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A HORA-X
Autor
HANS KNEIFEL
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização / Revisão
Gaeta / ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra, os calendários registram fins de novembro do ano
3.437. Perry Rhodan, chefe do governo e fundador do Império Solar
da Humanidade, já se detém, há bastante tempo, na NGC 4594, a
galáxia natal dos povos cappins, com a Marco Polo, a mais nova e
mais possante astronave para longas distâncias, da Frota Solar.
Perry Rhodan, que é acompanhado por oito mil terranos e
habitantes de outros mundos da Via Láctea, quer obter certeza do que
realmente se passa em “Gruelfin”, como a NGC 4594 é chamada
pelos cappins — e se os takerers realmente estão planejando uma
invasão da Via Láctea. Ovaron, pelo contrário — depois que a Marco
Polo o ajudou para um regresso à sua galáxia natal — interessa-se
sobretudo em saber o que aconteceu com o povo dos ganjásicos,
governado por ele há 200 milênios atrás.
Através de ousadas investidas de reconhecimentos e arriscados
empreendimentos de comandos, os homens da Marco Polo e suas
naves de suporte já reuniram uma grande quantidade de informações
preciosas sobre Gruelfin e a sinistra atividade dos takerers — mas o
esclarecimento fundamental dos complexos nos quais Perry Rhodan e
Ovaron estão especialmente interessados ainda está pendente.
Agora entretanto parece ter chegado a hora! Os moritatores
entraram em contato com os terranos e permitiram que um grupo de
especialistas investigasse as informações armazenadas há milênios
nos bancos de dados do seu Planeta-Arquivo.
Somente o comando de controle dos takerers não está de acordo
com estas investigações. Atentados são perpetrados contra os recém-
chegados — e então, quando os homens de Perry Rhodan se
aproximam da informação-chave, começa a contagem regressiva
para A Hora-X...
Dez minutos de uma lenta caminhada trouxeram Joaquim Manuel Cascal, através
das placas brancas de cimento-armado, até o grupo de pessoas, que se havia reunido em
volta dos planadores. As pessoas encontravam-se na sombra redonda do cruzador leve
CMP-1, que estava pousado no espaçoporto da cidade de Tuo Fryden. Cascal parou,
sentando-se lentamente em cima do capo branco de um dos planadores, que os
moritatores tinham trazido da cidade de Tuo Fryden para cá. Cascal, cantarolando uma
canção do bardo, acendeu um cigarro e ficou escutando. A um quilômetro de distância
erguia-se a formidável enfiada das imensas e antigas árvores do parque.
Cascal olhou para os números do seu relógio digital.
O mesmo registrava o dia vinte e dois de novembro do ano 3.437 — tempo terrano.
— Eu me pergunto se realmente todos os cinquenta takerers fugiram com a
espaçonave — dizia Perry Rhodan neste instante.
Roi Danton, que estava parado ao lado do Administrador-Geral, sempre de olho nas
garotas que tinham vindo com os moritatores, retrucou.
— Provavelmente não. Caso entretanto alguns ficaram para trás e se esconderam,
certamente vamos ficar sabendo disso dentro de pouco tempo.
A voz de Icho Tolot ribombou:
— Infelizmente o senhor tem razão, Roi!
A Marco Polo estava parada nas proximidades do sol Pysoma. As corvetas e
quarenta e nove cruzadores leves encontravam-se nas proximidades desse sistema, com
cientistas a bordo.
— Rhodan?
O Administrador-Geral virou-se um pouco, e olhou para o patriarca Ybsanow.
— Sim?
O patriarca vacilou um pouco, e pôs a cabeça de lado, como se quisesse escutar a si
mesmo. Aquele traço duro, amargurado, no canto de sua boca, permanecia. Ybsanow
parecia cansado, desiludido e reservado. Ele não tinha dormido por algumas noites, e ele
era um homem idoso.
— É verdade que o senhor falou com seu lugar-tenente?
— É verdade — disse o Administrador-Geral, sem nada esconder. — Eu relatei a
Atlan o que aconteceu. Todas as naves que esperam por nós lá fora vão prestar atenção.
Elas sem duvida alguma vão rastrear a nave do Iniciado, recebendo-o condignamente, e
se for necessário lhe darão um comboio de escolta.
Ibsanow disse, baixinho:
— Isso me tranquiliza um pouco, estranho. O senhor sabe o que depende da
chegada do Iniciado?
O rosto e o gestual de Ovaron eram uma nítida expressão de sua tensão interior.
Desde alguns dias, — isso fora observado por Cascal que sabia que também Rhodan
devia tê-lo notado, — o Ganjo usava a sua pulseira larga, que tinha certa semelhança com
um dos modernos minicomunicadores. Estes aparelhos, transmissores/receptores de
rádio, de grande alcance, já podiam ser adquiridos como peças de adorno. Ovaron parecia
nervoso, exausto e agitado a um só tempo — ele julgava-se no fim do seu caminho, ou
pelo menos a poucos passos disto. Para ele, a chegada do Iniciado representava a última
pedra-de-toque.
— Sim, eu sei. Espero sua chegada com ansiedade! Tudo depende disso, tanto para
mim como para os meus amigos aqui — disse Ovaron agitado e apontou para os terranos
e seus parceiros exóticos.
Os moritatores, antes da fuga dos takerers, e da descoberta da bomba, tinham
chamado, pelo comunicador-dakkar e hiper-rádio, um moritator Iniciado que deveria
identificar Ovaron ou liquidá-lo moralmente.
Ybsanow disse:
— O senhor não recebeu muito apoio de nossa parte. Mas isso vai se modificar,
estranho.
Ele dirigia-se a Rhodan. Rhodan agradeceu.
— Ótimo. O que é que o senhor tem para oferecer?
Ybsanow tinha mantido uma luta muito dura consigo mesmo e contra seus
conselheiros, e tomara uma decisão. Ele disse, em voz baixa:
— Os senhores continuarão as suas buscas no arquivo!
— Sim, — respondeu Ovaron, — e com redobrado empenho.
— Meus amigos vão acompanhá-los, e ajudarão naquilo que lhes for possível.
Façam o que acharem certo — mas não destruam nada. Os senhores podem continuar
suas investigações num plano extenso.
Rhodan disse:
— Obrigado. Dentro de poucos minutos, quando tudo estiver organizado, nós
começaremos com isso. Aliás, nós deveríamos agir com muita pressa, uma vez que temos
muita urgência, Ovaron.
Ovaron ergueu os braços como se quisesse conjurar ajuda das nuvens.
— Eu sei! Mesmo assim eu tenho que insistir que todos os planos, recintos e bancos
de dados do Mundo-Arquivo sejam investigados muito exatamente.
Marceile afastou-se do planador, onde estivera encostada ao lado de Roi Danton e
disse:
— Em alguma parte deve existir uma prova de que Ovaron é o Ganjo esperado!
Rhodan hesitou. Parecia que ele deveria recuar, vigilante, daquilo que ele percebia
repentinamente no novo interesse da moça em Ovaron, que recrudescia. Pensativamente
ele olhou o Ganjo e a foto enrolada na mão esquerda deste, a larga pulseira do aparelho
de comando, que há muito tempo atrás tinha aberto os portais da estação na lua de
Saturno, e depois olhou para Marceile, muito admirado.
— Eu vou dar-nos exatamente cinco dias — disse ele. — Nem uma hora mais!
Ovaron estremeceu.
— Isso é muito pouco.
Rhodan sacudiu a cabeça e apontou para o céu azul, pelo qual passava lentamente
brancas nuvens.
— Isto é demais, se penso na missão dos terranos.
— Muito pouco se penso nos inúmeros planetas da galáxia Gruelfin — retrucou
Ovaron.
Houve um silêncio desagradável. O sol movimentou-se um pedacinho no céu, e as
sombras se modificaram. Entre as sobrancelhas de Perry apareceram rugas verticais, mas
ele disse, controlado e em voz baixa:
— Não é possível de outra maneira. Eu vou aumentar o número dos participantes
dos grupos e usar algumas melhorias técnicas. O que cinquenta homens conseguem fazer
em cinco dias, se multiplicará por quatro, quando duzentos homens começarem a
trabalhar imediatamente, em turnos. Presumivelmente o resultado ainda é maior, em
muito.
— Nestas condições, eu aceito tudo, Perry. É muito difícil continuarmos razoáveis.
Cascal disse, bem perto do ouvido de Roi Danton:
— Ele também não passa de um cachorrinho molhado!
Rhodan virou-se e olhou para a abóbada da célula da nave.
Sobre Roi Danton a cena teve o efeito de um ato de algum drama antigo.
Ybsanow estava sentado numa das poltronas de design arrojado, e à volta dele
estavam os seis homens do grupo de Rhodan. Icho Tolot olhava para Ybsanow com seus
olhos vermelhos, ardentes. Ras Tschubai apontou uma arma de raios, do comprimento de
um braço, para Ybsanow, sem dizer uma só palavra. Os seus olhos controlaram o recinto
e as paredes.
Rhodan estava parado exatamente à frente do patriarca, apontando-lhe uma pequena
arma de raios energéticos, destravada. A boca da arma apontava exatamente por entre os
olhos do homem.
Gucky espreguiçava-se numa outra poltrona, parecendo estar à espreita do menor
movimento em falso do homem. Ele empurrara Ybsanow para dentro da poltrona com
sua força telecinética, e não o soltava. O rato-castor não precisava de nenhuma arma para
isso.
Roi Danton também apontava uma arma automática para o patriarca. Ela era pesada
e Roi precisava de ambas as mãos para erguê-la.
Somente Alaska Saedelaere ficara parado ali, com os braços cruzados sobre o peito.
Também na sua mão direita havia uma arma de raios.
— Eu sei que o senhor não é Ybsanow — disse Rhodan.
— Esta é uma imputação de má-fé! — disse Ybsanow, com uma voz curiosamente
estranha.
— Nós temos experiência com cappins, que podem goniometrar outras pessoas,
para depois assumi-las. Inclusive pelo Ganjo Ovaron, que nos informou de tudo sobre
esta possibilidade. E nós desenvolvemos um processo excelente, que ajuda contra a total
escravização da razão — disse Rhodan impiedosamente.
O seu rosto mostrava uma expressão que se podia designar como sanguinária.
— Experiência?
Alaska apontou para a sua máscara e disse:
— Eu tenho restos de um cappin no meu rosto. Eu agora vou contar lentamente até
onze. Isso corresponde a cerca de dez segundos. Se dentro deste espaço de tempo o
senhor ainda estiver dentro de Ybsanow, Misyen, o senhor vai morrer com este corpo.
— Isto... isso é loucura! — balbuciou Ybsanow.
Alaska disse, calmamente:
— um!
Roi Danton ergueu a arma e evitou olhar para Ybsanow. Ele travou e destravou
cuidadosamente a arma, verificou o controle de carga e depois apontou novamente para o
peito do patriarca.
— Dois!
Rhodan movimentou o polegar. A asa de segurança saltou para prontidão de
disparo, com um clique.
— Três!
Icho Tolot levou a mão para trás, mudou de opinião, e estendeu os quatro braços
novamente para o patriarca. Bufando surdamente e com passadas que faziam toda a
construção de vidro tilintar, ele aproximou-se lentamente.
— Quatro!
Ybsanow tentou levantar-se, com medo pânico, lutando contra suas algemas
invisíveis. Gucky entrou na brincadeira, diminuindo a pressão, para logo aumentá-la
novamente. O velho contorcia-se em pânico, sobre o estofamento elástico da poltrona de
vidro.
— Cinco!
Alaska Saedelaere puxou uma faca comprida, reluzente, da bainha na sua bota, com
a mão esquerda, enquanto apontava a arma de raios para Ybsanow.
— Seis!
Era evidente — os mutantes depois de alguns segundos o tinham verificado! —, que
o patriarca tinha sido assumido por um cappin. Com isto, a questão sobre o número e a
dúvida sobre quantos takerers tinham ficado para trás, podia ser considerada respondida.
Pelo menos um deles, e este certamente era Misyen, o ambicioso chefe do Comando do
Futuro. Ele ficara aqui e assumira o mais importante dos moritatores.
— Sete!
— O senhor não pode me assassinar! — gritou o velho, em voz estridente.
— Oito!
Mas também podia ter acontecido que Ybsanow pudera ser goniometrado tão bem,
que pôde ter sido assumido a partir de uma longa distância. Esta pergunta, entretanto,
agora era muito secundária.
— Nove! — disse Alaska, erguendo a voz.
E então disse, acentuando bem a palavra:
— Dez!
Rhodan atirou, quando Alaska disse “onze!”.
O tiro passou bufando a um palmo acima da cabeça do homem, e de repente a sua
expressão rígida desapareceu. Quase ao mesmo tempo Gucky e Ras Tschubai disseram:
— Parem! O cappin já o liberou.
As armas desapareceram, Icho Tolot deu início a uma gargalhada retumbante.
Gucky aliviou suas algemas telecinéticas, e Ybsanow perguntou, atônito, com a voz
tremendo de susto:
— O que se passa aqui, Rhodan?
Rhodan puxou uma poltrona, sentou-se e explicou ao patriarca o que acontecera.
Ybsanow gemeu audivelmente.
— Eu mandei todas as máquinas robotizadas do espaçoporto contra a sua nave. Elas
naturalmente não vão destruir a nave... mas... — A sua voz falhou.
Ele levantou-se, caminhou cinco passos até um console de comutações de vidro e
puxou toda uma série de alavancas comutadoras novamente para sua posição de repouso.
O barulho ensurdecedor, lá fora, na rua, acabou de golpe.
— Assumido? — perguntou ele, então, e tremeu cheio de pânico.
— Sim — disse Ras Tschubai. — Eu verifiquei que o cappin fugiu, ao se ver
ameaçado de morte por nós. Onde é que ele pode estar?
Alaska fez um gesto desamparado com ambas as mãos.
— Eu sou normal — disse ele, desculpando-se.
— Eu sei, magricela! — disse Gucky. — E além disso, o meu pelo fica embotado
quando não durmo o suficiente.
Ele sumiu.
Ybsanow estava totalmente confuso, mas Rhodan explicou-lhe tudo que acontecera,
tudo que Ybsanow ordenara, e uma hora mais tarde as condições antigas tinham sido
novamente estabelecidas. Depois de os terranos desaparecerem, um depois do outro —
Ras os levava de volta para a nave, — Ybsanow ficou para trás sozinho.
Ele tremia de medo, de exaustão e com receio do futuro.
Talvez Ybsanow tivesse se suicidado, se soubesse o que se escondia na escuridão
do futuro próximo.
O duelo com o passado começou novamente, e, ao que parecia, com força e rapidez
redobrada.
***
Antes de Rhodan, totalmente exausto, cair novamente em sono profundo, ele
pensou:
— O caráter de Misyen pregou-lhe uma peça. Ele devia pensar — uma vez que
também usava as suas medidas para conosco —, que nós atiraríamos sem piedade. E...
nós na realidade teríamos nos metido numa situação difícil, se ele não tivesse abandonado
Ybsanow. Pois nenhum de nós teria atirado.
Depois disso ele adormeceu.
***
Ovaron girou a asa da xícara pesada para a direita, com o dedo indicador. Houve um
ruído raspante no pires. O Ganjo olhou o café na xícara — suas mandíbulas se
comprimiram. Os lábios se estreitaram. A sensação que ele tinha durante esta conferência
o deixava amargo. As coisas, sobre as quais se discutia aqui, provocavam-lhe antipatia.
Um cientista ergueu a mão. Ovaron reconheceu o Dr. Troyanos, o qual, para proteção do
seu corpo cabeludo maltratado, usava um boné de bordo de fazenda macia.
— Hoje, ao final quase do quarto dia, nós já sabemos bastante mais sobre o arquivo
— disse Troyanos. — Nós nos reunimos aqui na Marco Polo, para discutirmos
rapidamente o que ainda deve acontecer.
Geoffry Abel Waringer interveio.
— A situação normalizou-se novamente, depois do exorcismo que Perry Rhodan e o
seu grupo efetuaram.
Marceile perguntou, irritada:
— O que é um exorcismo?
Waringer explicou:
— Uma expulsão do demônio — Rhodan expulsou o cappin de dentro de Ybsanow.
Presumivelmente Misyen está se escondendo em algum lugar. Se está em Tuo Fryden ou
em outra parte não sabemos. Os mutantes estão procurando por ele, mas até agora nada
encontraram. De qualquer modo, nós formamos novamente uns duzentos grupos, com a
ajuda dos moritatores, para buscas no arquivo. Afinal de contas, ainda temos esperanças
de conseguir um corte transversal representativo através do arquivo, apesar de ainda nos
restarem trinta e três horas apenas.
— Sim — disse Perry Rhodan.
Seus pensamentos estavam com Ovaron, e com o humor desesperado deste. A sua
decisão ainda oscilava. Eles não conseguiam desvendar o enigma deste modo, e este
raciocínio, esta incerteza, estava claramente estampada no rosto de Rhodan.
Roi Danton apoiou os cotovelos sobre a mesa de conferências e disse:
— Ovaron — nós vamos precisar de semanas, possivelmente de meses para revistar
o caos, e colocá-lo numa certa ordem. Esta tarefa no momento não nos interessa. Em
tempo oportuno, nós vamos colaborar com os cientistas da Marco Polo. Eu tenho uma
pergunta.
Ovaron levantou a cabeça e olhou Roi, com um olhar longo e pensativo. Todos eles
trabalhavam sob a pressão da falta de tempo, mas ainda assim os atores principais das
investigações tinham vindo pela ponte do transmissor para esta reunião a bordo da grande
nave.
— Por favor. Eu responderei, sempre que isso me for possível.
Roi anuiu, satisfeito.
— Ótimo. O senhor acha que seja possível que um bloco de informações dentro
deste extenso arquivo contenha os seus impulsos individuais? Os mesmos possibilitariam
a sua identificação instantaneamente.
— Não — disse Ovaron.
— Por que — não? — quis saber Rhodan.
Ovaron gemeu profundamente, depois declarou:
— Durante os tempos do meu governo, há duzentos mil anos atrás, eles faziam
parte dos segredos mais bem guardados do Estado.
— Compreensivelmente — disse Marceile.
— Por que razão?
Ovaron explicou:
— Os meus impulsos individuais eram — e ainda o são hoje —, por assim dizer de
consideração vital. Se alguém os conhecesse, com exceção de algumas poucas pessoas,
então uma pedotransferência seria possível a qualquer momento. Eu poderia ter sido
assumido por qualquer um que tivesse esta capacidade. E um constante ir e vir teria sido
a consequência.
— Eu entendo — disse Roi. Relaxado, ele recostou-se na poltrona. — Isso é fácil de
compreender.
Ovaron concluiu:
— Por esta razão os dados não devem existir aqui no arquivo. Em nenhuma
circunstância.
Rhodan mostrou um rosto impenetrável e disse:
— Portanto vamos ter que fazer uma outra tentativa.
Ele estendeu a mão, apontou primeiro para o peito de Ovaron e depois para o seu
pulso, onde se encontrava o largo aparelho de comando.
— Este aparelho? — perguntou Ovaron.
— Sim — disse o Administrador-Geral.
— Podemos tentar — disse o Ganjo, que parecia ter restrições. — Mas para isto
primeiramente vamos ter que descobrir um banco de dados que contenha estes dados.
— Para isto as chances aumentaram decisivamente — disse Rhodan. — Mas agora
nós devíamos ouvir nossos especialistas.
Um departamento da nave tinha elaborado um programa de investigações especial.
Primeiramente eles inseriram uma máxima:
Ovaron era o verdadeiro Ganjo.
Depois ele refundiram todos os dados de acordo com este esquema. Eles
compararam, na medida em que tinham material, as modificações arbitrárias feitas pelos
takerers com os dados históricos inalterados averiguados.
Naturalmente o seu trabalho era incompleto — somente depois de semanas eles
teriam colocado um esquema temporal em muitos milhões de informações unitárias.
— Por favor, Geoffry! — disse Rhodan.
O Professor Waringer até então só tinha participado das discussões de modo muito
passivo, verificando ininterruptamente a sua documentação, fazendo anotações e puxando
linhas. Agora ele ergueu a cabeça e olhou para Ovaron como se lamentasse alguma coisa.
— Primeiramente vamos ao nosso trabalho.
“Por enquanto descobrimos quarenta e três armadilhas. Quarenta e três recintos
tinham sido preparados. Tivemos cinquenta feridos, entre estes quatro casos graves de
queimaduras por ácidos. Recintos gigantescos encheram-se de gases mortíferos,
borrifadores de ácidos destruíram documentos preciosos e feriram os membros do grupo
— o fato dos homens e mulheres usarem trajes espaciais — que aliás dificultava bastante
seus movimentos —, salvou a vida de muitos deles —, campos de alta energia foram
erguidos, colocando as vidas do grupo em perigo.
“Tudo isso aconteceu por uma razão:
“Os takerers queriam impedir que se fizessem buscas nestes arquivos. Naturalmente
as instalações não foram feitas por nossa causa, e os moritatores teriam ficado em perigo
do mesmo modo.
“Nós, portanto, nos dedicamos de modo especialmente intenso aos dados destes
recintos de arquivo, fazendo-os avaliar muito bem pelas instalações biopositrônicas aqui
a bordo. Meus resultados derivam de informações cheias de lacunas, mas as informações
são suficientes para descrever uma coisa muito claramente.
“Não quero detê-los com detalhes, de como topamos com isso, quanto trabalho
custou, e assim por diante. Entretanto eu já posso dizer:
“Resultados assustadores ficaram demonstrados.
“Assustadores para nosso amigo, o Ganjo.”
Ele estacou e olhou para o cappin.
Ovaron tinha se levantado e murmurou:
— Pode falar, Abel!
A expressão equilibrada no seu rosto o deixou. Os cantos de sua boca endureceram,
e com uma cara inescrutável Ovaron esperou pelo que Waringer ia comunicar.
— Para os takerers reinantes despontou o momento-X, a hora-X.
— Não! — murmurou Ovaron, horrorizado.
Waringer abaixou a cabeça e olhou para as anotações à sua frente.
— Sim, infelizmente! — retrucou ele.
O momento-X era o dia em que o Ganjo deveria dar entrada nesta galáxia para
assumir novamente o seu antigo poder. Este era o resultado das investigações. A
comunicação teve o efeito de um forte choque, até mesmo em Atlan, que estava sentado
na sua poltrona, ouvindo tudo em silêncio. Depois de algum tempo, Rhodan perguntou:
— Como é que pode ser isso, Abel?
Waringer empurrou os seus documentos para trás, em silêncio.
— A explicação é de uma lógica concludente! — disse ele, depois, em voz baixa.
Perry Rhodan refletiu intensamente. Ele procurou por clareza, pela verdade objetiva
sob a superfície cintilante dos misteriosos acontecimentos desde o seu voo a Gruelfin. Ele
não conseguia abafar aquilo — ele foi tomado por uma sensação surda de inquietação. A
dura escola de sua longa experiência de vida o tinha educado para uma reflexão
silenciosa, para uma constante vigilância, a respeito das mutações políticas entre as
estrelas. Isto não era diferente daqui nem mesmo na sua galáxia natal. Vagamente ele
conseguiu entender o que Waringer pretendia dizer.
O rosto magro, cheio de rugas, de Waringer, perdeu a sua expressão severa,
encarniçada. O seu tom tornou-se mais suave, como se ele quisesse poupar Ovaron e
Marceile.
— Ovaron voltou em duzentos mil anos ao seu passado, para ali visitar a sua base
de equipamentos secretos na lua de Saturno.
— Correto! — confirmou o Ganjo.
— Um dos seus mais íntimos colaboradores e um homem, a quem também eram
conhecidos os dados individuais, era o comandante da nave espacial oval, que tinha
colocado Ovaron na lua. Mais tarde o comandante Moshaken transformou-se no
Almirante Moshaken.
— Eu me recordo — dolorosamente! — confirmou Ovaron.
Waringer prosseguiu:
— Moshaken — depois que Ovaron I se encontrara como Ovaron II —, comunicou
ao primeiro, ou seja, ao senhor, Ganjo, todos os fatos que ele conhecia, baseado na sua
viagem no tempo. Moshaken tinha certeza, como ouvimos, que Ovaron penetraria em
duzentos mil anos no futuro relativo de Moshaken, com a máquina do tempo terrana, o
deformador de tempo-zero.
— É um pouco complicado tudo isto! — comentou Roi, a meia-voz.
Cascal disse:
— Ainda vai ficar bem mais complicado, Roi!
Waringer ergueu a voz e ensinou:
— A conclusão lógica é a seguinte: Portanto, Ovaron seria obrigado a ressurgir
outra vez, duzentos mil anos mais tarde, sem ter envelhecido basicamente.
“Nós sabemos que: Moshaken voltou para cá, para a galáxia NGC, chamada
Gruelfin ou Sombrero, e aqui ainda reinava então o povo ganjásico. Ele esperou pelo seu
Ganjo, que tinha procedido a um apagamento de sua memória, para poder impedir a ação
dos takerers e do clã Nandor na Terra.”
Sem nada entender, o patriarca Ybsanow disse:
— Mas esta é a razão por que os moritatores agora esperam pela volta do Ganjo.
Rhodan acrescentou:
— Mas não são só os moritatores que conhecem bem esta circunstância, mas
também os takerers.
Roi explicou:
— O que nós sentimos nitidamente em nosso próprio corpo. A mesma coisa os
moritatores também devem ter sentido.
Ovaron disse, surdamente, e mais próximo ao desespero que nunca antes:
— O dia-X!
— É isto — continuou explicando Waringer. — Os takerers, pouco depois do
regresso do comandante, ou seja, do velho Almirante Moshaken, derrubaram a família de
Ovaron, assumindo o poder. Do mesmo modo o clã Nandor foi afastado. Muito bem,
agora por estes dias, para eles chegou o momento-X. Uma data exata para este dia, por
agora, ainda não foi possível determinar.
— Isso é uma cachorrada — disse Gucky, no seu modo de falar excessivamente
franco. — Só agora reconhecemos o contexto.
— Uma bela cachorrada, sim — disse Cascal. — Os takerers e provavelmente
também alguns moritatores sabem que o legítimo vai voltar. O Ganjo legítimo é Ovaron
— o senhor sabe agora, Ovaron, por que há alguns dias atrás tivemos aquele combate
com os takerers?
Ovaron apenas anuiu.
— A minha viagem no tempo, se é que podemos usar esta expressão, portanto está
terminada.
— Não somente cronologicamente — disse Rhodan — mas também localmente... O
tempo, transcorrendo normal, recuperou o salto gigantesco que Ovaron venceu com ajuda
da técnica de tempo-zero terrana. Muitos enigmas foram solucionados de golpe — e os
acontecimentos dos últimos tempos receberam suas coberturas mútuas.
Ybsanow verificou, resignado:
— Os moritatores, portanto, se transformaram, mesmo contra a sua vontade, nos
preparadores do caminho do Ganjo. Mas não para o Ganjo legítimo, ou seja, para o
senhor, Ovaron, se não me engano muito, mas para uma outra figura. Para um impostor!
Totalmente destroçado, ele ficou sentado na sua poltrona.
— É exatamente isto — disse Ovaron. — Os takerers, que sistematicamente
adulteraram os dados e as informações, durante duzentos mil anos, também forçaram,
deste modo simples, que os moritatores relatassem estas mentiras por todos estes anos.
Eles engendraram um plano monstruoso, um plano para um tempo muito longo!
Cascal observou, sorrindo:
— Um planejamento de longo alcance... de acordo com a mania de criação de
conceitos dentro desta nave.
E era isto mesmo.
Os takerers, que ninguém aqui, nem por um minuto, subestimava, sabiam muito
bem, como espertos cientistas que eram, que a viagem no tempo de Ovaron não podia ser
impedida. O seu regresso dificilmente poderia ser detido. O atentado no arquivo era
apenas uma parte do seu planejamento, na realidade mais um acaso.
Os takerers presumiam — e entrementes havia para eles uma boa quantidade de
provas para esta suposição —, que os antigos ganjásicos provavelmente existiam
escondidos. Duzentos mil anos são um tempo muito longo. Neste espaço de tempo até
mesmo povos pequenos em número podiam ter construído um gigantesco bloco de poder.
Os takerers deviam importar-se com que a legendária figura do Ganjo ressurgisse
novamente, no momento exato. Mas ele também era o Ganjo certo? Não para os takerers.
Para eles, Ovaron era o homem que poderia derrubar o seu planejamento de longo
alcance.
Que conclusões deviam-se tirar disto?
Novamente Geoffry Abel Waringer começou a falar:
— As máquinas biopositrônicas a bordo da Marco Polo calcularam que os takerers
tinham trabalhado por duzentos mil anos, com uma inteligência formidável e grande
cautela, na direção deste momento. O nosso aparecimento aqui em Molakesch foi, para
eles, a primeira pane.
— É sério — confirmou Ybsanow. — Muito sério!
Ele ocultou a sua resignação, imediatamente depois, atrás da máscara imóvel do seu
rosto idoso.
— A atividade do Comando do Futuro em Molakesch comprova-me, nitidamente,
que os takerers prepararam tudo, até mesmo aqui neste importante arquivo, por um
espaço de tempo de incalculável duração — disse Ybsanow então, muito baixo.
Dados muito antigos tinham sido falsificados. Eles deveriam preparar o
aparecimento de um Ganjo, expressamente falsificado pelos takerers para os seus fins. Os
dados apresentaram, reunidos e avaliados, uma imagem levemente modificada.
Era a foto que aparecia no retrato tridimensional.
— Portanto, o planejamento dos takerers, em duzentos mil anos, prevê a
apresentação de um falso Ganjo. Com este falso Ganjo, de acordo com nossas
informações, eles querem alcançar o seguinte:
“Os muitos povos, que lutam e rivalizam entre si, desta galáxia, deverão ser
pacificados e em seguida reunidos sob uma direção central.”
Waringer terminou e juntou os documentos, alisando pedantemente os seus
cantinhos dobrados.
Rhodan sacudiu a cabeça. Como se acordasse de uma longa reflexão, ele disse:
— Além disso, se nós avaliamos corretamente todas as informações e interpretamos
acertadamente as histórias e relatos de Ovaron, o povo dos ganjásicos, misteriosamente
desaparecido, deverá ser atraído para fora dos seus esconderijos.
“Pelo fato de reconhecerem o Ganjo, eles terão que sair do seu anonimato. E esta é
a melhor oportunidade para os takerers e o seu falso Ganjo, para também colocar os
ganjásicos sob o seu poder.”
— É isto — disse Ovaron.
As hipóteses, que tinham um grau de probabilidade muito elevado, significavam
muito para esta galáxia. De repente, tudo parecia mais claro. Uma rodinha encaixava-se
na outra.
Rhodan disse, agitado:
— Agora também compreendemos por que os cappins surgiram na nossa galáxia e
no nosso sistema solar, como pedotransferidores.
Waringer anuiu e prosseguiu:
— Também o nosso temor de que uma invasão dos cappins é iminente, agora é
claramente explicável. Os takerers pensam em atacar sem prévio aviso os povos da Via-
-Láctea e nós terranos em primeiro lugar. Eu preciso ainda lembrar da ameaça do Satélite
da Morte?
Atlan levantou-se.
— Não — disse ele, incisivo. — Agora nós sabemos por que pouco tempo antes
cappins audaciosos executaram experimentos de tempo. Eles simplesmente queriam
apenas penetrar no futuro. É muito simples!
Ybsanow tossiu, discretamente.
— Muito simples... — observou ele, em voz baixa.
Cascal tinha lembranças muito diretas do Satélite da Morte e dos acontecimentos à
sombra do mesmo.
Oito mil cappins deste comando experimental do tempo tinham conseguido saltar
para dentro do Satélite da Morte. Por pedotransferência.
Roi Danton juntou-se a Atlan, parecendo querer voltar novamente ao arquivo.
— Até para mim, que não participei diretamente destes acontecimentos, está claro
que a existência deste Satélite Solar, — agora não-existente, já que essa coisa se queimou
—, entrementes é do conhecimento de todos os cappins do povo dos takerers.
Roi Danton e Atlan pararam perto da porta larga, e olharam atentamente para as
pessoas reunidas ali. Os participantes desta conferência pareciam todos muito agastados.
Estava claro que o planejamento total dos takerers também tinha por objetivo evitar
a apresentação do Ganjo legítimo, fazendo entrar no seu lugar uma personalidade falsa,
na galáxia Gruelfin.
— Isto é uma coisa bem ao meu gosto — disse o Lorde-Almirante Atlan, incisivo.
Ovaron perguntou, um pouco confuso:
— O que quer dizer?
Os dois homens que tinham algo assim como um destino comum, se entreolharam
longamente, em silêncio.
— O senhor vai ter que lutar contra uma sombra! — verificou Atlan.
— Contra uma...?
— Sim. Ou seja, contra o falso Ganjo, que já deve existir agora. Em algum lugar
nesta galáxia, ele deve estar se preparando para a sua aparição de grande efeito.
Ybsanow queixou-se:
— Que estranho. Primeiro tem que vir estranhos até aqui, para descobrirmos isso
tudo. Os conhecimentos não são apenas espantosos, mas eles derrubam tudo.
Cascal dirigiu-se lentamente para o grupo perto da porta, e declarou:
— Ou seja, conhecimentos derrubadores.Ybsanow, o senhor é um homem que eu
aprecio. O que o senhor formula tem uma lógica tão formidável, que todos nós sentimos
um frio na espinha, devido às consequências.
Portanto os takerers estavam informados sobre o aparecimento dos terranos. Eles
conheciam a verdadeira causa dos acontecimentos no Sistema USy-1. O sequestro de
Vavischon também era debitado na conta deles — dos terranos. Também os
acontecimentos nos quais os saqueadores tinham sido vencidos pelos terranos, deviam ser
inseridos neste esquema. E agora os quarenta e nove ou cinquenta takerers tinham visto a
última prova, quando a Marco Polo apareceu seguindo a Norro, tendo depois lançado um
cruzador.
Não se sabia apenas que Ovaron estava aqui — sabia-se também que ele tinha
poderosos ajudantes.
Waringer levantou-se.
— Isso parece ser tudo — disse ele. — Pela ponte do transmissor eu vou saltar para
o Planeta-Arquivo. Nós podemos ser interrompidos a qualquer segundo — por isso
deveríamos aproveitar o último dia para realizar o maior volume de trabalho possível.
Rhodan e Ovaron entenderam-se com um rápido olhar.
— Nós também vamos voltar — disse Rhodan. — A conferência terminou e cada
um sabe o que precisa fazer. Muito obrigado a todos.
Depois os participantes desta reunião abandonaram o salão e minutos mais tarde
podiam ser encontrados novamente nas circunvoluções do arquivo.
***
Duas horas mais tarde.
Um total de três quartos dos recintos do arquivo tinham sido examinados. Havia um
grande número de máquinas e pessoas. Telas de vídeo tinham sido montadas, e
ininterruptamente os mensageiros corriam para cá e para lá, levando o material para a
Marco Polo.
Ybsanow encontrava-se ao lado de Cascal, quando mais um recinto foi aberto,
depois que os mutantes verificaram que não havia armadilhas.
Ouviu-se um zunido, um som feio, cujo eco ribombava entre as paredes e o
parapeito.
Cascal ligou a tela, e viu-se diante de uma garota dos moritatores.
Ela disse, muito agitada:
— Preciso imediatamente falar com Ybsanow, estranho!
Cascal sorriu, rápido.
— Nada mais fácil que isto — disse ele. — Um segundo.
Ele puxou o patriarca pela manga para junto de si, girou-o um pouco pelos ombros e
disse:
— Para o senhor, chefe!
A moça disse, em claro nervosismo:
— Patriarca, acabamos de captar um impulso curto, por hiperondas. Ele vem de
uma de nossas naves. O Iniciado aproxima-se.
Cascal observou, sarcástico:
— Isso vai agradar a Ovaron.
— O que mais diz esta mensagem? Nada de naves takerers?
A moça sacudiu a cabeça e respondeu:
— Não. O comandante acentuou que não se via nada de uma frota takerer.
Evidentemente o comando geral dos takerers hesitou em interferir.
— Isso ainda nos dá algum tempo — disse Ybsanow. — Eu espero que o Iniciado
faça um bom pouso aqui.
Cascal comentou:
— Isso seria desejável.
Ybsanow perguntou à garota do departamento de rádio de Tuo Fryden:
— Quando o Iniciado pretende pousar?
— Dentro de um dia e meio.
— Excelente!
A tela escureceu novamente e os terranos voltaram a dedicar-se ao trabalho. Grupos
isolados tinham avançado até bem embaixo e agora trabalhavam com uma pessoa febril
ao encontro dos seus camaradas que trabalhavam acima. Muitas informações eram
revistas apenas em forma aleatória, mas os mensageiros continuavam a correr de um lado
para o outro. Passou-se hora após hora e lentamente o limite se aproximava — aquela
determinada hora do quinto dia.
As moças e os homens dos moritatores estavam exaustos, os grupos terranos não
menos. Alguns dos aparelhos já estavam sendo guardados, e nas seções da Marco Polo os
rolos de dados se amontoavam, sendo alimentados sem cessar aos computadores
biopositrônicos. As memórias das formidáveis máquinas calculadoras engoliam tudo,
sem retrucar.
Finalmente a voz de Rhodan interrompeu os trabalhos.
— Aqui fala Perry Rhodan.
“Todos os grupos, sem exceção, que vieram para cá, da Marco Polo, dentro da
próxima hora deverão estar novamente a bordo da nave. Isto é uma ordem. Os grupos de
pessoas da CMP-1 e os moritatores podem continuar o trabalho, entretanto devem estar
preparados para uma rápida retirada.”
O caminho de volta para a Marco Polo teve início. Lentamente esvaziou-se o
arquivo. Joaquim Manuel Cascal, que há dias funcionava aqui como “criado-para-tudo”
encostou-se na parede e fumou silenciosamente um cigarro, vendo como os pares
sumiam, um depois do outro, no pequeno transmissor. Eles ressurgiram rapidamente na
CMP-1, saltavam dali pelo transmissor instalado, seguidos mais tarde dos seus robôs,
máquinas e as fitas e aparelhos sensores, além de outros equipamentos técnicos.
Pequenos grupos de conversa formaram-se diante do transmissor, dentro do arquivo.
— Esta maldita sensação... — disse Cascal, em voz baixa.
Parecia que alguma coisa estava à espreita no espaço em volta e por cima de
Molakesch. Alguma coisa incompreensível, que outros homens que não tinham crescido
entre perigos provavelmente nem sequer sentiriam. Mas em Cascal, cuja vida era uma
cadeia ininterrupta de aventuras, a mente sensível deste homem foi tocada, deixando-o
agitado. Como uma onda fria, aquilo passou pela sua pele. Certamente ali havia alguma
coisa.
— Silêncio! — ordenou Cascal.
Mas ele sabia que não conseguiria deter nada.
E também não ficou absolutamente surpreendido quando o minicomunicador no seu
pulso chamou. Ele levantou o braço, ligou o aparelho e disse:
— Cascal. Quem fala?
— Aqui fala Rhodan. Os moritatores e a Marco Polo acabam de captar um pedido
de socorro da nave dos moritatores.
— Estou ouvindo!
Rhodan disse, apressado:
— A nave neste momento está sendo atacada por várias naves takerers, Joak — o
senhor é o chefe da frota dos cruzadores. Vá para bordo da Marco Polo.
Cascal já estava correndo na direção do transmissor.
— O senhor informou Atlan?
— Naturalmente. Depressa!
Cascal agora encontrava-se diante da fila que se formara na frente do transmissor.
Eram mais de cem homens, o restante dos grupos.
— E os homens que estão aqui?
Rhodan gritou:
— Até que a Marco Polo entre no espaço linear, eles poderão saltar.
— Ótimo — disse Cascal, correndo e deixando os homens para trás. — Eu voltarei
dentro de três segundos.
Ele parou bem perto do transmissor e gritou:
— Todos da Marco Polo, de volta! A nave vai interferir, o moritator foi atacado.
Rápido, mas sem pânico. A nave está partindo neste momento, mas até que alcance a
velocidade para entrar no espaço linear, vocês conseguirão saltar facilmente!
Ele virou-se, girou dois homens com bagagem, e saltou para a frente. Ele
desapareceu entre as duas colunas do portal, tropeçou violentamente na sala do
transmissor dentro da CMP-1, para dentro do outro transmissor e rematerializou na
Marco Polo.
— Eu bem que imaginei! — disse ele, ofegante.
3
A nave ergueu-se por cima de uma paisagem que mais parecia a de um planeta
antiquíssimo nos primeiros milhões de anos, antes de sua transformação em esfera.
Desde a detonação da primeira bomba no interior do arquivo, e o momento em que
o cruzador leve se encontrava a um quilômetro de altura, acelerando sempre, tinham
transcorrido setenta e cinco minutos.
Cerca de seis mil e cem pessoas encontravam-se na nave.
A superfície do planeta Molakesch era uma padronagem de chamas brancas, de
colunas ígneas vermelhas e pretas e de nuvens de fumaça, de vulcões em erupção e de
formidáveis mares de chamas, que se alastravam como ulcerações.
Entre estes espaços abaulavam-se gigantescas bolhas de gás, que atiravam partes
inteiras do planeta para o alto. Gigantescos pedaços descreviam uma curva balística,
transformando a sua cor de branco incandescente para preto opaco, caindo novamente de
volta. Através de um tufão de energia, nuvens atômicas e gás em ebulição, a CMP-1 voou
à sua rota vertical. Ela subia incessantemente, chegando agora ao limite dos vinte
quilômetros, continuando sempre para dentro do espaço.
As cargas explosivas de fusão, detonando espontaneamente, arrancavam o tapete de
chamas, que se estendia por cima do magma do planeta. As ondas de choque batiam
contra o magma, rachando a superfície, e a pressão interna do núcleo liquefeito e ardente
atirava para cima enormes pedaços do planeta, do tamanho de luas.
Línguas de fogo levantavam-se para o alto como colunas incandescentes.
Os cursos d'água e os oceanos desaguavam dentro do fogo, formando vapor. A
fuligem, a cinza da superfície de terra queimada e este vapor eram atirados uns contra os
outros, provocando uma tempestade que corria em torno do planeta, parecendo avivar
ainda mais o fogo.
Menesh Kuruzin disse, em voz alta:
— Altitude três mil metros. Partida continua normal.
Os movimentos oscilantes da nave tinham terminado, e entrementes o momento da
aceleração ficara tão grande, que o corpo espacial subia cada vez mais depressa. As telas
da galeria panorâmica agora mostravam toda a medida do honor.
Rhodan abriu caminho a muito custo por entre a multidão de pessoas na central
principal, até a sua poltrona, deixou-se cair exausta na mesma e fechou os olhos.
Assim ficou sentado por alguns minutos para finalmente erguer-se.
— Central de rádio — disse ele, a meia-voz, bem perto do microfone.
O barulho, as pragas e os gritos, os ruídos de milhares de pessoas, agora eram um
pouco menores.
— Sir? — apresentou-se o interlocutor.
Rhodan perguntou:
— O senhor tem liberdade de movimentos suficiente?
— Não.
Rhodan gemeu, olhou em volta e disse:
— Ras está aí, com o senhor?
— Sim — foi a resposta.
— Diga-lhe, por favor, que quando ele puder deverá trazer seis pessoas aqui para a
central principal. Mais lugares nós não temos.
— Entendido.
Rhodan ergueu a mão. Na tela ele via apenas o rosto do interlocutor, e por trás uma
parede de pessoas, por cima das cabeças de vários moritatores que estavam deitados,
segurando-se em alguma saliência, silenciosamente. Era possível ver-se o que eles
estavam pensando.
— E...
O homem sorriu, desesperado.
— Não, nada. Nós estamos passando nossos pedidos de socorro em todas as ondas
que podem ser captadas pela Marco Polo. Atlan ainda não respondeu.
Rhodan disse, baixinho:
— Quando for o caso, entre em contato comigo — eu acho que vamos poder
aguentar ainda por algum tempo.
— Mas é claro, chefe... nós já vencemos outras coisas.
— Nisso o senhor tem razão — disse Rhodan e ligou para a central de rastreamento.
As telas escureceram, ou seja, elas ofereciam a imagem que sempre era criada
quando uma espaçonave se aproximava de um pequeno sol vermelho — o planeta agora
podia ser visto totalmente, como esfera. A luz do sol Pysoma tornou-se desimportante:
Molakesch ardia como um gigantesco balão vermelho, em cujo interior queimava um
fogo chamejante. Branco, preto e vermelho-claro, cinzento e marrom — tudo isso
formava uma padronagem que se mexia constantemente, que se modificava e se
sobrepunha constantemente. Entre as rochas, as partes eram arrancadas, jogando para
cima silenciosas e fantasmagóricas colunas de fogo, bruxuleando como archotes
cósmicos.
Entrementes se esvaziaram os recintos mais cheios, infelizmente só em pouca
monta.
Ali onde as pessoas podiam ficar de pé, mais ou menos retos, logo havia mais gente
se comprimindo, vindas de onde o aperto simplesmente era grande demais. Continuava
não havendo gravidade, o efeito tinha sido considerado. Era como se num grande torrão
de saí se distribuísse uma grande quantidade de água — os moritatores obedeciam à
mesma lei, até que as condições fossem iguais em todos os recintos da nave.
Invariavelmente ruim. Já agora podia notar-se que as instalações da nave, apesar de
consideradas para grande capacidade, eram insuficientes... um cheiro de pessoas suando
espalhou-se como um gás inerte.
— Está fedendo! — disse um membro da tripulação.
Perto dele, de rosto para a parede, um moritator opinou:
— É melhor morrer sufocado que queimado!
O astronauta prometeu:
— Eu vou buscar minha loção de barba e derramá-la aqui. Então logo isso aqui vai
cheirar melhor.
Um outro aconselhou-o:
— Isso você pode guardar para mais tarde. Com certeza isso aqui ainda vai ficar
pior.
Depois eles silenciaram novamente, pois falar era um esforço, e esforços, nesta
situação e neste calor, provocavam transpiração. E gente suada cheirava mal.
Rhodan agora falou, afivelado no seu cadeirão, com a central de rastreamento:
— Central de rastreamento, aqui fala Rhodan. A partir deste momento o senhor
ocupa o lugar mais importante e de maior responsabilidade a bordo.
O chefe da central disse, preocupado:
— Eu sei. Ordens especiais?
Rhodan sacudiu a cabeça levemente e respondeu:
— Não, nenhuma. Continue rastreando com todos os aparelhos disponíveis, e faça
uma sondagem, mais uma vez, de todo o espaço.
Parecia que o homem abafava uma imprecação.
— Já está acontecendo. Sem querer, nós criamos um novo sol.
Rhodan refletiu, transtornado. Ele estava cansado e exausto, e tinha que esperar até
que o seu ativador celular tivesse tirado dele esse cansaço elementar, abrangente. Havia
nele uma profunda lástima, pela maneira de proceder, que ele vivenciara mais uma vez
aqui. Os takerers não tinham hesitado em destruir um planeta florescente, através de
milhares de bombas mortíferas, só porque eles eram mais poderosos, mais sabidos e sem
quaisquer escrúpulos. O resultado era esse “novo sol”.
— Sim — respondeu ele, exausto — é um sinal impossível de não ser visto. Eu só
espero que topemos com Atlan ou então que Atlan nos encontre, antes que uma
gigantesca frota takerer esteja aqui, para verificar o que aconteceu.
O chefe da central de rastreamento disse, depois de um longo olhar para Rhodan:
— É o que todos esperamos, penso eu. Desligo?
Rhodan confirmou.
— Desligo — disse ele e interrompeu a conversa.
A espaçonave agora estava a uma distância de cento e cinquenta mil quilômetros do
planeta. Ele tinha o tamanho, nas telas, de uma dessas bolas nas quais se pode sentar, com
cerca de setenta centímetros de diâmetro.
Os restos da capa atmosférica queimavam num fogo esbranquiçado.
E então o planeta se desfez, em pedaços. O seu interior desdobrou-se como uma flor
exótica, gigantesca. O vermelho e as outras cores, tudo foi encoberto radiosamente por
um gigantesco disco solar, branco como a neve, que girava lentamente. E logo se viu,
dependurado no espaço, apenas minutos mais tarde, um novo sol branco, em substituição
ao planeta Molakesch, com seus arquivos únicos, insubstituíveis.
Linhas de gravidade estenderam-se para o espaço, tentando ultrapassar a nave, mas
o cruzador já tinha alcançado a metade da velocidade da luz, tornando-se cada vez mais
veloz, e atirando-se para os limites do sistema, com o sol Pysoma nas costas.
— Perdido! — murmurou o patriarca Ybsanow.
Ele não conseguia suportar a visão do seu mundo moribundo, mas não tirava os
olhos das telas.
Rhodan disse, duro:
— O planeta está perdido. Os senhores encontrarão uma nova pátria em outras
bases de apoio dos moritatores. E todos estão vivos!
“Por quanto tempo?”, pensou ele.
Quando o brilho ficou tão violento que os filtros automáticos entraram em ação e os
homens da galeria panorâmica tiveram que afastar os olhos, também Ybsanow virou a
cabeça para Rhodan.
— Porque nós não somos takerers — disse Rhodan. — Ovaron... procure explicar
ao seu amigo que nós somente usamos armas, quando nos encontramos diante da
alternativa de nos defender ou de morrer.
Com determinação, Ovaron ergueu o queixo, olhou para Rhodan e disse para o
patriarca:
— Ele tem razão. Não há mais nada a acrescentar.
Rhodan disse baixinho para o comandante da nave:
— Ligue lentamente a gravidade outra vez e estabilize a mesma em três décimos do
valor normal.
Kuruzin executou a ordem imediatamente.
A nave passou pela órbita do terceiro planeta, tornando-se mais rápida. Ela era
apenas ainda um pontinho entre as estrelas, mas a luz de dois sóis iluminava o seu casco.
O cruzador estava sozinho.
Rhodan avaliou que não podia levar mais de vinte e quatro horas até que as coisas
aqui a bordo ficassem impossíveis. Os problemas dos toaletes, a alimentação de oxigênio,
da água ou bebidas e finalmente a comida, surgiriam em pouco tempo, pois a bordo
encontravam-se cem vezes mais pessoas que normalmente. Para uma capacidade de
abastecimento multiplicada por cem, as máquinas não tinham sido instaladas.
Ele virou-se e sentiu que a gravidade tinha voltado.
— Ybsanow?
— Sim?
Rhodan olhou para o relógio.
— Eu lhe pergunto se, em caso de necessidade, nós podemos pousar no quarto
planeta. Para mim está claro que ele é bastante frio. Mas existe ar respirável ali?
Ele já esperara a resposta, pois nestas coisas era mais que pessimista.
— Não. Aquele é um planeta com atmosfera de amoníaco.
Rhodan abaixou a cabeça e procurou lembrar-se das listas de índices de rendimento
que descreviam este cruzador leve.
— Obrigado — disse ele.
Onde se encontravam as outras unidades?
Até mesmo uma segunda nave, até mesmo uma corveta, já teria melhorado as
chances dos sobreviventes do planeta em chamas — seria possível passar para ela, por
exemplo, todos os idosos e as poucas crianças. Mas a Marco Polo e todas as suas
astronaves acompanhantes estavam à caça das naves takerers, pelas quais o Iniciado tinha
sido sequestrado.
Incessantemente saía o pedido de socorro.
Ninguém o ouvia.
E não havia ninguém que pudesse ouvi-lo. As cem unidades estavam no espaço
linear... em algum lugar...
Mas Rhodan ainda não desistiu.
— O que há com o segundo planeta? É possível existir no mesmo? Mesmo que por
curto espaço de tempo?
Novamente o moritator sacudiu a cabeça, desesperançado.
— Não — disse ele. — Este é um mundo que é tão velho, que não possui mais uma
capa atmosférica. É um planeta desolado.
“Tão desolado quanto meus pensamentos”, pensou Rhodan, desesperado.
A nave agora voava velozmente na direção do planeta mais exterior.
Atrás dela ficava uma névoa de gás brilhante, que constantemente aumentava de
tamanho, e lentamente circundou, na órbita do planeta Molakesch, o sol Pysoma.
Depois de algum tempo, Menesh Kuruzin falou:
— Sir, nós alcançamos os limites do sistema de planetas. A três segundos-luz à
nossa frente, visto na rota do voo, encontra-se o planeta. Devo voar até ele?
Depois de curta reflexão, Rhodan concordou.
— Sim. Entre numa órbita estável em volta do quarto planeta e depois desligue as
máquinas.
— Entendido.
A nave continuou voando mais vinte minutos, colocando-se depois na posição
desejada, na sombra do quarto planeta, numa órbita estável, ou seja, permanecendo
sempre por cima do mesmo ponto da superfície planetária.
A estação de hiper-rádio do cruzador transmitia ininterruptamente.
Eles utilizavam a frequência da frota e irradiavam o pedido de socorro. Descreviam
rapidamente a situação, pedindo resposta imediata. Os homens tinham preparado uma fita
comprida, que constantemente passava pelos cabeçotes sensores... incessantemente,
repetindo-se monotonamente, sempre dizendo a mesma coisa. E com a mais forte
capacidade de transmissão.
De modo parecido trabalhava a central de rastreamentos.
As antenas revistavam cada ponto dos arredores, procurando captar energia de
naves estranhas. Mas não se mostraram nem as marcas características dos propulsores
terranos nem os fluxos também conhecidos que se originavam quando naves takerers
penetravam no espaço dentro do sistema planetário.
Nada.
E então teve início o dia trinta de novembro do ano de 3.437.
***
30.11.3437 — 1 hora e 30 minutos.
Anotação no Livro de Bordo — Cruzador CMP-1.
Nós nos encontramos em órbita em torno do quarto planeta do sistema do sol
Pysoma. Desde nossa partida de emergência do planeta Molakesch em chamas,
passaram-se oito horas. A situação a bordo é catastrófica, mas por enquanto não houve
perdas. Pessoas desmaiadas estão sendo tratadas pela Dra. Chabrol, e as porções de
alimentos ainda são suficientes por longo tempo. Um problema está se tornando a
distribuição de líquidos e os problemas resultantes dos mesmos.
Continuamos incessantemente a irradiar o pedido de socorro.
Nenhuma resposta.
Nossa central de rastreamento não tem conseguido captar e medir emissões
energéticas, com exceção de uma quantidade de fluxos estelares parasitas, que podem ser
atribuídos a nuvem de gases brilhantes. Nós estamos sozinhos.
Perry Rhodan está contando com o fato de que nas próxima vinte e quatro horas ou
a situação a bordo terá piorado drasticamente, ou então que os takerers procurem por nós,
nos encontrem e nos ataquem. No momento estão se realizando conversações com
moritatores isolados.
ass.: Kuruzin.
***
Cada um a bordo tinha seus próprios problemas, especialmente aqueles que a
terrível superlotação trazia consigo. Ybsanow, que conseguira sentar-se sobre duas
almofadas que tinham colocado no chão da central, abraçou os seus joelhos e ficou
refletindo.
Se é que se poderia chamar o turbilhão dos seus pensamentos de “reflexão”.
Ele sentiu o calor que aumentava à sua volta, e este calor dava-lhe sono. Ele era um
homem velho, que durante grande parte de sua vida guardara o arquivo como um tesouro
precioso — o que aliás correspondia à significação daqueles bilhões de informações. E
agora este arquivo estava irremediavelmente destruído. A sua vida perdera o seu sentido,
e também o trabalho dos moritatores, que afinal hauriam suas informações do arquivo,
que, dentro em pouco, estaria totalmente destruído.
Ou não?
Na medida em que as pessoas que estavam por ali, de pé, e muito apertadas, se
mexiam, a parte superior daquele homem balançava de um lado para o outro.
Estes estranhos, com a sua técnica, tinham salvo grande parte do arquivo, que
alimentaram aos seus computadores. Junto com o que possuíam os moritatores que ainda
se encontravam em viagem, provavelmente resultaria uma boa quantidade. Isso queria
dizer que seria possível criar-se um novo arquivo.
Porém a confiança desapareceu novamente. Desanimado, Ybsanow lembrou-se que
a maior parte das informações tinham sido falsificadas. Sem piedade e sem consideração,
só porque os takerers, através de um falso Ganjo... era difícil de se imaginar. Dentro
daquele ancião a raiva cresceu. Há duzentos mil anos os moritatores cantavam o mesmo
texto falso. Eles tinham se tornado instrumentos dos takerers. Instrumentos bons,
eminentes.
A sua vida não tinha mais sentido.
O seu lar tinha derretido, estava queimado, explodira...
As árvores que ele plantara, tinham queimado, transformando-se em gases
luminosos...
E ele era velho. Velho demais para poder recomeçar. E este calor... o calor, o
oxigênio que faltava, e o cheiro penetrante de inúmeras criaturas aqui e nos outros
recintos da nave... ele ficou com sono, sua cabeça caiu sobre o peito, e Ybsanow
adormeceu.
Ele despertou uma hora mais tarde, quando um terrano, metido dentro de um traje
espacial, pisou-lhe nos dedos.
Incessantemente o pedido de socorro era irradiado.
Ninguém respondeu.
A espaçonave estava abandonada e sozinha — e a bordo aumentavam o calor, a
tensão e o desespero.
***
30.11.3437 — 2 horas e 46 minutos.
Perry Rhodan estava deitado numa poltrona, suando e exausto. Ele enrolara as
mangas de sua camisa de bordo até o ombro, e a camisa estava aberta até o cinto. Mesmo
assim, o ar quente da central principal pesava sobre o homem deitado aqui, de olhos
fechados.
As costas, ao longo da espinha dorsal, comichavam.
Rhodan abriu os olhos. Ele olhou diretamente para as telas da galeria panorâmica.
Fora as estrelas, não se via mais nada.
À sua volta quase nada se mexia.
A maioria das pessoas nesta central dormia, exaustas devido ao trabalho das últimas
horas. Elas dormiam em posições tão grotescas, que dificilmente alguém poderia
acreditar que estivessem dormindo. Moritatores e terranos encostavam-se uns nos outros,
nas laterais dos consoles, nas poltronas e nas bases dos aparelhos. Menesh Kuruãn estava
deitado, mais ou menos relaxado, no seu cadeirão de comandante e cuidadosamente
Rhodan girou a sua poltrona em noventa graus.
Rhodan tomou cuidado para que a poltrona girando não tocasse em ninguém, e
assim acordasse as pessoas.
— Kuruzin?
O afroterrano abriu os olhos e colocou a cabeça de lado.
— Chefe?
— Como está se sentindo?
Menesh fez um rápido gesto com a mão e retrucou baixinho, para não acordar
ninguém:
— Melhor que todos os outros. E o senhor? Rhodan estava com uma aparência de
fazer dó.
— Uma droga.
— O aperto e o calor?
— Não — disse Rhodan, querendo sacudir a cabeça, mas logo lembrou-se da
situação e evitou fazê-lo. — É a situação na qual nós nos encontramos. O senhor
compreende? Atlan não pensará, nem em sonho, mandar algumas unidades de volta, pois
ele acredita que nós ainda estamos pousados no espaço-porto de Tuo Fryden.
— Fatal — disse o negro. — E esse Cascal — ele me dá a impressão de sempre
estar contando com todo tipo de panes.
Rhodan disse, murmurando:
— Também Cascal não vai agir contrariando ordens. Ele vai ficar caçando os
takerers, junto com Atlan.
— Eu compreendo — disse o comandante. — Ao que parece estamos metidos numa
boa enrascada.
Rhodan enxugou a testa molhada de suor e disse:
— É o que parece. Felizmente a maioria agora está dormindo. Com Lsto gastam
menos oxigênio e ficam mais relaxados, na medida em que isso for possível. Eu vou
chamar o rastreamento mais uma vez.
— Está bem.
Rhodan recebeu a resposta, com a qual ele já contava.
Ainda nada fora rastreado, nem uma nave inimiga nem uma das próprias. E
também, conforme dizia o rastreamento, o pedido de socorro estava sendo irradiado
ininterruptamente. O calor dentro da nave aumentou. Kuruzin dispensou mais energia
para as instalações de refrigeração, que naturalmente eram muito subdimensionadas, uma
vez que se tratava de uma espaçonave. Uma astronave só muito raramente tinha
problemas de refrigeração — na maioria das vezes, estes eram de calefação. Mas para
cada grau de refrigeração o calor subia em um grau e meio. Mesmo assim já se passavam
algumas horas sem que o calor fosse tão abafado.
Ininterruptamente a instalação de conversores de ar funcionava. Os filtros
continuavam trabalhando ainda de forma excelente, e o zunido das turbinas, funcionando
velozmente, era um dos muitos ruídos ininterruptos da nave.
Novamente Rhodan adormeceu.
***
30.11.3437 — 4 horas e 15 minutos.
Roi Danton não estava em situação melhor — mas numa um pouco menos
desagradável. Quando da partida da nave ele se encontrava aqui embaixo, na eclusa polar,
porque vigiara os últimos movimentos do resgate de pessoas. Fora ele, também, quem
saltara para baixo, para juntar a menina de onze anos, que estivera caída junto de um dos
pratos de pouso, meio desmaiada e gemendo de dor, porque a fumaça acre e as cinzas
ardentes tinham coberto seus braços e a cabeça com uma porção de pequenas
queimaduras.
Roi Danton girara completamente para baixo o regulador da gravidade — no recinto
da eclusa polar reinava total ausência de gravidade.
As pessoas — poucos terranos, apenas, pairavam aqui lentamente de um lado para o
outro, flutuando, impelidas pelos seus poucos movimentos e até pela própria respiração.
Roi se afivelara com o seu cinturão num pontalete, e logo em seguida Marceile
também se afivelara perto dele. Na realidade ela quisera ir para ficar com Claudia na
enfermaria da clínica de bordo, mas fora surpreendida pela partida da nave.
E agora... já não era mais possível abrir caminho por entre aquela massa de corpos
que se apertavam nos corredores.
— Eu espero — disse Roi, tão baixinho, que somente Marceile podia ouvi-lo — que
minha presença lhe seja tão agradável como a de Claudia.
A moça cappin tentou um fraco sorriso e levantou os braços, para agarrar o seu
cabelo comprido, para amarrá-lo. Caso contrário o mesmo cobriria meio metro quadrado
de espaço ou um quarto de metro cúbico.
— Mais agradável! — disse ela. — Dez horas ou mais.
Roi ergueu cautelosamente a mão e acariciou o rosto de Marceile.
— É bom acostumar-se com a ideia de que poderá demorar ainda mais que isso —
disse ele, baixinho. — Mas não necessariamente.
Marceile olhou-o nos olhos, os seus rostos estavam a apenas vinte centímetros um
do outro.
— Mas nós salvamos todos, Roi! — disse ela.
Um pouco sarcástico, Danton respondeu:
— Sim, o senhor meu pai é capaz de se mostrar bastante exemplar. Só não sei se,
com isto, nós prestamos um real serviço aos outros.
Ela o olhou, inquieta.
— O que você quer dizer com isso?
Os pensamentos de Roi ocuparam-se intensamente com esta pergunta. Depois veio
a sua resposta:
— Em determinadas circunstâncias, todos nós vamos morrer aqui a bordo, por falta
de ar ou fenômenos semelhantes. Eu vou esperar mais um pouco — nós devíamos voar
para um planeta próximo, se é que existe algo assim como um planeta “próximo”. Por
outro lado, a cada segundo a armada de Atlan pode surgir. E então não teremos mais
quaisquer problemas.
— Quaisquer problemas com uma nave superlotada.
Roi sorriu, meio moleque.
— Correto. Todos os outros problemas permaneceram. A propósito de
permanências... onde é que o nosso Cascal andará metido?
Pensativa, Marceile perguntou:
— Parece que vocês dois têm muita simpatia um pelo outro, não?
— Bem — disse Roi, fechando os olhos, como se quisesse lembrar-se de alguma
coisa agradável. — Na minha juventude eu era bem parecido com Cascal.
Ela deu uma rápida risada.
— Ele é mais velho que você. E de alguma maneira, mais duro. Eu não entendo a
Claudia.
Roi notou a repentina seriedade no rosto dela.
— Por que não?
Ela disse, devagar, e acentuando as palavras:
— Joaquim, à sua maneira, faz tudo para agradar a Claudia. E ela, para empregar a
maneira de falar dele, não lhe dá trela.
Roi respondeu com amargura fingida:
— Que você não entenda uma mulher, eu acho notável. Mas eu posso assegurar a
você: Eu também não a entendo. Nem a ela nem a você. Aliás, jamais um homem
conseguiu entender uma mulher.
E então, como se ele se lembrasse da situação, disse:
— Eu tenho comigo quatro tabletes para dormir, que são de rápido efeito. Seria
melhor se nós dormíssemos as próximas horas. Pode ser que todos estes problemas se
solucionem por si mesmos.
Ele entregou-lhe dois dos pequenos comprimidos e engoliu os outros dois ele
mesmo.
— Solucionar? Como? — perguntou Marceile.
Roi respondeu com uma franqueza impiedosa:
— Porque astronautas mortos realmente têm poucos problemas. E é possível que
todos nós vamos morrer.
E então ele fechou os olhos, tentando dormir. O que conseguiu com relativa
facilidade.
E ele ainda conseguiu espantar-se com isso, antes de adormecer.
***
30.11.3437 — 5 horas e 41 minutos.
O mutante-equino Takvorian estava parado nas proximidades da grande entrada,
inteiramente aberta, de um dos porões de carga.
Nas suas costas estavam sentados, um atrás do outro, quatro moritatores, dos quais
o mais velho tinha nove anos de idade. Um homem da tripulação, a quem Gucky tinha
passado as crianças, achou uma boa ideia acalmar as crianças deste jeito — e a ideia
tivera êxito.
As crianças tinham se ocupado com Takvorian, tinham sido distraídas e agora
dormiam, vencidas pelos acontecimentos. Elas não tinham sido desagradáveis — muito
menos, realmente, que todo o resto —, uma vez que aqui reinavam apenas três décimos
da gravidade normal.
Dentro de Takvorian o ódio cresceu.
Se houvesse um takerer nas suas proximidades, ele sem dúvida o teria pisoteado
impiedosamente, até a morte.
Takerer — o seu problema desde o dia em que começara a pensar, no que se via
exatamente no seu corpo e verificara que aquele corpo não era o que combinava com a
sua mente.
Takerer — sempre os takerers...
Eles tinham tudo nas suas consciências.
Eles o tinham mutilado e cometido a crueldade ainda maior de colocar a sua
inteligência neste corpo ou de permitir que estes dois fatores se combinassem.
Eles o tinham obrigado e alinhar a sua vida segundo uma máxima: O ódio!
Ódio dessa raça violenta, inescrupulosa.
Ele conhecia o seu dom, e não teria hesitado em usá-lo contra os takerers, quando
pudesse. O seu único amigo, devido aos takerers, tinha enfrentado muitos perigos, e
deveria agora, na hora-X, ser roubado de todos os seus direitos pessoais.
E agora — o planeta.
Também ele — destruído.
Mais um marco de ódio para com este povo, e ao mesmo tempo do medo, deste
mesmo povo. O que é que os tornava tão maus, tão sem consideração, e tão insensíveis
para com os sofrimentos de outras criaturas?
Takvorian, o mutante-equino, não encontrou uma explicação.
Ele estava parado ali, respirando o ar quente e fedido do recinto de carga, e tinha
quatro jovens habitantes do planeta destruído nas suas costas.
Aquele que estava sentado junto ao seu pescoço tinha colocado os braços em volta
dos ombros de Takvorian, o seguinte segurava-se neste e assim por diante.
Eles dormiam.
Talvez, imaginou o movator, eles dormiriam por tanto tempo, que nenhum deles
ainda chegaria a acordar.
Ele estava parado ali e o seu ódio crescia de hora para hora. Takvorian esperava
pelo momento em que poderia livrar-se daquele ódio.
Mesmo que ele tivesse que mandar pelos ares um planeta cheio de takerers!
A nave solitária continuou pairando, como uma esfera num comprido cordão, com a
rotação do quarto planeta e em volta do centro da sua massa. Não se via nenhuma nave
dos takerers, nem dos terranos.
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