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RESENHA CRÍTICA

CONSERVADORISMO X MARXISMO NA EDUCAÇÃO


Rosana Fernandes da Silva

APPLE, Michael Whitman. Educando à Direita: Mercados, Padrões, Deus e Desigualdade.


Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Cortez, v. 5, 2003. Tradução de: Educating the
"rigth" way: market, standards, God, and inequality

MANACORDA, Mario Aligheiro. Marx e a pedagogia moderna. Tradução Newton Ramos de


Oliveira. Campinas, SP: Alínea, 2007. (Educação em Debate). Tradução de: Marx e la
pedagogia moderna.

A presente resenha pretende discutir sobre o conservadorismo x marxismo na educação


sob a visão de duas obras: a primeira “Educando à Direita: Mercados, Padrões, Deus e
Desigualdade” de Michael Whitman Apple ao qual versa sobre o conservadorismo na educação,
e a segunda “Marx e a pedagogia moderna” de Mario Aligheiro Manacorda, que versa sobre o
marxismo na educação. Para tanto, discute-se, primeiramente, a questão da modernização
conservadora e a atuação dos reformadores empresariais sobre a educação apontada por Apple,
para em seguida considerar na visão de Manacorda a importância da teoria marxista no campo
da educação.
O autor, Michael Whitman Apple é mestrado e doutor pela Teachers College da
Columbia University, é um teórico educacional especializado em educação e poder, política
cultural, teoria e pesquisa curricular, ensino crítico e desenvolvimento de escolas democráticas,
é produtor de várias obras, entre estas a “Ideologia e Currículo” e “Política Cultural e
Educação”. E o autor Mario Aligheiro Manacorda, é formado em Letras na Universidade de
Pisa, onde estudou também Pedagogia, se aperfeiçoou na Universidade de Frankfurt, na
Alemanha, e passou a ensinar nos liceus e institutos de magistério, iniciando, ao mesmo tempo,
suas atividades de tradutor e estudioso dos clássicos literários e histórico-políticos. Possui obras
publicadas, como “O princípio educativo em Gramsci” e “Karl Marx e a liberdade”.
O livro “Educando a direita” de Michael Whitman Apple, ressalta o poder do
neoliberalismo sobre a educação através do neoconservadorismo, aponta a retomada do
processo educativo alienante promovido pela Direita estadunidense. Porém, ressalta-se que
neste livro apesar de Apple restringir suas críticas especificamente ao campo educacional dos
Estados Unidos, e destacar o avanço do projeto político-pedagógico neoliberal e
neoconservador neste país, ele faz apontamentos que também podem ser direcionados à
realidade de outros países, tal como o nosso Brasil, pois nos permite que façamos uma análise
desses movimentos neoliberais e conservadores que buscam reconstruir e direcionar a educação
conforme seus interesses políticos e, principalmente, econômicos, utilizando-se para isso de
artifícios prejudiciais não somente ao processo educacional, mas à sociedade como um todo.
No livro, Apple inicia fazendo um alerta, ele diz que seguindo a lógica mercadológica,
grande parte dos eruditos, políticos, dirigentes de grandes empresas e outros consideram a
educação um negócio que não deve ser tratado de forma diferente de nenhum outro negócio, e
têm conseguido fazer com que essa posição venha se tornando cada vez mais comum, o que é
preocupante em sua visão, pois, dentre as muitas vozes que falam agora sobre educação, só as
mais poderosas tendem a ser ouvidas; e embora não exista nenhuma posição unitária que
centralize aqueles que têm poder político, econômico e cultural, as tendências mais importantes
em torno da qual gravitam aparentam ser mais conservadoras que progressistas. Nesse sentido,
Apple vai discutindo dentro do livro sobre a ascensão de um movimento político que ele designa
como a “Nova Direita” e sobre as tradições e discursos políticos que daí derivam.
Apple discuti no primeiro capítulo as direções gerais que a sociedade estadunidense foi
tomando. Ele emprega alguns conceitos-chave, como o de liberdade, para analisar a dinâmica
ideológica que serve de base de sustentação para essas direções. O autor diz que a liberdade foi
ameaçada a partir do momento em que a ênfase nela teve como sinônimo o de mercado, afirma
que alguns dos argumentos desse novo bloco hegemônico são ouvidos justamente porque estão
conectados com aspectos da realidade que as pessoas vivem, e isso só funciona porque tem
havido uma articulação muito criativa de temas que ressoam profundamente em experiências,
temores, esperanças e sonhos das pessoas em sua vida cotidiana.
Apple descreve já no segundo capítulo sobre as posições educacionais dos grupos que
ele identifica como o grupo dos neoliberais; o grupo dos neoconservadores; o grupo dos
populistas autoritários, fundamentalistas religiosos e evangélicos conservadores; e o grupo dos
especialistas que se segundo o autor são os responsáveis em dizer se chegamos ou não a nosso
destino, descreve estes como membros de uma fração particular da nova classe média de
gerentes e de profissionais qualificados. Ao descrever essas posições educacionais de cada um
desses grupos, ele vai dando um sentido mais claro às tensões e contradições dos movimentos
conservadores. Ele aponta que a “Nova Direita” está diretamente relacionada a aliança desses
grupos, e essa realidade política, a partir de alianças conceituais, é na verdade a nova
constituição e concretização ideológicas do bloco hegemônico, cuja união é estratégica e tem
por interesse garantir a dominação, a exploração e, por conseguinte, a manutenção do status
quo de seus membros.
Apple diz que a articulação da “nova direita” vem produzindo o que ele chama de
“modernização conservadora”, isto é, um processo que perpetua a ideia de que se está
“modernizando” e valorizando o social a partir de políticas públicas. Essa “modernização
conservadora” é equivalente ao “reformismo”, ela não está direcionada a tornar o social mais
justo e igualitário, mas sim para amenizar as insatisfações e, por conseguinte, amortecer as lutas
de classes, o que garante a conservação e reprodução do modo de produção capitalista. Portanto,
segundo o autor, há um processo previsível e inevitável de alianças dentro da atual conjuntura
sociopolítica, em que o bloco dominante sempre estabelece o seu discurso como aquele que faz
sentido e agrada, isto é, um discurso que não é percebido a partir de seus elementos dominantes,
ideológicos e contraditórios, mas sim como uma forma natural e coletiva de pensar e proceder.
Logo, no que se refere à educação, o Estado capitalista, gerido por uma aliança de interesses
comuns, não tem a intenção de ser “educador” no sentido de fornecer ou garantir uma legítima
educação de qualidade, isto é, uma educação com perspectivas de transformação social. Mas,
ao contrário, tende a enfatizar uma educação que possa, ao mesmo tempo, legitimar a lógica
capitalista e garantir a manutenção deste modelo de sociedade. Nesse sentido, a mercantilização
da educação, na qual os interesses neoliberais, partidários e econômicos de grandes setores
empresariais prevalecem, tende a sucatear a educação pública em favor de uma lógica do livre
comércio e, assim, reduz a educação a uma mera mercadoria, e a instituição educacional a um
grande mercado, cuja dinâmica fabril deve produzir a nova classe média, dos profissionais
qualificados e intelectuais necessários à manutenção da máquina capitalista, onde quem não se
adapta aos padrões pré-estabelecidos é rapidamente descartado. Em outras palavras, a lógica do
processo educacional da “nova direita” não intenta promover transformações na ordem social,
econômica e política que venham a favorecer aqueles que mais necessitam; mas, pelo contrário,
tende a um modelo estratificador e basicamente taylorista que leva o educando à alienação
segundo Apple.
O autor ressalta que a modernização conservadora tem remodelado radicalmente o
senso comum das pessoas, atuando em todas as esferas, econômica, a política e a cultural, para
alterar as categorias básicas que usamos para avaliar nossas instituições e nossas vidas pública
e privada. Esse movimento reconheceu que, para vencer no Estado, era preciso vencer na
sociedade civil e, para isso, a realização de um projeto educacional de proporções tão vastas
tem muitas implicações, o que revela a importância das lutas culturais. E, isso é um ponto que
pode se tornar positivo para a resistência, por mais estranho que pareça, pois “se a direita pode
fazer isso, a esquerda também pode fazer o mesmo”, o que faz a leitura desse livro fundamental
para todos aqueles que queiram construir as estratégias da resistência e da contra hegemonia.
A outra obra que vem somar para essa a abertura a uma nova visão para a resistência é
o livro “Marx e a pedagogia moderna” de Mario Aligheiro Manacorda, este livro esclarece o
pensamento marxista sobre o ensino, partindo da análise filológica dos primeiros textos de Marx
e Engels. O autor discute sobre os princípios da pedagogia marxiana a partir do próprio Marx,
ele fala da necessidade de se enfrentar a sociedade capitalista de modo a eliminar a propriedade
privada, a divisão do trabalho, a exploração e a unilateralidade do homem, para atingir o pleno
desenvolvimento das forças produtivas e a recuperação da unilateralidade.
Manacorda em sua obra discorre primeiramente sobre a categoria “trabalho” em Marx,
mostrando-a como eminentemente negativa, e desvinculando-a da ideia de uma atividade vital
ou manifestação de si, produtora do homem e da sociedade. O autor esclarece ainda, o que seria
o reino da necessidade, ao qual diz ser o mundo regido pelo tempo de trabalho, e o que seria o
reino da liberdade, cujo parâmetro é a formação do indivíduo social, possibilitada pela riqueza
geral, não mais medida pelo tempo de trabalho.
Manacorda traz à tona alguns aspectos já abordados para reafirmar a unilateralidade
dos representantes das duas principais classes sociais sob o capitalismo: o proletário e o
capitalista. Ele aborda a questão da fragmentação do homem e sua divisão entre indivíduo moral
e indivíduo real. De acordo com o autor, espelhado na visão de Marx, o trabalhador é em sua
realidade unilateral, e somente na possibilidade, é onilateral. Ele alerta que sob o capitalismo o
trabalhador é alienado, massacrado, bestializado e tem negadas suas possibilidades infinitas em
prol de apenas um pequeno rol de capacidades benéficas ao modo de produção capitalista.
Porém, Manacorda ultrapassa essas questões em seu livro, quando salienta os aspectos positivos
do homem unilateral, e sua importância para o desenvolvimento do homem onilateral. Essa sua
visão “positiva” do capitalismo, ressaltada por Manacorda, é ligada à visão negativa e constitui
um dos mais fortes diferenciais de Marx em relação aos socialistas utópicos.
O autor destaca das obras marxianas qual seria o conteúdo do ensino proposto, ele fala
que a objetividade do ensino as questões religiosas, classistas e outras deveriam ser tratadas em
outro lugar. A autonomia da escola em relação à Igreja e ao Estado é outra das questões que
Marx aponta para uma educação de talhe socialista. O autor alude à polêmica proposta marxiana
de inserção precoce da criança no reino da produção, a qual o alemão considera revolucionária.
E, por fim, retoma a questão crucial e do ensino tecnológico, posto por Marx como o centro
pedagógico da escola do futuro, a união entre ciência e prática. Para a reintegração ao homem
de suas plenas capacidades, há que reunificar as estruturas da ciência com as da produção. Isso
se traduziria em uma interligação entre ensino e produção que não significaria necessariamente
escola-fábrica e nem a orientação praticista e profissional do ensino, a qual Marx atribuía ao
próprio capital. É necessário fazer chegar às classes trabalhadoras as bases científicas e
tecnológicas da produção e a capacidade de manejar instrumentos essenciais de várias
profissões, ou seja, unir o trabalho intelectual e o trabalho manual. Nesse processo, supera-se a
oposição entre profissão e cultura e, uma vez que fundado sobre os aspectos integrais,
revolucionários do saber, é atividade operativa social que o homem domina, e não é por ela
dominado, como atualmente. Para Manacorda tomado pela teoria de Marx, o homem precisa
apropriar-se da natureza de modo universal, consciente e voluntário, pois somente assim lhe é
possível modificar a natureza e seu próprio comportamento em relação a ela, modificando a si
próprio, como homem. Tal processo será mais eficaz segundo o autor, quanto menos esse
processo for um mero recurso didático, e mais uma inserção real no processo produtivo social,
assim para ele é necessário um vínculo entre estruturas educativas e estruturas produtivas.
Trata-se de tornar ciência e trabalho pertencentes a todos os indivíduos: uma ciência operativa,
não especulativa; um trabalho associado às formas mais modernas de produção.
Manacorda, ressalta a importância do ensino unilateral, pois este ensino considera a
existência da propriedade privada e da divisão do trabalho como causa da degradação do
homem, observando que o operário, limitado a uma habilidade muito particular e
impossibilitado de passar de uma ocupação a outra mais moderna só poderá viver se agregado
a uma máquina particular num trabalho particular. A grandeza dos aspectos sublinhados por
Marx e Engels para o ensino faz lembrar contradições da pedagogia moderna, em especial da
tendência escolanovista, influenciada por Dewey. Essa tendência educacional se equivoca ao
priorizar o indivíduo, suas expectativas pessoais de aprendizagem e a importância da prática
voltada para o ensino profissional. Porém, o pensamento escolanovista poderá se confundir, em
uma leitura superficial, com o Marx defensor de uma escola de tipo prático-profissional, com a
que tem como objetivo exclusivo a técnica, uma escola orientada apenas à formação prática, de
não saber pensar a não ser em termos de homo o economicus, mas segundo Marx essa crítica
nada mais é como limitação da sociedade capitalista. Não é o marxismo, mas o capitalismo, a
produção capitalista, que como Marx denuncia, que limita os trabalhadores ao ensino da prática.
O ensino prático da pedagogia moderna tem o objetivo de fortalecer as relações de
produção capitalistas, ao passo que a relação prático-teórico do ensino de Marx e Engels almeja
relações sociais igualitárias, o socialismo. O livro de Manacorda interessa aos profissionais da
educação, progressistas e marxistas, desvendando problemas atuais da educação, inclusive da
atual educação brasileira.

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