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N o final do ano de 1989, o

muro de Berlim ruiu, levan -


tando uma espessa poeira
que turvou a vista de muitos.
Os conservadores encenaram uma
festa , tentando esconder, atr ás daque-
la poeira, sua responsabilidade na
construção do muro, nas numerosas e
cruéis ditaduras capitalistas e, sobretu-
do, tentando desviar nossa atenção da
imensa miséria do terceiro (e quarto)
S:-:: .v . mundo. É esta, na verdade, a conta
mais pesada do século XX que não po-
de ser debitada aos regimes que se
proclamavam socialistas.
Aos poucos, por ém, a festa dos con-
servadores se apaga e a poeira levan-
tada pelo muro se abaixa. No meio de-
la, algumas linhas já se aclaram, con-
firmando posições políticas e afirma-
ções teóricas que muitos homens e mu-
lheres marxistas, há tempos, defendiam.
Ou seja, que o socialismo não é um ho -
rizonte mecanicamente dado e definido,
nem o marxismo pode ser uma escolás-
tica ou o Partido uma Igreja . Fica claro,
agora, para todos que Marx não tem
dono, nem ninguém pode cercar seus
escritos com arames farpados, arvo-
rando- se o direito de intérprete autori-
zado. O muro de Berlim, ao ruir, levou
consigo esses arames farpados, liberan-
do Marx de toda sentinela autoritária.
Com isso, todos os interessados e es-
tudiosos, munidos do simples método
histórico - filológico, podem abrir suas
páginas sem que alguma sentinela lhes
grite: "quem vem lá?".
O presente estudo de Mario A.
Manacorda , eximiamente traduzido por
Newton Ramos-de-Oliveira , ganha ho -
je especial destaque justamente porque
é o resultado do trabalho de um insig-
ne filólogo que se esforça em datar os
textos marxianos, se possível até com
os meses e os dias, reconstruindo as cir -
cunstâncias político-ideológicas que in-
EDITORA fluenciavam Marx na elaboração de
seus textos. Manacorda, neste livro, tra-
duz as nuanças semânticas dos termos
e expressões mais importantes da lin-
guagem marxiana. Sua análise vai des-
velando os sentidos exatos do ensino
politécnico e do ensino tecnológico, pro-
o presente estudo de Mario A Manaooi
da (...) ganha hoje especial destaque
justamente porque é o resultado do
trabalho de um insigne filólogo que se esforça em
datar os textos marxianos, se possível at é com os
meses e os dias, reconstruindo as circunstâncias
posto por Marx , elaborando a constru- político- ideológicas que influenciavam Marx na ela-
ção gradativa e firme do conceito de boração de seus textos. Manacorda, neste livro, tra-
onilateralidade do ser humano. Assim , duz as nuanças semânticas dos termos e expres-
atrav és da ciê ncia filológica , o livro ex - sões mais importantes da linguagem marxiana. Sua
plica o que Marx escreveu sobre Edu - análise vai desvelando os sentidos exatos do ensi-
cação e Escola; revela também as incer - no polit écnico e do ensino tecnológico, proposto
tezas e as certezas que tinha. Por cau- por Marx, elaborando a construção gradativa e fir-
sa de seu método, esse trabalho de Ma- me do conceito de onilateralidade do ser humano.
nacorda é profundamente moderno e Assim , através da ciência filológica, o livro explica
sua permanência está garantida. o que Marx escreveu sobre Educação e Escola; re-
Obviamente, Manacorda não é ape- vela também as incertezas e as certezas que tinha.
nas um bom filó logo, é também um ho- Por causa de seu método, esse trabalho de Mana-
mem politicamente engajado. Por isso, corda é profundamente moderno e sua permanên-
nos capítulos finais do livro, debate-se cia está garantida.
a problemá tica educacional p ó s-
marxiana. Para isso, por ém , utiliza não Paolo Nosella
apenas a luz dos princípios, mas tam-
bém suas sombras, suas dúvidas e
seus silêncios, transformando-os em
amplos espaços para uma pessoal
criatividade intelectual e tomada de
posição.
Finalmente, no Ap êndice, abre espa-
ço para outros autores, marxistas e não-
marxistas, de Gramsci a Galvano Delia
Volpe, dos pensadores católicos aos
“ independentes”. Marx e a Pedagogia
Moderna é, na verdade, uma lúcida ex-
posição do debate a múltiplas vozes so-
bre Escola e Educação que se abriu na
sociedade industrializada a partir da de-
cisiva intervenção de K . Marx.

Paolo Nosella
IS 3N 5 — 249 — 0387 — 2

© ÉêKSSS
EDITORA
AUTORES
a 788524 903878 ASSOCIADOS
BIBLIOTECA DA EDUCAÇÃO
-
Série i ESCOLA
Volume 5 Mario Alighiero Manacorda
t

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câ mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

-
Manacorda, Mario Alighiero .
Marx e a pedagogia moderna / Mario Alighiero Manacorda;
- -

tradução de Newton Ramos de Oliveira ; revisão técnica de
Paolo Nosclla ; prefácio de Dermeval Saviani
-
.São Paulo :
Cortez : Autores Associados, 1991. (Biblioteca da educação .
MARX
.
- -
.
Série 1 Escola ; v 5)

ISBN 85 249 0387 2

.
-
. .. .
E A PEDAGOGIA
-
MODERNA
1 Educação e Estado 2 Socialismo e educação 3. Sociolo
gia educacional I. Título II Série

---
CDD 370.12
370.19
-
91 1871 379 I

' índices para catá logo sistemá tico: Tradu çã o de


..
1 Educação e Estado 379
2 Estado e educação 379 Newton Ramos-de-Oliveira
.
3 Pedagogia socialista : Educação 370.12
.
4 Sociologia educacional 370.19 Revisão Técnica de

Paolo Nosella
J, Prefá cio de

Dermeval Saviani

Jt

/2iGORT Z EDITORA
AUTORES
DITORQ ASSOCIADOS

J1 0 -IA íL
.
Do igunl italiano i MARX lí I.A PEDAGOGIA MODERNA
Marlo Alijihiero Manacorda
Sumário
Comelho Ediloriai Anionio Joaquim Sevcrino, Casem iro dos Reis Filho, Dcrmcval Saviani,
Gilberu S. de Martino Jannuzzi, Milton de Miranda, Moacir Gadotti e
Walter Estcvcs Garcia.

Ca/m: Carlos Cl é men


Preparação dt originais: Vicente Chel 7
Composição: Art Graph Inform á tica
Edição dt texto: Danilo A. Q. Morales Prefácio à edição brasileira VII
Revisão: M á rcia L. Bitcncourt, Rita de Cássia M. Lopes, Simone Brito de Ara ú jo Prefácio 1
Supervisão editoriais Antonio de Paulo Silva
Primeira Parte A “pedagogia" marciana
I. Instru çã o e trabalho 13
-
1. 1847 48: Os Princípios do Comunismo e o Manifesto 16
2. 1866-67: As Instruções aos Delegados e 0 Capital 25
3. 1875: A Crítica ao Programa de Gotha 38
4. Lê nin “discí pulo” de Marx 40
II. O que é o trabalho? 43
1. Trabalho: uma expressão negativa 44
2. A atividade vital ou manifestaçã o dc si mesmo 47
r 3. Continuidade da mesma tem á tica 50
4. Objeções provocadas por essa antinomia 53
5. O reino da liberdade 56
III. O homem onilateral 67
1. Unilateralidade do proletá rio e do capitalista 69
2. Uma moral dividida 73
3. Aspectos positivos do homem unilateral 75
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do 4. O conceito de homem onilateral 78
autor c dos editores .
IV. Escola e sociedade: o conteú do do ensino 87
<0 1986 by Mario Alighiero Manacorda e Ed ítori Riuniti

Direitos para a tradução brasileira


— Roma 1. Ensino tecnológico c trabalho infantil
2. Rela ção da escola com a sociedade, o Estado c a Igreja
91
96
< :ORTKZ EDITO RA/ AUTORES ASSOCIADOS 3. Objetividade do ensino 100
Rua Bartira, 387 - Tel.: (011)8647) 111
-
05009 São Paulo SP
. --
lililiicvstuiobriu il setembro ilc 1991
f 4. Quais opções pedagógicas e
quais conte ú dos educativos? 105

l
St&unda Parte: A pedagogia marciana
frente ãs demais pedagogias
I. Tentativa dc contextualiza ção histórica 113
1. Escola c n ão-escola na história 115
2. Uni ão dc ensino c trabalho na história 121
3. Marx e as pedagogias pós-marxianas 123
4. O marxismo e os problemas atuais do ensino 128
II. A pedagogia marxista na Itá lia: Antonio Gramsci 132
, .
A Doj> r6- marxismo de Labriola ao marxismo de Gramsci 133
2. EnsTno e trabalho em Gramsci 135
3. Desenvolvimento harmonioso e integral do indivíduo 139
4. Contra o inatismo e o individualismo 141
5. Uma escola de noções rigorosas 144
6. Utilidade de uma leitura “gramsciana ” de Marx \
Apêndice
DISCUTINDO COM LEITORES E CRÍTICOS DE MARX
146
a
151
1. Galvano delia Volpe: trabalho c liberdade
2. Lamberto Borghi: a liberdade
pode surgir da necessidade?
152

159
edição brasileira
i
3. Roberto Mazzetti: a rela ção dc Marx com os utó picos 167
4. Os católicos e a pedagogia marxista:
uma oportunidade perdida 172
a) Marx segundo Bongioanni 173 Manacorda é um autor já relativamente conhecido nos meios
b) Marx segundo Catalfamo 180 educacionais brasileiros. Este livro, assim como IL Principio
.
5 Uma discussão a muitas vozes 185 Educativo in Gramsci já circulava por aqui, ainda que intermiten-
a) Uma pedagogia n ã o-abstrata temente, em edições em l í ngua espanhola. Em 1986, a Revista
' 186
b) O tempo livre 192
ANDE publicou uma entrevista com esse autor, o mesmo ocor -
rendo em 1989 desta vez através da Revista Educação em Questão ,
índice Onomástico 197 Ali ás, esta ú ltima entrevista foi obtida quando de sua visita a nosso
pa í s a convite do Programa de Pós-Gradua çã o em Educa çã o da
Universidade Federal de São Carlos, ocasi ã o em que proferiu con-
fer ências em universidades de vá rias capitais brasileiras. E mais
recentcmcnte foram publicados no Brasil História da Educação,

VII
Segunda Parte: A pedagogia marciana
frente ás demais pedagogias
.
I Tentativa dc contextualiza çâo histórica 113
1. Escola c n ão-escola na histó ria 115
2. Uni ão dc ensino c trabalho na hist ória 121
3. Marx e as pedagogias p ós- marxianas 123
4. O marxismo e os problemas atuais do ensino 128
II. A pedagogia marxista na Itá lia: Antonio Gramsci 132
. A . Doj> rô- marxismo de Labriola ao marxismo de Gramsci 133
2. EnsTno e trabalho em Gramsci 135
3. Desenvolvimento harmonioso e integral do indiví duo 139
4. Contra o inatismo e o individualismo 141
5. Uma escola de noções rigorosas 144
6. Utilidade de uma leitura “gramsciana ” de Marx \
Apêndice
DISCUTINDO COM LEITORES E CRÍTICOS DE MARX
146
a
151
1. Galvano delia Volpc: trabalho c liberdade
2. Lamberto Borghi: a liberdade
pode surgir da necessidade?
152

159
edição brasileira
3. Roberto Mazzetti: a rela ção dc Marx com os utópicos 167
4. Os católicos e a pedagogia marxista:
uma oportunidade perdida 172
a) Marx segundo Bongioanni 173 Manacorda é um autor já relativamente conhecido nos meios
b) Marx segundo Catalfamo 180 educacionais brasileiros. Este livro, assim como IL Principio
.
5 Uma discussão a muitas vozes 185 Educativo in Gramsci já circulava por aqui, ainda que intermiten -
a) Uma pedagogia n ão-abstrata temente, em edições em l í ngua espanhola. Em 1986, a Revista
' 186
b) O tempo livre ANDE publicou uma entrevista com esse autor, o mesmo ocor -
rendo em 1989 desta vez através da Revista Educação em Qpestão .
192
índice Onomástico 197 Ali ás, esta ú ltima entrevista foi obtida quando de sua visita a nosso
-
pa ís a convite do Programa de Pós Gradua ção em Educa ção da
Universidade Federal de Sã o Carlos, ocasi ã o em que proferiu con-
fer ê ncias em universidades de vá rias capitais brasileiras. E mais
recentemente foram publicados no Brasil História da Educação,

VII
pretensa ‘supera çã o’ do marxismo n ão ser á, no pior dos casos, tificadora de enormes burocracias estatais (dc que os pi ó prim
mais que uma volta ao pr é-marxismo e, no melhor, a redescoberta chefes de Estado reconhecem a enormidade c sublinham * »s
de um pensamento já contido na ideia que se acredita superar” abusos). A crí tica das ideologias transformou -sc cm ideologia » a
(SARTRE, 1963, p. 18). Esta id éia de Sartre se ancora na cr í tica do existente em apologia ‘incondicionada ’ de um u- rto
existente...” ( LEFEBVRE, s/ d , p. 72).
consideração dc que uma filosofia é viva enquanto expressa a
problem á tica pr ó pria da é poca que a suscitou e é insuper ável en- Essa cr í tica de Lefebvre, ao mesmo tempo que detecta utiu
quanto o momento histó rico de que é expressã o n ão tiver sido interpreta çã o dogm á tica do marxismo, procura pô r em evid ê ncia
sup é rado. Ora , os problemas postos pelo marxismo sã o os a fecundidade das contribui çõ es de Marx as quais n ã o autorizam
problemas fundamentais da sociedade capitalista e enquanto estes o dogmatismo constatado.
problemas n ã$ forem resolvidos/superados n ã o se pode falar que No campo educacional , a introdu çã o ao cap í tulo sobre “ a
o marxismo terá sido superado . experiê ncia sovié tica ” ( 1917-1932) do livro “a internacional co-
A vitalidade do marxismo se expressa n ã o apenas pela munista e a escola de classe” organizado por Daniel Lindenberg
persist ência dos problemas por ele formulados, mas também por e publicado na Fran ça em 1972, ao registrar um balanço cr í tico
sua capacidade de exercer a crí tica tanto externamente, isto é, em da educa çã o sovié tica nesse per í odo, põe em evid ê ncia os limites
relaçã o à sociedade burguesa à qual se contrap õe, quanto interna- da tentativa de ajustar o ensino à s necessidades dos trabalhadores:
mente, quer dizer, em rela çã o à s diferentes apropria ções de Marx “A chave do desequil í brio é, bem entendido, a ausê ncia do
e do marxismo efetuadas por aqueles que se definem como marxis- proletariado enquanto for ça social tendo uma express ã o pol í tica
tas. Assim é que desde Marx , passando por Engels, Lê nin, Gramsci aut ó noma. Na ausê ncia, pois, de toda linha de massa, depois do
at é os contemporâ neos, construi -se uma tradiçã o de cr í tica e de desaparecimento de fato dos sovietes operá rios e camponeses
pol ê mica que atesta a sua presen ça viva na hist ó ria da nossa é poca. pobres, a hegemonia prolet á ria n ã o pode se impor por decreto ”
É nesse quadro que as experi ências realizadas em seu interior foram ( LINDENBERG, 1972, pp. 299-300). Portanto, desde aquela época
' alvo da crí tica dos pró prios marxistas. N ã o se trata de reconstituir já se evidenciavam as dificuldades de implanta çã o do socialismo
aqui o copioso debate travado nesse terreno. Pretende-se apenas na Uniã o Sovié tica .
^
ilustrar com alguns exemplos esse fen ô meno a fim de responder N ã o se trata , obviamente, de se criticar as interpreta ções e as
satisfatoriamente à s perguntas formuladas em torno da supera çã o experi ê ncias apontando-se os seus desvios, tendo em vista a
ou n ã o do pensamento de Marx. manuten çã o de uma rela çã o dogm á tica com o autor principal , no
Henri Lefebvre, em trabalho escrito em 1956, já formulava caso, Marx. Ou seja , n ã o se trata de tomar as contribui ções dc
uma cr í tica bastante aguda da vis ã o dogm á tica constru í da sobre o Marx como verdades acabadas e incontestes, isto ê, como dogmas.
pensamento de Marx dc modo especial na Uni ã o Sovi é tica. Afirma Ali á s, o pr ó prio Marx, assim como o seu colaborador Fugcls , u
ele que em menos de um século as ideias de Marx “ que pareciam nham consciê ncia dos limites de suas an á lises, como explicita en -
t ã o vigorosas, petrificaram , esclerosaram -se, transformaram -se no faticamente Engels em 1895 na Introdu çã o a uma nova edi çã o do
seu contrá rio: em dogmas... A crí tica radical do Estado e a teoria texto de Marx “As lutas de classe na Fran ça de 1848 a 1850”. Ali ,
do enfraquecimento do Estado transformaram -se em ideologia de ap ós tecer considera ções sobre os problemas implicados na tarefa
Estado. A cr í tica radical da burocracia, ligada em Marx à crí tica de se analisar a história enquanto ela se realiza diante de nós,
teó rica e prá tica do Estado, tornou -se ideologia favorita e jus- expressa, sobre a expcctativa ent ã o manifesta de que a revolu çã o

X XI
de 1848 na Fran ça viesse a se transformar numa revolu çã o
proletá ria, a seguinte aprecia ção: “A hist ória nos desmentiu, bem
— —
razã o de que esse novo tipo de sociedade n ã o estava e n ã o est á
ainda constitu í da . Para Marx essa nova forma social s ó sc cons-
como a todos que pensavam de maneira an á loga. Ela demonstrou tituiria ap ós o esgotamento pleno de todas as possibilidades con -
claramente que o estado de desenvolvimento econó mico no con- tidas no pr ó prio capitalismo como se patenteia nesta passagem:
tinente ainda estava muito longe do amadurecimento necessá rio “ Uma organiza ção social nunca desaparece antes que sc dcscnvol
para a < suspensã o da produ çã o capitalista” (MARX e ENGELS, s/d , vam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; numa
vol. 1, p. 99). relações de produ çã o novas e superiores se lhe substituem antes
Portanto, o que está em jogo n ã o é manter a todo o custo que as condições materiais de exist ência destas rela ções sc
uma fidelidade ao marxismo ou uma subserviê ncia à s id éias de produzam no pr ó prio seio da velha sociedade” (MARX, 1973,
Marx. 0 que est á em causa é verificar em que medida as p. 29, grifos nossos).
transforma ções pol í ticas em curso neste in ício da d écada de noven- Ora, se ainda hoje n ã o se esgotaram todas as possibilidades
ta do século 20 autorizam a conclusã o de que Marx foi ultrapas- do capitalismo, compreendem -se as dificuldades do chamado
sado n ã o fazendo mais sentido tom á-lo como refer ência para o “socialismo real" cuja origem data do in í cio deste século. Por outro
estudo dos problemas contemporâ neos. lado, essa experi ê ncia, alé m de n ão se ancorar no desenvolvimento
Se nos reportarmos ao pró prio pensamento de Marx vamos pleno das forças produtivas capitalistas, foi uma tentativa
verificar que seu empenho se dirigiu no sentido de compreender localizada, parcial e paralela à sociedade capitalista tendo esta con-
cientificamente as leis de transforma çã o e desenvolvimento do pro- tinuado a se desenvolver nas outras partes do mundo. Ora , para
cesso hist órico, como assinala a resenha cr í tica de O Capital pu- Marx , a nova forma social só pode prevalecer quando se manifesta,
blicada no “Mensageiro Europeu ” em 1872: “Quando Marx fixa , sen ã o de fato, pelo menos como tend ê ncia dominante e global .
como seu prop ósito, pesquisar e esclarecer, desse ponto de vista, Assim é que no final do posfá cio à 2* edi çã o alem ã de O Capital,
a ordem econ ó mica capitalista, está ele apenas estabelecendo, com
m á ximo rigor cient í fico, o objetivo que deve ter qualquer inves-
-
após referir-se ao cará ter crí tico e revolucion á rio da dialé tica, con
- sidera que, para o burgu ês prá tico, as contradi ções do capitalismo
tiga çã o correta da vida econ ó mica ... O valor cient í fico dessa pes- sã o captadas de modo mais evidente nas crises peri ódicas que cul -
quisa é patente:' ela esclarece as leis especiais que regem o nas- minam na crise geral. E acrescenta que a crise geral “ de novo se
cimento, a exist ê ncia, o desenvolvimento, a morte de determinado aproxima, embora ainda se encontre nos primeiros est ágios; mas,
organismo social , e sua substitui çã o por outro de mais alto n í vel . quando tiver o mundo por palco e produzir efeitos mais intensos,
É esse o m é rito do livro de Marx ” (Apud MARX, 1968, p. 16). fará entrar a dial é tica mesmo na cabeça daqueles que o bamb ú rrio
Na pesquisa levada a cabo por Marx o “organismo social ”
referido no texto se materializa na sociedade capitalista. É esta que
transformou cm eminentes figuras do novo sacro impé rio prus
siano-alem ã o ” (MARX, 1968, p.17).
-
3
Marx estuda e cujas leis de nascimento, exist ê ncia, desenvolvimen - A expressão “quando tiver o mundo por palco” deixa evidente
to, morte e substitui çã o por outra de mais alto n í vel, ele revela. que a supera çã o do capitalismo só pode se dar de forma global.
O socialismo é apenas o nome dessa forma social de mais alto Parece plaus ível, portanto, a conjectura de que sc Marx tivesse
n í vel que se gesta no interior do pr ó prio capitalismo a partir de acompanhado a experi ê ncia da Uni ã o Sovi é tica , ele n ã o teria
suas contradi ções internas. Mas Marx n ã o estudou a sociedade ilusões a respeito e não estaria surpreso com os eventos que se
socialista e, como cientista, nem poderia fazê-lo; e isso pela simples sucedem hoje naquele pa ís. Isto não significa, entretanto, que ele

XII XIII
desautorizaria ou invalidaria a referida experiê ncia. Provavelmente Faz , pois, todo o sentido lev á -lo em conta no nosso estorvo cm
ele a avaliaria de forma positiva, embora evidenciando os seus compreender radicalmente a problem á tica educacional da nossa
limites objetivos como o fez com a Comuna de Paris. Isto porque, época.
segundo ele, mesmo quando uma sociedade compreende o sig-
Esta é, portanto, uma obra necessá ria , oportuna e extrema
nificado da lei objetiva que determina o seu desenvolvimento, “n ã o mente atual. A Cortez Editora e a Editora Autores Associados
pode éla suprimir, por saltos ou por decreto, as fases naturais de
est ã o de parabé ns pela iniciativa de lan çar , neste momento, a
seu desenvolvimento. Mas, ela pode encurtar e reduzir as dores do
edi çã o brasileira da obra Man: e la pedagogia moderna de Má rio
parto” (MARX, 1968, p. 6).
Alighiero Manacorda . Trata-se, afinal, de um trabalho que explicita
É provavelmente com esse objetivo que Marx participou o pensamento educacional do criador daquela que, no dizer de
diretaní ente elincentivou de todas as maneiras a seu alcance as Sartre, é a filosofia viva e insuperável dos nossos tempos.
iniciativas pr á ticas de luta pelo socialismo em todos os lugares e
circunst â ncias e, com certeza, teria incentivado també m as ini-
ciativas do mesmo tipo que ocorreram neste século e isto inde- REFER ÊNCIAS
pendentemente de que correspondessem predominantemente às
suas pr ó prias ideias. Ali ás, convém registrar que, embora tenha LEFEBVRE, H. Materialismo dialético e Sociologia. Lisboa, Presen ça, s/ d.
sido o organizador, incentivador e grande l íder da I Internacional LINDENBERG , D. (org.). Vintemalionale com muniste et 1‘école de classe , Paris,
Maspero, 1972.
dos Trabalhadores, suas id éias n ã o eram propriamente hegem ó nicas
MARX, K. e ENGELS, F. Obras acolhidas, vol. 1. Sã o Paulo, Alfa-Omcga, s/d .
nessa Organiza çã o como n ã o o foram na experi ê ncia da Comuna
MARX, K. 0 Capital, Rio dc Janeiro, Civiliza çã o Brasileira, 1968.
de Paris. O mesmo ocorreu com a II Internacional que acabou
MARX, K. Contribuição para a critica da economia política, Lisboa, Estampa, 1973.
hegemonizada pelos partidos oper á rios alem ã es sob a influ ê ncia
SARTRE, J . P. Critica <le la razbn dialéãica, Buenos Aires, Losada , 1963 , 2 vols.
da social-democracia. E a III Internacional , por sua vez, embora
- idealizada , fundada e organizada sob a lideran ça de Lênin em
1919, com a morte deste em 1924 acabou , posteriormente, sob a
hegemonia do Stalinismo. Campinas, 25 de julho dc 1991
Em suma, o desmoronamento dos regimes do Leste Europeu ,
em lugar de significar a supera çã o de Marx , constitui, ao contrá rio,
Dermeval Savittni
um indicador de sua atualidade. Levando-se em conta que uma
filosofia ^ é viva e insuperável enquanto o momento hist órico que
ela representa n ã o for superado, cabe concluir que, se o socialismo
tivesse triunfado é que se poderia colocar a questã o da supera çã o
do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que surgiriam
seriam de outra ordem . Mas, os fatos o mostram , ele n ã o triunfou .
O Capitalismo continua sendo ainda a forma social predominante.
Portanto, Marx continua sendo n ã o apenas uma refer ê ncia vá lida,
mas a principal referê ncia para compreendermos a situa çã o atual.

XIV XV
i! *<
i1
-
\ ,

Este trabalho pretende indagar se existe e como se configura uma


pedagogia tnarxiana. E, como os dois termos desta expressão podem


exigir um esclarecimento, é preciso dizer logo no que concerne ao
adjetivo que realmente se quer dizer tnarxiana, isto é, inerente ao
pensamento de Karl Marx , excluindo-se, portanto, deste estudo a
pedagogia marxista, como se tem configurado nos pa í ses socialistas,
nos quais mais de um terço das pessoas t ê m sido educadas em
instituiçõ es e segundo princí pios que assim se costumam definir.
Quanto ao que se deva entender por pedagogia, o tema sempre pode
ser discutido , e tanto mais, embora n ão exclusivamente, em relação
à quele adjetivo, se é verdade que ainda hoje alguns autores se sentem
obrigados a iniciar seus tratados pela discuss ã o se a educa ção é uma
arte ou uma ciê ncia, se a pedagogia em geral deva ser uma filosofia
da educa ção e quais rela ções esta deva ter com outras ci ências, como
a psicologia, a sociologia, a biologia (que é o que faz, por exemplo,

I
Ren é Hubert em seu Tratado de Pedagogia , traduzido para o italiano sociais, gra ças à s quais o homem chega a executar atos, tanto
" humanos ” quanto “ n ão naturais ”, como o falar e o trabalhar segun
pelas edições Armando, Roma, 1963). Por outro lado, na Itá lia, uma -
firme tradi ção filosófica, que ultrapassa limites de escolas e ten- do um plano e um objetivo. Ou talvez o homem nasça homem , mas
dê ncias, tem sido, e talvez ainda permaneça, propensa a colocar em apenas enquanto possibilidade que, para se atualizar, requer, sem
d úvida a legitimidade e a própria existê ncia de uma pedagogia como d úvida , uma aprendizagem num contexto social adequado, o que é
ciê ncia filosófica, ou mesmo como ciê ncia, tanto que um autor expresso com sinté tica clareza pelas palavras de Luporini: “o homem
nasce, de fato, na sociedade, mas n ão nasce social; assim se torna pela
cuidadoso como Geymonat se preocupa em fazer, numa versão
pedagógica de seu manual de hist ória da filosofia , uma autodefesa educa çã o que o faz assumir, pouco a pouco , aquela sua situa çã o de
prévia, na qual declara que “ uma problem á tica e uma literatura fato e origin á ria ” (cf. “As ‘Ra í zes’ da Vida Moral ”, in Morale e Societâ ,
especifkamente pedagógica , mesmo que obviamente interligadas Editori Riuniti , 1966, p. 61).
com todo o "complexo da problem á tica e da literatura filosófica, Nã o se trata, portanto, de um faro que a humanidade tenha
.
existem , queiram ou n ã o. .” (em Ludovico Geymonat e Renato inventado, no transcorrer da sua hist ória , espa ços especí ficos para a
educa çã o diferentes daqueles “ naturais ” ( pelos quais n ã o se entende,
Tisato, Filosofia e Pedagogia Nella Storia Delia Civiltà, Mil ã o, Garzanti,
1963, p. 7). Mas uma resposta a estas d ú vidas deveria estar sempre com certeza , a fam í lia, por exemplo, que o é bem pouco, mas,
relacionada com as inten ções de quem as coloca e, em todo caso, sobretudo, a convivência indiferenciada dos adolescentes com os
implicaria uma explica çã o quer sobre o lugar que cabe à pesquisa na adultos) e que entre esses espa ços especí ficos e as outras instituições
sé rie das atividades teó rico-prá ticas do homem , quer sobre a sua
estrutura epistemológica, o que de muito ultrapassa os propósitos
——
sociais hoje entre a escola e a fam í lia, entre a escola e o local de
trabalho ou, em suma, entre a escola e a sociedade se instituam
deste estudo e a capacidade do seu autor. rela çõ es em constante busca de novas adequa çõ es. Como esses
Podemos, portanto, limitar- nos à constata çã o de que no contex- espa ços espec í ficos da educa çã o t êm -se configurado no transcorrer
da Hist ó ria , como tendam a reconfigurar-se, s ã o, hoje, objetos

to da investiga ção sobre a natureza e os fins do homem que se tem
imprescind í veis da pesquisa propriamente pedagógica. E parece que
constitu í do exatamente em grande parte da pesquisa filosó fica, se
o primeiro pressuposto de toda pesquisa deste tipo n ã o pode deixar
n ã o na pró pria investiga çã o filosó fica, kaPexokbén, e que hoje n ão
pode escusar-se; ao di á logo com outras ciê ncias , antigas e novas
n ã o se pode deixar de fazer uma investiga ção sobxtformas de crescimen-
— de ser, exatamente, a constata çã o da historicidade e, portanto, da
inevit á vel transitoriedade de toda forma çã o existente; e també m da
to do homem como indiv í duo na sé rie de gera ções e como gera ções sua arbitrariedade em rela çã o à racionalidade humana, na medida
na hist ória humana e, ainda, sobre a determina çã o do tipo de em que nenhum resultado orgâ nico da sua história foi , até agora,
interven ção da gera çã o adulta nesse processo em que est á envolvida desejado e planejado pelo homem .
a geração adolescente. Não há, portanto, motivo racional para considerarmo-nos satis-
O homem n ã o nasce homem : isto o sabem hoje tanto a fisiologia feitos em qualquer relaçã o social existente; dever í amos antes estar
quanto a psicologia. Grande parte do que transforma o homem em inclinados a percebê-la (ainda que “iluministicamente”) como casual
homem forma -se durante a sua vida , ou melhor, durante o seu longo e arbitr á ria. E, mesmo quando tom ássemos conhecimento das razõ es
treinamento por tornar-se ele mesmo, em que se acumulam sen - hist ó ricas que a determinaram , tanto mais dever í amos sentir a
sa ções, experiê ncias e noções, formam -se habilidades, constroem-se exigê ncia de que cessasse de existir: se n ã o por outro motivo, pelo


estruturas biológicas nervosas e musculares — n ã o dadas a priori
pela natureza, mas fruto do exercício que se desenvolve nas rela ções
fato de que, tendo começado a existir e existindo, amadureceram -se
as raz ões para que n ão mais existisse. Falta , sobretudo, parece ,

2 3
qualquer motivo para considerar “ naturais” as institui ções ou estru - surgir , no momento eversivo da primeira revolu çã o socialista; pelo
turas educativas que a histó ria nos transmitiu cristalizadas na atual contr á rio, é evidente que a crescente autonomia do processo edu-
forma da escola. Na realidade, a estrutura escola n ã o é “ natural ” e cativo exige estruturas cada vez mais espec í ficas e adequadas. Mas,
nem mesmo “ hist órica ”, no sentido imediato e total em que o são talvez se possa e se deva falar da morte desta escola . Ela, de fato,
as estruturas produtivas da sociedade. A fá brica moderna é, em si, sobrevive em grande parte a si mesma e aos seus pró prios objetivos
racibnal e um resultado puro da hist ória dos homens, é a sua ime- de tempos passados; e nossa investiga ção nã o pode deixar de exer-
diata produ ção de vida, a sua sociedade imediata, que ningu é m e cer-se sobre ela, pelo menos, como cr í tica à que existe.
nada condicionou arbitrariamente; num certo sentido, criou-se por
si, ou melhor, o homem n ão a poderia criar de modo diverso. A Essa referência a uma consideração “iluminista ” sugere, por
escola, çor outro lado, ê antes uma superestrutura (se se quer usar, outro lado, que, como os iluministas, n ós hoje també m estamos
mas num sentido que ultrapassa a extensã o deformada), n ã o apenas, numa fase de confronto direto com instituições sociais diversas,
ou n ã o tanto, porque brota com e de uma estrutura origin á ria de algumas “ primitivas”, outras de refinad í ssimas tradições, mas, menos
base, sobre a produ çã o e a propriedade e é, em última instância , con- din â micas que as nossas nos ú ltimos séculos (um piscar de olhos,
dicionada por suas rela çõ es, mas, sobretudo, porque, apresentando-se quando comparado com a duração da história dos homens). Uma
inicialmente como “ inessencial ”, um luxo e n ã o uma necessidade compara çã o que, se n ã o é sempre puro choque e destrui ção, como nas
prim á ria quanto a produ çã o, ela tende a descolar-se, a separar-se da épocas antigas quando substancial mente fundavam-se sobre a guerra,
sociedade e a viver na estratosfera de suas tradições fossilizadas. A é todavia tal que, nela, os povos já “desenvolvidos" propõem e
tecnologia transforma imediatamente a fá brica, mas n ã o muda ime- impõ em suas estruturas e institui ções, inclusive educativas, aos povos
diatamente a escola (ainda que lhe forneça novos conte ú dos e novos “em via de desenvolvimento”; uma compara çã o que nos faz retornar
instrumentos). Assim enquanto a fá brica de hoje, n ã o obstante a a uma situa çã o em parte semelhante à quela do homem europeu dos
inalterabilidade de certos processos “ naturais” de trabalho, de que já séculos XVII e XVIII perante o bom selvagem .
falava Marx, não pode assemelhar-se sen ão a si mesma e à sociedade
de que faz parte, de fato, a nossa estrutura educativa , a nossa escola É claro que hoje n ão devemos voltar ao éden da educa ção natural
de hoje, assemelha-se talvez mais à escola do mundo helen í stico- ( todos, naturalismo e jusnaturalismo, deveriam estar mortos h á
romano, ou , n õ m á ximo, para n ã o se remontar muito às origens, muito tempo); mas, a exporta ção de nossas estruturas educativas a
— —
mas como é verdadeiro e real! à quela dos humanistas ou dos
jesu í tas, e est á escassamente articulada à sociedade em que atua.
outros povos e os modos nos quais s ã o recebidos nos imp õem ,
queiramos ou n ã o, que consideremos n ã o apenas as outras ins-
tituições, mas tamb é m as nossas simplesmente como estruturas his-
No entanto, por h á bito, tende-se a considerar-se que a nossa
escola seja mais ou menos coessencial à nossa sociedade e que os toricamente determinadas e n ã o como naturais e eternas .
fen ôm énos inegá veis do seu alheamento a ela sejam simples acidentes Seria fá cil endossar a observa çã o de King (em sua introdu çã o à
que poder ã o ser corrigidos mantendo-se intactas as suas estruturas
tradicionais.
sé tima edi çã o da Storia delVEducazione Occidentale, de Boyd
. —.
tradu çã o italiana nas edi ções Armando, Roma 1965 , p 9), segundo
cf a

Não se quer, por certo, levantar aqui a hip ótese de uma nova a qual “o anacronismo e a desatualiza ção das concepções pedagógicas
teoria da “ morte da escola", que surgiu, e n ão poderia ter deixado de do passado se revelam sobretudo quando se considera que uma
enorme massa de três bilh ões de pessoas exige hoje uma educa çã o de
O autor cria o termo “concresce” para expressar a ideia de “crescer junto”. tipo ocidental ”, se n ão trouxesse impl í cita uma ilusã o sobre a
( N. do T.)

4 5
validade atual das instituições educativas de nossos pa íses. O con - em geral apresentava-se como busca desinteressada da pura verdade,
fronto atual , por contraste com aquele dos séculos recentes, quando como compreens ã o da natureza enquanto imut á vel dado de
o mundo, gra ças às descobertas geográ ficas e ao colonialismo em .
contempla çã o Do mesmo modo, a escola podia apresentar-se como
suas ..vá rias fases, tornou -se um só, poderia , de fato, estimular su - local de aprendizagem da t écnica cultural que permitisse esta
gest ões e consequentes modifica ções, inclusive para as estruturas contempla çã o e o diá logo dos doutos: educava justamente mais para
educativas dos povos considerados desenvolvidos. fruir do que para produzir bens culturais. Mas agora esse objetivo
De qualquer maneira, uma coisa é certa: quanto mais a sociedade desinteressado da antiga pesquisa cientí fica perdeu sua razão de ser;
se distancia de suas origens “ naturais” e se torna hist ó rica, tanto mais a ciê ncia nada mais é que o meio de interven çã o humana para trans-
se torna imprescind ível nela o momento educativo; quanto mais a .
formar a natureza e a sociedade Como afirmava Bogn á r no

sociedade se Jorna din â mica e è assim ao m á ximo grau , uma
sociedade tecnol ógica que, rapidamente, muda os processos pro-
Simpósio de Trabalhadores da Ci ê ncia, de Budapeste, em 1965, a
ciê ncia se destina a elaborar a estrat égia da ação humana , ela visa o

dutivos e aumenta os pr ó prios conte ú dos cient í ficos tanto mais se
torna necessá ria uma estrutura educativa que, gradativamente, adapte
futuro; n ão apenas a compreens ão do que é, mas a previsão do que
será (ou melhor, do que será realizado pelo homem ) torna-se uma
a este processo n ã o apenas as novas gera ções {mesmo que se nasça .
de suas tarefas essenciais ( Nã o é por acaso que também na literatura
homem , nem por isto se nasce homem do século XX), mas também os sonhos e aspiraçõ es dos homens, que no passado se configuravam
as gera ções futuras. Cada vez mais, portanto, aquela instru çã o que,
originariamente, n ã o é uma necessidade prim á ria , mas um luxo

como profecia ou mito a expressão futurista de D édalo hoje se

consubstanciam como “ ficçã o cient í fica ”, que é a verdadeira e
-
inessencial , torna se uma necessidade indispensável para a produ ção especí fica mitologia da era tecnol ógica .) A ciê ncia est á articulada a
modos de produ çã o ilimitados, cada vez mais extensos e tendencial -
da vida. Efetivamente, mesmo a simples “manuten ção ” da sociedade

atual o que, considerado o seu dinamismo, é uma hipótese mera-

mente formal exigiria uma ampla participa ção de homens técnica
mente universais; na realidade, é ciê ncia fundamental e pesquisa
pura , mas é també m e sobretudo, pelo menos como tend ê ncia,
e culturalmente capacitados para o controle e promoçã o das suas ci ê ncia operativa , aplicada: de ciê ncia para conhecer, tornou -se
atividades; mas a instabilidade tecnol ógica , as novas técnicas de que ciê ncia para atuar, de ciê ncia para classificar, tornou-se ciê ncia para
— —
todos falam cjbern ètica, automa çã o etc. a inevit á vel necessidade
de estabelecer previsões planejadas, exigem muito mais do que uma
modificar e criar, mas, numa escala inaudita. Bernald - no Simpósio

de Budapeste referia-se a uma big Science, a uma grande ciê ncia do
escola ou uma aprendizagem tradicionais. Enquanto a evolu çã o das século XX em contraste com a pequena ciê ncia do século XIX: a
técnicas produtivas era lenta e sua elaboração a n íveis ótimos, após eletrónica, os mecanismos de controle e automação, estes sí mbolos
durarem séculos e milé nios, tendia posteriormente a cristalizar-se, da idade dos computadores, as pesquisas aeroespaciais, a petro-
bastava para transmiti-la a rotina do treinamento no pr ó prio ofício: qu í mica e as maté rias plásticas com as correspondentes revolu ções
ao produtor individual bastava em sua vida natural reproduzir e dos materiais, a bioqu í mica e suas aplica ções na medicina e na
retransmitir uma t écnica adquirida. Por outro lado, a sociedade agricultura; é todo um mundo novo de conhecimentos e de dis-
podia permitir-se o “ luxo inessencial ” de educar seus intelectuais ponibilidades para o homem , uma nova necessidade de especializações
mais como consumidores do que como produtores da cultura. A e, ao mesmo tempo, uma nova necessidade de coordenação do saber,
ciê ncia estava substancialmente separada da produ çã o, ou melhor, de uma nova articulação entre o conhecer e o fazer, que transforma
cada ramo da produ çã o, limitado a si mesmo, dispunha da sua a vida do homem e exige homens novos. Mas, se assim mudam a
pequena ciê ncia operativa e, além dessas tarefas imediatas, a ciê ncia natureza e o fim da ciê ncia, n ão pode deixar de mudar també m a

6
7
escola, isto é, o processo de forma çã o desses novos homens. E, na Primeiro: deixa de considerar como seu objeto apenas a educa çã o de
realidade, muda: mudam os seus conte ú dos, mudam os seus pró prios restritas elites privilegiadas e passa a abranger a totalidade dos
meios de uso cotidiano (desde os instrumentos imediatos de escrita homens infieri; segundo: nesta perspectiva , renovou profundamente
aos tipos de textos e até as mais complicadas m á quinas de ensinar), os conte ú dos de forma ção do homem moderno, dando amplo
mas, com extrema lentid ã o, com irremedi ável atraso em rela çã o às espaço à s artes reales ao lado das strmoánalcs e assumindo em seu
transforma ções da ciência e da tecnologia diretamente ligadas à pr ó prio â mbito a aprendizagem das t écnicas antes relegadas em n í vel
— —
produ çã o e sobretudo incorporam-se os novos conteú dos e meios
às velhas estruturas, à s velhas rela ções. A escola ainda educa, ou
de simples treinamento; terceiro: elaborou novos m étodos e trans-
formou a did ática numa ci ê ncia com fundamenta çã o tanto na
melhor, est á indecisa se deve educar o produtor especializado ou o an á lise das estruturas objetivas das ci ê ncias quanto no estudo das
consumidor desinteressado da cultura. capacidades subjetivas dos alunos .
Em suma , as instituições educativas aparecem historicamente Mas, acima de tudo, à velha pedagogia fundamentada no deter-
vinculadas, por sua inevit á vel in é rcia e por seu cará ter de inessen- minismo social contrap ôs uma pedagogia centralizada na crian ça . A
cialidade, a estruturas sociais superadas; e o que parecia luxo das elites primeira educava cada um para ser tal como o ambiente em que
privilegiadas torna-se, pela pró pria necessidade da sociedade em seu nascera, predeterminava e comportava curr í culos diversos para cada
todo, uma exigê ncia de massas, que abrange a totalidade da popu- condiçã o social , do mesmo modo como eram diversos os seus
la ção; al é m disso, o din â mico desenvolvimento da sociedade atual direitos; a segunda requer a cada um tornar-se si mesmo e se apó ia
tende, com sua rapidez, a acentuar a separação entre estruturas nas motiva ções mais do que nos dados objetivos e predeterminados
produtivas e estruturas educativas, embora intervenha com sua de um saber a ser transmitido imut á vel , e considera potencialmente
pr ó pria totalidade també m nestas; enfim , o mundo está todo envol- cada indiv í duo como sujeito de todos os direitos e de todas as pos
sibilidades educativas. Mas n ã o é por acaso que , apesar dessa
-
vido num mesmo processo de desenvolvimento que abrange e põe
em brutal confronto as estruturas de civiliza ções diversas, unifican- revolu çã o pedagógica, contradi ções e conservadorismos atrasam o
do-as tendencialmente. Tudo isto, descrito de maneira esquem á tica , seu desenvolvimento real . Nos pa í ses socialistas, acompanhando as
no próprio momento em que faz parecerem mais velhas as estruturas
— —
pegadas de Marx e també m ali n ã o sem incertezas e contradições
educativas, põe inevitavelmente como quest ã o vital a sua profunda
renova ção.
Se consideramos o modo como a consciê ncia pedagógica moder-
uma nova proposta pedagógica busca firmar-se com resultados

— —
reais. É in ú til prever as caracter í sticas que a distinguem como
realidade e como tend ê ncia das duas outras pedagogias a que nos
referimos; mas o fato é que existe e se prop õe a um confronto com
na tem-se colocado frente à realidade das institui ções educativas e às
suas rela ções com a sociedade de que são parte e à qual fornecem elas e expressa exigê ncias novas de articula çã o das estruturas edu-
seus produtos, podemos, de imediato, constatar que muito já evo-
lu í mos nos dois séculos, isto é, nos séculos em que a sociedade tem , — —
cativas da sociedade. E seu ponto de referê ncia independentemente
de qualquer interpreta çã o é o pensamento de Marx.
rapidamente, assumido sua forma hodierna de sociedade tecnolo- Se isto é verdadeiro, será sem d ú vida estimulante considerar esses
gicamente desenvolvida e em rá pidas modifica ções. Em primeiro problemas através de uma releitura dos textos marxianos em que a
lugar, a pedagogia (e repetiremos com Geymonat “queiram ou n ão ”) tem á tica pedagógica é, de fato, tratada de maneira ocasional em seus
desenvolveu-se, conquistando seu lugar entre as ciê ncias do homem. aspectos específicos, mas que, acima de tudo, est á colocada organica-
Em segundo lugar, ela realizou uma inegável revolu çã o “ coper- mente no contexto de uma cr í tica rigorosa das rela ções sociais.
nicana ” que pode ser considerada em alguns pontos essenciais. Tomou -se cuidado de realizá -la como uma leitura atenta dos textos

H
originais, desembara çando-se de quanto fosse alheio a ela e se
houvesse sedimentado como estereótipos ao longo de um século de
adesões e de controvérsias. ( Desta leitura j á fornecemos documenta-
ção que abrange os textos de Marx , os de Engels e os de Lê nin, bem
como das sucessivas experi ê ncias pedagógicas dos pa í ses socialistas.
Est á publicada nos tr ês volumes de II Marxismo e VEducazione,
editados entre 1964 e 1966 por Armando, Roma , e constitui a base
permanente deste livro.)
É o leitor que dirá se, apesar das lacunas e d ú vidas, conseguimos
realizar obra ú til, pelo menos para permitir futuras discussõ es.

M ário Aligbiero Manacorda


Roma, 26 de dezembro de 1966.

PRIMEIRA PARTE
A “pedagogia” marxiana

10
L Instruçã o e trabalho
Existe uma pedagogia marxiana ? Ou , em outras palavras, é pos-
——
s í vel localizar no interior do pensamento de Marx da sua an á lise,
interpreta çã o e perspectiva de transforma ção do real uma indi-
ca ção direta para elaborar uma tem á tica pedagógica distinta das
pedagogias do seu e do nosso tempo?
N ã o se trata de uma pergunta ret órica ou ociosa . Aconteceu , de
fato, que, em é pocas distanciadas entre si e com diferentes moti-
vações, se tenha dado resposta negativa a esta questão, em que pese
a presen ça ineg á vel , nos textos de Marx, de páginas dedicadas aos
problemas do ensino. Basta recordar, a t í tulo de exemplo, o que foi
.
afirmado, em outubro de 1920, por O Iu . Schmidt, durante as dis-
cussões que ent ã o se travavam na R ú ssia Sovi ética a respeito da
implanta ção da nova escola socialista:
“Sim , em Marx se encontra uma frase segundo a qual a
instru çã o profissional deve ceder lugar à instru çã o poli-
técnica, mas, mesmo supondo que, neste problema para ele

13
HM umUrio, Marx tenha cometido um erro, nem por isso realidade com as pró prias elucubra ções4.
diminuirá a sua celebridade ou a nossa admira çã o por ele”.1 Para Marx, sabe-se, o comunismo n ã o é um ideal ao qual a
realidade se deva conformar, mas sim “ o movimento real que sub-
Mesmo deixando de lado a evidente objeçã o ao dogmatismo,
verte o atual estado das coisas”; n ã o h á, portanto, nenhuma filosofia
reduzir esta tem ática em Marx a “ uma frase” e analisar esta “ frase”
abstrata nele. Mas ser á que isto exclui que se possa apresentar uma
como um erro acidental é, na realidade, apenas um equ í voco de
teoria marxiana da pessoa e, principalmente, uma an á lise marxiana
Schmidt e, para desmenti-lo, bastariam as centenas de pá ginas nas
da realidade pedagógica e de suas contradições, como aspecto daquela
quais aquela tese pedag ógica , expl í cita ou implicitamente, se justifica
an á lise do real por ele aprofundada sobre a economia como “ana-
e que foram , posteriormente, recolhidas e estudadas por muitos a ú-
tores2. Mas h á outras objeções mais sutis e de maior peso como, por
tomia da sociedade civil”? Ou , em suma, se n ã o se pode falar de uma
pedagogia marxiana, será que n ão se pode, pelo menos, falar de uma
exemplo, aquela introduzida a n í vel teó rico contra a pr ó pria hipó tese
dimensão pedagógica do marxismo?
de uma “ pedagogia ” marxiana por parte de quem sustenta que Marx,
que contra a Filosofia da Miséria, de Proudhon, escrevera a Miséria da Uma pesquisa filologicamente atenta às formula ções expl ícitas
de uma crí tica e de uma perspectiva pedagógica nos textos de Marx
Filosofia , “ teria tido uma atitude an á loga perante o problema peda-
gógico ” uma vez que “como a filosofia da misé ria mostra apenas a
misé ria da filosofia, assim a filosofia da aliena çã o mostra apenas a
— e nos de Engels, que são absolutamente insepará veis
sobretudo, a exist ê ncia de textos explicitamente pedagógicos que,
revela,—
sem serem numerosos, adquirem , no entanto, extraordin á rio relevo
inutilidade de uma pedagogia abstrata”.3
pela dupla circunstâ ncia de apresentarem , de novo e com coer ê ncia,
E, de fato, apresentando-se o marxismo em geral como des- no intervalo de mais de trinta anos, e de coincidirem com momentos
trui çã o de toda filosofia , n ã o pode com certeza ser reduzido a uma i ruciais tanto da sua investiga ção como da histó ria do movimento
filosofia abstrata, pois isto significaria degrad á -lo a uma “ideologia ”,
operá rio. Isto ocorre precisamente por ocasião da reda çã o de três
no duplo sentido que Marx dava a esta palavra, isto é, como atitude •
programas pol í ticos: a) para o primeiro movimento histó rico da
mental que surge numa sociedade dividida em classes, na qual a revolu ção que assumiu o nome de Partido Comunista, às vésperas
atividade espiritual se acha separada da atividade material, e como da revolu ção de 1848; b) para a I Associa çã o Internacional dos Traba-
ilusã o, que dela deriva, de conceber efetivamente alguma coisa sem lhadores, em 1866; c) para o Primeiro Partido Operá rio Unitá rio, na
conceber nada de real, ou a pretensã o, em suma , de amarrar a Alemanha , em 1875. Quase trinta anos no tempo, tr ês ocasiões politi-
iamente determinantes: o que é suficiente para considerar aqueles
breves enunciados como o resultado consciente e quase a quintes-
1 Citado por P . V. Rudncv , Iz Istorij Borby za Leninskij Prinzip Polilekbniceskogo
Obuizovanja ("Sobre a Hist ória da Luta Pelo Princ í pio Leninista da Instrução s ê ncia de uma pesquisa maior c obriga a procurar suas ra ízes em
Politécnica "), em V. I . Lenin i Problemy Narodnogo Obrazovdnja ( “V. 1. Lê nin outros textos pedagogicamente menos expl í citos, nos quais, no en-
.os Problemas da Instrução Pú blica ’ ), Moscou , 1961 , p. 256.
1

2 ^
Basta lembrar: Marx- Engels o Vospitanj i Obrazmuwij, sob a responsabilidade
da Academia das Ci ê ncias Pedagógicas, Moscou, 1957 , e a correspondente
edi çã o alemã Marx- Engels úber Erziehung und Bildung , Berlim 1960. Em 4 Para a noção de ideologia cm Marx poderiam ser citados numerosos textos
italiano, a primeira parte do vol. I da serie II Marxismo e PEducazione, por e acrescentadas outras considerações àquelas aqui sumariamente indicadas:
m t m organizada para o editor A . Armando ( Roma , 1964 ), apresenta co- basta recordar a crí tica a Hcgcl nos Manuscritos de 1844 (em especial a pá gina
ment á rios aos textos de Marx c Engels c, apesar do seu menor volume,
304), ou a crí tica a todo o pensamento alemão de sua época em A Ideologia
cont é m algumas páginas n ão inclu í das na edi çã o russa e na alemã . Alemã i(cm especial as págs. 22 a 451, nos Grundrisse (p. 82) nas Teorias Sobre
3 Armando Plebe, Existe Uma Pedagogia Marxista ?, em Riforma Delia Scuolla , 4, a Mais-Valia (p. 448 ), em 0 Capital ( passim) etc. (Citamos as traduções das
1965 , pp. 10- 11 . Edizioni Rinascita , Roma.)

14 15
tanto, se funda uma doutrina do homem que forma um só conjunto
com a perspectiva da emancipação do homem e da sociedade.

.
1 1847-48: Os Princípios do
Comunismo e o Manifesto
Cronologicamente, os primeiros textos que devemos examinar
r universalidade e à gratuidade do ensino . A elas, no entanto, é acres-
centada uma especificação (“em institutos nacionais”) que, pelo
menos na medida em que permitem supor formas coletivas não
apenas de ensino, mas també m de vida infantil, assume um certo
sabor socialista. Mas, tipicamente socialista é, aqui, aquela uniã o da
instru çã o e do trabalho de fá brica (se é assim exatamente que deva
ser entendido, como parece, o anglicismo ou francesismo Fabrika-
sã o, primordialmente, os Princípios do Comunismo, primeira vers ão tion ) , que Engels, aliás, n ã o inventa , mas acha já proclamada e
redigida em forma catequ í stica por Engels, em novembro de 1847, praticada pelos ut ó picos, em especial por Robert Owen . É claro que,
do que viria a ser o Manifesto do Partido Comunista, e, depois, o texto aqui , est ã o indicados dois momentos do processo educativo: o que
definitivo deste manifesto, redigido por Marx no m ês de janeiro de sc inicia logo que as crian ças podem prescindir dos cuidados mater-
1848. (Como veremos, ser á preciso considerar també m alguns apon- nos c, em seguida, aquele que está associado ao trabalho. Vale a pena,
tamentos, escritos com outra finalidade, justamente nos poucos dias pois, observar que, embora Engels defenda essa polí tica escolar de
transcorridos entre as reda ções desses dois textos principais.) medidas aptas a “garantir a existê ncia do proletariado ”, requer todas
No par á grafo 18 dos seus Princípioj5, Engels, ap ós ter afirmado, .is suas determinações, isto é, n ão apenas as medidas democr á ticas
em resposta a uma indaga çã o sobre o prov á vel desenvolvimento da referentes à universalidade e à gratuidade do ensino, mas també m
revolu çã o comunista, que o primeiro passo seria a instaura çã o de aquelas medidas socialistas referentes à uni ã o de ensino e trabalho
uma “constituição democrática ”, isto é, de um novo poder que per- que serã o destinadas a “ todas ” as crian ças e n ão apenas aos filhos
mitisse a adoçã o de medidas imediatas destinadas diretamente a dos prolet á rios. Pode-se concluir que se trata de medidas imediatas
atacar a propriedade privada e a garantir a exist ê ncia do proletariado, mas també m futuras, ou seja, que nã o constituem indica çã o peda-
relaciona , como a oitava dessas medidas , a seguinte: gógica contingente e limitada, mas permanente e com validade uni-
“ Instru çã o a todas as crianças, assim que possam prescin - versal. Nã o é sem motivos que Marx havia indicado na emancipa ção
do proletariado a emancipa çã o de toda a humanidade.
dir dos cuidados maternos, em institutos nacionais e a
expensas da na çã o. Instru çã o e trabalho de fá brica [ Fabrika- Mas será necessá rio ler outras páginas dos Princípios de Engels
tiori\ vinculados.” para captar as motiva ções dessa opçã o. No parágrafo 20, ao respon-
Estas propostas, como se vê, cont êm e absorvem , acima de tudo,
as reivindica çõ es tradicionais de car á ter iluminista- jacobino ou,
como se pode afirmar , genericamente democr á ticas, relativas à

der à indaga çã o sobre as consequ ê ncias da abolição da propriedade
privada portanto, sobre o tema central da perspectiva comunista
- Engels desenvolve um raciocí nio que assim pode ser resumido: 1)
4 grande ind ú stria, e com ela a agricultura , livre das pressões da

propriedade privada , terá enorme desenvolvimento e colocará à dis-


5 Cf. Karl Marx- Friedrich Engels, II Manifesto dei Partito Comunista, sob a posiçã o da sociedade uma massa de produtos suficientes para sa-
responsabilidade de Emma Cantimori Mezzomonti, Turim, Einaudi, 1948, mfazer as necessidades de todos; 2) isto tornar á “ supé rflua ” e
pp. 276-S0. Nã o deixa de ser curioso que a ú ltima frase “ instru ção c trabalho
de fabrica vinculados” tenha sido omitida, sem qualquer explicação, na " impossí vel ” a divisão da sociedade em classes, nascida da divisã o
edição russa a cargo de Rjaznov, em 1929 ( Marx- Engels Gesamlausgabe
Miga ). Este fato talvez possa ser relacionado às pol ê micas que então se tra
vavam na União Soviética entre os partidá rios e opositores do vínculo entre
—- do irabalho, pois, para desenvolver a ind ústria e a agricultura n ão
mail serão necessários homens subordinados a um só ramo da pro-
escola c fabrica. du çã o, que tenham desenvolvido apenas uma de suas aptid ões, mas

16
17
sim homens novos, que desenvolvam suas aptidões em todos os recuperação da unidade da sociedade humana em seu todo e da
sentidos . E continua: onilateralidade do homem singular, numa perspectiva que une, ain-
“A divis ão do trabalho, já minada pela m áquina, que da que num rá pido aceno, fins individuais e fins sociais, homem e
transforma um em camponês, outro em sapateiro, outro em «ociedade.
operá rio de fábrica , e ainda outro em especulador da bolsa , Esses Princípios de Engels, como afirmamos , datam de novembro
desaparecerá por completo.” de 1847 e preparam o Manifesto, escrito entre dezembro do mesmo
“O ensino permitirá aos jovens acompanhar o sistema ano e janeiro de 1848 . Marx , que se encontrou com Engels em Lon-
total de produção, colocando-os em condições de se alter- dres no perí odo de 29 de novembro a 8 de dezembro durante o II
narem de um ramo da produção a outro, segundo os motivos ( amgresso da Liga dos Comunistas (
onde recebeu o encargo defi-
postos pelas necessidades da sociedade ou por suas incli- nitivo de escrever o Manifesto ) certamente deve ter tomado conhe-
nações . Eliminará dos jovens aquele cará ter unilateral impos- i imento do texto do Princípios e com ele deve ter ficado por alguns

to a todo indiv í duo pela atual divisão do trabalho . Deste dias para propor a sua transforma ção de “catecismo” em “ manifes-
modo, a sociedade organizada pelo comunismo oferecerá aos n > ” . Mas, no breve lapso de tempo transcorrido entre essa sua tomada
seus membros a oportunidade de aplicar, de forma onilateral , dc conhecimento do texto de Engels e a reda ção definitiva do Manifes-
atitudes desenvolvidas onilateralmente. ” to, o que deve ter ocorrido na segunda metade do mesmo dezembro,
Por fim , citando entre os resultados principais da abolição da Marx faz na Uni ão dos Operá rios Alem ães, de Bruxelas, uma série
propriedade privada , ao lado do aumento da produ ção, o fim da de conferências, cujos textos foram publicados por ele, embora par-
11 .d mente, dois anos mais tarde sob o conhecido t í tulo de Trabalho
explora ção e a destrui ção das classes, conclui:
“O desenvolvimento onilateral das capacidades de todos Awalariado e Capital . Nas anotações de uma das ú ltimas dessas confe-
os membros da sociedade, mediante a eliminação da divisão
rê ncias6 (que permaneceram in éditas e que, encontradas numa pasta
« oin a indica ção aut ógrafa de “ dezembro de 1847”, foram publicadas
do trabalho até agora existente, mediante o ensino industrial
postumamente apenas em 1925), desenvolve uma tese sobre o “en-
[ ;industrielle], mediante o alternar-se das atividades... ”
sino industrial ”, que se apresenta em singular contraste com a de
Estão contidas aqui , embora num contexto fortemente marcado
Engels, da qual destaca o cará ter utó pico e reformista:
por reformismo e utopismo, que por ora podemos deixar de co-
“Outra proposta preferida pelos burgueses é o ensino
mentar, algumas implicações pedagógicas fundamentais , que vale a , em
pena destacar. O ensino, enquanto ensino “ industrial ”, isto é, união especial o ensino industrial [industrielle] universal . . .
de ensino e trabalho produtivo ou Fabrikation, que tem por método “O verdadeiro significado que o ensino recebeu entre os
um estágio inteiramente desenvolvido no sistema de produ ção, pro- economistas filantrópicos é este: treinar cada operá rio no
curará alcançar o fim educativo de evitar nos jovens toda unilate- maior nú mero possí vel de ramos de trabalho, de modo que,
ralidade e de estimular-lhes a onilateralidade, com o resultado prá tico se por introdu ção de novas m áquinas ou por mudan ças na
de torn á-los disponí veis para alternar a sua atividade de modo a divis ão do trabalho, ele vier a ser expulso de um oficio, possa
satisfazer tanto as exigências da sociedade quanto as suas inclinações mais facilmente achar coloca ção em outro . ”
pessoais. Na origem dessa opção pedagógica está a hipótese histó rica
da divisão do trabalho e da consequente divisão não apenas da so-
ciedade em classes, m s mbèm do próprio homem , encerrado como -
^ ^
está cada um em sua unilateralidade; está também a exigência da |
Cl Karl Marx Fricdrich Engels, Werke , Berlim, Dietz Verlag, 1959, vol. II,
> 545.

18 19
Se os dados são os que indicamos, Marx desmente aqui, direta- “Ensino p ú blico e gratuito a todas as crian ças. Abolição
mente, o cará ter socialista daquele ensino industrial universal, no do trabalho das crianças nas fá bricas em sua forma atual.
qual Engels via um meio para superar a divisão da sociedade em Unifica ção do ensino com a produ ção material [ mit der
classes e a unilateralidade do homem . Na verdade, podemos també m materiellen Produktion].”
supor que Marx tivesse escrito já h á tempos aquelas suas anota ções Ensino pú blico, ensino gratuito, ensino unido ao trabalho: a
destinadas às confer ências de dezembro de 1847 e por essa razão coincid ência dos dois textos, ou melhor, a substancial depend ê ncia
assim as indicasse em sua pasta e que, depois, vencido pelas teses de do texto de Marx, de janeiro de 1848, em relaçã o ao rascunho de
Engels, as tenha deixado de lado, sem nunca mais dar-lhes nova Engels, de novembro de 1847, salta aos olhos. No entanto, n ão faltam
.
reda ção e sem publicá-las Mas, mesmo desconsiderando o fato da diferen ças que estimulam reflexões. Não há d ú vidas, em primeiro
estranha coincid ê ncia de que dois amigos tivessem , um desconhecen- lugar, de que o texto de Marx é uma formulaçã o mais r á pida e
do o trabalho do outro, enfrentado na mesma época a mesma temá
tica com os mesmos termos, mas com solu ções opostas, é imposs ível
- adequada a um programa de partido: a fórmula “em institutos nacio-
nais e às expensas da naçã o” torna-se, mais concisamente, “ p ú blica
documentar que Marx tivesse colocado em d ú vida aquelas teses, e gratuita”; desaparece a indica çã o, supé rflua por ser indeterminada,
ainda mais se considerarmos que a interrupçã o da publica ção do quanto à idade em que começar o ensino e com ela a distin ção entre
Trabalho Assalariado e Capital, em 1849, ocorreu por dificuldades um poss ível momento de ensino apartado do trabalho e um momen-
objetivas de natureza pol í tica . O fato é que, ao redigir, naqueles dias, to a ele vinculado; no enunciado final o anglicismo (ou francesismo)
definitivamente o Manifesto, Marx não aceitou nem rejeitou, mas de Engels, Fabrikation , é substitu í do pelo termo mais germ â nico
simplesmente deixou de lado a tomada de posição de Engels no (embora també m de origem latina) materielle Produktion (e é difícil
conte ú do do parágrafo 20 (pluriprofissionalidade), enquanto clara- dizer se e quanto isto implica numa diferente nuance de significado).
mente considerou os breves enunciados do pará grafo 18 (v í nculo Mas, sobretudo, no texto de Marx h á um acréscimo que chama muito
ensino-trabalho). a aten ção: a demanda para abolição da atual forma de trabalho das
No Manifesto1, de fato, e deixando de lado, aqui, també m al- crian ças nas fá bricas. Um “ esquecimento” de Engels? Certamente,
gumas outras indica ções pedagógicas bastante interessantes, como a mas motivado por sua ut ó pica fé no automatismo da eficá cia trans-
agressiva pol ê mica contra hipotéticos interlocutores burgueses sobre formadora do moderno sistema de produ ção. E como n ão ver nesse
o tema da influ ê ncia da sociedade sobre o ensino, Marx formula, acréscimo de Marx a continuação impl ícita da sua polê mica contra
quase com as mesmas palavras do parágrafo 18 dos Princípios de o ensino “ industrial ” , proposta preferida dos burgueses? Em todo
Engels, a sua tese sobre o ensino. Na rela çã o de medidas imediatas caso, é compreens í vel que, após a exigê ncia da aboliçã o do trabalho
que o proletariado tomará após o primeiro passo, isto é, após a das crian ças nas fá bricas, mesmo que “sob sua forma atual ”, Marx
conquista da democracia, como medidas ainda insuficientes c in- prefira evitar no mesmo contexto o uso da expressão industrielle, que,
sustent áveis, mas ainda assim inevit áveis para revolucionar todo o sem aquela aboliçã o, n ão representa uma hipótese positiva. Parece,
modo de produ çã o (e confronte-se para todo esse contexto o discurso de qualquer modo, que se pode afirmar que Marx, ao aceitar o
de Engels sobre “constitui ção democrá tica ” etc.), cita, como ú ltima princí pio da uniã o do ensino ao trabalho material produtivo, exclui,
(d écima) medida, a seguinte: no entanto, qualquer instru çã o desenvolvida na fá brica capitalista , tal
como essa se apresenta, porque para ele a fá brica n ão é um sistema
7 Cf . KarI Marx- Fricdrich Engels, Manifesto del Partito Comunista, Piceola
que elimina a divisã o do trabalho, mas antes um sistema que unica-
Biblioteca Marxista, Roma , Edizioni Rinascita, 1948, cap. II. mente pela interven çã o pol í tica (que n ã o se reduz apenas às medidas

20 21
imediatas e “insuficientes ”) podci à, ao abolir seus aspectos mais econ ómica da sociabilidade do trabalho na condi çã o histórica da
.
alienantes , desenvolver um » lun çílo libertadora. alienaçã o humana ” , isto é, da propriedade privada . Retomando de
Nesse ponto, conclu ída esta breve an á lise filológica dos primei- Engels o leit-motiv do menosprezo aos economistas10 que concebem
ros textos expl í citos sobre o ensino, convé m dedicarmo-nos por um como eterno o que é um resultado hist órico e que, por isso, inves-
momento a situar no desenvolvimento do pensamento de Marx e tigam as motivações de um hipot é tico estado origin á rio fora da
Engels essas teses pedagógicas e suas motiva ções, isto é, a necessidade
de eliminar a propriedade privada , a divisão do trabalho, a explo-
ra çã o e a unilateralidade do homem , para atingir um pleno desen
volvimento das forças produtivas e a recupera çã o da onilateralidade.
- 10 Esta anotação dc Marx quanto aos economistas será uma constante do seu
pensamento. Nos Manuscritos de 1844 , a que já nos referimos, alem dc
-
acfmi los ironicamente como “o testemunho c a subsist ê ncia cient ífica" dos
Tais motiva ções aparecem em Marx e Engels desde o primeiro “empí ricos homens de negócios” ( p. 271 ), observa que “a economia pol í tica
momento em que eles iniciaram seus estudos de economia pol í tica. n ão compreende a essê ncia do movimento” c acrescenta: “evitemos trans -
ferir, como o foz o economista pol í tico quando quer explicar-se, a um
Encontramos essas motivações já naquele “genial esboço” de Engels, imagin á rio estado origin á rio. Tal estado origin á rio nada explica" (idem ,
que sã o os Umrisse eirter Kritik derpolitiseben Oekonomie, escritos entre p. 225). Repctidamente o comentá rio se reproduz, como, por exemplo, em Per
la Critica delTEconomia Política ( Roma, Ed . Riuniti, 1957 , p. 192), quando
o final do ano de 1843 e janeirode 1844. Ali , ao aplicar, pela primeira Marx diz que os economistas “anulam todas as diferen ças histó ricas e em
vez, à cr í tica da economia pol í tica o m étodo da dialé tica hegeliana 8, todas as formas de sociedade enxergam a sociedade burguesa” , nos Grundrisse
der Kritik derpolitiseben Oekonomie, isto c, nos comentá rios a O Capital, observa
ele coloca o tema de propriedade privada e da divisã o do trabalho que “os economistas burgueses se embaralham completamentc nas repre -
como causas da degrada çã o do homem , observando, entre outras sentações de um determinado per í odo hist ó rico dc desenvolvimento da
soeiiedade e que a necessidade de objetivaçõ es das pot ê ncias sociais do
coisas, que o operá rio, limitado a uma habilidade muito particular trabalho lhes aparece como insepará veis da necessidade dc alheamento dos
e impossibilitado de passar de uma ocupaçã o a outra mais moderna, .
mesmos frente ao trabalho produtivo” ( Grundnsse. ., Berlim , 1953, p. 716; cf
“somente pode viver se agregado a uma m á quina particular num -
também p. 26). Nas Teorias Sobre a Mais Valia , isto é, no primeiro volume dc
0 Capital a ser redigido mas ú ltimo a ser publicado, ele zomba igualmente
trabalho particular ”. da limitaçã o burguesa que “considera as formas capitalistas da produ ção
Marx desenvolve, depois, esse tema da divisã o do trabalho e da
propriedade privada (“ duas expressõ es id ê nticas”, como dirá depois)

com a sua forma absoluta ou seja, como as formas naturais, eternas da
produ çã o" ( Teoria da Mais-Valia , livro 4 de O Capital, vol. I , Roma, Editori
Riuniti , 1961 , p. 590) e, por outro lado, ironiza ainda a “ tend ê ncia a se
nos Manuscritos Económico- Filosóficos9 , de 1844, verdadeiro fundamen- aferrarem grosseiramente ao material empí rico" ( idem , p. 191) ou o foto de
que “o empirismo grosseiro se transforma numa folsa metafísica , em
to de toda a sua pesquisa ulterior. escolástica, que por meio dc simples abstra ções formais esforçam se por -
deduzir dirctamcntc os inegáveis fen ô menos empí ricos da lei geral ” ( ib.
A constatação de que a divisão do trabalho “enfraquece a ca- p. 87). E ainda pode ser lembrado o posf òcio á segunda edição dc O Capital,
pacidade de cada homem individualmente considerado” e comporta de 24 de janeiro de 1873, cm que Marx reitera que a economia polí tica,
“o debilitamento e empobrecimento da atividade individual ”, Marx enquanto burguesa c “concebendo o ordenamento capitalista , n ã o como
uma fose de desenvolvimento historicamente transit ó ria , mas exatamente ao
també m a encontra nos economistas, mas é dele a defini çã o hist órico- contrá rio, como forma absoluta c definitiva da produ çã o social , pode
dialé tica da divisã o do trabalho como nada mais que “a expressão -
manter se como ci ê ncia somente enquanto a luta de classes permanece
latente ou se manifesta apenas cm fen ô menos isolados” ( O Capital, I, Roma,
-
Editori Riuniti , 1964, p. 39). Em geral, pode sc dizer, a este propósito, que
a consci ência da historicidade das forma ções sociais 6 cm Marx o momento
preliminar e o pressuposto impl í cito de toda an á lise crí tica das estruturas
8 Cf. Werke, cit., vol. I, p. 520. Para usar aqui uma expressão marxiana dos existentes. Nesse sentido, Marx afirma, por sua vez, que n ão parte mais dos
Manoscriui dei 1844 (p. 291), Engels “permanece, ao menos virtualmcnte, conceitos, mas do concreto mais simples, que possui um cará ter ú nico c
todo envolvido pela lógica hegeliana”. ( Nos Manuscritos, a expressão se refere espec í fico, e que parte deste para as suas an á lises de uma determinada
a Bruno Bauer e a Strauss.) forma çã o ou estrutura econ ó mica (cf. Glosse a Wagner, cm Scritti hiedili dt
9 .
Karl Marx, Opere Eilosoficbe Giovanili, Roma , Ed . Rinascita, 1950, pp. 225-37 -
Economia Política , Roma, Editori Riuniti, 1963, pp. 175 78).

22 23
histó ria, declara querer partir do fato “económico, atual ” da alie- Estamos, evidentemente, na mesma tem á tica desenvolvida por
na çã o do operá rio no produto do seu trabalho, que é també m alie- Engels em 1847: Marx, ao fundamentar sua pesquisa, que deveria
naçã o no pró prio processo do trabalho e alienação do homem em consubstanciar-se em 0 Capital, lan çava, ao mesmo tempo, as bases
relação ao homem e à natureza humana. Dessa condição histórica para aquela prospectiva de educa ção que Engels pela primeira vez

do trabalho “alienado ” no qual a atividade humana, rebaixada de
fim a meio, de automanifesta ção a uma atividade completamente
tornará expl ícita. Em seu exato acerto de contas com o hegelianismo,
portanto, e no primeiro confronto direto com a economia pol í tica

estranha a si mesma, nega o próprio homem decorre uma situa ção
de “imoralidade, monstruosidade, hilotismo dos operá rios e dos
clássica (e “vulgar ”), é que se deve procurar as fontes, aqui apenas
delineadas dos princ í pios pedagógicos de Marx.
capitalistas”, pois o que em um é “atividade alienada ”, é “ estado de
alienação” no outro, e uma “ potê ncia desumana ” domina a ambos. 2. 1866-67: As Instruções aos Delegados e
Eis a í o homem unilateral, fruto da divisã o do trabalho, que depois
aparecerá no texto de Engels, de 1847. Poré m Marx , partindo dessa 0 Capital
análise do rebaixamento do homem , estende sua crítica a Hegel, do
qual, embora julgando positiva a concepção do homem como
produto do seu pró prio trabalho, critica a dialé tica abstrata e mis-
tificada. Hegel, de fato, na medida em que vê apenas o aspecto

Esta “grande ideia fundamental” como dir á Lênin da uniã o
do ensino com o trabalho produtivo, já parte integrante de um
programa comunista , posto em destaque desde o deflagrar da revolu-

positivo do trabalho, permanece no â mbito da economia pol í tica ção (que, se nã o facilitou a difusã o do Manifesto, acabaria por fazer
mas, na medida em que considera a alienaçã o apenas como alienação
(= manifesta çã o) do pensamento abstrato, reduz o movimento histó-
rico total a uma abstra çã o, tanto a alienaçã o quanto a sua supera çã o. voluntariamente mas de modo natural ; a açã o do homem se torna uma
pot ência a ele estranha , que o vence, o subjuga em vez de ser por ele
Para Marx, ao contrá rio, trata-se de superar a alienação concreta, a dominada” e “esta limitação do desenvolvimento consiste não apenas na
separaçã o entre o trabalho e a manifesta ção de si mesmo, produzida exclusã o de uma classe, mas na limitada capacidade da classe que exclui c o
‘desumano’ se manifesta igualmcnte na classe dominante”; os Grundrisse ,
historicamente pela divisã o do trabalho. Mais tarde dir á q ue a ver - onde se fala de “ uma pot ência estranha e dominante que se contrapõe ao
dadeira divisão do trabalho se apresenta como divisão entre trabalho trabalho” (p. 715). Quanto à divisão entre trabalho intelectual e manual
intelectual e trabalho manual e que na fá brica mecanizada o trabalho dcve-sc ver ainda A Ideologia Alemã: “a divisão do trabalho se torna uma
divisào real_ apenas
, no momento cm que interv é m uma divisão entre o
bra çal perde todo cará ter de especializa ção, mas que, no entanto, trabalho manual c o trabalho ‘mental’” ( p. 28). Alem disso , ainda mais Urde,
justamente quando cessa todo desenvolvimento especial, faz-se sentir -
nas Teorias da Mais Valia , Marx observará que “é exatamente o elemento
també m a tend ê ncia ao desenvolvimento onilateral do indiv í duo.
Para isso, no entanto, é necessá ria "a apropria ção por parte do
indiv íduo de uma totalidade de forças produtivas ”11.
c, conscqucntcmentc, os trabalhos
— —
caractcr ístico do modo de produ çã o capitalista separar os diversos trabalhos,
intelectuais c manuais ou seja , os

trabalhos nos quais prevalece um ou outro aspecto e de reparti los entre
diversas pessoas” (p. 611 ).
-
A exigê ncia de omlateralidade qu e nasce dessa diversidade é por completo
a pesquisa da quarta seçã o de 0 Capital , cm especial no capí tulo XIII,
“ Maquinaria e Grande Indústria", ondc Marx diz que “a grande ind ú stria, com
uas pr
suas strofes, faz com que o reconhecimento das variações do
prias catástrol
pró prias
11 Para todas as determinações aqui apresentadas , veja-se, sobretudo, os trabalho, e, daí , da maior versatilidade possí vel do operá rio (...) se torne uma
Manuscritos de 1844, cm especial, para o hilotismo dos operá rios e dos -
questão de vida ou morte. Torna se para ela uma quest ão de vida ou morte
capitalistas, a p. 242, para a atividade e o estado de alienaçã o a p. 237, para substituir aquela monstruosidade que é uma miserá vel população operá ria
a cr ítica a Hegel a p. 298. Para a potência desumana que domina a ambos, dispon í vel, mantida em reserva para a variável necessidade de exploração do
veja-se, alem dos Manuscritos, 0 Capital e A Ideologia Alemã (Roma, Editori capital , pela disponibilidade absoluta do homem para as variações das
Riuniti, 1958), onde se diz que “enquanto a atividade (...) c dividida n ão exigências do trabalho
tr ” ( 0 Capital, I, cit., p. 534 ).

24 25

i
do “ espectro ” comunista uma vital í ssima realidade do mundo mo- Segunda: educa çã o í f sica, dada nas escolas e através de
derno), seria desde entã o um ponto definitivo da pedagogia marxista. exercícios militares;
Cerca de vinte anos depois, esta seria não apenas acolhida, mas Terceira: adestramento tecnol ógico, que transmita os fun-
també m enriquecida e discutida com mais aprofundado conheci- damentos cient íficos gerais de todos os processos de
mento da realidade econô mico-social, num outro documento pol í ti- produ ção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o
co fundamental: as Instruções que, nos primeiros dias de setembro de adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os
1866, Marx entregará aos delegados do comit é provisório londrino instrumentos elementares de todos os ofícios.
do I Congresso da Associa ção Internacional dos Trabalhadores, em Com a divis ão das crianças e dos adolescentes dos 9 aos 17
Genebra . E essas Instruções s ão, como veremos, indissociá vejs da elabo- anos em três classes deveria estar vinculado um programa
ra çã o contemporâ nea de 0 Capital. gradual e progressivo de ensino intelectual, í f sico e
Nas Instruções12, Marx , tendo definido como progressiva e justa tecnológico...
(apesar da maneira horr í vel como se realiza) a tend ê ncia da ind ú stria A união do trabalho produtivo remunerado, ensino in-
moderna de fazer colaborar na produ çã o crian ças e adolescentes dos telectual, exerc í cio íf sico e adestramento polit écnico
dois sexos e tendo reforçado a tese de que, a partir de nove anos, toda elevará a classe operá ria acima das classes superiores e
crian ça deve-se tornar um operá rio produtivo e de que todo adulto médias”.
deve, segundo a lei geral da natureza, “ trabalhar não apenas com o Por sua subst â ncia, esse documento est á em rela çã o direta com
cé rebro, mas també m com as m ã os”, propõe subdividir as crian ças, o Manifesto , do qual, se eliminamos os elementos meramente demo-

— —
para fins de trabalho, em três classes ou grupos dos 9 aos 12, dos
13 aos 15 e dos 16 aos 17 com horá rios di á rios respectivamente de
crá ticos das instru çõ es (gratuidade e obrigatoriedade), explicita me-
lhor os elementos socialistas: aboli çã o da atual forma de trabalho
2, 4 e 6 horas. Portanto, ap ós ter acrescentado que o ensino pode das crian ças na fá brica e uni ã o do dois termos insepar á veis, ensino
começar antes do trabalho, mas que, para o momento, se trata de e trabalho produtivo. Quanto aos três momentos em que Marx
fixar as medidas absolutamente necessá rias, retoma o tema que já
hav íamos encontrado nos dois textos do per í odo 1847 1848 do - —— —
articula o ensino intelectual, í
lado, aqui, a parte da educação í

f sico, tecnol ógico deixando de
f sica (por certo, não secund á ria num
poder pol í tico democrá tico que deve servir aos fins imediatos do sistema que “despeda ça ” e “deforma ” fisicamente o operá rio, al é m
socialismo (“ isto apenas se pode atingir pela transforma çã o da razão de embrutecê-lo espiritualmente), deve-se observar principalmente
social em poder pol í tico (...) n ã o o poderemos fazer com qualquer que os outros dois momentos são considerados como duas coisas
outro m étodo a n ã o ser mediante leis impostas com a for ça do diferentes: o ensino tecnológico n ão absorve nem substitui a forma-
Estado”). Assim , seu discurso atinge, pela primeira vez , uma aut ê n- çã o intelectual. Esta ú ltima , por sua vez, n ã o acha especifica ções nesse
tica e pessoal definição do conte ú do pedagógico do ensino socialista: contexto como coisa que possa , num certo sentido, ser concebida
“ Por ensino entendemos três coisas: mais ou menos segundo m ódulos tradicionais; ao passo que o ensino
Primeira: ensino intelectual ; tecnológico aparece especificado com a indica ção do seu aspecto
teó rico ( mas n ão substitutivo de toda forma ção intelectual ) e prá tico,
um e outro abrangendo onilateralmente os fundamentos cient í ficos
12 -
K. Marx Friedrich Engels, Imtruklionen fuer dit Ddtgialai da Prwisoriscken de todos os processos de produ çã o e os aspectos prá ticos de todos os
Zenlralrata zu den àn zelnen Pragen , in Wcrke , Berlim , 1962, vol. XVI,
pp. 192-95. O texto completo est á traduzido em II Marxismo e VEducazione,
ofícios. A preocupa ção de Engels, em 1847, de fazer com que os
cit ., I, pp. 82 84.
- jovens percorressem “o sistema todo da produ ção” é, portanto,

26 27
retomado com tudo aquilo que se refere à liberta çã o do homem da 0 Capital certamente, n ão tem o objetivo imediatamente pro-
subordina çã o a um só ramo da produ ção e assim por diante. Mas o gramático dos textos até aqui examinados: mas as páginas sobre o
que importa notar, acima de tudo, é que, apesar do cará ter imediato «4
ensino nele contidas aproximam-se grandemente das precedentes e
que também nessa passagem se assinala a essas medidas e do fato de concluem , també m , se não com um verdadeiro e autê ntico programa ,
que no discurso que introduz essa tese se tivesse em considera çã o o pelo menos com um desejo e uma previsã o de luta , cujo tom n ã o
interesse da classe oper á ria, no entanto esse ensino é declarado vá lido est á longe de um programa.
para todas as crian ças, qualquer que seja a classe a que perten çam
Após haver recordado as cl á usulas sobre ensino da legisla ção
( toda criança sem distinção, escreve e sublinha Marx ), e sua validade inglesa sobre as fá bricas, que prevêem o ensino elementar como
universal é confirmada pela expl ícita afirma ção final de qu e esta condição obrigatória para admissã o de crian ças ao trabalho, Marx
elevar á a classe operá ria ( mas, dado que é para todos, pode-se en- comenta:
tender a futura humanidade trabalhadora) acima das classes privi- “Seu êxito demonstrou pela primeira vez a possibilidade
legiadas do mundo atual.
de vincular o ensino e a ginástica com o trabalho manual e
da í també m o trabalho manual com o ensino e a gin ástica ...
À leitura desse texto devemos imediatamente associar aquela de Do sistema de fá brica, como se pode verificar detalhadamente
outro texto fundamental de Marx , 0 Capital. Seria aqui tamb é m nos escritos de Robert Owen , nasceu o germe do ensino do
bastante ú til poder determinar com exatid ã o qual dos dois textos futuro que unirá para todas as crian ças al é m de uma certa idade
teria sido escrito antes, ou melhor, de que modo estão entrelaçados o trabalho produtivo com o ensino e a ginástica, n ã o apenas
e sobrepostos13. como m é todo para aumentar a produ çã o social , mas també m
como único método para produzir homens plenamente de-
senvolvidos.”
13 Talvez apenas uma an á lise paciente dos manuscritos niarxianos poderia
trazer alguma luz a esse respeito. Por enquanto fica pací fico que as Instruções A base técnica da grande ind ú stria, continua Marx , diferente-
foram escritas seguramente no final de agosto de 1866, como subs ídio aos mente daquelas do artesanato e da manufatura que a precederam , é
delegados ao Congresso Internacional , quando o livro I de 0 Capital, a
pertencem as páginas sobre o ensino a que nos referimos , já estava escrito
cjue uma base revolucion á ria, isto é, “a modern í ssima ciê ncia da tec-
em sua parte substancial e Marx estava empenhado em sua revisão e redação nologia ”, a qual elabora ou abandona com igual rapidez as formas
final , a ponto de ter renunciado justamente por este trabalho a participar dos processos de produ ção, ocasionando variações no trabalho e,
do Congresso da Internacional. Sabemos , de fato , que o manuscrito do livro
I de 0 Capital eslava terminado no final de 1865 c que Marx empregou em conseq ú entemente, mobilidade, ou seja , necessidade de deslocamen -
sua revisão os quinze meses que vã o de janeiro de 1866 a março de 1867; tos do operá rio a outros locais de trabalho. A essa cont í nua varia ção
uma primeira parte foi enviada por Marx ao editor alem ã o em novembro
de 1866, a ú ltima parte ele a levou pessoalmcnte cm meados de abril de 1867. se acrescenta a divisã o do trabalho que a fá brica herdou , exacerban-
Pois bem, agosto de 1866 , quando Marx escreveu as InUruf ôes, é justamente -
do a, dos modos de produ çã o precedentes; nela o oper á rio, tornado
o momento central desse longo per í odo de revisã o, c o cap í tulo que conté m
as páginas pedagógicas que estamos a examinar encontra-sc exatamente entre cada vez mais parcial, torna -se cada vez mais supé rfluo a toda va-
os cap í tulos centrais (o 13 ® dos 24 ) de 0 Gtpiõil. Poderia parecer justificado ria çã o da base t écnica da produ ção e fica exposto a perder com o
supor na falta de dados exatos de informa ção, que Marx se encontrasse a
rever justamente essas pá ginas de 0 Capital quando teve que se dispo r a _
escrever as Instruções , as quais assim dependeriam substancialmcntc de 0
Capital c estas seriam a redaçã o de certo modo definitiva porque tecnica - -
Internacional, tenha considerado oportuno inseri lo ex novo em 0 Capital,
mente mais determinadas. Mas como Marx , depois das Instruções , teve ainda -
retirando o dos seus apontamentos; caso em que se deveria considerar 0
alguns meses adicionais para rever 0 Capital, também n ão se pode excluir a Capital como o texto ú ltimo, o qual , al é m de todas as motivações de fundo,
priori que, tendo que tratar do tema do ensino para o Congresso da conté m as solu ções definitivas do ponto de vista t écnico.

28 29
velho meio de trabalho tamb é m toda possibilidade de trabalho e de
-
vida (pense se nos Umrisse de Engels, de 1843). Tanto mais, portanto,
se faz sentir, diz Marx , junto com o reconhecimento da varia çã o do
r necessidade, toda a çã o produtiva do corpo humano, n ã o obstante
a multiplicidade dos instrumentos adotados”. O manejo pr á tico dos
diferentes instrumentos de produ çã o, em 0 Capital, é, quase literal-
trabalho, a exigê ncia da versatilidade do operá rio, a necessidade de mente, a repeti çã o da fó rmula usada nas Instruções. Substancial mente
substituir uma popula çã o oper á ria (“unilateral ”) mantida em reserva id êntica e, finalmente, na sua diversa formulação, a avalia ção desse
para fazer frente às varia ções do trabalho, pela absoluta disponi- ensino como superior a todo tipo hist órico de ensino at é agora
bilidade do homem (“onilateral ”). E Marx conclui: existente, que colocará a classe oper á ria acima das classes dominantes
“ Um elemento desse processo de subversão, desenvolvido atuais { Instruções ) e produzirá homens plenamente desenvolvidos ( 0
espontaneamente sobre a base da grande ind ú stria, são as .
Capital) Ali ás, quando Marx fala, em 0 Capital, de um “ ú nico mé to-
escolas polit écnicas e de agronomia , um outro elemento são do” para produzir esses homens, ele exclui assaz decididamente a
as ecoles d’enseignement professionnel’, nas quais os filhos validade de qualquer outra forma hist ó rica de ensino, que nã o seja
dos operá rios recebem algum ensino de tecnologia e do aquela “do futuro”, associada ao trabalho produtivo .
manejo prá tico dos diferentes instrumentos de produ çã o. Se Mas se os dois textos apresentam t ão perfeitas coincid ê ncias, n ã o
a legisla çã o sobre as fá bricas, que é a primeira concessão faltam aqui, como em 1847, mesmo que o autor desta vez seja Marx,
arrancada, com muito esforço, do capital, combina com o .
algumas diferenças essenciais Inicialmente, a terminologia diferente:
trabalho de fá brica apenas o ensino elementar, n ã o h á d úvida
de que a inevitá vel conquista do poder polí tico por parte da
— —
nas Instruções, escritas por Marx em ingl ês, usa-se uma vez apenas,
como se viu o termo de instru çã o ou treinamento “ polit écnico”
classe operá ria conquistará tamb é m lugar nas escolas dos -
( politecbnical training ) , ao lado do mais frequente “ tecnológico” { tech
operá rios para o ensino tecnol ógico teórico e prá tico.” nological), para indicar o ensino na perspectiva do socialismo; em 0

— —
A substancial coincid ê ncia dos dois textos Instruções e 0 Capital
é evidente. Começa pela quest ã o do poder pol í tico, como condiçã o
Capital, o termo “ polit écnico” é, por sua vez, atribu í do apenas às
escolas historicamente existentes com este nome, nas quais se dever á
para colocar-se em prá tica a escola do futuro: a transforma çã o da reconhecer especialmente aquele ensino industrial “ universal ” que
razã o social em poder pol í tico e as leis gerais impostas com a for ça Marx tinha criticado, no distante ano de 1847, como n ão-essencial
do Estado, das Instruções, tornam-se, em 0 Capital, a inevitável con- .
para modificar a rela çã o de trabalho do operá rio Mas, al é m disso,
quista do poder polí tico por parte da classe oper á ria (vale a pena o ensino tecnológico, que é um dos elementos das escolas polit écnicas
reportar-se aos dois textos de Engels e de Marx , de 1847-48, onde a (e das profissionais e de agronomia) existentes, parcimoniosamente
quest ã o era colocada praticamente nos mesmos termos). Substancial- doados pelos burgueses aos filhos dos operá rios, é colocado nos dois
mente id ê ntica é tamb é m a definiçã o de ensino: “ tecnológico”, tanto textos como o centro pedagógico da escola do futuro. Ora, o termo
nas Instruções, como em 0 Capital, e apenas uma vez “ polit écnica ”, “ tecnologia ” ( mas nã o “ polit écnico”, parece-nos) est á freq úentemen-
nas Instruções. Os fundamentos cient í ficos gerais de todos os proces- te presente nos apontamentos que Marx estava tomando para a reda-
sos de produ çã o { Instruções ) tornam -se a “ modern í ssima ciê ncia da çã o de 0 Capital (os assim chamados Grundrisse derKritik derpolitiscben
tecnologia ” { 0 Capital) gra ças à qual “ as policr ônicas configura ções Oekonomie) , onde repetidamente se refere ao progresso da tec-
do processo de produ çã o, aparentemente livres de nexo recí proco e nologia enquanto aplica çã o das d ê ncias à produ çã o. De qualquer
estereotipado, decompuseram-se em aplica ções das ciê ncias naturais,
conscientemente planejadas ” e descobriram-se “ as poucas grandes
formas fundamentais” do movimento em que se desenvolve, por 14 Op. cit., pp. 587 e segs.

30 31
maneira, deixando de lado o problema da escolha definitiva do nome formaçã o intelectual enquanto tal , enquanto parte do processo geral
a dar à escola do futuro, “tecnologia ” indica o conteúdo pedagógico de ensino, em 0 Capital. É clarí ssimo que n ã o se trata de quest ã o de
presente, em medida limitada, já na escola “ politécnica ” doada pela pouca importância. Tem ou n ão tem direito de cidadania peda-
burguesia aos oper á rios. Mas , parece-nos, principalmente, que o gógica, para Marx, uma forma ção intelectual, diferente do ensino
“ politecnicismo” sublinha o tema da “disponibilidade” para os vá- tecnológico teó rico e prático? Tem ou n ã o tem direito de cidadania
rios trabalhos ou para as varia ções dos trabalhos, enquanto a “ tec- pedagógica uma cultura que n ã o seja aquela diretamente empenhada
nologia ” sublinha, com sua unidade de teoria e prá tica, o cará ter de em construir a base teórica e técnica do trabalho, ou seja, da atividade
totalidade ou onilateralidade do homem , n ã o mais dividido ou limi- mediante a qual os homens produzem as vá rias condições de exis-
tado apenas ao aspecto manual ou apenas ao aspecto intelectual t ência ? Por ora basta ter suscitado o problema , recordando apenas
( prático-teó rico) da atividade produtiva. O primeiro termo, ao pro- que n ã o se tem o direito de considerá-lo fictício e de abandon á-lo
por uma preparação pluriprofissional , contrapõe-se à divisão do tra- sem mais, se é verdade que, como foi competentemente observado
balho espec í fica da fá brica moderna; o segundo, ao prever uma por Delia Volpc16, quando Marx, numa outra famosa pá gina de 0
-
forma çã o unificadamente teó rica e prá tica, op õ e se à divisã o origin á-
ria entre trabalho intelectual e trabalho manual, que a fá brica mo-
Capital, defende a hipótese de um “ reino da liberdade” e, portanto,
do livre desenvolvimento cultural e espiritual dos indiv íduos fora
.
derna exacerba O primeiro destaca a ideia da multiplicidade da do trabalho, ele tenha se “esquecido ” do seu conceito origin á rio da
atividade (a respeito da qual Marx havia falado de uma sociedade liberdade inserida no trabalho e tenha cometido um crime “de lesa-
comunista na qual, por exemplo, os pintores seriam “ homens que filosofia e de leso-socialismo”. Aqui basta observar que Marx , em 0
também pintam )” 15; o segundo, a possibilidade de uma plena e total Capital, oscila, pelo menos na express ã o, entre duas diferentes ati-
manifestaçã o de si mesmo, independentemente das ocupa ções espe- tudes, quando algumas vezes fala da conquista do ensino tecnol ógico
cí ficas da pessoa . nas escolas “ dos operá rios ”, como se este ensino n ã o pudesse subs-
Outro problema permanece em aberto na diferen ça entre os dois tituir todo outro ensino e ser o ensino para todos; mas, numa outra
textos contemporâ neos, Instruções e 0 Capital, e nele at é dir íamos que vez, fala do bin ó mio trabalho-ensino (intelectual , í f sico, tecnol ó-
as Instruções representam o texto mais completo e, portanto, o mais gico?), como germe do ensino do futuro para todas as crian ças (e n ã o
recente e definitivo (mas restaria sempre a explicar por que Marx , no apenas para os filhos dos operá rios), como “ ú nico modo de produzir
curso do seu ulterior trabalho de revisã o de 0 Capital, n ã o tenha homens onilaterais ” (e vale a pena notar que este objetivo pedagógico
sentido a necessidade de a ele transferir o que de mais elaborado est á associado, como já em Engels em 1847, ao objetivo social do
havia expressado nas Instruções ). Nas Instruções n ã o apenas temos uma aumento da produ çã o).
mais clara articula çã o da rela çã o ensino-trabalho, pois os dois termos
se confrontam diretamente entre si , sem aquela esp écie de terceiro
16 Cf. La Liberíã Comunista , Milã o, Ediz. Avanti!, 1963, pp. 117 18. Certamente,
-
termo incó modo da gin á stica (que vem inclu í da à instru ção tecno- também ate tema mereceria daenvolvimento maior basta aqui observar
l ógica sob o t í tulo de ensino), mas també m encontramos sob este que, seja qual for o valor teó rico da observa ção de Delia Volpe, não se pode
t í tulo, junto com o ensino tecnol ógico e a educa çã o í por certo falar de um “esquecimento” de Marx, dado que o motivo da
f sica, em pri- redução da jornada de trabalho para a conquista de um apaço destinado a
meiro lugar, a forma çã o intelectual . No entanto, n ã o se fala da uma educação dos sera humanos é muito frequente em Marx c, portanto,
-
n ão pode ser damentido na sociedade socialista. Veja se, em particular, entre
as muitas passagens possíveis, a definiçã o do tempo livre como “tempo para
o ócio e para uma atividade mais elevada ” e a afirma ção de que “o trabalho
15 Cf L' Ideologia Tedcsat , cit ., p. 395. 4 -
n ão pode tomar se jogo, como quer Fourier", nos Grundríise , p. 599 . Mas
para isso cf. o “Apêndice” do presente volume.

32
33
Mas a coisa mais importante em 0 Capital, e que assinala a significa, se fosse necess á rio, que o lugar dessas teses “ pedagógicas”
diferen ça de método entre a atitude do per í odo 1847-48 e aquela de no marxismo n ão é, na realidade, nem marginal nem casual .
1866, é que as teses program áticas do partido operá rio aparecem aqui
simplesmente como desenvolvimento racional , volunt á rio e cons- Cumpre, portanto, situar melhor na biografia intelectual de
ciente de elementos “contradit ó rios” surgidos espontaneamente co - Marx essa “segunda fase” das suas teses pedagógicas, à semelhan ça
mo fatos “ naturais” no coração da sociedade burguesa. O programa do que tentamos fazer, de maneira rá pida, em rela ção à primeira.
prolet á rio apresenta-se, ao pê da letra, como nada mais do que o
“desenvolvimento das contradições” da forma existente da produ- Quando Engels em 1888, ao reler á Ideologia Alemã observava
ção: o que representa, diz Marx, “ a ú nica via histórica para a sua que a exposiçã o materialista da história nela contida “ prova apenas
dissolu çã o e transforma ção”. Que tal atitude não apenas comprome- quanto naquele tempo eram ainda incompletos os seus conhecimen-
ta toda a doutrina do materialismo histórico (divisã o do trabalho como tos da hist ó ria econ ó mica ” 18, tinha razão, no sentido de que os
meio historicamente necessá rio para o desenvolvimento das forças
produtivas, isto é, divisã o da sociedade em classes e divisão dos
homens entre si na produ ção das pr ó prias condições de vida, e de — —
termos do discurso deles na época propriedade privada, divisão do
trabalho, aliena ção apesar de partirem de um “ fato econ ómico
atual ”, embora já tivessem superado o cará ter emp í rico-metafísicos
cada homem singular, ou seja, forma ção de homens em si mesmos dos dados elevados a leis, pró prio aos economistas, permaneciam
divididos e unilaterais etc.), mas comprometa também toda a teoria ainda ao n ível das determina ções gen é ricas. Marx , afinal, embora
do movimento dialético do real (contraditoriedade do real, pois todo tivesse ante os olhos a atual sociedade capitalista e suas rela ções de
processo espont â neo e natural do desenvolvimento é ao mesmo tem - produ ção, ainda n ã o tinha elaborado nem os termos espec í ficos
po gerador de aspectos contraditó rios, negadores da positividade dessas rela çõ es, nem o m é todo da sua pesquisa . Tal elabora ção
preexistente a n í vel inferior, e portanto destinados a serem negados ocorrerá sobretudo a partir de 1857, quando começará a reda çã o das
através da exacerba ção das contradições ao antagonismo absoluto at é suas notas cr í ticas á economia pol í tica, isto é, de 0 Capital. Nesses
que esse pr ó prio desenvolvimento das forças produtivas, assim ob- anos, sobretudo com a introdu ção de 1857 e com todos os Grundrisse
tido, permita ao homem intervir de modo voluntá rio e consciente e inicialmente e posteriormente com o prefá cio de 1859 à Crítica da
reproduzir num n í vel superior a positividade origin á ria etc.), que
uma atitude assim comprometa , numa palavra, todo o marxismo

o dado e o processo, o sistema e o m é todo, si licet e que se apresente
— Economia Política 19, Marx fará a exposição mais sistem á tica da sua
teoria c do seu método de crí tica à economia pol í tica e à dialé tica
hegeliana, conte ú do dos Manuscritos de 1844. Em especial o cap í tulo
como um dos seus momentos-chaves, parece-me irrefut ável 17. Isto sobre o M étodo da Economia Política da introdu çã o de 1857 coloca

17 Continuo
— —
temerariamente! a usar estas definições tradicionais
(materialismo hist ó rico, dial é tica), apesar da desconfian ça que possa en
gendrar em muitos estudiosos c da nociva defesa que de costume se lhe possa
fazer, no sentido obviamente claro de Marx no prefácio de 1859 a Per Ia
- (Roma, Edizioni Rinascita , 1954), cm especial o capitulo 3, II Método
deWEconomia Política (pp. 36-50) c passim em todos os Grundrisse , cit., dos
quais aquela introdu ção é parte e que ainda n ã o est ão traduzidos ao italiano;
-
Critica deinUonomia Política ( Roma, Editori Riuniti, 1958, pp. 10 12), isto cr. e ainda as Glosse a Wagner, já citada na nota 10. Sem contar que dos
a) que a base da sociedade é constitu ída por relações de produ ção historica- Manuscritos de 1844 a 0 Capital e aos respectivos prefácios e posfacios não
mente determinadas, c b) que o ulterior movimento do real é determinado faltam outros pontos de refer ê ncia , bem conhecidos pelos leitores de Marx
pela exacerbação da contradição entre estas relações e as forças produtivas 18 Em Ludovico Feuerbacb e il Punlo d’Approdo delia Filosofia Classica Tedesca ,
nelas desenvolvidas. Talvez se pudesse engendrar uma menor suspeita Roma , Edizioni Rinascita, 1950, pp. 8-9.
-
reportando nos simplesmente ao “m étodo anal í tico ” que Marx define ex - 19 Cf. nota 17.
plicitamente em 1857, na Introduzione alta Critica deli’Economia Poliltca

34 35
como cientificamente correto partir n ão do real ou concreto repre- mercadoria, o valor de uso e o valor de troca, o dinheiro, o capital
sentado (população etc.) para chegar através de abstra ções cada vez etc.) e gra ças às quais a definiçã o que aparece em 0 Capital de “ uma
mais sutis às determinações mais simples (divisão do trabalho, valor formaçã o social na qual o processo de produ ção domina os homens ”,
etc.), mas sim partir do abstrato, ou seja, dessas categorias simples, muito semelhante a outras de 1844, adquirirá um significado con-
para atingir o concreto, desde que sempre esse concreto, isto è, a creto e um tanto diverso. Desse modo, em 0 Capital n ã o encon -
determinada situação hist órica (a sociedade), seja o pressuposto da- traremos apenas a divisão do trabalho em geral, como em 1844, mas
quele processo de abstra ção realizado no pensamento. também com sua forma especificamente desenvolvida. Ela se define
através do estudo histórico-l ógico das formas sucessivas da produ çã o
Tomemos o conceito de “ trabalho”. O trabalho, diz Marx em moderna: da coopera ção planificada, que despoja o operá rio dos
1857, parece “ uma categoria totalmente simples ” e como represen- limites individuais e desenvolve a faculdade da espécie; à manufatura,
ta çã o de trabalho em geral ê muito antiga, aliás a “mais simples e que, ao reproduzir dentro da oficina a divisão do trabalho existente
antiga rela çã o em que os homens aparecem como produtores”; no na sociedade, gera o virtuosismo do operá rio parcial, a especializa ção
entanto, apenas na forma de exist ê ncia moderna, quando se apresen- totalmente unilateral, a limitaçã o dos indiv íduos a esferas profis-
ta como indiferen ça em rela çã o a um trabalho determinado, como sionais e particulares; à grande ind ú stria, que reproduz de maneira
facilidade de passagem de um trabalho a outro, como meio geral de ainda mais monstruosa a divisã o do trabalho da manufatura; à sua
criar riqueza, e n ão como “ destino particular do indiv í duo”, è que forma capitalista moderna, onde os operá rios, enquanto operá rio
se torna, pela primeira vez, “ praticamente verdadeira ”, uma categoria coletivo articulado ou corpo produtivo social, n ão mais sã o o sujeito
tã o moderna quanto as rela ções que a produzem : as abstra ções mais dominante, mas são reduzidos a objeto, parcela de um autómato
gerais, de fato, “surgem apenas onde se dá o mais rico desenvolvimen- composto de órgãos mecânicos e de ó rgãos inteligentes, e a ciência
to do concreto”. Muito bem , em confronto com tal concepçã o, o como total mente separada deles. É através do estudo hist ó rico-l ógico
trabalho “ alienado” de 1844, apesar do valor de intui çã o que con-
diciona a posterior pesquisa marxiana , permanece sem aquelas indi-

dessa especí fica divisão do trabalho e como vimos de um proces- —
so que se desenvolve espontaneamente no seu interior, que se reco-
loca, nesse ponto da pesquisa de Marx, o tema pedagógico da uni ã o
ca ções que o fazem espec í fico da sociedade capitalista 20. Nele faltam
todas as condi ções espec íficas que o tornam em 0 Capital "mais- de ensino e trabalho produtivo. E já que, por um lado, como Marx
trabalho” produtor de mais-valia, falta a determina çã o daquelas cate- escrevia em 1857, “o sujeito real permanece, antes ou depois, firme
gorias e abstrações simples determinantes, por cujo estudo Marx em sua independ ê ncia fora da mente, at é que, pelo menos, o cé rebro
considerará necessá rio começar a sua crítica da economia pol ítica (a se comporte apenas especulativamente” 21 , mas, por outro lado, para
ele n ã o se trata apenas de interpretar o mundo, mas sim de trans
form á-lo, portanto ele coordena imediatamente à constata çã o do
-
20 Nesta pesquisa , isto se apresenta gradativamente n ão apenas como trabalho processo natural e espont â neo o motivo da interven çã o voluntá ria e
coagulado, ou acumulado, ou objetivado (frente ao trabalho vivo, ou consciente (quantas vezes estes termos sã o contextualmente usados
-
capacidade trabalhadora ou força trabalho) , mas també m como trabalhoque
e contrapostos em Marx!), destinado a fazer explodir a contradição
remgressa num dado nexo social (frente ao trabalho como intercâmbio
seja

origin á rio entre homem e natureza), como forma burguesa de trabalho, ou
c eis a categoria mais simples no mais rico desenvolvimento do — neste caso, entre condi ção operá ria e exigê ncia objetiva de homens
concreto
— como trabalho em geral ou abstrato, fonte de valor de troca
(frente ao trabalho real ou concreto, fonte de valor de uso) c como trabalho
produtivo de capital, ou, em resumo, como trabalho assalariado, nãcxapital 21 Para introdução aos Grundrisse, cf. a tradução italiana, Inlrodunonealia Critica
-
oposto ao capital que c não trabalho etc deli' Economia Política, cit., p. 39.

36 37

onilaterais e a passar da realidade de um desenvolvimento pro-
dutivo, que existe apenas na contradi çã o, à possibilidade de eliminar
essa contradi ção22.
“ Ensino geral obrigat ório, instru çã o gratuita ” ... “O pa-
rá grafo sobre as escolas deveria, pelo menos, pretender escolas
t écnicas (teó ricas e pr á ticas) em uniã o com a escola popular
[Volksschule] ...
.
3 1875: a Crítica ao Programa “ Proibição [geral] do trabalho das crian ças ... Sua efeti-

de Gotha va ção— se fosse possí vel — seria reacion á ria porque, ao


regulamentar severamente a duração do trabalho segundo as
O exame das passagens expl ícitas sobre o ensino pode, neste vá rias idades e ao tomar outras medidas preventivas para a
ponto, concluir-se com outro texto program á tico fundamental: as proteçã o das crian ças, o v í nculo precoce entre o trabalho
Notas à Margem ao Programa do Partido Operário Alemão, mais co- produtivo e o ensino é um dos mais potentes meios de
nhecido como Crítica ao Programa de Gotha, de 187523 . transformação da sociedade atual.”
Após quase dez anos dos textos precedentes e ap ós quase trinta Estas afirma ções, t ã o pol ê micas em rela ção ao projeto do pro-
do Manifesto , ao interferir pela terceira vez na reda ção de um pro- grama do Partido Operá rio Alem ã o, tornam a confirmar, ainda uma
vez, os temas fundamentais da “ pedagogia ” marxiana: a uniã o de
grama pol í tico de partido, Marx, entre outras observa ções de relevo
ensino e trabalho produtivo para as crian ças, desde que previamente
que, aqui , devemos passar por alto (gratuidade e obrigatoriedade;
rela ção entre escola, Estado e Igreja), examina as formula ções propos- abolido o que, no Manifesto, era chamada a sua forma atual; a exigê n-
tas pelo programa de unifica çã o dos dois partidos operá rios alem ã es
cia de escolas “ técnicas” que com seu duplo conte ú do teó rico e
prá tico (e apesar do abandono daquelas mais significativas definições
e assim comenta:
como “ politécnicas” ou “tecnol ógicas”, por n ós já discutidas) repre-
“Educa çã o popular [ ou ensino elementar: Volkserziebung]
senta a mesma educação do futuro desejada nas Instruções e em 0
igual para todos ? O que se quer dizer com essas palavras ? Capital
Acredita-se, talvez, que na sociedade atual (e apenas desta se
trata) o ensino possa ser igual para todas as classes? Ou , entã o,
Poré m , mais importante aparece o fato de que aquela anota ção
pretende-se que as classes superiores devam ficar coativamente restritiva, que em 0 Capital parecia atribuir o ensino tecnológico

compat í vel

limitadas à quele pouco de ensino a escola popular ú nica
com as condições econ ómicas, tanto dos traba-
lhadores assalariados quanto dos camponeses ?...
— apenas às escolas para os operá rios, parece aqui reafirmada pela
decidida recusa de uma educação igual para todas as classes, pelo
menos como objetivo a ser imediatamente realizado na sociedade
atual , burguesa , “ e apenas dela se trata ”, o ensino n ão pode ser de
repente transmitido igual a todas as classes, sem o risco, evidente-
mente, de um rebaixamento de n í vel, como hoje se diz. Isto significa
22 Considere o que Marx escreve nos Grundriae (cit. p. 77): “uma massa de
formas contraditó rias da unidade social , cujo cará ter contradit ó rio, no
també m confirmar a aut ónoma validade daquela forma çã o intelec
tual que nas Instruções de 1866 era primeiramente colocada como
-
entanto , não se pode mais fazer saltar pelos ares mediante uma tranaiiila
metamorfose. Por outro lado, se n ã o encontrássemos ocultas na realidade, componente do ensino sem adjetivos. No entanto, justamente pelas
como estão, as condições materiais de produção e as relações de tráfico aspas “ na sociedade atual ” reconfirma-se indiretamente que na socie-
(Vrrkehwerhaeltnisse) correspondentes a uma sociedade sem classes, todas as dade do futuro será diferente: n ã o é à toa que o v í nculo ensino-traba-
-
tentativas de fàzê las saltar pelos ares seriam quixotescas ”.
lho (que segundo as Instruções de 1866, por compreender tamb é m a
23 -
In Marx Engels , II Partilo e 1’lnlemazionale , Roma , Edizioni Rinascita, 1948,
-
pp. 242 44. forma ção intelectual , era tal que permitiria “ elevar a classe oper á ria

IH 39
muito acima das classes superiores e m édias”) aparece aqui for- Russo (bolchevique), em mar ço de 1919, de uma escola politécnica
mulado como “ um dos mais potentes meios de transforma çã o da “que fa ça conhecer, em teoria e na prá tica , todos os principais ramos
sociedade atual”. O problema do conteú do desse ensino em sua da produ ção” e que esteja fundamentada sobre o “estreito v í nculo
totalidade, que as Instruções de 1866 articulavam em intelectual, í
f sico entre o ensino e o trabalho produtivo dos alunos ” 25.
e tecnológico, permanece ainda indeterminado; tema permanente de Finalmente, em 1920 (em Esquerdismo, Doença Infantil do Comu-
pesquisa para o estudioso da pedagogia sensível às solicita ções do nismo), ao traçar a perspectiva comunista, reafirmava que “ se passará
real. à supressão da divisã o do trabalho entre os homens, à educa ção,
ensino, preparaçã o de homens onilateralmente aptos, capazes de
4. Lênin “discípulo” de Marx tudo fazer ” 26. Nã o seria possí vel retomar com maior essencialidade

Essas teses pedagógicas não exerceram influ ê ncia direta sobre o


pensamento pedagógico moderno e sobre a organizaçã o das insti - 25 Cf. Lê nin , La Rivoluzione d’0liobre, “Sul Progetto di Rielaborazione del
-
Programma ”, Roma, Edizioni Rinascita, 2*. cd . , 1956, pp. 111 12. Remonta
tui ções escolares at é o momento da sua retomada por parte de Lê nin exatamente a Lênin, na passagem citada, a escolha do termo “ polit écnico”
e da sua admissã o como base do sistema escolar do primeiro Estado em vez de “ tecnológico para o ensino na perspectiva do socialismo (Cf .
socialista. atrás , nas páginas 30 e 31 ). Foi precisamente a sua autoridade que, posterior -
Lê nin, efetivamente, foi o primeiro e o ú nico a retomar essa
an á lise marxiana , em especial em dois momentos da sua vida: uma — —
mente, determinou o uso constante de “polit écnico” n ão só na terminologia
pedagógica de todos os paises socialistas , mas també m o que ê filologica-
mente incorreto cm todas as tradu ções oficiais dos textos marxianos em
russo e, da í , em todas as demais l í nguas. També m quando Marx escreveu ou
primeira vez durante a extraordin á ria fase intelectual de sua juven- falou em ingl ês, como nas suas interven ções na Internacional (Cf às págs,
tude, na polê mica contra os populistas, e uma segunda vez no mo- 25 e 26 as Instrução aos delegados e, depois, as págs 86 e 88, em sua
interven ção sobre L’/ stnaioni nella Socielà Moderna ) , cm que foi traduzido
mento da tomada de poder pelos bolchevistas. Vale a pena recordar em “seu ” alem ã o, lechnologicalporpolyUchmscb. També m , afinal , quando varia
brevemente as suas indica ções como conclusã o deste primeiro exame os termos, alternando tecknologicale tecbnicaI para distinguir conscientemente
das orienta ções marxianas . -
a escola socialista da burguesa , traduzem lhe sempre porpolyteclmiscb, criando
inevitavelmente bastante confusão. (Assim , na parte II, pará grafos 2- c 3® da
Em 1897, ao criticar as propostas ut ó picas de reforma do ensino citada interven ção, L'Islruzione nella Socielà Moderna, ás págs. 92 e 93). É
apresentadas por Jugiakov, indicava que a ú nica id éia justa contida
nelas era a já exposta pelos “ grandes ut ó picos do passado” (que era
como, por razões de censura , devia chamar Marx): “ que n ã o se pode

desnecessá rio repetir aqui , quanto de import â ncia se deva atribuir à escolha
de uma palavra. À parte a responsabilidade” de Lê nin , que repitamos
foi o primeiro, c por longo tempo o ú nico, a compreender c relan çar aquelas
teses marxianas, parece que a ênfase tecnicista, quer dizer aquele risco de o
ensino socialista decair a esse ensino “ industrial universal (ou , como se

conceber o ideal de uma sociedade futura sem unir ensino a trabalho deveria dizer hoje, “ polivalente” que, com ou sem razã o, muitos creem
produtivo das jovens gera ções”. E acrescentava: “ Nem o ensino iso- divisar) , tem naquela escolha filológica, se n ão a sua origem , pelo menos um
ind ício. (Mas, para isto, cf. també m algumas breves indicações adiante, na
lado do trabalho produtivo, nem o trabalho produtivo isolado do pág. 96.)
ensino poderiam pôr-se á altura do atual n í vel da t écnica e do pre- Consideramos, por outro lado, nosso dever acrescentar, aqui , que a tradu ção
.
sente estado de conhecimento cient í fico"24 Vinte anos mais tarde,
das Istruzioni ai Delegati no citado volume ll Marxismo e iEducazione (I , pp.
-
82 84), feita a partir do texto alemão, usa sempre o termo “ polit écnico" at é
em 1917, formulava a opção program á tica que ser á mais tarde apro- onde deveria dizer “ tecnológico", isto é, cm todos os casos exceto um .
vada pelo VIII Congresso do Partido Oper á rio Social -Democr á tico
Pedimos desculpas aos eventuais leitores daquele volume. Atualmcntc, dis
pomos afinal do original inglês, The General Council of ibe First International,
-
1868-70, Minutes, Moscou, Progress Publishers, s. d . (1864 ?), sob respon
sabilidade do Instituto Para o Marxismo-Leninismo.
-
24 Cf Lê nin , Perle delia Progettomania Populista , in Opere , Roma, Edizioni 26 Cf Lênin, VEstremismo, Malattia InfantiU del Comunismo , Roma, Edizioni
Rinascita , 1954, vol. II, p. 466. Rinascita, 1956, p. 49.

40 41
e rigor os termos pedagógicos marxianos, na perspectiva mais geral
da emancipa çã o do homem . E o próprio Marx j á n ã o tinha estupen -
damente retomado aquela perspectiva, reinserindo os termos t í picos
da sua “ pedagogia ” e “antropologia ”, na citada Crítica ao Programa
de Coíba? “ Numa fase mais elevada da sociedade comunista, depois
de desaparecida a subordina ção servil dos indiv íduos à divis ã o do
trabalho, e, portanto, também o contraste entre trabalho intelectual
eíf sico; depois que o trabalho se tenha tornado n ã o apenas meio de
vida, mas tamb é m a primeira necessidade da vida; depois que, com
o desenvolvimento onilateral dos indiv í duos, tenham crescido tam -
bé m as for ças produtivas e todas fontes da riqueza fluam em toda a
plenitude, somente ent ã o o estreito horizonte jur ídico burgu ês pode
ser superado e a sociedade poderá escrever sobre a sua bandeira : de
cada um , segundo a sua capacidade; a cada um , segundo as suas
necessidades!”27

II. 0 que é o trabalho?


O trabalho ocupa um lugar central na proposta pedagógica mar -

xiana e, como no que se refere especificamente à pedagogia é —
possível, talvez, com ou sem raz ã o, iludir-se de que se sabe o que é
ou possa ser ensino, é, no entanto, mais difícil ter ou acreditar ter
uma id éia precisa sobre o que seja o trabalho, apesar da secular
experiê ncia que dele se tem e, como, acima de tudo, n ão parece que
o conceito preciso de Marx sobre o trabalho tenha sido compreen-
dido por muitos, eis que compreender o que propriamente seja esse
trabalho torna -se pressuposto para toda justa interpretação e colo-
ca ção hist ó rica da sua proposta .

27 Cf. Critica al Ibogramma di Gotba , cit., p. 232.

42 43
1. Trabalho: uma expressão negativa trabalho é o homem que se perdeu a si mesmo”2.
É verdade que, ao discutir tal rela çã o, Marx emprega, à s vezes,
Contrariamente, talvez, às expectativas do marxista ingénuo e també m o termo “ trabalho” junto ao de “vida produtiva ” ou “ ati-
apesar da convicção comum aos n ã o-marxistas e aos antimarxistas, vidade vital humana ”, mas, em geral , exatamente o faz para espe-
a expressão “ trabalho”, tanto significando atividade do trabalhador cificar que essa atividade, que como atividade livre consciente é o
quanto indicando o produto dessa atividade, n ão goza, como se diria, cará ter espec ífico do homem , se encontra, nas condições da eco-
de boa reputa çã o nos escritos marxianos e n ão h á , ou pelo menos nomia pol í tica, degradada a “ meio para a satisfa çã o de uma neces-
nem sempre, nem automaticamente, um significado positivo em sidade”3.
Marx, que at é reprovou a Hegel por só ver-lhe o aspecto positivo. Até aqui acompanhamos Marx em seu primeiro texto orgâ nico,

Desde o in ício e veja-se, a propósito, os Manuscritos de 1844, nos

quais est á contida essa cr í tica a Hegel 1 “trabalho” é, em Marx,
embora jamais terminado, sobre economia pol í tica. Mas essa con
cepçã o de trabalho como trabalho estranho ou alienado n ã o é ex-
-
termo historicamente determinado, que indica a condi çã o da ativi- / clusiva desse texto.
dade humana no que denomina “economia pol í tica ”, ou seja, a Nos anos imediatamente posteriores, Marx retoma esses temas
sociedade fundada sobre a propriedade privada dos meios de produ- em A Ideologia Alemã, de 1845-46, em parte com os mesmos termos,
çã o e a teoria ou ideologia que a expressa.
Na condição descrita pela economia pol í tica, o trabalho, en-
quanto exatamente princí pio da economia pol í tica, é a ess ência sub-
jetiva da propriedade privada e est á frente ao trabalhador como
— —
em parte com termos novos, mas, sempre exatamente com a mesma
concepção. “O trabalho” escreve ele “ é aqui , ainda uma vez, a
coisa principal , o poder acima dos indiv íduos”: obviamente, nas
condições historicamente determinadas da divisã o do trabalho, que
propriedade alheia, a ele estranha e é prejudicial e nocivo a ele; ainda é “expressão id ê ntica ” a propriedade privada , e sempre nas condiçõ es
mais, sua pró pria realiza ção aparece como “ priva çã o” do operá rio, descritas pela economia polí tica . O trabalho, acrescentará , recolocan-
pois na medida em que a economia pol í tica oculta a aliena ção que do, como já o fizera nos Manuscritos de 1844, o processo hist órico da
está na essência do trabalho, a pró pria rela ção da propriedade privada aliena çã o, perdeu toda apar ê ncia de “ manifesta çã o pessoal ”
conté m o produzir-se da atividade humana como trabalho e, portan - ( Selbstbetaetigung ) e, agora, ê a ú nica forma poss í vel, embora negativa,
to, como uma atividade humana completamente estranha a si mes- da manifestaçã o pessoal. O trabalho “subsume” os indiv í duos sob
ma , completamente estranha ao homem e á natureza e, assim , à uma determinada classe social, predestina-os, desse modo, de “in-
consciê ncia e à vida . E este trabalho, na medida em que é historica- div íduos” a "membros de uma classe”: uma condiçã o que apenas
mente determinado, è por isso a ú nica forma de trabalho existente, poderá ser eliminada através da superação da propriedade privada e
do pró prio trabalho. E a perempt ória conclusã o da pesquisa contida

— —
pois toda atividade humana tem sido at é agora trabalho e, portanto,
ind ú stria, atividade alienada de si mesma e constitui como Marx
objeta a Hegel o “devir por si do homem na aliena çã o ou como
homem alienado". E Marx acaba resumindo essa determina çã o do
na primeira parte dcA Ideologia Alemã é an á loga à quela que encerra
os Manuscritos de 1844: os prolet á rios, “ para afirmarem -se pessoal-

trabalho, na qual a manifesta çã o de vida é essa mesma expropria ção


de vida, através da formula çã o, perempt ó ria e inequ í voca, de que “o 2 Ibid „ pp. 251, 265, 285, 183, 187, 226, 227, 242, 298, 261, 241.
3 Ibid ., pp. 230 e 231. Cf., poré m, a p. 268: “Mas, já que, para o homem
socialista, toda a assim chamada histó ria universal nada mais c que a criação
do homem pelo trabalho humano, o devir da natureza pelo homem ...", onde
trabalho é entendido cm sua acepção positiva. Mas disso falaremos mais
1 Manoscritti del 1844 , cit., p. 298. adiante.

44 45
mente (ou como pessoas), devem abolir a pró pria condiçã o de exis- supressã o do trabalho assalariado, isto é, da forma de trabalho exis-
t ê ncia tal como tê m se apresentado at é hoje, que é, ao mesmo tempo, tente, ou, em outras palavras, supressã o daquela figura social par -

a condiçã o de existê ncia de toda a sociedade até hoje o trabalho”4
Abolir o trabalho, isto é, a atividade humana como tem sido at é hoje
.
.
ticular, produto da história humana que é o trabalhador assalariado,
que, afinal de contas, é tudo quanto Marx dizia desde os seus pri-
É importante que, sobretudo, se destaque que o produzir-se da meiros encontros com esses problemas e repetia, depois, no Manifesto ,
atividade humana como trabalho (alienado) é um resultado his- ao advertir que na revolu ção social os prolet á rios nada t ê m a perder,
.
t ó rico, devido à divisão origin á ria do trabalho É bem coerente que .1 n ão ser suas cadeias6. Nesse sentido, Marx tinha razão em constatar
a pesquisa histórica ou pré- histórica n ã o tenha tido em Marx um já nos Manuscritos de 1844 que ter convertido, como havia feito, “a
desenvolvimento excessivo, evitando, assim , as abstra ções naturalis- quest ã o da origem da propriedade privada na da rela ção do trabalho
tas e jusnaturalistas; as alusões de Marx s ão, aqui, bastante indeter- expropriado com o processo de desenvolvimento (histórico) da hu-
minadas, limitando-se a anotar que se desenvolve “assim ” a divisão manidade” tinha sido um passo decisivo para a solu çã o do problema
do trabalho, que em sua origem nada mais era que a divisã o no ato da aliena ção do trabalho7.
sexual , ( depois a divisã o do trabalho que se produz espont â nea ou
naturalmente em virtude da disposi çã o natural ( por exemplo, a força 2. A atividade vital ou manifestação
íf sica), da necessidade, do acaso. Ora , exatamente no momento em
que a atividade vital humana, do homem como “ser gen é rico ”, do
de si mesmo
gênero humano em seu conjunto, se apresenta dividida e dominada
pela espontaneidade, pela naturalidade e pela casualidade, todo ho-
mem , subsumido pela divisão do trabalho aparece unilateral e in-

Com inten ção polê mica, mas també m cremos com verdade,—
temos, desde o in ício, destacado o cará ter negativo do trabalho Mas, .
tomo já vimos, justamente porque é forma histórica da atividade
.
completo Essa divisã o se torna real quando se apresenta como
humana, o trabalho nada mais é que uma forma ou existê ncia contra-
divisão entre o trabalho manual e o trabalho mental , porque a í “ se dit ória que, se excetuamos suas determinações imediatas e contingen-
d á a possibilidade, ou melhor, a realidade de que a atividade tes , pressupõe essa mesma atividade vital ou afirmaçã o de si mesmo
espiritual e a atividade material , o prazer e o trabalho, a produ çã o e ( Selbstbetaetigung ) que, exatamente, se produz como trabalho, mas sem
o consumo se apliquem a indiv íduos distintos”. O problema é, pois, .i qual a pró pria vida n ã o subsistiria (“o que è a vida , sen ão atividade?”
para Marx , de “ voltar a abolir a divis ã o do trabalho” (onde se observa
n ã o apenas a identidade desta expressã o com a que já lemos sobre a
.
perguntava-se Marx nos Manuscritos de 1844)* Marx n ão precisa, para

aboli çã o do trabalho, mas tamb é m , a id éia de um retorno, embora -


reencontrá la,' buscá-la numa exist ê ncia ideal , como os economistas
quando pressupõem um estado origin á rio, por eles imaginado e que
num n í vel mais alto, a uma condi çã o de atividade humana indivisa)5. nada explica 9; ele a encontra impl ícita na própria atividade alienada,
Esse é, portanto, o sentido negativo do conceito de trabalho em
Marx; e já mostramos como em sua pesquisa isso se vai determinando
.
ou trabalho É verdade que em A Ideologia Alemã até ele n ã o renun -
ciou a remontar às origens hist óricas do homem , mas o faz n ão sem
pouco a pouco e cada vez mais precisamente como trabalho assala-
riado produtor de capital (e acompanh á - lo neste ponto significaria
percorrer toda a sua pesquisa, o que n ã o é objetivo deste estudo). A 6 -
Karl Marx Friedrich Engels, Manifesto delPartito Comunista, Roma , Edizioni
Rinascita, 1949, 3* ed. p. 73.
F

7 Manoscritti del 1844 , cit., p. 236.


4 L’Ideologia Tedesca , cit., pp. 47, 29, 65, 51, 76. 8 Ibid, p. 229 .
5 Ibid ., pp. 28 e 29. 9 Ibid., p. 225.

46 47
uma certa ironia e em aten ção a “ pessoas carentes de pressupostos”
como os alem ães, com os quais se deve começar por constatar o
primeiro pressuposto de toda existê ncia humana, e, portanto, de toda
história, isto é, que, para poder “fazer história ”, os homens devem
estar em condições de viver e, assim , a primeira a çã o hist ó rica foi a
cria ção de meios para satisfazer tais necessidades, a produ çã o da
pró pria vida material. Sobre essa base, os homens podem distinguir-
se dos animais pela consciência, pela religiã o, por tudo o que se
queira , mas, np realidade, “eles começaram a distinguir-se dos ani-
mais quando começaram a produzir os seus meios de subsist ência ”; e
só depois de terem constatado o multiplicar-se das necessidades sobre
aquela primeira base produtiva, e o reproduzir-se dos homens e seu
organizar-se social mente na produ ção, se descobre que “o homem
també m tem uma consciê ncia” , que è “desde o in ício um produto
í pela qual toda a natureza se torna seu corpo inorgânico’M 1. E esse
lar á ter volunt á rio, consciente, universal da atividade humana, pela
qual o homem se distingue dos animais e se subtrai ao dom í nio de
qualquer esfera particular, está em oposição a tudo que é, por sua
vez, natural , espontâ neo, particular, isto é, ao dom í nio da natu -
ralidade ( Naturwuecbsigkeit ) e da causalidade ( Zufadligkeit ) na qual o
homem n ão domina, mas é dominado, nã o é indiv íduo total , mas
membro unilateral de uma determinada esfera (classe etc.) e vive, em
M i m a , no reino da necessidade, mas n ão ainda no da liberdade 12.
A divis ã o do trabalho, portanto, dividiu o homem e a sociedade
humana, mas tem sido a forma hist ó rica do desenvolvimento da sua
atividade vital, da sua relaçã o-dom í nio sobre a natureza 13. Mane tra ça
um rá pido esboço de seu desenvolvimento das formas mais simples
à quelas gradativamente mais complexas e mais produtivas, mas igual-
.
social” 10 Mas, é necessá rio observar que n ão é tanto nessa pesquisa mente mais contradit ó rias, até a formação da grande ind ú stria que
-
hist ó rica ou pré histó rico-naturalista que Marx baseia a sua con - “subsumiu as ciê ncias naturais ao capital e tirou à divisã o do trabalho
.1 ú ltima aparê ncia do seu cará ter natural”. Esta desenvolveu enor-
cepção da atividade humana como manifesta çã o de si mesmo e nem
.
se postula a n ível hist ó rico atual , a poss ível recupera çã o O que torna memente as forças produtivas, mas dando-lhes, pela propriedade
o homem um homem, em confronto com os animais, é que “o privada , uma forma, por assim dizer, objetiva que as contrap õe aos
animal se faz de imediato uno com sua atividade vital, dela n ão se indiv íduos como algo estranho a eles. Nesta fase, “o trabalho perdeu
distingue, è ela ”, enquanto “o homem faz da sua pró pria atividade ... toda aparência de manifestação pessoal ” e apenas apropriando-se
vital o objeto do seu querer e da sua consci ê ncia . Tem uma atividade de uma totalidade de instrumentos de produ çã o, ou das for ças pro-
vital consciente: n ã o existe uma esfera determinada com a qual ele dutivas se pode alcan çar a manifestação pessoal, ou: “Apenas neste
.
imediatamente se confunda ” O homem , em poucas palavras, em seu
trabalho, que é uma troca com a natureza, age voluntá ria e conscien -
temente, com base num plano e, sobretudo, n ão ligado a qualquer M .
Manoscritli del 1844, cit , p. 230. Cf . també m O Capital , I, cit ., a afirmaçã o de
que “o trabalho é um processo que se desenvolve entre o homem e a
esfera particular, vive universalmente da natureza inorgâ nica: “a uni
versalidade do homem se manifesta praticamente na universalidade
- natureza" e a compara ção entre a aranha e o tecel ã o, a abelha e o arquiteto,
na qual a atividade humana , que, ainda que se possa envergonhar perante
as operações daqueles animais, c caracterizada pelo elemento da consci ência
e da vontade a ela inerente.
12 L’Ideologia Tedesca , cit., pp. 73 c 51.
10 L’Ideologia Tedesca, cit., pp. 24, 17, 26, 27. Deve ser observado que a definição 13 Sobre a “exposição materialista da história", contida cm A Ideologia Alemã,
do homem como produtor de meios de subsist ência, retomada por tantos
posteriormente (cf . E V. Ilienkov, La Dialettica delTAslrato e del Concreto nel
- -
Engcls como já vimos (à pag. 35) dará, depois , em 1888 , um ju ízo bem
severo, ao escrever no pref á cio ao seu Ludovico Peuabach e il Punto dApprodo
Capilale diMarx, com introdu çã o de Lú cio Colletti, Milão, Fcltrinelli, 1961 ), delia Filosofia Classiea Tedesca , Roma, Edizioni Rinascita , 1950, pp. 8-9, que
p. 245, è, pelo menos em parte, desmentida em O Capital, I, p. 368, nota 13, “isso só prova o quanto nessa época eram ainda incompletos nossos (de
onde Marx observa que a definição de Aristóteles segundo a qual “o homem Marx e cie] conhecimento da hist ó ria econó mica". Marx, ao contrá rio,
é, por natureza, cidadão” é caractcrística da Antiguidade, tanto quanto é afirmará no Prefá cio de 1859 a Perla Critica delTEconomia Política, cit., p. 13,
característica do espí rito ianque a defini ção de Franklin , de que o homem que “tí nhamos obtido nosso principal objetivo, que era de ver claro em nós
é, por natureza, “fabricante de instrumentos". mesmos” .

48 49
que Grundrisse enfatiza-se o cará ter hist órico e n ã o- natural desse processo;
está gio da manifesta ção pessoal coincide com a vida material, ocom - trata-se de uma rela ção entre o trabalhador e sua atividade que n ão
corresponde ao desenvolvimento dos indivíduos em indivíduos
é, de modo algum, natural, mas que contém já em si uma específica
14
pletos e à eliminação de todo res í duo natural ” Esta .
é a perspectiva
determina çã o econ ó mica; e se destaca que o capital , ao tender sempre
osManus
que Marx desenvolve em /í Ideologia Alemã, ultrapassando à forma geral da riqueza, impele o trabalho para além dos limites de
era, sim ,
critos de 1844, onde a supressão da propriedade privada huma- suas necessidades naturais e cria , assim , os elementos materiais para
designada como a completa emancipação de todos os sentidos o desenvolvimento de uma rica individualidade, que é tanto oni-
, enquanto
nos e de todas as qualidades humanas, e o comunismo lateral em sua produ ção quanto em seu consumo, e o trabalho n ão
o, era considerado , com ê nfase “antropológica”,
nega çã o da nega çã aparece mais como trabalho e sim como pleno desenvolvimento da
um desen-
apropriação da essê ncia humana , mas sem que se visse própria atividade, na qual desaparece a necessidade natural em sua
volvimento real das for ças produtivas e sem que a apropriação da forma imediata, porque em lugar da necessidade natural colocou-se
totalidade das forças produtivas resultantes desse desenvolvimento uma necessidade historicamente desenvolvida 16. Ali á s, esse processo
fosse considerada como a condi çã o preliminar para
aquela emanci-
objetivo promovido pelo capital mostra que justamente a forma
.
pação15 extrema de alheamento em que, na relaçã o capital-trabalho assala-
riado, a atividade produtiva aparece em rela çã o às suas pr ó prias
3. Continuidade da mesma temática condições e ao seu próprio produto, nada mais é que uma fase
n ã o s ão transitó ria necessá ria e já cont é m em si, só que em forma ainda
Agora deve-se afirmar decididamente que esses temas invertida , de cabeça para baixo, as plenas condições materiais para
exclusivos dos anos juvenis e dos interesses filosóficos-antropoló- o desenvolvimento total , universal das forças produtivas do indi-
, especificados
gicos de Marx, mas continuam presentes, retomados v íduo17.
a seguir , exatamente sobre a ú nica base que lhes poderia -
dar concreti
Mas interessa, sobretudo, que, aqui, Marx analisa explicitamente
de uma consci ê ncia mais aprofundada e
cidade e vigor , sobre a base
s ã o deles um desenvolvimento e a forma antin ô mica do trabalho. Frente ao capital , que é trabalho
crítica do real. Todos os Grundrisse
esbo ç o s ã o transpostos depois em 0 Capital. objetivo (numa determinada relação social), o trabalho n ão-objetiva-
desse gigantesco
O trabalho estranho e alienado de 1844 ainda se
faz presente -
do apresenta se de duas maneiras: negativamente como n ã o-mat é ria-
prima, n ão-instrumento, n ão-produto, isto é, como misé ria absoluta;
nos Grundrisse, com a mesma expressão, quando
Marx diz, por exem-
enquanto a força
pio, que o trabalhador cada vez mais se empobrece
ele como força
criativa do seu trabalho passa a se constituir frente a
do trabalho 16 Grundrisse der Krilik der poliliscben Oekonomie, cit., pp. 716, 214, 215, 217. E
do capital, como “ potê ncia estranha” e ele se aliena

cf. p. 656: o capital gera a multiplicidade ilimitada de ramos de trabalho,
como força produtiva da riqueza ”. Todos os
progressos da civili- isto é, “a riqueza mais onilateral de forma e de conteú do da produ ção,
, enriquecem o capital e sujeitando-lhe todas as partes da natureza ”; e á p. 911 retorna à “ totalidade
za ção, todo aumento das forças produtivas dos ramos particulares* e o “desenvolvimento total da humanidade”, ao
n ão o trabalho , acrescentam apenas o poder que domina o trabalho, individuo “tornando capaz da onilatcralidade do gozo social ” e também aos
e da í decorre como processo necess á rio que suas pró prias forças se termos e conceitos de n ós já conhecidos nos escritos juvenis, como o
como estranhas . També m nos “subsumir”, sob condições particulares, a contraposição entre natural c livre,
coloquem perante os trabalhadores a alienaçã o (p. 716) etc. De foto , a constante recorr ê ncia dos mesmos termos
no mesmo contexto dos escritos juvenis e nos da idade adulta c, pelo menos,
ind í cio da perman ê ncia de uma tem á tica e mereceria ser aprofundada.
17 Ibid ., pp. 414-15 (traduzido també m em Forme cbe Precedono 1' Fxonomia
14 -
VIdeologia Tedesca, cit., pp. 65 66. Capitalistica , Roma, Edizioni Rinascita , 1956 , p. 82).
15 Manoscriui del 1844 , cit., pp. 262, 275.

51
50
positivamente, como existê ncia do trabalho n ão como objeto, mas opostas, em antinomia real, porque constituem um par antagónico.
como atividade e possibilidade universal de riqueza . É aqui , portan- A n ós interessa, apó s termos primeiramente chamado a aten çã o
to, que trabalho alienado e atividade vital humana, trabalho e para o aspecto negativo, destacar, com igual vigor, ambos os aspectos
manifestaçã o de si , retornam numa oposi çã o de positivo e negativo .
dessa contraposição Por um lado, que nas condições historicamente
rigorosamente assinalada. Marx a retoma, sublinhando que n ão se
trata mesmo de uma contradiçã o, ou melhor, que é uma frase de
todo contraditó ria (seu famoso flertar com a dialética encontra-se

determinadas, as quais contra a incapacidade de historizar pr ó pria
dos economistas e do b óm senso do homem comum n ão estão, —
de fato, destinadas a durar eternamente, o trabalho é verdadeira-
frequentemente nessas suas pá ginas!) que “o trabalho seja, por uma mente “o homem perdido de si mesmo”, a nega çã o de toda mani-
parte, a misé ria absoluta enquanto objeto e, por outra parte, a pos- festação humana, a miséria absoluta . Não se trata de palavras ou
sibilidade absoluta de riqueza, enquanto sujeito e atividade”; de fato, .
fórmulas O insensí vel , o duro, o anti-rom â ntico Marx, nunca dis-
os dois aspectos se condicionam e reciprocamente resultam da divi- posto às l ágrimas sentimentais, recolheu durante a sua vida toda os
sã o do trabalho18. testemunhos dessa misé ria absoluta e dedicou -se todo à tarefa de
Acompanhar essa tem á tica també m em 0 Capital longe nos leva- indagar-lhe as razões e de suprimi-la . Por outro lado, que a atividade
ria, tantas sã o as determina ções nas quais aparece, com a mesma do homem se apresenta como humaniza ção da natureza, devir da
repetiçã o de termos t í picos dos Manuscritos de 1844, a começar por natureza por media çã o do homem , o qual agindo de modo vo-
“alheamento” e “aliena ção”; já o indicamos esquematicamente em lunt á rio, universal e consciente, como ser gen é rico ou indivíduo
outra parte19, bastando-nos, aqui, aquele comentá rio. social, e fazendo de toda a natureza o seu corpo inorgâ nico, liberta-se
O que nos interessa enfatizar é que, ininterruptamente, desde da sujeição à casualidade, à natureza, à limitação animal , cria uma
-
1844 46 a 1857-58 e 1867, ano da publica çã o do primeiro volume de totalidade de forças produtivas e delas dispõe para desenvolver-se
onilateralmente. Se n ã o se compreende essa natureza contradit ória
0 Capital e, progressivamente, at é os ú ltimos anos de revisão dos
volumes destinados a aparecerem postumamente, trabalho dividido da atividade humana, n ã o se compreende nada de Marx; compre-
e manifesta çã o pessoal , trabalho negativo ou miséria absoluta e traba- ender essa antinomia significa p ô r-se no centro de todo o seu pen-
lho positivo ou possibilidade universal de riqueza (e do mesmo samento.
modo com as outras especifica ções adotadas seguidamente em 0
Capital e nos outros textos econ ómicos dos ú ltimos anos) ou, em 4. Objeções provocadas por essa antinomia
outras palavras, o trabalho nas condições descritas pela economia
pol í tica , isto è, nas condições da divisão do trabalho ou da pro- Quem quiser censurar Marx por conceber o homem como traba-
priedade privada , e o trabalho fora destas condi ções, ap ós a supressão lho, dando a esse trabalho uma interpreta çã o abstratamente negativa
da sua divis ã o e da propriedade privada dos meios de produ ção, se e, por isso, criticá-lo, quem quiser, da í , censurar Marx por fundamen -
apresentam como uma expressão contradit ó ria, uma perp é tua an- tar sobre esse trabalho o processo de forma çã o do homem , veja
tinomia. Antinomia l ógica, porque, excetuada talvez A Ideologia primeiramente que foi ele, e mais do que todos os outros, quem
Alemã, onde o trabalho tout court é apenas expressã o negativa, Marx compreendeu o cará ter n ã o natural , mas hist ó rico, desse trabalho
só pode deixar de servir-se dos mesmos termos nas duas acepções negativo, que denunciou a “infâ mia ” e se empenhou em suprimi -la.
Veja, portanto, como a sua concepçã o positiva da atividade humana,
da manifesta çã o de si, nunca considerada como coisa do indiv í duo
18 Ibid ., p. 203. singular ou abstrato, mas sempre do indiv íduo concreto e social , em
19 Cf . nota 20 ao cap. I.

52 53
grandiosa relaçã o com a natureza e a hist ória, rompe com toda do pró prio Marx , se exatamente é verdade, como tentamos demons-
interpretação corrente e deturpada do que seria para ele o trabalho trar, que o trabalho é, nas condições históricas dadas, destruição do
ou produ ção (a “ economia ” !) na vida hist órica da humanidade, bem homem , cria çã o de um poder estranho ao homem e que o domina .
como, em especial, no processo de emancipa çã o e, portanto, de for- Pode-se, portanto, colocar a pergunta: Como pode o trabalho libertar
mação do homem. o homem , se é a causa da sua servid ão ? E, mais em particular, no
Quem ainda quiser considerar óbvia e n ão-nova essa sua hipótese campo pedagógico, como pode esse trabalho, associando-se ao en -
de unir ensino e trabalho, que outros desejaram ou praticaram antes sino, constituir bic et hunc o conteú do e o método para a forma ção
e depois dele, considere, pelo contrá rio, como nele o trabalho trans- do homem onilateral 21 ? Na realidade, a partir da posi ção marxiana,
cende, exata e necessariamente, toda caracteriza çã o pedagógico-di - apenas uma resposta é possível a essa interroga çã o inquietante, pelo
d á tica para identificar-se com a pr ópria essê ncia do homem . É uma menos no que diz respeito à segunda quest ão e consiste em que n ão
concepção que exclui toda possí vel identifica çã o ou redu çã o da tese é, de fato, o trabalho como processo ou parte do processo educativo
marxiana da uni ão de ensino e trabalho produtivo no â mbito da que pode, sozinho, subverter as condi ções sociais e libertar o homem;
costumeira hipótese de um trabalho, seja com objetivos meramente pode, no entanto, ser um elemento que concorra para a sua liber-
profissionais, seja com função did á tica como instrumento de aqui- ta ção, dado o inevit á vel condicionamento recí proco intermitente
sição e verifica ção das noções teó ricas, seja com fins morais de edu- .
entre escola e sociedade (disto falaremos mais adiante) Mas essa
caçã o do cará ter e da formação de uma atitude de respeito em rela ção participa çã o real do trabalho como processo educativo às transfor-
ao trabalho e ao trabalhador. Compreende, acima de tudo, todos ma ções sociais será tanto mais eficaz quanto menos seja um mero
esses momentos, mas, també m os transcende. recurso did á tico, mas sim inserção real no processo produtivo social,
Veremos, a seguir, alguns exemplos concretos de cr í tica a Marx ví nculo entre estruturas educativas e estruturas produtivas, o que
por haver posto o trabalho (ou a necessidade: mas, é a mesma coisa , -
nem chega a significar necessariamente v í nculo “ escola-fá brica ”, da
o crescer das necessidades e da capacidade de satisfaz ê-las é o pró prio do que os dois termos n ã o são igualmente coessenciais à sociedade
crescer da civiliza ção do homem , desde as necessidades puramente moderna, representando antes a “escola ” um resíduo de organiza ções
animais até aquelas cada vez mais humanas) ou a “ economia ” à base sociais precedentes; mas, certamente, significa v í nculo ensino- pro-
de toda a concepçã o do homem ; exemplos de uma crí tica que parte du ção.
de espiritualistas, idealistas, pessoas que adotam uma fe religiosa e Uma objeção de maior relevo pode surgir, entretanto, a partir
que, em geral, movendo-se a partir de preconceitos de í ndole pessoal, do pró prio cerne das posições marxianas e é aquela de quem observa
-
n ã o conseguiram at é agora colocar se frente a frente com o pen - que, se o trabalho é exatamente a atividade vital e a manifesta çã o do
samento real de Marx, mas permaneceram fechados em formula ções homem , a sua rela ção volunt á ria, consciente e universal com a natu -
isoladas dele (ou , o que è pior, que circulam como se dele fossem ) reza, o devir antropol ógico com a natureza etc., n ã o se compreende
separadamente do contexto do seu pensamento20. como, depois, mesmo quando dadas todas as condições para a sua
De qualquer modo, a objeção de quem se opõe a Marx por plena manifesta ção, seu reino permaneça um reino da necessidade e
fundamentar no trabalho toda a sua problemá tica de emancipa ção o reino da liberdade tenha que ser procurado, em todo caso, para
do homem não é destitu í da de motivações que se possam deduzir .
al é m do trabalho Não disse Marx, por acaso, que, colocada à dispo-
si ção do homem uma totalidade de forças produtivas, trabalho e

20 Cf., no “Apê ndice", as observações a Ca taifa mo e a Bongioanni. 21 Cf , no “Apê ndice", as observações a Lamberto Borghi.

54 55
manifesta ção de si coincidem 22? r ável popula ção “versátil ” mantida em reserva pela total disponi-
Uma resposta a essa objeção, que tamb é m tem as suas evidentes bilidade do homem a todas as exigê ncias da produ ção23. Numa outra
implicações pedagógicas, pode vir de uma pesquisa que estabeleça o
que é realmente para Marx esse reino da liberdade fundada sobre o
trabalho: uma pesquisa que nos levaria , para dizer a verdade, a per-
— —
famosa e polê mica p á gina de 0 Capital, Marx , baseando-se no
mais-trabalho de uma parte da popula ção que, numa sociedade anta-
gónica, é completado pelo ócio absoluto da outra parte da popula ção
correr todo 0 Capitale, em especial, tanto a sua documentaçã o histo- ou sociedade, conclui com a observa ção de que, numa forma mais
riográ fica sobre a luta pela jornada de trabalho, quanto a sua pesquisa elevada de sociedade, a criaçã o preventiva desses meios materiais cria
estrutural sobre a rela çã o entre tempo de trabalho e tempo livre. í a possibilidade de reduzir para todos o tempo dedicado ao trabalho
material. O homem civilizado, em qualquer forma de civilização e
5. 0 reino da liberdade sob todos os possí veis modos de produ çã o, para satisfazer as suas
necessidades, deve, como o selvagem , lutar contra a natureza e, por
Vimos que, como a divisão do trabalho, que acarreta imediata- mais que possa colocar sob o seu pró prio controle seu “ intercâ mbio
mente a desumaniza çã o do homem , é um processo histó rico, tam- orgâ nico” com ela, sempre permanecer á um “ reino da necessidade" .
bé m seu desenvolvimento contradit ório, ao criar uma totalidade de E conclui: “ De fato, o reino da liberdade apenas começa onde cessa
forças produtivas, um dom í nio total do homem sobre a natureza, o trabalho determinado pela necessidade ou pela finalidade externa;
torna necess á ria e inevit ável por parte do homem a apropria ção encontra-se, portanto, por sua natureza, para alé m da esfera da ver -
dessas forças, na qual h á també m o desenvolvimento de uma tota- dadeira e própria produ çã o material ”. Apenas aqui, de fato, ocorre
.
lidade de faculdades Este tema é desenvolvido em toda a sucessiva o desenvolvimento das capacidades humanas que é um fim em si
pesquisa marxiana, at é encontrar em 0 Capital algumas formula ções mesmo, cuja condi ção ê a redu çã o da jornada de trabalho24.
exemplares. É uma passagem justamente famosa porque na liga çã o imediata
com as questões concretas de cr í tica da economia pol í tica que for-
Marx já disse como o desenvolvimento concreto dessas forças mam, exatamente, o objeto de 0 Capital, contém , no entanto, uma
produtivas se atualiza na fá brica, em cujo interior se reproduz e se perspectiva que parece transcender amplamente ( para alguns, direta-
exacerba a divisã o do trabalho já existente no interior da sociedade, mente contradizer) o campo da pura economia e atingir uma perspec -
e como essa divisão do trabalho exacerbada n ã o mais cont é m em si tiva mais alta . É oportuno, da í, ver sua gé nese na pesquisa anterior
possibilidade de desenvolvimento limitado do indiví duo permitida de Marx e verificar-lhe, pelo menos, a concord â ncia com ela; para
pela divisão do trabalho no interior da sociedade, mas destrói toda isso talvez nada seja mais ú til do que as observa ções contidas nos
especializa ção ao exigir uma miserável popula çã o trabalhadora dis- chamados Grundrisse.
pon í vel à produ çã o capitalista . E Marx també m mostrou que essa O problema é, pois, o da rela ção entre o tempo de trabalho e
aus ência de especializa çã o se conjuga a uma exig ê ncia de absoluta tempo livre. Na defini çã o marxiana que determina o sobretrabalho
versatilidade, de modo que o oper á rio possa estar sempre dispon í vel como produtor de mais-valia, ou de capital , em que assumem clara
a todo rapid í ssimo variar da “ modern í ssima ” tecnologia; e concluiu determina ção econ ómica as suas hipóteses “antropológicas” juvenis
que se torna agora uma quest ã o de vida ou morte substituir a mise- sobre o trabalho que cria o poder alheio a si e que o domina, institui-

22 Cf., no “Apê ndice”, as observações a Galvano delia Volpc.


23 Cf. no cap.I , parte 2: 1866-1867: as “Instruções aos Delegados" e “0 Capital".
24 Cf. 11 Capitale , III, cit., pp. 931-33.

56 57
se uma rela çã o entre tempo de trabalho “ necessá rio” (à vida e á capitalistas, mas també m para as classes servis, que constituem todo
reprodu çã o do trabalhador) e aquele que aparece em princí pio como um cortejo dos seus dependentes (pobres, lacaios, rufi ões etc.) que
um tempo dispon í vel , que o capitalista tende a destinar, como sobre- representam a diferen ça essencial entre essa classe servil e a classe
trabalho, à produ çã o de mais-valia, negando-lhe configurar-se como trabalhadora . “Em relação, portanto, com a sociedade inteira, a cria-
tempo livre para o pró prio trabalhador. Sigamos nos Grundrisse a ção de tempo dispon í vel se apresenta també m como cria ção de tem -
apresenta çã o dessas determina ções. po para a produ ção de ciência , arte etc.” Ora, o processo real de
Ao constatar a pretensã o dos capitalistas de que os operá rios desenvolvimento da sociedade n ão comporta que cada indiv í duo,
permaneçam sempre num m í nimo desfrute da vida e se comportem uma vez satisfeitas as suas exigê ncias imediatas de vida, possa con-
como puras m á quinas, o que levaria a um puro embrutecimento que ceder-se esse “supé rfluo”, mas sim que “ um indiv íduo, ou classe de
por si tornaria impossí vel aspirar a uma riqueza mesmo que ex- indivíduos, seja constrangido a trabalhar mais do que necessá rio à
clusivamente de forma geral , Marx comenta: satisfa çã o de suas necessidades, porque, de um lado, se põe sobre-
trabalho e, de outro, não-trabalho e excedente de riqueza ”. Mas, se


“A participa ção do operá rio em prazeres superiores,
incluindo os intelectuais combater por seus pr óprios inte-
esse è o processo real, Marx opõe a perspectiva a ele imanente: “Segun-
do a realidade, o desenvolvimento da riqueza apenas existe nessas
resses, dispor de jornais, assistir a confer ê ncias, educar os
-

filhos, apurar seu gosto etc. ú nica participa çã o na sociedade
que o separa do escravo, só é possível economicamente desde
contradi ções; segundo a possibilidade, é exatamente o seu desenvol
vimento que é a condição para elimina çã o dessas contradi ções”26.
Quanto ao que seja, para Marx, a riqueza, sobretudo nesse contexto,
que aumente o â mbito dos seus prazeres nos per í odos de
é ele mesmo quem esclarece: “a universalidade das necessidades, das
prosperidade"25.
capacidades, dos prazeres, das for ças produtivas etc., dos indiv íduos,
Todas as possibilidades de vida plenamente humana est ã o, pois, gerada no intercâ mbio universal , é o pleno desenvolvimento do
ligadas ao problema do tempo de trabalho, que o capitalista tende a dom í nio humano sobre as for ças da natureza; é a absoluta exterio-
prolongar em beneficio pró prio. Mas a relação é muito mais com - riza çã o das faculdades criativas, sem outras condições que o prece-
plexa do que aqui aparece e, numa nota dos Grundrisse, Marx demons- dente desenvolvimento histórico”27.
tra as tend ê ncias, igual mente necessá rias e de todo contradit órias , do
capital a respeito do tempo de trabalho: o capital precisa colocar em
Esta é, portanto, a disputa entre tempo de trabalho e tempo
movimento o trabalho humano e torn á-lo ( relativamente) supé rfluo, dispon í vel , entre trabalho necessá rio e sobretrabalho na economia
isto é, reduzir o trabalho necessá rio para aumentar o sobretrabalho. capitalista, c entre trabalho necessá rio e trabalho livre de toda a
Para fazer isso, deve aumentar o trabalho geral (isto é, a jornada de sociedade, numa forma mais elevada que esta. E Marx constata o
contraditório amadurecer de uma situa çã o na qual o grande esteio
trabalho ao mesmo tempo de uma numerosa popula ção trabalhado
ra) para reduzir o trabalho necessá rio do oper á rio singular e aumen-
- da produ çã o e da riqueza n ã o é o tempo em que trabalha, mas a
compreensão e o dom í nio da natureza (pelo homem ) pela media ção
-
tar o sobretrabalho produtor de mais valia, o que acarreta que à
criação de sobretrabalho de uma parte corresponde uma cria çã o de
da sua pr ó pria exist ê ncia enquanto corpo social, numa palavra, o
desenvolvimento do indiv íduo social. Isto ocorre quando, com o
menos-trabalho da outra, isto é, do ócio relativo ( idleness ) ou de
trabalho n ão-produtivo. E isto, diz Marx, vale n ão apenas para os
desenvolvimento da grande ind ústria, a criação da riqueza real (e já

26 Ibid ., pp. 302-05


25 -
Grundrisse , cit, pp. 197 98. 27 Ibid ., p. 387 (também traduzido em Forme, cit., p. 33).

58 59
vimos o que esta significa) depende cada vez menos do tempo de Essa temá tica da tarefa progressiva que o capital, verdadeiro
trabalho e cada vez mais da potê ncia dos elementos que nela atuam , Mefist ófeles, de fato, executa, ao reduzir o trabalho necessá rio em
ou seja, do estado geral da ci ê ncia e do progresso da tecnologia, que sua sede de sobretrabalho, retorna ainda em outras passagens, sobre-
è a aplicação dessa ciência à produ çã o. E entã o, diz Marx, “o roubo tudo numa página que vale a pena traduzir por inteiro:
do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se baseia a atual riqueza, aparece “A cria çã o de muito disposable time alé m do tempo de
como um fraco fundamento em confronto com esse desenvolvimento recente ' . trabalho necessá rio para a sociedade em geral e para todos os
O tempo de trabalho não é mais a medida da riqueza e " o sobretrabalho
seus membros (isto é, espaço para o desenvolvimento das
da massa deixou de ser condiçã o para o desenvolvimento da riqueza plenas forças produtivas de cada um , e, portanto, també m da
universal, tanto quanto o não-trabalho de poucos para o desenvolvimen- sociedade), esta cria ção de tempo-de-n ão-trabalho aparece, do
to das potê ncias universais da elite humana ”.
ponto de vista do capital , como de todos os graus precedentes,
Mas o capital, que chama à vida todas as pot ê ncias da ciência e como tempo-de- n ão-trabalho ou tempo livre para alguns. O
da natureza de todas as relações sociais para tornar (relativamente) capital contribui para aumentar o tempo de sobretrabalho da
independente do tempo de trabalho a cria çã o da riqueza, mede, massa com todos os meios da técnica e da ciê ncia, pois a sua
depois, exatamente sobre o tempo de trabalho todas as gigantescas riqueza consiste diretamente na apropriação do tempo de
forças sociais assim criadas, pois forças produtivas e rela ções sociais

n ão sã o t ão-somente meios. “ In fact comenta Marx com ironia
esses meios são as condições materiais para fazê-lo saltar pelos ares.” — sobretrabalho e tem por objetivo diretamente o valor e nã o o
valor de uso. Assim é, malgré lui, instrumental in jreating the
means of social disposable time, em reduzir a um m í nimo cada
Em resumo, como o aprendiz de feiticeiro do Manifesto , o capital

absolutamente sem inten ções reduz a um m í nimo o trabalho
— vez mais baixo o tempo de trabalho para toda a sociedade e,
assim , deixar livre o tempo de todos para o seu pró prio
humano, o dispêndio de energia , mas “isto tornará ú til o trabalho desenvolvimento. Sua tend ê ncia é, por é m , criar, por um lado,
emancipado e constitui a condiçã o da sua emancipa ção ”28. Marx .
disposable time e, por outro, to convert it into surplus labour Se
conclui com uma frase de grande significado, uma frase que soa o primeiro ele o consegue demasiado bem , ent ã o sofre de
estranhamente suspensa, sem predicado; um puro enunciado no qual superprodu ção e, pois, o trabalho necessá rio fica interrom-
o seu pensamento se sintetiza de modo laminar: pido, porque por parte do capital nenhum surplus labour pode
“O livre desenvolvimento da individualidade, e, portan- ser valorizado. Quanto mais se desenvolve essa contradição,
to, n ã o a redu ção do trabalho necessá rio para colocar so- tanto mais resulta que o crescimento das forças produtivas
bretrabalho necessá rio da sociedade, a que corresponde à n ã o pode mais ficar contido dentro da apropria çã o do surplus
forma ção art ística , cient í fica etc., dos indiv í duos mediante o labour alheio, e sim que a própria massa de trabalhadores deva
tempo tornado livre para eles todos e mediante os meios
procurados”29.

apropriar-se do seu sobretrabalho. Se ela o faz e com isto o

disposable time deixa de ter uma exist ê ncia contraditória por
um lado, o tempo de trabalho necessá rio terá a sua medida
Em resumo, o tempo de desumaniza çã o do homem no trabalho
torna-se premissa para a cria çã o pelo trabalho, mas fora do trabalho, nas necessidades do indiv íduo social e, por outro lado, o
de um tempo totalmente humano. desenvolvimento da força produtiva social crescer á t ão
rapidamente que, embora nesse momento a produ ção seja
calculada sobre a riqueza de todos, o disposable time de todos
28 Ibid ., pp. 594, 589.
29 Ibid ., p. 593. aumenta . De fato, a riqueza real ê a força produtiva desenvol-

60 61
vida por todos os indiv í duos. Não é, pois, de forma alguma, sua fun ção no fazer-se do homem , podemos, pois , dizer que o
o tempo de trabalho, mas o disposable time a medida dessa homem é homem na medida em que deixa de identificar-se, à ma-
riqueza . 0 tempo de trabalho como medida da riqueza estabelece
a pr ó pria riqueza como fundada sobre a mis é ria e o disposable
* neira dos animais, com a pró pria atividade vital na natureza; na
medida em que começa a produzir as pr ó prias condições de uma
time como existente na e por oposição ao tempo de sobretrabalho , vida humana sua, isto é, os meios de subsist ê ncia e as rela ções que
o que significa p ôr todo o tempo de um indiv íduo como estabelece com outros homens ao produzi-la na divisão do trabalho;
tempo de trabalho e degrada çã o, portanto, de si mesmo a na medida em que conhece e quer a própria atividade e a configura
simples trabalhador, subsumido pelo trabalho. O maquinis- como uma rela ção n ão limitada a apenas uma parte da natureza,
mo mais desenvolvido força o oper á rio a trabalhar agora mais mas, pelo menos potencialmente, como uma rela ção universal ou
prolongadamente do que o fazia o selvagem ou de quanto ele onilateral com toda a natureza como seu corpo orgânico; e na me-
mesmo o fazia com instrumentos simples e r ú sticos”30. dida, afinal, em que humaniza a natureza, fazendo da hist ória natu -
Fizemos uma longa citaçã o, porque nos pareceu que a passagem ral e da hist ória humana um só processo e, ao assim fazer, modifica-se
fosse significativa, mas ter í amos podido citar bastante, aqui e em a si mesmo, cria o homem e a sociedade humana.
outras passagens, textos com riqueza equivalente. Na verdade, este
conceito de que o tempo livre pode ser tanto o tempo de ócio quanto
o tempo para uma atividade mais elevada e que, portanto, a pou
pan ça de tempo de trabalho é igual ao aumento do tempo livre, isto
-
— - —
Mas essa autocria ção de uma figura ou estrutura humana se
realiza e não pode deixar de realizar-se no â mbito de rela ções
em que, ao dividir se o trabalho, divide-se o homem ; divide-se o
indiví duo em si mesmo, enquanto cada um é contextualmente o
é, do tempo para o pleno desenvolvimento do indiv í duo31 , é fun- lugar de realidade e de possibilidade que se contradizem , e se divide
damental no desenvolvimento do pensamento marxiano relativo ao os indiv í duos entre si na sociedade, enquanto as capacidades

emprego (“ posto de lavoro”) esta expressão contradit ória no
processo de emancipaçã o do homem . E parece que aqui está impl í cita
a resposta à objeçã o que t í nhamos reconhecido como de maior rele-
— humanas pertencem , divididas e, portanto, deformadas, separada-
mente a uns ou a outros indiv íduos, mas n ão a uns e a outros ao
mesmo tempo.
vo, porque mais intimamente ligada com as posi ções marxianas Assim tem sido o processo hist órico da forma ção contraditória
sobre o trabalho entendido n ã o como reino da necessidade, mas
sobre o trabalho como reino da liberdade32.
Para concluir, retomando brevemente quanto pudemos ver nesta
— ou seja, desenvolvimento e perda de si mesmo, crescimento e

divisã o do homem , desde o momento em que , gra ças ao trabalho,
se distinguiu da pura natureza . Num momento determinado desse
resenha sum á ria sobre a concepçã o que Marx tem do trabalho e da

desenvolvimento e apenas em um determinado momento a
criaçã o de uma totalidade de forças produtivas, dentre as quais a

ciência , torna-se poss í vel a recupera ção da integralidade ou onila-
30 Ibid ., p. 595 teralidade. A propriedade privada dos meios coletivos de produ ção,
31 Ibid ., p. 599. que é apropriaçã o de trabalho alheio, tem significado, també m , apro-
32 Dc qualquer maneira, a discussão se justifica: Marx, por exemplo, ao ironizar
-
abertamente, numa de suas cartas a Engels (cf. Marx Engcls , CarUggto , Roma, pria ção privada da ciê ncia e sua separa çã o do trabalho; esta tem
-
Edizioni Rinascita , 1950 53, vol. III, p. 202) sobre a hipó tese de um “ reino
da liberdade, da igualdade e da propriedade fundada sobre o ‘trabalho’” ( as
mesmo negado o preexistente ví nculo entre ciê ncia e a ção, pr ó prio
aspas sã o dele], autoriza a tomar a sé rio a mesma hipótese quando se retiram da limitada produ ção artesanal, mas criou por sua vez as condições
as aspas, isto é, a determinação do trabalho na sociedade capitalista. Mas para a sua pró pria supera ção. Torna inevit ável a recupera çã o de uma
trata-se, sempre, como veremos, de uma liberdade fundada sobre e não de uma
liberdade no trabalho. identidade entre ci ê ncia e trabalho; e tal recupera ção n ão pode rea-

62 63
lizar-se a n ã o ser como reapropria çã o da ciê ncia por parte de todos De modo an á logo ao que sucede no processo econ ó mico geral
os indiv í duos no processo coletivo da produ ção moderna , do moder- da produ çã o da vida (que é o processo de forma çã o do homem
no dom í nio do homem sobre a natureza. enquanto homem , gê nero humano, humanidade), no processo espe-
Essa “ reconstru çã o” das teses de Marx sobre o trabalho, que c í fico da formaçã o dos indiv íduos e das gera ções em seu crescimento
empreendemos visando uma conclusã o de conte ú do pedagógico, fisiol ógico-psicol ógico (ou seja , na educa çã o) a exigê ncia inevitá vel ,
coincide substancialmente, parece- nos, com a reconstru çã o ou sí ntese ou a tend ência objetiva e, portanto, o fim , é formar uma vida da


mente com a dial ética em todo o conjunto da sua pesquisa eco-

que, ao final do livro I de 0 Capital, Marx realiza flertando ousada- comunidade em que ciê ncia e trabalho perten çam a todos os in -
div íduos. Isto significa que a escola n ã o pode deixar de se configurar
n ó mica 33. a n ã o ser como o processo educativo em que coincidem a ci ê ncia e
o trabalho; uma ciê ncia n ão meramente especulativa, mas operativa,
porque, sendo operativa, reflete a essê ncia do homem , sua capacidade
33 O Capital, 1, cit., p. 268: “O modo dc apropriaçã o capitalista, nascida do de dom í nio sobre a natureza; um trabalho n ã o destinado a adquirir
modo dc produ çã o capitalista , e a propriedade privada capitalista sã o a
primeira negação da propriedade privada individual , baseada no trabalho habilidades parciais do tipo artesanal, poré m o mais articulado pos-
pessoal. Mas a produçã o capitalista gera , com a inevitabilidade dc um sí vel , pelo menos em perspectiva, à tecnologia da fá brica, a mais
processo natural, sua própria negação. É a negação da negaçã o. E esta n ão
restabelece a propriedade privada, mas sim a propriedade individual baseada moderna forma de produ ção. Como traduzir isto em opções e deter-
na conquista da era capitalista: a cooperação e a posse coletiva da terra c dos mina ções pedagógicas, precisas tanto para a ciê ncia quanto para o
meios dc produ ção obtidos pelo pró prio trabalho. ( É surpreendente que
Vorlacnder, ao citar essa passagem dc Marx, acrescente um iró nico ponto de trabalho (e mesmo que no processo de trabalho, enquanto processo
exclamação entre par ê nteses após a expressã o ‘propriedade individual’”. No entre o homem e a natureza , os elementos simples permaneçam
entanto, essa diferen ça entre privado e individual emerge t ão clara dc todo
o contexto c c tão essencial a toda a pesquisa marxiana que refut á-la com a id ênticos) 34, nem Marx o esclareceu , nem é quest ã o que se possa
ironia da exclamaçã o significa exatamente que n ão chegou a entender toda esgotar neste contexto. Marx só deu uma indicação, ali á s s ó cons -
a teoria da pessoa em Marx; cf. Karl Vorlacnder , KarlMarx, Firenzc, Sansoni,

s. d. mas a 1* edição alem ã é de 1929
— . 245.) É evidente que, em Marx,
“individual ” se opõe não a coletivo, mas a pprivado ”. E, dc fato, é exatamente
tatou uma exig ê ncia objetiva; mas , de qualquer maneira , suficiente
para fundar sua “pedagogia ” sobre uma base diferente das demais
a propriedade privada dos meios de produ çã o coletiva que exclui sua que tamb é m se referem ao trabalho .
propriedade por parte de todos os indiví duos singulares, impede o desen -
volvimento do indiv í duo como pessoa c contrapõe o homem ao homem Essencialmente, ele se encontrou frente ao processo hist ó rico ( e
como um poder estranho que o domina. Em suas situações “ limitadas” da contraditório ) da separa çã o entre fruiçã o e produ çã o, entre trabalho
hist ó ria , existiu ou propriedade privada dos meios individuais , ou
propriedade privada dos meios coletivos, mas não ainda uma propriedade mental e trabalho manual, que analisou diretamente no pró prio
individual dos meios coletivos dc produçã o, que só pode ser atingida numa
situa çã o dc total desenvolvimento. Como o indiv í duo, por outro lado,
cora ção da sociedade, na produ çã o, e apenas indiretamente acom -
-
poderia assenhorear sc dc uma totalidade dc forças produtivas a n ão ser na
comunidade com seus semelhantes ? Que, ali ás, c o est ádio em que in
panhou sua apresenta çã o nas demais determina ções do viver civi
lizado. Indicou claramente tanto a destruiçã o do velho artesanato ,
-
dividualidade e comunidade coincidem c n ã o podem deixar dc coincidir. E -
-
veja se a confirmação, mais uma vez, da continuidade da pesquisa marxiana, no interior do qual se podia dominar completamente um limitado
do seu crescimento orgâ nico sobre si mesma , nos Manoscrilli del 1844 , cit ., à
p. 255: “O comunismo é a expressão positiva da propriedade privada
suprimida ; é, cm primeiro lugar, a propriedade privada generalizada*, o que
é dizer justamente a propriedade de todos os indivíduos; ou ainda a

dela not í cia que o seu Para a Critica da Economia Política era “o resultado
dc pesquisa que durou 15 anos, ou seja, do melhor período da sua vida "?
“apropriação dc uma totalidade de instrumentos dc produção”, como (Cf! Karl Marx , Per la Critica delPEconomia Política , Roma , Edito ri Riuniti,
“desenvolvimento de uma totalidade de faculdades nos pró prios indiv í duos” 1957, p. 216.)
( Ideologia Tedesca, cit., pp. 65-66). E, de resto, n ão foi o pró prio Marx quem
enfatizou essa continuidade quando, em 1858, escreveu a Lassa lie ainda
que numa carta elegantemente diplom á tica, como revelou a Engels , ao dar —
34
— —
II Capilale , III, cit ., p. 1002. Tenha-se presente, no entanto, que como foi
ami ú de observado o trabalho hoje exige muito menos a força c a habi lidade
muscular e muito mais a tensã o nervosa e a formaçã o intelectual .

64 65
35
processo produtivo até elevar-se nele a um limitado senso art í stico ,
isto é, a uma limitada plenitude de expressã o humana, quanto à
separa ção da ciê ncia e do trabalho existente na fá brica, que subtrai
ao operá rio as pot ê ncias intelectuais do trabalho, e quanto, afinal ,
ao surgimento espont â neo {e contradit ório ) do germe de um novo
ensino para a classe operá ria, a saber, escolas como as da classe domi-
nante (e n ão mais de simples treinamento), escolas tamb é m inves-
tidas da mais moderna ciê ncia, a tecnologia, destinada, de modo
contradit ó rio, a fazer dominar inteiramente n ão mais um limitado
processo produtivo, mas uma totalidade de ramos de produção. A
uniã o entre ensino e trabalho, que ele n ão inventa , mas já encontra
pregada e praticada por pedagogos e reformadores sociais e at é atua -
lizada na pró pria fá brica, revela-se, portanto, parte de um processo
de recupera çã o { Zuruecknabme ) da integralidade do homem com -
prometida pela divisão do trabalho e da sociedade, mas cujo pr ó prio
desenvolvimento das forças produtivas, que são forças materiais e
intelectuais, dom í nio do homem sobre a natureza, permite, at é exige,
a restituição. E, acima de tudo, isso significa uma recoloca çã o do
processo educativo no processo de trabalho, num processo de traba-
— —
lho a fá brica moderna por sua natureza total, plena e din â mica.
III• 0 Homem Onilateral
Falar do ví nculo ensino-trabalho fora desta coloca çã o significa ficar
nas palavras e não compreender absolutamente a posição marxiana: O tema do trabalho, que procuramos considerar em toda a sua
significa confundi-la com as vá rias did á ticas honestamente imagi- contradit ó ria fecundidade nos textos marxianos, para melhor deter-
nadas pelos pedagogos voluntariosos, mas que nada t ê m a ver com minar sua possível fiin çã o de conte ú do no processo de ensino do
a tentativa marxiana de interpretar o processo real e as contradições
futuro, requer ser completado com uma investigação sobre a pessoa
que incessantemente o solicitam . humana e sobre a perspectiva do seu desenvolvimento, definido por
Marx como “ onilateral ”, que se realiza justamente sobre a base do
trabalho, ou melhor, da sua atividade vital. E já vimos que a “onila-
teralidade” é considerada objetivamente como o fim da educaçã o.
4
A divis ã o do trabalho condiciona a divisã o da sociedade em
classes e, com ela, a divisão do homem ; e como esta se torna ver-
dadeiramente tal apenas quando se apresenta como divisão entre
trabalho manual e trabalho mental, assim as duas dimensões do
homem dividido, cada uma das quais unilateral , sã o essencialmente
35 L‘Ideologia Tedesca , cit., p. 49. as do trabalhador manual , operá rio e do intelectual (aqui , Marx

66 67
retoma a oposiçã o de Adam Smith entre o carregador e o filósofo) 1 . re ú nem todas as determina ções negativas, assim como sob o signo
Ali ás, como a divisão do trabalho é, em sua forma ampliada, divisão oposto da onilateralidade (obviamente, muito menos frequente, da -
entre trabalho e n ã o-trabalho, assim també m o homem se apresenta do que essa n ã o é ainda coisa deste mundo) re ú nem -se todas as
como trabalhador e n ão-trabalhador. E o próprio trabalhador
apresentando-se o trabalho dividido, ou alienado, como miséria ab-
— perspectivas positivas da pessoa humana.

soluta e perda do pr ó prio homem - també m se apresenta como a 1. Unilateralidade do proletário e do



desumaniza ção completa; mas, por outro lado sendo a atividade
vital humana, ou manifestação de si, uma possibilidade universal de capitalista

riqueza no trabalhador est á contida també m uma possibilidade
humana universal.
Desde as pá ginas iniciais dos Manuscritos de 1844, o trabalhador
se apresenta física e mentalmente rebaixado a uma m áquina (in ú til
També m por essa caracteriza ção da condição humana, um fio

vermelho une, ao longo de toda a pesquisa marxiana sem limitar-se
aos anos dos interesses filosófico-antropol ógicos (se é que essa
contar quantas vezes essa degrada çã o do operá rio à m á quina rea-
parece em seguida!), tornado pela divisã o do trabalho cada vez mais


distin çã o tem algum sentido) determinações de sugestiva fecundi-
dade e coerê ncia . Desde os Manuscritos de 1844 at é os ú ltimos livros
unilateral e dependente, considerado pela economia pol í tica como
besta de carga ou peã o, um animal reduzido â s mais estritas neces-
sidades corporais (esta limita çã o das necessidades ou, ao contr á rio,
de 0 Capital, tanto a unilateralidade de cada pessoa humana , quanto
sua expansão, são motivos també m constantes). Todo o capí tulo
a contraposiçã o entre trabalhador manual e intelectual, ou ainda o sobre Trabalho Alienado é, pois, uma den ú ncia dessa condi çã o do
absoluto antagonismo entre trabalhador e n ão-trabalhador, reapa-
— —
recem, a toda hora, num contexto que insistimos adquire cada
vez maior rigor cient ífico, na medida em que mais imediatamente
operá rio, que tanto mais pobre se torna quanto mais produz riqueza ;
tanto mais desprovido de valor e dignidade quanto mais cria valores,
tanto mais disforme quanto mais toma forma o seu produto; tanto
se fundamenta sobre a anatomia, cientificamente cognosc ível, da
mais embrutecido quanto mais refinado o seu objeto; tanto mais sem
sociedade civil, sem todavia perder força especulativa . E , uma vez esp í rito e escravo da natureza quanto mais é espiritualmente rico o
que, ali ás, essa continuidade tem á tica, esse incessante retorno de trabalho. O trabalho produz deformidade, imbecilidade, cretinismo
formula ções plenas de sentido é, como vimos, talvez um dos ind ícios no oper á rio, que se torna um objeto estranho e desumano , no qual
mais evidentes do crescer da pesquisa marxiana junto com suas pró- nenhum dos sentidos existe mais e que n ã o apenas n ão mais tem
prias e primeiras experiê ncias, com interrupções temporais, de fato,
necessidades humanas, mas em que també m as necessidades animais
mas sem rupturas reais (o que, obviamente, n ã o exclui, mas até inclui
cessam , pois tornou-se um ser insensível e sem necessidades3.
os desenvolvimentos, os aprofundamentos, as correções), vale a pena,
certamente, nem tanto um cat á logo completo, tanto imposs ível
quanto supé rfluo, mas, ao menos, oferecer um breve ensaio do seu E, se dos Manuscritos de 1844 passamos às obras posteriores,
variado e cont í nuo reapresentar-se. A divis ã o do trabalho, ou a i encontraremos os mesmos termos e as mesmas palavras. Em A Sa -
propriedade privada , tomou-nos obtusos e unilaterais.2 A divisão grada Família , lemos que no proletariado é feita abstra çã o de toda
cria unilateralidade e, sob o signo da unilateralidade, justamente, se humanidade, at é da apar ê ncia de humanidade, e que todas as desu
manas condições de vida da sociedade atual igualmente se sintetizam
-
1 Manosmui del 1844, cit., p. 281.
2 Ibid ., p. 262. 3 Ibid., pp. 184, 185, 189 , 225, 228, 261 , 270, 274.

68 69
na sua situa ção4. Em A Ideologia Alemã, onde retorna o tema do limites em que se desenvolvem as classes dominantes, de forma que
alheamento e onde é t ã o clara a acep çã o negativa do termo “trabalho” tal limita çã o consiste n ã o apenas na exclusã o de uma classe, mas
que tem em si impl ícita a concepção negativa do trabalhador, indica tamb é m nas restritas capacidades da classe que exclui e o desumano
a unilateralidade que surge desta condiçã o e se constata que, na se manifesta igualmente na classe dominante ( por exemplo, com as
medida em que as circunst â ncias nas quais um indiv í duo vive apenas “capengas concepções dos filósofos”, ou as “id éias dos ensinadores”,
lhe permitem desenvolver uma qualidade se à custa das demais, o ou a “grandiloqiiê ncia dos mercadores do pensamento ”) 9.
indiv í duo n ão vai alé m de um desenvolvimento unilateral , muti- Em resumo, capitalistas e trabalhadores sã o, uns e outros, sub-
lado5. E, em A Miséria da Filosofa , finalmente, reaparece a den ú ncia sumidos pela classe, membros de uma classe e n ão-indiv í duos. A esta
do idiotismo do ofício, gerado pela divisão do trabalho6. caracteriza çã o “ filosó fica ” da unilateralidade correspondem obser-
Sã o frequentes, por outro lado, as caracteriza ções da unilatera- va ções do tipo “sociológico”, ainda nos escritos juvenis de Marx , aos
lidade at é dos capitalistas (como, em geral , dos privilegiados). “ Em quais pode ser interessante também acrescentar alguns de Engels, em
primeiro lugar, deve-se observar que tudo o que se manifesta no que se apresentam ao vivo os tipos humanos da sociedade dividida.
oper á rio como atividade de expropriaçã o, de aliena çã o, se manifesta Engels fez interessantes investigaçõ es sociológicas, tanto em ar-
no n ã o-trabalhador como estado de apropria çã o, de aliena çã o ” , e a tigos de jornais alem ã es, já em 1839, quanto em correspond ê ncia da
imoralidade, a monstruosidade, o hilotismo , sã o, conjuntamente, Inglaterra, em suas primeiras viagens por conta da empresa do seu
dos oper á rios e dos capitalistas, e se um poder desumano domina o pai. Nelas dava conta tamb é m da realidade do ensino da é poca para
oper á rio, isto també m vale para o capitalista. Quem frui a riqueza, os operá rios, e da luta que estes faziam para obter escolas, documen-
de fato, se realiza como ser efé mero, irreal , d é bil , um ser sacrificado tando como essas escolas ou n ã o existiam de fato ou estavam a cargo
e nulo, que considera a realizaçã o humana como realiza çã o da sua de organiza ções religiosas para fins exclusivamente religiosos. Tam -
desordem , do seu capricho, das suas id éias arbitr á rias e extravagan- bém na Alemanha , as escolas destinadas às classes subalternas trans-
tes7. A mesma concep çã o volta —
e at é indicada com nitidez em
A Sagrada Família, onde se diz que a classe possuidora e a classe do
— mitiam apenas um ensino catequ í stico. Rudolf Tarnow, um poeta
popular da época, ironizando a respeito desse tipo de escola, imagina
proletariado representam o mesmo auto-alheamento humano8; e, que o dono de uma aconselhasse aos professores que “ensinassem
depois, em A Ideologia Alemã, onde, a propósito da divis ã o entre aos seus alunos, acima de tudo, muito catecismo ” ( dem jungen Volk,

campo e cidade historicamente determinante quanto à divisã o
entre trabalho manual e mental , pois, sendo esta em substâ ncia a

vorallen Dingen, viel Katechismus beizubringen in Der Scbulpatron ). É
verdade que começavam a surgir algumas escolas populares vincula-
express ã o sociol ógica da divisã o do trabalho, aquela é a expressão

psicol ógica da mesma observa que a subsun çã o pela divisã o do
trabalho faz de um o limitado animal citadino, do outro o limitado
animal campesino, e que, perante o modo anormal , desumano em
das à administra çã o civil , nas quais, ao lado do catecismo da religiã o
dominante nas vá rias regi õ es, se ensinava també m os elementos de
outras ciências, ou seja, praticamente a matem á tica e um pouco de
hist ó ria , com resultados que eram julgados positivos 10.
que a classe dominada satisfaz suas necessidades, colocam-se os Mas, em geral , Engels observava que o ensino transmitido nas

— —
escolas criadas pela burguesia aos operá rios em resumo, pelas
4 La Sacra Fantiglia, Roma, Edizioni Rinascita, pp. 40-41. classes dominantes às classes subalternas ao fazê-los perder toda a
5 Vldeologia Tedesca , cit., pp. 30, 70, 225.
6 Karl Marx, Miséria delia Filosofia , Roma, Edizioni Rinascita, 1949, p. 115.
7 Manoscrilli del 1844 , cit., pp. 237, 242, 277. 9 Vldeologia Tedesca, cit., pp. 435, 441 , 73, 65, 51.
8 La Sacra Fantiglia, cit., p. 39. 10 Werke , cit., vol. I, pp. 469-70, 525-28.

70 71
sua “disponibilidade” original, levava-os a uma aut ê ntica e verda- e todas as infinitas determina ções que, com dram á tica insist ê ncia,
deira atrofia moral e desola ção intelectual; e, mais tarde, acrescentará reapresenta , ao longo de todo o curso da pesquisa hist órica e teó rica
de 0 Capital, tanto o estado imediato da subordina ção do operá rio
que os operá rios ingleses sã o homens quando começam a rebelar se, - à maquina, como a condi ção geral da humanidade que dela deriva 14.
mas são animais quando se adaptam à situaçã o existente11.
Por outro lado, da descrição sociológica dessa situa çã o emerge
ainda uma polê mica, també m do tipo populista, contra a degrada ção 2. Uma moral dividida
semelhante das classes cultas, cuja cultura é decrépita e inconsistente.
São atormentados na escola, diz Engels , com um pouco de latim e, A considera ção sobre a divisã o da sociedade e do homem implica
depois, sã o convertidos em pessoas “ respeit áveis”, mas, na realidade, també m o â mbito das próprias rela ções da esfera moral. Numa
n ã o possuem qualquer cultura e qualquer capacidade pr á tica e apa- pá gina dos Manuscritos de 1844, no capí tulo “ Necessidade, Produ ção
recem como espiritualmente deca í dos, fechados a todo progresso e, e Divisão do Trabalho”, Marx, após constatar que, na sociedade
na verdade, nada mais que desprez íveis escravos. Assim , à den ú ncia dividida, quanto mais o homem produz, tanto menos possui,
contra o instrumentalismo da escola popular associa-se à condena çã o acrescenta: “ n ã o apenas todos os teus sentidos imediatos, como o
violenta també m da cultura tradicional e da educa ção das classes comer etc., deves poupar; até mesmo a participa ção nos interesses
cultas, meramente decorativa e sem qualquer subst â ncia 12. gerais, a piedade, a confian ça etc., tudo isto també m deves poupar,
Mas a fenomenologia do homem unilateral n ã o se esgota no se queres ser um homem econó mico, se n ão queres arruinar-te atrás
â mbito filosófico ou sociol ógico dos escritos juvenis; continua e se de ilusões” 15.
especifica també m na pesquisa marxiana posterior, enriquecida com Conseq úentemente, para ser homem econ ómico, isto é, para
todas as determina ções concretas que a economia pol í tica lhe for- viver numa sociedade dividida, deves renunciar à pró pria realidade
nece. A subsun çã o dos indiv í duos sob determinadas rela ções retorna
— como vimos
— nos Grundrisse e conduz à constata ção do total

humana . “Quando peço ao economista acrescenta Marx se obe-
deç o às leis económicas quando extraio dinheiro pelo abandono ou

embrutecimento do operá rio, destru ído e subsumido no processo do colocação à venda do meu corpo ao prazer de estranhos, o economis-
pró prio maquinismo, transformado em seu acessório vivo13. E, final- ta me responde: n ã o ages contra as minhas leis, poré m vê que dizem
mente, em 0 Capital, o operá rio reaparece

como nos primeiros
textos econ ómico-filosóficos, mas de modo muito mais determinado
as senhoras minhas primas, a moral e a religi ão. A minha moral e a
minha religiã o económica nada t ê m a objetar” .
— em sua imagem de homem parcial, apropriado e anexado pela vida
a uma fun ção unilateral, aviltado, mutilado, aleijado, tornado uma
Entã o, aquele que fez essa pergunta ao economista diz: “ Mas,
em quem devo acreditar? No economista ou na moral? A moral da
monstruosidade, ser incapaz de fazer algo de independente, intelec-
tual e fisicamente reduzido a trapos. Reaparece a miserá vel popu-
laçã o oper á ria, alienada pelas pot ê ncias intelectuais do processo de 14 - -
11 Cdpilale , I, cit., pp. 392-93, 403-04, 533 35, 538 39, 7064)7.
15 Manoxritti del 1844, cit, p. 273. Sublinhamos, aqui, a expressã o “homem
trabalho, a degradaçã o e a destrui çã o das crianças e dos adolescentes, econ ó mico”, porque, cm geral, tanto nos escritos correntes, quanto a n ível
culto, volta, ainda hoje, este tema do marxismo que tudo reduz à pura
economia e que n ão conhece outra imagem do homem a n ão ser a do Immo
oeconomicus (do qual, aliás, Marx fala justamente para denunciar a sua
11 Fricdrich Engels, La Siluazione delia Classe Operaria in Ingbillerra, Roma, degradaçã o na sociedade capitalista). Em geral, tudo o que a crí tica corrente
de natureza espiritualista etc. imputa nessa matéria ao marxismo, encontra
12
13
Edizioni Rinascita, 1955, p. 139.
Werke , cit., vol. I, p. 525.
Grundrisse, cit. —
sentido em rela ção à sociedade capitalista. —
o seu correspondente exato em tudo quanto Marx criticou mas, com outro

73
72
economia é o lucro, a economia da moral é a riqueza de consciência, pressupõ em uma prá xis educativa que, ligando-se ao desenvolvimen-
de virtude etc., mas como posso ser virtuoso, não sendo; como posso to real da sociedade, realize a não-separa çã o dos homens em esferas
ter uma boa consciê ncia, que n ão tenho?” E Marx conclui: “A aliena- alheias, estranhas umas às outras e contrastantes, ou seja, uma prá xis
çã o em sua essência significa que cada esfera (como a economia, a educativa que se funde sobre um modo de ser que seja o mais poss ível
moral, a religião) me impõe uma norma diversa e antit ética: uma da associativo e coletivo no seu interior e, ao mesmo tempo, unido à
moral, a outra da economia pol í tica, porque cada uma é uma deter- sociedade real que o circunda .
minada aliena çã o do homem e estabelece um determinado setor de
atividade substancial alienada e se comporta como estranha em rela- 3. Aspectos positivos do homem unilateral
ção à outra aliena ção” 16. Em resumo, toda forma particular da ativi-
dade alienada é, por sua vez, estranha às outras formas particulares Junto com esta caracterização assim obsessivamente negativa da
da mesma atividade substancial , ou seja, à pró pria atividade vital do imagem , quer do trabalhador alienado, quer do capitalista, produtos
homem. Esta é, de fato, a realidade das sociedades historicamente contradit ó rios da mesma sociedade contraditória , est á a caracteri -
existentes, das sociedades divididas em classes: que nelas cada esfera za ção apenas parcialmente positiva de alguns aspectos de um ou de
da atividade humana pressupõe uma moral particular, um modo outro perfil . Talvez se possa dizer, parafraseando o discurso de Marx
particular de comportamento, uma norma diversa e antit é tica. sobre o que é o trabalho segundo a realidade e segundo a possibi-
Nã o é essa a ú nica referê ncia expressa de Marx à moral. Outras lidade, que o trabalhador é, segundo a realidade, unilateral, e, segun-
poder í amos assinalar, embora n ã o sob tal forma de discussão teórica, do a possibilidade, onilateral.
mas como den ú ncia concreta feita por ele quanto à s condi ções da O perfil do capitalista aparece, no seu aspecto parcial e aparen-
sociedade capitalista, ou, na perspectiva do comunismo. Recorde-se temente positivo, sobretudo nas numerosas passagens em que sua
tudo o que Marx disse a propósito da degradaçã o dos oper á rios e condição está diretamente contraposta à desmoralização bestial e à
també m da degrada çã o da classe dominante; recorde-se como, no simplicidade r ú stica e abstrata das necessidades do trabalhador alie-
— —
Manifesto para citar um dos textos mais claros Marx opõe seu
desafio à moral, à religi ã o corrente e ao conceito corrente de fam í lia,
nado, enquanto é o refinamento das necessidades e dos meios rela-
tivos, sendo “ cada necessidade real e eficaz apenas se existem as
propondo uma concepçã o superior 17. Em 0 Capital, retorna à mes- condições de sua atualiza ção”. A esta contraposiçã o, que est á nos
ma pol ê mica contra tais modos de ser da vida associada, cada um Manuscritos de 1844 , A Ideologia Alemã, acrescenta que justamente a
dos quais imp õe uma norma sua que ignora a outra, onde h á conflito divisã o do trabalho cria a possibilidade, ou antes, a realidade que a
cont í nuo entre essas normas que as esferas da atividade substancial atividade espiritual e a atividade material, a fruição e o trabalho, a
humana impõem ao homem. A conclusão que, em sí ntese, se pode produção e o consumo caibam a indivíduos diversos18. E, todavia,
extrair dessa posiçã o de Marx è, portanto, uma exigê ncia de rein- este privilégio da atividade espiritual , da fruição, do consumo é
tegra çã o de um princí pio unit á rio do comportamento do homem. apenas aparente e parcialmente positivo, como se manifesta no fato
Exigê ncia a que n ão basta responder com a hipó tese de uma teoria de que quem pode comprar a bravura torna-se valoroso, até se é vil ,
pedagógica e um sistema de educa çã o que reintegrem de imediato e que o dinheiro transmuta a fidelidade em infidelidade, o amor em
essas vá rias esferas divididas entre si; mas que, de qualquer maneira, ódio e o ódio em amor, a virtude em v í cio e o v ício em virtude, o
escravo em patrã o e o patrão em escravo, a estupidez em inteligê ncia
16 Ibid ., p. 273.
17 Manifesto dei Partilo Comunista, cit ., pp. 50 52.
- 18 Cf. Manoscritti del 1844, cit., p. 270, c Uldeologia Teãesea , cit ., p. 28.

74 75
.
e a inteligê ncia em estupidez 19 É, em suma, uma condi çã o de posi- fim é, antes de tudo, a doutrina, a propaganda etc. Mas, ao mesmo
tividade apenas relativa, porque a divisão do trabalho submete todos tempo, adquirem com isso uma nova necessidade, a necessidade da
a seu signo, sem deixar lugar para a onilateralidade, mas, no m á ximo, sodedade e aquilo que aparece como meio se torna fim . Este mo-
apenas para uma multiplicidade de necessidades e prazeres. vimento pr á tico pode ser visto em seus resultados mais esplê ndidos
Frente ao positivo específico da classe dominante, que consiste, quando se observa os ouvritrs socialistas reunidos”. Engels havia exal-
portanto, na realidade da apropria çã o do prazer, da cultura etc , . tado os operá rios ingleses, Marx exalta osouvriers franceses. “ Fumar,
gra ças ao trabalho alheio, o positivo do trabalhador consiste, por sua beber, comer etc., n ão são mais, aqui, meios de uniã o ou associa-
— —
vez como já indicamos numa possibilidade ou, mais concreta-
mente, na sua disponibilidade abstrata de prazer, de cultura etc , e .
tividade; a sociedade, a uniã o, a conversa, que sua sociedade tem
como Finalidade, bastam-lhes; a fraternidade humana n ã o é uma
na sua direta e consciente oposiçã o ao presente estado de coisas. E, frase, mas a verdade próxima a eles, e a nobreza da humanidade
de fato, como Engels exaltava, em seus textos sociológicos juvenis, a resplandece naquelas figuras endurecidas pelo trabalho ”22.
classe operá ria inglesa, porque n ã o tinha qualquer cultura, mas tam- E se poderia recordar outras pá ginas em que existem exalta çõ es
bém nenhum preconceito, Marx, retomando este julgamento em 0 semelhantes da classe operá ria, por exemplo, em A Ideologia Alemã,
Capital, exaltar á a espont â nea ignorâ ncia que “ mant é m os cé rebros em que, ao citar os economistas franceses contemporâ neos, Marx
fé rteis sem corromper sua capacidade de desenvolvimento ” 20. É por reafirma que, “ hoje em dia, è justamente entre os proletá rios que se
demais evidente o quanto volta , aqui, impl ícito um ju ízo sobre toda desenvolve o m á ximo do individualismo”23, o que n ós atualmente
forma de ensino e de educação tradicionais. E é importante que com denominamos pessoa humana. Assim , em A Sagrada Família, um
ano mais tarde: “Seria necessá rio ter conhecido o estudo, a avidez de
esse conceito aparece outro que o completa , sobre a capacidade cul - saber, a energia moral, o impulso para progredir sem descanso dos
.
tural aut ó noma da classe operá ria À ignorâ ncia da classe dominante
que, após ter sido atormentada na escola com o latim , vive dilapidan- ouvriers franceses e ingleses, para se ter uma ideia da humana nobreza
do o próprio patrim ó nio, imersa nos preconceitos, andando apenas deste movimento”24. Com ê nfase moralista, portanto, Marx e Engels
à ca ça e à ignor â ncia e ao embrutecimento do trabalhador, educado
nas escolas burguesas, contrap õe-se o operá rio inglês, que é o ú nico
— —
tanto um como o outro exaltam essa imagem do operá rio educa-
do na pr ó pria escola associativa, contrapondo-o como homem em
leitor dos cl á ssicos da filosofia alem ã, traduzidos pelos propagandis- que se desenvolve o m á ximo de individualidade, como homem ver-
.
tas socialistas E Engels, usando polemicamente a expressã o da respect - dadeiramente respeit á vel , ao representante das classes dominantes,
ability brit â nica, pode dizer que apenas os oper á rios ingleses s ão ocioso, parasita , que perdeu toda substancial respeitabilidade. E isso
autenticamente respeit á veis21. Marx , por seu lado, mesmo quando nos d á toda uma safra de indica ções que se apresentam como tes-
constata a impossibilidade da exist ê ncia de um homem inteiro na temunhos de uma investiga ção sociológica negadora de toda vali-
sociedade dividida , exalta, no entanto, o operá rio comunista como dade positiva da cultura e do modo de educaçã o tradicionais, e,
tipo de homem moral e intelectualmente positivo já na realidade da naturalmente, nos remete ao fato de que també m a classe dominante
.
época Trata-se de uma pá gina t í pica desse entusiasmo obreirista dos aparece claramente como uma classe na qual se manifesta, à seme -
jovens Marx e Engels: “ Quando operários comunistas se re ú nem , seu lhan ça do que ocorre com a classe dominada, a aliena çã o.

22 Manoscritli dei 1844 , cit., p. 276.


19 -
Manoscritli dei 1844 , cit . pp. 289 90.
23 L' Ideologia Tedesca , cit., p. 223.
20 Werke, cit ., vol. I , p. 527 c II Capitule , cit., I, p. 103.
21 Wcrke , cit., p. 527. 24 La Sacra Famiglia , cit., p. 91.

77
76
Pode-se, portanto, concluir que, nesse quadro de uma huma- lateral , em todos os sentidos das faculdades e das for ças produtivas,
nidade dividida e por isso igualmcntc unilateral, onde todavia uma das necessidades e da capacidade da sua satisfa çã o.
parte está exclu ída de toda participa çã o nos prazeres e no consumo
— —
dos bens materiais e intelectuais, evidentemente e a outra tem o —
Nos Manuscritos de 1844 onde j á est á a definição da relação
homem-natureza no trabalho, como uma rela çã o que é, ao mesmo
privil égio exclusivo em nome do dinheiro, que transmuta a estupidez tempo, voluntá ria, consciente e universal, onde a natureza toda é
em inteligê ncia e torna valoroso o covarde, é à classe exclu ída que se tornada corpo inorgâ nico do homem , onde toda a assim chamada
deve ver como aquela que poder á libertar-se, e libertar consigo todas hist ó ria universal nada mais é que o devir da natureza para o homem
as demais, da aliena çã o; na emancipaçã o do operá rio est á impl ícita e a gera çã o do homem pelo trabalho humano, e a ind ú stria é a rela ção
a emancipa çã o humana geral 25. A Sagrada Família, com dialética
francamente hegeliana, indica na classe possuidora o lado positivo —
hist ó rica real com a natureza aparece, pela primeira vez, nesse
contexto, a expressã o “ onilateral ”, exatamente quando Marx diz que
da ant í tese, que se sente à vontade na auto-alienação, e sabe que nessa o homem “se apropria de uma maneira onilateral do seu ser onila-
aliena çã o está a sua força e a aparê ncia de uma existê ncia humana; teral , portanto, como homem total ”28. Numa pá gina de A Ideologia
ao passo que o proletariado é o lado negativo, a misé ria consciente Alemã que cont é m uma chave exata para entender o sentido real da
da sua misé ria intelectual e física , a desumaniza çã o consciente de ser onilateralidade de Marx, afirma -se que, enquanto nas revolu ções pre-
desumaniza çã o, e que por isso se suprime a si mesma26; eA Ideologia cedentes os homens se haviam apropriado de forças produtivas limi-
Alemã repete: só os proletá rios do tempo presente, completamente tadas, na revolu çã o proletá ria uma totalidade de for ças produtivas
exclu í dos de toda manifesta çã o pessoal, estão em condi ções de atingir desenvolvidas na modo histó rico da divis ã o do trabalho e da pro-
sua completa e nã o mais limitada manifestação pessoal, que consiste priedade privada torna-se subsumida por cada indiv í duo e as proprie-
na apropria çã o de uma totalidade de forças produtivas e no desen- dades se tornam subsumidas por todos: uma vez que “as rela çõ es
volvimento, por estas condicionado, de uma totalidade de facul- universais modernas n ã o podem ser subsumidas pelos indiv í duos a
dades. Mas també m a sua rebeliã o, se permanece no â mbito do modo n ã o ser que subsumidas por todos”, e apenas neste está dio a mani-
de produ çã o existente, se n ã o se funda sobre uma força produtiva festa ção pessoal coincide com a vida material , ou seja , corresponde
revolucion á ria , conservará apenas o “ desumano”27. ao desenvolvimento dos indiv í duos em indiv í duos completos. Es-

4. 0 conceito de homem onilateral


-
tabelece se, ent ã o, um nexo recí proco pelo qual o indiv í duo n ã o pode
desenvolver-se onilateralmente se n ã o h á uma totalidade de forç as
produtivas, e uma totalidade de for ças produtivas n ã o pode ser domi-
Frente à realidade da aliena çã o humana , na qual todo homem , nada a n ã o ser pela totalidade dos indiv íduos livremente associados;
alienado por outro, está alienado da pr ó pria natureza e o desenvol- é, em suma, o desenvolvimento original e livre dos indiv í duos na
vimento positivo est á alienado a uma esfera restrita, est á a exigê ncia sociedade comunista29.
da onilateralidade, de um desenvolvimento total , completo, multi- Essa genial mas ainda gen é rica intuiçã o exige, poré m , maior
aprofundamento. Em Miséria da Filosofia, a perspectiva da onila-
25 Manoscriui del 1844 , cit., p. 236. Mas para essa determinação pode se -
remontar à Critica delia Filosofut del Dirilto di Ilegel, publicada cm fevereiro
teralidade aparece já mais estreitamente unida à vida da fá brica, ou
antes, da fá brica moderna mecanizada, na qual, tendo o trabalho
de 1844 (cf. K. Marx, Un Carteggio del 1843 , Roma , Ri nasci ta , 1954, p. 108):
-
“A filosofia n ã o pode realizar se sem a elimina çã o do proletariado, o
proletariado n ão pode climinar sc sem a realização da filosofia”.
-
26 LM Sacra Famiglia , cit., pp. 39 40.
- 28 Manoscriui del 1844 , cit., pp. 268, 265, 261.
27 Lldeologia Tedesca , cit ., pp . 236, 435. 29 Lldeologia Tedesca , cit., pp. 66-67, 443.

78 79
perdido todo cará ter de especializa çã o, exatamente com a cessa ção rxatamente a produ ção sobre a base de valores de troca que , primaria-
de todo desenvolvimento especial, t í pico da produ ção artesanal, co- mentc, produz com a universalidade a alienação do indiv í duo em
meç a a se fazer sentir a necessidade de universalidade, a tend ê ncia a rela ção a si mesmo e aos demais, mas també m a universalidade e
um desenvolvimento onilateral do indiv í duo30. O ponto de partida, onilateralidade das suas relações e capacidades”. O demiurgo invo-
de qualquer maneira, é sempre aquele estabelecido em A Ideologia lunt á rio desse processo é o capital que, na medida em que aspira sem
Alemã, mas a exposi çã o se apó ia concretamente na considera çã o, descanso à forma universal da riqueza, impele o trabalho “ para alé m
cientif ícamente ating í vel, da base econó mica. dos limites de sua necessidade e cria, assim , os elementos materiais
É justamente sobre esse tema que se estabelece o ví nculo entre para o desenvolvimento da individualidade rica, que é onilateral
as especula ções dos anos juvenis e a posterior pesquisa econó mica. tanto em sua produ çã o quanto em seu consumo ” 31. A onilatera-
Nos Grundriise, por exemplo, afirma-se a respeito das formas de pro- lidade é, portanto, a chegada hist ó rica do homem a uma totalidade
du çã o predominantemente agr ícolas (escravid ão etc.) que, “ no inte- de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de
rior de um determinado grupo, as individualidades podem parecer capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobre-
grandes, mas n ã o se pense num desenvolvimento livre e completo tudo o gozo daqueles bens espirituais, al ém dos materiais, e dos quais
nem do indiv í duo, nem da sociedade". Para que isto se torne poss í vel o trabalhador tem estado exclu í do em consequ ê ncia da divisão do
é necessá rio que da velha condi çã o em que o homem , limitado do trabalho.
ponto de vista religioso, nacional , pol í tico, mas, no entanto, colo-
cado como finalidade da produ çã o, pode afirmar sua limitada perso-
Trata-se, no entanto, de perspectivas indeterminadas, a que falta
nalidade, passe-se à situa ção atual, na qual o homem está degradado ainda um conte ú do real . Mas, à medida que o curso da posterior
a acess ório de uma m á quina , a produ çã o se apresenta como fina-
pesquisa permitir melhor determinar o processo de desumaniza çã o,
lidade dos homens e a riqueza como finalidade da produ ção. Mas, e a divis ã o do trabalho se tornar uma divisão especí fica n ã o apenas
que é a riqueza, uma vez abandonada a limitada forma burguesa, “a
no interior da sociedade, mas també m no interior da fá brica com a
n ão ser a universalidade das necessidades, das capacidades, dos pra
zeres, das forças produtivas etc., dos indiv í duos, criada no inter-
- perda de todas especializa ções, e o oper á rio apareça acossado e arras-
tado pelo variar de uma tecnologia, isto é, de uma ciê ncia operativa,
câ mbio universal ? Que é sen ã o o pleno desenvolvimento do dom í nio
dele separada , mas que muda incessantemente suas condições de
do homem sobre as forças da natureza, seja sobre aquelas da chamada
natureza , seja sobre aquelas da pr ó pria natureza ? Que é sen ã o a
trabalho e lhe demanda uma versatilidade sem conte ú do, ent ã o tam -
bé m a perspectiva do trabalhador onilateral se configurará de forma
exterioriza ção absoluta das suas faculdades criativas ”? mais determinada e concreta . Ent ã o Marx poderá rir da velha ad-
Essa riqueza exige imediatamente a totalidade das for ças pro- vert ê ncia conservadora de uma situa çã o de divisã o e de unilatera -
dutivas, é um resultado a que a humanidade chega através da pró pria Iidade: Ne sutor ultra crepidam\ porque “este necplus ultra da sabedoria
hist ó ria: “Os indiv í duos universal mente desenvolvidos, cujas rela- artesanal (isto é, de uma r ígida divisão do trabalho no interior da
ções sociais e també m rela ções de comunidade est ã o submetidas aos sociedade, com o correlato formar-se de personalidades que, embora
pró prios controles de comunidade, n ã o são um produto da natureza, grandes, permanecem rigorosamente fechadas no interior de um
mas da hist ó ria . O grau , a universalidade do desenvolvimento das determinado setor) tomou -se terr í vel loucura a partir do momento
faculdades em que essa individualidade se torna possí vel , pressupõe em que o relojoeiro Watt inventou o tear cont í nuo, e o oper á rio

30 Miséria delia Filosofia , cit., pp. 115-16. 31 -


Gmndrisse , cit., pp. 387 (e Forme, cit. p. 33), 79 80 , 231.

80 81

ÈL
rompe os limites que o onilateral determinações tão precisas como as que vimos em relação
Fulton o barco a vapor” . O homem que
32
cria formas de dom í nio da ao homem unilateral. Marx nunca desenha uma sociedade futura ,
fecham numa experi ê ncia limitada e
n ã o se lan ça, como Owen, a prever talvez a boa sa ú de dos homens
ser relojoeiro , barbeiro, ourives e se alça a
natureza, que se recusa a
pertencentes a esta ou àquela classe de idade ou trabalho que ele
: eis o tipo de homem que Marx tem em
atividades mais elevadas recomendava. No entanto, talvez permaneçam em Marx elementos
mente . de oscila çã o entre uma concepçã o de onilateralidade entendida como
justamente a esse res-
E é, certamente, oportuno observar que, disponibilidade, variação e multiíateralidade, ou como plena posse
peito, numa breve nota, ele nos d á
uma indica çã o precisa de cará ter
de capacidades teó ricas e prá ticas, como plena capacidade de prazeres
estritamente pedag ó gico ; exalta John Bellers como “ um verdadeiro
pol í tica , por haver compre- humanos. Essas disponibilidade e variabilidade estão presentes em
fenômeno ” na hist ó ria da economia A Ideologia Alemã, quando Marx, por oposição à sociedade dividida,
endido, entre outras coisas , desde os fins do século XVII , “ que era
divisão do trabalho, que onde até o artista, a grande personalidade, como, por exemplo,
necessá rio superar a atual educa çã o e a atual
da sociedade, ainda Rafael , apresenta-se “subsumido pela estreiteza local e nacional ” e
geram hipertrofia e atrofia nos dois extremos
onde ocorre, por um lado, a concentração exclusiva do talento art ís-
, aqui , ao lado da
que em direções opostas ”. A educa çã o é colocada tico em alguns indiv íduos e, por outro lado, ocorre o seu sufocamen-
divisã o do trabalho, como causadora de unilateralidad e, abrangendo,
to na massa, concebe a hipótese de uma sociedade comunista onde
entre outras coisas, a problem á tica da
intera çã o entre escola e so-
ocasi ã o com interessante n ã o existam pintores, mas, “ no m á ximo, homens que tamb é m pin -
ciedade, sobre a qual Marx retorna em outra tam ”34. A mesma hipótese, que já vimos, de um Watt, um Arkwright,
contexto, Marx cita
referê ncia , infelizmente n ã o desenvolvida . Neste um Fulton, n ão escapa a esse risco de utopia, que parece contrariada
como “ muito bem dito” por John Bellers — e é um louvor que o
Marx deste partiu para completamente pela exigê ncia atual, cada vez mais evidente, de uma
prestigia , nã o menos do que a Owen , quando alta especializa ção por cujo interm édio se chegaria à mais alta pos-
tra çar a perspectiva da educa

çã o do
institui
futuro
çã o
— n ã o apenas seu elogio
origin á ria de Deus" (Marx sibilidade de desenvolvimento humano; mas ê, talvez, sustentada e
do trabalho corporal como
ã o sobre os sistemas de
dir á: lei da natureza), mas també m sua opini
em doutrinas ociosas ou ocupa ções est ú pidas. E 14 L’!deologia Tedesca , cit., pp 394-95. E veja-se, també m, a respeito dessa
educa çã o fundados
este comentá rio , é talvez , seu ju ízo mais concreto em maté ria espe- .
possibilidade de variar as ocupçõcs, a página 29: ".. logo que o trabalho
começa a ser dividido , cada um tem uma esfera de atividade determinada e
“ Prof é tico pressentimento contra
cificamente pedagógico-did á tica : exclusiva, que lhe vem imposta , c da qual n ão pode fugir: c caçador, pescador,
Basedow e seus plagiadores modernos” .
33 pastor ou cr í tico e assim deve permanecer se n ã o quiser perder os meios de
vida;ao passo que, na sociedade comunista, na qual ninguém tem uma esfera
não-ociosas, com
Eis aí um homem educado com doutrinas de atividade exclusiva , podendo apcrfei çoar-sc em qualaucr ramo que queira,
ções n ã o-est ú pidas , capaz de livrar -se da estreita esfera de um é a sociedade que regula a produção geral c justamente de tal modo que torna
ocupa possí vel fazer hoje esta coisa , amanh ã aquela, de manha ir á caça, à tarde
onilateral que Marx
trabalho dividido. Trata-se do tipo de homem pescar, ao anoitecer tratar do gado, depois do jantar exercer a crí tica, como
ao homem existente , tanto quanto a classe operá ria bem lhe apeteça , sem tornar-se caçador, pescador , pastor ou crí tico”. Embora
propõe, superior
estará alçada acima das atvajs classes superiores e m édias, por meio
. -
num contexto utó pico, deve sc salientar a positiva valorização do tempo
livre Ou ainda, pelo caráter positivo, mas limitado , de todo desenvolvimen -
e ensino . É ó bvio que , dado o cará ter n ã o- to numa situa çã o de divisã o do trabalho e de modesta contribui ção das
da unidade de trabalho
ut ó pico da pesquisa marxiana ,
faltem a esse esboço de homem forças produtivas sociais , a página 49: “Por isso, nos artesã os medievais se
encontra ainda um interesse pelo pró prio trabalho particular e pela
habilidade que podia elevar-sc até um certo e limitado gosto artístico”; um
tema que retorna e se especifica no livro I de 0 Capital, na parte referente,
exatamente, à divisão ao trabalho, á manufatura e à grande ind ústria
32 II CapitaU , I, cit., p. 535. (cap í tulos 12 c 13).
33 Ibid ., nota 309.

83
82
“ para produ ção capitalista dilapida os homens (dilapida não apenas sua
confirmada pela hipótese de um tempo livre cada vez maior
se humanizar ” 35. carne e seu sangue, mas tamb é m seus nervos e seus cé rebros), no
uma educa ção para
como * entanto, justamente “por meio do mais monstruoso sacrif ício do
Mas tentemos reconstruir o homem onilateral , não tanto desenvolvimento dos indiv í duos, assegura-se e se realiza sobretudo,
real
Marx o desenha incidentalmente aqui e ali, em oposiçã à figura
o
do contexto o desenvolvimento da humanidade nesta época hist ó rica que, ií:me __ -
do homem unilateral , mas, de preferê ncia , como emerge diatamente, antecede a reconstituição consciente da sociedade hu-
e negada
da sua pesquisa, como tendência contraditoriamente posta mana ”37. Esta reconstituiçã o (uma expressão que, uma vez mais,
objetivo
pela sociedade moderna e já pass í vel de se assumir como coloca toda a problem ática do homem numa dimensão histórica)
consciente. significa a transição do sacrifício à expansão dos indivíduos, tornada
ção, o
Como resultado de um processo histórico de autocria objetivamente necessá ria pelas mesmas forças objetivas criadas pela
homem se apresenta como uma totalidade de disponibilidades
.A
totalidade de sociedade em seu contraditó rio desenvolvimento que tem “ neces-
apropria çã o individual (no sentido já visto) de uma
forças produtivas objetivamente existentes significa, enfim a
, absolu
subjetivas do homem , sem
- sidade de homens novos”38. E a esses novos homens, não integrados
ou subsumidos a rela ções limitadas, nenhuma moral de grupo ditará
ta exteriorização das faculdades criativas seus imperativos unilaterais e em contraste com os das outras morais,
hist ó rico. O
outro pressuposto que o precedente desenvolvimento nem a moral ser á contestada pela “ prima ” economia ou por outras

homem aparece agora universalmente disponível nas necessidades

maneira esferas da atividade humana. Isto n ã o significar á, por certo, a exis-
ou consumos, quer dizer, nas exigê ncias humanas (que, de t ência de indiv íduos e sociedades sem conflitos, mas antes uma vida
, no criar
bem humorada , se podem configurar no ca çar ou no pescar cm que os conflitos e as escolhas que comportam impliquem uma
gado ou no exercício da crí tica, da sarcástica objeção de Marx
aos
exerc ício da vontade libertada de servid ões particulares.
ide ó logos alem ã es, ou ainda na forma da pintura, do
impulso Quanto às implica çõ es pedagógicas que tudo isso comporta,
pol í tica, do estudo, do desejo de saber, da energia moral, do
a progredir, da sociabilidade, da conversão da
, fraternidade humana
que
-
podem expressar se, em s í ntese, na afirmaçã o de que, para a rein
tegra ção da onilateralidade do homem , se exige a reunifica ção das
-
— que tais sã o as determina ções concretas dos prazeres humanos
estruturas da ciência com as da produ ção. N ã o pode, de fato, ter
Marx, ocasional mente, nos propõe). E aparece també m determi-
dispon í vel
validade nem a extensão a todos da cultura tradicional no tipo de
na produ ção, onde, n ão mais subsumido pelos aspectos escola até agora existente para as classes dominantes, nem a per-
as variações da
nados, est á em condições de enfrentar como indivíduo man ê ncia da forma çã o subalterna, at é agora concedida às classes
tecnologia . Trabalho onilateral e n ã o-trabalho igualmente onilateral
como desenvolvimento das potências universais da36 mente
, do cé - produtivas, através da antiga aprendizagem artesanal ou das novas
lormas de ensino unidas à ind ú stria moderna.
rebro humano: é esta a manifesta ção do homem . Porque
, se a

seus pontos dc contato com as ci ê ncias conexas ”, at é porque apenas desse


35 II Capiutle , I, cit., p. 300. modo o homem está cm condições de tomar decisões, prevendo melhor as
36 Essa pcrspectiva n ã o nega a especialização, mas afirma a sua livre escolha e consequ ências. (Cf. J. Bogn á r, relató rio sobre La Plaee de la Retbenhe
fundamento na compreensã o do contexto mais geral do saber e do agir
outros indivíduos livremente as-
Saentijupee dons U Pays en Vote de Développement , no simpósio de World
humano , na co - participação aberta com
um dos problemas centrais da Fcderation oíScientific Workers , realizado em Budapeste, no período dc 20
sociados. Quanto ao mais, sobre o que é hoje á indiscut í vel acentuação a 23 dc setembro de 1965.
formação e da atividade humana , observa-se que evid ência, a exigência de 1/ . .
Cf II Capiíale, III, dt , p. 121.
da especialização acrescenta- se , cada vez com maior
abertura. “Conhecer a itH Cf. Karl Marx, Discono neã’Annivenario del "People’s Paper”, in Karl Marx,
uma integração ou de uma especializaçã o de ampla conhecer os StriUiSeeUi, Moscou , Edições em Línguas Estrangeiras, 1944, p. 375.
lógica interna de uma disciplina tem tanta importância quanto

85
84
Na realidade, Marx percebeu o aparecimento de um novo tipo

de escola , como expressã o de um novo processo em curso as escolas
politécnicas e de agronomia , as écoles d’enseignement professionnel 39
mas jamais pensou que satisfizessem a exigência real do homem. Ao

contrá rio, enfatizou a necessidade de se oferecer, també m nas escolas
dos operá rios, um ensino tecnol ógico que fosse, ao mesmo tempo,
teórico e prá tico. E n ão se pode, de forma alguma, subestimar o que
significa esse elemento da teoria num contexto n ã o apenas de rein-
tegra çã o da onilateralidade do homem , mas també m de supera ção
da ruptura ocorrida na fá brica entre a ciência e o trabalho. A orien-
ta çã o praticista e profissional do ensino n ã o é cria ção de Marx, mas
decorre, para dizê-lo francamente, do sistema capitalista que ele de-
nuncia. Veja-se o seu pensamento em 0 Capital , onde ele, ao tratar
da forma çã o dos trabalhadores do com é rcio, observa exatamente que
“a produ çã o capitalista orienta os m étodos de ensino para a prá-
tica ” 40. Mais uma vez, a acusa çã o que se costuma dirigir contra a
pedagogia marxista , de ter como objetivo exclusivo a t écnica, de
desejar uma escola orientada apenas à formaçã o prá tica, de n ão saber
pensar a n ã o ser em termos de homo oeconomicus, nada mais é do que IV. Escola e Sociedade: o
aquilo que Marx identifica e critica como limitação da sociedade
capitalista. Não é o marxismo, mas o capitalismo, a produção capi- Conteúdo do Ensino
— —
talista, que como Marx denuncia limita os trabalhadores ao
ensino da prá tica .
Uma ocasião oportuna para retomar as principais idéias
peda-
gógicas de Marx pode ser dada por duas interven ções,
em agosto de
1869 no Conselho Geral da Associa çã o Internacional dos Traba
lhadores, nas quais, há dois anos de distâ ncia dos seus escritos essen -
-
——
ciais a esse respeito as Instruções aos Delegados, aqui diretamente
citadas, e 0 Capital trata, em parte, as mesmas questões, como
o
ensino politécnico, em parte, de questões tratadas noutro lugar
, co-
mo a relaçã o entre escola e Estado e Igreja , e, em outra parte, de novas
quest ões, como o pr óprio conte ú do do ensino.
Infelizmente, por é m,
dessas duas interven ções só chegaram até n ós, nas atas da Inter
nacional, os relatórios resumidos por seu amigo Eccarius; uma
-
reda-
çã o, portanto, indireta e esquem á tica, mas com toda a apar
ência de
39 Cf. // Capttale , I, cit., p. 535. documento fiel, e que vale a pena tornar conhecido també m na It
40 II CapitaU , III , cit., p. 360. á lia
com um breve coment á rio que permita resumir, rapidamente, os

86
87
pontos essenciais da tem á tica pedag ógica marxiana . ensino; em Nova Iorque, 1/5. Os comit é s escolares que
administram as escolas s ã o organiza ções locais; eles
Apresentamos, a seguir, o texto das atas da Internacional, com nomeiam os professores e selecionam os livros de texto. O
as notas nelas inclu ídas pelo responsá vel pela ediçã o russo-
alem ã ,
é defeito do sistema americano consiste no fato de que leva
publicada pelo Instituto Para o Marxismo-Leninismo, do Comit a uma caracteriza çã o local í stica e que o ensino depende do
base
Central do Partido Alem ão da Unidade Socialista (SED), com n ível de cada distrito. Por isso, lan çou-se a proposta de um
na edição russa do Instituto Para o Marxismo-Leninismo, do1
Comité
controle central. Os impostos destinados à escola são
Central do Partido Comunista da Uni ã o Soviética (PCUS).
Poderá
* obrigat ó rios, mas n ã o a frequ ê ncia das crian ças. A
ser ú til a discussão dessas notas. propriedade é taxada e as pessoas que pagam os impostos
Karl Marx: o ensino na soáedade moderna desejam que o dinheiro seja utilmente empregado.
O cidad ão Marx disse que a esta quest ão está relacionada O ensino pode ser estatal sem estar sob o controle do
uma dificuldade de tipo especial. Por um lado, é necess
á ria
uma mudan ça das condições sociais para criar um sistema
de ensino correspondente, e, por outro lado, é necessá rio
ter um correspondente sistema de ensino para
poder

governo. O governo pode nomear inspetores, cuja
atribui çã o é vigiar a observâ ncia das leis sem que tenham
o direito de intrometerem-se com o ensino em si
mesma maneira como os inspetores de fábrica vigiam
— da

mudar as condições sociais. Por isso, devemos partir das quanto à observ â ncia das leis nas fá bricas.
situa ções existentes. Nos Congressos , discutiu -se a ques- O Congresso pode decidir prontamente que o ensino
tã o sobre se o ensino deveria ser estatal ou particular
.O gratuito deve ser obrigat ó rio. Quanto ao fato de que as
ensino estatal é considerado como ensino sob o controle crianças n ão deveriam ser admitidas no trabalho, uma
do governo, mas isto n ã o é, absolutamente, indispensá vel. coisa é certa: isto não levaria a uma redu ção dos salá rios e
Em Massachusetts, cada município é obrigado a garantir as pessoas acabariam acostumando-se.
a todas as crianças um ensino escolar elementar
. Nas Os proudhonistas sustentam que o ensino gratuito é um
cidades com mais de 5000 habitantes, devem ser mantidas contra-senso, pois o Estado deveria pagá-lo. Obviamente,
escolas para o ensino polit écnico; nas cidades maiores, -
algu é m deve pagá lo, mas n ão aqueles que menos est ão em
escolas superiores . .
condições de fazê-lo O orador [ Marx ] n ã o é favorá vel ao
O Estado contribui com alguma coisa , mas não muito. Em ensino superior gratuito.
Massachusetts, 1/8 dos impostos locais é gasto com o No que se refere ao sistema de ensino prussiano, sobre o
qual tanto se fala, observa, para concluir, que este sistema
objetiva apenas formar bons soldados.
1 Karl Marx Fricdrich Engclt, Wnke , cit ., vol. XVI, pp. 562 64.
- - II
* O primeiro discurio foi feito pur Marx a 10ões de agosto de 1869, no Conselho
programa para o iminente O cidad ão Marx disse que, sobre determinados pontos,
Geral da I Internacional , durante as discuss do de agosto, Marx
Congresso de Basileia. Na sessã o do Conselho Geral, a 17 discursos, nas estamos de acordo.
faz o discurso de encerramento sobre esse tema . Os dois
de do Conselho Geral. O A discussã o começou com a proposta de ratifica çã o da
anotações de Eccarius, est ã o contidos no livro atas
Bte Hive (que era o ó rgã o, da época, da I Internacional
- ) n8 409, de 14 de agosto resolu ção de Genebra, que pede para se unir o ensino
1869 relata , cm sí ntese , os dois discursos
de 1869, en 410, de 21 de agosto de
8 , intelectual com o trabalho fí sico, os exercícios gin ásticos
em seu notici á rio sobre as sessões do Conselho Geral.
** Os três congressos anteriores da Internacional — 1866 cm Genebra , 1867 em e a formação tecnológica. Nenhuma oposição foi levan -

Lausanne, 1868 cm Bruxelas trataram do ensino em
geral . tada a esse respeito.

89
88
professores, como a senhora Law, que dava lições sobre
A formaçã o tecnol ógica, que è desejada pelos autores
prolet á rios, deve compensar as defici ências que surgem da
divisã o do trabalho, que impede os aprendizes de ad
quirirem um conhecimento aprofundado de seus ofícios.
- —
' -»
religião*.

1 . Ensino Tecnológico e Trabalho Infantil


Mas, sempre se partiu daquilo que a burguesia entende por
Como se conclui do discurso de encerramento de Marx , a dis-
ensino t écnico e, por consequ ê ncia, interpretado de modo
cussã o no Conselho Geral havia partido, quanto ao que se refere aos
errado.
temas de ensino, da ratifica çã o da resolu çã o aprovada três anos antes,
No que se refere à proposta da senhora Law sobre as
no I Congresso da Internacional, em Genebra; devia -se, portanto,
receitas da Igreja, seria desejável, do ponto de vista polí tico,
que o Congresso se pronunciasse contra a Igreja.
elaborar o programa a ser submetido ao IV Congresso e tomar sob
exame as conclusõ es dos tr ês congressos anteriores. A resolu ção de
A proposta do cidad ão Milner“ n ão é adequada para ser
discutida juntamente com a questão escolar; este ensino os Genebra n ã o tinha feito mais do que assumir a proposta sobre ensino
jovens devem recebê-lo dos adultos na luta cotidiana pela tecnol ógico associado ao ensino intelectual, ao trabalho manual e à
vida. O orador n ão aceita Warren como um evangelho, gin á stica, que Marx, impossibilitado de participar do Congresso,
esta é uma quest ã o sobre a qual apenas com dificuldade se expusera por escrito em suas Instruções aos Delegados, de agosto de
poderá chegar a uma opiniã o consensual. Deve-se acrescen- 18662. Embora na Internacional, tanto em 1869 quanto em 1866,
tar que um ensino deste tipo n ão pode ser dado pela escola
, tenha havido unanimidade na decisã o sobre esse problema, Marx
mas deve, de prefer ência, ser dado pelos adultos. precisou retornar ao assunto, tanto em sua primeira interven ção
Nem nas escolas elementares, nem nas superiores, se deve quanto no discurso final, para esclarecer alguns pontos que lhe pare-
introduzir mat é rias que admitam uma interpreta çã o de cia n ã o terem ficado bem compreendidos.
partido ou de classe. O primeiro ponto diz respeito à quest ão do trabalho produtivo
Apenas mat é rias como ciê ncias naturais, gram ática etc., das crian ças e pretende dar resposta a duas objeções diversas: 1) que
podem ser ensinadas na escola. As regras gramaticais, por ele comporta, inevitavelmente, uma forma de explora ção do trabalho
exemplo, n ão mudam quando explicadas por um crente infantil, e 2) que o custo menor do trabalho infantil traz consigo
tojy ou por um livre pensador. Maté rias que admitem uma diminuiçã o dos salá rios dos trabalhadores adultos. No relato
conclusões diferentes n ã o devem ser ensinadas na escola; sum á rio de que dispomos, as respostas de Marx a estas objeções
delas podem ocupar-se os adultos sob a orienta ção de podem parecer extremamente apressadas; mas o sentido da sua expo-
si çã o poderá ser melhor compreendido, se posto em confronto com
1869, tinha
Harriet Law, na sessã o do Conselho Geral, do dia 17 de agostoasdenecessidades
proposto que se usassem os bens c as receitas da Igreja para 2 Os sucessivos congressos n ão tinham chegado a deliberações comuns pela
do ensino geral. oposiçã o dos franceses à proposta de se atribuir o ensino ao Estado . No
á rio
** Nas sessões do Conselho Geral , de 10 e 17 de agosto de 1869, o operdesse terceiro congresso, no entanto , fora aprovada a proposta de suprir a carência
ingl ês Milncr apresentou a proposta dc que a escola burguesa da cpoca dc escolas oficiais organizando^ c conferê ncias de ci ências e de economia
ria de economia pol í tica . A efetiva ção
aos alunos conhecimentos em mat é
do para os operá rios. Cf. The General Council, cit., p. 294.
desta proposta, que era inaceitá vel do ponto de vista dos interesses
proletariado , levaria ao refor ço da influ ê ncia ideológica da burguesia
neces - -
A frase foi transcrita no Bee Hive da seguinte maneira: “Quanto á economia
dominante sobre as novas gerações. Milner salientava, sobretudo , a
ção,
pol í tica , a religi ão e outras matérias, nã o podem ser introduzidas nas escolas,
sidade de dar aos alunos uma id é ia do “valor do trabalho" e da distribui teoria
nem elementares, nem superiores. Esta espécie de ensino cabe aos adultos e
a deveria ser ensinado na forma de lições por professores como a senhora Law”.
baseando-se em especial no socialista utó pico Warren que , sustentava
da “ justa troca ”.

91
90
outros dos seus textos nos quais trata expressamente do mesmo campos suas reservas de m ã o-de-obra, inseria, de fato, a popula ção,
antes artesã e campesina, no centro de uma forma de produ çã o
argumento.
moderna, tolhendo-lhe, sem os substituir por nada , aqueles com-
Quanto à quest ão da explora ção do trabalho infantil , já em 1848,
plementos de vida que as antigas estruturas sociais permitiam : a
ao relacionar, no final do cap í tulo II do Manifesto Comunista , as
assist ência eclesiástica, por exemplo, e sobretudo o ensino para o
medidas que deveriam ser adotadas ap ós a tomada de poder numa
trabalho. A fá brica (Marx fala ami ú de disso)6 não permitia qualquer
revolu çã o iminente, Marx pede a unificaçã o do ensino com a pro-
formaçã o para o trabalho, do tipo artesanal; destru ídas as escolas
du çã o material, colocando, poré m, como premissa a “aboliçã o do
trabalho das crian ças nas fá bricas em sua forma atual ” . Aliás, exata-
3
* artesanais, exigia das crianças apenas um trabalho sem aquisiçõ es
t écnicas e culturais, sem perspectiva de progresso. Nestas condições ,
mente esta objeção, expl í cita e contextuai, distingue Marx de quan-
a exigê ncia de associar o ensino ao trabalho para as crian ças, for-
tos, antes dele, haviam associado ou defendido a oportunidade de
mulada como o fazia Marx7, significava enfatizar o fato novo da
associar o ensino ao trabalho de fá brica, inclusive a de Owen, que
inserçã o das crian ças no cora ção da produ ção moderna, que as retira
modificava, de fato, a forma atual do trabalho de fá brica das crian ças de formas primitivas de vida, para, no entanto, extrair desse novo
e a do pr ó prio Engels 4. Deve-se ter presente, por outro lado, que a
situa çã o real , na metade do século XIX, era de que as crian ças per- —
fato e n ão em oposição a ele, o que seria ut ó pico e voluntarioso
formas mais avan çadas de vida e de relações sociais. Significava, por

tencentes à s classes trabalhadoras ainda n ão possu í am qualquer di-
reito ou possibilidade concreta de acesso ao ensino escolar, reservado —
outro lado, restituir à s classes artesã s e campesinas que tinham sido
expropriadas de uma forma de ensino que lhes pertencia, mas era
às classes possuidoras, e já haviam perdido a possibilidade de par-
ticipar da ú nica forma de ensino a eles reservada por séculos ou
mil é nios, isto é, aquela que se desenvolvia , n ã o em instituições edu-

limitada uma forma superior de ensino, ligada a novas e mais
avan çadas (e, por isso mesmo, mais contradit ó rias) rela ções de pro-
du ção. Ainda em 1875, em sua Crítica ao Programa de Gotba8, Marx
cativas expressamente reservadas ao desenvolvimento humano das
refor çará a exigê ncia de v í nculo precoce do ensino ao trabalho pro-
crian ças, ou escolas, mas, diretamente, no trabalho, junto dos adul-
dutivo, como “ um dos mais poderosos meios de transforma çã o da
tos, na produ çã o artesanal ou campesina . A f á brica moderna , que
5
sociedade”, mas subordinando-o à rigorosa regulamenta çã o da du-
substitu í a a oficina artesanal e, gra ças à expropria çã o capitalista das
ração do trabalho segundo as diferentes idades (em 1866, tinha assim
terras feudais, comunais e campesinas, recrutava amplamente nos
especificado: duas horas entre os 9 e 12 anos, quatro horas entre os
13 e 15 anos, seis horas entre os 16 e 17 anos)9.
3
4
-
Karl Marx Fricdrich Engels, // Manifesto del Partito Comunista, cit., p. 55.
J á sabemos que è do exemplo dc Owen (bem como da realidade da fá brica
inglesa) que Marx toma cxplicitamcnte inspiração, em 0 Capital, em sua 6 II Capitale , cit., p. 531 , onde Marx denuncia o “fato terrí vel que uma grande
exposi çã o sobre o ensino. Quanto a Engels, é claro que, como c ainda mais parte das crian ças ocupadas nas fá bricas e nas manufaturas modernas, presas
que Owen , també m quer mudar o regime dc trabalho das crian ças nas desde as mais tenras idades às manipulações mais simples , sejam exploradas,
fabricas. Aqui, pretendemos apenas salientar que essa alusã o expl í cita e por anos c anos, sem que aprendam um trabalho qualquer cjue as torne ú teis,
contextuai a tal exigê ncia preliminar n ã o consta do resumo escrito por mais tarde, mesmo que na mesma manufatura ou fá brica .
Engels para o Manifesto (os chamados Princípios Jo Comunismo ou Catecismo
Comunista ) c foi acrescentado por Marx na redaçã o definitiva.
7 Isto é, essencialmente, abolindo a forma existente de trabalho infantil de
fá brica c associando na formação tecnológica a teoria à prá tica (sem contar
5 Cf. Karl Marx , II Capitale , I , cit., p. 411 , onde observa que “as laws of a formação intelectual e a gin ástica).
apprenticeship ( leis dos aprendizes ], com seus sete anos dc treinamento, 8 Karl Marx, Glosse Marginali al Programma del Partito Operaio Tedesco ( Critica
permanecem em vigor at é o final do per íodo da manufatura ” , zelosamente al Programma di Gotha ) , in Karl Marx - Fricdrich Engels, // Partito e
mantidas pelos oper á rios ainda quando, por decomposi çã o da atividade
artesanal ocorrida na manufatura, tal pr á tica já se apresenta como supérflua. rintemazionale , cit ., p. 244.
Essas leis “são abolidas apenas pela grande ind ú stria ”. 9 Cf. Instruklionen , cit., p. 190 ( IIMarxismo e PPÀtuazione , cit., pp. 82-83).

93
92
São essas as respostas que Marx d á à s objeções que s ão colocadas tos ramos de trabalho quanto poss ível , para fazer frente à introdu ção
á associa ção de ensino e trabalho de fá brica, abrangendo desde as de novas m áquinas ou a mudan ças na divis ã o do trabalho. Para dizer
posições humanitá rias e, no entanto, corporativas e conservadoras, a verdade, Marx també m mostrar á, em vá rias ocasiões, n ã o subes-
daqueles que, sob a hipótese ilusória de uma defesa dos salá rios ou timar esse aspecto, denunciará o fato de que “a divisão do trabalho
da tutela das crian ças, se op õem à realidade revolucion á ria de um aprisiona os operários a um determinado ramo da ind ú stria ” e que
processo objetivo que, em suma, n ã o chegam a compreender, para muitos indiv íduos “são arruinados pela falta de mobilidade causada
repetir quanto dissera em 1865, sempre ao Conselho Geral da I pela divis ã o do trabalho” e valorizará positivamente “o reconheci-
mento da variação dos trabalhos e, portanto, da maior versatilidade
Internacional , “que o sistema atual , com todas as misérias que acu-
mula sobre a classe operá ria, engendra, ao mesmo tempo, as condições possível do operá rio”12. Mas n ã o se limita, certamente, a essa rei-
materiais e as formas sociais necessá rias para uma reconstru çã o eco- vindica çã o por uma maior “disponibilidade” do operá rio para a
n ómica da sociedade” 10. Por é m Marx tem que responder també m a varia ção do trabalho; sua concepção do ensino tecnol ógico “teó-—
rico e prá tico”, como tinha esclarecido, em 1866, aos delegados do
quantos, aparentemente aceitando suas propostas, na realidade, d ã o
a elas uma interpreta ção do tipo burgu ês; e é o que ele faz na terceiro —
I Congresso da Internacional 13 exprime a exigê ncia de fazer adqui-
pará grafo do discurso final: “Sempre se partiu daquilo que a bur- rir conhecimentos de fundo, isto é, as bases cient íficas e tecnol ógicas
guesia entende por ensino técnico e, conseqiientemente, sempre se da produ ção e a capacidade de manejar os instrumentos essenciais
deu uma interpretaçã o errada ”. —
das vá rias profissões, isto é, de trabalhar conforme a natureza
com o cé rebro e as m ã os, porque isto corresponde a uma plenitude

Marx retoma, també m aqui, uma sua antiga pol ê mica, de 1847,
do desenvolvimento humano. Em resumo, ao crité rio burgu ês da
contra uma “ proposta predileta dos burgueses”: aquela do “ ensino
profissional universal”11 , consistente em adestrar o oper á rio em tan-
“ pluriprofissionalidade”, Marx op õe a id éia da “onilateralidade”, do
homem completo, que trabalha n ão apenas com as m ã os, mas tam-
bém com o cé rebro e que, consciente do processo que desenvolve,
domina-o e n ã o é por ele dominado. E parece que sua polê mica
10 KarI Marx, Salario, Prazo e Profitto, Roma , Edizioni Rinascita , 1955, D. 94.
Esta atitude “ positiva ” de Marx frente à sociedade capitalista, indissoluvel- contra “ o que a burguesia entende por ensino técnico” é atual ainda
mente associada à atitude negativa, é um dos elementos que mais fortemente hoje e parece, até, que na moderna pedagogia socialista h á, por vezes,
distinguem seu socialismo cientifico de todas as outras formas de socialismo,
por ele relacionadas no capítulo III do Manifesto (feudal, pequeno-burguêso, uma tendê ncia de reduzir o politecnismo, ou melhor, o ensino tecno-
conservador, burgu ês , ut ó pico). Alé m disso, trata-se de uma observaçã ., lógico teórico e pr á tico, a uma mera quest ão de disponibilidade, de
frcqiiente nele: cm 1857, na í ntroduzionealia Critica delVEconomia Política (cit pluriprofissionalidade. E, talvez, valesse a pena verificar este ponto
nas pp. 45 e 46 ), Marx une as duas avaliações: “A sociedade burguesa é a
organiza çã o histó rica mais desenvolvida c complexa da produ
ção”, mas, e estudar se talvez as estruturas produtivas do modo de produ ção
“por outro lado, essa mesma sociedade burguesa nada mais é que uma forma socialista n ã o correspondam substancialmente às mesmas exigências
antagó nica de desenvolvimento". Isso corresponde, além do mais, o que
encontramos nos Grundmse , na nota 22 do capitulo I, sobre o fato de que
, imediatas do sistema de produ çã o capitalista, que apenas a cons-
na sociedade capitalista, se encontram "ocultas as condi ções materiais para ciê ncia e a vontade socialistas, na medida em que se fa çam presentes,
uma sociedade sem classes , ou a afirma ção de 0 Capital, III, p. 932, sobre a
tica é també m retomada por
“fun çã o civilizadora do capital". Aliás , esta tem ásobre tendem a corrigir. Deve-se observar, de fato, se n ã o estamos errados,
Lê nin , entre outros , com seu extenso estudo
Capitalismo na Rússia (â p. 436), onde fala da
0 Desenvolvimento do
“fun ção historicamente
progressiva do capitalismo" (cf. IIMarxismo e 1’Educazione , vol. I, pp. 68-69).

que contrariamente a quanto acontece na passagem das formas de

II Cf. Werke , cit., VI , p. 545, Lohn, V7, Vorschlaege ntr Abhilfe. (Trata-se das
anotações in éditas de Marx para as duas conferências feitas por ele, em
12 II Capitale , I, cit., p. 534.
dezembro de 1847, na Uniã o dos Oper á rios Alem ã es , de Bruxelas.) Cf. II Instruktionen , cit., p. 194 .
Marxismo e 1' Educazione , cit., vol. I , pp. 68-69. 13

95
94

produ çã o pr é-capitalistas às capitalistas na passagem das formas
de produ ção à s socialistas n ã o se verificam mudan ças substanciais
Seria simples demais reduzir todo o sentido da breve, mas rele-
vante, indica ção de Marx a uma questã o de rela ções entre estrutura
e superestrutura. Em Marx , as coisas n ão são assim tã o simples, nem
das estruturas produtivas; os meios de produ ção (a fá brica capitalista)
sã o algo mais que a simples premissa da fá brica socialista, pois nem mesmo nas famosíssimas páginas do Prefácio à Cr ítica da Economia
mesmo tê m necessidade de mudar na transiçã o de um regime a outro. Política, onde tra ça a história autobiográ fica da sua descoberta dessa
O que deve ser mudado sã o as relações de produ çã o ou de pro - relaçã o e o exp õe explicitamente . Marx ali estabelece uma rela ção,
15

priedade14. Nem mesmo a “segunda revolu ção” industrial é espe- no m ínimo tripla, entre: a) uma “base real”, dada pelo conjunto das
cífica do sistema de produ ção capitalista, ou do socialista. Parece rela ções de produ çã o, que, alé m disso, já pressupõem “ um deter-
evidente que dessa estrutura comum nasçam exigê ncias e tend ê ncias minado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais” e

objetivas comuns. Apenas a resposta pol í tica volunt á ria e cons - constituem “a estrutura econó mica da sociedade”, b) uma “super -

ciente é que pode ser diferente. estrutura jur í dica e pol í tica que se ergue sobre aquela base e à qual
correspondem ” e c) “determinadas formas de consciê ncia social”.
2. Relação da Escola com a Sociedade, Mas, acima de tudo, Marx evita todo esquematismo ao delinear esses

o Estado e a Igreja
momentos e sua relação; uma leitura atenta daquelas páginas apresen -
ta-nos, sobretudo, uma contradição de fundo entre os dois primeiros
termos, “forç as” e “ rela ções de produ çã o”, e a identifica çã o destas
A observa çã o inicial de Marx sobre a “dificuldade” especial e ú ltimas com sua “forma jur ídica ”, isto é, com as rela ções de pro-
-
inerente à rela çã o escola-sociedade ou , como diz, à relação entre

“condições sociais ” e “sistema escolar ” como rela ção de tipo par
ticular, que sup õe um condicionamento recí proco, responde à pro-
- priedade e, em ú ltima instâ ncia , com todas as “ formas ideológicas”
em que os homens concebem e combatem o conflito real A forma
mais precisa em que ele determina esta rela ção é, ao mesmo tempo,
.
posta de Eccarius, de ratificar a resolu çã o de Genebra e limitar a a mais gen é rica: “que o modo de produ ção da vida material con -
discussão ao problema de quem deve controlar e financiar o ensino, diciona, em geral, o processo social, pol í tico e espiritual da vida ”, ou
superando a oposiçã o “antiestatal ” dos franceses. Cont é m uma ad- ainda mais em geral , que “n ão é a consciê ncia dos homens que
vert ê ncia para n ã o se confiar demais nas possibilidades determina o seu ser, mas, ao contrá rio, è seu ser social que determina
revolucion á rias de um sistema escolar frente à sociedade, da qual ê .
sua consci ê ncia ” 16 Contudo, sejam quais forem as coisas em Marx
produto e parte, mas, ao mesmo tempo, també m de se eliminar todo sobre esse ponto central da sua teoria que, aqui, n ã o ê possível esgotar,
adiamento pessimista e omisso de intervir neste setor somente após parece-me que o sentido da sua observa çã o pode ser encontrado
a revolu ção, isto ê, quando as estruturas sociais já tenham sido modi - naquelas mesmas pá ginas, onde exige a necessidade de se partir do
ficadas. .
real “A humanidade, diz ele, se coloca sempre apenas as tarefas que
pode resolver, porque, caso observe melhor, se achará sempre que as
14 Ê o ju ízo implícito na atitude positivo- negativa de Marx cm relação ao
pró prias tarefas surgem apenas onde as condições materiais para a
sistema capitalista, no qual se desenvolve uma totalidade de forças sua solu ção já existem ou, pelo menos, estã o in fieri. E, al é m disso,
produtivas, que é condição para a abolição das relações de produ çã o em que toda a sua tese sobre o ensino tecnológico e sobre a uni ã o de ensino
sc desenvolvem . À parte o tato de que, como vimos, “enquanto o processo
de trabalho c apenas um processo entre o homem e a natureza , seus
elementos simples permanecem id ê nticos em todas as formas de evolu ção
social ”, o problema da rela ção que ocorre nas mudan ças dos instrumentos
.
Karl Marx, Perla Critica deU' Economia Polilica, cit., Prefazione, pp. 9-13

de produção ou de propriedade ou, ainda mais em geral, das relações sociais,

pelo outro lado, está parece ainda longe de ser esgotado.
15
16 Ibid., p. 11.

96 P:
mente qualificada 18, são todos exemplos de posições a que Marx já
e trabalho è formulada, principalmente em 0 Capital, isto é, no
- respondeu com aquela sua observaçã o ó bvia. Ele a ilustra com o
momento de maior maturidade da sua pesquisa, como um desenvol
exemplo das escolas de Massachusetts ecom a analogia dos inspetores
vimento do real, ou melhor, das suas contradi ções” .De qualquer
17

çã o, ou melhor , na resenha sint ética de de fá brica da Inglaterra: a escola pode ser estatal na medida em que
maneira, nessa sua interven o Estado promulga as disposiçõ es gerais, contribui com seus fundos,
que dispomos, Marx n ão vai alé m da enunciaçã o da dificuldade
controla a obediê ncias às leis, mas, quanto ao resto, desde a nomea ção
especial dessa questão da relação recíproca que existe entre condições
at é a escolha dos manuais escolares, pode depender das representa-
sociais e sistema de ensino, e, finalmente, do consequente apelo à
realidade.
No discurso seguinte, sobre a questã o do ensino estatal ou pri -
— —
ções locais (que considera-se podem ser, por sua vez, demo-
crá ticas em vá rios graus). Vale a pena observar que esses exemplos
americanos e ingleses n ão aparecem apenas aqui, em Marx; para
vado e das relações da escola com o Estado, governo e Igreja, e que confirmar a validade desta resenha sintética, pode-se recordar que,
se estende aos problemas da obrigatoriedade, da gratuidade e da cerca de seis anos mais tarde, em sua Cr ítica ao Programa de Gotha , de
laicidade, da democracia e das liberdades escolares, h á també m uma 1875, Marx declarava “ reprovar completamente” a id éia de uma
resposta implícita à quest ão anterior. “educa ção popular a cargo do Estado” e recorria, uma vez mais, ao
exemplo dos Estados Unidos para observar que o Estado deveria
O ponto de vista de Marx apresenta-se como claro e atual até limitar-se a determinar por lei os recursos para as escolas, o nível de
hoje. À concepçã o daqueles que, por estatolatria ou por estatofobia ensino dos professores, as maté rias de ensino e a supervisar com seus
— —
pouco importa n ão sabem conceber o ensino estatal senã o como
um ensino controlado pelo governo, ele responde com a óbvia, mas
coisas
inspetores o cumprimento dessas disposições. E repetia que isto n ã o
quer dizer, de fato, “ nomear o Estado educador do povo”, porque,
t ã o esquecida observaçã o de que Estado e governo sã o duas pelo contrá rio, “deve-se excluir governo e Igreja de toda influ ê ncia
diversas e que “o ensino pode ser estatal sem estar sob o controle do sobre a escola”19. Portanto, Marx não improvisa, aqui, uma tese
governo”. Observa ção ó bvia, mas, na verdade, muitas vezes esque - “liberal ”; sua posição è totalmente coerente com sua concepção do
cida . N ão faltam , de fato, exemplos, em nosso pa í s ou em outros socialismo. E, aliás, era uma tese que já expressara em outra ocasiã o,
com regimes sociais diversos, de enunciados (diferentes ou at é direta- em seus escritos do final de maio de 1871, sobre a Comuna de Paris,
mente opostos em seus fins, de liberais, clericais ou socialistas)
nos nos quais tinha exaltado as medidas da Comuna referentes ao ensino:
quais se deplora , se deseja ou se exerce o estatismo, sempre dentro “Todos os institutos de ensino foram abertos gratuitamente ao povo
do esquema de uma substancial identifica çã o Estadogoverno. Eco- e, ao mesmo tempo, liberados de toda ingerê ncia da Igreja e do
nomizemos as cita ções que at é emergiriam com bastante
facilidade, Estado. Assim , n ão apenas o ensino foi tornado acessível a todos,
mas a pol ê mica do tipo liberal contra a escola estatal em nome da mas a pr ó pria ciê ncia foi liberada das cadeias que os preconceitos de
liberdade de ensino, ou aquela do tipo clerical que adota as mesmas
palavras para defender uma escola antiliberal , ou a hipótese e a
prática de uma escola do Estado prolet á rio como escola ideologica- 18 Da 47* proposição do sí labo de 1864, na qual se condena a hipótese de que
as escolas “sc tornem sujeitas ao pleno arbí trio da autoridade civil e pol í tica”
e das enc íclicas dos papas, mesmos as recentes, às frequent íssimas tomadas
de posi çã o dos liberais dom ésticos, á ê nfase voluntarista da pol í tica, que já
se faz presente cm Lê nin . [Sílabo: lista em que o papa indicia doutrinas de
17 Cf. II CapitaU , I , cit., p. 534, ondr Marx coloca como “ uma quest ão deevida que postulações polí ticas, cient í ficas, filosóficas, teológicas etc., consideradas
ou morte" que da variação do trabalho, rcalmente existente na f á brica
torna supé rfluo o oper á rio unilateral , surja a exigê ncia da maior
poss í vel do oper á rio , ou melhor , de um indiv í duo totalmente
versatilidade
desenvolvido . 19

erradas pela Igreja N. do Rev. )
Critica al Programma di Gotha , cit., p. 242.

99
98
classe e a for ça do governo lhe haviam imposto”20. Nesse sentido da mia pol í tica (e Milner pensa numa determinada teoria de economia
separa ção entre Igreja e escola deverá ser entendida també m a suges- pol ítica), Marx replica, com firmeza, excluindo dc partida que esse
t ã o de Marx de que seria oportuno que o Congresso se pronunciasse tipo de argumento tenha algo a ver com as quest ões escolares; em
contra a Igreja. suma, nem sequer deveria constar da ordem do dia.
Para concluir este ponto, é conveniente, até para introduzir o A tese de Marx é clara: “ mat é rias que permitem uma interpre
discurso seguinte, que, para Marx , a oposiçã o ao “ Estado educador ” ta çã o de partido ou de classe”, que, como a economia pol í tica e a
n ã o é uma tese transit ó ria, v á lida contra o Estado burgu ês e que deva religi ão, “ permitem conclusões diferentes” nã o devem ser admit idas
ser abandonada quando se trate de um Estado prolet á rio. Por mais -
nas escolas de qualquer grau. Na escola, deve se ensinar maté rias
que considere a necessidade do uso do poder polí tico na revolu ção como as ciê ncias naturais e a gram á tica, que “ n ão variam quando
socialista, a perspectiva liberadora do socialismo nunca se configura ensinadas por um crente ou por um livre pensador”; todo o resto os
nele como um aumento da esfera estatal . O discurso se torna, aqui, jovens devem assimilar da própria vida , do contato direto com a
muito complexo; nos limitaremos a citar, uma vez mais, a Cr í tica ao experiência dos adultos. Perante uma tese tão firme deve-se discutir
Programa de Gotha , onde ele considera um “ in ú til estratagema ” dizer -
preliminarmente a nota da edi çã o russo-alem ã. Parece nos que n ão
que se refere a um “ Estado futuro”. Marx , de fato, observava aos seus se pode reduzir a questã o ao fato de que Milner tivesse proposto que
interlocutores que o seu “ Estado futuro ” nada mais era que uma a “escola burguesa da época ” transmitisse conhecimentos de eco -
forma de Estado burgu ês mais avan çada, j á existente na Su íça ou nos nomia pol í tica e que isto era inaceit ável do ponto de vista do pro-
Estados Unidos e que, na realidade, eles entendiam “ por Estado a letariado porque refor çaria a influ ê ncia burguesa sobre as jovens
m á quina do governo, ou seja , o Estado enquanto um organismo em gera ções. Uma interpreta çã o deste tipo n ão apenas torce um pouco
si, separado da sociedade por causa da divisã o do trabalho ”21. É o o sentido de Milner, que, certamente, n ã o teria falado explicitamente
que basta para confirmar a coerência desta breve resenha com textos da escola “ burguesa”, mesmo que esta fosse a consequ ência inevitável
importantes de Marx e para eliminar a hip ótese de um ju í zo diferente da sua proposta , mas reduz a tese de Marx a um mero expediente
dele sobre os deveres do Estado em rela çã o à escola numa sociedade t ático, quando já vimos o quanto para Marx , na verdade, ela cons-
socialista . titu í a uma quest ã o de princí pio. O sentido daquela nota editorial é,
parece-nos, o seguinte: enquanto do ponto de vista do proletariado
3. Objetividade do ensino é preciso afastar toda utiliza ção polí tica da escola por parte do Estado
burgu ês, essa utiliza çã o se torna l í cita por parte de um Estado pro-
Uma ú ltima quest ã o muito importante, em nossa opini ã o, foi letá rio.
tratada no discurso dr encerramento de Marx: o do conte ú do do Marx diz algo muito diferente. Ainda em rela ção à Cr í tica ao
ensino escolar , que b , talvez , o mais novo —
no sentido de que,
segundo consta , n ão se encontra qualquer outra refer ê ncia expl í cita
Programa de Gotha, ele n ã o projeta, certamente, a passagem dc um
Estado burguês a um Estado proletário, mas sim a passagem de uma
em outras pá ginas suas - c o mais rico em implica ções pedagógicas. sociedade capitalista a uma sociedade comunista e, apenas durante esta
À proposta de Milner de que a escola transmita um ensino de econo- passagem , um Estado transitório que n ão poder á ser sen ã o uma dita-
dura revolucion á ria do proletariado. Ali á s, ele traduz prontamente
a pergunta “Que transforma çã o sofrerá o Estado numa sociedade
20 Karl Marx , La Guerra Civile in Francia , Roma , Kdizioni Rinascita, 1950, comunista ? ” para uma outra mais precisa: “Quais funções persis-
P- 71 , • tirão, ali, que sejam an á logas às atuais fun ções estatais?”. Para ele, a
21 Cntica al Programma di Gotha , cit ., p. 241.

100 101

liberdade com exceção do per íodo transit ório necess á rio de perma-

n ê ncia do Estado como ditadura prolet á ria consiste nã o no atribuir
matem á ticas”, nas quais se “silencia a l í ngua dos contendores” 24. É
grande, sem d ú vida, o fascí nio que emana dessas pá ginas de Leonar-
ao Estado as mesmas tarefas em fun ção de outras classes, mas “ na * do, dessa perspectiva de Marx, de um ensino que se restrinja apenas
mudança do Estado de órgã o superposto à sociedade a ó rgão a ela às coisas certas e aos instrumentos para a sua aquisição e uso. Mas
subordinado”22. Se n ão temos forçado o sentido do que foi afirmado será verdadeira e absoluta essa distin çã o? E é verdade que no ensino
pelo moderno comentador de Marx, diremos que a sua interpreta ção n ão h á lugar para as ciências mentais?
se funda mais sobre a pr á tica dos atuais Estados socialistas e, para
alé m desta, na teoriza ção expl ícita de Lênin (referente, por outro — —
A distin ção é, na essência, atual e antiqu í ssima entre ci ências
humanas e ci ê ncias matem á tico-naturais, entre matérias literá rias e
lado, a um per íodo realmente transit ório de “ditadura revolucioná ria mat é rias cient í ficas, entre ci ê ncias do trívio e do quadr ívio, artes
do proletariado” logo após a revolu ção bolchevista), que define como sermoànales e artes reales. Mas, por acaso, estas ú ltimas estã o livres de
hipocrisia burguesa a exist ê ncia da escola separada da pol í tica e “acusações” ? Por exemplo, e para permanecermos no campo do en-
afirma, sem meios-termos, que “ nossa obra no campo da escola con- sino, por acaso, conseguiu-se silenciar os contendores do darwinis-
siste també m na luta pela elimina çã o da burguesia ”. Mas també m mo? Ou as matem á ticas modernas suscitam discussões menores que
n ã o se deve esquecer a den ú ncia que Lê nin fazia do modo “vulgar e a historiografia ? Uma distin çã o rigorosa que pretenda discriminar
deformado” como se costumava interpretar o v í nculo da escola com entre o discut í vel e o certo é, sem d ú vida, ilusória.
a pol í tica 23 . -
Não obstante, parece nos que o discurso de Marx, baseado nessa
At é aqui fizemos filologia, cuidando de devolver a Marx o que distin ção, não é arbitrá rio; objetiva excluir do ensino toda propagan-
é de Marx , a Lê nin o que é de Lê nin e aos outros o que é deles. Mas da, todo conteú do que n ã o seja uma aquisi çã o imediata de saber;
o problema colocado por Marx interessa-nos porque ainda hoje é objetiva construir um ensino rigoroso de noções e de t écnicas. Se se
real , atual, e de suas palavras podemos retirar um est í mulo para o leva em considera çã o o tipo de escola para trabalhadores que existia
seu reexame. -
em seu tempo e na perspectiva do futuro ligada ao trabalho de
A distin ção clara que Marx estabelece entre mat é rias discut í veis fá brica e fundamentada na teoria e na prá tica de uma modern í ssima
r mat é rias n ã o-discut í veis lembra-nos um pouco a pá gina admi-

r á vel manifesto da ciê ncia moderna de Leonardo da Vinci, onde
.i\ " mentirosas ciências mentais”, “ pelas quais sempre se discute e se
— —
ciê ncia da tecnologia vê-se que h á pouco lugar para uma cultura
“desinteressada ”. No entanto, exatamente no texto mais expl í cito da
sua “ pedagogia ”, isto é, nas Instruções aos Delegados, de 1866, Marx
contende", opfle is ci ê ncias verdadeiras, “ nascidas da experiê ncia, tinha colocado em primeiro lugar o “ensino intelectual ” , mas sem
.
m tr de todas as ccrlezas" e que se submetem “ às demonstrações defini-lo posteriormente .Que pode ser isso sen ã o, exatamente, tudo
^
aquilo que nã o é imediatamente ú til, instrumental, operativo, isto é,
a abertura à quele mundo das letras, das artes, da hist ó ria, do pen-
22 Ibid ., p. 2.1V f vml .wlr |
« tn ,|HH mil ro lado, a quest ão do Estado, ainda hoje
tema permanente de di » < u *» .in r < ! diviun no movimento operá rio, é samento que Marx , por seu lado, t ã o bem sabia apreciar? Talvez a
colocada naquele leniu de M.u « , sobretudo, |K > I uma pcrjpinta que deixa chave para bem entender o pensamento de Marx esteja justamente
sem resposta: 'Que tianslmmaiao « dirtiu I wado numa sociedade comunis -
ta? Em outros termos , quais fun ções M H I U I I |>rrsistir ào, ali , que sejam
an álogas ás atuais funções e s t a l a i » D e qualquer modo, trata-se de uma
pergunta que pressupõe uma limita çã o dessa » fun ções 24 Transcrito de Leonardo "Orno Sanza LeUere ”, de Giuseppina Fumagalli ,
23 Cf. Lê nin , Discono al I Congreuo Pu nmio iull'hlru / ionr , de 23 de agosto de Floren ça , Sansoni, 1938, pp. 47-48. Estas pá ginas de Leonardo são de grande
-
1918, em Sutiã Gioventu e sulla Scuola , Edizioni Rinauita, 1949 , pp. 84 85; e beleza , em forte contraste com a tend ência geral, embora n ão exclusiva , dos
humanistas.
o Discono al // Congresso Panrusso degli Iniegnunli Inlrmuxionalisli, de 18 de
-
janeiro de 1919, em Socinenija , XXVIII , pp. 196 98). 25 Inslruklionen , cit., p. 118 ( IIMarxismo t PEJucaiione , cit. p. 83).

102 103
aqui, no fato de que une, com austero rigor, a estrutura da escola à se tende a fazê-la corresponder às exigê ncias da produ çã o. N ã o apenas
necessidade social de “ reproduzir a vida ”, de “ regular o intercâ mbio isto, mas a escola desenvolveu també m a tend ê ncia de n ão limitar-se
orgâ nico com a natureza ”, onde a liberdade humana se explicita simplesmente ao ensino das técnicas culturais c das noções exatas,
apenas como “ regulamenta çã o racional ” desse interc â mbio. Mas n ã o mas a investir, cada vez mais, nas ciê ncias “ mentais”, a identificar,
nega que isso permaneça sempre “ um reino da necessidade” e que em suma, em seus objetivos o ensino e a educa ção. É prov á vel , aliás,
“ para alé m dele começa o desenvolvimento das capacidades huma- que exatamente nos paises onde a tend ê ncia a integrar a escola à
nas , que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade” . fá brica aparece mais claramente, como nos socialistas, se fa ça sentir
26

Só que, para ele, a estrutura escolar continua essencialmente des- at é mais forte a tend ê ncia de fazer da escola um centro de educa ção
tinada à aprendizagem do que é necessá rio ao homem no “ reino da al é m de ensino. Nã o seria concebí vel, hoje, uma escola que se limi -
necessidade”; o restante, o que o coloca no “ reino da liberdade”, tasse ao ensino entendido como instrumento, como aquisi çã o de
muito longe de negá-lo, remete-o antes de mais nada, à vida cotidiana, técnicas e renunciasse aos objetivos da educação e da “formação dos
ao intercâ mbio espiritual com os adultos. Em resumo, estamos pe- sentimentos”.

—-
rante uma determinada concep çã o da rela ção escola sociedade, do Parece-nos, no entanto, que justamente essa realidade obriga a

lugar que a escola local de trabalho das crian ças pode ter nela .
Marx , frente à tend ê ncia objetiva da ind ú stria do seu tempo para
ajustar as contas seriamente com a exigê ncia marxiana de n ã o admitir
na escola o discut í vel , aquilo que possa permitir conclusões de gru -
atrair crian ças e adolescentes de ambos os sexos à obra da produ ção pos. Porque, se é verdade, como dizia Lê nin , que a escola separada

social uma tend ê ncia para ele progressiva, saud ável e justa, em que
pese o modo terr í vel como se realizava sob o dom í nio do capital —
da polí tica é uma mentira e uma hipocrisia , se é verdade que toda
escola é ideologicamente orientada , queiram ou n ã o todos aqueles
a considerava como um fato permanente, inerente ao sistema de que atuam em seu interior ou que a julgam do exterior, é també m
produ ção moderno, correspondente a uma “ situa çã o racional da verdade que, tanto mais por esta razã o, se torna necessá rio deter-
sociedade”. Al é m disso, não tinha sempre todo sistema de produ ção minar de que modo e at é que ponto esse tipo de compromisso social
atra ído à sua atividade també m as crian ças? Frente a essa tend ê ncia da escola deva ou possa realizar-se.

objetiva c progressiva , punha a quest ã o també m emergente dessa

realidade de associar o ensino ao trabalho de fá brica . O papel social
-
da escola configura se, pois, para ele, sobretudo, como uma inte-
4. Quais opções pedagógicas e
. .
gu ç m à f á bri » a do mesmo modo como a aprendizagem dos ofícios
cia uma integra çã o á oficina artesanal.
quais conteúdos educativos?
A leitura dessa intervenção de Marx na Internacional permitiu -
Nilo lia d ú vida de ( jur o desenvolvimento posterior n ã o lhe deu nos verificar sua proposta central relativa à uni ão de ensino e traba-
-
razã o, pel < mtnOt| tê ftfOfl, licite primeiro século após ter tra çado lho e determinar outras, relativas à rela çã o escola -sociedade e à
essas pcrspctiiv .iv A i l i n j r . .1 < ola » resteu també m no interior, mas objetividade do ensino publicamente organizado. Resta ver melhor
principalmente, ao redo í r pm f o i a d o m u n d o da produ çã o, como como formulava os conte ú dos especí ficos desse ensino objetivo e,
estrutura aut ónoma , como lo» al rspr » Ifico da gera çã o que est á em em geral, qual era a sua orienta çã o quanto à s correntes pedagógicas
crescimento , ainda que, de munrii .it d i s t i n t a s e em diversas medidas, que podemos esquematicamente indicar como conservadoras (da
discrimina çã o social, da divisã o entre ci ê ncia e trabalho, dos conte ú-
dos literá rios, da autoridade do docente) e inovadoras (da vocação
26 -
II CapitaU , III, cit., p. 933. Sobre este tema fundamental , diicute sc noutro
natural dos indiv í duos, dos conteú dos predominantemente cien -
lugar deste livro com Delia Volpc e outro » interlocutorei , como Badaloni.

105
104
t í ficos ou simplesmente modernos, do ensino centrado na crian ça).
É evidente que o marxismo se coloca em pol ê mica direta com — —
trabalho nã o pode tornar-se um jogo da maneira como queria
Fourier també m o ensino, que integra um conjunto com o traba-
aquelas tend ê ncias pedagógicas novas que, representando uma oposi- lho, n ã o pode ser simplesmente jogo29.
ção vá lida às institui ções escolares e às posições pedagógicas tradi- E se à essas determina ções acrescentamos sua severa insistê ncia
cionais da sociedade dividida, podem , no entanto, proporcionar uma quanto ao fato de que na escola n ã o se pode ensinar sen ã o disciplinas
supera çã o apenas aparente e parcial. Frente à pedagogia tradicional que consistam em rigorosas noções incontest áveis e que n ã o per-
do determinismo ambiental, que reduzia cada homem a um processo mitam conclusões pessoais, como a matem á tica ou a gram á tica , e seu
formativo limitado e predeterminado pela situa ção social, as peda- radical rep ú dio a tudo que no processo de ensino pode ser subjetivo30
gogias novas, que, por diversas vias, destacam a natureza da crian ça
ou do homem , produzem , sem d ú vida , uma ruptura , mas per - — o que convenhamos, n ã o quer dizer em absoluto exclusã o da
validade do que n ã o seja aprendizagem de noções exatas, pois Marx
manecem limitadas a um desenvolvimento espont â neo e, por isso coloca todo esse processo de “ educa çã o” verdadeira e aut ê ntica na
mesmo, parcial; põem o homem frente apenas a si mesmo e n ão pr ó pria vida onde as crian ças se integram aos adultos; se acrescen -
diretamente frente ao mundo concreto das coisas e das rela ções so- tamos esses conteú dos que ele atribui ao ensino como processo espe-
ciais; substituem um processo educativo “ heter ônomo” por um pro- cí fico a alcan çar num local específico, teremos o quadro de uma
cesso “ autónomo”, que é igualmente limitado. Relembre-se, pelo escola concreta e severa; em resumo, de um reino da necessidade, e
contrá rio, a pol ê mica do jovem Mane contra Stirner: “ Nos vá rios n ã o da liberdade, para as crianças, cujo valor intr í nseco e positivo
est á dios da vida, Stirner nada mais v ê que ‘descobertas de si mesmo’ consistirá justamente nessa apropria ção de uma totalidade de pos-
e essas ‘descobertas de si mesmo’ se reduzem sempre a uma situa ção sibilidades de dom í nio sobre a natureza e sobre o pr ó prio homem .
de consci ê ncia . A modifica ção í f sica e social que se opera nos indi- Mas pode-se extrair dos escritos de Marx algumas afirma ções
v í duos e que produz uma modifica çã o na consciê ncia naturalmente mais concretas sobre o que considera conte ú do do ensino? Qual deve
n ã o lhe interessa. Porque em Stirner a criança , o jovem e o homem
encontram sempre o mundo pronto e acabado, da í que nada mais
— —
ser para ele se n ã o é o humanismo livresco, nem um ensino orien-
tado para a prá tica o tipo, o conte ú do e o m é todo da forma ção
la ç am do que ‘descobrirem -se a si mesmos’; n ã o se faz absolutamente do homem integral , apenas refor çados pela uni ã o de estudo e traba -
nada ' para que alguma coisa possa ser encontrada ”27. Trata-se de uma lho e pelo ensino tecnol ógico teó rico e prá tico ? Estas palavras que
ilara tomada de posição contra toda pedagogia naturalista, baseada Marx emprega num contexto em que adquirem uma fecundidade
na " autonomia ” da individualidade singular, que é ela pr ó pria por insofism ável n ã o encontram em seus escritos e na realidade da é poca
naturr / a «• IMO tem ncicsiidade a n ã o ser de um desenvolvimento qualquer correspond ê ncia, qualquer determina ção real. Haverá em
aut ónomo I l o m p a r e se , ainda , essa clara tomada de posi çã o com
a breve , mas im mva . irlrr ê mia - que já mencionamos contra a
pedagogia baseada no |ogo, quando Marx define como um “ profé tico
pressentimento contra Hasrdow r * ru « repetidores modernos”, a
— Marx indica ções mais concretas nesse sentido?
També m aqui devemos nos apoiar sobretudo nas pá ginas da
juventude, às quais Marx n ã o teve oportunidade de retornar, onde
trata , embora n ã o de maneira expressa , de alguns temas relativos às
observa çã o de John Bellers dr que " uma ocupa ção infantilmente ciê ncias e á rela çã o entre ciê ncia e filosofia . Destes argumentos po-
estú pida torna est ú pidas as mentes infantis"28. Como, para ele, o
dem vir indica ções para compreender qual pode ser a orienta çã o de

27 L’Ideologia Tedesca, cit., p. 118. 29 Grundrisse , cit., p. 599.


28 Cf. II Capitale, I, cit., p. 535, n1 309 ( por nós ji mencionado). 30 Cf. també m a p. 107

106 107
-

com problemas de classifica ção das ciê ncias como o fará, mais
tarde, Engels, em Dialética da Natureza e no Antiduebring - e de
organiza çã o do ensino, no entanto, por sua coincid ê ncia com as
formulações de Marx maturo, levam nos, com certeza , a uma ênfase
dos conteú dos “ cient íficos”, entendidos como elementos de rigor
objetivo ou como conteú dos integrais que permitem uma compre-
ensã o geral do mundo natural e humano. Mas já sabemos o lugar
que Marx reserva ao tempo livre e às atividades culturais extra-es-
r
colares na forma çã o do homem ; esse reino da liberdade é o reino das
voca ções individuais, das atividades desinteressadas, n ão imediata-
mente produtivas, que sã o, para Marx, parte integrante da pessoa
humana e, portanto, da sua forma ção ou educa ção.

SEGUNDA PARTE
A Pedagogia
Marxiana Frente
à s demais Pedagogias

tio
I
L Tentativa de Contextualizaçã o
Histó rica
At é aqui nos limitamos a definir o ponto de partida para uma
investigação necessariamente sum á ria, mas, tanto quanto possível
com o m á ximo rigor , sobre os fundamentos de uma poss í vel “ peda-
gogia ” existente na obra marxiana ; chegou , agora , o momento de
tentar inseri-la na história das institui ções educativas e das teorias
pedagógicas, o que permitir á, inclusive, verificar as eventuais con -
tribuições que da í possam vir à problem á tica pedag ógica atual . Ex-
pondo, de maneira esquem ática, o resultado da pesquisa marxiana

sobre os temas de forma ção do homem que nada mais sã o que um
aspecto dos temas da sua emancipa çã o como indiv í duo social , isto

é, como ser singular inserido na sociedade de que participa pode
ser enunciado como m é todo da associa çã o do trabalho em fá brica e
de ensino numa escola essencialmente “ tecnol ógica ”, com a fina-
lidade de criar o homem onilateral .
113
r
Mas limitar-se a essas enuncia ções, aliás já enucleadas, desde
Lê nin , na tradiçã o pedagógica dos pa í ses que se orientam pelo mar-
xismo, n ã o é suficiente para distinguir a proposta marxiana das
demais propostas que, mais ou menos, anunciam assumir o trabalho
1 mundo original ou de um mundo futuro. (J á vimos como Marx, em
que pese nele um certo ausp í cio de um mundo regenerado, ao con-
trá rio dos socialistas utó picos, nunca lhe tra çou quaisquer deter-
no processo educativo e a finalidade da integralidade do homem. mina ções concretas.) A histó ria da sociedade humana , observada
Essa fórmula “ metade trabalho e metade escola ”, que sintetiza, hoje, sobretudo onde se apresenta uma possibilidade de pesquisa cien-
a mais avan çada proposta e realiza çã o de ensino nos pa íses socialistas,
encontra-se em 0 Capital, mas n ão é de Marx, e sim dos Relatórios dos

t í fica , isto é, em suas estruturas de base for ças produtivas e rela ções
de produ çã o, onde os homens ingressam entre si na produ çã o da sua
Inspetores de Fábrica, de 31 de outubro de 1865, naquela Inglaterra,
que era o “ demiurgo do mundo burgu ês” 1. Dele, essa fórmula n ão sempre se move.

vida material e espiritual é o terreno concreto sobre o qual ele

nos revela muito, pois è claro que os inspetores ingleses de fá brica, E, então, embora Marx não tenha estudado exprofesso o processo
representantes do sistema burgu ês, mesmo que honestos e filantro- de forma çã o hist ó rica das instituições ou estruturas educativas, como
pos, atribu í am-lhe um sentido e um peso certamente bem diferentes parte das estruturas da sociedade civil de que investiga a anatomia,
dos de Marx. poderá , no entanto, ser ú til tentar confrontar o resultado da sua
Mas a diferen ça substancial entre a “ pedagogia ” de Marx e qual- pesquisa, que o leva a indicar na uni ã o do ensino e do trabalho o
quer outra pedagogia , e, por outro lado, entre todo o seu m étodo de germe do ensino do futuro, com o concreto desenvolvimento his-
pesquisa antiideológico e qualquer outra teoria, consiste no fato de tó rico dessas instituiçõ es ou estruturas, examinadas de um ponto de
que, frente a um processo real , n ã o se propondo considerá-lo natural vista o mais marxiano poss ível.
e eterno à maneira dos economistas cl ássicos, n ão contrapõe as suas
teorizações nem para retornar a uma solu ção ideal de equil í brio 1 . Escola e não-escola na hist ó ria
anterior, nem para aperfei çoá-lo eliminando os seus aspectos nega-
tivos ou contradit órios2, mas, ao contrá rio, assume toda a realidade Partimos do princ í pio de que, na sociedade dividida em classes,
contradit ória c at é vê no desenvolvimento das contradições, no emer- isto é, na sociedade em que o trabalho está dividido e em que essa
gi » do dado negativo, antagó nico, a ú nica via hist ó rica de solu ção , divis ã o se apresenta , essencialmente, como divisã o entre trabalho
.
rode . mim , imerir a tonwdri a çã o desses problemas no quadro mais manual e trabalho mental , ou como divis ã o entre campo e cidade,
amplo da divis ão, ou melhor, da alienaçã o do homem e da Zurueck - o ensino e o trabalho aparecem també m divididos, dois termos até
nabme ou elimina ção dessa aliena ção, sem cair na fantasia de um —
antagó nicos. A “escola ” mas é óbvio que o emprego desta palavra
é anacr ónico quando aplicado a é pocas mais antigas e sobrepõe
novos sentidos para instituições marcadamente diferentes das que
1
2
- .
// Capital* , cit, pp. 529 30
É a acusação que Marx faz explicitamcntc ao socialismo pequeno- burgu ês,
entre obras, no Manifesto, onde, após ter dito que as classes medias qucr ~
crcm

modernamente recebem esse nome enquanto estrutura específica
de forma çã o de um determinado tipo de homem “ dividido ”, nasce
fazer girar para trás a roda da histó ria (cd. cit., p. 41 ), afirma , referindo se a
- historicamente no interior das classes possuidoras, como estrutura
Sismondi , aue quer restabelecer velhos meios de produ ção c as velhas relações
de propriedade (c Lênin dará rigorosa sequ ência a essa polê mica). Na Miséria destinada exclusivamente à sua forma ção; n ão existe para as demais
classes. Apenas as classes possuidoras t ê m essa institui çã o espec í fica
delia Filosofta , cit., ao contrá rio , encontra se uma cr í tica ao falso hegelianismo
-
de Proudhon e ao seu desejo de suprimir o lado negativo da sociedade
burguesa para conserv á-la; cf., em especial , as pp. 51 , 57 c 91-92: Basta , na
realidade, propor se eliminar o lado negativo, para liquidar num“ golpe o
-
tico”.
— —
que chamamos escola e que como veremos apenas h á pouco
tempo, ou seja, aproximadamente a partir do in ício da revolu ção
movimento dialé industrial, começa a tornar-se, em perspectiva , uma coisa de toda a

114
115
sociedade. Tem -se falado tanto, e ainda se fala a toda hora, da opo-
siçã o entre a escola do trabalho e a escola do doutor, entre escola
desinteressada e escola profissional - e, nesse contexto, é oportuno
— —
propriedade natural , animal e humana dopaterou patr ão) . Uma
fam í lia em que a divisão do trabalho cria a figura social da ama
(feminina ou masculina, como no Egito, ou , como ê, manifesta -

e tem sentido o discurso sobre “ duas culturas ” mas , na realidade,
por mil é nios, a oposiçã o tem -se dado n ã o entre escola e escola, mais
mente, Fé nix para Aquiles, em Homero5 e é esta a primeira figura
histó rica de educador .
sim entre escola e n ão-escola . Ou , para usar uma expressã o quase Historicamente, assim , é exatamente da educa çã o, confiada no
marxiana, a escola se coloca frente ao trabalho como n ão-trabalho e
o trabalho se coloca frente à escola como n ã o-escola.
interior da “fam í lia ” a educadores especialistas, aos filhos dos pode -
rosos (do fara ó, dos “ minos ”, do anax , do basileu , do pater) e, em
Apenas as classes possuidoras, dizíamos, conheceram uma ins- torno dos quais se agregam os filhos de vá rias fam ílias eminentes,
titui çã o espec í fica para o cuidado e a educa çã o das jovens gerações; que surgem as primeiras “ escolas p ú blicas ”, ou seja, abertas aos jovens
as classes produtivas n ã o a conheceram , isto é, nunca existiu para de vá rias fam í lias que se interessavam , cada vez mais, pela vida p ú -
elas um local que fosse exclusivo das crian ças e dos jovens. Desde o blica e se caracterizam por esse conte ú do espec í fico. Essas escolas,
tempo em que os escribas do antigo Egito, como na recomenda ção com apoio na divisão do trabalho existentes no pr ó prio interior das
de Ptahotep 3, orgulhoso da sua sorte de pessoas que, através da escola, classes dominantes, aparecem , por um lado, como escola de cultura
se destinaram a uma situa çã o social “sem chefes”, a contrapunham para os “ pensadores de classe”, seus “ ide ólogos ativos” 6. ( Frequente-
à sorte de quantos eram educados para trabalhar duramente sob a mente castas sacerdotais, dada a identidade entre ciê ncia e sacerd ócio,
supervis ã o de outros, a escola tem-se apresentado, na sociedade his- que se reproduzirá, com grande variedade de formas no transcorrer
tó rica, com essa fun çã o. ( E, naturalmente, isto també m é vá lido se de toda a nossa hist ória, até a sua atual dissolu ção; o porttifex, desde
indiv í duos provenientes das classes subalternas pudessem ser nela há mil é nios, n ã o se ocupa nem de pontes, nem de calend á rio ou de
admitidos e, através dela , serem educados para as fun ções superiores. astronomia, nem de registros hist óricos) e, por outro lado, como
O destino do cita Anacá rsis, acolhido pelo mundo cultural grego, gin á sios ou tribunas onde os cidad ã os guerreiros se educavam para
• U mud .i quanto ao destino dos citas, observava Marx.) 4. De ma o exerc í cio do poder pol í tico e da arte militar (assim como Aquiles
"nen"i -
- .
. g i .il , ali is, .1 escola , como local especí fico para a educa ção dos
-.
l > v ir. , n .iM r lus corto » dos primeiros estados histó ricos da Meso-
.
l " » i .ttni ,i r lo valo do Nilo <• sr difunde pelas ilhas do Mediterr â neo
e, dali, para a Grécia e Roma, desenvolvendo-se, com diversas dife-
se educou , na escola de Fé nix , para ser “orador de palavras e operador
de fatos ”). Mas, fossem escolas de sacerdotes ou de cidad ã os-guer
reiros, permaneciam como estruturas espec í ficas e exclusivas para a
formaçã o das classes dominantes; na hist ória grega , pode-se acom-
-
rencia ções hist ó ricas, a partir das institui ções de educa çã o no interior panhar o confluir progressivo de duas tradições em direçã o a uma
da fam í lia (e , ainda desta vez, é ó bvio també m , e at é mais do que
ocorre com a escola , o emprego desta palavra é anacrónico; designa,
— —
instituiçã o que como observa Marrou 7 assume o car á ter cada
vez mais de “escola do escriba ”, embora com novos conte ú dos “ livres-
de maneira alusiva, uma instituiçã o que muito pouco tem a ver com cos”, e deixa dissolverem-se os de escola do cidad ã o-guerreiro ( mas,
-
a fam í lia moderna concreta ; refere se mais ao conjunto da para que isto se tornasse poss í vel foi necess á rio a dissolu çã o das

3 Cf. ab Hellmut Brunner , Alíaegyptisehe Erzithung, Wiesbaden , Otto Harras


sowitz, 1957. - 5
6 .-
Iliade , livro IX, vers ículos 438 96.
L' Ideologia Tedesca , cit., p. 43
4 “Os citas n ã o avan çaram um passo sequer em direção à civilizaçã o grega pelo 7 Hcnri Ircnèc Marrou , Histoirt de V Èducalxon dam 1’AntiquiU, Paris, Editions
-
fato de a Gr écia contar com um cita entre seus filósofos” em Einleitung zur du Seuil, 61 ed., 1965, pp. 151 e segs. (Existe també m uma tradu çã o italiana,
Kriíik der hegelschen Rechtspbilosophie, em Werke , cit., vol. I, p. 383. Brcscia, Studium.)

116 117

I
velhas relações civis e pol í ticas). No entanto, já aqui é notá vel que se atividade. Trata-se, pois, de uma verdadeira e aut ê ntica forma çã o no
fa ça valer a capacidade de sobrevivê ncia que certas estruturas civis
possuem , para alé m do desaparecimento das condições que lhe de-
ram origem ; na sociedade grega, e ainda mais na romana, em que
- trabalho, que, també m aqui, pode surgir ou no interior da fam í lia,
nos casos em que esta coincida com a oficina, ou numa oficina
externa à fam í lia, obediente ao respeito a normas de validade p ú blica
pese a destina ção imediata da escola à forma ção do cidad ã o tipo
o orador como o vir bonus dicendi peritus do velho Catão a escola
aparece estranhamente separada da sociedade real, como o demons-
— — e comunit á ria que, através dos séculos, veremos estabilizadas pelos
vá rios collegia ou universitates ou corpora çõ es nos seus estatutos. E,
embora, ao longo de séculos e milénios, esses estatutos tenham
tram as cont í nuas den ú ncias e irrisões, tã o mais frequentes quanto regulado minuciosamente as normas do aprendizado, nem por isso
mais se consolidaram suas estruturas e suas tradi ções. Den ú ncias que criaram uma institui çã o “escola ”, mas sempre consideraram o pro-
podemos ler ainda em Plauto, depois em Sê neca, em Petrô nio, em cesso educativo como parte integrante do processo produtivo, n ão
Marcial e, final mente, em Agostinho* , testemunhos como hoje di-

r íamos de uma separa ção entre a escola e a vida, que apenas encon -
tram explica çã o exatamente nos termos de uma cristalizada
— isolaram da gera ção adulta os jovens no decurso da sua forma çã o.
Em resumo, a prá tica artesanal , a aprendizagem do oficio nunca foi
uma escola, mas o pr ó prio trabalho no oficio; nunca o lugar para
sobrevivê ncia de estruturas cuja criaçã o é obra lent í ssima de séculos crianças assistidas pelos adultos nisso especificamente qualificados,
e mil é nios, mas que, uma vez constitu ídas, tendem a permanecer mas, pelo contrá rio, a admissã o das crian ç as no local dos adultos.
iguais a si mesmas 9 . Por mil é nios, portanto, na sociedade dividida em classes pela
É fato sabido que a escola, qualquer que seja o aspecto e conteú do divisã o do trabalho, através da forma çã o das classes dominantes a
que assuma, permanece o lugar da forma çã o das jovens gera çõ es prepara çã o profissional dos produtores pertencentes às classes subal-
pertencentes à classe dominante e que as classes subalternas a ig- ternas (sem falar dos camponeses, aos quais a divisão fundamental
noram . As crianças e jovens pertencentes a essas classes n ão têm um entre cidade e campo nem sequer permite a elaboração de um proces -
lugar estabelecido para a sua forma çã o, ainda que isso n ão signifique, so educativo normatizado qualquer, mas só o puro e simples crescer
é ó bvio, que, de qualquer maneira, n ã o se formem . Na realidade, ao lado dos adultos), existiu um hiato profundo, uma separa çã o
formam se, n ão no interior de um lugar especí fico aos jovens, ou absoluta, n ã o apenas no sentido de que as duas organiza ções n ã o
escolas, mas sim na aprendizagem prá tica , no contato direto e cons- tinham qualquer ponto de contato entre si, mas també m no sentido
tante com os adultos, numa participa çã o imediata em sua vida e de que n ã o compartilhavam princ í pios, conte ú dos e m étodos entre
as duas diferentes formações. A primeira compreendia a educa ção

8 Plauto, Bacchides, versículos 384-415 (que, sem d ú vida, traduz de Menandro



para as “artes” imediatas do dom í nio armas e pol í ticas para alguns
e para outros as ciê ncias teóricas (a escrita e o cá lculo, que, com os
e nos d á o quadro da escola grega alexandrina); Sê neca , Epistulaead Lucilium , antigos sistemas de numera ção e registro, exigia uma alta especia-
LXXXVIII, ideo non discentes necessário, quia supervacanca didicerunt, Petrô nio, liza çã o que atingia até os mais complexos cá lculos geom é tricos e
Satyricon , I, et ideo ego adulescenlulos existimo in scholis stultissimosfieri, quia nihil
ex bis, quae in usu babemus, aut audiunt aut videnf , Marcial, Epigrammaton Libri, astron ó micos); a segunda compreendia as vá rias atividades manuais
IX, 74: At me litterulas stulti docuereparentes,Quid cum grammalicis rbetoribusque e um m í nimo de “ noções” a elas intimamente ligadas (e ainda aquela
mihii , al é m de IX, 69 e X, 62. Agostinho, nas Confissões fãz longas descrições
da desordem escolar. Naturalmente que poderíamos aqui multiplicar as quantia de “doutrina” que emanava das classes dominantes e era
citações. transmitida por seus ideólogos). É evidente por si mesmo que, nessa
9 Empregamos expressões muito parecidas com as que Marx adota para situa çã o de sociedade dividida e de diferenciados processos de
-
designar o lento formar-se c o cristalizar sc das técnicas artesanais; trata-se,
na verdade, de modos an á logos de exist ê ncia de determinadas formações forma ção do homem , pudessem ocorrer, para dizê-lo como Marx,
histó ricas.

118 119
grandes desenvolvimentos no interior de um determinado â mbito,
mas n ão se pode pensar num desenvolvimento livre e completo de 2. União de ensino
indiv í duo10.
Já dissemos que, no mundo cl ássico greco-romano, tinha-se pro-
* e trabalho na história

— —
duzido a crescente junçã o no interior do sistema de forma ção das Apenas com a moderna revolu çã o industrial surge o fato ver-
classes dominantes da escola do escriba com a escola do cidad ã o- dadeiramente novo do estruturar-se també m da forma çã o do pro-
guerreiro, o que, em parte, significou , a respeito das civiliza çõ es dutor como “escola ” ou lugar dos jovens, de cuja organiza çã o se
orientais, a subtra ção à casta sacerdotal do monop ólio das ciê ncias ocupam não mais determinadas classes, mas toda a sociedade civil ,
teó ricas, da cultura e, em suma , o primeiro exemplo de uma cultura por meio do Estado. Quando, por exemplo, na Fran ça de Lu í s XIV,
laica , ou melhor, a supera ção da r ígida divisão do trabalho no interior o Estado começa a regulamentar a formaçã o dos oper á rios da manu-
das classes dominantes. A Idade Média produziu uma clara divisã o, no fatura Gobelins (fundada em 1662), ou quando a Real Academia de
interior das classes dominantes, entre clerià e milites e entre os respec
tivos curr ículos educativos; enquanto a massa dos produtores per-
- Arquitetura institui, em 167112, a primeira escola superior de cará ter
t écnico (caso se exclua as escolas de medicina, a começar pela de
maneceu confinada com rigor em seus estatutos corporativos11, Salerno), o fato cont é m , impl ícito em si, a supera ção do aprendizado
usufruindo apenas daquelas migalhas da ciê ncia ou doutrina que lhe artesanal no seio das corpora ções de artes e ofícios, e a adequa ção da
chegava como doa çã o dos elaboradores exclusivos da cultura . No prá tica artesanal às exigê ncias do demiurgo burgu ês que, cada vez
limiar do mundo moderno, nem aquela grande revolu ção popular, mais claramente, tende a conformar toda a sociedade à sua própria
que foi o surgir das literaturas vulgares, que retirara dos cl é rigos o ' imagem e semelhan ça. Que, na Fran ça , o caminho tenha sido o da
monop ólio da escrita, criando formas e conte ú dos culturais novos, interven ção do Estado e que, na Inglaterra, pelo contrá rio, tenha sido
conseguiu contrapor à organiza çã o tradicional para a difusã o da o desaparecimento, de fato, da velha prá tica e obra da expans ão
cultura, isto é, à antiga escola, uma nova escola. E nem o posterior objetiva da fá brica13, que, em resumo, os caminhos percorridos nos
florir da cultura humanista - isto é, de uma cultura que, sendo dois pa í ses industriais tenham sido diversos, dependeu exclusiva-
contemporâ nea da ascensão de uma nova classe dominante n ã o mais mente de suas diferentes configura ções hist ó ricas e sociais, mas nada
feudal, poré m burguesa , elaborou , destacando-se do tronco popular muda nessa rela çã o, em que a destruiçã o do aprendizado e a cria çã o
da idade comunal , formas aristocr á ticas novas, mas laicas no sentido de instituições para a forma ção do trabalhador sub specie de escola

indicado antes soube ultrapassar a cria ção de um tipo de escola
adaptada à forma çã o do homem ideal dos novos grupos dominantes,
sã o o novo processo em curso.
O caracter í stico nesse processo é que a estrutura educativa , con-
c apenas propôs (com Vittorino de Feltre, com Com ê nio, por exem-
solidada em mil énios, se estende das classes privilegiadas (e se degra-
pl )i exigê ncias mais unit á rias, mas intraduz í veis numa prá tica geral. da ) às classes subalternas, levando-lhes seu tipo de organiza çã o, suas
°
A separa çã o entre cultura e aprendizado e a aus ê ncia total de for- tradi ções e seus m é todos. E isto não ocorre apenas pelo fato da força
ma çã o geral permanecer ã o intactas.

10 Grundnise , cit ., pp. 386-87 ( traduzido cm Forme, cit., p. 31). 12 Cf. A. Léon, op. cit., pp. 20 e 21.
11 Quanto à Franca medieval , por exemplo, a colet â nea desses estatutos, feita 13 Cf II Capital* , I, cit., p. 411, onde Marx observa que n ã o apenas na oficina
pelo preboste Etiennc Boileau em seu Livre da Métien, de 1268, oferece um artesanal , mas at é no interior da manufatura e da fabrica , qs operá rios
material precioso sobre este assunto. (Cf. Antoinc L éon , Histom de mantiveram , com zelo e por muito tempo, as leis dos aprendizes ( laws of
1' Lducation Technique , Paris , Presses Universitaires de France, 1961 , p. 10.) apprenticahip ), com seus sete anos de est ágio, que “ foram pelos ares” somente
com a grande ind ústria.

120
121
como vimos, é necessário rejeitar claramente essa interpreta çã o do
de in é rcia pr ó pria de todas as estruturas existentes, ou pelo fato de seu pensamento .
que a classe dominante tende a destruir as estruturas ou instituições
tí picas das classes subalternas (como faz concretamente com a prá tica
artesanal) para impor suas pr ó prias estruturas; corresponde, porém , 3. Marx e as pedagogias pós-marxianas
à inevit á vel e objetiva necessidade de expandir as aquisi ções, antes
Fora da tradiçã o marxista é, portanto, conhecida a incapacidade
exclusivas ou sagradas, da ciê ncia que, quanto mais se converte de
especulativa em operativa, tanto mais tem necessidade de expandir-se
de inserir o pensamento pedagógico marxiano na hist ória da peda-
e de entrar difusamente no processo produtivo.
gogia. Mesmo quando o inserem de algum modo, tende-se a integr á-
lo, sem suficiente diferencia ção entre as correntes mais conhecidas,
E n ão h á d ú vidas de que esse moderno processo de desenvol- desde o socialismo ut ó pico, at é o evolucionismo, o positivismo ou
vimento envolveu tamb é m a estrutura escolar tradicional, a í intro- o pragmatismo, baseados em analogias mais formais que substan -
duzindo, cada vez mais amplamente, seus conte ú dos cient í ficos (as ciais 1*.
artes reales, que, na verdade, nunca tiveram a í grande relevâ ncia) e
dando a estes um cará ter n ão apenas cognitivo, mas també m opera-
tivo, embora moldando, em parte, a metodologia própria desses Na realidade, pode-se dizer que a base e, portanto, a matriz
conteú dos à quela pró pria do ensino tradicional das artes semocinales indireta das teses pedagógicas marxianas, por um lado, e das demais
e, em parte, o novo conte ú do na velha forma , classificatória e livresca . teses pedagógicas modernas, por outro lado, é a mesma, a saber, a
Foi nesse n í vel metodol ógico-histórico que se pô de produzir a sepa- .
realidade da Revolu çã o Industrial com as profundas transforma çõ es
que determinou em todos os n í veis da vida social. No terreno edu -
ração entre a escola do doutor e a escola do trabalhador: a primeira
acentuadamente livresca e desinteressada; a segunda acentuadamente cativo, essa revolu ção eliminou o velho modo de treinamento das
profissional e prá tica; mas ambas, definitivamente, escolas. classes trabalhadoras, o est á gio no local de trabalho junto aos adultos,
e colocou em crise o cará ter privilegiado e ret ó rico da forma çã o das
Toda a pedagogia moderna é, portanto, uma disputa sobre a
rela çã o entre teoria e prá tica, entre a escola do ler e a escola do fazer; classes dominantes na escola tradicional. Mas, se a revolu çã o in-
ou melhor, uma cont í nua pol êmica dos inovadores contra a escola
dustrial é a matriz comum , diferente é o modo de se reagir a ela . Nos
vá rios representantes das pedagogias modernas n ã o-marxistas a Revo-
do ler desde que Rousseau declarou “Je hais les livres, ils n’aprennent
qu á purler sur ce qu'on nc sait pas” 14 at é quando Dewey denunciava
lu çã o Industrial pode ser objeto de lamenta çã o, aceita çã o a-hist ó rica
como resíduo dc uma é poca j á ultrapassada pelo desenvolvimento ou contraposição ut ó pica; em Marx , é postura consciente da histori-
cidade das rela ções sociais e do seu reflexo na ideologia , é prontid ã o
intelectual a posi çã o dominante que o conhecimento livresco ocupa
no ensino csiolar e falava dele como um “ fetiche do ensino prim á- para captar, no dado hist órico, a tend ê ncia do movimento . Con -
rio ” 15. Dc uma maneira ou outra , sentiu -se a necessidade de subs- sidere-se, por exemplo, a propósito da nova rela çã o ciência-trabalho
colocada pela Revolu çã o Industrial , como o Em í lio de Rousseau
tituir o ensino livresco por outros processos educativos, ou pelo
colocava-se perante a multiplica çã o dos instrumentos e a divisã o do
-
menos, de complet á lo com outros processos educativos. Sabemos
que na hist ó ria dessa disputa tende-sc a colocar Marx , sic etsimpliciter,
trabalho; ria-se da pessoa “sottement ingé nieuse ”, que n ã o se contenta
entre os partid á rios de uma escola de tipo prá tico e profissional; mas,
16 Dessa incapacidade ou incerteza são t í picas, por exemplo, a Storia delia
Edueazione Ocadentale , dc Boyd , atualizada por E. J. King, Roma , Armando
Armando Editore, 1966, e as Questioni di Storia delia Pedagogia , Brcscia, La
14 J. J. Rosseau , Émile ou de 1’Édueation , Paris, Garnier , 1957, p. 210. I
Scuola, 1963, das quais falaremos adiante.
15 John Dewey, UEdueazionediOggi, Floren ça, Ia Nuova Italia, 1950, pp. 19-21.

123
122
com suas pró prias m ã os, e exaltava a atrasada produ çã o artesanal 17. vimento harmó nico e completo da mente e do cará ter; ou talvez a
Considere-se, ainda, o modo como Adam Smith tinha , ao contr á rio, Spencer e ao seu ensino cient í fico como fundamental a uma
eternizado a divisã o industrial do trabalho, geradora da divisã o de educação orientada para uma vida “completa ”19. Poderemos en-

— —
talentos, e a cr í tica a esse objetivismo a-hist órico que como vimos
Marx fez nos seus Manuscritos de 1844. Considere-se, final mente, o
contrar , de fato, termos an á logos aos marxianos em mil fil ósofos e
pedagogos, mas jamais em seu contexto que rejeita o utopismo, o
modo como os utopistas do século XEX, ao partirem de uma rigorosa moralismo e o individualismo, e que parta, ao contr á rio, de uma
den ú ncia da divis ã o do trabalho no moderno sistema de fá brica , rigorosa cr í tica das rela ções sociais.
contrapunham apenas suas excogita ções (como faz Fourier com sua Assim, a conexã o que propõe entre ensino e trabalho não pode
“ papillonage”, destinada a fazer desabrochar voca çõ es que se dispo- ser identificada com aquela proposta pelas modernas escolas ativas
nham à divisão do trabalho) 18 ou suas experiê ncias in vitro (como faz
Owen , que em todo o caso, ê o mais presente no pensamento de
— —
do trabalho dosloyd , do leamingby doing de inspira çã o positivista,
pragm á tica ou de qualquer outro tipo, de Salomon a Dewey e Ker-
Marx ). N ã o h á em Marx nem lamenta ção, nem posiçã o a-histó rica, schensteiner. O trabalho de que fala Marx n ã o é o trabalho artesanal
nem contraposiçã o utópica, mas, como vimos, a constatação de um à Rousseau (toda “ reminiscê ncia rom â ntica antiindustrial”20, sabe-
processo real e a individualiza çã o das solu çõ es no desenvolvimento mos, lhe é totalmente alheia ); nem o das modernas escolas adminis-
das suas contradições, que prop õe objetivamente a reunifica ção de trativas, destacado do ensino geral e destinado à aquisição de uma
ciê ncia e trabalho. ou mais tarefas determinadas (que ele havia criticado em 1847 como
Nem sequer a exigê ncia, t ã o marcadamente marxiana , do ho- proposta “ predileta ” dos burgueses). Nem mesmo é um trabalho
mem “onilateral ” é nele um pressuposto abstrato. Podemos encon- meramente did á tico, alternativa ou corretivo de uma cultura abs-
trar, por exemplo, esse tema nos utó picos como Fourier quando trata, “combina çã o do aprendizado com elementos da educa çã o libe-
propõe uma educa çã o “ integral” na qual devem ser necessá rias as ral ” , como diz King 21. Trata-se de um trabalho produtivo, prá tica
artes, a gin á stica e o trabalho manual; mas seria in ú til tentar do manejo dos instrumentos essenciais de todos os ofí cios, associado
encontrar analogias em outros pedagogos. In ú til , por exemplo, à teoria como estudo dos princí pios fundamentais das ciê ncias. Um
recorrer a Herbart e à sua “ multilateralidade ” como extensã o, do trabalho que exclui toda oposi ção entre cultura e profissã o, n ã o tanto
interesse, ou à sua id éia moral da “integralidade” para o desenvol- na medida em que fornece as bases para uma multiplicidade de
escolhas profissionais, mas na medida em que é atividade operativa
17 Cf. Émile , cit ., p. 216 . social , que se fundamenta nos aspectos mais modernos, revolucio-
18 Destaque-se que Fourier, de quem , como vimos, Marx criticava a concepção n á rios, integrais do saber. Aquele trabalho que a pró pria fá brica
do trabalho como jogo, considera que a divisão do trabalho deve ser “ levada postula, sem que o possa proporcionar at é que n ã o se opere um
ao grau supremo, a fim de situar cada sexo e cada idade nas funções
convenientes ”, chegando assim a conclusões , bem diferentes das de Marx, praktiscber Umsturz, ou seja, uma mudan ça revolucion á ria.
de uma versatilidade onilateral . Assim , sua hipó tese de que o “filho de um
‘pr í ncipe ’ (da sua ‘falange’) pode sentir prazer cm ser sapateiro e isto
ser o caminho para se dedicar à arte de sapateiro, ao curtume, à qu í mica c,
pode
Unir ensino e trabalho e colocar o processo educativo, rico em
pouco a pouco, á iniciaçã o a todas as atividades", mesmo que atraente como
abordagem did á tica da pr á tica à teoria, da profissã o á ciê ncia, parece, no conte ú dos teóricos, no coraçã o da produ ção moderna n ã o é um
entanto, muito distante do ensino tecnológico teó rico e prá tico de Marx e,
acima de tudo, aberta à crí tica marxiana contra os repetidores de Basedow.
( Para Fourier, cf cspecialmcntc Le Nouveau Monde Industrieiel Sociétaire , em 19 Para estas refer ê ncias, veja-se o já citado Boyd .
-
Oeuzrres Completes , VI. Deve se observar que o termo “civi lisation ”, empregado
por ele, parece coincidir com o que Marx chama de “economia pol í tica ”, e
20 A expressão est á nos Manoscrilli del 1844 , cit., p. 276, mas há outras
semelhantes cm Marx , ( cf. ibid ., p. 218).
Hegel denomina “ buergerlid>e GeseUschafí' . 21 Storia delia Educazione Occidentale, cit., p. 470.

124 125
programa pedagógico que, por si só, identifique o marxismo com as
demais pedagogias modernas. Nã o o identifica, por exemplo, com o e um determinado resultado pr á tico, mas sobretudo de n ã o fazer do
pragmatismo. Em que pesem algumas formula ções marxianas que, pensamento uma “ideologia ”, isto é, um pensamento alienado; veri-


por sua concisão, podem ser interpretadas como real mente tem

acontecido como fó rmulas t í picas de uma posi ção pragm á tica, h á
diferen ç as substanciais de princ í pios. Leiam -se nas Teses Sobre
ficar a validade de um pensamento no plano genericamente humano
e social, como capacidade de transformar a natureza e a sociedade e
n ã o apenas perseguir objetivos imediatos.
Feuerbach as observa ções de Marx sobre o car á ter prá tico do pen- Ser á melhor confrontar com a posição marxiana a realidade das
samento 22 É claro que, isoladas de todo o contexto da pesquisa de instituições escolares e das teorias pedagógicas dos pa íses que se
Marx, da sua discussão com o idealismo hegeliano ou com o mate- proclamam socialistas e marxistas. De fato, a complexa hist ó ria da
rialismo metafísico do século XVIII ou XIX at é Feuerbach , essas suas escola sovié tica , à qual se tem querido atribuir um cará ter de
teses poderiam ser tomadas como uma definiçã o que ficaria bem na incoerê ncia e de contradiçã o24, oscila constantemente em torno da
boca de um Peirce, de um James ou de um Dewey 23. Na verdade, tal pesquisa dos melhores modos de realiza çã o dessas hipóteses mar-
aproxima ção pode ser feita apenas se n ão aprofundamos um pouco xianas (e leninianas). Da URSS essas exigê ncias pedagógicas, e o
mais o problema. A prá tica que Marx tem em mente é algo que n ão sistema educativo em que se expressam , transferiram-se posterior-
coincide com o objetivo individual em que se verifica a validade de mente aos pa í ses que, por diversas vias, chegaram ao socialismo;
um pensamento, que é a posi çã o caracter ística de um certo pragmatis-
assim , hoje, um terço da humanidade educa-se em sistemas escolares
mo. Marx fala, no entanto, de modificar o mundo, isto é, de uma
inspirados naqueles princí pios. Basta-nos dizer, aqui, que o estudo
atividade na qual a sociedade humana est á fortemente empenhada e
que representa de certa maneira , todo o processo da sua histó ria:
da maneira como esses princí pios se traduzem na prá tica poderia
apropriar-se da natureza de modo universal, consciente e voluntá rio, apresentar muitos temas interessantes: o ensino politécnico pode talvez
modificá-la e, ao modificar a natureza e seu pr óprio comportamento correr o risco de se organizar como simples ensino profissional ou
em rela çã o a ela, modificar a si pr ó prio, como homem. Esta alus ã o pluriprofissional, tal como Marx criticava em 1847; a posi çã o do
ao cará ter n ã o individualista, mas social e “genericamente” humano trabalho no ensino pode, freqiientemente, oscilar entre uma fun ção
do pensamento de Marx é o quanto basta para o distinguir clara- abstratamente moral, de educa ção ao amor pelo trabalho e ao
mente da tese pragm á tica. Para Marx, n ã o se trata apenas de coinci- respeito pelos trabalhadores, e uma fun çã o mais exatamente did á tica,
d ê ncia de uma determinada hipótese de aná lise, entre o pensamento de aproxima çã o experimental -intuitiva à s noções teó ricas ou da sua
verifica ção no concreto; o ideal da onilateralidade pode atenuar-se
22 Tesi Su feuerbach (39 c ll 9), cm F. Engcls , IMíIOVíCO Feuerbach e il Putito no da multilateralidade ( nos pa í ses de l í ngua neolatina inclusive se
d’Approdo delia Filosofia CLtssica Tedesai , cit., pp. 77 78. Em especial: “A
- perdeu o sentido da palavra marxiana , cujo equivalente exato é
questã o de saber se ao pensamento humano corresponde uma verdade
objetiva n ão é uma quest ão teó rica , mas prá tica. E na atividade prá tica que possí vel, mas n ão existe na tradi ção lingu í stica corrente). Mas, em
o homem deve demonstrar a verdade, isto 6, a realidade e o poder , o cará ter geral , mesmo que as tradi ções herdadas ou os novos problemas fa çam
terreno do seu pensamento. A controv é rsia sobre a realidade ou n ão-
realidadc de um pensamento que se isole da prá tica é uma questã o mera- sentir o seu peso na interpreta ção e na aplica çã o, dos princ í pios ( mas
mente escolástica ^ . E ainda: “Os filósofos at é agora apenas interpretaram o será que Marx colocou suas teses como “princí pios”?, a eles nos
mundo de vá rias maneiras, mas trata-se de o modificar”.
23 Cf. Lamberto Borghi , II Fondamento delFEducazione Altiva, Floren ça, La
Nuova Italia , 1952, pp. 43, 61, 65, 67 c 79. Da interessante aproximaçã o que
propõ e entre marxismo e pragmatismo discorreremos logo a seguir; trata-sc
ae tema que merece maior desenvolvimento. 24 A observaçã o pertence a Luigi Volpicelli, cm Storia delia Scuola Soviética,
Brescia, La Scuola, 1950, e foi retomada vá rias vezes por outros.

126
127
referimos com todo o rigor25. At é o ponto, inclusive, de na história obrigatória de um século atrá s passou-se aos oito anos de hoje. É um
da pedagogia se estabelecer uma r ígida subdivis ão entre um “antes” processo que Marx classificaria como natural e espontâ neo, que não
e um “depois” de Marx, que pode, talvez, isolar demais o seu deixa de se processar sem contradições e que é determinado mais
pensamento das outras correntes modernas26 . pelo desenvolvimento objetivo da produ çã o do que pelas exigê ncias
da ciê ncia pedagógica . É a maior disponibilidade dos bens, inclusive
4. 0 marxismo e os problemas atuais culturais, o mais amplo ingresso dos adultos, e especialmente das
mulheres, na produ ção industrial e a abolição do trabalho infantil
do ensino de fá brica que “ libera ” as crian ças da fam í lia e do trabalho, que
acabaram por deixá-las dispon í veis para a escola. É este o fundamen-
Consideremos, agora, o processo objetivo do ensino no mundo to objetivo do aumento da escolaridade, do deslocamento para o alto
moderno, nesses cem anos que nos separam de Marx. O fato mais da fratura “horizontal”.
evidente, nos pa í ses industrialmente desenvolvidos, que eram objeto
'

de suas preocupações, é, acima de tudo, um fato quantitativo: a


expansã o da escolaridade.
— —
Semelhante e igualmente contradit ória é a tend ê ncia objetiva
de tornar menos clara a fratura “vertical” entre cultura e profissão.
A atual fase do progresso tecnológico tende a reunificar a ci ê ncia e
A escola , daquela estrutura reservada aos jovens das classes privi- o trabalho: apoiada na cibern ética e na automação, exige cada vez
legiadas, converteu -se, cada vez mais, numa escola aberta tamb é m menos operá rios e cada vez mais técnicos e pesquisadores de alto
aos jovens das classes subalternas. A velha aprendizagem artesanal n í vel ; exige, ao mesmo tempo, conhecimentos especí ficos para cada
desapareceu , e o vazio por ela deixado foi ocupado pelo ensino
elementar e técnico- profissional e pelo novo aprendizado do traba-
— —
uma das estruturas disciplinas, aparelhamentos e capacidade de
integrar mais estruturas ou de dominar as rela ções que as une.
lho representado pelas escolas de fá brica . Mas a antiga discrimina ção A an á lise marxiana pode ser um “ modelo” de an á lise a se aplicar
de classe continua a manifestar-se, mais ou menos acentuada nos hoje em dia para descobrir n ã o apenas o estado atual da tecnologia,
vá rios países, com duas linhas de fratura: uma, “ horizontal ”, entre mas também o processo contraditó rio que nela se desenvolve; para
os que deixam precocemente as estruturas escolares para ingressar
descobrir, por exemplo, a contradiçã o entre o elevado n í vel tecno-
nas estruturas de trabalho, e os que naquelas permanecem ulterior
mente para adquirir a ci ência; a outra, “vertical ”, entre os que es-
- l ógico exigido ao moderno produtor, bem como sua condiçã o social,
e, assim, determinar as exigências de forma ção técnica, cultural e
tuilam tu escola desinteressada da cultura , e os que estudam na escola social a serem satisfeitas.
profissional da t écnica . A tend ê ncia atual é do deslocamento para
Outro processo evidente no campo do ensino, nesses cem anos
cima da divis ão " horizontal ”: dos tr ês anos de escolaridade que nos separam de Marx, tem sido o que se relaciona à pesquisa
metodológica; em especial , a polê mica das escolas novas ou ativas
contra os conte ú dos arcaicos e os esquemas classificat ó rios e, acima
25 A história da pesquisa prdagóaua , alé m das realizações práticas nos países
socialistas, constitui , na atualidade, um conjunto de material merecedor de de tudo, contra os métodos dogm áticos e catequ ísticos da escola
um estudo sério. tradicional. Tamb é m essa renova ção foi fruto dos tempos, promo-
26 É esta, por exemplo, a subdivisão da mat éria na Istoria Pedagogiki, da vida pela necessidade de adequar o ensino ao estágio e ao progresso
Academia de Ci ê ncias da URSS, Moscou , 1955, traduzida ao italiano
exatamente com o t í tulo, corrctamentc cxti.ú do do í ndice, de Storia delia cada vez mais rá pido das ciências e das técnicas. Tem sido, pelo
Pedagogia Prima e Dopo Marx ( Roma , Armando, para toda a problem á tica da menos em parte, caracter í stica desse movimento uma certa obli-
relação entre escola socialista atual e teses pedagógicas marxianas , podem ser
vistos os três volumes de II Marxismo e Vtducazione, cit.1960). tera çã o dos conteú dos é a ênfase sobre os m é todos, considerados

128 129
operá rios n ão-qualificados, ou a ela se acrescentando, temos hoje a
“ativos ”, fundados sobre o interesse e a escolha aut ónoma do aluno. emigra ção de pelotões de técnicos e de cientistas dos pa í ses pobres
Mas o movimento que se processa hoje na pedagogia moderna tende, aos pa íses ricos; a exporta ção de patentes dos pa í ses avan çados aos
sem renunciar ao momento metodol ógico e motivador, a recolocar atrasados torna supé rflua, neste, a organização da pesquisa. Tudo
ênfase na exigê ncia de sistematização, de organiza ção e de racio- isso consolida o monopólio cultural dos pa í ses desenvolvidos, con-
nalização do saber27. A tend ê ncia a superar a alternativa entre es- dicionam o empobrecimento cultural dos pa íses menos desenvol-
pontaneidade do discente e organicidade do saber, entre interesse vidos e tornam mais difícil sua “decolagem ” cultural aut ó noma. Em
subjetivo e dados objetivos, entre motivação e racionaliza ção, n ão é seu conjunto, o mundo atravessa hoje uma fase de passagem de uma
alheia às teses marxistas da totalidade do saber e da onilateralidade sociedade campesina-artesanal a uma sociedade industrial avan çada,
do homem , que, pelo contrá rio, permitem uma coerente abordagem semelhante, em alguns aspectos, à fase que Marx investigava, há um
dessa problem á tica. século, no interior de cada na çã o. Os desequil í brios entre os indi-

Em nossa época época da coexistê ncia do capitalismo e do
socialismo, do aparecimento na histó ria de novos povos, e da segun-
v íduos e as classes são também desequil íbrios entre os povos, alguns
dos quais hoje se encontram em condições de explora ção, de sujeição,
da revolu ção industrial, que não apenas lança no espa ço as astronaves de “aliena çã o”, an á logas à quelas em que se encontravam os indi-
do homem , mas também envolve inevitavelmente em seus modos, v íduos e as classes no interior da sociedade industrial h á um século.
ainda que com trágicas contradições, todos os povos, estejam a qual - Ora, deixando de lado, aqui, toda discussão sobre qual possa ser

quer n ível de civiliza çã o o fato mais extraordin á rio no ensino é a
expansã o objetiva e espontâ nea da escolariza ção n ã o apenas nos
a fun çã o autónoma do ensino na transforma çã o da sociedade, pare-
ce-nos possível afirmar que, da mesma maneira como Marx via no
pa íses desenvolvidos, mas ainda em todos os pa í ses. Fala-se, hoje em sistema de ensino dos operá rios “ o germe do ensino do futuro”,
dia, de um processo em marcha para um sistema de ensino mundial. també m assim se pode descobrir, nas exigê ncias de ensino dos povos
Nã o ignoramos, de fato, as contradições através das quais tam - “ novos” e nas maneiras como tentam realizá-las, a tend ê ncia e a
bé m se processa essa expans ão tã o recente. Em que pese o aumento necessidade de se configurarem segundo os modelos mais avançados.
da escolariza ção nos novos pa íses, os “sulcos” entre ilhas de cultura Pode ser utopia e veleidade postular uma escola avançada em suas
avan çada e zonas culturalmente rebaixadas tendem a dilatar-se cada estruturas, conte ú dos e m é todos numa sociedade pobre e atrasada; e
vez mais; 95% da pesquisa cient í fica de hoje desenvolvem -se em ningu é m pretende pressupor dados de desenvolvimento n ã o-existen-
apenas trinta pa í ses 28; em vez da antiga emigra çã o dos exé rcitos de tes. Mas, com certeza, nã o são negativos todos os elementos im-
pl ícitos de ruptura, de afastamento das nyl routines seculares que
enrodilham a escola tradicional, presentes nas institui ções escolares
27 Nos pa íses socialistas, por exemplo, é n ítido o interesse pelas novas ciências,
como a astrof ísica, ou pelas “ novas tend ências” das ciê ncias tradicionais,
dos povos mais novos, independentemente dos seus n íveis; tais ele -
como a matem ática ou a lingu ística modernas, e por sua inserçã o no ensino. mentos novos talvez devam ser individualizados hoje mais entre os
E, desde quando, em setembro de 1957, o primeiro tjyultiik soviético sulcou aspectos sociais do que naqueles propriamente t écnicos e culturais.
os espaços , exatamente num dos países do moderno ativismo, os EUA,
Mas també m poderiam conter “germes de um ensino do futuro”,
-
procura se febrilmente recuperar aquele rigor objetivo do ensino; disto são
assim como, há cem anos, pareceu a Marx t ê-los descoberto na escola
provas, entre outras, o ensino programado, pelo menos em alguns de seus
aspectos, e as investigações sobre a estrutura das disciplinas para a sua do proletariado.
-
atualização e para torná las acessí veis aos alunos de várias idades . Tornaram
se universalmente conhecidos os nomes de Skinner ou de Bruner.
-
28 Cf. o citado relató rio de I. Bogn á r , La Plaee de la Recherrbe Sàentiftque dam le
Paysen Voie de Développement , ao simpósio da World Fedcration ofScientific
^
V orkcrs, Budapeste, setembro de 1965 (texto mimeografado).

131
130
James, W., 126. Plebe, A., 14 n , 186-92.

Adoratskij, 182 n.
í ndice Onom ástico Darwin, C. R., 173.
Judas, 179.
Jugiakov, S. N ., 40.

Kallen, H., 165.


Proudhon , P. J., 14, 114 n , 164.
Ptahotep, 116.

Rafael , 86.
Agostinho, 118, 118 n . Delia Volpe, G ., 33, 56 n , 104 n, Kerschensteiner, G ., 125. Ricardo, D., 171.
Anacá rsis, 116. 152, 153, 153 n , 154, 157, 159, King, E. J., 5, 123 n, 125, 173.
Aquiles, 117.
Arist ó teles, 48 n. . .
161, 165, 183, 183 n 189, 192.
Dewey J., 122, 122 n , 125 26, 164,
-
Krupskaya, N. K., 140, 140 n.
Rjazanov, D. B., 16 n.
Rousseau , J. J., 122, 122 n, 123,
Arkwright, 83. 166, 166 n , 185. 125, 142 n.
Labriola, A., 133, 133 n , 174. Rudnev, P. V., 14 n.
Di Cario, E., 182 n. Laporta, R., 188, 188 n , 189.
Badaloni , N ., 104 n , 186 n , 187, Lassale, F., 64 n.
192. Engels, F., 10, 14 n , 15, 16 n , 17, Sabetti, A., 183.
Law, H., 90, 90 n.
Bakunin, M. A., 178 . 19, 23, 25, 26 n, 27, 30, 33, 35, Lênin, V. I., 10, 14 n , 25, 40, 40 n , Saint-Simon, Ch . H., 177.
Basedow, J . B., 82, 106, 124 n , 141, 38 n , 49 n , 62 n, 65 n , 71, 76, 77, Salomon, O., 125.
41 n, 102, 102 n, 114, 114 n ,
145. 88 n , 92, 93 n , 126 n , 169, 177, 134, 182. Sanjuan de la Cruz, 185.
Bauer, B., 22 n . 185, 190, 191 n , 194. Léon, A., 120 n , 121 n . Schmidt, O. Iu., 13.
Bellers, J ., 82, 106. Esterhazy, P. A., 167. Sê neca, 118, 118 n.
Leonardo da Vinci, 102, 103.
Bernald , J. D., 7 Etienne, 120 n . Sismondi , J. Ch., 114 n.
Leontievi , À. N ., 190 n.
Bertoni , J., 133 n , 163 n .
.
Bini C., 186 n , 188, 192.
Bismarck , O., 182 n .
Fcnix , 117.
Feuerbach , L. , 35 n , 49 n, 108, 126,
Leopardi, M ., 194.
Lombardo Radice, L., 186 n , 188,
Skinner, B. F., 130 n .
Smith, A., 124, 171.
Blanqui , A., 178. 192. Spencer, H ., 125.
126 n , 142 n, 181, 182 n. Stachanov, A. G., 185.
Blonskiy, P. P., 140, 140 n . Fichte, G ., 182 .
Luís XIV, 121.
Luporini , C., 3, 142 n. Stirner, M., 106, 141.
Bogn á r , J., 7, 85 n , 130 n . Fourier, C. H ., 107 , 124 , 124 n , 171. Strauss, 22 n.
Boileau , E., 120 n. Franklin , B., 48 n .
Bongioanni , F. M., 54 n , 173-79 . Makarenco, A. S., 142 n . Suchodolski , B., 188 n.
Fulton , R., 82, 83.
Borghi, L., 55 n, 126 n, 159-67, Fumagalli, G., 103 n. Marcial, 118, 118 n.
160 n , 183, 183 n. Marrou , H., 117, 117 n. Tarnow, R., 71, 194.
Boyd , W., 5, 123 n, 125 n, 173 . Gentile, G ., 160, 182, 186, 187. Mazzetti , R., 167-71. Tisato , R., 2.
Brancatisano, F., 186 n. Geymonat L„ 2, 8. Mazzini , G ., 164, 178.
Bravo, M., 168 n. Giannantoni , G., 186 n , 187, 192. Menandro, 118. Urbani , G., 134 n.
Bruner, J. S., 130 n. Gobelins, 121. Milner, G., 90, 90 n, 100, 101.
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