Você está na página 1de 14

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.

01-12 |2023
1
COMO CITAR:

GUIMARÃES. Cláudio A. G.; RIBEIRO. Frederik Bacellar; SILVA. Francisco Teomário


Serejo. JUSTIÇA E POLÍTICA: do contratualismo à democracia: deliberativa na era
digital. Revista Foco (Interdisciplinary Studies). v. 16. n. 2. p. 01-12. 2023.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


2
Frederik Bacellar Ribeiro, Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, Francisco Teomário
Serejo Silva
___________ _________________________________________________________________

JUSTIÇA E POLÍTICA: DO CONTRATUALISMO À DEMOCRACIA


DELIBERATIVA NA ERA DIGITAL

JUSTICE AND POLITICS: FROM CONTRACTUALISM TO


DELIBERATIVE DEMOCRACY IN THE DIGITAL AGE

JUSTICIA Y POLÍTICA: DEL CONTRACTUALISMO A LA


DEMOCRACIA DELIBERATIVA EN LA ERA DIGITAL

Frederik Bacellar Ribeiro1


Cláudio Alberto Gabriel Guimarães2
Francisco Teomário Serejo Silva3

DOI: 10.54751/revistafoco.v16n2-037
Recebido em: 02 de Janeiro de 2023
Aceito em: 01 de Fevereiro de 2023

RESUMO
O presente trabalho intentou revisitar os fundamentos do Estado moderno, passando
pela formação dos Estados democráticos e constitucionais, para investigar em que
medida as esferas públicas na era digital podem influenciar a formação de consensos
nas democracias deliberativas contemporâneas. Nessa linha, o objetivo principal deste
trabalho é confrontar a evolução do conceito de democracia e as possibilidades de
participação ativa dos cidadãos, nos dias atuais, por meio do referencial teórico da ação
comunicativa de Habermas. Para tanto, pretende-se lançar um olhar realista e
compreensivo sobre a realidade social, considerando especialmente os dados colhidos
que comprovam a expansão das redes sociais na internet e dos dispositivos eletrônicos
no Brasil e no mundo. Optou-se pela utilização do método sociojurídico-crítico, pela
coleta de documentação indireta e criteriosa análise bibliográfica, para reflexão crítica
sobre a realidade atual da participação democrática dos cidadãos, especialmente na
seara da justiça e política. Ao final, foi possível concluir que, dentro do recorte temático,
mesmo reconhecendo sua ambivalência, complexidades e poder de colonização,
existem evidências que as novas tecnologias possuem capilaridade e caraterísticas
aptas a criar ambientes mais democráticos que permitam a efetivação da participação,
crítica e influência do cidadão nas decisões políticas e da justiça, por meio de ações
comunicativas mais igualitárias.

Palavras-chave: Política e justiça; democracia deliberativa; redes sociais; ação


comunicativa.

1 Mestrando em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Rua do
Sol, nº 117, Centro, São Luís - MA, CEP: 65020-590. E-mail: frederik_bacellar@hotmail.com
2
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal de Pernambuco. Av. Prof.
Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária, Recife - PE, CEP: 50670-901. E-mail: calguimaraes@yahoo.com.br
3
Mestrado profissional em Direito pela Universidade Ceuma. Rua Barão do Rio Branco, quadra 12, nº 100, Maranhão
Novo, Imperatriz - MA, CEP: 65903-093. E-mail: teomarioserejo@mpma.mp.br

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


3
Justiça e Política: do Contratualismo à Democracia Deliberativa na era Digital

ABSTRACT
The present work attempted to revisit the foundations of the modern State, going through
the formation of democratic and constitutional States, to investigate the extent to which
public spheres in the digital age can influence the formation of consensus in
contemporary deliberative democracies. In this line, the main objective of this work is to
confront the evolution of the concept of democracy and the possibilities of active
participation of citizens, nowadays, through the theoretical framework of Habermas'
communicative action. Therefore, it is intended to take a realistic and comprehensive
look at the social reality, especially considering the collected data that prove the
expansion of social networks on the internet and electronic devices in Brazil and in the
world. We opted for the use of the socio-juridical-critical method, for the collection of
indirect documentation and careful bibliographical analysis, for critical reflection on the
current reality of the democratic participation of citizens, especially in the fields of justice
and politics. In the end, it was possible to conclude that, within the thematic framework,
even recognizing its ambivalence, complexities and colonization power, there is
evidence that the new technologies have capillarity and characteristics capable of
creating more democratic environments that allow the effectiveness of participation,
criticism and influence of the citizen in political and justice decisions, through more
egalitarian communicative actions.

Keywords: Politics and justice; deliberative democracy; social networks; communicative


action.

RESUMEN
El presente trabajo pretende revisitar los fundamentos del Estado moderno, pasando
por la formación de los Estados democráticos y constitucionales, para investigar hasta
qué punto las esferas públicas en la era digital pueden influir en la formación del
consenso en las democracias deliberativas contemporáneas. En esta línea, el objetivo
principal de este trabajo es afrontar la evolución del concepto de democracia y las
posibilidades de participación activa de los ciudadanos, en la actualidad, a través del
marco teórico de la acción comunicativa de Habermas. Para ello, se pretende lanzar
una mirada realista y comprensiva de la realidad social, considerando especialmente los
datos recogidos que prueban la expansión de las redes sociales en internet y
dispositivos electrónicos en Brasil y en el mundo. Optamos por utilizar el método socio-
jurídico-crítico, la recopilación de documentación indirecta y un cuidadoso análisis
bibliográfico, para la reflexión crítica sobre la realidad actual de la participación
democrática de los ciudadanos, especialmente en el ámbito de la justicia y la política. Al
final, fue posible concluir que, dentro del corte temático, aun reconociendo su
ambivalencia, complejidades y poder de colonización, hay evidencias de que las nuevas
tecnologías tienen capilaridad y características capaces de crear ambientes más
democráticos que permitan la efectiva participación, crítica e influencia de los
ciudadanos en las decisiones políticas y de justicia, a través de acciones comunicativas
más igualitarias.

Palabras clave: Política y justicia; democracia deliberativa; redes sociales; acción


comunicativa.

1. Introdução
O presente artigo se propõe a revisitar a evolução histórica da formação
do Estado moderno até o atual cenário de sociedades tecnológicas complexas,

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


4
Frederik Bacellar Ribeiro, Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, Francisco Teomário
Serejo Silva

buscando cotejar dados da realidade social, com um recorte sobre a expansão


das redes sociais na internet e a disseminação do uso de dispositivos
eletrônicos, com a necessidade de construção de esferas públicas para
formação de consensos em bases igualitárias, aptas a influenciar as decisões da
esfera burocrática da justiça e política.
Essa nova dinâmica social, bem como o uso maciço da tecnologia, tem
impacto nas relações humanas e no funcionamento das instituições
democráticas, despertando a necessidade de investigação e pesquisa desse
fenômeno também sob o ponto de vista e metodologia da ciência do Direito 4,
para responder o seguinte problema: qual importância das esferas públicas na
era digital para formação dos consensos nas democracias deliberativas
contemporâneas, especialmente em relação às decisões judiciais e políticas?
É nessa perspectiva que o presente artigo intenta evidenciar o caminho
percorrido desde os fundamentos contratualistas do Estado moderno, passando
pela constituição dos Estados democráticos e constitucionais de direito, até as
atuais democracias deliberativas, extraindo do fenômeno social da atualidade os
dados necessários à investigação das redes sociais na internet e sua influência
nas instituições democráticas, sob o referencial da teoria da ação comunicativa.
A escolha da teoria da ação comunicativa como referencial teórico foi
natural, pois as novas tecnologias são instrumentos disruptivos e inéditos de
promoção da comunicação e da interação entre os cidadãos e entre esses e
seus governos, pois a cada dia aumenta o percentual de redes sociais mediadas
por ambientes digitais.
A abordagem será desenvolvida pelo método indutivo auxiliado pelo
método sociojurídico-crítico5, pois a intenção é lançar um olhar crítico sobre a
realidade das democracias atuais, com o recorte sobre a importância das redes
sociais como instrumento de criação de esferas públicas de deliberação.

4 Conforme esclarece Marques Neto (2001), o fenômeno jurídico é gestado e transformado no


espaço-tempo social, inclusive nesse novo ambiente virtual, cabendo ao pesquisador lançar mão
dos enfoques teóricas, problemáticos e metodológicos que lhe são próprios, para desenvolver
adequadamente sua pesquisa científica jurídica.
5 Para maior aprofundamento sobre o método sociojurídico-crítico consultar Fonseca (2009), que

afirma que ainda não existe um método de pesquisa na área do Direito que se possa definir como
pronto e acabado.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


5
Justiça e Política: do Contratualismo à Democracia Deliberativa na era Digital

Esses são os caminhos metodológicos que serão percorridos, ciente do


grande desafio de compatibilizar os ambiciosos objetivos visados com as
naturais limitações desse tipo de trabalho científico.

2. Da Formação do Estado Democrático Moderno


Inicia-se essa breve jornada revisitando a época do florescimento de uma
nova sociedade, fundada na racionalidade do Estado moderno. Neste contexto
nasceu o contratualismo gestado sob a influência dos ideais iluministas e durante
o período de consolidação do capitalismo, que passa a conceber o Estado como
resultado da vontade humana, estabelecido por um contrato social, onde os
indivíduos abdicam de sua liberdade natural, para garantir o gozo de liberdades
formais compartilhadas de forma coletiva, garantidas pelo próprio Estado.
Portanto, o Estado seria o garantidor dos direitos e liberdades individuais.
O pacto social6 consiste no consentimento e união de vontades para
formação de um poder comum (um homem artificial) capaz de conservar a paz
entre os indivíduos e repelir o inimigo comum, por meio da representação da
unidade daquela multidão. Tal empreitada, baseada numa “fórmula elementar
básica de contrato”, envolve, necessariamente, a renúncia da liberdade natural
original de cada indivíduo de se autogovernar (direito natural), bem como um
pacto de submissão, por meio da transferência de poder e direitos à sociedade
política, para preservação da vida e da paz. Assim, pode-se afirmar que o poder
estatal é a soma das parcelas de direitos e liberdades renunciadas por cada
cidadão (MATTOS, 2011).
Todavia, seguindo o pensamento rousseauniano, mostra-se mais
adequado entender que, de fato, não houve uma verdadeira renúncia à liberdade
dos cidadãos, mas sim uma conversão de suas liberdades de independência em
liberdade política, como resultado da transformação da vida natural e individual
em uma vida organizada em sociedade política (CRANSTON, 2011).
Neste ponto, ponderando tudo que já foi dito, para os fins perseguidos
neste trabalho, importa fixar que toda essa construção teórica parte da premissa

6Para Rousseau (2011, p. 66) no pacto social “cada um de nós dispõe em comum da sua pessoa
e de todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebe, enquanto corpo, cada
membro como parte indivisível do todo”.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


6
Frederik Bacellar Ribeiro, Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, Francisco Teomário
Serejo Silva

da existência de uma vontade geral unificadora dos anseios da sociedade, de


cunho normativo e ideal, que se diferencia da vontade empírica da maioria ou da
simples soma das reivindicações individuais. Aliás, o poder vinculante do
contrato social parte exatamente desse pressuposto de que a regra da maioria
deve ser instrumento para interpretação da vontade geral da comunidade
(CRANSTON, 2011).
Seguindo a marcha da história, muitos foram os sistemas políticos criados
e aperfeiçoados para melhor organização social, sendo tais sistemas frutos das
necessidades e caraterísticas históricas de cada povo. Esse processo formou o
ambiente necessário para que os Estados forjassem suas normas essenciais e
fundantes, relativas à organização do poder estatal, distribuição de
competências, exercício da autoridade, forma de governo, direito humanos, ou
seja, todo o conteúdo básico para composição e funcionamento da ordem
política (BONAVIDES, 2003).
Por sua vez, o Estado Democrático de Direito implica na possibilidade de
acesso e limite do poder do Estado, por meio do sistema eleitoral, em
cumprimento as regras jurídicas vigentes. Assim, é necessária a existência de
normas, validamente criadas, que organizem os direitos políticos, civis e sociais,
segundo a regra da maioria e da igualdade perante a lei, em respeito à soberania
popular. Nessa linha, o Estado Democrático de Direito implica basicamente no
reconhecimento do direito dos cidadãos a participarem livremente em eleições
regulares, abertas e competitivas, asseguradas a liberdade de expressão,
reunião e organização, bem como acesso às fontes alternativas de informação
sobre os assuntos públicos e de interesse político (PATELLA; PASE;
BRILHANTE, 2018).
O sistema democrático exige a possibilidade da livre manifestação de
pensamento, possibilitando a formação de consensos e da efetiva participação
ativa dos cidadãos na atividade política. Ocorre que, atualmente, o mundo
vivencia uma rápida mudança social, com exponencial incremento da
complexidade e da diversidade das relações entre os indivíduos, tornando ainda
mais necessário o aprimoramento dos meios de representação política de todos

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


7
Justiça e Política: do Contratualismo à Democracia Deliberativa na era Digital

os grupos de interesses socais, pois quanto mais complexa a sociedade e os


modos de vida, mais difícil a formação de consensos (HABERMAS, 1997).
Assim, resta claro que um sistema democrático que se satisfaça apenas
com a verificação formal da validade de suas normas não está apto a garantir
adequadamente os direitos fundamentais. Nessa senda, somente a participação
ativa do cidadão na vida política é capaz de promover intervenções e limitações
na atuação do Estado com penetração suficiente para resguardar os direitos
constitucionais (GUIMARÃES; CARVALHO; SANTOS, 2020).
A teoria habermasiana trabalha a reconstrução do direito por meio da
teoria do discurso7, pois cabe à própria sociedade definir o que é moralmente
aceito, construindo opiniões e consensos de forma livre, igualitária e por atos
comunicativos, sendo essas definições institucionalizadas e positivadas, para
formação de um sistema de direitos que assegure tanto a autonomia pública
como a autonomia privada, permitindo a mediação da tensão entre facticidade e
validade (BORTOLANZA; BOFF, 2011).
Assim, as sociedades atuais carecem para sua legitimidade e aceitação
da construção de uma democracia deliberativa, que permita a efetiva
participação dos seus cidadãos, por meio da formação de debates nas esferas
públicas, que possam ser institucionalizados por meio de canais de interligação
entre o mundo da vida e os meios burocráticos, numa sociedade moderna e
tecnologicamente avançada.

3. Democracia Deliberativa na Era Digital


A extraordinária expansão das novas tecnologias no mundo é evidente,
conforme dados recentes mais de 5,22 bilhões de pessoas usam smartphones,
o que representa aproximadamente 66,6% da população mundial (NÚMERO,
2021). No mesmo passo, o Brasil segue essa tendência, atualmente, o país
conta com mais de 447 milhões de dispositivos – smartphone, notebook,
computador ou tablet -, o que corresponde a mais de dois aparelhos por
habitante (MEIRELLES, 2022), bem como pesquisas recentes revelam que os

7 Para Habermas (1997) todo pensamento é formulado por meio de proposições, que necessitam
da mediação da linguagem para compreensão, atribuição de significados e transmissão das
ideias e representações.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


8
Frederik Bacellar Ribeiro, Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, Francisco Teomário
Serejo Silva

brasileiros estão entre os maiores usuários mundiais da internet (SILVA, 2019).


Nessa quadra, as novas tecnologias permitem a expansão das redes
sociais na internet8, proporcionando a transformação dos processos de
comunicação, conexão e engajamento por um número ilimitado de indivíduos,
criando ambiente público inovador e inédito de debate e divulgação de
pensamentos (ANECLETO, 2018). Esses novos palcos virtuais são espaços por
excelência para promoção das interações sociais, permeadas de conflitos e atos
de cooperação, como já alertado por Primo (2005), restando ampliadas as
esferas públicas de debates, consistentes em centros potenciais de
comunicação e formação de consensos, realizando a mediação entre o
Estado/sistema político e os setores privados do mundo da vida (LUBENOW,
2010).
Aliás, Habermas (2012) textualmente já reconhecia a imprensa e os meios
eletrônicos como inovações que permitem o destravamento do agir
comunicativo, permitindo uma publicidade capaz de disponibilizar atos de fala
para um número ilimitado de contextos.
Outrossim, com muito mais razão, essas novas ferramentas sociais na
internet podem ser a base para um aprimoramento na qualidade e
democratização de uma comunicação ética, livre e igualitária. Para a teoria da
ação comunicativa, a construção de uma sociedade mais democrática, passa
necessariamente pela interação entre os indivíduos mediante um discurso ético
e livre. Trata-se, portanto, de uma democracia procedimental (LUBENOW,
2010).
Assim, partindo dessa premissa, as redes sociais mostram-se como
fenômenos jurídico-sociais que ampliam a igualdade e racionalidade dos
espaços públicos, permitindo a construção de processos de deliberação no
mundo da vida, aptos a influenciar efetivamente o funcionamento dos sistemas
institucionalizados, especialmente o regido pelo meio poder. A descentralização
do acesso e da divulgação de opinião, com um maior engajamento entre os
indivíduos da comunidade, pode constituir ambiente propício que permita a

8Neste ponto, para os fins deste artigo, com apoio em Recuero (2009), rede social é definida
como uma metáfora para verificar os padrões de conexão e interação entre diversos atores,
sendo, no ambiente virtual, apropriadas e estruturadas por meio de sistemas denominados sites.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


9
Justiça e Política: do Contratualismo à Democracia Deliberativa na era Digital

transformação necessária para promover a transição do atual modelo de


democracia meramente formal para uma democracia deliberativa, entendida
como modelo construído pela participação popular em processos de deliberação
públicos, por meio da tomada de decisões políticas a partir de um discurso ético,
livre e em bases igualitárias (LUBENOW, 2010).
Nestas bases, somente a participação ativa do cidadão na vida política é
capaz de promover intervenções e limitações na atuação do Estado com
penetração suficiente para resguardar os direitos humanos e o bom
funcionamento do Estado Democrático de Direito9. Assim, evidencia-se a ligação
umbilical entre a democracia substancial e a cidadania, institutos que se
alimentam reciprocamente, sendo impossível conceber uma sem o pleno
exercício do outro (GUIMARÃES, 2010).
Nessa quadra, o cerne da questão passa pela possibilidade de
legitimidade do Direito, especialmente das decisões judiciais e das decisões
políticas, por meio do aprimoramento dos processos de formação das normas e
da institucionalização dos consensos produzidos na base social do mundo da
vida, pelas ações comunicativas. Em outras palavras, as decisões judiciais e
políticas precisam extrair sua legitimidade, não apenas da estrutura interna do
direito positivado, mas também de uma legitimação externa, valorada
racionalmente e construída no seio da sociedade.
Ademais, como lembra Marques Neto (2001), a eficácia da norma jurídica
não prescinde de um confronto sério com os preceitos da ciência do Direito e
pela verificação de sua adequação com as aspirações das bases sociais, sendo
insuficiente a utilização exclusiva de critérios puramente formais de legitimação.
Todavia, não se desconhece os enormes obstáculos à formação de uma
ética do discurso nas redes sociais, sendo campo aberto para a prática de ações
estratégicas de toda ordem, especialmente estimuladas pelo uso das fake news,
pela polarização política do país, pela instabilidade das instituições públicas,
assimetrias educacionais entre os interagentes, desigualdade social,
desigualdade de acesso à tecnologia, mazelas trazidas pela globalização,
manipulação em massa por meio de novos softwares, perseguições e

9 No mesmo sentido Muller (2003, p. 63) defende ser imprescindível à legitimidade da democraciaa
prática dos direitos humanos, pela habilitação dos cidadãos a uma participação ativa.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


10
Frederik Bacellar Ribeiro, Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, Francisco Teomário
Serejo Silva

linchamentos virtuais, dentre outros.


Por tudo isso, Habermas (2012) reconhece um potencial ambivalente nos
espaços públicos criados pelos meios de comunicação, pois identifica suas
mazelas e potencial uso autoritário, mas, ao mesmo tempo, vislumbra nas
próprias estruturas da comunicação um potencial emancipatório e sua
capacidade de destravamento do agir comunicativo.
Desta forma, colhidos os dados e elementos suficientes para confirmação
de uma hipótese cientificamente sustentável, pode-se caminhar à conclusão
deste trabalho.

4. Considerações Finais
Este artigo teve início com a apresentação das ideias centrais sobre o
surgimento do Estado moderno, dentro de um cenário social de profundas
modificações. Nesse momento inicial, o pensamento da escola contratualista
trabalha a ideia de uma vontade geral, unificada e presumida, capaz de
representar os anseios da coletividade dos cidadãos, permitindo a definição de
escolhas públicas que beneficiassem a todos.
Nesse caminhar, cada sociedade foi buscando alternativas e modos de
organização política, considerando a especificidades históricas de cada lugar,
que permitissem uma melhor organização dos interesses sociais e individuas,
visando cumprir a missão traçada no pacto social original: garantir a paz e a vida
em sociedade dos associados. Assim, surgiram os Estados democráticos com o
objetivo de garantir a participação dos cidadãos e o estabelecimento de um
controle social, sob o império da lei.
Contudo, com o gradativo aumento civilizatório, hoje, verifica-se que o
simples cumprimento formal das leis de organização do Estado não é suficiente
para a proteção dos direitos humanos, sendo necessária a formação de uma
democracia substancial, que permita e estimule a efetiva participação dos
cidadãos no trato dos assuntos públicos, reconhecendo a complexidade social,
as diferenças de classe e de modos de vida, abandonando de vez a ingênua
idealização de uma sociedade com interesses comuns únicos. Assim, reclama-
se a construção de uma democracia deliberativa de cunho procedimental, não

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


11
Justiça e Política: do Contratualismo à Democracia Deliberativa na era Digital

apenas idealizada, capaz de institucionalizar os consensos formados na base,


pela interação comunicativa de seus cidadãos, dentro de uma ambiência de
conflitos de interesses.
É neste contexto que as novas tecnologias desempenham um papel de
extrema importância, pois estão aptas a criar esferas públicas de debates,
impulsionadas por sua enorme capilaridade e capacidade de engajamento, por
meio de ambientes que promovem interações multidirecionais.
Dentro deste cenário e arrimado nas evidências levantadas, pode-se
concluir que, mesmo diante de sua ambivalência, complexidades e poder de
colonização, as redes sociais mediadas pela internet podem construir novas
esferas públicas de deliberação aptas a contribuir com a expansão da
comunicação pública, o que pode ampliar os mecanismos de institucionalização,
na burocracia da política e da justiça, dos consensos construídos
comunicativamente pelos cidadãos no mundo da vida.

REFERÊNCIAS

ANECLETO, Úrsula C. Tecnologias digitais, ação comunicativa e ética do


discurso em redes sociais. Texto Livre: Linguagem e Tecnologia. Belo
Horizonte-MG, v. 11, n. 2, p. 304–317, 2018. DOI: 10.17851/1983-
3652.11.2.304-317. Disponível em:
<https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16806>. Acesso em:
22 ago. 2021.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros


Editores, 2003. P. 859.

BORTOLANZA, Guilherme; BOFF, Salete. A teoria da reconstrução do direito


de habermas com foco no princípio da dignidade humana. Revista Jurídica
Cesumar - Mestrado, v. 11, n. 1, jan./jun. 2011. p. 345-356.

CRANSTON, Maurice. Introdução. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato


social. Organização e introdução Maurice Cranston. – São Paulo: Penguim
Classics. Companhia das Letras, 2011. p. 7-44.

FONSECA, Maria Guadalupe Piragibe da. Iniciação à pesquisa no direito:


pelos caminhos do conhecimento e da invenção. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
170 p.

GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Constituição, Ministério Público e


Direito Penal. A defesa do Estado Democrático no âmbito punitivo. Rio de
Janeiro: Revan, 2010. 286 p.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


12
Frederik Bacellar Ribeiro, Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, Francisco Teomário
Serejo Silva

GUIMARÃES, Claudio Alberto Gabriel; CARVALHO, Themis Maria Pacheco de;


SANTOS, Bruna Danyelle Pinheiro das Chagas. Direito Eleitoral, Democracia e
Ação Comunicativa: Possibilidades para efetivação da representação política. In:
MOREIRA, Eduardo José Leal; LIMA, Marcelo de Carvalho; TEIXEIRA, Márcio
Aleandro Correia; VELOSO, Roberto Carvalho (org.). Direito Eleitoral e
Democracia: estudos em homenagem ao Desembargador Cleones Carvalho
Cunha/Organizadores: São Luís: EDUFMA, p. 237-265, 2020. Disponível em:
<https://www.academia.edu/45128285/DIREITO_ELEITORAL_DEMOCRACIA_
E_A%C3%87%C3%83O_COMUNICATIVA_Possibilidades_para_efetiva%C3%
A7%C3%A3o_da_representa%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%Adtica>. Acesso
em 22.08.2021.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de


Janeiro: Templo Brasileiro, 1997. v. 1. 354 p.

HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo. Sobre a crítica da razão


funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2012. v. II. 796 p.

LUBENOW, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa em


Habermas: modelo teórico e discursos críticos. Revista kriterion, Belo Horizonte,
v. 51, nº 121, p. 227-258, Jun./2010. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/kr/a/L5Y3JWsfhpGzp4bHpw5G8gF/?format=pdf&lang=
pt>. Acessado em 26.08.2021.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito: conceito, objeto,


método. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 255 p.

MATTOS, Delmo. Níveis e articulações do argumento contratualista de


Hobbes. Fundação Getúlio Vargas, UERJ, CCEAD-PUC-Rio. Dissertatio [33],
Rio de Janeiro, p. 317-340, 2011.

MEIRELLES, Fernando S. Panorama do uso de TI no Brasil – 2022. Site Portal


FGV, 2022. Disponível em: <https://portal.fgv.br/artigos/panorama-uso-ti-brasil-
2022>. Acessado em 09 jun. 2022.

MULLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 3.


ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. 132 p.

NÚMERO de usuários de internet no mundo chega aos 4,66 bilhões. Isto é


dinheiro. 03 mar. 2021. Disponível em:
<https://www.istoedinheiro.com.br/numero-de-usuarios-de-internet-no-mundo-
chega-aos-466-bilhoes/>. Acessado em 05.08.2021.

PRIMO, Alex. Conflito e cooperação em interações mediadas por


Computador. Contemporânea: Revista de Comunicação e Cultura, v. 3, n. 1, p.
38-74, jun. 2005. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/limc/PDFs/conflito.pdf>.
Acesso em: 26.08. 2021.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


13
Justiça e Política: do Contratualismo à Democracia Deliberativa na era Digital

PATELLA, Ana Paula Dupuy; PASE, Hemerson Luiz; BRILHANTE, Lígia Silva
de França. Neocontratualismo, direitos humanos e democracia substantiva.
Revista InterAção, v. 9, n. 2, jul./dez, p. 21-35, 2018.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. 191
p.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Organização e introdução


Maurice Cranston. – São Paulo: Penguim Classics. Companhia das Letras, 2011.
199 p.

SILVA, Rafael Rodrigues da. Brasil é o segundo país do mundo a passar mais
tempo na internet. Site CanalTech. Publicado em: 01 fev. 2019. Disponível em:
<https://canaltech.com.br/internet/brasil-e-o-segundo-pais-do-mundo-a-passar-
mais-tempo-na-internet-131925/>. Acessado em 09 jun. 2022.

Revista Foco |Curitiba (PR)| v.16.n.2|e890| p.01-12 |2023


14

Você também pode gostar