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Advogado (OAB-MA), Pós-doutorado em Direito
Edmilson Jatahy Fonseca Júnior Nilza Reis Mestre em Direito Constitucional no Instituto
PPGDIR/UFMA, Doutor em Políticas Públicas
Brasiliense de Direito Público - IDP, em Brasília-
pela Universidade Federal do Maranhão (2016),
Gerson de Oliveira Costa Filho Marcio Luiz Coelho de Freitas -DF (2014), Doutorando em Ciências Jurídicas –
Volume 1
São Luís
2021
Copyright © 2021 by Escola Superior da Magistratura do Estado do Maranhão
AGRADECIMENTOS
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DIREITOS HUMANOS E FRATERNIDADE
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VOLUME I
APRESENTAÇÃO
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DIREITOS HUMANOS E FRATERNIDADE
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PREFÁCIO
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1. INTRODUÇÃO
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579. Em sentido divergente, Gustin e Dias (2015, p. 8-9) utilizam o termo metodologia monográfica,
que significa pesquisa elaborada a partir de uma visão unidisciplinar, contrárias às modernas ten-
dências de produção do conhecimento a partir da transdisciplinaridade. No presente texto refere-se
a recorte monográfico, que é uma opção metodológica de máxima especificação do objeto a ser
pesquisado, buscando-se a especialização da temática.
580. Entendimento tributário da filosofia pragmática desenvolvida por Dewey (2018), para quem a
todo saber teórico deve corresponder a uma possibilidade prática para sua aplicação.
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políticos, sempre foi atribuída uma maior carga discursiva legitimadora, como
valores a serem atingidos, se configurando, pois, como meio e fim de lutas
incessantes, enfim, liberdade e igualdade sempre foram protagonistas, quanto
à fraternidade, bem..., é uma outra história.
Nesse contexto, importante relembrar que se passaram quase dois séculos
do grito revolucionário por liberdade, igualdade e fraternidade para, somente
após os graves problemas advindos da Segunda Grande Guerra, a França, em
sua nova ordem constitucional inserir, no preâmbulo de sua Magna Carta, a
determinação por fraternidade584 .
Na mesma trilha, com o advento da Declaração Universal dos Direitos do
Homem (1948), esta proclama, em seu artigo primeiro, que todos os homens
“são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros
com espírito de fraternidade”.
De ambos os documentos, uma característica eflui de modo muito claro:
a permanência, pois, da indefinição acerca do real significado de tal palavra
inserida nestes mandamentos e, assim, do mesmo modo que a expressão frater-
nidade, integrante da Constituição Francesa de 1946, localizada no preâmbulo
– como aspiração constitucional, frise-se –, também ficou condenada à indi-
ferença a previsão contida na declaração da Organização das Nações Unidas.
Mais recentemente, em 1988, no Brasil, o legislador constitucional pátrio
inseriu no preâmbulo da Carta Magna o reconhecimento de que a sociedade
brasileira é uma sociedade fraternal (BRASIL, 1988).
No entanto, não obstante um intervalo de mais de dois séculos, o conceito
de fraternidade continuou ignorado e relegado a um segundo plano, o que
fez com que parte da doutrina o considerasse um princípio esquecido, que
somente parece ter voltado ao protagonismo por ocasião das comemorações
do bicentenário da Revolução Francesa585.
584. Franco (1986) chama atenção para o fato de que, até hoje, há muita divergência doutrinária
este posicionamento, haja vista que a inserção do princípio da fraternidade no preâmbulo na Cons-
tituição francesa, sob o ponto de vista jurídico-formal, não o colocou no texto constitucional, mas
serviu como norteador da evolução jurídica em determinado contexto jurídico-político, sendo pois,
considerado normativo por muitos, dando amparo jurídico a decisões judiciais e administrativas que
lhes atribui a força de normas de direito.
585. Assim, Baggio (2013, p. 35), para quem não existe nem mesmo definição em dicionários po-
líticos sobre o significado da palavra fraternidade, chamando atenção pra o fato, segundo o qual,
enquanto os princípios e deveres da igualdade e da liberdade tiveram grande evolução a partir de
1789, se constituindo como categorias políticas experimentadas e verdadeiras, figurando, de forma
expressa, como princípios legais nas Constituições de muitos países, isso não ocorreu em relação
ao princípio da fraternidade.
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Sobre a indiferença, não apenas para conceituar, mas também para a imple-
mentação da almejada fraternidade, Fonseca (2019, p. 34) considera ter havido,
na verdade, um “eclipse” do ideal fraterno e seus corolários nas disciplinas
políticas, e dificuldades na realização prática desse princípio, em intensidade
idêntica ao que ocorreu com a liberdade e a igualdade.
Nessa senda, a luta por liberdade em todas as suas vertentes, seja liberdade
de expressão, de ir e vir, de autodeterminação, liberdade sexual, assim como
a busca por igualdade, mormente a igualdade de direitos, sempre dominaram
de forma mais efetiva as preocupações do homem moderno, não obstante, a
sua efetivação ainda possa ser contestada, mesmo em Estados Democráticos
de Direitos.
A luta por liberdade e igualdade, portanto, tem sido de permanente preo-
cupação e grupos da sociedade têm se mobilizado para conseguir avanços que
não podem ser desconsiderados. O mesmo, entretanto, não se pode dizer em
relação ao terceiro componente da tríade: a fraternidade586.
É possível que a causa do esquecimento na efetivação da fraternidade como
direito fundamental deva-se ao fato de o vernáculo possuir uma forte conotação
de fundo religioso, como podemos encontrar em diversos versículos dos livros
bíblicos, a exemplo do texto contido em Romanos: “Não fiquem devendo nada
a ninguém, a não ser o amor mútuo. Pois quem ama o próximo cumpriu ple-
namente a Lei. De fato, os mandamentos: não cometa adultério, não mate, não
roube, não cobice, e todos os outros se resumem nesta sentença: ‘Ame o seu
próximo como a si mesmo’. O amor não pratica o mal contra o próximo, pois
o amor é o pleno cumprimento da Lei” 587 (BÍBLIA SAGRADA, 1991, p. 1389).
Como que fortalecendo a conotação religiosa, é sabido que a Igreja Católica
Brasileira possui uma grande campanha com fins de promover a fraternidade
e solidariedade entre seus fiéis, o que serve para reforçar a profunda ligação
de cunho religioso para com o vocábulo588.
586. Nessa perspectiva, Fonseca (2019, p. 145), baseado no HC 391.501/SP, de sua própria relatoria,
chama atenção para o fato, segundo o qual, o princípio da fraternidade é uma categoria jurídica,
sendo seu resgate de suma importância, considerando a complexidade dos problemas estruturais
ainda hoje existentes.
587. Sobre a implicação teleológica contida no termo fraternidade é importante conhecer o pen-
samento de Lubich (2007) fundadora do Movimento denominado Focolares, que com a cultura da
fraternidade busca uma forma de harmonizar a vida em sociedade, ao considerar que ser fraterno
é ver o outro como irmão, sendo a fraternidade um sentimento transformador capaz de produzir
profundas mudanças, seu pensamento, no entanto, ultrapassa o plano religioso ao entender que as
ações fraternas, altruístas, harmoniosas, podem gerar soluções em diversos campos e aspectos da
vida humana.
588. A CNBB promove há mais de 50 anos a Campanha da Fraternidade, cujo objetivo é envolver
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toda a comunidade católica para, solidariamente, buscar soluções e auxiliar aos mais necessitados.
Neste ano de 2020 o lema é: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele (LC 10.33-34)” , lema que, indis-
cutivelmente, remete a um sentido de afetividade e fraternidade para com o próximo, a quem você
deve cuidar, amar e dele compadecer-se. Rousseau (2004, p.121), ainda no Século XVIII, ressaltava
que no Cristianismo os homens se reconhecem todos por irmãos, pois são filhos do mesmo Deus e
estão unidos em sociedade que nem mesmo a morte põe fim, o que pode vir a explicar a inserção do
princípio da fraternidade no ideário da Revolução Francesa.
589. Nesse mesmo sentido é como considera Gorobets (2020 p.1) com relação a solidariedade,
que a seu juízo pode, muitas vezes, ser entendida de diferentes formas, dependendo seu significado
do contexto em que utilizada, dai, a dificuldade de dar, igualmente a este vocábulo, uma definição
abrangente, fato este que a torna um conceito nebuloso com riscos de que possa ser utilizada de forma
diversa em instancias distintas. Assim sendo, é interessante diferenciarmos o significado dos termos
solidariedade e fraternidade: para Houaiss e Villar (2001, p. 2602) solidariedade “é o compromisso
pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas” enquanto fraternidade é
“amor ao próximo”, “harmonia e união entre aqueles que vivem em proximidade ou que lutam pela
mesma causa” (HOUAISS e VILLAR, 2001, p. 1.388), não há como deixar de considerar que ambas as
palavras possam ser utilizadas como sinônimos, não obstante, em se tratando de direito internacional
a palavra solidariedade seja a mais aplicada.
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Fonseca (2019, p. 34), por sua vez, não categoriza expressamente o princí-
pio em estudo como direito de terceira dimensão, tendo uma percepção mais
altruística do mesmo, não se afastando, salvo melhor juízo, do significado
com cunho religioso e compartimentalizado, defendendo expressamente a
ideia de que deve ser repensada a possibilidade de fortalecimento da frater-
nidade na esfera pública, no âmbito da cultura brasileira, de modo a que se
possa depreender do conceito deste princípio a noção de responsabilidade e
não-indiferença para com o outro e, por esta via, que sejam passíveis de ope-
racionalização na sociedade e, consequentemente, fundamentem a existência
política por intermédio da ética da alteridade.
Do exposto, é possível depreender que, independente do significado de
cunho aparentemente religioso que possa conter, a fraternidade contida no
preâmbulo de nossa Constituição Cidadã é também princípio constitucional,
e como tal, não pode ser ignorado ou esquecido, sendo o seu resgate, também,
tarefa para os operadores do direito, não lhes sendo permitido esquecer que
em, se tratando de fraternidade, no sentido jurídico, esta deve estar alinha-
da aos mecanismos jurídicos de que dispõe o Estado para regular a vida em
sociedade590.
Sejam as leis, os tratados internacionais, a doutrina, a jurisprudência ou
outras fontes de direito, que constituem a necessária juridicidade ao Direito591,
é absolutamente necessária a utilização de tal categoria jurídica, de modo
que possa ser modulado o seu efetivo significado e alcance no exercício do
controle social, não sendo permitido esperar que o direito altere sua raciona-
lidade devido a inclusão da fraternidade como elemento jurídico592; ademais,
590. Sobre o tema, em profundidade, Fonseca (2019, p. 79 e ss.) para quem a constitucionalização
da fraternidade está ligada à incorporação de direitos e garantias no texto constitucional, vez que
intrinsecamente ligados ao conteúdo básico dessa categoria jurídico-política.
591. Embora não seja o propósito discutir tal temática no presente trabalho, importante que se
ressalte a crítica elaborada por Vera-Cruz Pinto (2017, p. 78 e ss.), para quem o modelo que entrega
a juridicidade aos poderes constituintes que, pela via política, se legitimaram para criar o direito, está
esgotado. O professor português vê nesse modelo monista-legalista, legitimado pelo procedimen-
to, uma exacerbação da perspectiva política no direito, deixando o mesmo carente de juridicidade.
Adverte, veementemente, que a Constituição não pode se constituir e limitar como uma legislatio
do político. Por fim, chama a atenção para o fato de que as diversas tentativas de resistência a tal
modelo feitas, recentemente, pelo neoconstitucionalismo, apenas demonstram os últimos estertores
do sistema normativo-funcional, apontando a jurisprudencialidade como remédio contra o positivismo
extremado que aflora das constituições, vez que, sem jurisprudencialidade, não existe juridicidade.
Tal jurisprudencialidade passa pelo contributo dos jurisprudentes universitários, que ao construírem
um Direito Constitucional que preceda a lei Constitucional, como padrão de juridicidade, possam
garantir a independência do Direito face à política e, sacramenta, “Não é a Constituição e as leis que
são fonte de Direito; é o Direito que é a fonte da Constituição e das leis, porque instrumento de justiça”.
592. Nesse sentido, importante consultar os trabalhos de Ferraz. (2016) e Carvalho (2016), que
aprofundam a temática sobre a importância da adoção do princípio da fraternidade enquanto princípio
e não como categoria explicitada em diplomas jurídicos esparsos.
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601. Especificamente sobre a temática, Cristóvam (2005, p.147 e ss.) chama a atenção para o fato,
segundo o qual, Constituições muito abertas e prolixas, como é o caso da brasileira, cujo conteúdo
reflete um sistema constitucional extremamente complexo e dinâmico, não podem prescindir de
uma concreta estruturação de mecanismos que autorizem a resolução da colisão de princípios, haja
vista que este tipo de demanda é muito recorrente em tais sistemas constitucionais, até mesmo
porque o movimento histórico-evolutivo de constitucionalização dos princípios jurídicos e a conso-
lidação de uma cultura de eficácia vinculante dos princípios constitucionais demandam este tipo de
estruturação. Silva Sanchez (2000) enfrenta o problema a partir da perspectiva do choque entre o
principialismo e o consequencialismo, ou seja, entre os valores que moldam os direitos e garantias
fundamentais do cidadão e as consequências instrumentais que a aplicação da norma pode trazer
para conservação do sistema social.
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pelo Estado – paradoxalmente pelo excesso que acaba por gerar carência – e,
consequentemente, robustos empecilhos quanto à elaboração de políticas
criminais em sede de controle social602 .
Logo, pela via da construção de um argumento histórico e jurídico-cons-
titucional, a partir do entendimento que, em nível de legitimação discursiva,
há uma clara separação entre as funções atribuídas às penas, existindo uma
função que fundamenta e legitima a existência das punições e outras que
devem ser entendidas apenas como funções derivadas – de alcance possível,
mas não imprescindível –, é possível construir fundamentos que justifiquem
e, consequentemente, atribuam legitimidade às possíveis elaboração e im-
plantação de políticas criminais, com reflexos diretos no controle social
exercido pelo Estado.
Sintetizando, embora seja necessário que se construam fundamentos
que alicercem tanto os fins quanto os meios de alcance destes, tais esferas
são distintas, ou seja, entendemos que a questão da justificação do Direito
Penal deva se dar exclusivamente no âmbito dos fins a que se propõe o con-
trole social – a nosso ver, exclusivamente a disciplina social – e a questão
da legitimação excepcionalmente na esfera dos meios empregados para
consecução de tal mister, possuindo cada uma destas esferas, como já dito,
sua própria fundamentação.
Melhor explicando, em um âmbito macro, na esfera dos poderes do Estado,
o que justifica a existência do controle social formal e, consequentemente,
do Direito Penal e do Sistema de Justiça Penal é a clara necessidade que
todas as sociedades possuem de disciplinar as relações intersubjetivas –
hodiernamente, com a tendência de criminalização da pessoa jurídica, tais
relações já não são mais tão intersubjetivas assim. Por outro lado, em uma
esfera micro, de exercício do poder punitivo, para que tal disciplina seja
602. No que diz respeito ao funcionamento do sistema penal, advertem Adorno e Dias (2014, p. 163)
que vários estudos têm apontado a total incapacidade do sistema de justiça criminal brasileiro,
aqui englobando todas as suas agências, como as Instituições Policiais, o Ministério Público,
o Sistema Judiciário e o sistema carcerário, de exercerem um controle, sequer razoável, sobre
o crime e a violência a partir dos limites impostos pelo Estado de Direito. Chamam a atenção
para o fato de que a prática de crimes vem aumentando de forma exponencial, assim como,
mudando de natureza e, consequentemente, de complexidade, enquanto a Justiça continua
pautando sua atuação sobre as mesmas premissas teóricas e práticas de três ou quatro
décadas atrás. Ademais, advertem que numerosas pesquisas demonstram, de forma consis-
tente, que grande parte da população, através de seu agir cotidiano, expressa o fenômeno da
anomia, ou seja, cada vez é menor o número de pessoas inclinadas a se curvar à autoridade dos
estatutos legais.
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603. Nessa linha de raciocínio, Ferrajoli (2002, p. 268 e ss.) sustenta que na ausência da intervenção
penal e da aplicação da pena, outro mal bem maior, que seria a reação privada para solução do con-
flito, acabaria por se concretizar de maneira informal, selvagem, espontânea, arbitrária, punitiva, por
parte do ofendido ou de forças sociais ou institucionais solidárias a ele. Funcionaria o Direito Penal,
nesse contexto, como contenção da violência, ao impedir que, por meio sua aplicação, houvesse tal
arbitrariedade, configurada na aplicação deste mal, do qual seria vítima o réu, ou, pior ainda, pessoas
solidárias ao mesmo. Assim sendo, afirma o autor, a pena não serve apenas para prevenir os delitos
injustos, mas, igualmente, as injustas punições.
604. Nesse sentido cfr. Bozza (2005).
605. Sobre o tema, no Brasil, para um maior conhecimento da matéria, Pellela, Calabrich e Fischer
(2013), obra na qual os autores fazem uma análise dos excessos garantistas sob a ótica do Garan-
tismo Penal Integral.
606. Sobre o assunto, necessariamente, cfr. Liszt (1995), que já alertava para o perigo da des-juri-
dificação da Ciência do Direito Penal e Dias (2001) que faz uma aprofundada análise sobre a Ciência
conjunta do Direito Penal.
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para sua manutenção, o Estado fazer uso da coação penal, de suas normas
punitivas, desde que, para tanto, não admita decisões aleatórias ou contin-
gentes e sim produza previsibilidade, satisfação de expectativas, certeza e
segurança607, vez que reflexos dos anseios e postulados de uma sociedade
democrática, orientada constitucionalmente608.
Pois bem, como já reiterado, o que justifica a existência do controle so-
cial formal é a necessidade de estabilidade nas relações sociais, é dizer paz,
harmonia, segurança e certeza nas relações jurídicas e sociais609. Entretanto,
o alcance de tais fins deve ser levado a efeito através de recursos legítimos,
ou seja, por meio de leis que determinem de modo claro e certo a aplicação
do Direito Penal e Processual Penal, que tenham sido elaboradas de acordo
com as exigências do devido processo legislativo e que, principalmente,
reflitam as exigências constitucionais de respeito aos direitos e garantias
individuais, sem descurar dos interesses coletivos610.
Percebemos, pois, estar o binômio justificador e legitimador do controle
social formal pautado nos fins ou objetivos a serem obtidos pelo poder político
através do Direito Penal e Processual Penal, assim como nas suas origens,
modos e estruturas de exercício vinculados constitucionalmente restando,
agora, investigar se os postulados da justiça restaurativa, baseados no Prin-
cípio da Fraternidade, se amoldam à defesa da ordem jurídica, enquanto fim
último das sanções penais e, principalmente, se os bens jurídicos lesados
e reparáveis por essa via de justiça se encontram no âmbito daqueles com
dignidade constitucional para serem protegidos no âmbito punitivo.
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613. Sobre a possibilidade de uma Constituição Penal no âmbito do Direito Constitucional Penal,
por todos, cfr. Palma (2018).
614. Não integra os objetivos do presente trabalho a discussão acerca dos meios para alcance dos
fins insertos nas políticas criminais que venham a ser desenvolvidas para a defesa da ordem jurídica,
entretanto, defendemos a posição, segundo a qual, deve haver estrito equilíbrio entre a perspectiva
principialista e a consequencialista para alcance de tal desiderato. Sobre o assunto, em profundidade,
cfr. Roxin (1999), Roxin (2000a), Roxin (2000b), Silva Sánchez (1997), Silva Sánchez (2000).
615. Em uma necessária perspectiva pragmática, que no nosso entendimento atende melhor as ne-
cessidades do controle social formal, mormente em países como o Brasil, que atualmente se encontra
assolado pela criminalidade em seus mais variados níveis, não entendemos cabível a extensão da
discussão sobre os fundamentos retributivos da pena para além do que acima exposto, ou seja, de
que o fundamento principal de aplicação da pena se encontra na função de defesa da ordem jurídica.
Logo, a discussão sobre os níveis de reprovabilidade penal, o merecimento, a desaprovação social, os
fundamentos morais, dentre outros temas intensamente subjetivos, se alocam em uma esfera que
já se encontra superada quando o legislador determina a quantificação do apenamento necessário
para defesa da ordem jurídica. Para uma melhor compreensão desta questão, cfr. Mañalich (2007,
p. 175-182), que enfrenta a temática a partir da análise da possibilidade de fundamentação moral
da pena de morte na esfera da retribuição. Cfr., também, em sentido oposto, Roxin (1976) e Roxin
(2000a), que admite que critérios de Política Criminal possam influir na aplicação da pena, vez que
soluções exclusivamente baseadas em critérios dogmáticos podem ser claras e uniformes, mas po-
lítico-criminalmente equivocadas. Sobre os limites da punibilidade, a partir da perspectiva de uma
Ciência conjunta do Direito Penal, cfr. Dias (2001).
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616. Sobre o assunto, cfr. Roxin (1981), Roxin (2000b). Cfr., também, Hart (1968).
617. Embora não seja objeto do presente trabalho, tal ponto de vista se baseia em uma perspectiva
de Direito Constitucional Penal e, logicamente, na ideia de Constituição Penal, mormente na posição
que defende ser o Direito Penal o instrumento que tem como objeto específico a defesa do âmago
do Direito. Sobre o assunto, embora a autora não demonstre em sua obra concordância com esta
posição, cfr. Palma (2006, p. 122 e ss.) que discute a via da diversificação como forma de atender aos
requisitos da ultima ratio do Direito Penal. Ademais, os fundamentos específicos da posição acima
adotada são encontrados em Kindhäuser (2017, p. 49 e ss.) quando desenvolve o estudo sobre os
níveis de determinação do valor da norma, que devem atender aos princípios do utilitarismo, utilidade
pragmático-social e utilidade distributiva, ou seja, a norma deve ser apta a cumprir com os fins reque-
ridos, que somente devem ser valorados bens jurídicos que possam ser objeto de proteção efetiva da
norma e que tais normas possam se configurar, sincrônica e diacronicamente, como vantajosa para
todos. Sobre as leis penais simbólicas e sua incompatibilidade com a proteção de bens jurídicos, cfr.
Roxin (2006), que afirma serem ineficazes tais tipos de normas, se configurando, outrossim, como
uma intervenção excessiva na liberdade dos cidadãos.
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618. Assim, Hirsch (2007, p. 21), que a partir do estudo da criminalização das autolesões, defende a
ideia, segundo a qual, a extensão da intervenção penal, em razão da marca da censura que caracteriza
a pena, deve ser medida por meio da consideração da proporcionalidade.
619. Em sentido contrário, cfr. Palma (2018, p. 105 e ss.). Para nós, todas as condutas proibidas que
não redundarem em efetiva pena privativa de liberdade, pela ausência de dignidade constitucional,
devem ser solucionadas através do processo de diversificação, fora do âmbito penal, na seara da
solução negociada de conflitos, mediação, arbitragem, dentre outros institutos que não mantenham
ligação com o direito punitivo. Dias (2001, p. 18-21), embora favorável à diversificação no âmbito
penal, defende veementemente o entendimento da importância da existência do sistema jurídico-penal
estruturado na dogmática, como forma de resolução de conflitos, enquanto elemento imprescindível
do Direito Penal em um Estado Democrático, caracterizado por uma teleologia própria, especificidade
de índole funcional e racionalidade estratégica, se concretizando, assim, como um sistema autopoi-
ético. Tal entendimento tem absoluta aplicabilidade a hipótese aqui defendida, em razão de uma
necessária limitação que venha a possibilitar o bom funcionamento de tal sistema para alcance de
uma unidade axiológico-funcional, entre Criminologia, Política Criminal, Dogmática Jurídico-Penal e
Direito Constitucional Penal. Sobre o assunto, cfr. também, Roxin (2000a) com quem concordamos
sobre a importância de que sejam sobre valorados critérios de Política Criminal quando da análise
para aplicação da pena.
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620. Nessa perspectiva, Dias (2001, p. 20) que, por essa via, exclui a compensação da culpa da esfera
das finalidades da pena.
621. Posição defendida, em parte, por Mañalich (2007, p. 169 e ss.) que utiliza a denominação de
externalidades positivas para as consequências não perseguidas pelas penas que, entretanto, po-
dem ser alcançadas, não significando, todavia, que possam justificar sua aplicação. Para este autor
a justificação da pena retributiva repousa, exclusivamente, no merecimento por parte do autor do
ato criminoso.
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622. Sobre o conceito material de pena e para aprofundamento na discussão sobre os fins últimos e
mediatos das penas no contexto do Estado de Direito Democrático, cfr. Palma (2016). Cfr., também,
Roxin (1976), Roxin (2000).
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5. CONCLUSÃO
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