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 Quem lê “Memorial do Convento”, enriquece-se com uma obra impulsionadora do

campo narrativo histórico. Este livro, cujo escritor, José Saramago, é o único do
Nobel da Literatura português, é direcionada para o ensino secundário, e
certamente não foge ao eleito tema do ‘solitário que enfrenta a autoridade’
frequente nas obras deste autor. Com cerca de 50 edições, falo de um romance
reconhecido internacionalmente e traduzido em mais de 20 línguas – até foi
adaptado numa ópera de Azio Corghi, criada na Scala de Milão em 1990, entitulada
Blimunda.
 A narração, feita de forma cronológica, que decorre em pleno século XVIII (1717-
1739) no tempo da inquisição, começa com o rei D. João V e sua esposa D. Maria
Ana Josefa, casados à mais de 2 anos, mas que ainda não tinham conseguido
conceber um filho. Dormiam então juntos todos os dias, até o rei não suportar
mais o cheiro daquele cobertor italiano que a rainha insistia em usar para se
proteger do frio. D. Maria Ana Josefa era muito religiosa, e confessou perante Frei
Antônio de São José, franciscano, que estava finalmente grávida – ele serviu-se
desta informação para ‘criar’ uma profecia em que Deus iria conceber ao rei um
herdeiro, se ele mandasse construir um Convento em Mafra, e assim disse o rei
que seria feito. Envolvidos na construção haviam pobres e operários, entre os
quais Baltazar Sete-Sóis (que veio maneta da Guerra da Sucessão Espanhola) e seu
irmão, que infelizmente morreu após cair de uma janela naquelas obras. No auto
de fé de Sebastiana Maria de Jesus, Baltazar fixa os olhos em Blimunda Jesus
(mulher com o dom de ver o interior das pessoas, que captava as vontades das
pessoas doentes e filha da acusada) e os dois apaixonam-se loucamente. Eles
conhecem Bartolomeu de Gusmão, um padre cujo maior desejo é voar, que os
casa e Blimunda torna-se “Sete-Luas”; ajudam-no com a máquina voadora, a
Passarola - sendo que as vontades (“nuvens abertas” ou “nuvens fechadas”)
captadas por Blimunda serviam de combustível para que ela voasse. Porém, a
Inquisição vai atrás deste padre e acusado de bruxaria, foge para Toledo, Espanha,
mas é capturado e morto posteriormente. Igualmente acusados estão Blimunda e
Baltazar, que se escondem num arbusto em Monte Junto. Mas um dia, quando
tratava da máquina, Baltazar fica preso a um dos cabos que impede o voo da
passarola. O cabo arrebenta, a aeronave vai aos ares e depois despenha; a
Inquisição consegue apanhar Baltazar. Sem saber o paradeiro do amado, Blimunda
o procura por nove anos. Durante um auto de fé, ela reconhece Baltazar a caminho
da fogueira, condenado por bruxaria. Quando está prestes a morrer, a vontade de
Baltazar solta-se do corpo e é recolhida no peito da sua amada Blimunda.
 José Saramago não poupou no uso da ironia por toda a obra. Mesmo que lidar com
situações recorrentes e repressivas de uma sociedade de pleno século XVIII seja
por si só obra, torna-se muito difícil manter a concentração e excitamento iniciais
de capítulo em capítulo, especialmente quando estes atos impróprios são descritos
em pormenor acompanhados de notas críticas do próprio autor – é
desencorajador. O romance de Baltazar e Blimunda é o que permite refrescar a
mente e coração daquele início menos ‘confortável’, e estende-se por todo o livro
como pilar de motivação, como ‘luz’ no meio de tantos acontecimentos
simultâneos, na grande maioria de desalento, cujo apogeu se alcança no fim
terrível e injusto.
 Mas não deixa de o ser, aliás, é sem dúvida um livro de referência, de aum autor
de referência português, em que o grande património é o Convento de Mafra –
que tem uma das mais bonitas bibliotecas do mundo.

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