu vigor. Nos finais de maio, os operários
da C.U.F Do Barreiro entram em greve para protestar contra o despedimento dos
operários que tinham tentado lançar as bases de uma associação de classe na empresa. O
patronato reage despedindo os ativistas e encerrando as fábricas.

Perante os despedimentos em massa e o encerramento das fábricas da C.U.F, a União


Operária Nacional (U.O.N) e a União dos Sindicatos Operários declaram, em junho,
greve geral. O governo reage imediatamente à violência do movimento sindical
encerrando a sede da U.O.N que se distinguiram no incitamento à greve.

5
Em julho de 1919, as greves atingiram com igual intensidade os caminhos de ferro,
afetando principalmente as linhas do Oeste e Norte. Mais uma vez, o Governo recorreu
à força policial e ao encerramento do sindicato dos ferroviários.

Nos finais de 1919 e princípios de 1920, a crise de subsistência agrava-se, caracterizada


por um incontrolado aumento dos preços dos géneros de primeira necessidade.
Simultaneamente, o patronato reorganiza-se, endurece as suas posições, recusando-se a
cumprir o horário de 8 horas e ameaçando
operariado com o “lock-out”. O operariado reage
desencadeando nova vaga grevista nos primeiros
meses de 1920 que atinge, com particular
incidência, os correios, telégrafos, serviços de
saúde, professorado primário, ferroviários,
construção civil, metalurgia.

O governo mostra-se novamente intransigente.


Figura 4, Excerto da 1ª página do jornal
Encerra a sede da Confederação Geral do Trabalho
diário matutino, “A Batalha” de 7 de
agosto de 1922 Portuguesa (C.G.T.P) que substituir, em setembro
de 1919, a U.O.N. Suspende o jornal “A Batalha” (figura 4), pressiona e prende alguns
grevistas.

Agitação social persiste ponto, verificam-se vários atentados à bomba. Perante a


gravidade da situação, o Parlamento aprova uma medida de exceção proposta pelo
governo que perdeu o julgamento de todos os bombistas e agitadores na ordem pública,
através de um processo sumário da polícia.

Apesar das enérgicas medidas Governamentais, a agitação nos meios laborais não
desaparece ponto ordem pública sofre alterações frequentes com assaltos a
estabelecimentos comerciais durante o verão de 1920. Em setembro do mesmo ano, os
ferroviários dos Caminhos de Ferro do Estado declaram-se novamente em greve nas
linhas Sul, Sueste, Douro e Minho. A greve prolonga-se durante o mês de novembro,
mas enfraquece gradualmente com a admissão de novos operários e com a mobilização
geral de pessoal de todos os meios de transporte.

Nos finais de 1920 o movimento operário acusa já o enfraquecimento sensível


provocado por diversos fatores, entre os quais se salientam os seguintes:

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 As discordâncias ideológicas no seio da C.G.T.P;
 Os fracos resultados das greves faces ao aumento do custo de vida;
 Contraofensiva, quer do governo, quer do patronato.

Apenas o operariado de Lisboa continua a denunciar certo vigor, mas o seu isolamento
relativamente ao de outras cidades do país é bem visível. Em finais de 1920, o
movimento sindical limita-se praticamente à região de Lisboa e Setúbal. A partir de
então, os operários agem cada vez com maior frequência fora do quadro sindical. Os
movimentos grevistas perdem a força anterior e diminuem de intensidade. Assim,
durante o ano de 1921 apenas há a salientar a greve dos jornalistas, revisores,
compositores e distribuidores dos jornais de Lisboa.

A alteração do preço do pão, aprovada pelo Parlamento em 1922, desencadeia uma nova
greve geral e diversos recontros com a policia. A C.G.T.P desencadeia, ainda, greves
nas minas de Aljustrel que rapidamente arrastam, por solidariedade, os trabalhadores de
Beja, Évora; os têxteis da Covilhã, os pescadores de Sesimbra e os mineiros de S. Pedro
de Cova.

Nos anos imediatos a agitação laboral continuou com greves em diversos setores da
indústria, transportes, minas, pesca e têxteis.

Durante o ano de 1925 as relações entre as organizações operarias e o governo


degradam-se. Após a revolta fracassada das forças conservadoras em 18 de abril de
1925, o governo aumenta a repressão sobre todas as forças políticas. Persegue vários
militantes anarquistas, deporta os ativistas operários mais radicais.

A ação repressiva do governo gera importantes cisões no seio do operariado e afasta


cada vez mais os operários e a C.G.T.P dos partidos republicanos. A República perde,
assim, um importante apoio que havia constituído a sua maior força nos momentos mais
difíceis.

Medidas sociais

Os governos republicanos procuraram desde 1911 solucionar as carências alimentares,


os problemas de saúde e habitação que afligiam a sociedade portuguesa. Com este
objetivo foram criadas, a partir de 1910, novos asilos e escolas infantis. A rede hospital
foi melhorada e inauguraram-se mais três sanatórios e alguns dispensários para
tuberculosos. As creches difundiram-se com rapidez, aumentando de oito para vinte e

7
nove durante a vigência da Primeira
República. Criaram-se ainda as primeiras
maternidades (Coimbra, 1910; Angra do
Heroísmo, 1926).

O agravamento das condições de vida com a


eclosão da Guerra Mundial originou a criação
Figura 5, Jornal “O Século” cria a “Sopa dos pobres”.
de diversas cozinhas económicas, também
conhecidas como a “Sopa dos pobres” (figura 5).

Em 1926 existiam já 35 em Lisboa, 2 em Viseu, 1 em Faro, 1 em Viana do Castelo e


outro em Leiria.

No domínio da habitação, ação dos governos da Primeira


República foi insignificante. Em 1919, o ministro do Trabalho,
Augusto Dias da Silva (figura 6), tomou a iniciativa da
construção dos primeiros bairros operários na margem Sul do
Tejo e em Lisboa. Ainda no mesmo ano, o governo foi
autorizado a contrair junto da Caixa Geral de Depósitos um
importante empréstimo de 10.000 contos destinados à
construção de novos bairros operários. Apesar destas
iniciativas, a politica de habitação da Primeira República Figura 6, Augusto Dias da Silva

fracassou completamente,

A Primeira República empenhou-se, igualmente, na defesa dos direitos e condições de


trabalho dos assalariados estabelecendo:

 O descanso obrigatório;
 A obrigatoriedade das oito horas de trabalho diárias;
 O seguro de trabalho.

A instabilidade politica da Primeira República e as dificuldades económicas que


atingiram o Estado, nomeadamente após a Guerra Mundial, dificultaram a concretização
dos grandes projetos da politica social dos partidos republicanos.

8
Qual a sensibilidade dos vários setores sociais face à situação vivida
nos pós-guerra?

- As classes médias urbanas:

 Foram a base de apoio a I República e estavam


descontentes, defendendo o restabelecimento da
ordem e da tranquilidade;
 Ansiavam pela estabilização do custo de vida e do
seu poder de compra.

- A burguesia:

 Descontentes com os aumentos sucessivos de


impostos, receavam a agitação anarcossindicalista
e as soluções politicas de esquerda;
 Desejavam um governo forte e autoritário, capaz
de garantir a estabilidade.

- A Igreja:

 Perdeu a influência e foi desapossada dos seus


bens;
 Aliou-se às fações conservadoras, para recuperar
o seu prestígio e reagir ao anticlericalismo
republicano;

-O operariado:

 Mobilizou-se para apoiar a República, mas estava


descontente;
 Via as suas condições e de trabalho cada vez mais
degradadas;
 O reforço do sindicalismo não conseguiu superar a
falta da convergência das forças sindicais,
incapazes de melhorar as de trabalho.

9
A queda da Primeira República

“Em 1926, a situação politica, económica e social portuguesa atingira alto grau de
deterioração, que dava ensejo, por um lado, às mais sérias apreensões entre quantos,
atentos aos progressos do fascismo (por exemplo, em Itália e na vizinha Espanha),
temiam também ver instalada, na faixa ocidental da Península Ibérica, uma ditadura de
extrema-direita; por outro lado, constituía campo propício para a imediata intervenção
(que se apregoava saneadora) do corpo militar profissional na administração pública,
amoldando-a ou, a breve trecho, permitindo que se amoldasse à reação.

(…) O exército, encapotando ou abertamente estimulado por forças retrógradas e pelos


altos interesses económicos que com elas se confundiam, havia ensaiado já, no
anterior, através das tentativas falhadas (mas deixadas impunes) de 18 de abril e 19 de
julho, para citar apenas as mais próximas, a intervenção inconstitucional no regime de
administração pública.

Os cincos primeiros meses assistiram ao recrudescimento das atividades


antidemocráticas do Exército, expressas na criação de Juntas Militares
Revolucionárias em Braga (de onde, chefiado pelo general Gomes da Costa, partiria o
movimento do 28 de maio, em Coimbra e em Lisboa.

Nas vésperas do golpe militar de 1926 o país era espectador desiludido impotente da
incompetência parlamentar, da virulenta campanha de destruição daquilo que os
jornais oposicionistas chamavam <<a ditadura>> partidária de António Maria da
Silva; do obstrucionismo das organizações operarias a qualquer forma de colaboração
com a situação política, que estigmatizavam como a <<burla democrática>>. Ao caos
associavam-se <<a vida cara, a crise de trabalho, o défice de produção e o
desequilíbrio orçamental>>”

Batista, Jacinto- Caminhos para a revolução, Lisboa, 1975, pp.38-39.

10
Como mencionado no texto de Jacinto Batista, as
verdadeiras causas da queda da 1ª República estão
intimamente ligadas às transformações da
conjuntura económica do após-guerra. Perante a
degradação das condições de vida, os movimentos
grevistas intensificam-se, como mencionado
anteriormente, abauando e desgastando as
estruturas político-sociais da República.
Simultaneamente surgem diversos jornais
sindicalistas como a “A Batalha”, “Avante” (figura
7), “Bandeira Vermelha”, “Despertar” que
desenvolvem intensa luta defesa do proletariado.

Figura 7, Capa do jornal “Avante” Os assalariados, embora desiludidos com a


politica económica dos governos republicanos,
continuaram a apoiá-los nos momentos mais difíceis. Porém, as condições de vida
agravaram-se gradualmente e o governo recorreu, cada vez com maior frequência, à
violência para esmagar as greves e perdeu lentamente o apoio popular.

Em 1924 o Patronato organiza-se, fundando a União de Interesses


Económicos com o objetivo de defender os seus interesses. Esta
associação adquire rapidamente força politica e obriga o governo a
ceder às suas exigências, reforçando a proteção ao patronato e
acentuando a crise do sindicalismo. Paralelamente, os movimentos
e as associações nacionalistas intensificam a sua atividade. O jornal
“A Ideia Nacional” (figura 8), de inspiração fascista, criado em
1915, aumenta a sua capacidade de influencia após a guerra,
atraindo importantes figuras de todos os grupos nacionalistas, Figura 8, Ideia Nacional (revista).
nomeadamente do Integralismo Lusitano. Quer o “A Ideia Nacional”, quer o
Integralismo Lusitano refletiam a influência de outros grupos estrangeiros de inspiração
fascista como a “Idea Nazionale” e a “Action Française” (figura 9). Também o CDAC
(Centro Académico da Democracia Cristã) e a Cruzada Nuno Álvares se reanimam.

O primeiro, criado a 1901, depois de um período de grande apagamento, renova-se a


partir de 1919, transformando-se no principal núcleo de combate ao governo dos
Democráticos. Opõe-se, porém, à restauração monárquica revela-se preocupado
11
particularmente com as questões morais e familiares. Sem contestar a República
defende o corporativismo e os valores medievais.

A Cruzada Nuno Álvares, sem nunca atingir a força e a importância política do CDAC,
conseguiu, nos finais da 1ª República, congregar importantes figuras da politica
nacional (Pequito Rebelo, Hipólito Raposo, Trindade Coelho, Alfredo da Silva, Gomes
da Costa).

Todas as associações nacionalistas contavam com grande número de militares que


comungavam das mesmas ideias. Exerciam, através dele, uma influência marcante nos
movimentos militares.

O principal objetivo destas associações de inspiração nacionalista era derrube do


governo. A partir de meados de 1925, todas elas conspiravam abertamente através dos
seus órgãos de informação.
O governo estava definitivamente isolado e sem capacidade para enfrentar os constantes
ataques movidos, quer pela direita, quer pela esquerda. O problema do monopólio dos
Tabacos acentuou ainda mais o isolamento do
governo. Conservadores e republicanos da
esquerda unem-se nos seus ataques à polícia
governamental. A desordem instala-se dentro e
fora do Parlamento. A imprensa conservadora
aproveita a situação e faz uma intensa
campanha contra o governo. “O Século”

Figura 9, Action Française. Manifestação por publica, durante o mês de maio de 1926, vários
editoriais de Trindade Coelho, defendendo a
ocasião da celebração de Joana d'Arc em Paris..
constituição de um “governo nacional”.
Outros incitam o exército à revolta, enquanto intensificam as suas campanhas de
promoção de alguns militares capazes de chefiar o movimento revolucionário.
Igualmente, a imprensa da esquerda republicana critica fortemente o governo e anuncia
o seu fim próximo e incita à revolta.
O isolamento do governo é evidente e ninguém esconde o desejo de o derrubar.
Comungam de um mesmo objetivo integralistas, monárquicos, fascistas, católicos,
sindicalistas e republicanos da esquerda. Todas as forças da oposição se unem,
preparando e participando ativamente no derrube do Governo do Partido Democrático.

12
A instauração de um regime autoritário: a ditadura militar

Declaração de Gomes da Costa nas vésperas da revolução:

“Olhe bem para mim, então.

Olhe para mim; acha que o homem que nunca ninguém viu curvar-se diante das balas
inimigas, na África ou na França, ou em mais de trinta anos de vida militar, e através de
mais de trinta batalhas – acha que esse homem é capaz de conspirar? De se insinuar
retilineamente, de se ocultar apavoradamente, para caçar o adversário desprevenido? –
Amigo: eu não conspiro, revolto-me! Revolto-me com todo o Exército português em nome
da Pátria, ideal que servi sempre, por quem arrisquei cem vezes a vida, por quem tenho
passado alegremente as fomes e as sedes dos arcais africanos e os frios enregelados da
Flandres. Revolto-me!”

Programa da revolução de 28 de maio:

1. Revisão da Constituição, que manterá o regime proclamado em 1910 e


reconhecido pelas potências, mas introduzindo nela modificações tornadas
necessárias (…);
2. Reorganização dos serviços públicos e promulgação de leis que estabeleçam a
responsabilidade pessoal, tanto criminal como civil de todos os funcionários do
Estado;
3. Redução das despesas públicas;
4. Revisão da contabilidade e simplificação do regime fiscal;
5. Valorização das riquezas não utilizadas;
6. Reformas profundas dos métodos de ensino e de educação;
7. Independência da organização judiciária em relação ao Estado e rápida repressão
de crimes e delitos;
8. Transformação do regime colonial e desenvolvimento da produção das colónias;
9. Reorganização do Exército e da Marinha e aquisição do material moderno
indispensável;
10. Garantias invioláveis concedidas aos cidadãos em relação às suas vidas e seus
bens.

George Guyomard – La Dictature Militaire au Portugal, Paris, 1927, cit. In J.


Baptista, obra citada, pág. 50
13
O movimento militar de 28 de maio teve o
apoio de diversas forças políticas
conservadoras e republicanas. Os seus
preparativos haviam começado imediatamente
após o fracasso do golpe de 18 de abril de
1925. A direita, aproveitando a experiência
adquirida neste golpe fracassado, procura
Figura 10, Gomes da Costa e as suas tropas
aumentar a sua infiltração no exército. desfilam vitoriosos em Lisboa.

Simultaneamente reorganiza-se. Apresenta-se, contudo, dividida em dois grandes blocos


com táticas diferentes, o bloco republicano-conservador de Cabeçadas / Cunha Leal e o
bloco sidonista-monárquico de Sinel de Cordes. Este último revela se extremamente
cauteloso, não se comprometendo com nenhum partido ou fação política. Gozava de
grandes simpatias entre os oficiais mais jovens. Estes dois blocos contavam ainda no
seio, com inúmeras fações que se degladiavam mutuamente.

A partir de finais de 1925, os elementos destes dois grupos conspiravam abertamente. O


ministro da Guerra, José de Mascarenhas, mantém contactos com os seus conspiradores
de grupo de Cabeçadas, que lhe asseguram que o movimento militar em preparação é
totalmente republicano, não estando virado contra os partidos, mas contra a paralisia do
Parlamento. A partir de então, o Governo dá-lhe total liberdade de ação aos
“revolucionários”, acreditam que o grupo de Cabeçadas dominaria o movimento,
funcionando desta forma como um cavalo de Troia dos Democráticos.

Entretanto, os radicais do PRP continuavam a agir, independentemente dos restantes


conspiradores. Convencidos do fraco apoio do Governo, acreditavam que o regime
cairia com um simples “empurrão” pelo que bastaria o movimento militar de um
pequeno grupo de “corajosos”. Desta forma, Martins Júnior, figura destacada do PRP,
promove, a 2 de fevereiro de 1926, uma revolta militar com apenas dezenas de militares
da Escola Prática de Artilharia.

Os movimentos, facilmente dominado, teve reflexos na orientação do movimento


revolucionário. Os conspiradores convenceram-se, finalmente, que para derrotar o
Partido Democrático, embora enfraquecido, seria necessária a União de todos os

14
conspiradores. Todas as tentativas isoladas haviam falhado até ao
momento para o final. O grupo de Sines de Cordes havia falhado
em 18 de abril de 1925, apesar dos cuidados tidos na preparação
do golpe. O mesmo se verificara com as tentativas do grupo de
Cabeçadas Os radicais, em 19 de julho e de fevereiro,
respetivamente.

Uma vez tido a unidade entre os conspiradores, surge o problema


de chefia do movimento. Depois de várias hesitações, é escolhido
o General Alves Roçadas. Porém, este morre em 30 de abril e é Figura 11, General Gomes da Costa

substituído por Gomes da Costa (figura 11).

A maioria do exército, após algumas hesitações, decide apoiar o movimento


revolucionário ou mantém-se neutral.

O Governo, consciente da impossibilidade de vencer os revoltosos, tenta promover


Mendes cabeçadas. A Chefe de Movimento entrega lhe todos os poderes. Os
Democráticos e o Presidente da República confiam em Mendes, cabeçadas,
considerando o capaz de defender o regime republicano contra as forças da direita
envolvidas no 28 de maio. Desta forma, o Governo aceitou entregar lhe todos os
poderes sem organizar qualquer resistência. Assim, em 30 de maio, Mendes Cabeçada é
investido de todos os poderes constitucionais pelo Presidente da República, Bernardino
Machado.

Menos cabeçada comprometeu-se perante o Presidente da República a respeitar a


Constituição. Desta forma, o 28 de maio apresentava-se como um simples golpe
constitucional destinado a derrubar o governo dos Democráticos. Porém, a revolução
estava longe do seu fim. Sines de Cordes procura manobrar Gomes da Costa a fim de
afastar Cabeçadas da liderança do movimento. Gomes da Costa, ainda no Porto, recusa
as propostas de Cabeçada para a formação do novo governo e anuncia o seu propósito
de continuar a marcha para Lisboa. Entretanto, o Parlamento é dissolvido e Bernardino
Machado demite-se e entrega todos os poderes a Mendes Cabeçadas.

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Após várias tentativas fracassadas, Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa chegam a
acordo sobre a constituição do novo governo, que integrou todas as forças políticas que
participavam no 28 de maio, à exceção dos monárquicos. Cabeçadas assume a
Presidência e o ministério do Interior, Gomes da Costa ocupa as pastas da guerra e das
colónias, Carmona é colocada à frente dos Negócios Estrangeiros e Ezequiel de Campos
na agricultura. A Indústria, as Finanças e a Justiça são confiadas a figuras próximas dos
católicos, entre os quais sobressai Salazar.

A Constituição do primeiro governo saído da revolução, não satisfez o grupo de Sines


de Cordes, nem a direita do movimento, que se empenhou imediatamente no seu
derrube.
Em 19 de junho de 1926, Gomes da Costa obriga Mendes Cabeçada a admitir-se,
assumindo a Presidência do ministério. Salazar recusa envolver-se nas lutas políticas e
regressa a Coimbra. Gomes da Costa constitui um novo governo, menosprezando a
força política de Sines de Cordes e favorecendo os integralistas e os radicais.

Em 9 de julho, Sines de Cordes e Carmona obrigam Gomes da Costa a abandonar o


poder, fixando-lhe, posteriormente, residência nos Açores. É organizado, imediatamente
o novo governo, presidido pelo General Carmona. Sines de Cordes, continuava a ocupar
uma posição secundária, desempenhando as funções de Ministro das Finanças. Termina,
assim, a legalidade constitucional, pois Gomes da Costa nunca transmitiu os poderes
que localmente receber de Cabeçadas.
Instaura-se, desta forma, uma ditadura militar que ponha fim à Primeira República.

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Conclusão

Ao analisar as complexidades enfrentadas por Portugal no período pós-Primeira Guerra


Mundial, torna-se evidente que as dificuldades econômicas e sociais desempenharam
um papel crucial na configuração do destino político do país
A devastação econômica resultante do conflito global deixou Portugal em uma posição
frágil, exacerbando desigualdades sociais e criando um terreno propício para a ascensão
de ideologias autoritárias.
O descontentamento generalizado, aliado à incerteza econômica, tornou-se o terreno
fértil para a emergência de líderes carismáticos que prometiam estabilidade e
recuperação.
Assim, a instauração de um regime autoritário no país foi, em grande parte, uma
resposta às urgências do contexto histórico, uma tentativa de superar as adversidades
enfrentadas pela nação.
No entanto, é crucial compreender que esse período não pode ser simplificado apenas
como uma consequência inevitável das dificuldades do pós-guerra; é um capítulo
complexo que demanda análises multifacetadas para entender completamente suas
implicações e legados no desenvolvimento subsequente de Portugal.

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Bibliografia
 https://arquivos.rtp.pt/conteudos/revolta-do-28-de-maio-de-1926/, consult.
27/nov/2023;
 https://www.presidencia.pt/presidente-da-republica/a-presidencia/antigos-
presidentes/manuel-gomes-da-costa/, consult. 27/nov/2023;
 FORTES, Alexandra; GOMES, Fátima; FORTES, José. Novas Linhas de
História 12. 1ª edição. Unidade Industrial da Maia: Areal Editores, 2023;
 COUTO, Célia; ROSAS, Maria Antónia. O Tempo da História: 1ª parte. 1ª
edição. Unidade Industrial da Maia: Porto Editora, 2013;
 Da Primeira República à Queda do Estado Novo; Edições SEBENTA.

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