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Nº 3036 /2014 – ASJCIV/SAJ/PGR

Suspensão de Segurança 4.879/SP


Relator: Ministro Presidente
Requerente: Estado de São Paulo
Requerido: Juiz de Direito da 14ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de
São Paulo

Agravo Regimental. Suspensão de segurança. Teto constitucional.


Acumulação de proventos de aposentadoria com valores de pensão
por morte de cônjuge. Fatos geradores diversos. Não incidência de
teto. Lesão à ordem jurídica não evidenciada.
O teto constitucional aplica-se a parcelas de natureza remu-
neratória, incidindo, portanto, sobre valores pagos ao servi-
dor como contraprestação pelos serviços prestados à
Administração Pública.
No caso de acumulação de proventos com pensão por
morte, a garantia da isonomia e da moralidade na Adminis-
tração não são afetadas pelo pagamento de valor pecuniário
decorrente de título distinto de qualquer liame funcional
do servidor com o poder público.
Os proventos decorrentes do exercício de cargo público e a
pensão por morte devem ser individualmente considerados
para fins de incidência do teto constitucional, de forma que
seja protegida a continuidade dos ganhos mensais de deter -
minado núcleo familiar
Parecer pelo provimento do agravo regimental e indeferi-
mento do pedido de suspensão de segurança.

Trata-se de agravo regimental contra decisão que deferiu pe-


dido para suspender a execução da sentença proferida no mandado
de segurança 0010122-59.2013.8.26.0053, por entender configu-
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rada a grave lesão sustentada pelo ente público., nos seguintes ter -
mos:

No caso concreto em análise, discute-se a incidência do teto


sobre o valor resultante da soma dos proventos com pensão
por morte.
A Presidência deste Supremo Tribunal Federal já se manifes-
tou sobre pedidos análogos ao presente. As decisões proferi-
das, mantidas pelo Pleno, foram no sentido da existência da
grave lesão sustentada pelo ente pública (SS 3.364-AgR, rel.
Min. Ellen Gracie, Dje 04.04.2008; STA 371-AgR, rel. Min.
Gilmar Mendes, Dje 07.05.2010; STA 508, rel. Min Cezar
Peluso, Dje 21.03.2011).
Cumpre notar que a incidência do teto remuneratório sobre
a soma dos proventos e da pensão por morte possui reper-
cussão geral (RE 602.584-RG, rel. Min. Marco Aurélio, Dje
25.02.2011).
A possibilidade de execução imediata e o potencial multipli-
cador da decisão são circunstâncias que afirmam a presença
dos requisitos autorizadores da medida pleiteada.

Nas razões de agravo, a servidora pública aposentada e pensi-


onista – interessada no presente feito – sustentou que: i) nas hipó-
teses de acumulação de proventos (de aposentadoria ou pensão)
com vencimentos, as parcelas devem ser consideradas de forma
isolada para fins de abatimento do teto; ii) apresenta-se inconstitu-
cional impor-se teto ou subteto às acumulações constitucional-
mente permitidas; iii) não há grave lesão à ordem pública, pois a
decisão impugnada atinge um pequeno número de servidores,
quais sejam, agentes fiscais de rendas de São Paulo aposentados e
são beneficiários de pensão por morte.

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Esses os fatos de interesse, vieram os autos à Procuradoria-


Geral da República para parecer.

Preliminarmente, a matéria discutida no mandado de segu-


rança originário evidencia a competência do Supremo Tribunal
Federal para examinar o presente pedido de suspensão. O seu fun-
damento é de índole constitucional, uma vez que envolve a inter-
pretação e aplicação do art. 37, XI, da Constituição, com a redação
introduzida pela Emenda Constitucional 41/2003, e princípios
constitucionais do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da
irredutibilidade de vencimentos.

O deferimento dos pedidos de suspensão de segurança, de li-


minar e de antecipação de tutela tem caráter sabidamente excepci-
onal, sendo imprescindível perquirir a potencialidade de a decisão
concessiva ocasionar lesão à ordem, segurança, saúde e economia
públicas, não cabendo nesta sede, em princípio, a análise do mé-
rito.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que é possível um ju-


ízo mínimo acerca da matéria de fundo analisada na origem, para
concluir-se pela viabilidade ou inviabilidade da contracautela, con-
forme se extrai da Suspensão de Segurança 1.272, relatada pelo
Ministro Carlos Velloso (DJ de 19/5/98).

De forma reiterada, a Presidência do Supremo Tribunal Fede-


ral tem proclamado, acertadamente, que o afastamento das disposi-

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ções da Emenda Constitucional 41/2003, referentes ao teto remu-


neratório, ofende a ordem pública em sua acepção jurídico-consti-
tucional. Nesse sentido: SS 3.120, DJ de 15/3/2007; SS 2.916, DJ
de 16/5/2006 e SS 3.025, DJ de 19.12.2006, todas da relatoria da
Ministra Ellen Gracie, e SS 2.434, DJ de 18/8/2004, SS 2.351, DJ
de 12/8/2004 e SS 2.899, DJU de 30/6/2006, da lavra do Minis-
tro Nelson Jobim.

De ressaltar, no entanto, que a situação dos autos não se en-


quadra no entendimento fixado nos precedentes citados, pois trata
da incidência do teto remuneratório sobre o somatório de duas
verbas com fatos geradores diversos: i) a prestação de serviço pela
interessada, que deu ensejo aos proventos de aposentadoria, e ii) a
morte do cônjuge da interessada, fato gerador da pensão por
morte.

O art. 9º da Emenda Constitucional 41/2003 determina a


imediata redução das espécies remuneratórias destoantes da previ-
são constitucional, por ofensa ao direito adquirido, nos seguintes
termos:

“Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposi-


ções Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remune-
rações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e
empregos públicos da administração direta, autárquica e fun-
dacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos de-
tentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e

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os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória perce-


bidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pesso-
ais ou de qualquer outra natureza.”]

O art. 37, XI, da Constituição, na redação dada pela Emenda


Constitucional 41/2003, assim dispõe:

“XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos,


funções e empregos públicos da administração direta, autár-
quica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes po-
líticos e os proventos, pensões ou outra espécie remunerató-
ria, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não pode-
rão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos
Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Dis-
trito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito
do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e
Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos
Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio
mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe-
deral, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos
membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos De-
fensores Públicos;”.

Transparece do texto constitucional que o teto aplica-se a


parcelas de natureza remuneratória, ou seja, aos valores pagos ao
servidor como contraprestação pelos serviços prestados à Adminis-
tração. Coerente com esse sentido está a doutrina de José Afonso
da Silva a respeito do que se compreende como remuneração:

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“Hoje se emprega o termo ‘remuneração’ quando se quer


abranger todos os valores, em pecúnia ou não, que o servi-
dor percebe mensalmente em retribuição de seu trabalho.”
(Curso de Direito Constitucional Positivo, 33ª ed., Malheiros
Editores, 2010, p. 685).

Com a mesma orientação, transcrevem-se as lições de José


dos Santos Carvalho Filho:

“Remuneração é o montante percebido pelo servidor pú-


blico a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias. É,
portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que
faz jus, em decorrência de sua situação funcional.” (Manual
de Direito Administrativo, 24ª ed., Lumen Juris, 2011, p.
673).

Esclareça-se que a referência constitucional aos proventos e


pensões como submetidos ao limite remuneratório há que ser
compreendida como restrita às situações em que seja possível a
identificação do vínculo jurídico entre o servidor e o Estado.

Esse entendimento, aliás, justifica-se também pela própria fi-


nalidade do teto constitucional, voltado à garantia da isonomia e
da moralidade na Administração, em nada afetadas, a toda evidên-
cia, pelo pagamento de valor pecuniário decorrente de título dis-
tinto de qualquer liame funcional do servidor com o poder
público.

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Na ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral


25.129/GO pelo Tribunal Superior Eleitoral, assentou o Ministro
Carlos Ayres Britto:

É que a pretensão da União, ora recorrente, esbarra no en-


tendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que, no cál-
culo do limite remuneratório constitucional a ser aplicado
na percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou pro-
ventos, com pensão decorrente de falecimento de cônjuge
ou companheiro, 'as verbas deverão ser consideradas
individualmente, por se originarem em fatos gerado-
res diversos, inclusive aquelas pagas pelo Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, viabilizadas resti-
tuições das retenções anteriormente efetivadas' (grifei
- PA n° 19.458/DF, rei. Min. Cezar Peluso). Em outras pala-
vras, na linha da jurisprudência desta Corte Eleitoral, não há
óbice algum a que a soma dos valores percebidos a título de
pensão por morte e de aposentadoria ultrapasse o teto cons-
titucional, ainda que seja paga pela mesma pessoa jurídica de
direito público.
Convergentemente, é como entende o Conselho Nacional
de Justiça, bem como o Tribunal de Contas da União, res-
pectivamente, verbis:
Art. 2º Estão sujeitas aos tetos remuneratórios previstos no
art. 1º as seguintes verbas:
[...]
Parágrafo único. Para efeito de percepção cumulativa de sub-
sídios, remuneração ou proventos, juntamente com pensão
decorrente de falecimento de cônjuge ou companheira(o)
observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como
teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considera-
dos individualmente. (Parágrafo acrescentado pela Resolução
n° 42 - DJ 14.09.2007)' (grifei - artigo 2o da Resolução n°
14/2006).

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'Consulta. Percepção simultânea de benefício de pensão com


remuneração de cargo efetivo ou em comissão e de benefí-
cio de pensão com proventos de inatividade. Conhecimento.
Resposta no sentido de que não incide o teto constitucional
sobre o montante resultante da acumulação de benefício de
pensão com remuneração de cargo efetivo ou em comissão,
e sobre o montante resultante da acumulação do benefício
de pensão com proventos da inatividade, em face do que
dispõem os arts. 37. XI (redação dada pela Emenda Consti-
tucional n° 41/2003). e 40. § 11. da Constituição Federal
(redação dada pela Emenda Constitucional n° 20/1998). Ci-
ência da deliberação à autoridade consulente. Arquivamento'
(grifei – Consulta n° 2.079/2005, rei. Min. Ubiratan
Aguiar).
Penso que tal entendimento é o que melhor reflete a pró-
pria natureza jurídica da pensão por morte, destinada, como
sabido, a assegurar tanto quanto possível a continuidade dos
ganhos mensais de um dado núcleo familiar. Impedindo
acentuados desfalques, portanto, no padrão de rendimentos a
que se habituara um dado núcleo doméstico. Núcleo do-
méstico para cuja sustentação econômico-financeira habitual
concorria, de fato, o ganho mensal da pessoa que veio a fale-
cer. Donde a compreensão de que investimentos, dívidas e
despesas normalmente programadas a partir da renda global
doméstica ficariam severamente comprometidos com o des-
falque dos ganhos mensais do membro familiar falecido. So-
mando-se, então, e por modo perverso, a definitiva perda
afetiva de tal membro e a queda do padrão de vida dos fami-
liares remanescentes.” (TSE. RESPE 25.129/GO. Tribunal
Pleno. Relator o Ministro Caputo Bastos. DJe de 3.11.2009,
destaque em negrito não é do original).

Por fim, registre-se que o tema discutido é relevante e foi in-


cluído na sistemática da Repercussão Geral a partir do RE

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602.584/DF. Aguarda, portanto, pronunciamento da Suprema


Corte quanto ao mérito da questão.

A Procuradoria-Geral da República concorda, contudo, com


o entendimento fixado no Recurso Especial Eleitoral
25.129/GO, que deu origem ao citado recurso extraordinário, es-
pecialmente com o argumento de que os proventos decorrentes
do exercício de cargo público e a pensão por morte devem ser in-
dividualmente considerados com o fim de proteger a continuidade
dos ganhos mensais de determinado núcleo familiar.

Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República


pelo provimento do agravo regimental para julgar improcedente o
pedido de suspensão.

Brasília (DF), 7 de maio de 2014.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros


Procurador-Geral da República

CPS/JCCR

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