Você está na página 1de 4

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


Revista dos Tribunais | vol. 911 | p. 709 | Set / 2011 | JRP\2011\3505

TJSP - Ap 0030949-07.2010.8.26.0309 - 6.ª Câmara de Direito Privado - j. 14/7/2011 -


v.u. - rel. Percival Nogueira - Área do Direito: Civil; Processual
ADOÇÃO - Revogação - Inadmissibilidade - Pretensão de desconstituição do
vínculo adotivo para que o adotado possa se casar com a filha biológica do
adotante - Ato jurídico que é irreversível, ainda que haja concordância das
partes envolvidas - Segurança jurídica, na manutenção do vínculo adotivo, que
se sobrepõe ao interesse particular.
Ementa Oficial: Adoção - Pretendida revogação formulada pelo adotado,
fundamentada na intenção de contrair matrimônio com a irmã de criação, filha
biológica do adotante, o qual anuiu o pedido - Sentença que reconheceu a
impossibilidade jurídica do pedido e extinguiu o feito sem resolução do mérito -
Inviabilidade de acolhimento da pretensão, que encontra óbice no ordenamento
jurídico vigente - Ato irrevogável, na conformidade com o art. 48 do ECA e art.
227, §§ 5.º e 6.º, da CF/1988 - Transitada em julgado a decisão que concedeu a
adoção, o ato se torna imutável - Adoção que produziu seus efeitos, que não
podem ser apagados - A função social do instituto da adoção, que merece
tratamento especial a conferir segurança jurídica ao ato, não recomenda abrir
precedente de revogabilidade por conta da casuística, em razão dos efeitos e
reflexos que poderia advir - Interesse particular que não pode prevalecer sobre
o coletivo - Recurso desprovido.
ApCiv 0030949-07.2010.8.26.0309.
Comarca: Jundiaí.
Apelante: R. A. M.
Apelado: o Juízo.
ACÓRDÃO
- Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ap 0030949-07.2010.8.26.0309, da
Comarca de Jundiaí, em que é apelante R. A. M. (Justiça gratuita) sendo apelado Juízo
da Comarca.
Acordam, em 6.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, proferir a seguinte decisão: "negaram
provimento ao recurso. Fará declaração de voto convergente o revisor, des. Paulo
Alcides. V.u.", de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Paulo Alcides (pres.) e Roberto
Solimene.
São Paulo, 14 de julho de 2011 - Percival Nogueira, relator.
Voto 13.108.
Trata-se de recurso de apelação (f.) tempestivamente interposto por R.A.M., contra a r.
sentença de f., cujo relatório se adota, que reconheceu juridicamente impossível o
pedido de revogação de adoção formulado pelo adotado com anuência do adotante, e
julgou extinto o feito com supedâneo nos arts. 267, VI, e 295, III, do CPC ( LGL
1973\5 ) .
Persegue a revogação aduzindo que o justo motivo que fundamentou o pedido
merece especial análise e consideração, uma vez que iniciou convivência
amorosa com filha biológica do pai adotante e pretende com ela constituir
família, circunstância que só pode ser alcançada com a revogabilidade da
adoção.

    Página 1
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Sustenta que, em prevalecendo a r. decisão combatida, estariam vivendo na


ilegalidade, à margem da sociedade, com repercussão negativa na formação
familiar, registro de filhos e na fé que professam, fazendo-se imperiosa a
regularização da situação de fato para a formalização do casamento.
Assevera que tanto seus pais biológicos como o adotante não se opõem ao
pedido; e que inexistirá prejuízo a qualquer dos envolvidos.
Nota do Editorial de Jurisprudência. Após a Lei 12.010/2009, a irrevogabilidade do
vínculo adocional, que constava do art. 48 do ECA ( LGL 1990\37 ) , passou a integrar o
§ 1.º do art. 39 do Estatuto.
Defende que a vedação legal à revogação da adoção não pode ser entendida
como absoluta, referindo-se a decisões proferidas na conformidade com a
peculiaridade de casos especiais.
Alude ao tratamento dado à matéria pela 4.ª T. do C. STJ, que conferiu a revogação
fundamentada no art. 374 do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) , e busca amparo à pretensão no
direito comparado (f.).
O recurso foi recebido em seus regulares efeitos (f.).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento (f.).
É o relatório.
Inviável o acolhimento da pretensão recursal, na medida em que outro não poderia ter
sido o desfecho dado à causa.
Conquanto relevante o motivo que ensejou o pedido de revogação, a pretensão
encontra óbice no ordenamento jurídico vigente.
Desde os tempos mais remotos a humanidade busca propiciar ao ser humano um núcleo
familiar, assumindo relevante função a figura da adoção, através da qual, promovia-se a
inserção de um estranho no seio da família na condição de filho, independente da
existência de relação biológica. O instituto já era utilizado no Código de Manu, no Código
Hamurabi e no Direito Romano.
No direito pátrio, prevista desde as ordenações Filipinas, a adoção foi inicialmente
disciplinada pela Lei 4.655/1965 e posteriormente pelo Código de Menores e Código Civil
( LGL 2002\400 ) , até a entrada em vigor da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , que excluiu as
discriminações até então existentes; com posterior e especial tratamento que passou a
ser dispensado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual regulamentou a
matéria, fazendo prevalecer como bem maior o interesse da criança e do
adolescente, afastando qualquer tipo de constrangimento aos filhos adotivos, e
tornando-a irrevogável (39 p. 1).
A adoção passou a ser vista como um instituto de ordem pública. É um ato
jurídico que cria relações de paternidade e filiação, independente de relação de
parentesco consanguíneo, capaz de produzir efeitos pessoais e patrimoniais. O
filho adotivo passa a gozar dos mesmos direitos que os filhos biológicos.
Caio Mário da Silva Pereira citando Ludovic Beauchet, em Instituições de direito civil, vol.
V, Direito de família, p. 407.
Art. 227, §§ 5.º e 6.º, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) .
Arts. 39 a 52.
Buscando solidificar o instituto como instrumento legal de garantia familiar e conferir
segurança jurídica às partes, em especial ao adotando para ver perpetuar os laços de
forma segura, o Estatuto da Criança e do Adolescente ( LGL 1990\37 ) estatuiu
expressamente no art. 48 que: "A adoção é irrevogável".

    Página 2
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Aliás, dada a importância e reflexos nos anseios e aspirações da sociedade, o Código


Hamurabi (1718-1686 a.C.) já mencionava a adoção como irrevogável.
Como ato jurídico irreversível, o adotado passará a pertencer definitivamente à família
do adotante.
Nem a morte deste restabelecerá o poder familiar dos pais biológicos (arts. 1.626 do
CC/2002 ( LGL 2002\400 ) e 49 do ECA ( LGL 1990\37 ) ).
Assim, uma vez transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção, o ato torna-se
imutável, descabida a sua revogação, ainda que acordes as partes, cabendo apenas a
nulidade na observância de algum vício a macular o procedimento.
Também o § 2.º do art. 1.621, do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) , ao tratar do
consentimento dos pais ou representantes legais, prevê que este consentimento é
passível de revogação até a sentença constitutiva da adoção, declarando os efeitos
constitutivos do ato a partir do trânsito em julgado.
Frise-se que os pais adotantes poderão até perder o direito do pátrio poder se ocorrer a
quebra dos deveres inerentes ao exercício da paternidade, e os adotados estão sujeitos
às penas da indignidade e deserdação previstas no Código Civil ( LGL 2002\400 ) .
Mesmo assim, não ocorrerá a revogação da adoção.
Doutro lado, não socorre ao apelante o julgado que revogou adoção na
excepcionalidade, respaldado no art. 374 do CC/1916 ( LGL 1916\1 ) . Primeiramente
porque o antigo art. 374, que não encontra correspondência no Código Civil ( LGL
2002\400 ) atual, cuidava de adoção por escritura pública prevista antes do Estatuto da
Criança e do Adolescente ( LGL 1990\37 ) , e a adoção em comento foi regulamentada
pelo Estatuto em questão. Subsiste até mesmo dúvidas quanto a revogação do antigo
dispositivo após a Constituição Federal de 1988, porquanto se mostra contrário à norma
constitucional.
A nobreza do instituto da adoção, descrita por Maria Helena Diniz como "uma medida de
proteção e uma instituição de caráter humanitário", sobreleva os valores da dignidade
humana à vista da nociva situação de abandono de menores, e, por isso, reclama olhar
de proteção especial.
Cachapuz, Rozane da Rosa. Da importância da adoção internacional. In: Leite, Eduardo
de Oliveira (coord.). Grandes temas da atualidade - Adoção. Rio de Janeiro: Forense,
2005. 283.
Nota do Editorial de Jurisprudência. Os arts. 1.620 a 1.629 do CC/2002 ( LGL
2002\400 ) foram revogados pela Lei 12.010/2009.
Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 484.
Cediço e consabido ainda que com a adoção haverá completa ruptura com a
família biológica (art. 1.626 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) ), e todos os direitos
e obrigações dela decorrentes (poder familiar, alimentos recíprocos, direitos
sucessórios etc.), desaparecendo os ânticos laços familiares.
Abrir-se precedente para a revogabilidade da adoção em hipóteses
excepcionais ou mesmo peculiares como a presente, implicaria em ( sic) afastar
a segurança jurídica solidificada com as normas que regem o instituto, em
prejuízo de toda a sociedade.
Se admitirmos que a casuística permite a revogação, o caráter de irrevogabilidade não
mais prevalece. Fácil concluir que essa realidade permitiria a formulação dos mais
diversos pedidos com diferentes fundamentações, deixando a figura do adotado
completamente abandonado e desprovido de qualquer vínculo de parentesco, já que
aquele outro foi rompido. Há que se ressaltar os efeitos dramáticos e devastadores de
uma adoção desfeita, principalmente quando se tratar de uma criança.

    Página 3
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

In casu, a adoção do apelante produziu seus efeitos, que não podem ser apagados.
Demais disso, não se pode excepcionar a questão com a revogação, atribuin-
do-se a culpa pela situação experimentada unicamente à "impossibilidade do
legislador prever todas as situações criadas na vida em sociedade". Afinal, o
que normalmente se espera de um ato de adoção, é que todos os filhos do
núcleo familiar sejam criados como irmãos, sem diferenciação em relação a
consanguinidade. Poderíamos afirmar que houve eventual erro de criação, ou
que a questão também se situa no âmbito da casuística? Uma vez que foge à
normalidade do comportamento social esperado, impossível especificar, assim
como inviável se torna o amparo jurídico pretendido.
Logo, o interesse particular não pode prevalecer sobre a função social da lei. criada para
atender o interesse coletivo da sociedade.
Evitar precedente que admita a revogação da adoção realizada na conformidade com as
disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente ( LGL 1990\37 ) , torna-se medida
imperativa.
Nessa ordem de ideias, agiu com escorreito acerto a magistrada ao reconhecer a
impossibilidade jurídica do pedido, que encontra impedimento na legislação que rege a
matéria.
Ante ao exposto, pelo meu voto se nega provimento ao recurso.
JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, relator.
Art. 5.º da LICC ( LGL 1942\3 ) : "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum".

    Página 4

Você também pode gostar