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A HORA-X

Autor
HANS KNEIFEL

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização / Revisão
Gaeta / ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra, os calendários registram fins de novembro do ano
3.437. Perry Rhodan, chefe do governo e fundador do Império Solar
da Humanidade, já se detém, há bastante tempo, na NGC 4594, a
galáxia natal dos povos cappins, com a Marco Polo, a mais nova e
mais possante astronave para longas distâncias, da Frota Solar.
Perry Rhodan, que é acompanhado por oito mil terranos e
habitantes de outros mundos da Via Láctea, quer obter certeza do que
realmente se passa em “Gruelfin”, como a NGC 4594 é chamada
pelos cappins — e se os takerers realmente estão planejando uma
invasão da Via Láctea. Ovaron, pelo contrário — depois que a Marco
Polo o ajudou para um regresso à sua galáxia natal — interessa-se
sobretudo em saber o que aconteceu com o povo dos ganjásicos,
governado por ele há 200 milênios atrás.
Através de ousadas investidas de reconhecimentos e arriscados
empreendimentos de comandos, os homens da Marco Polo e suas
naves de suporte já reuniram uma grande quantidade de informações
preciosas sobre Gruelfin e a sinistra atividade dos takerers — mas o
esclarecimento fundamental dos complexos nos quais Perry Rhodan e
Ovaron estão especialmente interessados ainda está pendente.
Agora entretanto parece ter chegado a hora! Os moritatores
entraram em contato com os terranos e permitiram que um grupo de
especialistas investigasse as informações armazenadas há milênios
nos bancos de dados do seu Planeta-Arquivo.
Somente o comando de controle dos takerers não está de acordo
com estas investigações. Atentados são perpetrados contra os recém-
chegados — e então, quando os homens de Perry Rhodan se
aproximam da informação-chave, começa a contagem regressiva
para A Hora-X...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral inicial uma
arriscada operação de salvamento.
Atlan — O Lorde-Almirante persegue autores de atentados e
sequestradores.
Ybsanow — Patriarca dos moritatores de Molakesch.
Misyen — Um takerer se pedotransfere.
Ovaron — O Ganjo é identificado.
Joaquim Manuel Cascal — O coronel tem um terrível
pressentimento.
Menesh Kuruzin — Comandante da CMP-1.
1

Dez minutos de uma lenta caminhada trouxeram Joaquim Manuel Cascal, através
das placas brancas de cimento-armado, até o grupo de pessoas, que se havia reunido em
volta dos planadores. As pessoas encontravam-se na sombra redonda do cruzador leve
CMP-1, que estava pousado no espaçoporto da cidade de Tuo Fryden. Cascal parou,
sentando-se lentamente em cima do capo branco de um dos planadores, que os
moritatores tinham trazido da cidade de Tuo Fryden para cá. Cascal, cantarolando uma
canção do bardo, acendeu um cigarro e ficou escutando. A um quilômetro de distância
erguia-se a formidável enfiada das imensas e antigas árvores do parque.
Cascal olhou para os números do seu relógio digital.
O mesmo registrava o dia vinte e dois de novembro do ano 3.437 — tempo terrano.
— Eu me pergunto se realmente todos os cinquenta takerers fugiram com a
espaçonave — dizia Perry Rhodan neste instante.
Roi Danton, que estava parado ao lado do Administrador-Geral, sempre de olho nas
garotas que tinham vindo com os moritatores, retrucou.
— Provavelmente não. Caso entretanto alguns ficaram para trás e se esconderam,
certamente vamos ficar sabendo disso dentro de pouco tempo.
A voz de Icho Tolot ribombou:
— Infelizmente o senhor tem razão, Roi!
A Marco Polo estava parada nas proximidades do sol Pysoma. As corvetas e
quarenta e nove cruzadores leves encontravam-se nas proximidades desse sistema, com
cientistas a bordo.
— Rhodan?
O Administrador-Geral virou-se um pouco, e olhou para o patriarca Ybsanow.
— Sim?
O patriarca vacilou um pouco, e pôs a cabeça de lado, como se quisesse escutar a si
mesmo. Aquele traço duro, amargurado, no canto de sua boca, permanecia. Ybsanow
parecia cansado, desiludido e reservado. Ele não tinha dormido por algumas noites, e ele
era um homem idoso.
— É verdade que o senhor falou com seu lugar-tenente?
— É verdade — disse o Administrador-Geral, sem nada esconder. — Eu relatei a
Atlan o que aconteceu. Todas as naves que esperam por nós lá fora vão prestar atenção.
Elas sem duvida alguma vão rastrear a nave do Iniciado, recebendo-o condignamente, e
se for necessário lhe darão um comboio de escolta.
Ibsanow disse, baixinho:
— Isso me tranquiliza um pouco, estranho. O senhor sabe o que depende da
chegada do Iniciado?
O rosto e o gestual de Ovaron eram uma nítida expressão de sua tensão interior.
Desde alguns dias, — isso fora observado por Cascal que sabia que também Rhodan
devia tê-lo notado, — o Ganjo usava a sua pulseira larga, que tinha certa semelhança com
um dos modernos minicomunicadores. Estes aparelhos, transmissores/receptores de
rádio, de grande alcance, já podiam ser adquiridos como peças de adorno. Ovaron parecia
nervoso, exausto e agitado a um só tempo — ele julgava-se no fim do seu caminho, ou
pelo menos a poucos passos disto. Para ele, a chegada do Iniciado representava a última
pedra-de-toque.
— Sim, eu sei. Espero sua chegada com ansiedade! Tudo depende disso, tanto para
mim como para os meus amigos aqui — disse Ovaron agitado e apontou para os terranos
e seus parceiros exóticos.
Os moritatores, antes da fuga dos takerers, e da descoberta da bomba, tinham
chamado, pelo comunicador-dakkar e hiper-rádio, um moritator Iniciado que deveria
identificar Ovaron ou liquidá-lo moralmente.
Ybsanow disse:
— O senhor não recebeu muito apoio de nossa parte. Mas isso vai se modificar,
estranho.
Ele dirigia-se a Rhodan. Rhodan agradeceu.
— Ótimo. O que é que o senhor tem para oferecer?
Ybsanow tinha mantido uma luta muito dura consigo mesmo e contra seus
conselheiros, e tomara uma decisão. Ele disse, em voz baixa:
— Os senhores continuarão as suas buscas no arquivo!
— Sim, — respondeu Ovaron, — e com redobrado empenho.
— Meus amigos vão acompanhá-los, e ajudarão naquilo que lhes for possível.
Façam o que acharem certo — mas não destruam nada. Os senhores podem continuar
suas investigações num plano extenso.
Rhodan disse:
— Obrigado. Dentro de poucos minutos, quando tudo estiver organizado, nós
começaremos com isso. Aliás, nós deveríamos agir com muita pressa, uma vez que temos
muita urgência, Ovaron.
Ovaron ergueu os braços como se quisesse conjurar ajuda das nuvens.
— Eu sei! Mesmo assim eu tenho que insistir que todos os planos, recintos e bancos
de dados do Mundo-Arquivo sejam investigados muito exatamente.
Marceile afastou-se do planador, onde estivera encostada ao lado de Roi Danton e
disse:
— Em alguma parte deve existir uma prova de que Ovaron é o Ganjo esperado!
Rhodan hesitou. Parecia que ele deveria recuar, vigilante, daquilo que ele percebia
repentinamente no novo interesse da moça em Ovaron, que recrudescia. Pensativamente
ele olhou o Ganjo e a foto enrolada na mão esquerda deste, a larga pulseira do aparelho
de comando, que há muito tempo atrás tinha aberto os portais da estação na lua de
Saturno, e depois olhou para Marceile, muito admirado.
— Eu vou dar-nos exatamente cinco dias — disse ele. — Nem uma hora mais!
Ovaron estremeceu.
— Isso é muito pouco.
Rhodan sacudiu a cabeça e apontou para o céu azul, pelo qual passava lentamente
brancas nuvens.
— Isto é demais, se penso na missão dos terranos.
— Muito pouco se penso nos inúmeros planetas da galáxia Gruelfin — retrucou
Ovaron.
Houve um silêncio desagradável. O sol movimentou-se um pedacinho no céu, e as
sombras se modificaram. Entre as sobrancelhas de Perry apareceram rugas verticais, mas
ele disse, controlado e em voz baixa:
— Não é possível de outra maneira. Eu vou aumentar o número dos participantes
dos grupos e usar algumas melhorias técnicas. O que cinquenta homens conseguem fazer
em cinco dias, se multiplicará por quatro, quando duzentos homens começarem a
trabalhar imediatamente, em turnos. Presumivelmente o resultado ainda é maior, em
muito.
— Nestas condições, eu aceito tudo, Perry. É muito difícil continuarmos razoáveis.
Cascal disse, bem perto do ouvido de Roi Danton:
— Ele também não passa de um cachorrinho molhado!
Rhodan virou-se e olhou para a abóbada da célula da nave.

— Vamos começar! Quanto antes, melhor. Dentro de uma hora, metade da


tripulação científica da Marco Polo estará no arquivo. Com equipamentos, novas forças e
assim por diante!
Ybsanow disse:
— Eu agora vou poder dormir tranquilo! Os meus especialistas vão precedê-los —
finalmente os recintos do arquivo vão ficar novamente cheios de vida. O benefício de
reconhecermos os erros em nosso valioso arquivo também será importantíssimo para nós.
Rhodan garantiu:
— Vamos trabalhar juntos!
Ybsanow sacudiu-lhe a mão.
— Com todas as nossas forças, estranho!
Depois o grupo se espalhou. Claudia Chabrol, Marceile, Roi Danton e Cascal
ficaram para trás. Portas de planadores bateram, as máquinas
uivaram, os veículos giraram e saíram ventando, e os terranos
voltaram para dentro da nave. Só Icho Tolot e Paladino III ficaram
parados nas proximidades da eclusa polar.
— Minha bela Claudia — disse Cascal, — nós devíamos dar
um passeio — pelo parque, mas não descalços. A minha tendência
ao romantismo não chega a tanto.
Roi Danton pôs as mãos nos quadris e disse:
— O senhor está relaxando os nervos, Joak, e o pobre
Perry está andando de um lado para o outro, como um leão
enjaulado, dentro da central, furioso com a reação de
Ovaron. Como é que tudo isso se ajusta?
Cascal explicou:
— Eu salvei as vidas sem valor de vocês, e
agora eu tenho meio dia em que não preciso estar
fuçando no arquivo. E isto eu quero aproveitar.
Além do mais... esta noite eu já estou distribuído. Os dois planetas, que entrementes
tenho de crédito com Ovaron, foram ganhos com muito esforço.
Claudia disse:
— Eu prefiro andar na sombra. Isso faz bem para a minha pele.
Roi riu, irônico, e colocou o braço nos ombros de Marceile. Depois disse:
— Diante da extraordinária beleza de nossas garotas, tanto faz se andamos
alegremente nas sombras ou em plena luz do sol. Ele vem conosco, Cascal?
Cascal olhou esta parte do espaçoporto, que, não contando com o cruzador, parecia
muito morta.
— Eu vou. Mas há uma coisa que me preocupa.
— Há muita coisa, nesse sentido — retrucou Claudia. — Não levando em conta a
sua cara azeda, Joak!
Nos movimentos e na expressão de Cascal, havia um cuidado tenso, que Claudia
podia perceber nitidamente.
— Nós nos encontramos num equilíbrio muito instável! — verificou Cascal, a
meia--voz, acendendo um segundo cigarro.
— Isso é devido ao seu alcoolismo! — constatou a médica.
— O meu alcoolismo é a expressão do meu desespero! — retrucou Cascal, irônico.
Claudia deu uma risada.
— Por que está desesperado, meu caro Joak?
Acusador, Cascal apontou com o cigarro aceso para Roi e para Marceile.
— Está vendo a tranquila felicidade nos olhos da exótica estranha e no arrogante
garoto bonito ali? Não inveja diretamente Marceile? Eu estou desesperado porque a
senhorita até agora não cedeu à minha atividade amorosa, que já vem de anos-luz. Só por
isso!
— Mademoiselle, quer que eu a livre das investidas desse proletário? — perguntou
Roi, colocando a mão no lugar onde normalmente devia estar o punho do seu espadim.
— Pode deixar — achou Claudia Chabrol. — Isso eu mesmo posso fazer. O meu
sarcasmo contra as suas investidas, tem o efeito de um escudo paratrônico.
Cascal e Roi trocaram sorrisos.
Agora eles se encontravam à sombra das primeiras árvores gigantescas. Robôs
limpavam o gramado, e um deles afugentou um enorme pássaro colorido, que saiu
correndo dali, muito agitado.
As quatro pessoas sentaram-se num bloco de rocha.
— Uma coisa bem diferente — disse Roi. — O que acha dos takerers, Joaquim?
— Nada! — disse Cascal, decidido.
— Não levando em conta que — o senhor também acha, como eu, que eles são um
perigo? — perguntou Roi.
As duas moças escutavam os dois atentamente.
— Sim.
— Por que motivo?
Cascal disse:
— Em cada cappin, que não é meu amigo, eu farejo um pedotransferidor, que
poderá me assumir. E eu poderia suportar tudo, menos que um juízo estranho me
assumisse.
— Eu sinto a mesma coisa — disse Marceile. — Quer dizer que existe a
possibilidade de que Misyen tenha ficado para trás, só esperando para nos sabotar?
— É isso mesmo — respondeu Cascal.
Roi examinou as suas unhas. Por baixo da unha do polegar havia um pouco de
sujeira, e o ossinho do dedo mínimo ainda mostrava as consequências da luta noturna no
arquivo, um enorme arranhão.
— Cinco dias! — observou Claudia.
— Talvez a coisa vá mais depressa, se Ovaron puder utilizar o seu aparelho de
comando, ou empregar os seus impulsos! — disse Marceile. — É uma situação que,
como Cascal afirmou corretamente, só pode ser expressada com um equilíbrio muito
instável.
— Os takerers são um perigo potencial, e em determinadas condições eu vejo até a
espaçonave com o Iniciado em perigo! — verificou Roi.
— Também já pensei nisso — confirmou Claudia.
— A senhorita deveria pensar mais em mim — disse Cascal. — Rhodan está
querendo chamar Alaska Saedelaere. Uma possibilidade de controle adicional, em relação
a pedotransferidores e efeitos sextadim.
— Bravo! — disse Roi. — Então haverá três homens a bordo, que utilizam o estilo
da ironia.
Cascal levantou-se, estendeu a mão para a moça, e Claudia deixou que ele a puxasse
de pé.
— Agora eu a puxei para o meu nível! — disse Cascal. — Continuará abalançada
comigo, daqui para a frente?
— Sim — disse Claudia. — Especialmente se realizarmos o plano de Danton, para
irmos comer alguma coisa. Eu estou faminta, depois de tanto charme de sua parte.
Também Roi levantou-se.
— Vamos subir para bordo — disse ele. — O tempo urge. Acho que vão precisar de
nós.
Marceile declarou, desaprovando:
— Não antes de jantarmos, Roi!
— De modo algum!
Eles voltaram lentamente para a nave. Aqui foram recebidos já por uma atmosfera
caótica. O transmissor tinha sido ligado, e dois pequenos transmissores portáteis, para
duas pessoas, estavam sendo instalados. Entre o cruzador e a Marco Polo foi elevada uma
ponte. Homens iam e vinham, trazendo peças de equipamentos consigo, além de muita
confusão. Grupos isolados se formavam, e Ovaron falava com três moritatores, que agora
davam maior atenção às suas explicações. Ele sabia de muitos dados, que tinham sido
atuais há duzentos mil anos atrás, ou seja, nos tempos em que ele desaparecera.
Tudo parecia que realmente ia provocar uma reviravolta. Uma reviravolta para o
bem.
Cascal olhava isso tudo balançando a cabeça, e depois falou, como para si mesmo:
— Muitos cães latindo fazem a morte da lebre. Sempre que as coisas parecem ir
muito bem, os reveses não estão muito distantes.
Infelizmente Cascal tinha razão em noventa e oito por cento, sempre que tirava
estas conclusões.
Ele foi jantar com Claudia.
***
As investigações nos inúmeros recintos do arquivo escalaram trezentos homens da
nave terrana, e cem moritatores formavam cem grupos.
Cada grupo consistia de quatro homens, que saqueavam o arquivo, com os mais
modernos métodos. As fitas, excepcionalmente largas, dos aparelhos de armazenamento
giravam. Traduções foram confeccionadas, fotos copiadas — um largo fluxo de dados e
informações começou a escoar.
Cem grupos.
Waringer e Ovaron dirigiam as investigações.
Eles controlavam e encontraram erros sobre erros — ou seja, informações e dados
falsificados.
Os moritatores, que trabalhavam constantemente com Ovaron, tinham se mostrado
prontos, num tempo surpreendentemente curto, a falar com ele, testar seus
conhecimentos. Eles chegaram à conclusão de que Ovaron tinha um conhecimento
enorme do tempo, que ficava duzentos mil anos para trás. Eram inúmeras pequenas
coisas e acontecimentos, opiniões, discursos e histórias, que somente podiam ser do
conhecimento do Ganjo do Reino Ganjásico daqueles tempos.
Conversas extensas tinham lugar nos labirintos e nas catacumbas daquele arquivo
enorme.
Os terranos pareciam ter feito um “negócio” excelente — também isso ficou
constatado somente depois de muitos testes e tentativas individuais.
Os dados a respeito de todos os sóis e planetas, sobre concentrações políticas,
científicas e econômicas, sobre milhares de dados e relacionamentos cosmológicos foram
descobertos, avaliados e armazenados. Mensageiros saíam correndo dos recintos dos
arquivos, saltavam através do transmissor portátil para a CMP-1 e dali, pelo transmissor
de bordo, para a Marco Polo.
Ali os grupos das centrais unitárias apossavam-se dos dados, integrando-os nos
bancos de dados e nas calculadoras do computador positrônico de bordo.
Com um dos mensageiros Alaska Saedelaere veio para Molakesch.
Mal saíra do transmissor portátil, na décima curva da espiral, ele topou com os dois
mutantes e com Cascal, que tinha corrido para cá, para saudá-lo.
— Alaska! — gritou ele, sacudindo a mão do homem com a máscara de plástico e
os restos de um cappin no seu rosto.
— Está parecendo muito cansado! — verificou Alaska, condoído.
Gucky e Ras Tschubai controlariam se Alaska tivesse sido assumido ou não, ou se
um cappin — talvez um dos supostamente ficados para trás — se apoderasse dele ou não.
— Eu realmente estou exausto, e se o senhor passar algumas horas aqui, irá notar o
quanto este trabalho é extenuante.
Alaska disse:
— A bordo da Marco Polo também dificilmente alguém poderá queixar-se de não
ter o que fazer. Até mesmo o pessoal da cozinha está separando fotos de estrelas e
avaliando análises espectrais.
— Ótimo. Venha comigo!
Parecia inacreditável, mas era assim mesmo.
A interminável espiral por cima da paisagem redonda encheu-se de vida. Havia
poucas risadas, longas discussões e muitos terranos correndo. Com uma calma inabalável,
Icho Tolot e Paladino corriam pelo corredor, pairavam pelos elevadores para cima e para
baixo, vigiando tudo.
Os sensores e as antenas da maravilha técnica siganesa procuravam determinar
armadilhas, que tivessem sido deixadas para trás pelos takerers. Como se tinha bastante
experiência com os primeiros incidentes, queria evitar-se isso de qualquer maneira.
Os mutantes movimentavam-se, aos saltos, de um lado para o outro.
Eles testavam recintos que ainda não tinham sido visitados e examinavam as
instalações energéticas.
Foram utilizados aparelhos de raios-X, sensores de gás e outros detectores.
Cada vez mais portas se fechavam, depois que os dados tinham sido descobertos,
escolhidos e avaliados.
Os recintos do arquivo estavam “vazios” — o que significava que cada bloco de
informações que tinha interessado os terranos e Ovaron, tinha sido investigado. Também
os prováveis erros dentro das informações haviam sido anotadas.
Ovaron disse:
— A avaliação definitiva somente poderá ser feita com os computadores grandes, a
bordo da Marco Polo.
Cascal, que o encontrou pouco depois dessa afirmação, naquela confusão geral,
perguntou:
— O que é que o senhor imagina, como um resultado correspondente?
Ovaron fez um gesto vago e disse:
— Nada além de uma história desta galáxia. Em cada lugar em que as coisas
começam a ficar interessantes, esta história galáctica deverá ser alicerçada com dados e
interpretada em largos traços.
Ovaron não continuou falando.
Cascal, que tinha entendido muito bem o tom das palavras, interpretando-as
correspondentemente, agora conhecia bem os sentimentos de Ovaron.
— O senhor raciocina realmente de forma galáctica! — disse ele. — Este trabalho
não pode ser medido por semanas.
Ovaron opinou:
— Eu sei de tudo isso, Joak. O senhor poderia colocar-se na minha situação?
— Dificilmente — respondeu Cascal, sarcástico. — Eu nunca fui imperador. Mas,
falando sério: eu o compreendo. Ao senhor resta apenas a esperança.
Ovaron abaixou a cabeça.
— É isto. Mais do que isso, eu não tenho no momento. Esperanças...
Cascal concluiu:
— ...e pressentimentos terríveis.
Ambos os homens, da mesma estatura e tamanho, entendiam-se sem falar, apesar de
haver galáxias entre eles, no verdadeiro sentido das palavras. Eles se entreolharam em
silêncio e depois se separaram.
Os terranos exploraram os arquivos sem piedade.
Entrementes o número dos recintos dados esvaziados já era de cinco por cento do
total. Eles trabalhavam com uma pressa enorme, como se soubessem o que o futuro lhes
reservava. Outros quinze por cento estavam sendo investigados neste momento. As
informações deixavam o planeta... naturalmente só as duplicatas. Os moritatores
ajudavam sem descanso no trabalho, sendo parceiros maravilhosos. Eles conheciam pelo
menos a maior parte do arquivo e assumiram a seleção prévia.
Blocos de temas naturalmente foram vistos, mas não avaliados.
Por exemplo, as histórias de fadas dos planetas isolados. Nisto, alguns historiadores
anotavam coisas para si pessoalmente, copiando fitas em pressa alucinante. Mas estas
fitas não foram realimentadas às máquinas da Marco Polo.
Ou então a maioria dos números econômicos, sempre que não determinavam blocos
de poder.
Ao contrário, entretanto, uma infinidade de complexos de dados, sobre estrelas,
sóis, planetas e luas, sobre sistemas e suas combinações, acabavam nos bancos de dados.
Os terranos dissecaram o arquivo, como que com instrumentos cirúrgicos.
Duas camadas tinham sido terminadas, a terceira camada já estava pronta pela
metade. Um grupo concluiu o seu trabalho, os homens abandonaram os sete recintos,
encaixados uns nos outros, e situados em planos diferentes, fecharam as portas e colaram
uma nota nas mesmas. Depois foram buscar café e fumaram alguns cigarros.
Eles abririam, a um plano mais abaixo, um novo recinto, para reiniciar a busca ali.
Os robôs da Marco Polo carregaram os aparelhos para baixo.
Depois a tripulação os seguiu.
***
Eles chegaram a uma sala grande, bem climatizada. A mesma não tinha mais de três
metros de altura, e também aqui, com exceção da área da porta e uma estreita passagem,
elementos de armazenagem de dados tinham sido colocados contra todos os espaços das
paredes, até a área luminosa do teto. Este parecia ser um sistema bastante antigo. Os
bancos de dados tinham a forma de dado, que na frente eram revestidos de uma trama
metálica, reticulada e perfurada.
— Vamos, ao trabalho! Ativar a instalação um!
Dois moritatores entraram, indo sentar-se junto do console de comutações muito
comprido, no centro.
Um terrano passou pela entrada e relatou suas observações pelo rádio. A sua voz
saía metálica dos alto-falantes dos outros minicomunicadores.
— O primeiro recinto anexo tem instalações mais modernas. Atrás do mesmo, mais
dois outros, também climatizados. À direita e à esquerda deste último, ou seja, do quarto
salão, dois recintos anexos redondos. A partir do segundo recinto, um curto corredor leva,
cada vez, aos outros. Eu vou voltar... eu... rápido! Para fora daqui! Eu vou...
Do diminuto alto-falante veio um grito alto, muito estridente.
Os terranos reagiram de maneira diversificada.
Os dois moritatores, que entrementes haviam ligado a instalação, fugiram do
recinto, num medo pânico. O terrano que ficara para trás arrancou a sua arma e correu na
direção contrária. Ele correu pelo recinto seguinte, em ziguezague, fez uma curva e ficou
parado, quando viu a rede e o corpo imóvel embaixo da mesma.
— Maldição! — disse ele, ligando para outro canal, e dando o alarma.
Depois o homem acionou a arma de raios e analisou a situação. O seu parceiro
estava caído no chão, todo contorcido, movimentando-se lentamente — ele parecia estar
parcialmente paralisado. O salão era atravessado por uma rede de malhas finas, de raios
cruzados em ângulos retos. A rede ficava a cerca de setenta e cinco centímetros acima do
chão.
— Ajude-me... maldição... — disse o outro, tossindo.
O cientista mirou cuidadosamente e depois disparou vinte tiros em rápida
sequência. Eles acertaram os lugares onde os raios saíam de dentro das caixas de
comutação. Eles tinham semelhança com raios laser, entretanto brilhavam num verde-
-claro. Trovejando e provocando fagulhas crepitantes, os diminutos projetores detonaram,
e a rede somente consistia ainda de uma série de raios paralelos.
— Rápido!
Os traços agoniados no rosto do homem caído demonstravam que ele estava
sentindo dores muito fortes.
— Eu vou tirar você daí. Não se mexa, Joy!
Novamente a arma trovejou e lançou relâmpagos crepitantes. Dez dos doze raios se
apagaram quando os projetores arrebataram. Os dois últimos restantes, o cientista
destruiu com dois tiros ainda mais cuidadosamente visados.
Depois ele se atirou para a frente, agarrou o outro pelo cinturão e o puxou para fora.
Justamente quando ele passou pelo umbral, ecoaram séries de ruídos fustigantes,
estalantes. Sentindo um frio na espinha, o cientista virou-se e viu como fagulhas se
erguiam do chão até o teto — aparentemente corrente de alta-tensão que fluía através do
chão e dos aparelhos. Entre os consoles de comutação, pequenas colunas de fumaça negra
subiam para o alto. O brilho do teto apagou-se.
— Você pode andar? — perguntou o cientista, colocando a arma de volta e tentando
puxar o corpo para cima.
— Não. Raios paralisadores.
Eles tinham escapado por segundos.
O cientista abaixou-se, colocou o corpo mole por cima dos ombros e puxou o braço
para baixo. Assim, ele cambaleou e tropeçou através do recinto, ao encontro dos terranos
que entraram correndo.
— Uma armadilha! — relatou ele, gemendo.
Dentro de poucos minutos, o homem estava na Marco Polo e ali, no hospital de
bordo. Ele mostrava todos os indícios de um forte choque paralisador, que se estendia até
todos os nervos do baixo-ventre e da espinha dorsal, mas que passaria novamente, após
um tempo indeterminado.
Rhodan entrou no recinto e disse:
— Isso vai ser uma lição para nós. A partir de agora só se trabalha com um leve
traje espacial, com o escudo de defesa pessoal ligado. É uma ordem severa, a todos daqui.
E um comando adiantado entra sistematicamente primeiro, em todos os recintos que
forem abertos pela primeira vez.
— Entendido.
A ordem foi passada adiante, e teve consequências correspondentes.
Rhodan disse:
— Portanto esta parte do arquivo devia ficar sem ser tocada. Provavelmente os
takerers ainda não puderam fazer nada aqui — todos os impulsos deverão ser reavaliados,
sem escolha prévia. Todos.
Um segundo grupo entrou e primeiramente examinou todas as paredes e conexões.
Descobriu-se uma segunda conexão, que devia ter colocado todas as peças metálicas
deste primeiro salão sob corrente de alta-voltagem, logo que o décimo grupo de dados
fosse requisitado ao banco. Também esta armadilha teria acabado com a vida de qualquer
criatura que estivesse neste recinto.
Dentro de pouco tempo foi reunido um comando, que testaria cada recinto. Eram os
melhores especialistas da nave, e eles se puseram ao trabalho devidamente revestidos de
blindagens e elementos técnicos de proteção.
O segundo dos dias concedidos começou.
***
Rhodan foi acordado de um sono profundo, pesado como chumbo. Rhodan bocejou,
colocou os pés no chão e ligou o intercomunicador.
— Sir! — disse o chefe do departamento de rádio da CMP-1. — Os moritatores
querem falar-lhe. É urgente.
— Pode passá-los — ordenou Rhodan.
A sensação que ele tivera, portanto estava certa... mas o que tinha acontecido
verdadeiramente?
— Ybsanow está na tela de contato da central principal. Ele quer falar-lhe
oficialmente. E diz que é um ultimato!
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Um ultimato!?
Cinco minutos mais tarde ele se encontrava na central. Na nave estava tudo quieto
— quem não estava justamente dormindo como um morto, encontrava-se no arquivo.
Somente a passagem eclusa-polar-recinto do transmissor era utilizada frequentemente.
Rhodan colocou-se diante da tela. Ali, Ybsanow podia ser visto.
— Estranho! O senhor precisa partir! — disse ele.
Rhodan estacou e olhou o patriarca
um pouco melhor,
— Por quê? — perguntou ele.
Ele tinha que empregar uma tática
de protelamento, isso estava claro.
— O seu espetáculo terminou! —
disse Ybsanow, com uma voz cortante
nada usual.
— Mas o que é isso? — disse
Rhodan, condescendente.
Uma suspeita terrível cresceu dentro dele.
A expressão tensa do velho homem de cabelos brancos revelava que ele estava
sofrendo de uma forte pressão. O seu rosto estava curiosamente sem vida. A suspeita de
Rhodan praticamente se tornou uma certeza.
— Eu dei instruções de que, a partir deste momento, nenhum moritator poderá
continuar a ajudá-los. Partam!
Rhodan ergueu ambas as mãos e disse, de modo penetrante:
— Eu vou visitá-lo para discutir tudo isto com o senhor pessoalmente. O que está
dizendo não pode ser considerado seriamente.
Ybsanow insistiu, teimoso:
— Dentro de uma hora a sua nave terá partido, estranho! Caso então ainda não
estiver no espaço, eu farei uso de todas as minhas armas!
Rhodan observou:
— Isso já soa mais sério. Eu vou até o senhor. Isso pode ser liquidado dentro de
uma hora.
Ybsanow declarou, na defensiva:
— Não faz sentido querer me procurar — eu não vou mais recebê-lo. Deixe Tuo
Fryden. Abandone Molakesch!
— Entendido — disse Rhodan. — Mas somente depois que o senhor me comprovar
que isto é necessário.
Ybsanow desligou, sem perder mais outra palavra.
Rhodan chamou Ras Tschubai, Alaska Saedelaere, Icho Tolot e Gucky para sua
cabine e mandou acordar Danton.
Gucky determinou onde Ybsanow se encontrava, e rastreou-o no
edifício de paredes de vidro e teto vítreo, que mais parecia
uma tenda.
Depois os teleportadores levaram os membros
do grupo até Ybsanow.
***
Rhodan tinha adivinhado certo.
Paladino III esforçava-se para parecer como
um halutense.
Harl Dephin tinha entrado novamente num
salão novo, que os terranos ainda não tinham
visto. Ele foi até o centro da sala e ficou parado
diante do console.
Seus braços possantes mexeram-se cautelosamente, enquanto ele digitava as teclas
isoladas.
O teto da sala iluminou-se.
As óticas giraram. Os siganeses viram que se encontravam num salão que era pelo
menos dez vezes maior que todos os outros que tinham examinado até agora. A medida
angular era de cerca de cento e cinquenta metros, e os acumuladores isolados eram em
formato de blocos e estavam distribuídos de modo reticulado pelo salão.
Paladino III contou.
Treze fileiras, para cada dez unidades de acumuladores. Cento e trinta acumuladores
gigantes da mais moderna construção, para a armazenagem de dados, ou seja, um
formidável fluxo de informações.
Lentamente os blocos acordaram, um depois do outro. Luzes se acenderam, sinais
ecoaram. Lentamente a construção de metal siganesa, ou seja, o super-robô, dirigido por
seis criaturas humanas minúsculas, atravessou as fileiras de blocos.
Aqui haveria uma armadilha?
Paladino estava preparado.
O Comando do Futuro dos takerers tivera tempo suficiente para deixar não uma,
mas uma variedade de armadilhas para trás aqui. Cada uma delas era mortal, e quase
todas podiam destruir informações insubstituíveis. O que é que este “Comando do
Futuro” — como era chamado — pretendia conseguir com isto? Teria sido mais simples
apagar as informações — alguns truques técnicos seriam o bastante.
Os detectores perceberam alguma coisa.
O ar neste recinto era diferente do ar da gigantesca instalação de conversão que
atravessava toda a gigantesca construção como um segundo labirinto e que desembocava
em aberturas escondidas na configuração da superfície.
Ordens inaudíveis iam e vinham dentro do Paladino.
Aparelhos de verificação foram ligados.
E então a conclusão era indubitável:
Gás.
Uma mensagem de rádio saiu do Paladino e foi captada por Cascal.
— Aqui fala Harl Dephin, do Paladino III. Estou falando com Cascal?
— Correto! — disse Cascal.
— Eu me encontro na sala trezentos e cinquenta, ou seja, no último recinto da
décima quinta volta da espiral. É a última sala de arquivo nesta fileira. O recinto está se
enchendo, com uma velocidade espantosa, de gás venenoso — neste momento estamos
verificando os componentes.
— Obrigado — disse Cascal, surpreendentemente calmo e sereno. — Eles
realmente trabalham com todos os truques imagináveis, esses malditos takerers. O senhor
já soube o que Rhodan pretende ter descoberto?
— Não — veio a resposta. — Eu vou disparar algumas dúzias de minifoguetes nos
dutos da alimentação de ar. Isto removerá as barreiras, e o gás pode se espalhar.
— Excelente. Rhodan é de opinião que Ybsanow foi assumido por um
pedotransferidor.
— Nós siganeses já tínhamos pensado nesta possibilidade. Como é que isto acabou?
Cascal respondeu:
— Ainda não sabemos. Um grupo está com Ybsanow.
— Entendo. Eu chamarei novamente, quando tiver determinado alguma coisa..
O Paladino primeiramente procurou cuidadosamente pelos dutos revestidos da
instalação de renovação de ar e depois aprontou os lançadores. Um depois do outro, os
projéteis deixaram o robô, uivando e trovejando, procurando o seu caminho e detonando
dentro da instalação de ar condicionado.
Filtros voaram das aberturas partindo-se, com um barulho infernal.
As almofadas plásticas que tolhiam o fluxo de ar arrebentaram barulhentamente e
caíram queimando, das aberturas, envoltas em muita fumaça. Choveram lascas de tubos
de gás detonados, equipados com válvulas excepcionalmente grandes.
E então a nova corrente de ar provocada uivou pelo recinto, puxando para fora os
gases acumulados.
A porta de aço que dava no corredor ficou aberta. Os terranos trabalhavam
lentamente, descendo sempre, metro após metro, através de um caos sem igual de
informações.
Eles sabiam:
Apesar da pressa e do trabalho ininterrupto em trás turnos, que empregavam os mais
modernos meios, incansavelmente, como se sua própria vida dependesse disso, que não
ficariam prontos.
Eles somente podiam esperar por um feliz acaso.
Podiam esperar que a escolha que eles eram obrigados a fazer acabasse
proporcionando uma corrente lógica, sem costuras, ainda que faltassem algumas partes.
Eles confiavam que os gigantescos aparelhos biopositrônicos da Marco Polo pudessem
ajudá-los a repor e complementar coisas esquecidas.
E tinham esperanças de que o teste a que Ovaron seria submetido lhes traria uma
chance genuína. Para ele e para a Terra.
Mas para isto precisava ser encontrado o aparelho mais antigo destas instalações.
Era preciso procurá-lo em um corredor o qual — ainda agora — por trinta e cinco
vezes quase sempre tinha um comprimento de trinta e dois quilômetros, pois o diâmetro
da instalação diminuía à medida que se descia.
Mas ainda não tinham chegado a isso.
***
Enquanto Rhodan e o seu grupo apareceram, com a velocidade de um raio, junto de
Ybsanow, a CMP-1 foi atacada.
Provavelmente era o mais estranho ataque a uma espaçonave, já registrado na
História da astronáutica tripulada. A princípio tudo parecia muito divertido, mas logo
aquilo se transformou em coisa muito séria.
Tudo começou com ruídos no meio da noite.
Os ruídos vinham de todas as direções. Um rolar surdo e um moer cortante de
esteiras rolantes, massas de ar bufantes e máquinas zunindo. Foi este zunido que acordou
os membros da tripulação que dormiam, pois todas as aberturas existentes da nave tinham
sido bem abertas, para expulsar o ar estéril da nave, fazendo entrar ar fresco, rico em
oxigênio, com o que as instalações de preparação seriam aliviadas.
Um zunido, cujos ruídos isolados se estendiam por todos os condutores de som.
Algumas moças acordaram, ligaram os aparelhos infravermelhos, e deste modo
dispararam o alarme na nave.
A espaçonave estava cercada.
— isso não pode ser verdade! — disse Marceile, atônita, para Claudia Chabrol,
quando girou as lentes e viu as máquinas que estreitavam cada vez mais o anel em torno
da nave.
E então começou o ataque.
Daquele anel soltaram-se coisas redondas, isoladas, com saltos curiosos, esquisitos,
voando na direção da nave. O alarma ainda estava uivando.
Um enxame de robôs voadores atirou-se através das aberturas, entrou na eclusa,
encheu os dutos da instalação antigravitacional e começou a trabalhar.
Os robôs ligaram holofotes e se atiravam sobre qualquer objeto que tivesse nem que
fosse só um pouco de brilho. Eles se seguravam nos mesmos e esguichavam uma espécie
de névoa que tinha um cheiro acre e que se infiltrava de modo sufocante nas mucosas.
Depois apareciam escovas, girando loucamente e limpando outra vez aquele líquido.
Peças cromadas, superfícies claras e talheres, eram atacados do mesmo modo que
jóias, distintivos ou os cabos das armas de raios. Os homens lutavam com aquelas
máquinas do tamanho de uma cabeça, arrebentando algumas com tiros, e dando pontapés
violentos em torno.
O Dr. Troyanos que, alarmado pelos gritos e barulhos, se atirou de dentro de sua
cabine, foi uma das vítimas. Ele tinha um crânio totalmente raspado, que por convicção
tratava constantemente com um creme depilador. Quatro das máquinas atiraram-se em
cima da careca, esguicharam o líquido sobre a mesma e começaram a polir a cabeça, com
escovas de cabelos compridos, mais parecendo cerdas. O resultado, que naturalmente
acabou insatisfatório, incomodou-os, e eles repetiram o processo, com a teimosia dos
robôs.
Ofuscado, com os cílios colados, tossindo e respirando aquele líquido fedorento, o
Dr. Troyanos correu pelo corredor, perseguido como que por zangões. Então, quando
alguém o reconheceu, e destruiu a tiros três dos atacantes, logo acima de sua cabeça,
atirando o quarto num conversor de lixo, começou o ataque dos limpadores de vidraças.
— A eclusa está bloqueada! — gritou alguém.
Isso era bem natural, pois entre os segmentos isolados as máquinas estavam
metidas, polindo parafusos, alavancas e ex-tensores e, com um fervor quase perverso, as
instalações hidráulicas. As máquinas do mecanismo da eclusa tinham disparado, mas os
robôs triturados impediam que a eclusa se fechasse. Alguns dos polidores zuniram
através do transmissor ativado, provocando curtos-circuitos e confusão na Marco Polo.
Atlan, que perguntou pelo rádio, furioso e em voz alta, quem era responsável por esta
brincadeira de mau gosto, não conseguiu contato com o cruzador, porque os limpadores
de vidraças tinham se apoderado dos painéis de instrumentos do departamento de rádio.
Por toda a parte na nave estes espíritos metálicos faziam das suas.
As gigantescas máquinas, com esteiras rolantes de limpeza de cimento-armado,
verificaram que havia um obstáculo nada natural que se opunha a elas. Estes eram os
trens de pouso hidráulicos da CMP-1
Enquanto a tripulação mantinha uma luta heróica contra os enxames de polidores e
limpadores de vidros, destruindo muitos deles, um bando deles atacou a central
inesperadamente.
Peças de vidro recebiam os seus esguichos e eram limpadas.
Ronronando e rosnando, as máquinas corriam pelo chão, sugando pó, restos de
cigarros e materiais, e dando ao chão o brilho de uma pista de gelo.
Os limpadores de cimento-armado tomaram distância mais uma vez e depois
bateram violentamente contra os canos de aço. A nave começou a oscilar e trovejar.
Finalmente alguns homens corajosos conseguiram lutar e abrir caminho, disparando
suas pesadas armas de fogo manuais contra as máquinas enormes.
Depois disso, algumas ficaram caídas, outras fizeram meia-volta e se afastaram com
as esteiras matraqueantes. Uma máquina foi atingida por um tiro no comando
programado e rolou como embriagada pela praça, arrebentando a cerca, e correndo pela
rua afora, seguindo-a até a cidade de Tuo Fryden.
A máquina sem condutor, cuspindo e rosnando, deixando atrás de si um rastro de
cimento branco como giz, acabou passando pela estufa dentro da qual se encontravam
Rhodan e o seu grupo.
Cem metros adiante ela parou.
Ao mesmo tempo, todas as máquinas que tinham penetrado na nave voaram
embora, como vespas que tivessem farejado um pote de mel.
Praguejando, a tripulação deu início aos trabalhos de arrumação. Um oficial
mandou distribuir bebida alcoólica, para levantar o moral, e respondeu cortesmente às
perguntas ásperas de Atlan.
Por que o ataque tinha acontecido, aliás, ele não sabia.
E por que ele tinha terminado tão repentinamente, também era um mistério para ele.
2

Sobre Roi Danton a cena teve o efeito de um ato de algum drama antigo.
Ybsanow estava sentado numa das poltronas de design arrojado, e à volta dele
estavam os seis homens do grupo de Rhodan. Icho Tolot olhava para Ybsanow com seus
olhos vermelhos, ardentes. Ras Tschubai apontou uma arma de raios, do comprimento de
um braço, para Ybsanow, sem dizer uma só palavra. Os seus olhos controlaram o recinto
e as paredes.
Rhodan estava parado exatamente à frente do patriarca, apontando-lhe uma pequena
arma de raios energéticos, destravada. A boca da arma apontava exatamente por entre os
olhos do homem.
Gucky espreguiçava-se numa outra poltrona, parecendo estar à espreita do menor
movimento em falso do homem. Ele empurrara Ybsanow para dentro da poltrona com
sua força telecinética, e não o soltava. O rato-castor não precisava de nenhuma arma para
isso.
Roi Danton também apontava uma arma automática para o patriarca. Ela era pesada
e Roi precisava de ambas as mãos para erguê-la.
Somente Alaska Saedelaere ficara parado ali, com os braços cruzados sobre o peito.
Também na sua mão direita havia uma arma de raios.
— Eu sei que o senhor não é Ybsanow — disse Rhodan.
— Esta é uma imputação de má-fé! — disse Ybsanow, com uma voz curiosamente
estranha.
— Nós temos experiência com cappins, que podem goniometrar outras pessoas,
para depois assumi-las. Inclusive pelo Ganjo Ovaron, que nos informou de tudo sobre
esta possibilidade. E nós desenvolvemos um processo excelente, que ajuda contra a total
escravização da razão — disse Rhodan impiedosamente.
O seu rosto mostrava uma expressão que se podia designar como sanguinária.
— Experiência?
Alaska apontou para a sua máscara e disse:
— Eu tenho restos de um cappin no meu rosto. Eu agora vou contar lentamente até
onze. Isso corresponde a cerca de dez segundos. Se dentro deste espaço de tempo o
senhor ainda estiver dentro de Ybsanow, Misyen, o senhor vai morrer com este corpo.
— Isto... isso é loucura! — balbuciou Ybsanow.
Alaska disse, calmamente:
— um!
Roi Danton ergueu a arma e evitou olhar para Ybsanow. Ele travou e destravou
cuidadosamente a arma, verificou o controle de carga e depois apontou novamente para o
peito do patriarca.
— Dois!
Rhodan movimentou o polegar. A asa de segurança saltou para prontidão de
disparo, com um clique.
— Três!
Icho Tolot levou a mão para trás, mudou de opinião, e estendeu os quatro braços
novamente para o patriarca. Bufando surdamente e com passadas que faziam toda a
construção de vidro tilintar, ele aproximou-se lentamente.
— Quatro!
Ybsanow tentou levantar-se, com medo pânico, lutando contra suas algemas
invisíveis. Gucky entrou na brincadeira, diminuindo a pressão, para logo aumentá-la
novamente. O velho contorcia-se em pânico, sobre o estofamento elástico da poltrona de
vidro.
— Cinco!
Alaska Saedelaere puxou uma faca comprida, reluzente, da bainha na sua bota, com
a mão esquerda, enquanto apontava a arma de raios para Ybsanow.
— Seis!
Era evidente — os mutantes depois de alguns segundos o tinham verificado! —, que
o patriarca tinha sido assumido por um cappin. Com isto, a questão sobre o número e a
dúvida sobre quantos takerers tinham ficado para trás, podia ser considerada respondida.
Pelo menos um deles, e este certamente era Misyen, o ambicioso chefe do Comando do
Futuro. Ele ficara aqui e assumira o mais importante dos moritatores.
— Sete!
— O senhor não pode me assassinar! — gritou o velho, em voz estridente.
— Oito!
Mas também podia ter acontecido que Ybsanow pudera ser goniometrado tão bem,
que pôde ter sido assumido a partir de uma longa distância. Esta pergunta, entretanto,
agora era muito secundária.
— Nove! — disse Alaska, erguendo a voz.
E então disse, acentuando bem a palavra:
— Dez!
Rhodan atirou, quando Alaska disse “onze!”.
O tiro passou bufando a um palmo acima da cabeça do homem, e de repente a sua
expressão rígida desapareceu. Quase ao mesmo tempo Gucky e Ras Tschubai disseram:
— Parem! O cappin já o liberou.
As armas desapareceram, Icho Tolot deu início a uma gargalhada retumbante.
Gucky aliviou suas algemas telecinéticas, e Ybsanow perguntou, atônito, com a voz
tremendo de susto:
— O que se passa aqui, Rhodan?
Rhodan puxou uma poltrona, sentou-se e explicou ao patriarca o que acontecera.
Ybsanow gemeu audivelmente.
— Eu mandei todas as máquinas robotizadas do espaçoporto contra a sua nave. Elas
naturalmente não vão destruir a nave... mas... — A sua voz falhou.
Ele levantou-se, caminhou cinco passos até um console de comutações de vidro e
puxou toda uma série de alavancas comutadoras novamente para sua posição de repouso.
O barulho ensurdecedor, lá fora, na rua, acabou de golpe.
— Assumido? — perguntou ele, então, e tremeu cheio de pânico.
— Sim — disse Ras Tschubai. — Eu verifiquei que o cappin fugiu, ao se ver
ameaçado de morte por nós. Onde é que ele pode estar?
Alaska fez um gesto desamparado com ambas as mãos.
— Eu sou normal — disse ele, desculpando-se.
— Eu sei, magricela! — disse Gucky. — E além disso, o meu pelo fica embotado
quando não durmo o suficiente.
Ele sumiu.
Ybsanow estava totalmente confuso, mas Rhodan explicou-lhe tudo que acontecera,
tudo que Ybsanow ordenara, e uma hora mais tarde as condições antigas tinham sido
novamente estabelecidas. Depois de os terranos desaparecerem, um depois do outro —
Ras os levava de volta para a nave, — Ybsanow ficou para trás sozinho.
Ele tremia de medo, de exaustão e com receio do futuro.
Talvez Ybsanow tivesse se suicidado, se soubesse o que se escondia na escuridão
do futuro próximo.
O duelo com o passado começou novamente, e, ao que parecia, com força e rapidez
redobrada.
***
Antes de Rhodan, totalmente exausto, cair novamente em sono profundo, ele
pensou:
— O caráter de Misyen pregou-lhe uma peça. Ele devia pensar — uma vez que
também usava as suas medidas para conosco —, que nós atiraríamos sem piedade. E...
nós na realidade teríamos nos metido numa situação difícil, se ele não tivesse abandonado
Ybsanow. Pois nenhum de nós teria atirado.
Depois disso ele adormeceu.
***
Ovaron girou a asa da xícara pesada para a direita, com o dedo indicador. Houve um
ruído raspante no pires. O Ganjo olhou o café na xícara — suas mandíbulas se
comprimiram. Os lábios se estreitaram. A sensação que ele tinha durante esta conferência
o deixava amargo. As coisas, sobre as quais se discutia aqui, provocavam-lhe antipatia.
Um cientista ergueu a mão. Ovaron reconheceu o Dr. Troyanos, o qual, para proteção do
seu corpo cabeludo maltratado, usava um boné de bordo de fazenda macia.
— Hoje, ao final quase do quarto dia, nós já sabemos bastante mais sobre o arquivo
— disse Troyanos. — Nós nos reunimos aqui na Marco Polo, para discutirmos
rapidamente o que ainda deve acontecer.
Geoffry Abel Waringer interveio.
— A situação normalizou-se novamente, depois do exorcismo que Perry Rhodan e o
seu grupo efetuaram.
Marceile perguntou, irritada:
— O que é um exorcismo?
Waringer explicou:
— Uma expulsão do demônio — Rhodan expulsou o cappin de dentro de Ybsanow.
Presumivelmente Misyen está se escondendo em algum lugar. Se está em Tuo Fryden ou
em outra parte não sabemos. Os mutantes estão procurando por ele, mas até agora nada
encontraram. De qualquer modo, nós formamos novamente uns duzentos grupos, com a
ajuda dos moritatores, para buscas no arquivo. Afinal de contas, ainda temos esperanças
de conseguir um corte transversal representativo através do arquivo, apesar de ainda nos
restarem trinta e três horas apenas.
— Sim — disse Perry Rhodan.
Seus pensamentos estavam com Ovaron, e com o humor desesperado deste. A sua
decisão ainda oscilava. Eles não conseguiam desvendar o enigma deste modo, e este
raciocínio, esta incerteza, estava claramente estampada no rosto de Rhodan.
Roi Danton apoiou os cotovelos sobre a mesa de conferências e disse:
— Ovaron — nós vamos precisar de semanas, possivelmente de meses para revistar
o caos, e colocá-lo numa certa ordem. Esta tarefa no momento não nos interessa. Em
tempo oportuno, nós vamos colaborar com os cientistas da Marco Polo. Eu tenho uma
pergunta.
Ovaron levantou a cabeça e olhou Roi, com um olhar longo e pensativo. Todos eles
trabalhavam sob a pressão da falta de tempo, mas ainda assim os atores principais das
investigações tinham vindo pela ponte do transmissor para esta reunião a bordo da grande
nave.
— Por favor. Eu responderei, sempre que isso me for possível.
Roi anuiu, satisfeito.
— Ótimo. O senhor acha que seja possível que um bloco de informações dentro
deste extenso arquivo contenha os seus impulsos individuais? Os mesmos possibilitariam
a sua identificação instantaneamente.
— Não — disse Ovaron.
— Por que — não? — quis saber Rhodan.
Ovaron gemeu profundamente, depois declarou:
— Durante os tempos do meu governo, há duzentos mil anos atrás, eles faziam
parte dos segredos mais bem guardados do Estado.
— Compreensivelmente — disse Marceile.
— Por que razão?
Ovaron explicou:
— Os meus impulsos individuais eram — e ainda o são hoje —, por assim dizer de
consideração vital. Se alguém os conhecesse, com exceção de algumas poucas pessoas,
então uma pedotransferência seria possível a qualquer momento. Eu poderia ter sido
assumido por qualquer um que tivesse esta capacidade. E um constante ir e vir teria sido
a consequência.
— Eu entendo — disse Roi. Relaxado, ele recostou-se na poltrona. — Isso é fácil de
compreender.
Ovaron concluiu:
— Por esta razão os dados não devem existir aqui no arquivo. Em nenhuma
circunstância.
Rhodan mostrou um rosto impenetrável e disse:
— Portanto vamos ter que fazer uma outra tentativa.
Ele estendeu a mão, apontou primeiro para o peito de Ovaron e depois para o seu
pulso, onde se encontrava o largo aparelho de comando.
— Este aparelho? — perguntou Ovaron.
— Sim — disse o Administrador-Geral.
— Podemos tentar — disse o Ganjo, que parecia ter restrições. — Mas para isto
primeiramente vamos ter que descobrir um banco de dados que contenha estes dados.
— Para isto as chances aumentaram decisivamente — disse Rhodan. — Mas agora
nós devíamos ouvir nossos especialistas.
Um departamento da nave tinha elaborado um programa de investigações especial.
Primeiramente eles inseriram uma máxima:
Ovaron era o verdadeiro Ganjo.
Depois ele refundiram todos os dados de acordo com este esquema. Eles
compararam, na medida em que tinham material, as modificações arbitrárias feitas pelos
takerers com os dados históricos inalterados averiguados.
Naturalmente o seu trabalho era incompleto — somente depois de semanas eles
teriam colocado um esquema temporal em muitos milhões de informações unitárias.
— Por favor, Geoffry! — disse Rhodan.
O Professor Waringer até então só tinha participado das discussões de modo muito
passivo, verificando ininterruptamente a sua documentação, fazendo anotações e puxando
linhas. Agora ele ergueu a cabeça e olhou para Ovaron como se lamentasse alguma coisa.
— Primeiramente vamos ao nosso trabalho.
“Por enquanto descobrimos quarenta e três armadilhas. Quarenta e três recintos
tinham sido preparados. Tivemos cinquenta feridos, entre estes quatro casos graves de
queimaduras por ácidos. Recintos gigantescos encheram-se de gases mortíferos,
borrifadores de ácidos destruíram documentos preciosos e feriram os membros do grupo
— o fato dos homens e mulheres usarem trajes espaciais — que aliás dificultava bastante
seus movimentos —, salvou a vida de muitos deles —, campos de alta energia foram
erguidos, colocando as vidas do grupo em perigo.
“Tudo isso aconteceu por uma razão:
“Os takerers queriam impedir que se fizessem buscas nestes arquivos. Naturalmente
as instalações não foram feitas por nossa causa, e os moritatores teriam ficado em perigo
do mesmo modo.
“Nós, portanto, nos dedicamos de modo especialmente intenso aos dados destes
recintos de arquivo, fazendo-os avaliar muito bem pelas instalações biopositrônicas aqui
a bordo. Meus resultados derivam de informações cheias de lacunas, mas as informações
são suficientes para descrever uma coisa muito claramente.
“Não quero detê-los com detalhes, de como topamos com isso, quanto trabalho
custou, e assim por diante. Entretanto eu já posso dizer:
“Resultados assustadores ficaram demonstrados.
“Assustadores para nosso amigo, o Ganjo.”
Ele estacou e olhou para o cappin.
Ovaron tinha se levantado e murmurou:
— Pode falar, Abel!
A expressão equilibrada no seu rosto o deixou. Os cantos de sua boca endureceram,
e com uma cara inescrutável Ovaron esperou pelo que Waringer ia comunicar.
— Para os takerers reinantes despontou o momento-X, a hora-X.
— Não! — murmurou Ovaron, horrorizado.
Waringer abaixou a cabeça e olhou para as anotações à sua frente.
— Sim, infelizmente! — retrucou ele.
O momento-X era o dia em que o Ganjo deveria dar entrada nesta galáxia para
assumir novamente o seu antigo poder. Este era o resultado das investigações. A
comunicação teve o efeito de um forte choque, até mesmo em Atlan, que estava sentado
na sua poltrona, ouvindo tudo em silêncio. Depois de algum tempo, Rhodan perguntou:
— Como é que pode ser isso, Abel?
Waringer empurrou os seus documentos para trás, em silêncio.
— A explicação é de uma lógica concludente! — disse ele, depois, em voz baixa.
Perry Rhodan refletiu intensamente. Ele procurou por clareza, pela verdade objetiva
sob a superfície cintilante dos misteriosos acontecimentos desde o seu voo a Gruelfin. Ele
não conseguia abafar aquilo — ele foi tomado por uma sensação surda de inquietação. A
dura escola de sua longa experiência de vida o tinha educado para uma reflexão
silenciosa, para uma constante vigilância, a respeito das mutações políticas entre as
estrelas. Isto não era diferente daqui nem mesmo na sua galáxia natal. Vagamente ele
conseguiu entender o que Waringer pretendia dizer.
O rosto magro, cheio de rugas, de Waringer, perdeu a sua expressão severa,
encarniçada. O seu tom tornou-se mais suave, como se ele quisesse poupar Ovaron e
Marceile.
— Ovaron voltou em duzentos mil anos ao seu passado, para ali visitar a sua base
de equipamentos secretos na lua de Saturno.
— Correto! — confirmou o Ganjo.
— Um dos seus mais íntimos colaboradores e um homem, a quem também eram
conhecidos os dados individuais, era o comandante da nave espacial oval, que tinha
colocado Ovaron na lua. Mais tarde o comandante Moshaken transformou-se no
Almirante Moshaken.
— Eu me recordo — dolorosamente! — confirmou Ovaron.
Waringer prosseguiu:
— Moshaken — depois que Ovaron I se encontrara como Ovaron II —, comunicou
ao primeiro, ou seja, ao senhor, Ganjo, todos os fatos que ele conhecia, baseado na sua
viagem no tempo. Moshaken tinha certeza, como ouvimos, que Ovaron penetraria em
duzentos mil anos no futuro relativo de Moshaken, com a máquina do tempo terrana, o
deformador de tempo-zero.
— É um pouco complicado tudo isto! — comentou Roi, a meia-voz.
Cascal disse:
— Ainda vai ficar bem mais complicado, Roi!
Waringer ergueu a voz e ensinou:
— A conclusão lógica é a seguinte: Portanto, Ovaron seria obrigado a ressurgir
outra vez, duzentos mil anos mais tarde, sem ter envelhecido basicamente.
“Nós sabemos que: Moshaken voltou para cá, para a galáxia NGC, chamada
Gruelfin ou Sombrero, e aqui ainda reinava então o povo ganjásico. Ele esperou pelo seu
Ganjo, que tinha procedido a um apagamento de sua memória, para poder impedir a ação
dos takerers e do clã Nandor na Terra.”
Sem nada entender, o patriarca Ybsanow disse:
— Mas esta é a razão por que os moritatores agora esperam pela volta do Ganjo.
Rhodan acrescentou:
— Mas não são só os moritatores que conhecem bem esta circunstância, mas
também os takerers.
Roi explicou:
— O que nós sentimos nitidamente em nosso próprio corpo. A mesma coisa os
moritatores também devem ter sentido.
Ovaron disse, surdamente, e mais próximo ao desespero que nunca antes:
— O dia-X!
— É isto — continuou explicando Waringer. — Os takerers, pouco depois do
regresso do comandante, ou seja, do velho Almirante Moshaken, derrubaram a família de
Ovaron, assumindo o poder. Do mesmo modo o clã Nandor foi afastado. Muito bem,
agora por estes dias, para eles chegou o momento-X. Uma data exata para este dia, por
agora, ainda não foi possível determinar.
— Isso é uma cachorrada — disse Gucky, no seu modo de falar excessivamente
franco. — Só agora reconhecemos o contexto.
— Uma bela cachorrada, sim — disse Cascal. — Os takerers e provavelmente
também alguns moritatores sabem que o legítimo vai voltar. O Ganjo legítimo é Ovaron
— o senhor sabe agora, Ovaron, por que há alguns dias atrás tivemos aquele combate
com os takerers?
Ovaron apenas anuiu.
— A minha viagem no tempo, se é que podemos usar esta expressão, portanto está
terminada.
— Não somente cronologicamente — disse Rhodan — mas também localmente... O
tempo, transcorrendo normal, recuperou o salto gigantesco que Ovaron venceu com ajuda
da técnica de tempo-zero terrana. Muitos enigmas foram solucionados de golpe — e os
acontecimentos dos últimos tempos receberam suas coberturas mútuas.
Ybsanow verificou, resignado:
— Os moritatores, portanto, se transformaram, mesmo contra a sua vontade, nos
preparadores do caminho do Ganjo. Mas não para o Ganjo legítimo, ou seja, para o
senhor, Ovaron, se não me engano muito, mas para uma outra figura. Para um impostor!
Totalmente destroçado, ele ficou sentado na sua poltrona.
— É exatamente isto — disse Ovaron. — Os takerers, que sistematicamente
adulteraram os dados e as informações, durante duzentos mil anos, também forçaram,
deste modo simples, que os moritatores relatassem estas mentiras por todos estes anos.
Eles engendraram um plano monstruoso, um plano para um tempo muito longo!
Cascal observou, sorrindo:
— Um planejamento de longo alcance... de acordo com a mania de criação de
conceitos dentro desta nave.
E era isto mesmo.
Os takerers, que ninguém aqui, nem por um minuto, subestimava, sabiam muito
bem, como espertos cientistas que eram, que a viagem no tempo de Ovaron não podia ser
impedida. O seu regresso dificilmente poderia ser detido. O atentado no arquivo era
apenas uma parte do seu planejamento, na realidade mais um acaso.
Os takerers presumiam — e entrementes havia para eles uma boa quantidade de
provas para esta suposição —, que os antigos ganjásicos provavelmente existiam
escondidos. Duzentos mil anos são um tempo muito longo. Neste espaço de tempo até
mesmo povos pequenos em número podiam ter construído um gigantesco bloco de poder.
Os takerers deviam importar-se com que a legendária figura do Ganjo ressurgisse
novamente, no momento exato. Mas ele também era o Ganjo certo? Não para os takerers.
Para eles, Ovaron era o homem que poderia derrubar o seu planejamento de longo
alcance.
Que conclusões deviam-se tirar disto?
Novamente Geoffry Abel Waringer começou a falar:
— As máquinas biopositrônicas a bordo da Marco Polo calcularam que os takerers
tinham trabalhado por duzentos mil anos, com uma inteligência formidável e grande
cautela, na direção deste momento. O nosso aparecimento aqui em Molakesch foi, para
eles, a primeira pane.
— É sério — confirmou Ybsanow. — Muito sério!
Ele ocultou a sua resignação, imediatamente depois, atrás da máscara imóvel do seu
rosto idoso.
— A atividade do Comando do Futuro em Molakesch comprova-me, nitidamente,
que os takerers prepararam tudo, até mesmo aqui neste importante arquivo, por um
espaço de tempo de incalculável duração — disse Ybsanow então, muito baixo.
Dados muito antigos tinham sido falsificados. Eles deveriam preparar o
aparecimento de um Ganjo, expressamente falsificado pelos takerers para os seus fins. Os
dados apresentaram, reunidos e avaliados, uma imagem levemente modificada.
Era a foto que aparecia no retrato tridimensional.
— Portanto, o planejamento dos takerers, em duzentos mil anos, prevê a
apresentação de um falso Ganjo. Com este falso Ganjo, de acordo com nossas
informações, eles querem alcançar o seguinte:
“Os muitos povos, que lutam e rivalizam entre si, desta galáxia, deverão ser
pacificados e em seguida reunidos sob uma direção central.”
Waringer terminou e juntou os documentos, alisando pedantemente os seus
cantinhos dobrados.
Rhodan sacudiu a cabeça. Como se acordasse de uma longa reflexão, ele disse:
— Além disso, se nós avaliamos corretamente todas as informações e interpretamos
acertadamente as histórias e relatos de Ovaron, o povo dos ganjásicos, misteriosamente
desaparecido, deverá ser atraído para fora dos seus esconderijos.
“Pelo fato de reconhecerem o Ganjo, eles terão que sair do seu anonimato. E esta é
a melhor oportunidade para os takerers e o seu falso Ganjo, para também colocar os
ganjásicos sob o seu poder.”
— É isto — disse Ovaron.
As hipóteses, que tinham um grau de probabilidade muito elevado, significavam
muito para esta galáxia. De repente, tudo parecia mais claro. Uma rodinha encaixava-se
na outra.
Rhodan disse, agitado:
— Agora também compreendemos por que os cappins surgiram na nossa galáxia e
no nosso sistema solar, como pedotransferidores.
Waringer anuiu e prosseguiu:
— Também o nosso temor de que uma invasão dos cappins é iminente, agora é
claramente explicável. Os takerers pensam em atacar sem prévio aviso os povos da Via-
-Láctea e nós terranos em primeiro lugar. Eu preciso ainda lembrar da ameaça do Satélite
da Morte?
Atlan levantou-se.
— Não — disse ele, incisivo. — Agora nós sabemos por que pouco tempo antes
cappins audaciosos executaram experimentos de tempo. Eles simplesmente queriam
apenas penetrar no futuro. É muito simples!
Ybsanow tossiu, discretamente.
— Muito simples... — observou ele, em voz baixa.
Cascal tinha lembranças muito diretas do Satélite da Morte e dos acontecimentos à
sombra do mesmo.
Oito mil cappins deste comando experimental do tempo tinham conseguido saltar
para dentro do Satélite da Morte. Por pedotransferência.
Roi Danton juntou-se a Atlan, parecendo querer voltar novamente ao arquivo.
— Até para mim, que não participei diretamente destes acontecimentos, está claro
que a existência deste Satélite Solar, — agora não-existente, já que essa coisa se queimou
—, entrementes é do conhecimento de todos os cappins do povo dos takerers.
Roi Danton e Atlan pararam perto da porta larga, e olharam atentamente para as
pessoas reunidas ali. Os participantes desta conferência pareciam todos muito agastados.
Estava claro que o planejamento total dos takerers também tinha por objetivo evitar
a apresentação do Ganjo legítimo, fazendo entrar no seu lugar uma personalidade falsa,
na galáxia Gruelfin.
— Isto é uma coisa bem ao meu gosto — disse o Lorde-Almirante Atlan, incisivo.
Ovaron perguntou, um pouco confuso:
— O que quer dizer?
Os dois homens que tinham algo assim como um destino comum, se entreolharam
longamente, em silêncio.
— O senhor vai ter que lutar contra uma sombra! — verificou Atlan.
— Contra uma...?
— Sim. Ou seja, contra o falso Ganjo, que já deve existir agora. Em algum lugar
nesta galáxia, ele deve estar se preparando para a sua aparição de grande efeito.
Ybsanow queixou-se:
— Que estranho. Primeiro tem que vir estranhos até aqui, para descobrirmos isso
tudo. Os conhecimentos não são apenas espantosos, mas eles derrubam tudo.
Cascal dirigiu-se lentamente para o grupo perto da porta, e declarou:
— Ou seja, conhecimentos derrubadores.Ybsanow, o senhor é um homem que eu
aprecio. O que o senhor formula tem uma lógica tão formidável, que todos nós sentimos
um frio na espinha, devido às consequências.
Portanto os takerers estavam informados sobre o aparecimento dos terranos. Eles
conheciam a verdadeira causa dos acontecimentos no Sistema USy-1. O sequestro de
Vavischon também era debitado na conta deles — dos terranos. Também os
acontecimentos nos quais os saqueadores tinham sido vencidos pelos terranos, deviam ser
inseridos neste esquema. E agora os quarenta e nove ou cinquenta takerers tinham visto a
última prova, quando a Marco Polo apareceu seguindo a Norro, tendo depois lançado um
cruzador.
Não se sabia apenas que Ovaron estava aqui — sabia-se também que ele tinha
poderosos ajudantes.
Waringer levantou-se.
— Isso parece ser tudo — disse ele. — Pela ponte do transmissor eu vou saltar para
o Planeta-Arquivo. Nós podemos ser interrompidos a qualquer segundo — por isso
deveríamos aproveitar o último dia para realizar o maior volume de trabalho possível.
Rhodan e Ovaron entenderam-se com um rápido olhar.
— Nós também vamos voltar — disse Rhodan. — A conferência terminou e cada
um sabe o que precisa fazer. Muito obrigado a todos.
Depois os participantes desta reunião abandonaram o salão e minutos mais tarde
podiam ser encontrados novamente nas circunvoluções do arquivo.
***
Duas horas mais tarde.
Um total de três quartos dos recintos do arquivo tinham sido examinados. Havia um
grande número de máquinas e pessoas. Telas de vídeo tinham sido montadas, e
ininterruptamente os mensageiros corriam para cá e para lá, levando o material para a
Marco Polo.
Ybsanow encontrava-se ao lado de Cascal, quando mais um recinto foi aberto,
depois que os mutantes verificaram que não havia armadilhas.
Ouviu-se um zunido, um som feio, cujo eco ribombava entre as paredes e o
parapeito.
Cascal ligou a tela, e viu-se diante de uma garota dos moritatores.
Ela disse, muito agitada:
— Preciso imediatamente falar com Ybsanow, estranho!
Cascal sorriu, rápido.
— Nada mais fácil que isto — disse ele. — Um segundo.
Ele puxou o patriarca pela manga para junto de si, girou-o um pouco pelos ombros e
disse:
— Para o senhor, chefe!
A moça disse, em claro nervosismo:
— Patriarca, acabamos de captar um impulso curto, por hiperondas. Ele vem de
uma de nossas naves. O Iniciado aproxima-se.
Cascal observou, sarcástico:
— Isso vai agradar a Ovaron.
— O que mais diz esta mensagem? Nada de naves takerers?
A moça sacudiu a cabeça e respondeu:
— Não. O comandante acentuou que não se via nada de uma frota takerer.
Evidentemente o comando geral dos takerers hesitou em interferir.
— Isso ainda nos dá algum tempo — disse Ybsanow. — Eu espero que o Iniciado
faça um bom pouso aqui.
Cascal comentou:
— Isso seria desejável.
Ybsanow perguntou à garota do departamento de rádio de Tuo Fryden:
— Quando o Iniciado pretende pousar?
— Dentro de um dia e meio.
— Excelente!
A tela escureceu novamente e os terranos voltaram a dedicar-se ao trabalho. Grupos
isolados tinham avançado até bem embaixo e agora trabalhavam com uma pessoa febril
ao encontro dos seus camaradas que trabalhavam acima. Muitas informações eram
revistas apenas em forma aleatória, mas os mensageiros continuavam a correr de um lado
para o outro. Passou-se hora após hora e lentamente o limite se aproximava — aquela
determinada hora do quinto dia.
As moças e os homens dos moritatores estavam exaustos, os grupos terranos não
menos. Alguns dos aparelhos já estavam sendo guardados, e nas seções da Marco Polo os
rolos de dados se amontoavam, sendo alimentados sem cessar aos computadores
biopositrônicos. As memórias das formidáveis máquinas calculadoras engoliam tudo,
sem retrucar.
Finalmente a voz de Rhodan interrompeu os trabalhos.
— Aqui fala Perry Rhodan.
“Todos os grupos, sem exceção, que vieram para cá, da Marco Polo, dentro da
próxima hora deverão estar novamente a bordo da nave. Isto é uma ordem. Os grupos de
pessoas da CMP-1 e os moritatores podem continuar o trabalho, entretanto devem estar
preparados para uma rápida retirada.”
O caminho de volta para a Marco Polo teve início. Lentamente esvaziou-se o
arquivo. Joaquim Manuel Cascal, que há dias funcionava aqui como “criado-para-tudo”
encostou-se na parede e fumou silenciosamente um cigarro, vendo como os pares
sumiam, um depois do outro, no pequeno transmissor. Eles ressurgiram rapidamente na
CMP-1, saltavam dali pelo transmissor instalado, seguidos mais tarde dos seus robôs,
máquinas e as fitas e aparelhos sensores, além de outros equipamentos técnicos.
Pequenos grupos de conversa formaram-se diante do transmissor, dentro do arquivo.
— Esta maldita sensação... — disse Cascal, em voz baixa.
Parecia que alguma coisa estava à espreita no espaço em volta e por cima de
Molakesch. Alguma coisa incompreensível, que outros homens que não tinham crescido
entre perigos provavelmente nem sequer sentiriam. Mas em Cascal, cuja vida era uma
cadeia ininterrupta de aventuras, a mente sensível deste homem foi tocada, deixando-o
agitado. Como uma onda fria, aquilo passou pela sua pele. Certamente ali havia alguma
coisa.
— Silêncio! — ordenou Cascal.
Mas ele sabia que não conseguiria deter nada.
E também não ficou absolutamente surpreendido quando o minicomunicador no seu
pulso chamou. Ele levantou o braço, ligou o aparelho e disse:
— Cascal. Quem fala?
— Aqui fala Rhodan. Os moritatores e a Marco Polo acabam de captar um pedido
de socorro da nave dos moritatores.
— Estou ouvindo!
Rhodan disse, apressado:
— A nave neste momento está sendo atacada por várias naves takerers, Joak — o
senhor é o chefe da frota dos cruzadores. Vá para bordo da Marco Polo.
Cascal já estava correndo na direção do transmissor.
— O senhor informou Atlan?
— Naturalmente. Depressa!
Cascal agora encontrava-se diante da fila que se formara na frente do transmissor.
Eram mais de cem homens, o restante dos grupos.
— E os homens que estão aqui?
Rhodan gritou:
— Até que a Marco Polo entre no espaço linear, eles poderão saltar.
— Ótimo — disse Cascal, correndo e deixando os homens para trás. — Eu voltarei
dentro de três segundos.
Ele parou bem perto do transmissor e gritou:
— Todos da Marco Polo, de volta! A nave vai interferir, o moritator foi atacado.
Rápido, mas sem pânico. A nave está partindo neste momento, mas até que alcance a
velocidade para entrar no espaço linear, vocês conseguirão saltar facilmente!
Ele virou-se, girou dois homens com bagagem, e saltou para a frente. Ele
desapareceu entre as duas colunas do portal, tropeçou violentamente na sala do
transmissor dentro da CMP-1, para dentro do outro transmissor e rematerializou na
Marco Polo.
— Eu bem que imaginei! — disse ele, ofegante.
3

E agora os acontecimentos se precipitaram.


Cascal quase colidiu com Atlan, que o girou pelos ombros, puxando-o
violentamente para longe do grande transmissor. Aquilo demorou apenas segundos. Do
transmissor saíam, quase correndo, e sem interrupção, homens e robôs com objetos de
equipamentos.
Atlan berrou pelo recinto:
— Ponto de encontro é o local do ataque, bem perto daqui. Nenhuma outra nave
está pronta — entre aqui. O senhor vai sair na CMP-11. Boa sorte!
— Obrigado!
Cascal correu por uma grade de metal, deu meia-volta, depois jogou-se para dentro
do pequeno transmissor que estava ajustado para a CMP-11. Os ruídos das máquinas com
as quais a Marco Polo acelerava foram os últimos ruídos que ele ouviu.
Todas as outras pessoas ficaram para trás, em Molakesch.
E Cascal materializou dentro da CMP-11.
Ele correu para cima, para a central, onde Rimano Betschul o saudou, sentado na
sua poltrona — um homem atarracado, de olhos negros com cabelos cortados a
escovinha. Também este cruzador já estava acelerando.
Cascal fez rápida continência e disse:
— Preciso de informações. Existe contato de rádio entre as unidades?
O terrano, de trinta e oito anos, disse, curto:
— Sim. Temos ligações com todas. Todas as estações estão ocupadas.
— Excelente. O que aconteceu?
A nave acelerava com todas as suas máquinas. Os ponteiros e sinais luminosos
oscilavam constantemente nos limites da velocidade máxima.
Rimano Betschul fez o seu relatório, enquanto Cascal afivelava os cintos na sua
poltrona.
— Rhodan fica em Molakesch. Atlan, com a Marco Polo e todas as unidades,
entraram em perseguição, há cerca de cento e cinquenta segundos. Agora já podemos
rastrear algumas particularidades.
Cento e cinquenta segundos — o tempo que se passara — parecera uma eternidade
para Cascal.
Betschul prosseguiu, sem tirar os olhos do telerrastreamento:
— O ataque de surpresa dos takerers à espaçonave do moritator aconteceu a uma
distância de sete segundos-luz. Portanto bem próximo do sistema. Todas as unidades
estão correndo para este ponto. Isto agora parece lógico — provavelmente os takerers já
estavam ali, à espreita.
Cascal perguntou, surpreso:
— Eu estava sob a impressão de que nossas naves tinham rastreado completamente
o espaço em torno do Sistema Pysoma?
— Correto — respondeu Betschul. — Mas nenhum de nós descobriu alguma coisa.
Talvez também as naves tenham surgido, todas juntas, ao mesmo tempo, de dentro do
espaço linear.
— É possível — disse Cascal, ainda surpreso.
O ataque naturalmente só poderia acontecer no espaço normal. A nave do moritator
tinha saído do espaço linear e aproximou-se do planeta Molakesch, com velocidade
subluz. Para Cascal ficou claro porque nenhuma frota dos takerers tinha sido rastreada —
certamente os quarenta e nove takerers fugitivos tinham trazido com eles informações
valiosas. Isso queria dizer que eles tinham o Iniciado como seu objetivo.
Cascal apertou uma tecla e disse:
— Rastreamento, por favor!
Uma tela clareou.
— Aqui fala o rastreamento.
Cascal pediu, com urgência na voz:
— Preciso imediatamente da posição de nossas unidades.
— Imediatamente.
A imagem apareceu.
A Marco Polo, quarenta e nove cruzadores e cinquenta corvetas estavam
posicionados bem dentro e para fora do sistema. A maior distância existente entre duas
naves era de mais de um bilhão de quilômetros. Pelo fato, entretanto, de que as naves se
situavam nas posições indicadas, elas formavam gigantesca tela de rastreamento, ou seja,
uma formidável antena. Elas penetravam profundamente no espaço com seus sensores,
medindo exatamente o lugar do ataque de surpresa.
— Nós estamos posicionados praticamente em primeiro lugar. Por acaso — disse
Betschul.
Cascal olhou nos olhos do homem, depois virou o rosto para o indicador de
velocidade e disse:
— Uma curta, mas arriscada manobra linear?
Betschul disse, sorrindo:
— É o que pretendo. Autoriza?
— Claro — disse Cascal. — Vamos, salte!
A nave entrou no espaço linear por muito pouco tempo, para logo sair do mesmo
outra vez.
— Rastreamento? — chamou Cascal.
As imagens na galeria panorâmica não diziam nada.
— Falando. Nós já estamos com ele!
Cascal leu, em voz alta, os valores de medição da tela de rastreamento, e ficou
olhando enquanto Betschul mudava a rota, insignificantemente. A nave agora atirava-se
ainda com quase a velocidade da luz, na direção do ponto, no qual uma nave estava à
deriva, sem emissão de energia mensurável — com certeza os destroços da nave dos
moritatores.
— Maldição — gritou Cascal, irritado. — Tarde demais. Os takerers fizeram o que
queriam fazer, e depois entraram no espaço linear em alta velocidade. Fazer uso do
sensor de semi-espaço!
— Entendido, os aparelhos já estavam funcionando. Nenhum resultado — eles estão
longe demais, rápidos demais.
— Droga! — gritou Betschul. — Vamos na direção dos destroços?
A esfera do cruzador leve aproximava-se com a velocidade de um raio de sol do
local do destroço, que aumentava nas telas, tomando-se mais nítido. O mesmo girava
lentamente sobre dois eixos.
— Sim. Manter a rota exatamente sobre o mesmo, parando imediatamente à sua
frente. Vamos sair de bordo. Vamos ter uma boa tripulação?
Como se tivessem adivinhado, diversas vozes gritaram:
— Já estamos nos equipando para isto.
Cascal anuiu satisfeito e desafivelou o cinto.
— Ótimo!
Dentro de menos de quinze minutos um comando de quinze homens estava
formado, equipado correspondentemente. Cascal estava metido no pesado traje espacial
com aparelhagem adicional nas costas e esperava na eclusa polar aberta, pelo momento
em que a nave estivesse suficientemente perto dos destroços, e em segundo lugar que
tivesse freado totalmente.
Ele disse, pelo rádio:
— Central: acender todos os holofotes e iluminar os destroços!
Os homens à sua volta começaram a ficar inquietos. Eles se movimentaram
cautelosamente até a borda da eclusa sem ar. Diante deles estava o cosmo estranho, e no
meio das estrelas girava uma massa escura. E agora acendeu-se a torrente de luz —
enquanto alguns contornos esfarrapados se destacavam da escuridão.
Cascal ergueu a mão, quando reconheceu, pela distância entre as duas naves, que
agora não mais se modificava, que o cruzador interrompera a sua viagem.
— Vamos! — disse ele.
No mesmo instante, Betschul chamou, muito agitado:
— Cascal! Eu rastreei alguma coisa — numa posição completamente maluca! Eles
deram meia-volta!
Cascal perguntou, muito inquieto:
— Quem, maldição?
A voz do comandante da nave ficou mais calma:
— Naves takerers. Eles estão justamente entrando no espaço linear, nos limites da
desagregação. São quatro. Temos poucas chances.
— Nós, não, uma vez que estamos parados. Imediatamente passar mensagem de
rádio para todos, especialmente para Atlan. Passar também as coordenadas e medidas de
goniometria! Rápido!
— Entendido!
E então, pelo rádio de capacete, ele só recebeu ainda as ligações agitadas, as falas e
as confirmações.
A consequência foi que todas as outras naves entraram no espaço linear,
perseguindo os quatro takerers.
Cascal seguiria, quando tivesse terminado as investigações aqui. Tratava-se apenas
de uma nave pequena.
— Para lá! — gritou ele.
Enquanto todas as outras unidades terranas
voavam na direção da posição das naves,
executando manobras lineares, os quinze homens
pairaram lentamente para a carcaça da nave. Os
holofotes de aterrissagem da CMP-11, a nave-
capitânia da segunda flotilha de cruzadores,
iluminavam o casco arrebentado.
Cascal deu suas ordens:
— Dispersar, ligar holofotes de capacete,
efetuar investigações exatas. Se possível, tirar
fotos que sirvam para documentação.
— Entendido! — veio a resposta.
Os homens nos pesados trajes se dispersaram e agora viam cada vez mais
claramente que devia ter ocorrido um curto combate renhido. A nave tinha sido atacada
de surpresa, de forma brutal. Primeiramente tinham acertado os aparelhos de propulsão, o
que tinha levado a outras explosões dentro da nave.
Depois, presumivelmente, com rapidez louca, um comando de abordagem tinha
subido a bordo, abrindo caminho através da nave, sem piedade.
Escotilhas arrebentadas...
Paredes explodidas...
Moritatores mortos dentro de trajes espaciais e sem trajes de proteção...
Quase todos os cadáveres mostravam ferimentos causados por tiros...
— Eles foram assassinados!
Por meia hora, os quinze homens permaneceram dentro daqueles destroços à deriva.
Eles verificaram que inúmeros sobreviventes tinham sido mortos a tiros, pelo
comando de abordagem estranho, sem poderem defender-se.
Agora estava claro que os takerers tiveram o Iniciado em mira.
Cascal disse:
— Nós examinamos praticamente cada recinto, apesar de só ligeiramente. Não há
mais sobreviventes aqui. De volta para a nave. Controle por numeração.
Todos os quinze homens pairaram de volta, para dentro da escotilha claramente
iluminada da eclusa. Mal eles tinham entrado, quando as portas se fecharam e a CMP-11
saiu voando em velocidade máxima, atrás das outras naves.
Uma mensagem adicional por onda-curta para Perry Rhodan foi enviada.
Um total de cem naves terranas caçava quatro naves takerers. Mas a dianteira dos
takerers era grande, muito grande...
A ação mais uma vez transferiu-se para o espaço interestelar.
Numa galáxia estranha, desconhecida...
***
Somente o cruzador CMP-1 tinha ficado para trás em Molakesch, sob o comando de
Menesh Kuruzin, o negro afroterrano.
A nave estava pousada no espaçoporto da cidade Tuo Fryden.
Todos os membros da tripulação da Marco Polo tinham regressado para a nave-
-portadora através da ponte de transmissores, com seu equipamento técnico e os últimos
rolos de dados e fotos, literalmente no último segundo, antes da ponte ser desligada.
Somente a tripulação básica, diminuída em uma pessoa, ou seja, por Cascal, ainda
estava aqui.
E destes, uma parte permanecia no arquivo.
Roi Danton encontrava-se a bordo, ele precisava comer alguma coisa, pois estava
morrendo de fome. A sua frente estavam sentados Marceile e Claudia Chabrol, na
pequena cantina.
Claudia disse, lastimando:
— E agora ele não se encontra mais entre nós, o Bondoso.
Roi anuiu compreensivo e dividiu uma batata maneirosamente com o dedo mínimo
erguido, com uma faca.
— Está falando do seu Romeu fracassado, cara Julieta?
— Sim. É isso. O que, aliás, ficou combinado, quanto ao regresso da nave?
Roi tomou um pouco do leite que tinha ido buscar para si num copo enorme.
— Atlan deverá voltar para aqui, com a Marco Polo, e as outras unidades lançadas,
quando ele tiver alcançado alguma coisa. Também se ele não tiver alcançado nada, o que
entretanto é difícil de imaginar, com os conhecimentos, as experiências e o saber de meu
muito querido amigo arcônida.
Parecia que nada mais tinha sabor para Marceile. Ela sentia a mesma coisa que
Ovaron. Pouco antes do pouso a sua última chance — e a maior, além do mais —, tinha
passado para o adversário.
— Para aqui? — perguntou ela, indecisa.
Roi explicou:
— Sim. Pois o meu não menos querido pai quer esperar aqui por Atlan. O objetivo
de Atlan é importante: a libertação do Iniciado.
Marceile objetou:
— Ou uma tentativa para isso.
— Sim. Quando Ovaron quer dar início à tentativa?
Roi olhou para o relógio.
— Dentro de uma hora.
Meio confusamente, a médica de cabelos escuros perguntou:
— Aliás, conseguiram encontrar alguma coisa nova... quero dizer, sobre o cappin
que tinha assumido o Patriarca Ybsanow?
Roi respirou fundo.
— Oportunamente nada, não. Aparentemente este desconhecido pedotransferidor se
recolheu. Ou ele tinha o seu corpo deitado por aqui, ou então ele realmente afastou-se do
planeta. Aliás, nós pensamos, com uma probabilidade que beira à certeza, de que se
tratava do tal Misyen.
— E o que há com Alaska Saedelaere?
Roi olhou Marceile nos olhos e disse:
— O pedotransferidor sabe que ele pode ser rastreado dentro de fabulosamente
pouco tempo. Também Alaska Saedelaere, que constantemente está sendo vigiado pelos
mutantes, reage de modo totalmente normal, e inquestionavelmente não foi assumido
pela segunda vez.
Depois ele acrescentou:
— Nós devíamos terminar esta refeição, para depois descermos para o arquivo, ou
seja, para tomarmos o transmissor.
— É curioso que justamente hoje foi descoberto este antiquíssimo banco de dados.
Roi explicou, concluindo:
— Tivemos que pagá-lo com dois feridos. Os próprios moritatores não imaginavam
que este banco de dados existia. Os takerers simplesmente emparedaram um recinto, e
somente as medições do Paladino mostraram que os cabos energéticos atravessavam estas
paredes.
Logo depois, eles estavam no arquivo.
Todos os outros trabalhos tinham sido interrompidos. As portas de aço, decoradas
com símbolos, estavam fechadas, e o transmissor portátil encontrava-se a cinco metros da
entrada deste salão de armazenagem de dados. Entrementes eles se encontravam na
terceira volta da espiral, vista de baixo.
Dez pessoas ainda estavam presentes.
O resto encontrava-se na CMP-1, recuperando-se. Os grupos tinham sido
sobrecarregados de trabalho até o limite de sua capacidade.
Rhodan estava conversando com Ovaron, quando Roi chegou com as duas jovens.
Ovaron girava ininterruptamente o seu bracelete de comando, como se ele fosse uma
garota agitada brincando com suas bijuterias.
Waringer e o Dr. Troyanos estavam presentes e tinham ativado o antiquíssimo
aparelho de armazenagem de dados.
Gucky e Ras Tschubai estavam parados nas proximidades dos dois homens,
perguntando-se se teriam que intervir novamente.
E nenhum dos moritatores estava aqui — por puro acaso.
O Paladino e Icho Tolot estavam parados à direita e à esquerda da entrada,
vigiando, de sua parte, todo o grupo.
— Começamos? — perguntou Waringer, baixinho.
— Eu estou pronto! — assistiu-o Troyanos.
Naturalmente não se esperava aqui por dados individuais incontestáveis, que
somente Ovaron podia ter, mas em contrapartida tinham calculado com outra coisa, com
grande probabilidade.
O aparelho-pulseira.
Neste aparelho havia uma miniaturização sem igual de um código especial de rádio.
Seus diversos sintonizadores de frequência por isso não podiam ser imitados, porque a
sua codificação sobressaía a um número que correspondia a uma codificação de um
quadrimilhão de vezes.
Esta chave de código de rádio já tinha sido ativada uma vez, ou seja, para levar a
complicada maquinaria de vigilância da lua de Saturno, Titã, a abrir o depósito. E agora
devia ser utilizada aqui.
— Vamos!
Waringer apertou um botão.
Depois escreveu uma longa fileira de ordens. Numa tela gigante, antiquada,
surgiram as primeiras sequências de dados, expressados nos caracteres cappins, que
entrementes muitos cientistas terranos sabiam ler.
Rhodan disse:
— Ovaron!
Ovaron aproximou-se de Waringer. Ninguém falava — uma tranquilidade tensa se
espalhou. E então Ovaron ligou o aparelho de comando.
Rangendo, abriu-se uma placa acima do console de programação, e sensores foram
trazidos para fora. Eles pareciam uma pequena floresta de antenas.
— Primeira reação! — disse Waringer.
A primeira fileira de dados escritos, que correspondia ao sinal, que tinha ocasionado
a abertura da máquina, empalideceu. Depois a máquina começou a zunir, a matraquear e
a trabalhar com ruídos ofegantes.
— Segunda reação!
Ovaron transmitiu um comando, apertando e soltando a tecla, enquanto observava
ao mesmo tempo as cifras no seu relógio.
A tela ficou colorida. Linhas e círculos passavam fugazmente, e de repente a
imagem do Ganjo apareceu outra vez na tela.
Em duas dimensões — depois a tela acendeu-se mais, e a imagem tornou-se
tridimensional e correta nas cores. Mas era uma aparelhagem antiga: de vez em quando
caía de volta para duas dimensões.
— Exatamente estes dados foram armazenados aqui! — disse Ovaron, feliz.
— Vamos esperar! — preveniu Roi.
Ele sentiu no seu braço a mão de Marceile, cujos dedos o apertaram, nervosos. A
moça sequer o notava, pois olhava como que hipnotizada da imagem para Ovaron e
novamente de volta. Ninguém parecia respirar.
E então a máquina parou de funcionar.
A imagem desapareceu.
Estalando, alto-falantes invisíveis se ligaram. Uma voz disse na antiga língua da
galáxia:
— Os dados transmitidos são totalmente idênticos com os dados armazenados.
“O aparelho contrário é o único que já foi fabricado.
“O código está exato.
“A conclusão: Todas as informações podem ser liberadas, uma vez que o Ganjo
Ovaron se encontra diante de minhas antenas. Perguntas são esperadas.”
Ovaron virou-se, pálido e agitado, para Rhodan.
— Nós devíamos ir buscar Ybsanow e alguns moritatores!
Rhodan anuiu. Depois ele pediu a Waringer:
— Pergunte a esta caixa há quanto tempo as informações sobre a pulseira
multimodo já se encontram na memória. Entrementes vou buscar Ybsanow.
— Está bem.
Pouco tempo depois, os moritatores reconheceram que tinham o Ganjo legítimo
diante deles, e viram que todas as provas apontavam Ovaron, e portanto eram contra
qualquer outro homem, e que todos os outros documentos que tinham sido encontrados
aqui haviam sido falsificados pelos takerers.
E a máquina deu a resposta:
— A idade das informações é de duzentos mil anos.
E então, por garantia, todo o processo foi repetido mais uma vez. Esta repetição
iniciou a primeira detonação, o caos, o inferno e os medos mortais das mais de seis mil
criaturas inteligentes viventes neste planeta.
A primeira bomba atômica detonou bem no meio do lago, que tinha sido construído
na planície mais inferior, sendo alimentado pelas águas subterrâneas desviadas.
De qualquer modo, o alarma antes tinha deixado os presentes, em parte, saltarem
pelo transmissor, e em parte os teleportadores tinham feito suas intervenções.
Quando o cogumelo branco da explosão se espalhou, não havia mais nenhum ser
vivente no arquivo.
E começaram as últimas horas de Tuo Fryden.
***
Na memória, os segundos se dilatavam em unidades inconcebivelmente longas. Na
realidade, entretanto, os terranos agiram muito depressa.
Antes, porém, reagiu a máquina.
Na tela de imagem apareceram as palavras: Comutação especial se processará
dentro de quatro segundos — na velha língua da galáxia Gruelfin.
Rhodan adivinhou tão exatamente o que isso significava, que agiu por puro reflexo.
Naquele ruído baixo, profundo, de uma sirene que começava a uivar, ele berrou com
todas as suas forças:
— Todos para fora! Rápido! Para a nave!
Lastimando, ele raciocinou durante um meio segundo sinistramente longo, que
neste esquema eterno nada era basicamente novo. Era o esquema de sua longa vida, e
cada nova fuga não poderia mudar nada nisso. Ele arrancou o Dr. Troyanos da poltrona
diante do aparelho e jogou-se, com a cabeça para a frente, para dentro do transmissor.
Agora o ruído da sirene já era mais claro e mais alto. Parecia realmente ser um
modelo mecânico antiquíssimo. Quatro moritatores foram agarrados por Gucky e por Ras
Tschubai — seis pessoas desapareceram.
— Já estou indo, Rhodan! — gritou o gigante halutense, abaixou a cabeça e pegou
Roi com uma de suas mãos, como se este fosse um brinquedo. Depois o gigante de Halut
atirou-se para a frente e desapareceu por entre os pilares do transmissor.
Waringer agarrou Marceile e saiu correndo.
A sirene agora já uivava mais alto, num tom que provocava calafrios. A instalação
elétrica deste recinto de armazenagem de dados parecia estar falhando, pois a luz
tremeluzia, num ritmo incerto.
Ovaron e Claudia Chabrol foram os próximos.
Entrementes apenas o terceiro segundo se iniciara.
Mais uma vez apareceram os dois teleportadores e arrancaram os últimos
moritatores da zona de perigo.
Por último, o Paladino trovejou através do transmissor.
Todos os membros do grupo estavam na nave. Eles não viram mais o que, depois
destes três segundos, aconteceu nos recintos do arquivo.
***
Primeiramente raios azulados brilhantes crepitaram e estalaram através de todos os
elementos dos computadores.
Eles destruíram os dados preciosos, antiquíssimos. Fumaça negra e gases venenosos
de ligações em chamas, válvulas detonando e comutadores em curto-circuito, ergueram-
-se, fervilhantes.
E depois, muito lentamente, a sirene parou de tocar.
Com este ruído, o arquivo morreu.
Primeiramente apareceu um raio, branco, silencioso, sobrenatural. Alguns
milésimos de segundos mais tarde, o raio transformou-se numa bola de fogo, que se
espalhou para todos os lados.
A coluna de aço, que segurava o céu artificial por cima do parque redondo no centro
das cinquenta voltas da espiral, fundiu, dobrou-se e formou uma figura espiralada
derretida, que somente conservou a sua beleza por dois segundos.
Depois a detonação jogou pelos ares toda a terra, as árvores carbonizadas, a grama
pulverizada em chamas, os robôs e os animais do parque, tudo transformado em névoa e
cinza, no típico formato de um cogumelo de explosão atômica.
O teto, apesar de roubado do seu único apoio, não caiu, mas arqueou-se para cima,
como um balão. Somente depois a pressão alcançou o seu ponto crítico, e atirou para o
alto um círculo de dez quilômetros de diâmetro, que ficava nos arredores da cidade de
Tuo Fryden.
O cogumelo atômico ergueu-se junto da cidade.
***
Uma nave!
Também aqui novamente os terranos agiram com uma velocidade que longos anos
de perigos tinham produzido.
O perigo era nítido.
Rhodan e Ovaron estavam na central, só poucos instantes depois. Rhodan forçou-se
à calma.
E deu suas ordens, em sequência natural.
— Ligar máquinas, em ponto-morto. Todas as eclusas fechadas — provavelmente
as bombas dos takerers vão destruir ainda mais.
Ybsanow e alguns outros moritatores subiram até a central. Nas telas da galeria
panorâmica via-se o característico cogumelo atômico. Ybsanow parecia um homem, que,
sem entender o que acontecia, via-se diante do fim de tudo aquilo que significava alguma
coisa para ele.
Ele perguntou, dominando-se a muito custo:
— Vamos todos morrer?
Rhodan olhou para ele. O rosto do Administrador-Geral estava branco como a neve.
Rhodan apontou para o segundo cogumelo atômico.
— Pelo menos era o que os takerers queriam. O senhor agora reconhece os
verdadeiros inimigos? Poder, bombas e destruição... isso são os takerers, nos quais o
senhor acreditou.
Com o questionamento do antiquíssimo cérebro positrônico de armazenamento de
dados, começara a catástrofe. O centro de computação era o mecanismo detonador das
bombas. Isso significava duas coisas:
Em primeiro lugar, este planeta sofreria com isso.
Rhodan virou-se para Menesh Kuruzin.
— Todos os terranos estão a bordo? Eu preciso ter certeza!
Kuruzin há muito tinha mandado proceder a contagem.
— Sim. Inclusive o grupo do arquivo — disse ele. Rhodan apontou para a tela e
disse:
— Retransmita a todos: Vamos partir e pousar no centro de Tuo Fryden.
— Entendido, sir!
Kuruzin começou a trabalhar nos seus controles.
Em segundo lugar: A presença do Ganjo legítimo, pois apenas este usava a pulseira
de combinações, tinha ativado a máquina. A ativação, entretanto, fora o início. Agora
detonava a quarta bomba. Uma voz do departamento de rastreamentos gritou:
— Essas são bombas de fusão! Sir! Bombas de fusão!
Rhodan confirmou o comunicado.
Lentamente a nave elevou-se, passou voando pelos restos de algumas máquinas de
limpeza e lentamente aproximou-se da cidade. Praticamente nem se ouviam ruídos de
máquinas. Por trás da cidade subiu um quinto cogumelo atômico para os céus — uma
bomba gigantesca que se curvou no horizonte e crescia...
Rhodan virou-se para Ybsanow:
— O senhor perguntou-me, ainda há pouco, se todos iríamos morrer?
Ybsanow respondeu, desencorajado:
— Sim.
— De acordo com o desejo dos takerers, eu devo dizer: Sim! Estas bombas de
fusão, mesmo que se tratasse de uma única, acabariam destruindo o planeta em lenta
queima atômica. O senhor não tem nenhuma nave espacial — Kalabasch já partiu.
Ybsanow murmurou:
— O que podemos fazer?
As bombas de fusão explodiam com um efeito ótico diminuto. A sua significação
mortífera consistia em que elas passavam para um processo de fusão nuclear, que
desenvolvia um calor inconcebível. Em alguns milhares de lugares do planeta Molakesch
de repente vulcões atômicos entraram em erupção.
— Nada — disse Rhodan.
Ele continuava a calcular as chances de seu plano meio doido.
Enquanto a nave pousava no centro da cidade, Rhodan disse para Ybsanow:
— Uma tripulação de seis mil e trezentos e oitenta homens.
Rhodan ligou o canal para o departamento de rádio e disse:
— Traga-os para cá! Rápido, antes que a próxima bomba detone na cidade!
Ybsanow desapareceu da central sem dizer uma só palavra. Os seus homens o
seguiram muito apressados.
Rhodan voltou-se para o chefe da central de rádio, e disse:
— Passe constantemente um comunicado de localização e um pedido de SOS para
Atlan e todas as outras unidades. E comunique-se comigo somente depois que conseguir
contato. Claro?
O chefe disse:
— Naturalmente, sir!
Rhodan comutou para circuito geral e depois disse ao microfone:
— Amigos, eu me decidi a salvar os moritatores. São pouco mais de seis mil
pessoas. Isso significará para nós, nos próximos dias ou horas, uma limitação bastante
expressiva.
“O seguinte deve acontecer:
“Todos os veículos, planadores e semelhantes, serão imediatamente lançados pelas
escotilhas. Todos os recintos, ou seja, todos os espaços disponíveis da nave, serão
utilizados.
“Nós poderemos completar novamente uma grande parte do equipamento, logo que
estivermos a bordo da Marco Polo.
“A tripulação terá que ficar nos seus postos, porque a nave precisa continuar pronta
para o funcionamento. Eu calculo que levará apenas horas para que estas condições
terminem, mas não pode ser diferente. E a partir de agora, imediatamente, os moritatores
virão para bordo desta nave — peço que primeiramente sejam ocupadas as áreas
periféricas, e só depois as centrais. Todos os outros trabalhos deverão cessar.
“Isso é tudo. Desejo a nós todos muita sorte. É permitido praguejar.”
Os alto-falantes estalaram.
Rhodan virou-se, viu aquele brilho suspeito nos olhos de Ovaron e disse, com voz
rouca:
— Nada de longos discursos, amigo Ovaron, mas uma rápida ação.
A tripulação começou a trabalhar.
Enquanto de todos os lados da cidade se aproximavam os moritatores, abriam-se as
escotilhas. Alguns planadores e caixas vazias voaram para fora, formando montes por
baixo da nave.
As cabines foram aumentadas, ao recolher-se todos os embutidos nas paredes, — os
números de metros cúbicos disponíveis aumentaram.
Tudo que não era absolutamente necessário no momento saía da nave. Alguém
gritou:
— Rápido! Primeiro os recintos de carga!
Sob a direção de alguns membros da tripulação, formou-se uma fila comprida na
praça. Dois mil grupos de três pessoas cada, alguns com mais gente.
A fila aproximou-se da eclusa polar, desaparecendo ali, e as tripulações começaram
o internamento dos moritatores.
Primeiramente as cabines — as cerca de setenta cabines a bordo desta nave.
— Com pressa, mas com juízo! Nada de pânico!
Os moritatores, por assim dizer, eram estratificados na nave. Em cada uma das
setenta cabines, era possível meter quinze pessoas, se os homens ficassem de pé. Nenhum
centímetro do chão continuava mais livre, mas provavelmente mais alguns moritatores
seriam metidos ali, por cima da cabeça dos outros.
Dentro de dez minutos, mil e cinquenta pessoas foram acomodadas.
E então veio, da nave, um grito de horror — a primeira explosão bem perto da
cidade abalou a atmosfera.
— Maldição! — disse Rhodan, alarmado.
Uma massa gigantesca, fervente, de pedras derretidas, com cento e cinquenta
metros de diâmetro, abaulou-se para o alto. Ainda era possível ver-se restos da superfície
em cima da bolha. Árvores e rochas, que lentamente afundavam e ardiam, detonavam —
tudo acontecia como numa tomada em câmera lenta.
Rhodan gritou:
— Um pouco mais depressa! Nada de pânico!
A bolha subiu cada vez mais, cresceu em quilômetros e depois arrebentou, quando
alcançou o limite da atmosfera. O estrondo trovejante e o tufão que varreu a terra
deixaram os moritatores agitados e em pânico.
— Adiante!
A fila se desfez e aglomerou-se contra a eclusa polar. Agora os mutantes
interferiram. Os últimos retardatários dos moritatores vieram correndo e do espaçoporto
aproximaram-se planadores superlotados que pousaram nos limites da praça. O caos
começou a tomar conta dos que esperavam. Muitos deles tinham trazido bagagem, que
era impiedosamente eliminada e jogada fora.
Agora os porões de carga se encheram.
Num cruzador esférico, de cem metros de diâmetro, havia uma quantidade bastante
grande de espaços vazios, com exceção das instalações técnicas. Mas nenhum deles era
apropriado para alojar um número tão grande de pessoas. Os membros da tripulação
agiam praticamente sem tomar nada em consideração.
Eles não permitiam a nenhum moritator que se sentasse. Os homens e as mulheres
eram empurrados para dentro como num transporte de massas superlotado, dos tempos
pré-atômicos, nas horas do rush.
Mais dois mil moritatores foram alojados dentro de dez minutos. Eles entravam pela
eclusa polar, subiam e depois se dispersavam em todas as direções. As câmaras da eclusa
ficaram cheias. Os corredores e a central da nave ainda estavam livres.
As máquinas continuavam funcionando em ponto-morto — a nave estava pronta
para partir. Poderia subir dentro de segundos.
Os perigos não vieram silenciosos, e vieram rápidos.
Um vento ardente, que queimava os galhos das árvores, tingindo as folhas de
amarelo, vinha uivando do oeste. O horizonte estava invisível, devido aos véus de
materiais transformados em poeira turbilhonante, e as bolhas detonantes dos materiais da
superfície planetária liquefeitos. O sol desaparecia por trás de muros de fumaça cinza-
-amarelada e de colunas de fogo chamejantes. Um apocalipse começou a sua marcha
triunfal horrenda, sobre Molakesch.
Os alto-falantes externos e os alto-falantes do intercomunicador uivaram.
— Aqui fala Rhodan. Não temos mais muito tempo. Gucky, Ras, temos que nos
apressar. Apenas metade dos moritatores já está a bordo!
Em torno da nave e em volta do trem de pouso havia uma multidão. Milagres
esperavam pela evacuação.
Ovaron perguntou, parado no meio da central:
— Vamos acomodar todos? A nave depois ainda conseguirá erguer-se?
Kuruzin disse:
— As máquinas são capazes disso, sem a menor dificuldade. Mas se vamos
conseguir colocar todos a bordo, é questionável.
Rhodan apenas riu. Esta tarefa era-lhe um desafio.
— Eu lhe juro, Ovaron — disse ele, em voz alta, — nós vamos acomodar todos.
Sem deixar ninguém, ainda que fiquem como sardinhas em lata, mas vamos dar um jeito.
Novamente uma explosão bem perto.
— Mais depressa!
A incerteza de quando a situação se tornaria crítica, só afetava muito pouco o
trabalho. Em caso de necessidade a nave daria partida com a eclusa polar aberta, mas eles
aguentariam, até que o último homem estivesse a bordo.
— Os corredores!
— Entendido!
Novamente a comprida fila caminhou um pouco mais para dentro da nave. O fluxo
para cima dos elevadores antigravitacionais os agarrava, e rapidamente, quase correndo,
os moritatores se distribuíam conforme as determinações dos membros da tripulação, nos
corredores, suas transversais, e nos umbrais das portas — eles se colavam praticamente
às paredes, acomodando-se uns junto aos outros. Cada vez mais entravam, passavam
correndo pelos outros, e enchiam os corredores como bolinhas que se empurrava através
de um cano. Mil e quinhentas pessoas encontraram lugar deste modo.
O céu rasgou-se — uma parte do parque girou nos ares, e os edifícios do
espaçoporto ruíram sobre si mesmos, sendo novamente lançados para cima, como ruínas,
atirados para o ar.
Imensas quantidades da matéria planetária foram atiradas nos fluxos dos jatos da
atmosfera superior.
Estes efeitos tinham relação com o imenso calor no interior das bolhas. O calor, que
correspondia ao do interior do sol, transformava as rochas em líquidos chamejantes,
desenvolvendo gigantescas quantidades de gases, que se dilatavam, se inflamavam, e
numa violenta explosão, atiravam pedaços inteiros do planeta ao espaço cósmico.
O núcleo de magma foi atacado.
Isso acontecia em todas as partes deste mundo. O Comando do Futuro agira sem
consideração, minando todo o planeta. Somente a cidade ainda estava de pé, apesar do
fogo já estender seus tentáculos para a mesma — uma parte do parque estava em chamas
altas. Ninguém sabia se talvez a próxima bomba não iria arrebentar com a cidade.
Kuruzin disse, baixinho:
— Sir... nós estamos em perigo de vida. O senhor pretende morrer aqui?
Rhodan bateu com o punho na mão aberta. O seu rosto estava branco como a neve e
coberto de suor. Ovaron estava recostado numa poltrona, enterrando as unhas nos braços
da mesma, e parecendo esperar de olhos fechados pela explosão que catapultaria a nave
para o alto.
— Eu sei. Somente mais mil e quinhentas pessoas, aparentemente.
— Não podemos simplesmente dar partida... — alguém murmurava, sem cessar,
repetindo aquilo numa sequência sem sentido.
O planeta ardia no fogo nuclear.
— Encher a central!
Agora os moritatores entravam na central de rastreamento, nas salas dos
computadores biopositrônicos, na central de rádio e nos nichos entre os instrumentos. A
fila na praça, sobre a qual caía uma chuva incessante de cinzas, ficou menor.
— Quanto tempo precisamos, no total? — perguntou alguém.
— Um total de quarenta minutos — disse um outro.
A clínica de bordo, uma suíte de duas salas e uma enfermaria, encheram-se com
duzentas pessoas. Eles estavam deitados embaixo das camas embutidas, estavam sentados
sobre os leitos e em cima dos armários... e ainda continuavam a entrar. Em algum lugar
ouviu-se o sibilar de ar comprimido. Ouviram-se pragas.
— Mais depressa! — gritava alguém pelos alto-falantes.
A agitação agora também tomara conta dos homens e mulheres da tripulação.
Rhodan ordenou, agitado:
— Gravidade! Kuruzin — regule a gravidade para um terço do valor normal. Deste
modo também podemos encher os espaços livres acima das cabeças!
— Entendido!
A aparelhagem de comunicação de bordo uivou:
— Atenção. Vamos diminuir a gravidade. Utilizar esta facilidade — alojar por cima
das cabeças!
Um novo fluxo entrou na nave.
Nos porões de carga repentinamente havia mais lugar, porque os mutantes
literalmente jogavam os moritatores. Eles os faziam pairar acima das cabeças das
pessoas, uns depois dos outros, empurrando-os impiedosamente para dentro dos
corredores de entrada. As instalações de alimentação de ar foram colocadas em atividade
maior.
Preciosos minutos se passaram, quando a nave começou a balançar e a tremer —
um terremoto a sacudiu.
Os edifícios de vidro da cidade ruíram. Incêndios lançavam enormes chamas para o
alto. Um verdadeiro vulcão irrompeu da terra, levando uma formidável coluna de fogo
para o céu. Outras bombas, que agiam de modo bastante rápido e profundamente sobre os
elementos frequentes na crosta do planeta, detonaram. Gigantescos incêndios irromperam
e transformaram a terra, as rochas, rios e lagos, mares, montanhas e desertos, em magma
viscoso. O calor agora caía de todos os lados sobre a praça, e as cabeças dos homens que
esperavam estavam brancas de cinza.
Os moritatores tossiam e respiravam com dificuldade. Mas agora a fila já estava
bem menor — já se via o seu fim. Incessantemente os mutantes saltavam de um lado para
o outro, trabalhando até a exaustão.
— Mais depressa! A cidade — o planeta ameaça explodir!
O duto descendente da instalação antigravitacional encheu-se com trezentas
pessoas. Elas flutuavam, amontoadas, na gravidade artificial. O trabalho dos membros da
tripulação ficou mais difícil, porque ninguém mais podia movimentar-se como estava
acostumado, naquela gravidade diminuída em dois terços.
— Vamos conseguir! — gritou Rhodan, convencido.
Kuruzin virou-se a meio, e mostrou o seu punho fechado, polegar para cima.
— Quantos ainda estão do lado de fora?
Alguém olhou para a tela e gritou:
— Cerca de quinhentos.
Os recintos de máquinas encheram-se mais devagar, porque os terranos sabiam o
quanto aquilo era perigoso. Junto dos condutores de corrente, entre os bancos
comutadores e as passagens de redes de aço, por trás dos transformadores e os poucos
espaços vazios do conversor Waringer, por toda parte se amontoavam pessoas. Eles se
amarravam com cabos e cintos, pairavam, sem nada poder fazer naquela gravidade
diminuída e imaginavam que aquilo não podia terminar bem.
Rhodan ordenou:
— Desligar todas as instalações de aquecimento! Agora a multidão de pessoas já
estava desaparecendo por baixo da nave. O duto ascensional do elevador
antigravitacional começou a se encher. A eclusa polar estava cheia de gente. Por
enquanto eles ainda estavam junto das paredes.
Lentamente uma onda de fogo rolou na direção da borda da praça. A cidade de Tuo
Fryden estava morta — suas construções e seus parques tinham sido consumidos pelo
fogo. Os moritatores por baixo da nave se empurravam para dentro da eclusa, e de
repente os terranos viram uma moça, que fugia da onda de fogo, das bordas da praça.
Ela tropeçou nas pedras altas, caiu e... de repente surgiu perto dela,
nitidamente visível nas telas, que penetravam mais ou menos bem
naquela chuva de cinzas — Ras Tschubai.
Ele rematerializou na central principal.
Ele sorriu, apesar de estar próximo da exaustão total.
— Nós vamos conseguir — disse ele, baixinho. — Não há
mais de cinquenta pessoas por baixo da nave.
De Ovaron ouviu-se um gemido. Rhodan bateu no
ombro de Kuruzin.
— Sinal de partida! — disse ele.
E então os alto-falantes muito
exigidos entraram em ação
novamente.
— Nós conseguimos!
Os membros da tripulação
arrastaram os últimos moritatores para dentro da eclusa. O zunido dos preparativos de
partida ecoaram pela nave.
Rhodan olhou como que fascinado para a lâmpada que agora estava acesa — ela
anunciava que a eclusa ainda estava aberta.
Ela começaria a tremeluzir quando os portais da eclusa começassem a se fechar.
E se apagaria, quando a eclusa estivesse fechada.
— Chefe!
Rhodan viu o primeiro tremeluzir, e gritou:
— Partida!
Kuruzin puxou lentamente diversas alavancas para baixo.
A nave começou a subir lentamente.
Dois, três metros, depois ganhou velocidade, lentamente subindo cada vez mais
alto. Para conseguir uma melhor distribuição dos moritatores literalmente “enlatados”,
Kuruzin desligou passageiramente a gravidade artificial, num reflexo rápido.
Os mutantes trouxeram alguns homens idosos e algumas moças que tinham
desmaiado para dentro da central principal.
Rhodan perguntou:
— A partida transcorre normal?
— Totalmente. O balançar da nave é devido a estes malditos furacões.
A luz vermelha apagou-se.
A eclusa estava fechada, e mais nenhum ser vivente inteligente continuava em
Molakesch.
4

A nave ergueu-se por cima de uma paisagem que mais parecia a de um planeta
antiquíssimo nos primeiros milhões de anos, antes de sua transformação em esfera.
Desde a detonação da primeira bomba no interior do arquivo, e o momento em que
o cruzador leve se encontrava a um quilômetro de altura, acelerando sempre, tinham
transcorrido setenta e cinco minutos.
Cerca de seis mil e cem pessoas encontravam-se na nave.
A superfície do planeta Molakesch era uma padronagem de chamas brancas, de
colunas ígneas vermelhas e pretas e de nuvens de fumaça, de vulcões em erupção e de
formidáveis mares de chamas, que se alastravam como ulcerações.
Entre estes espaços abaulavam-se gigantescas bolhas de gás, que atiravam partes
inteiras do planeta para o alto. Gigantescos pedaços descreviam uma curva balística,
transformando a sua cor de branco incandescente para preto opaco, caindo novamente de
volta. Através de um tufão de energia, nuvens atômicas e gás em ebulição, a CMP-1 voou
à sua rota vertical. Ela subia incessantemente, chegando agora ao limite dos vinte
quilômetros, continuando sempre para dentro do espaço.
As cargas explosivas de fusão, detonando espontaneamente, arrancavam o tapete de
chamas, que se estendia por cima do magma do planeta. As ondas de choque batiam
contra o magma, rachando a superfície, e a pressão interna do núcleo liquefeito e ardente
atirava para cima enormes pedaços do planeta, do tamanho de luas.
Línguas de fogo levantavam-se para o alto como colunas incandescentes.
Os cursos d'água e os oceanos desaguavam dentro do fogo, formando vapor. A
fuligem, a cinza da superfície de terra queimada e este vapor eram atirados uns contra os
outros, provocando uma tempestade que corria em torno do planeta, parecendo avivar
ainda mais o fogo.
Menesh Kuruzin disse, em voz alta:
— Altitude três mil metros. Partida continua normal.
Os movimentos oscilantes da nave tinham terminado, e entrementes o momento da
aceleração ficara tão grande, que o corpo espacial subia cada vez mais depressa. As telas
da galeria panorâmica agora mostravam toda a medida do honor.
Rhodan abriu caminho a muito custo por entre a multidão de pessoas na central
principal, até a sua poltrona, deixou-se cair exausta na mesma e fechou os olhos.
Assim ficou sentado por alguns minutos para finalmente erguer-se.
— Central de rádio — disse ele, a meia-voz, bem perto do microfone.
O barulho, as pragas e os gritos, os ruídos de milhares de pessoas, agora eram um
pouco menores.
— Sir? — apresentou-se o interlocutor.
Rhodan perguntou:
— O senhor tem liberdade de movimentos suficiente?
— Não.
Rhodan gemeu, olhou em volta e disse:
— Ras está aí, com o senhor?
— Sim — foi a resposta.
— Diga-lhe, por favor, que quando ele puder deverá trazer seis pessoas aqui para a
central principal. Mais lugares nós não temos.
— Entendido.
Rhodan ergueu a mão. Na tela ele via apenas o rosto do interlocutor, e por trás uma
parede de pessoas, por cima das cabeças de vários moritatores que estavam deitados,
segurando-se em alguma saliência, silenciosamente. Era possível ver-se o que eles
estavam pensando.
— E...
O homem sorriu, desesperado.
— Não, nada. Nós estamos passando nossos pedidos de socorro em todas as ondas
que podem ser captadas pela Marco Polo. Atlan ainda não respondeu.
Rhodan disse, baixinho:
— Quando for o caso, entre em contato comigo — eu acho que vamos poder
aguentar ainda por algum tempo.
— Mas é claro, chefe... nós já vencemos outras coisas.
— Nisso o senhor tem razão — disse Rhodan e ligou para a central de rastreamento.
As telas escureceram, ou seja, elas ofereciam a imagem que sempre era criada
quando uma espaçonave se aproximava de um pequeno sol vermelho — o planeta agora
podia ser visto totalmente, como esfera. A luz do sol Pysoma tornou-se desimportante:
Molakesch ardia como um gigantesco balão vermelho, em cujo interior queimava um
fogo chamejante. Branco, preto e vermelho-claro, cinzento e marrom — tudo isso
formava uma padronagem que se mexia constantemente, que se modificava e se
sobrepunha constantemente. Entre as rochas, as partes eram arrancadas, jogando para
cima silenciosas e fantasmagóricas colunas de fogo, bruxuleando como archotes
cósmicos.
Entrementes se esvaziaram os recintos mais cheios, infelizmente só em pouca
monta.
Ali onde as pessoas podiam ficar de pé, mais ou menos retos, logo havia mais gente
se comprimindo, vindas de onde o aperto simplesmente era grande demais. Continuava
não havendo gravidade, o efeito tinha sido considerado. Era como se num grande torrão
de saí se distribuísse uma grande quantidade de água — os moritatores obedeciam à
mesma lei, até que as condições fossem iguais em todos os recintos da nave.
Invariavelmente ruim. Já agora podia notar-se que as instalações da nave, apesar de
consideradas para grande capacidade, eram insuficientes... um cheiro de pessoas suando
espalhou-se como um gás inerte.
— Está fedendo! — disse um membro da tripulação.
Perto dele, de rosto para a parede, um moritator opinou:
— É melhor morrer sufocado que queimado!
O astronauta prometeu:
— Eu vou buscar minha loção de barba e derramá-la aqui. Então logo isso aqui vai
cheirar melhor.
Um outro aconselhou-o:
— Isso você pode guardar para mais tarde. Com certeza isso aqui ainda vai ficar
pior.
Depois eles silenciaram novamente, pois falar era um esforço, e esforços, nesta
situação e neste calor, provocavam transpiração. E gente suada cheirava mal.
Rhodan agora falou, afivelado no seu cadeirão, com a central de rastreamento:
— Central de rastreamento, aqui fala Rhodan. A partir deste momento o senhor
ocupa o lugar mais importante e de maior responsabilidade a bordo.
O chefe da central disse, preocupado:
— Eu sei. Ordens especiais?
Rhodan sacudiu a cabeça levemente e respondeu:
— Não, nenhuma. Continue rastreando com todos os aparelhos disponíveis, e faça
uma sondagem, mais uma vez, de todo o espaço.
Parecia que o homem abafava uma imprecação.
— Já está acontecendo. Sem querer, nós criamos um novo sol.
Rhodan refletiu, transtornado. Ele estava cansado e exausto, e tinha que esperar até
que o seu ativador celular tivesse tirado dele esse cansaço elementar, abrangente. Havia
nele uma profunda lástima, pela maneira de proceder, que ele vivenciara mais uma vez
aqui. Os takerers não tinham hesitado em destruir um planeta florescente, através de
milhares de bombas mortíferas, só porque eles eram mais poderosos, mais sabidos e sem
quaisquer escrúpulos. O resultado era esse “novo sol”.
— Sim — respondeu ele, exausto — é um sinal impossível de não ser visto. Eu só
espero que topemos com Atlan ou então que Atlan nos encontre, antes que uma
gigantesca frota takerer esteja aqui, para verificar o que aconteceu.
O chefe da central de rastreamento disse, depois de um longo olhar para Rhodan:
— É o que todos esperamos, penso eu. Desligo?
Rhodan confirmou.
— Desligo — disse ele e interrompeu a conversa.
A espaçonave agora estava a uma distância de cento e cinquenta mil quilômetros do
planeta. Ele tinha o tamanho, nas telas, de uma dessas bolas nas quais se pode sentar, com
cerca de setenta centímetros de diâmetro.
Os restos da capa atmosférica queimavam num fogo esbranquiçado.
E então o planeta se desfez, em pedaços. O seu interior desdobrou-se como uma flor
exótica, gigantesca. O vermelho e as outras cores, tudo foi encoberto radiosamente por
um gigantesco disco solar, branco como a neve, que girava lentamente. E logo se viu,
dependurado no espaço, apenas minutos mais tarde, um novo sol branco, em substituição
ao planeta Molakesch, com seus arquivos únicos, insubstituíveis.
Linhas de gravidade estenderam-se para o espaço, tentando ultrapassar a nave, mas
o cruzador já tinha alcançado a metade da velocidade da luz, tornando-se cada vez mais
veloz, e atirando-se para os limites do sistema, com o sol Pysoma nas costas.
— Perdido! — murmurou o patriarca Ybsanow.
Ele não conseguia suportar a visão do seu mundo moribundo, mas não tirava os
olhos das telas.
Rhodan disse, duro:
— O planeta está perdido. Os senhores encontrarão uma nova pátria em outras
bases de apoio dos moritatores. E todos estão vivos!
“Por quanto tempo?”, pensou ele.
Quando o brilho ficou tão violento que os filtros automáticos entraram em ação e os
homens da galeria panorâmica tiveram que afastar os olhos, também Ybsanow virou a
cabeça para Rhodan.
— Porque nós não somos takerers — disse Rhodan. — Ovaron... procure explicar
ao seu amigo que nós somente usamos armas, quando nos encontramos diante da
alternativa de nos defender ou de morrer.
Com determinação, Ovaron ergueu o queixo, olhou para Rhodan e disse para o
patriarca:
— Ele tem razão. Não há mais nada a acrescentar.
Rhodan disse baixinho para o comandante da nave:
— Ligue lentamente a gravidade outra vez e estabilize a mesma em três décimos do
valor normal.
Kuruzin executou a ordem imediatamente.
A nave passou pela órbita do terceiro planeta, tornando-se mais rápida. Ela era
apenas ainda um pontinho entre as estrelas, mas a luz de dois sóis iluminava o seu casco.
O cruzador estava sozinho.
Rhodan avaliou que não podia levar mais de vinte e quatro horas até que as coisas
aqui a bordo ficassem impossíveis. Os problemas dos toaletes, a alimentação de oxigênio,
da água ou bebidas e finalmente a comida, surgiriam em pouco tempo, pois a bordo
encontravam-se cem vezes mais pessoas que normalmente. Para uma capacidade de
abastecimento multiplicada por cem, as máquinas não tinham sido instaladas.
Ele virou-se e sentiu que a gravidade tinha voltado.
— Ybsanow?
— Sim?
Rhodan olhou para o relógio.
— Eu lhe pergunto se, em caso de necessidade, nós podemos pousar no quarto
planeta. Para mim está claro que ele é bastante frio. Mas existe ar respirável ali?
Ele já esperara a resposta, pois nestas coisas era mais que pessimista.
— Não. Aquele é um planeta com atmosfera de amoníaco.
Rhodan abaixou a cabeça e procurou lembrar-se das listas de índices de rendimento
que descreviam este cruzador leve.
— Obrigado — disse ele.
Onde se encontravam as outras unidades?
Até mesmo uma segunda nave, até mesmo uma corveta, já teria melhorado as
chances dos sobreviventes do planeta em chamas — seria possível passar para ela, por
exemplo, todos os idosos e as poucas crianças. Mas a Marco Polo e todas as suas
astronaves acompanhantes estavam à caça das naves takerers, pelas quais o Iniciado tinha
sido sequestrado.
Incessantemente saía o pedido de socorro.
Ninguém o ouvia.
E não havia ninguém que pudesse ouvi-lo. As cem unidades estavam no espaço
linear... em algum lugar...
Mas Rhodan ainda não desistiu.
— O que há com o segundo planeta? É possível existir no mesmo? Mesmo que por
curto espaço de tempo?
Novamente o moritator sacudiu a cabeça, desesperançado.
— Não — disse ele. — Este é um mundo que é tão velho, que não possui mais uma
capa atmosférica. É um planeta desolado.
“Tão desolado quanto meus pensamentos”, pensou Rhodan, desesperado.
A nave agora voava velozmente na direção do planeta mais exterior.
Atrás dela ficava uma névoa de gás brilhante, que constantemente aumentava de
tamanho, e lentamente circundou, na órbita do planeta Molakesch, o sol Pysoma.
Depois de algum tempo, Menesh Kuruzin falou:
— Sir, nós alcançamos os limites do sistema de planetas. A três segundos-luz à
nossa frente, visto na rota do voo, encontra-se o planeta. Devo voar até ele?
Depois de curta reflexão, Rhodan concordou.
— Sim. Entre numa órbita estável em volta do quarto planeta e depois desligue as
máquinas.
— Entendido.
A nave continuou voando mais vinte minutos, colocando-se depois na posição
desejada, na sombra do quarto planeta, numa órbita estável, ou seja, permanecendo
sempre por cima do mesmo ponto da superfície planetária.
A estação de hiper-rádio do cruzador transmitia ininterruptamente.
Eles utilizavam a frequência da frota e irradiavam o pedido de socorro. Descreviam
rapidamente a situação, pedindo resposta imediata. Os homens tinham preparado uma fita
comprida, que constantemente passava pelos cabeçotes sensores... incessantemente,
repetindo-se monotonamente, sempre dizendo a mesma coisa. E com a mais forte
capacidade de transmissão.
De modo parecido trabalhava a central de rastreamentos.
As antenas revistavam cada ponto dos arredores, procurando captar energia de
naves estranhas. Mas não se mostraram nem as marcas características dos propulsores
terranos nem os fluxos também conhecidos que se originavam quando naves takerers
penetravam no espaço dentro do sistema planetário.
Nada.
E então teve início o dia trinta de novembro do ano de 3.437.
***
30.11.3437 — 1 hora e 30 minutos.
Anotação no Livro de Bordo — Cruzador CMP-1.
Nós nos encontramos em órbita em torno do quarto planeta do sistema do sol
Pysoma. Desde nossa partida de emergência do planeta Molakesch em chamas,
passaram-se oito horas. A situação a bordo é catastrófica, mas por enquanto não houve
perdas. Pessoas desmaiadas estão sendo tratadas pela Dra. Chabrol, e as porções de
alimentos ainda são suficientes por longo tempo. Um problema está se tornando a
distribuição de líquidos e os problemas resultantes dos mesmos.
Continuamos incessantemente a irradiar o pedido de socorro.
Nenhuma resposta.
Nossa central de rastreamento não tem conseguido captar e medir emissões
energéticas, com exceção de uma quantidade de fluxos estelares parasitas, que podem ser
atribuídos a nuvem de gases brilhantes. Nós estamos sozinhos.
Perry Rhodan está contando com o fato de que nas próxima vinte e quatro horas ou
a situação a bordo terá piorado drasticamente, ou então que os takerers procurem por nós,
nos encontrem e nos ataquem. No momento estão se realizando conversações com
moritatores isolados.
ass.: Kuruzin.
***
Cada um a bordo tinha seus próprios problemas, especialmente aqueles que a
terrível superlotação trazia consigo. Ybsanow, que conseguira sentar-se sobre duas
almofadas que tinham colocado no chão da central, abraçou os seus joelhos e ficou
refletindo.
Se é que se poderia chamar o turbilhão dos seus pensamentos de “reflexão”.
Ele sentiu o calor que aumentava à sua volta, e este calor dava-lhe sono. Ele era um
homem velho, que durante grande parte de sua vida guardara o arquivo como um tesouro
precioso — o que aliás correspondia à significação daqueles bilhões de informações. E
agora este arquivo estava irremediavelmente destruído. A sua vida perdera o seu sentido,
e também o trabalho dos moritatores, que afinal hauriam suas informações do arquivo,
que, dentro em pouco, estaria totalmente destruído.
Ou não?
Na medida em que as pessoas que estavam por ali, de pé, e muito apertadas, se
mexiam, a parte superior daquele homem balançava de um lado para o outro.
Estes estranhos, com a sua técnica, tinham salvo grande parte do arquivo, que
alimentaram aos seus computadores. Junto com o que possuíam os moritatores que ainda
se encontravam em viagem, provavelmente resultaria uma boa quantidade. Isso queria
dizer que seria possível criar-se um novo arquivo.
Porém a confiança desapareceu novamente. Desanimado, Ybsanow lembrou-se que
a maior parte das informações tinham sido falsificadas. Sem piedade e sem consideração,
só porque os takerers, através de um falso Ganjo... era difícil de se imaginar. Dentro
daquele ancião a raiva cresceu. Há duzentos mil anos os moritatores cantavam o mesmo
texto falso. Eles tinham se tornado instrumentos dos takerers. Instrumentos bons,
eminentes.
A sua vida não tinha mais sentido.
O seu lar tinha derretido, estava queimado, explodira...
As árvores que ele plantara, tinham queimado, transformando-se em gases
luminosos...
E ele era velho. Velho demais para poder recomeçar. E este calor... o calor, o
oxigênio que faltava, e o cheiro penetrante de inúmeras criaturas aqui e nos outros
recintos da nave... ele ficou com sono, sua cabeça caiu sobre o peito, e Ybsanow
adormeceu.
Ele despertou uma hora mais tarde, quando um terrano, metido dentro de um traje
espacial, pisou-lhe nos dedos.
Incessantemente o pedido de socorro era irradiado.
Ninguém respondeu.
A espaçonave estava abandonada e sozinha — e a bordo aumentavam o calor, a
tensão e o desespero.
***
30.11.3437 — 2 horas e 46 minutos.
Perry Rhodan estava deitado numa poltrona, suando e exausto. Ele enrolara as
mangas de sua camisa de bordo até o ombro, e a camisa estava aberta até o cinto. Mesmo
assim, o ar quente da central principal pesava sobre o homem deitado aqui, de olhos
fechados.
As costas, ao longo da espinha dorsal, comichavam.
Rhodan abriu os olhos. Ele olhou diretamente para as telas da galeria panorâmica.
Fora as estrelas, não se via mais nada.
À sua volta quase nada se mexia.
A maioria das pessoas nesta central dormia, exaustas devido ao trabalho das últimas
horas. Elas dormiam em posições tão grotescas, que dificilmente alguém poderia
acreditar que estivessem dormindo. Moritatores e terranos encostavam-se uns nos outros,
nas laterais dos consoles, nas poltronas e nas bases dos aparelhos. Menesh Kuruãn estava
deitado, mais ou menos relaxado, no seu cadeirão de comandante e cuidadosamente
Rhodan girou a sua poltrona em noventa graus.
Rhodan tomou cuidado para que a poltrona girando não tocasse em ninguém, e
assim acordasse as pessoas.
— Kuruzin?
O afroterrano abriu os olhos e colocou a cabeça de lado.
— Chefe?
— Como está se sentindo?
Menesh fez um rápido gesto com a mão e retrucou baixinho, para não acordar
ninguém:
— Melhor que todos os outros. E o senhor? Rhodan estava com uma aparência de
fazer dó.
— Uma droga.
— O aperto e o calor?
— Não — disse Rhodan, querendo sacudir a cabeça, mas logo lembrou-se da
situação e evitou fazê-lo. — É a situação na qual nós nos encontramos. O senhor
compreende? Atlan não pensará, nem em sonho, mandar algumas unidades de volta, pois
ele acredita que nós ainda estamos pousados no espaço-porto de Tuo Fryden.
— Fatal — disse o negro. — E esse Cascal — ele me dá a impressão de sempre
estar contando com todo tipo de panes.
Rhodan disse, murmurando:
— Também Cascal não vai agir contrariando ordens. Ele vai ficar caçando os
takerers, junto com Atlan.
— Eu compreendo — disse o comandante. — Ao que parece estamos metidos numa
boa enrascada.
Rhodan enxugou a testa molhada de suor e disse:
— É o que parece. Felizmente a maioria agora está dormindo. Com Lsto gastam
menos oxigênio e ficam mais relaxados, na medida em que isso for possível. Eu vou
chamar o rastreamento mais uma vez.
— Está bem.
Rhodan recebeu a resposta, com a qual ele já contava.
Ainda nada fora rastreado, nem uma nave inimiga nem uma das próprias. E
também, conforme dizia o rastreamento, o pedido de socorro estava sendo irradiado
ininterruptamente. O calor dentro da nave aumentou. Kuruzin dispensou mais energia
para as instalações de refrigeração, que naturalmente eram muito subdimensionadas, uma
vez que se tratava de uma espaçonave. Uma astronave só muito raramente tinha
problemas de refrigeração — na maioria das vezes, estes eram de calefação. Mas para
cada grau de refrigeração o calor subia em um grau e meio. Mesmo assim já se passavam
algumas horas sem que o calor fosse tão abafado.
Ininterruptamente a instalação de conversores de ar funcionava. Os filtros
continuavam trabalhando ainda de forma excelente, e o zunido das turbinas, funcionando
velozmente, era um dos muitos ruídos ininterruptos da nave.
Novamente Rhodan adormeceu.
***
30.11.3437 — 4 horas e 15 minutos.
Roi Danton não estava em situação melhor — mas numa um pouco menos
desagradável. Quando da partida da nave ele se encontrava aqui embaixo, na eclusa polar,
porque vigiara os últimos movimentos do resgate de pessoas. Fora ele, também, quem
saltara para baixo, para juntar a menina de onze anos, que estivera caída junto de um dos
pratos de pouso, meio desmaiada e gemendo de dor, porque a fumaça acre e as cinzas
ardentes tinham coberto seus braços e a cabeça com uma porção de pequenas
queimaduras.
Roi Danton girara completamente para baixo o regulador da gravidade — no recinto
da eclusa polar reinava total ausência de gravidade.
As pessoas — poucos terranos, apenas, pairavam aqui lentamente de um lado para o
outro, flutuando, impelidas pelos seus poucos movimentos e até pela própria respiração.
Roi se afivelara com o seu cinturão num pontalete, e logo em seguida Marceile
também se afivelara perto dele. Na realidade ela quisera ir para ficar com Claudia na
enfermaria da clínica de bordo, mas fora surpreendida pela partida da nave.
E agora... já não era mais possível abrir caminho por entre aquela massa de corpos
que se apertavam nos corredores.
— Eu espero — disse Roi, tão baixinho, que somente Marceile podia ouvi-lo — que
minha presença lhe seja tão agradável como a de Claudia.
A moça cappin tentou um fraco sorriso e levantou os braços, para agarrar o seu
cabelo comprido, para amarrá-lo. Caso contrário o mesmo cobriria meio metro quadrado
de espaço ou um quarto de metro cúbico.
— Mais agradável! — disse ela. — Dez horas ou mais.
Roi ergueu cautelosamente a mão e acariciou o rosto de Marceile.
— É bom acostumar-se com a ideia de que poderá demorar ainda mais que isso —
disse ele, baixinho. — Mas não necessariamente.
Marceile olhou-o nos olhos, os seus rostos estavam a apenas vinte centímetros um
do outro.
— Mas nós salvamos todos, Roi! — disse ela.
Um pouco sarcástico, Danton respondeu:
— Sim, o senhor meu pai é capaz de se mostrar bastante exemplar. Só não sei se,
com isto, nós prestamos um real serviço aos outros.
Ela o olhou, inquieta.
— O que você quer dizer com isso?
Os pensamentos de Roi ocuparam-se intensamente com esta pergunta. Depois veio
a sua resposta:
— Em determinadas circunstâncias, todos nós vamos morrer aqui a bordo, por falta
de ar ou fenômenos semelhantes. Eu vou esperar mais um pouco — nós devíamos voar
para um planeta próximo, se é que existe algo assim como um planeta “próximo”. Por
outro lado, a cada segundo a armada de Atlan pode surgir. E então não teremos mais
quaisquer problemas.
— Quaisquer problemas com uma nave superlotada.
Roi sorriu, meio moleque.
— Correto. Todos os outros problemas permaneceram. A propósito de
permanências... onde é que o nosso Cascal andará metido?
Pensativa, Marceile perguntou:
— Parece que vocês dois têm muita simpatia um pelo outro, não?
— Bem — disse Roi, fechando os olhos, como se quisesse lembrar-se de alguma
coisa agradável. — Na minha juventude eu era bem parecido com Cascal.
Ela deu uma rápida risada.
— Ele é mais velho que você. E de alguma maneira, mais duro. Eu não entendo a
Claudia.
Roi notou a repentina seriedade no rosto dela.
— Por que não?
Ela disse, devagar, e acentuando as palavras:
— Joaquim, à sua maneira, faz tudo para agradar a Claudia. E ela, para empregar a
maneira de falar dele, não lhe dá trela.
Roi respondeu com amargura fingida:
— Que você não entenda uma mulher, eu acho notável. Mas eu posso assegurar a
você: Eu também não a entendo. Nem a ela nem a você. Aliás, jamais um homem
conseguiu entender uma mulher.
E então, como se ele se lembrasse da situação, disse:
— Eu tenho comigo quatro tabletes para dormir, que são de rápido efeito. Seria
melhor se nós dormíssemos as próximas horas. Pode ser que todos estes problemas se
solucionem por si mesmos.
Ele entregou-lhe dois dos pequenos comprimidos e engoliu os outros dois ele
mesmo.
— Solucionar? Como? — perguntou Marceile.
Roi respondeu com uma franqueza impiedosa:
— Porque astronautas mortos realmente têm poucos problemas. E é possível que
todos nós vamos morrer.
E então ele fechou os olhos, tentando dormir. O que conseguiu com relativa
facilidade.
E ele ainda conseguiu espantar-se com isso, antes de adormecer.
***
30.11.3437 — 5 horas e 41 minutos.
O mutante-equino Takvorian estava parado nas proximidades da grande entrada,
inteiramente aberta, de um dos porões de carga.
Nas suas costas estavam sentados, um atrás do outro, quatro moritatores, dos quais
o mais velho tinha nove anos de idade. Um homem da tripulação, a quem Gucky tinha
passado as crianças, achou uma boa ideia acalmar as crianças deste jeito — e a ideia
tivera êxito.
As crianças tinham se ocupado com Takvorian, tinham sido distraídas e agora
dormiam, vencidas pelos acontecimentos. Elas não tinham sido desagradáveis — muito
menos, realmente, que todo o resto —, uma vez que aqui reinavam apenas três décimos
da gravidade normal.
Dentro de Takvorian o ódio cresceu.
Se houvesse um takerer nas suas proximidades, ele sem dúvida o teria pisoteado
impiedosamente, até a morte.
Takerer — o seu problema desde o dia em que começara a pensar, no que se via
exatamente no seu corpo e verificara que aquele corpo não era o que combinava com a
sua mente.
Takerer — sempre os takerers...
Eles tinham tudo nas suas consciências.
Eles o tinham mutilado e cometido a crueldade ainda maior de colocar a sua
inteligência neste corpo ou de permitir que estes dois fatores se combinassem.
Eles o tinham obrigado e alinhar a sua vida segundo uma máxima: O ódio!
Ódio dessa raça violenta, inescrupulosa.
Ele conhecia o seu dom, e não teria hesitado em usá-lo contra os takerers, quando
pudesse. O seu único amigo, devido aos takerers, tinha enfrentado muitos perigos, e
deveria agora, na hora-X, ser roubado de todos os seus direitos pessoais.
E agora — o planeta.
Também ele — destruído.
Mais um marco de ódio para com este povo, e ao mesmo tempo do medo, deste
mesmo povo. O que é que os tornava tão maus, tão sem consideração, e tão insensíveis
para com os sofrimentos de outras criaturas?
Takvorian, o mutante-equino, não encontrou uma explicação.
Ele estava parado ali, respirando o ar quente e fedido do recinto de carga, e tinha
quatro jovens habitantes do planeta destruído nas suas costas.
Aquele que estava sentado junto ao seu pescoço tinha colocado os braços em volta
dos ombros de Takvorian, o seguinte segurava-se neste e assim por diante.
Eles dormiam.
Talvez, imaginou o movator, eles dormiriam por tanto tempo, que nenhum deles
ainda chegaria a acordar.
Ele estava parado ali e o seu ódio crescia de hora para hora. Takvorian esperava
pelo momento em que poderia livrar-se daquele ódio.
Mesmo que ele tivesse que mandar pelos ares um planeta cheio de takerers!
A nave solitária continuou pairando, como uma esfera num comprido cordão, com a
rotação do quarto planeta e em volta do centro da sua massa. Não se via nenhuma nave
dos takerers, nem dos terranos.
5

30.11.3437 — 7 horas e 8 minutos.


Quando abriu os olhos lentamente, para não ver a verdade de golpe, ele viu diante
de si duas solas. Elas eram repassadas por sulcos profundos, cortantes. Em alguns desses
sulcos, diminutas pedrinhas de cascalho.
Ovaron, o legítimo Ganjo dos ganjásicos, estava deitado entre a base de uma
poltrona e o canto inferior do console de comutações.
O console de comutação era a instalação de astrogação com as muitas telas, que se
complementavam, e os inúmeros botões e as alavancas corrediças. A poltrona era a
poltrona do astrogador da CMP-1, e as solas eram as de suas botas de bordo.
Ovaron respirou fundo.
Aqui embaixo, pensou ele, o ar era alguns graus mais fresco, mas não fedia menos.
A três metros de distância dele, à esquerda, ficava a saída da instalação de ar-
-condicionado, e o ar que ele respirava era um pouco menos estragado e continha um
traço de oxigênio a mais.
Ainda bem, pensou ele. Pelo menos uma vantagem o Ganjo tinha.
Ele riu, amargurado.
Depois ele puxou o braço debaixo de si para fora, massageou os músculos do
mesmo e olhou para o relógio. Eram dez minutos depois das sete, tempo de bordo. Já se
tinham passado quinze horas depois da partida de emergência. Ele poupou-se da dúvida
se os takerers tinham atacado ou se Atlan teria surgido — pois certamente o teria notado.
Por alguns segundos ele lutou contra o impulso forte de fazer cócegas nas solas do
astrogador, depois tossiu.
O astrogador flexionou os joelhos e perguntou:
— Dormiu bastante?
Ovaron disse, cansado:
— Sim. Como estão as coisas?
O astrogador respondeu baixinho, num tom fatalista:
— As coisas estão do jeito como o senhor está — paradas, César.
Ovaron fechou os olhos e declarou:
— Eu não sabia que as coisas realmente estavam tão ruins. O que podemos fazer?
O astrogador foi de poucas palavras:
— O mesmo que estamos fazendo há quinze horas.
— Esperar? — perguntou Ovaron.
— Não — disse o astrogador.
— O que, então?
— Nada. Não podemos fazer nada. Também isso é uma ocupação com que se pode
preencher o dia.
— Obrigado — disse Ovaron, sarcástico. — O senhor é um filósofo.
Depois deixou cair sua cabeça novamente, fechou os olhos e se ocupou com sua
situação. A mesma era mais ou menos como o astrogador falara.
Os moritatores dentro da nave estavam convencidos de que ele, Ovaron, era o Ganjo
legítimo. Só que, neste momento, os moritatores não interessavam propriamente nisso.
O moritator que interessava, era um Iniciado. E justamente este Iniciado os takerers
tinham sequestrado.
Porque eles o haviam raptado, mais de seis mil pessoas encontravam-se nesta
situação. Também os takerers sabiam que ele era o Ganjo certo. Isso significava que eles
teriam que matá-lo, para poderem apresentar o seu Ganjo. Para matá-lo, bastaria que
disparassem alguns tiros contra este cruzador.
Esta era a sua situação.
Se ele fosse vinte anos mais jovem, teria apoiado a cabeça nos braços, e choraria.
***
30.11.3437 — 9 horas e 25 minutos.
Rhodan ressurgiu novamente das profundezas do seu curto sono e ficou pensando
no que devia fazer. Ele tinha apenas uma única ideia.
— Menesh? — perguntou ele.
O comandante tinha caído no sono, acordou sobressaltado e olhou para Rhodan
consciente de sua culpa.
— Não pense em bobagens! — disse Rhodan, áspero. — O rastreamento está
ocupado e a central de rádio também. O senhor sabe onde Waringer se encontra?
— Claro! — disse Kuruzin. — Eu recebi seu último chamado de sua cabine.
Provavelmente ele não conseguiu mais sair de lá, devido ao alojamento forçado.
— Ótimo — disse o Administrador-Geral.
Ele curvou-se um pouco para a frente, ligou o número da cabine de Waringer e
esperou alguns segundos. Depois chamou, baixinho:
— Geoffry!
Uma voz chateada respondeu.
— Estou aqui. Posso ouvi-lo, Perry, mas ver — isso é impossível. Seis mil
moritatores estão de pé entre nós, como um muro.
Rhodan respondeu com um traço de otimismo:
— Fico contente em saber que você não perdeu inteiramente o seu humor. Eu tenho
uma ideia.
Waringer disse, lacônico:
— Diga.
— O que é que você acha de minha ideia: Nós substituímos lentamente todos os
elementos de nitrogênio do ar respirável por oxigênio e lentamente diminuímos a pressão
do ar em dois terços. Isso vai nos ajudar a continuarmos, não é verdade?
Waringer refletiu por alguns minutos, depois disse:
— Eu não fiz as análises do ar de Molakesch, mas... sim. Eu sou de sua opinião.
Isso nos poupará uma quantidade gigantesca de oxigênio.
— Obrigado, Abe! — respondeu Rhodan. — Por favor não me pergunte se Atlan já
chegou.
Waringer opinou, chateado:
— Isso não é necessário. Dificilmente eu deixaria de ouvir um grito de alívio de seis
mil gargantas, até mesmo agora, quando dois moritatores praticamente estão sentados em
cima de minhas orelhas.
— Obrigado.
Rhodan voltou-se novamente para Kuruzin e disse:
— O senhor pode entender tudo, Menesh?
— Quase tudo. Dentro de meia hora baixar a pressão para um terço do valor normal
e ao mesmo tempo diminuir a alimentação de nitrogênio, para finalmente fechar a mesma
totalmente.
Rhodan disse, respirando fundo:
— Foi exatamente isso que eu sugeri.
— Vai ser executado.
Novamente Rhodan olhou para as telas da galeria panorâmica. Ele viu como as
estrelas pareciam movimentar-se, uma vez que a nave girava com o planeta, ao mesmo
tempo. Ele viu, depois de algum tempo, o sol muito afastado e à esquerda do mesmo a
gigantesca nuvem de gás, que parecia pouco mais clara que o sol, mas bem maior. Logo
os takerers surgiriam para procurar ali... e encontrariam a nave aqui. Isso significava que
se deveria desaparecer. E isto, por sua vez, tinha por consequência que Atlan não os
encontraria mais.
O que é que ele, Perry Rhodan, poderia empreender, então?
***
30.11.3437 — 11 horas e 9 minutos.
Anotação no livro de bordo do Cruzador CMP-11.
Justamente há alguns minutos o cruzador leve tomou contato novamente com
algumas naves da formação principal, mas não com a Marco Polo. Nós estávamos
voando com toda a nossa força atrás das outras naves, na perseguição dos quatro takerers.
Depois que todos os relatórios isolados do comando de abordagem foram avaliados,
formou-se o seguinte quadro:
As quatro naves takerers encontravam-se no espaço linear.
Elas caíram ao espaço normal, praticamente ao mesmo tempo em que a nave dos
moritatores deixava o espaço linear. Esta nave transportava em uma de suas cabines o
Iniciado, pois uma cabine bem mobiliada e bastante grande foi encontrada, cujo interior
havia sido destruído por uma curta luta.
Então, depois que ambos os grupos estavam no espaço normal, a uma distância de
cerca de dois e meio segundos-luz do sol Pysoma, os takerers começaram a atirar contra
os moritatores com canhões pesados. Os canhões duplicadores destruíram a proa e a popa
da nave piramidal.
Então as naves aproximaram-se da nave semidestruída e incapaz de se movimentar
dos moritatores, e despacharam um comando, que penetrou pelas aberturas do casco da
nave, matando sem piedade qualquer moritator que aparecesse à sua frente. Com nenhum
dos moritatores assassinados encontramos qualquer arma.
Em seguida o Iniciado certamente foi sequestrado e levado para uma das naves dos
takerers.
As naves aceleraram, quando nós surgimos, saindo por algum tempo de sua rotina,
depois entraram no espaço linear, em altíssima velocidade. Foi neste momento que
iniciamos a nossa perseguição.
A CMP-11 deu início ao exame do caso por exatos quarenta e cinco minutos, depois
acelerou e também entrou no espaço linear para participar da perseguição aos takerers.
Nós tivemos as quatro naves fugitivas — que misteriosamente continuavam juntas
—, por diversas vezes nas telas de nosso telerrastreamento de semi-espaço. Os quatro
comandantes das naves são excelentes especialistas — de modo praticamente sincrônico
eles executaram uma série enorme de manobras, que os levaram para o espaço normal,
saltando depois de volta para o espaço linear novamente e fugindo diante de nós num
ziguezague de quinta-dimensão. Por isso, e devido às inúmeras modificações de rota, a
perseguição tornou-se praticamente impossível, mas por enquanto ainda estamos no rasto
deles.
Eu estou cético — provavelmente não vamos alcançá-los.
Justamente às 11 horas e 1 minuto eu consegui contato com o Lorde-Almirante
Atlan, a bordo da Marco Polo.
Vou perguntar-lhe.

Joaquim Manuel Cascal.

Cascal pôs o microfone de lado, desligou o livro de bordo e disse, ao comunicador:


— Cabine de rádio, vocês estão com uma imagem?
A resposta deixou-o esperando por três segundos.
— Um momento. É um pouco longe, mas... aqui está.
Cascal fez uma continência negligente quando reconheceu o Lorde-Almirante
Atlan.
— Aqui Cascal — disse ele. — Lorde-Almirante, estou voando, com máquinas
superexigidas, atrás do senhor. E tenho diversas perguntas.
Atlan estava correndo através do espaço linear com a Marco Polo, como também o
cruzador de Cascal e as outras unidades. Os pesados aparelhos, ligados em rendimento
máximo, da nave gigante, ainda tinham os perseguidos nas suas telas.
— Sim?
Cascal perguntou em voz baixa, e esforçou-se para demonstrar o mínimo de crítica
possível no tom de sua voz.
— Está pensando em Molakesch, sir?
Atlan estacou e quis saber o que essa pergunta significava. Cascal disse, a meia-voz:
— Sir, eu tenho um pressentimento desgraçadamente ruim, e quando eu tenho esse
tipo de sensação, infelizmente costumo ter razão. Algumas de nossas unidades deveriam
regressar, para ocupar-se com Rhodan e seu grupo.
Atlan parecia refletir.
— O senhor acha que estamos afastados demais?
— Não — disse Cascal, que entre outros também pensava em Claudia e só depois
em Ovaron. — Eu estou achando que estes cinquenta takerers não apenas colocaram
essas armadilhas nos arquivos, mas também podem ter colocado outras coisas diabólicas.
Talvez os homens do cruzador estejam em perigo, e nenhum de nós está informado!
— Tolice! — disse Atlan. — Rhodan partiria!
— Claro. Ainda assim... veja bem, eu sou quem está mais afastado dos perseguidos.
Não seria melhor, por uma questão de cautela, que eu voe de volta?
— Não — disse Atlan. — Naturalmente o senhor não está querendo se esquivar,
isso eu também sei.
— Mas...
Atlan sacudiu a cabeça.
— Se realmente acontecer alguma coisa, a nave vai partir e esperar por nós. Se
Perry espera sozinho, ou junto com o senhor, é indiferente.
Cascal continuou cético. Aquele pressentimento ruim que ele tinha simplesmente
não o abandonava.
— Está bem — disse ele. — A minha nave, portanto, continua participando da
perseguição?
Atlan anuiu, decidido.
— Sim. E tente recuperar a distância.
Cascal sorriu, e disse lacônico:
— Minhas máquinas e eu fazemos o melhor possível.
— Desligo.
A tela escureceu.
— E agora? — perguntou um oficial da tripulação da central.
Cascal olhou para as telas vazias da galeria panorâmica e ordenou, desesperado:
— Adiante, como até agora, meus senhores. E mais depressa, se for possível!
A espaçonave continuou o seu voo veloz, atrás das quatro naves, que sequestravam
a última e única chance de Ovaron. Mas Cascal pensava com uma sensação esquisita em
Rhodan, nos moritatores e na última experiência que Ovaron queria iniciar. O que
realmente tinha acontecido em Tuo Fryden?
***
30.11.3437 — 13 horas.
O seu estômago rosnou como se ali um lobo estivesse escondido. Para poder estar
presente na última e decisiva tentativa de Ovaron de examinar a mais antiga instalação do
banco de dados do planeta-arquivo, ele deixara de tomar uma refeição, e nos dias
anteriores o doutor em filosofia Gulf Troyanos também não conseguira usufruir dos
prazeres de uma verdadeira refeição, devido ao muito trabalho.
— Fome, sede, saudades de casa e logo, logo, um ataque de claustrofobia — disse
ele para si mesmo.
— Que histórias são essas, que você está contando? — perguntou um dos homens
da tripulação.
Troyanos virou a cabeça, relaxou os seus ombros e curvou-se alguns centímetros,
com o que meteu o joelho e os cotovelos na barriga de um moritator.
Troyanos disse mais claramente:
— Receio que também algumas outras pessoas se sintam assim. Mas nós estamos
em situação ainda bastante favorável. Não vejo porque não devíamos comer alguma coisa
— afinal não estamos tirando nada de ninguém.
— Comer? — gritou alguém num outro canto.
Os homens se encontravam numa câmara do space-jet. Também esta pequena
nave--auxiliar estava superlotada. Algumas centenas de pessoas encontravam-se aqui.
Mas também havia aqui, comparativamente, uma cozinha de bordo diminuta, mas
muitíssimo eficiente.
Uma criança começou a chorar.
— Maldição — não é que acabei provocando alguma coisa? — achou Troyanos.
Um outro homem da tripulação gritou:
— Aqui estão duas mocinhas muito simpáticas e cinco crianças. Elas estão famintas
— parece muito sério.
Troyanos procurou sair daquela multidão de corpos, devido a diminuta gravidade, e
olhou em volta.
— É inútil — disse ele. — Então...
De modo algum ele conseguiu chegar à cozinha de bordo. Dentro dela
encontravam-se três ou quatro moritatores muito velhos, de quem dificilmente poderia
esperar-se que encontrassem as provisões para prepará-las. Eles nem conseguiriam
manejar o forno principal.
— Ninguém consegue passar — disse um outro, de algum lugar.
Troyanos sorriu.
— Eu tenho uma ideia — gritou ele, em triunfo.
Troyanos respirou fundo, na medida em que isso lhe era possível, e gritou:
— Alguém se encontra nas proximidades de um intercomunicador?
Depois de alguns segundos, uma voz de baixo falou:
— Sim, eu. Quem é que eu posso escolher para o senhor, sir?
Troyanos esforçou-se para abafar um palavrão e disse, cortante:
— Ligue essa coisa. Eu preciso de uma ligação com Gucky, com Ras Tschubai ou
com Rhodan.
— Compreendo!
O homem falou durante algum tempo ao intercomunicador, cujas ligações estavam
conectadas por uma onda-laser à rede de bordo. Depois ele disse:
— Tschubai está vindo.
Ras Tschubai, o teleportador, avançou em diversas etapas. Primeiro ele saltou, do
seu lugar, para cima da cúpula de vidro do jato, orientou-se rapidamente e depois,
repentinamente, encontrou-se no interior da nave-auxiliar. Ele venceu a distância até
Troyanos com mais três saltos e logo apareceu acima da cabeça do jovem historiador.
— O que há, Doc? — perguntou ele, baixinho.
Troyanos respondeu, também em voz baixa:
— Precisamos de comida. Não levando em consideração que o meu estômago está
roncando como um conversor-Waringer, temos aqui algumas mocinhas e, o que é mais
importante, algumas crianças. Eu preciso evacuar a cozinha de bordo, e depois arranjar,
nem que seja um corredor muito estreito.
— Entendido — disse Ras. — Ainda há pouco eu descobri alguns lugares ainda
completamente desocupados.
— Onde?
— No telhado.
Ras Tschubai sorriu largamente, desapareceu e aterrissou na cozinha de bordo, entre
o teto e as cabeças dos moritatores. Em três saltos ele levou os homens para o telhado,
depois foi buscar mais dez pessoas que se encontravam em lugares que estavam muito
cheios. Eles agora encontravam-se de pé sobre os telhados do space-jet, inflando o peito e
fazendo exercícios de relaxamento, contentes da vida. E então havia um pouco mais de
lugar no interior da nave-auxiliar.
Em seguida Troyanos dirigiu-se à cozinha de bordo.
Uma das mocinhas também foi transportada para cá.
Troyanos agiu rápida e objetivamente. Ele ergueu a tampa do congelador e registrou
satisfeito aquele bafo de ar gelado, que veio ao seu encontro. Depois pegou dez porções
pequenas de leite, empilhou-as numa bandeja e meteu esta no forno, ligou o micro e
continuou procurando.
Encontrou concentrados, salsichas, chocolate com recheios fortificantes, e passou
todas estas coisas adiante.
— Cerca de cem unidades... — declarou ele.
Os moritatores e a tripulação terrana formaram uma corrente, fornecendo a cada um,
com um cubo alimentício, uma barra de chocolate ou outras coisas desembrulhadas.
Depois Troyanos mandou passar o leite, e as crianças pararam de chorar. Quando
Troyanos finalmente se virou para verificar o que sobrara, viu que restava-lhe apenas um
meio litro de leite morno.
E então Troyanos, cujo estômago se revoltava, começou a praguejar contra os
takerers com palavras nem sempre muito escolhidas.
***
30.11.3437 — 14 horas e 50 minutos.
Os que estavam passando melhor eram os seis siganeses do Paladino.
A máquina gigante estava deitada na sala de energia, num lugar em que dez outras
pessoas podiam sentar-se em cima da mesma.
Harl Dephin tinha fechado todas as escotilhas, e ligara o sistema autônomo do robô
siganês. Eles tinham tudo que precisavam aqui: A gravidade certa, comida e bebida, e
nenhuma limitação de liberdade de movimentos e de tempo. As seis pessoas diminutas
que moravam dentro do gigante deixaram aberto apenas um canal de rádio com a central,
e seguiam as suas ocupações, com toda a calma.
Um deles lia, o outro consertava uma ligação, o terceiro escutava fitas, que
praticamente já não eram visíveis ao olho nu de um homem de tamanho normal...
Também Harl Dephin e seus Thunderbolts esperavam...
***
Perry Rhodan não queria confessar a si mesmo, mas ele parecia ter chegado ao fim
de suas forças e do seu controle.
Apesar de Gucky — saltando entre a central e a cantina — ter-lhes fornecido
comidas e bebidas, apesar de Rhodan ter dormido sofrivelmente — ainda assim ele sentia
um cansaço que pesava como chumbo. Uma resignação sem esperanças dominava a ele e
aos outros homens do cruzador.
Rhodan estendeu a mão e ligou o intercomunicador.
— Aqui fala Rhodan. Central de rastreamentos?
Na tela ele viu o aperto terrível também nesse recinto, os mesmos rostos cansados e
o alto grau de desespero.
— Aqui fala a central de rastreamentos. Trabalhamos incessantemente, como desde
a partida. Não recebemos nem o menor impulso!
Rhodan e o chefe do departamento de rastreamentos se entreolharam com olhos
cansados, avermelhados.
— Maldição — disse o Administrador-Geral.
— Esta é a única palavra que descreve o nosso estado. Sir, o senhor não quer
procurar um planeta, aterrissar ali e se esconder?
Rhodan olhou longamente o relógio.
— Vamos esperar por Atlan e pelas outras naves — disse ele, preocupado. — Eles
poderão vir — eles devem vir a qualquer momento.
O chefe da central de rastreamentos perguntou:
— O senhor confia nisso, sir?
— Sim — respondeu Perry Rhodan. — Eu tenho esperanças de uma breve ajuda.
Eles se anuíram mutuamente, depois Rhodan comutou o intercomunicador para a
central de rádio.
— Aqui fala Rhodan. Como vão as coisas aí?
A mesma imagem: Um recinto com um terço da gravidade, cheio de moritatores e
terranos exaustos. O rosto do chefe dos radioperadores estava encovado, coberto de suor
e com a barba por fazer. Abatido, ele comunicou:
— Eu gostaria de poder fazer-lhe um relatório positivo, sir. Nas últimas horas
fizemos três tentativas de irradiar com a maior quantidade de energia que podíamos
justificar — uma mensagem de hiper-rádio.
“Nós repetimos o nosso texto.
“Nada. Atlan não respondeu — nem qualquer outra das naves. Parece que eles se
afastaram a uma distância muito grande, grande demais para nossos aparelhos.”
Rhodan disse, cansado:
— Está bem — continuem insistindo, enquanto ainda pudermos.
— Naturalmente.
Enquanto a imagem sumia da tela, Rhodan ergueu os olhos para a galeria
panorâmica. Ele viu as estrelas, viu a curvatura do planeta e por trás da mesma surgirem
dois objetos luminosos. O sol como uma estrela muito clara, e junto dele uma mancha
gigantesca, imprecisa, que parecia uma névoa claramente iluminada de dentro para fora.
Os restos do planeta, em forma de gás e plasmáticos, se dilatavam. A sua
luminescência recuava na mesma proporção. O espaço cósmico em volta da nave estava
vazio.
***
30.11.3437 — 16 horas e 40 minutos.
E agora começavam as horas críticas.
As muitas pessoas que se encontravam como sardinhas em lata dentro dos recintos
sabiam muito bem que deviam as suas vidas a esta nave e a sua tripulação de terranos.
Eles também sabiam que o seu planeta pátrio estava perdido para sempre — aqueles que
se encontravam próximos dos intercomunicadores ligados viam a nuvem de gás com seus
próprios olhos.
Cada um deles devia ser grato aos terranos.
Mas agora havia esse calor.
Um calor úmido. A cada hora a temperatura subia em alguns graus. A umidade do
ar, que consistia em sua maior parte da transpiração de mais de seis mil pessoas,
aumentava na mesma proporção.
A isso juntava-se a falta de movimentos.
Naturalmente naquela gravidade diminuída fazia-se menos movimentos, menos
músculos e articulações trabalhavam, sendo que em alguns recintos os que tinham sido
salvos pairavam imóveis no ar, mas a possibilidade de se mexer, de se lavar ou de
movimentar as articulações era muito pequena.
E além disso havia a fome.
A mesma era mais fácil de ser suportada, pois um estômago roncando pode ser
ignorado pelo espaço de vinte e quatro horas.
Mas — e a sede?
Uma vez que a temperatura subia, aquela massa de gente comprimida suave mais
fortemente. Uma vez que mais fluidos corporais evaporavam, aumentava a vontade de
tomar alguma coisa.
Mas era totalmente impossível fornecer bebidas para seis mil criaturas,
isoladamente. Essa era uma tarefa que ninguém conseguia levar a cabo. Naturalmente os
mutantes, em saltos em séries rápidas, retiravam as provisões de bebidas congeladas dos
congeladores, deixando abertas as tampas destas — e dentro de toda a nave nem uma
única escotilha era mantida fechada.
Marceile e Claudia Chabrol, ambas transportadas para a enfermaria de bordo por
Ras Tschubai, cuidavam das crianças.
Em mais de cem saltos Ras tinha esvaziado a enfermaria, trazendo as crianças para
cá, no lugar dos adultos. As duas mulheres trataram das crianças, e depois aplicaram-lhes
pistolas de injeções.
As crianças passariam quinze horas em sono profundo. Isso reduzia bastante a
energia que elas necessitavam. E então surgiu o primeiro ataque de apoplexia. Um
homem idoso foi trazido — os medo-robôs trataram dele num lugar bem apertado.
Também esta vítima indireta do Comando do Futuro foi posta para dormir, sendo
colocada numa das camas, entre as crianças que já dormiam.
Esta era apenas uma parte diminuta da situação crítica. A passividade incondicional,
à qual todos os ocupantes desta astronave relativamente diminuta tinham sido
condenados, era o fator específico. Entre pessoas que durante toda uma vida tinham sido
bons vizinhos, de repente surgiram desavenças.
Se por acaso houvesse um terrano por perto, que trouxesse um paralisador no
cinturão, estas armas eram utilizadas. Duros e silenciosos, os desmaiados então pairavam
ou ficavam deitados uns ao lado dos outros — também eles permaneceriam por mais de
dez horas numa espécie de sono profundo provocado. Mas em outros lugares não havia
membros da tripulação que pudessem interferir.
Foi ali que os moritatores começaram a se xingar mutuamente pela primeira vez.
Depois eles tentarem se bater, e apesar de os golpes acabarem sendo totalmente sem
força, geralmente iam acertar um vizinho que nada tinha a ver com a briga.
Este, por sua vez, se defendia, e batia de volta. Num instante um grupo estava
metido numa pancadaria.
Normalmente os adultos que tentavam entrar numa luta de punhos num espaço
apertado e naquela gravidade reduzida eram uma visão muito cômica. Mas como faíscas
de uma psicose de massas, que poderia destruir a nave, eles perdiam muito dessa
comicidade.
Gucky interveio.
Ou ele fazia mira, o melhor que podia por entre os brigões, com o seu paralisador,
ou então empregava suas forças telecinéticas. O seu apetite por cenouras de há muito já
passara. Como cada outro terrano a bordo, ele sabia o quanto era crítica aquela situação.
De repente os alto-falantes estalaram, pois tinham sido colocados em sua altura
máxima.
Uma voz cortante, onde não se distinguia mais qualquer traço de cansaço, falou:
— Atenção — aqui fala Perry Rhodan.
Roi Danton, que estava dependurado no seu pontalete, refletindo intensamente na
procura de uma saída para esta situação, pensou: “Justamente no momento certo”.
— Eu decidi não esperar mais. Isso não significa que vamos partir dentro de
segundos.
Ele fez uma pausa.
Alguns terranos fizeram comentários em altas vozes, nos quais apareciam com mais
frequência palavras como “finalmente” e “já não era sem tempo”.
Rhodan prosseguiu:
— Para descobrirmos qual é o melhor caminho para sairmos desta situação, vamos
ter que trabalhar em conjunto. Eu agora vou tentar reunir os principais atores de nossa
nave aqui na central de comando. Precisamos discutir a situação.
“Isso vai ser difícil”, pensou Icho Tolot. “Como é que eu, por exemplo, posso
chegar até a central, saindo daqui, do duto descendente do elevador, sem esmagar sob
os meus pés duzentos e onze moritatores ou terranos?”
A voz de Rhodan fez-se ouvir novamente:
— Isso vai ser muito difícil, e eu peço, aos nossos dois mutantes, que nos ajudem
pela última vez. Precisamos intercambiar os posicionamentos. Para isso é importante que
cada um dos chamados nos passe a sua exata localização. Então ele será trocado — o seu
lugar será trocado com um dos presentes aqui na central de comando.
Parecia que ele escutara alguma coisa pelo minicomunicador, pois ele disse:
— Roi Danton?
Roi se mexeu, olhou por entre dois braços e as costas de alguém para os olhos de
um homem diante do intercomunicador, que lhe anuía, e depois disse:
— Aqui, no pontalete vinte-e-quatro-A, na eclusa polar.
— Ótimo.
De repente junto de Roi houve um turbilhão de braços, pernas e cabeças — Ras
Tschubai apareceu, trazendo consigo um moritator desconhecido. Ras agarrou o braço de
Roi e o levou consigo.
Roi bateu violentamente contra Ovaron, que lutara para passar até a poltrona de
Rhodan, esgueirando-se por mais de vinte metros por entre as pernas dos oficiais.
— Perdão! — disse Roi. — Pelo que vejo o Ganjo transpira.
Ovaron já nem mais sorria.
— Icho Tolot!
Segundos mais tarde Tolot chegara. Roi teve oportunidade de ver o rosto de Gucky.
O pequeno parecia digno de compaixão. Hoje naturalmente ele não tivera que efetuar
saltos de anos-luz, mas centenas de pequenos dentro da nave.
Respeitosamente formara-se um círculo em torno de Tolot. Ninguém queria correr o
risco de bater contra o halutense, ou de ser sepultado debaixo dele.
— Ybsanow!
— Aqui! — disse o ancião, sendo retirado por Tolot de dentro da massa das outras
pessoas, colocado por cima das cabeças destas e pousado diante de Ovaron.
— Waringer! Takvorian.
Rhodan olhou em torno.
— Eu tenho certeza de que agora vamos tentar fazer o melhor possível. Não faz
mais sentido continuarmos esperando — Atlan certamente não se atrasou, sem uma boa
razão para isso. Nós temos que encontrar uma saída — e como vamos encontrar uma
saída, vamos discutir aqui e agora. Espero por sugestões!
Eles se entreolharam.
Os próximos passos poderiam decidir sobre os seus destinos. Eles ainda estavam
vivos. Mas em tudo que fariam agora, poderia encontrar-se o primeiro passo para a sua
morte. Seis mil e mais moritatores, salvos com perigo de vida, o Ganjo, os terranos e
Rhodan, e não por último, a nave, até agora ainda a sua salvação... tudo isto poderia ser
colocado em jogo.
Ovaron disse:
— Eu tenho uma sugestão.
Roi interveio, sorrindo irônico:
— Rejeitada!
Desta vez Ovaron já sorria novamente. A ação decidida de Rhodan no momento
certo tinha relaxado a tensão. Mas Roi Danton tinha certeza de que nenhum deles tinha
razão para rir.
A nave continuava girando numa órbita em volta do quarto planeta.
O cosmo ao seu redor estava vazio — com exceção de uma nuvem de gás.
E o futuro imediato era incerto. De uma coisa todos tinham certeza: Se eles não
agissem agora, dentro de poucas horas estariam perdidos. Mas o que é que eles podiam
fazer?
— Fale, Ovaron — disse Rhodan.
O Ganjo começou a falar com voz cansada. O que ele sugeriu já tinha sido
considerado e examinado a fundo por inúmeros cérebros.
— Onde ficava Atlan?

***
**
*

Eles descobriram a informação-chave — e


vivenciaram o fim de um mundo.
Conseguiram fugir exatamente ainda em tempo
com o seu cruzador — juntos com cerca de 6.OOO
sobreviventes do planeta insidiosamente destruído pelos
takerers.
Eles esperam pela ajuda da Marco Polo, mas
chega o momento em que não podem mais esperar. A
sua situação torna-se cada vez mais crítica — e eles
iniciam a “fuga para a incerteza”...
Fuga Para a Incerteza — é o título do próximo
número da série.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

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