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GUIMARÃES, Cláudio A. G.; SANTOS, Bruna D. P. C.; SALES, Aline A. S.; NUNES, Alexandre L.
Vulnerabilidade socioespacial e crime. Inter-relações criminológicas para explicação do fenômeno. Revista
Observatorio de la Economia Latinoamericana. Curitiba, v.22, n.2, p. 01-23. 2024. ISSN: 1696-8352.
DOI: https://doi.org/10.55905/oelv22n2-178. Disponível em:
https://ojs.observatoriolatinoamericano.com/ojs/index.php/olel/article/view/3372. Acesso em:
XX/XX/XXXX.
REVISTA OBSERVATORIO DE LA ECONOMIA LATINOAMERICANA
Curitiba, v.22, n.2, p. 01-23. 2024.
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RESUMO
Os espaços urbanos são desencadeadores de vulnerabilidades, haja vista as configurações
socioespaciais que vão se estabelecendo nesses ambientes, oriundas de processos
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ABSTRACT
Urban spaces are triggers of vulnerabilities, given the socio-spatial configurations that are
established in these environments, arising from historical economic and social processes.
This reality, although exposed since the beginning of the Industrial Revolution, is a
contemporary political agenda of great importance for various sectors of society, which
is why theoretical foundations that point to epistemological and methodological
contributions, above all, to the understanding of spatially determined criminality, must be
presented, debated and updated, which is why we believe it is essential to re-read and
update the Sociological Schools of Chicago in the scope of Human Ecology and Critical
Criminology, aiming, through these two criminological schools, to demonstrate to what
extent socio-spatial vulnerabilities, understood as structural violence, reflected as social
and urban disorganization, present links with the practice of crimes, criminalization and
victimization. To achieve this claim, the inductive method was adopted to construct the
argument, with a descriptive/diagnosis procedure, based on an exclusively
bibliographical research technique.
RESUMEN
Los espacios urbanos son desencadeadores de vulnerabilidades, tiene vista como
configuraciones socioespaciales que se van a establecer nesses ambientes, oriundas de
procesos económicos-sociales históricos. Esta realidad, embora exposta desde el inicio
de la Revolución Industrial, es una pauta política contemporánea de gran importancia para
diversos sectores de la sociedad, razón por los fundamentos teóricos que aponemos
aportes epistemológicos y metodológicos, sobretudo, para a comprender la criminalidad
espacialmente determinada, devem ser presentados, debatidos e atualizados, motivo que
reputamos imprescindível à releitura e atualização das Escolas Sociológica de Chicago
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1 INTRODUÇÃO
A criminologia tem sido moldada ao longo do tempo por diferentes paradigmas
que se adaptaram às realidades sociais de cada período. Na maioria das vezes, embora
esses paradigmas tenham divergido em certos pontos, eles não se excluem mutuamente,
mas sim se complementam, proporcionando uma visão abrangente do fenômeno criminal
a partir de diversas perspectivas.
No século XX, novas abordagens sobre o fenômeno criminal emergiram passando
a fundamentarem-se em paradigmas como o funcionalismo, o organicismo e o
materialismo histórico-dialético, dentre tantos outros. Essas abordagens ganharam
destaque, principalmente, ao considerarem a influência do processo de urbanização nas
cidades e as dinâmicas de poder intrínsecas a esses espaços.
A sociologia de Chicago, por exemplo, promoveu uma ruptura teórica com os
cânones da criminologia positivista ao relacionar certos tipos de delitos a contextos
específicos das cidades partindo do estudo da desorganização socioespacial estabelecida
nesses espaços urbanos. Essa abordagem inovadora da sociologia de Chicago abriu
caminho para uma compreensão mais ampla da complexidade da criminalidade e suas
raízes profundas nas dinâmicas sociais e espaciais das comunidades urbanas, ainda hoje
influenciando o desenvolvimento de teorias criminológicas.
E nesse caminhar histórico, as ancoragens epistemológicas e as possibilidades
metodológicas de duas importantes Escolas Sociológicas da Criminologia, como a já
mencionada Escola de Chicago, e a Criminologia Crítica, apesar de estabelecerem
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Robert Ezra Park é considerado um dos mais importantes sociólogos à frente dos estudos desenvolvidos
pela Universidade de Chicago, concebendo a cidade como um grande laboratório para a pesquisa das
relações sociais. Park (1967b) parte da concepção de que a prática de delitos está muito mais relacionada a
fatores sociais e urbanísticos, a relação das pessoas com o meio no qual vivem e convivem, do que originada
em fatores patológicos encontrados no próprio infrator das normas legais.
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Deve-se à Criminologia Crítica, com especial atenção a Baratta (2011), a lapidação das teorias que se
opuseram à ideologia da defesa social e sua naturalização no processo de criminalização, alertando tal
vertente criminológica que desde o processo de tipificação penal existe todo um direcionamento repressivo
para as classes vulneráveis social e economicamente, fenômeno esse que vai ficando cada vez mais visível
com o avanço da atuação dos órgãos de controle social formal que praticamente só investigam, processam,
condenam e encarceram determinados tipos de pessoas. Nesse sentido, cfr. também, Andrade (2003),
Guimarães e Rego (2009).
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Em relação as conexões jurídico-políticas entre vulnerabilidade e exclusão social, ressaltamos a interpre-
tação de Azevedo (2021), que utiliza, entre outras, a “ausência da igualdade material distributiva” como
premissa epistemológica para a compreensão da vulnerabilidade social.
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Para maior aprofundamento da temática da convivência pública pacífica, no contexto dos debates a
respeito da segurança pública, que de modo tangencial está sendo abordado neste tópico, consultar Moreira
Neto (1988), para quem a ordem pública representa um estado de equilíbrio atingido por meio da
coexistência pacífica entre os indivíduos, de modo que, ainda que seja teoricamente possível alcançar tal
harmonia sem a intervenção estatal, é somente por meio do Estado que a transformação da atual dinâmica
de convivência pública, marcada pela insegurança, pode ser efetuada.
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Para Baratta (2011), violência estrutural é uma categoria associada à segregação social de pessoas decor-
rente da estrutura do sistema socioeconômico capitalista, geradora da má distribuição e compartilhamento
de recursos que, por sua vez são responsáveis pelos índices de desigualdade social elevados, fruto da ine-
fetividade do Estado em promover a inclusão de indivíduos no contexto do gozo da cidadania.
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Felix (2002), ao abordar questões referentes à geografia do crime, demonstra preocupação ao
reducionismo determinista na análise do fenômeno criminal, de modo que compreende que a perspectiva
teórica da criminalidade não deve se restringir a uma única perspectiva, pois exige abordagens distintas
para diferentes grupos sociais. Nesse sentido, a autora conclui que é crucial o afastamento de associações
simplistas entre pobreza e criminalidade, sendo necessário, efetivamente, adotar uma abordagem crítica e
abrangente para compreender a complexidade desse fenômeno social.
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modo que tais teorias, embora oriundas do contexto das transformações urbanas pelas
quais passavam as cidades desde o início do século passado, demonstram atualidade em
suas abordagens e, sobretudo, há muito chamam a atenção para as conexões entre os
sistemas jurídico-políticos, suas permissividades omissivas e a acentuação das
vulnerabilidades7.
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Para autores como Felix (2002), Andrade (2003), Batista (2007) e Baratta (2011), sob o prisma da relação
criminalidade e exclusão social, estes sugerem uma relação de causa e efeito, haja vista que os atributos
que definem ambas têm raízes em processos históricos que marginalizam vastos segmentos da população,
privando-os da participação no aparato produtivo da sociedade e relegando-os à margem dos setores
dominantes.
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de controle nas áreas menos organizadas dos aglomerados urbanos, com uma alta
incidência da prática de determinados tipos de delitos (Park, 1921; Cullen; Wilcox, 2015).
Ademais, teorizavam que na ambiência caracterizada pela desorganização
estrutural um fator de grande relevância para compreensão do fenômeno diz respeito aos
importantes deslocamentos humanos – ainda hoje correntes em âmbito local e global –
rumo aos espaços urbanos mais promissores, cuja dinamização e concentração das
atividades econômicas eram fatores preponderantes para o esvaziamento dos ambientes
rurais e/ou de cidades e países sem potencial de manter seus autóctones, seja por motivos
socioeconômicos, seja por motivos políticos ou, ainda, pela concorrência de ambos
(Coulon, 1995; Lefebvre, 1999).
Nesse passo, dois importantes representantes da Escola de Chicago, Park e
Burgess (1921), afirmavam que esses movimentos migratórios estavam condicionados a
uma realidade conflituosa, haja vista que a mudança de status das pessoas ao ingressarem
em ambiente diverso ao de suas origens (alóctones) as condicionavam à marginalidade
ou periferização espacial, com todas as desvantagens advindas do contexto social dessa
nova estadia, além de ter que competir com quem é próprio do lugar (Park, 1928).
Assim sendo, a partir dos referidos processos migratórios, mas, sobretudo, das
consequências acarretadas por tal fenômeno na configuração das cidades – contribuintes
para a revolução urbana –, esse tipo de deslocamento humano massivo acabou por
contribuir para a concentração de riquezas, necessidade de força de trabalho para a
produção e, consequentemente, no estabelecimento de padrões de existência díspares.
Resumindo, o crescente processo de urbanização acarretou a configuração de áreas com
predomínio produtivo, outras com padrões de riqueza e gozo das benesses da urbanização,
e aquelas onde imperam as mazelas inerentes às áreas pobres das cidades, mormente a
desorganização social e a desorganização urbana (Coulon, 1995; Lefebvre, 1999).
McKenzie (1948), pioneiro no estudo de tais contextos, observou a existência de
cinco principais processos de ecologia humana relacionados a organização social urbana,
denominadas de concentração, centralização, segregação, invasão e sucessão, dentre os
quais chama a atenção para a segregação, cujo traço mais geral é, em primeiro lugar, o
fator econômico, posto que as pessoas menos favorecidas economicamente eram
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direcionadas para as áreas periféricas e pobres das cidades, fazendo, a partir de então, a
aproximação definitiva entre o fator econômico, o fator socioespacial e as possíveis
vulnerabilidades daí derivadas..
Partindo dessa realidade, para tais estudiosos, havia um processo de esfacelamento
das estruturas comunitárias e enfraquecimento das relações provenientes do controle
social primário atribuído às instituições: família, igreja, escola, devido ao modelo social
que ia se estabelecendo nas Cidades, marcado por intensa competitividade, exploração e
acentuação das desigualdades.
Em síntese, a sociologia urbana inaugurada e desenvolvida no âmbito da
Universidade de Chicago, cujo principal objeto de estudo era o fenômeno contínuo e
crescente da urbanização, buscou nas cidades, através das relações de interação entre seus
habitantes, as explicações para diversos fenômenos sociais, aproximando o social do
geográfico, possibilitando assim formular proposições frente aos desafios socioespaciais
resultantes do referido processo, caracterizado pela ocorrência do aumento populacional
nessas localidades, a ocupação desordenada de espaços sem estrutura, a dificuldade de
absorver toda a mão de obra disponível, a concentração de poder nas mãos dos detentores
de maior capital, bem como a marginalização dos trabalhadores que não conseguem
inserção no mercado, intensificando, assim, tais características, as desigualdades sociais
(Park,1967a; Castells, 2000).
Tais estudos levaram, de forma inexorável, a percepção de que ambientes
desestruturados, posto que desorganizados social e urbanisticamente, se tornaram
propensos a incidência de determinado tipo de criminalidade, entretanto, embora tenham
tido a clara percepção das conexões entre vulnerabilidades sociais, espaciais e
econômicas relacionadas à tais crimes, não avançaram a ponto de investigar esse estado
de coisas e os sistemas jurídico-políticos responsáveis pela gestão daquela ambiência,
assim como, as conexões entre tal estado de coisas e o funcionamento do sistema de
controle social formal – Polícias, Ministério Público, Magistratura e órgãos da execução
penal.
Essa compreensão desconectada dos sistemas jurídico-políticos tem suas bases em
uma perspectiva liberal, considerando os valores da sociedade emergirem de um acordo
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5 CONCLUSÃO
O processo de construção do conhecimento é uma jornada em constante evolução,
moldada pelo tempo e espaço, e é exatamente por essa natureza em constante fluxo que
ele assume um caráter provisório. Por esse motivo, reexaminar teorias sociais pode se
tornar uma oportunidade valiosa para realizar conexões e atualizações a partir de
perspectivas teóricas mais contemporâneas e críticas.
O ponto de partida proposto neste ensaio diz respeito à importante compreensão
do antagonismo da sociologia de Chicago em relação a qualquer abordagem teórica
positiva de explicação do fenômeno criminal. Ao invés disso, a abordagem dessa Escola
recai sobre as circunstâncias sociais oriundas da interação complexa entre os indivíduos
e o ambiente em que vivem, de modo a estabelecer conexões de tais cenários com o
comportamento delinquencial.
As vulnerabilidades socioespaciais acentuadas por fatores como renda e acesso a
oportunidades criam espaços onde a desorganização social, a desorganização urbana e a
falta de coesão comunitária se multiplicam, fornecendo terreno fértil para o florescimento
de crimes e manifestações diversas de violência. Portanto, a interligação entre
desigualdades socioeconômicas e o contexto de desorganização social e urbana ressalta a
necessidade imperativa de abordagens holísticas que abordem tanto as causas implícitas
quanto as manifestações visíveis desses problemas.
Portanto, tornou-se evidente a importância de uma crítica necessária e da
atualização teórica dessa Escola sob uma perspectiva contextual que levasse em conta
além da dimensão espaço-social, o contexto jurídico-político das cidades cujo processo
de urbanização comprometiam a configuração física e, consequentemente social, de modo
que esta traduzia-se em significativos cenários de desigualdades sociais e
vulnerabilidades socioespaciais, entendidas, hodiernamente, como violência estrutural,
categoria cuja ancoragem epistemológica reside na Criminologia Crítica de viés marxista.
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