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2010/2011

Mestrado em Estudos Sociais da Ciência


Cultura Científica e Comunicação da Ciência

DOIS MUNDOS, UMA CIÊNCIA

Docente – Professora Doutora Cristina Palma Conceição


Maria Teresa Reis Varela Pereira nº 36476
Dois Mundos, Uma Ciência 2010/2011

INDÍCE

Introdução……………………………………………………………………………………….03

Comunicar Ciência………………………………………….………………………………..….03
Modelos de Comunicação………………………………………………………..……...05

Públicos da Ciência………………………………………...........................................................05
Literacia Científica, Compreensão Pública da Ciência e Ciência e Sociedade…….......06

O que Separa a Ciência do Público……………………………………………………………...08


Conclusão…………………………………………………………….…………………………10
Bibliografia………………………………………………………………………………….…..11

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Teresa Varela Cultura Científica e Comunicação da Ciência
Dois Mundos, Uma Ciência 2010/2011

Introdução
“Se queres conversar comigo, define primeiro os termos que usas.” Voltaire
Comunicar é uma arte. Qualquer contador de histórias, das sociedades primitivas, sabia que tinha
que dar sentimento e colorido à sua narrativa, para prender a atenção do público.
Os homens comunicam entre si, desde o princípio dos tempos. Nas sociedades tribais, o
conhecimento era transmitido por via oral, de em geração, em geração. A história do povo, as
suas tradições, as suas caçadas ou pescarias, os seus feitos e descobertas, era contada e recontada
e fazia parte da memória colectiva desse mesmo povo.
Hoje, que vivemos na Era da Globalização e da Sociedade em Rede, em que as distâncias e as
dificuldades de informação e de comunicação se dissolvem à distância de um click, é, todavia,
mais difícil a comunicação entre os homens. A multiplicidade de saberes, de valores, de hábitos
e tradições, transformaram a comunicação, mais do que numa arte, num complexo puzzle sem
guia de instruções.
Comunicar ciência sempre foi uma tarefa difícil. Transmitir conhecimentos científicos, obriga,
umas vezes, a tentar tornar simples, conceitos, teorias, descobertas e experiências, com elevado
grau de complexidade, e outras, a lutar contra valores, dogmas, tradições, interesses e poderes,
enraizados nas sociedades, e, mais das vezes, às duas em simultâneo.
Desde o tempo das sociedades tribais, até aos nossos dias, fizemos um longo e multifacetado
percurso. Das sociedades quase homogéneas, passámos para organizações sociais complexas,
divididas em grupos, classes e elites, cada um com diferentes hábitos, valores, interesses,
poderes e conhecimentos. Falar a mesma língua deixou de ser suficiente, para comunicar, é
preciso falar a mesma linguagem.
A ciência e a tecnologia, a par da educação, são hoje os grandes pilares do desenvolvimento e
evolução das sociedades, mas, desde sempre, têm sido condicionadas pelos poderes políticos,
económicos ou religiosos, cujos interesses, muitas vezes, não respeitando os valores morais,
sociais, religiosos, éticos, ambientais e humanistas, conduzem a riscos, com elevado grau de
imprevisibilidade, em termos de consequências, e provocam insegurança e desconfiança por
parte do público. Assim, ainda que o conhecimento não tenha, por si só, nem ética, nem moral, o
problema não está em tê-lo, mas, sim, em utilizá-lo. É a sua utilização que se encontra
intrinsecamente relacionada com a ética, a moral e o respeito pelo mundo que nos rodeia.
“Dois Mundos, Uma Ciência” pretende ser um pequeno ensaio reflexivo, acerca das formas de
comunicar ciência e dos públicos a que se dirige, através dos tempos e, particularmente, nas
últimas décadas.

Comunicar Ciência
Desde a Antiguidade até aos nossos dias, a comunicação ou divulgação dos conhecimentos e
descobertas científicas tem sido feita ao público. A forma e circunstâncias em que se faz essa
divulgação têm sofrido alterações ao longo dos tempos, quer seja pela evolução do próprio
conhecimento em si mesmo, quer pelas circunstâncias políticas, sociais, económicas e religiosas
que a envolvem, quer ainda pelo facto do público da ciência não ser apenas um público, mas
antes diversos tipos de públicos, com atributos diversificados, inerentes às especificidades das
épocas e sociedades em que se encontram inseridos.
Na Antiguidade a divulgação científica fazia-se, principalmente, nas escolas, nos templos, na
Ágora e no Pnyx, onde ocorriam as discussões sobre pensamentos críticos ou criativos, partilha
da experiência dos anciãos e recuperação da antiga cultura, dos grandes centros culturais, tais
como Atenas ou Alexandria.

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A Grécia, bem como Roma, era, na Antiguidade, o grande centro cultural do mundo. A cultura
grega universalizou-se, tornando-se multicultural, A Paidéia era o ideal do mundo, a educação
valorizava os aspectos intelectuais, a democracia o novo sistema político. Símbolos do
pensamento filosófico e científico desta época são, entre outros, Aristóteles, Platão ou Pitágoras.
A Idade Média, foi uma era dominada pelo obscurantismo, a igreja detinha ou dominava os
saberes e, através do Santo Ofício, controlava a ciência, evitando que os seus dogmas e valores
fossem postos em causa, suprimindo ou dificultando as descobertas de cientistas como
Copérnico ou Galileu Galilei.
Contudo, foi nesta era que, em Londres, foi criada a The Royal Society (1660), ou, à época, “The
Royal Society of London for Improving Natural Knowledge', por um grupo de “natural
philosophers” que se tinham começado a reunir em meados da década de 1640, para discutir a
nova filosofia, à qual chamamos agora ciência, e promover o conhecimento do mundo natural,
através da observação e experiência e, em Paris, fruto de um projecto de Colbert, de criar uma
academia geral, para o qual congregou um grupo de “savants”, nasceu a Académie des Sciences
de Paris, (1666).
O Iluminismo, do qual Immanuel Kant é, talvez, o expoente máximo, deu um novo fôlego à
ciência e à cultura em geral. A este propósito Bernardette Bensaude-Vicent, in “Public
Understanding of Science”, refere que a origem da comunicação da ciência se reporta,
normalmente, ao inicio do século XVIII, sendo Bernard Le Bovier de Fontenelle considerado
como o maior autor da popularização da ciência. Na época foram editados vários livros
populares acerca de ciência e esta era comentada nos salões da aristocracia, onde se debatiam
todas as questões importantes da altura, dando lugar a que muitos dos apreciadores da ciência, se
tornassem amadores, gerando uma certa indefinição entre cientistas e amadores.
Segundo a autora, no século XIX, começou a pensar-se em termos de divulgação da ciência para
as massas consumidoras. Louis Figuier, um, então, bem sucedido escritor, advogava que a
ciência devia ser para todos, não apenas para uma elite.
As Exposições Mundiais, na segunda metade do século XIX, tiveram, entre outros, o objectivo
de disseminar o conhecimento científico, principalmente através da tecnologia deste resultante.
Contudo, segundo a mesma autora, estas apenas conseguiram gerar um mínimo de
conhecimento.
Albert Comte criticava os cientistas por não utilizarem uma linguagem acessível a todos,
contrariando aquilo que parecia ser o espírito da época, tornar a ciência útil e indispensável no
dia-a-dia.
Mas, somente após a primeira Guerra Mundial, se pode começar a falar, verdadeiramente, de
divulgação científica, dirigida ao grande público ou às “massas ignorantes”. Segundo Bensaude-
Vicent, a comunicação da ciência foi estabelecida como uma instituição pública, em vários
países, e gerou um boom de iniciativas, de comunicação e disseminação da ciência, tais como,
edição de revistas e enciclopédias, exibições, filmes e programas de rádio, bem como a criação
de associações profissionais de jornalistas científicos. Situação que provocou quer a mudança da
linguagem, quer da mentalidade. Desvanecendo-se o conceito de ciência popular do século XIX,
o qual veio a ser substituído pelo da comunicação da ciência.
Ao longo do século XX, e já no XXI, as mentalidades foram mudando, os níveis de educação
dos diversos públicos foram-se elevando continuamente e as iniciativas de Divulgação de
Ciência multiplicaram-se. A título de exemplo refiro os museus interactivos, as exposições
itinerantes e, particularmente, o projecto Ciência Viva, no caso de Portugal.

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Modelos de Comunicação
Brian Trench, “Towards an Analytical Framework of Science Communication Models” in
“Communicating Science in Social Contexts. New models, new practices”, apresenta um
“mapa” da comunicação da ciência, no qual explica, os modelos de comunicação da ciência
utilizados ao longo do século XX e início do XXI. São eles o Modelo do Défice, no qual a
ciência é transmitida por especialistas, para audiências definidas como sendo deficitárias em
sensibilidade e compreensão da ciência; o Modelo do Diálogo, em que a ciência é comunicada
entre cientistas e os representantes dos públicos, ou grupos, com o objectivo de descobrir como é
que a ciência pode ser mais eficazmente disseminada, ou, por vezes para realizar uma consulta
sobre uma situação específica; Modelo de Participação, onde a comunicação da ciência se faz
entre diversos grupos, no pressuposto de que todos podem contribuir e que todos têm influência
no resultado das deliberações ou discussões.
Cada um destes modelos apoia-se em diferentes critérios, ideologias e correntes filosóficas e
tem variantes, de acordo com o juízo que os transmissores de ciência fazem acerca do tipo de
público a quem se dirigem e com o objectivo da própria comunicação.
Assim, o Modelo do Défice tem como objectivo a disseminação da cultura científica, sendo para
defendê-la ou por uma questão de marketing, apoia-se no Cientificismo e na Tecnocracia e vê o
público como hostil e ignorante, mas que pode ser persuadido; O Modelo do Diálogo, por seu
lado, pretende suscitar o diálogo, quer seja para contextualizar a questão em causa, quer como
forma de consultar a opinião do público, apoia-se nas correntes filosóficas do Pragmatismo e do
Construtivismo, pretende compreender as necessidades desse mesmo público e descobrir o que
pensam acerca do tema, pois, este expõe as suas próprias ideias, acerca dos assuntos; O Modelo
da Conversação/Participação é o mais recente modelo utilizado para comunicar ciência e baseia-
se na Democracia participativa e no Relativismo, tem o objectivo de deliberar ou criticar, sendo
o público visto como igual, pois ambos, público e cientistas, decidem acerca do que se vai falar e
negoceiam sobre as decisões a tomar.
O Modelo do Défice tem sido amplamente criticado e, cada vez mais, se opta pelos outros dois,
embora o Modelo do Diálogo se apoie ainda no pressuposto do défice de conhecimento por parte
do público. Há quem proponha que, de acordo com o público e a situação em causa, se deva
associar o melhor dos três modelos. Situação na qual me revejo, pois que há sempre que ter em
conta qual é o grau de conhecimento que esse público tem e, de acordo com isso, determinar se é
possível negociar, ou sequer valorizar opiniões, sem antes instruir o público acerca do tema ou
temas em causa, ou seja, se é necessário ensinar, Modelo de Défice (top down), antes de dialogar
ou participar.

Públicos da Ciência
António Firmino da Costa, Patrícia Ávila e Sandra Mateus, in “Públicos da Ciência em
Portugal”, ao iniciarem uma investigação centrada na caracterização dos leitores de revistas de
divulgação científica, efectivos e potenciais, em Portugal, concluíram que, em vez da
caracterização dos leitores, seria mais adequado, organizar a análise em torno de outro conceito,
que seria o do modo de relação do público com a ciência.
Esta investigação permitiu-lhes definir um conjunto de modos de relação com a ciência, os quais
correspondem a sete segmentos possíveis de decompor a população em análise.
Assim, perto de um terço tem uma grande proximidade com a ciência e subdivide-se em quatro
segmentos, com proximidade decrescente, cerca de 2% são definidos como envolvidos, os quais
são utilizadores da ciência a vários níveis; os consolidados são à volta de 9% e utilizam a ciência
profissionalmente e /ou socialmente; os iniciados, à volta de 8%, têm principalmente uma

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relação escolar com a ciência; e os autodidactas, à roda de 18%, que a utilizam informal e
socialmente.
Nos restantes três segmentos, perto de dois terços dos inquiridos, os quais têm uma relação
distante com a ciência, enquadram-se os indiferentes, perto de 23%, só utilizam a ciência a nível
pessoal, julgam ter fracos conhecimentos e são pessimistas acerca desta; os benevolentes, quase
28%, semelhantes aos anteriores, mas menos pessimistas; os retraídos, cerca de 12%, não
utilizam, não têm conhecimentos, nem manifestam interesse em ter, além de que têm uma
opinião negativa acerca da ciência.
A relação mais próxima ou mais afastada com a ciência, bem como a opinião mais positiva ou
mais negativa, parecem ter uma relação mais ou menos directa, não tanto com a idade, mas
acima de tudo com a escolaridade. Quanto mais escolarizados, mais interessados e, ainda que
tenham uma opinião crítica sobre a ciência e os seus riscos, não têm uma opinião tão negativa
acerca desta.
Embora que desta investigação não possa fazer uma extrapolação directa para os outros países do
ocidente, ou mesmo da Europa, acredito que os resultados não serão muito diferentes, pelo
menos em termos qualitativos, pois, por um lado, o desconhecimento causa sempre mais receio,
do que ter algum ou bastante conhecimento, ainda que se tenha uma perspectiva crítica e
cautelosa, e, por outro, quanto menor for o grau de escolaridade ou de aprendizagens formais ou
informais, menor será também a tendência para procurar conhecimento, uma vez que os
conceitos científicos apresentam um grau de complexidade difícil de entender, para quem tem
poucas bases.
Literacia Científica, Compreensão Pública da Ciência e Ciência e Sociedade
De acordo com Bauer, Allum e Miller, in “Public understanding of science” existem três
paradigmas, no que se refere ao conhecimento e compreensão da ciência, por parte do público,
são eles o da Literacia Científica, da Compreensão Pública da Ciência e da Ciência e Sociedade.
A literacia científica é a “capacidade de usar conhecimentos científicos, de reconhecer questões
científicas e retirar conclusões baseadas em evidência, de forma a compreender e a apoiar a
tomada de decisões acerca do mundo natural e das mudanças nele efectuadas através da
actividade humana.”(OECD, 2002).
Esta pode decompor em literacia científica funcional, do domínio da maioria dos adultos
escolarizados, com alguns conhecimentos científicos; literacia cultural, pressupõe a capacidade
de conversar sobre ciência e utilizar os termos correctos; literacia verdadeira, implica conhecer
o processo de construção do conhecimento científico.
A preocupação com a literacia científica dos cidadãos surgiu após a Segunda Guerra Mundial e
o início da Guerra Fria e, mais acentuadamente, a partir dos anos 60. Segundo os mesmos
autores, esta prende-se com uma dupla analogia à literacia básica, ou seja, detenção da
capacidade da leitura, da escrita e da numeracia, e a à literacia política, a qual pressupõe que, em
democracia, as pessoas tomem parte nas decisões políticas. Assim, o público deverá conhecer e
entender a ciência, para poder tomar decisões relacionadas com a ciência e suas aplicações
tecnológicas.
Neste contexto, a NSF – National Science Foundation, promoveu a aplicação de testes de
literacia científica à população, com o objectivo de determinar o seu grau de conhecimento e
entendimento da ciência, os quais foram, posteriormente, adoptados por vários países, incluindo
os da EU.
Estes estudos, bem como os da compreensão pública da ciência, têm sido regularmente
conduzidos por Jon Miller, Professor de “Integrative Studies” na “Michigan State University”,
para a “NSF's Division of Science Resources”.

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Miller foi o pioneiro da definição e da medição da literacia científica e a sua abordagem para a
compreensão pública da ciência foi reproduzida em mais de 40 países. Miller tem medido a
compreensão pública da ciência e da tecnologia, nos Estados Unidos, nas últimas três décadas e
analisou os factores associados com o desenvolvimento de atitudes para com a ciência e ciência
política. Desde há 20 anos, tem dirigido inquéritos nacionais bienais para o Conselho Nacional
de Ciência, nos EUA, cujos resultados são referenciados como Indicadores de Ciência e
Tecnologia, e continua a realizar estudos de percepção pública da ciência nos Estados Unidos e
outras nações.
Os primeiros testes de literacia científica eram escolásticos e utilizavam questões cujas respostas
verdadeiro/falso, não permitiam que os inquiridos demonstrassem outros conhecimentos que não
os escolares e revelaram um défice de conhecimentos preocupante.
“Science and technology play a major role in most aspects of our daily lives both at home and at
work. Our industry and thus our national prosperity depend on them. Almost all public policy
issues have scientific or technological implications. Everybody, therefore, needs some
understanding of science, its accomplishments and its limitations.” in “Public Understanding of
Science” (1985) (p.6) The Royal Society of London
O paradigma do Compreensão Pública da Ciência é especialmente posto em evidência pela
Royal Society, a qual através da sua publicação “Public Understanding of Science” expõe a
importância da compreensão da ciência, por parte do público, pois, da ciência e tecnologia,
dependem a evolução, prosperidade e o bem-estar social dos países. Tornando-se imperativo que
os cidadãos compreendam a ciência e a sua importância, quer porque fazem parte da sociedade e,
portanto, estão envolvidos em todos os processos da sua evolução, quer porque só dessa forma
poderão entender os investimentos em ciência e tecnologia.
Neste novo paradigma, segundo Bauer, Allum e Miller, in “Public understanding of science” a
ênfase já não é colocada em “ ou é literato ou não”, mas antes “se tem maior ou menor
conhecimento”.
Neste contexto, The Royal Society faz uma série de recomendações no sentido de promover o
conhecimento, que implicam todos os sectores da sociedade, desde as escolas, até à comunicação
social, passando pelos museus, cinema e ela própria. Propondo que esta promoção e
disseminação do conhecimento se faça de forma inter-activa.
O paradigma da Ciência e Sociedade nasce, de alguma forma, segundo os mesmos autores, por
oposição aos paradigmas anteriores, por serem “modelos de défice” e assentarem na “neurose
institucional”.
Este novo paradigma evidencia não apenas o défice do público, mas, principalmente, os
preconceitos da comunidade científica relativamente a esse público e o seu défice na forma como
transmitem os conhecimentos, o qual originou uma “crise de confiança do público”.
Há que mudar a política e as mentalidades, para que público, a comunidade científica e os
restantes sectores envolvidos possam estabelecer uma verdadeira participação em todas as
decisões que envolvem a ciência e a evolução das sociedades. Para Donghong Cheng et al, in
“Communicating Science in Social Contexts” (p.37) (2008), a “aceitação” ou “compreensão” da
ciência, por parte do público, depende de a verdade estar implícita nas informações que lhe são
transmitidas e na sua confiança no controlo e desenvolvimento das instituições.
Para Bauer et al. é importante que existam indicadors culturais fiáveis e bases de dados
integradas para análises transversais, com o objectivo de compreender o que é necessário fazer
para que o público seja um parceiro, em igualdade de circunstâncias, na tomada de decisões
sobre ciência e tecnologia,

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O que Separa a Ciência do Público


A ciência e a tecnologia são dois dos mais importantes pilares para o desenvolvimento das
sociedades. Todos os cidadãos, dessas sociedades, são público e utilizadores dessa mesma
ciência e tecnologia, a diversos níveis, sendo a sua relação com a ciência mais próxima ou
distante, de acordo com a época em causa, o nível de escolarização, género de trabalho que
executam, tipo de interesses e enquadramento social.
Mas, quando falamos do grande público em geral, parece haver um enorme distanciamento entre
este e a ciência, como se público e cientistas, utilizadores e manipuladores da ciência, vivessem
em mundos diferentes, que se cruzam mas não se tocam.
“Expressões como “science for everyone”, “really popular science” and “science for a broad
public” são, muitas vezes, divergentes da mensagem subsequente, a qual é claramente dirigida
para um muito mais restrito e especializado publico.” Felt, Ulrik in “Why Should the Public
«Understand» Science (p.12)
Bensaude-Vicente, “A genealogy of the increasing gap between science and the public” in
“Public Understanding of Science” , identifica a existência de dois tipos de fosso entre a ciência
e o público. Um deles tem uma identidade ideológica e foi criado pelos mediadores que,
supostamente, deveriam ter contribuído para a redução desse fosso, pois em vez de o fazerem,
reforçaram a imagem da autoridade dos experts da ciência. O outro tem que ver com a própria
natureza da ciência, a qual se encontra sempre em evolução.
Em “Taking European Knowledge Society Seriously”, Ulrike Felt afirma que existe um
desconforto público em relação à ciência, causado pelo risco associado às inovações científicas e
reconhece que as práticas institucionais da ciência e da tecnologia dependem de profundos
interesses e valores sociais.
Enquanto Helga Nowotny, in “Re-Thinking Science”, define quatro argumentos ou Processos
principais, 1º Ciência Modo 2 e Sociedade Modo 2, 2º de “comunicação reversa”, 3º de
contextualização, 4º Agora – espaço de diálogo e confraternização -, que, interagindo entre si,
fornecerão o suporte para repensar a ciência e, talvez, produzam os elementos para um novo
“contrato” entre a ciência e a sociedade. Já in “The Public Nature of Science under Assault”
afirma que o estado age como amortecedor e mediador entre a ciência e os cidadãos e,
simultaneamente, que a ciência está directamente exposta às pressões dos mercados.
“…a ciência está em perigo e, por isso, torna-se perigosa.”, “…a ciência, sobretudo a
legitimidade da ciência e a utilização legítima da ciência são motivos permanentes de luta social
e no próprio seio do mundo da ciência.”? .”, in “Para uma Sociologia da Ciência” (p. 17) (p.7),
Pierre Bourdieu
A ciência e a tecnologia contêm riscos de diversas índoles, apelidados de “novos riscos”, estes,
de acordo com Maria Eduarda Gonçalves in “Os Portugueses e os Novos Riscos”, são a nova
face do progresso e encontram-se associados a escolhas, escolhas essas que resultam “…de
complexos e muitas vezes tácitos processos de decisões sociais, económicos e políticos cujas
consequências são dificilmente compreensíveis ou controláveis”.
Ulrik Felt in “Taking European Knowledge Society Seriously” (Cap. 8 - A Robust and
Sustainable European Knowledge Society) inclui nas “Conclusões e Recomendações” deste
estudo a necessidade da criação de um novo “Community Research Council”, o qual, através dos
seus diversos membros, cientistas e não cientistas, criaria as condições para o desenvolvimento
da ciência na Europa, de acordo com as necessidades de todos os países, e também o
desenvolvimento de uma Ética Institucional, não só interessada nas definições dos paradigmas
éticos, mas também nos problemas éticos relacionados com as preocupações dos cidadãos.

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As diferentes perspectivas destes autores evidenciam várias razões para a existência de um fosso
entre a ciência e o público, as quais podemos sistematizar de acordo com as suas diversas
características:
A ciência tem riscos, não pelo conhecimento em si mesmo, mas pela utilização que se faz dela,
pois esta encontra-se dependente dos diferentes poderes e jogos de interesses, políticos e
económicos;
Esta encontra-se em constante evolução e tem diversas áreas de especialização que
continuamente se multiplicam e complexificam, o que faz com que, para o público leigo, seja
difícil acompanhar todas as suas nuances;
O público tem défice de conhecimentos relativamente à ciência e os cientistas pouca vontade de
perder o seu estatuto de “sábios”.
Tudo isto provoca, por um lado, desconforto e desconfiança por parte do público e, por outro,
dificuldades na efectiva comunicação direccionada para promover o conhecimento e a
compreensão da ciência,
A ciência é só uma mas, neste contexto, parece coabitar, simultaneamente, em dois mundos
diferentes, o dos cientistas e de todos aqueles que mais directamente se encontram a ela ligados,
a todos os níveis, através das suas aplicações tecnológicas, e o do público leigo que,
aparentemente, apenas funciona como utilizador dos resultados dessa ciência, sem grande
consciência do que está em jogo.
Em plena Era do Conhecimento, é pertinente questionarmo-nos se, efectivamente, o
conhecimento científico dos cidadãos em geral é suficiente para que estes possam fazer escolhas
conscientes relativamente à ciência e à tecnologia. Contudo, ainda que o panorama que todas
estas questões levantam não pareça, à partida, promissor, poderemos equacionar as questões de
uma outra forma.
A EU, desde a sua constituição, em 1992, tem continuamente afirmado a mesma ideia, reforçada
em 2010, no Relatório Intercalar do Conselho e da Comissão Europeia, em que se afirma a
necessidade de “Criar um «triângulo de conhecimento» de educação, investigação e inovação e
auxiliar todos os cidadãos a melhorarem as suas competências são acções cruciais para o
crescimento e o emprego, bem como para a equidade e a inclusão social”
Aparentemente, esta é uma excelente base para a aproximação entre o público e a ciência. Se,
por um lado, é importante o investimento em educação e formação para que todos os cidadãos
estejam mais capacitados para entender os processos científicos, ou não, que contribuem para o
desenvolvimento das sociedades, por outro, é necessário mudar mentalidades, quer dos
cientistas, quer do público e, para tal, entre vários instrumentos, podem adaptar-se as técnicas e
instrumentos utilizadas em Marketing e Publicidade, já amplamente testadas, para a divulgação e
compreensão da ciência.
No entanto, a mentalidade e os preconceitos aparentam ser o maior obstáculo à redução deste
fosso entre a ciência e o público, pois, por um lado, a ciência é complexa mas não é inexplicável
e, por outro, ainda que os conhecimentos do público possam ser considerados não científicos,
eles não só utilizam a ciência, como, em muitos casos, através de processos diferentes
conseguem chegar a resultados idênticos. Assim, a título de exemplo, refiro que nunca um
pedreiro necessitou saber o teorema de Pitágoras para construir uma casa, mas, utilizando outros
métodos obteve os mesmos resultados.
A ciência necessita abrir-se aos conhecimentos e competências que o público não cientista, mas,
certamente, pensante, tem. Dito de outra forma, há sempre formas alternativas de se fazer as
mesmas coisas, pelo que os cientistas, descendo do seu “pedestal”, poderão tentar compreender e
assimilar outras formas de conhecimento e, através delas, adaptar a sua linguagem, simplificar os

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conceitos e, utilizando exemplos práticos, transmitir conhecimentos que, ainda que complexos,
não são totalmente herméticos, nem dissociados da realidade do público em geral. A mentalidade
do público que, inferiorizando-se, julga não ter capacidade para entender a ciência, também
necessita ser modificada, pois a capacidade de aprender, ainda que não seja ilimitada, não tem
limites definidos.
Na Teoria da Comunicação, designa-se por ruídos tudo aquilo que interfere com a comunicação.
Estes ruídos podem ser de várias ordens, físicas, psicológicas ou socioculturais, que provocam
uma descodificação e uma resposta não esperada ou não desejada por parte do remetente. Muitos
deles podem ser provenientes de preconceitos e tipos de mentalidade, de jogos de poder e de
interesses ou de códigos e linguagens não acessíveis.
Os riscos associados à ciência e à tecnologia originam a desconfiança por parte do público,
constituindo-se também num ruído. No entanto, as duas são também a fonte de desenvolvimento,
evolução e bem-estar das sociedades. Assim, afigura-se premente que públicos e cientistas
encontrem um código e uma linguagem que lhes permita realizar uma comunicação efectiva,
com o objectivo de que todos possam compreender e decidir em consciência, os caminhos que as
sociedades devem traçar.

Conclusão

Mais do que na Aldeia Global de McLuhan, vivemos na era da Globalização, das TIC, das
Sociedades do Conhecimento, do Risco e em Rede, com uma evolução científica e tecnológica
sem paralelo e com a maior miscigenação e hibridação de todos os tempos. Estamos a assistir ao
nascimento de uma nova cultura, uma Cultura Global, extraordinariamente rica, porque
consubstancia uma enorme profusão de características e saberes provenientes dos diversos povos
e que, por isso mesmo, origina igual profusão de dilemas nas sociedades.
A evolução da ciência, tecnologia e educação e a adequação destas aos mercados são condição
sine qua non para o desenvolvimento das sociedades. Assim, é, portanto, imperativo que se crie
um código que seja comum a todos, para que possam comunicar entre si, mas que,
simultaneamente, respeite as diferenças e idiossincrasias de cada povo e de cada homem.
Logo, é necessário que se construa uma ponte entre cientistas e não cientistas, para que possa
existir um espaço de diálogo, com o objectivo de que as decisões e escolhas realizadas, a esses
níveis, sejam conscientes, porque compreendidas por todos, até porque existem riscos inerentes à
ciência e à sua utilização, os quais não só podem perturbar a ordem da natureza, como ameaçar
essa mesma natureza e o próprio homem, como ainda desrespeitar os princípios éticos, morais,
humanísticos ou religiosos dos povos e sociedades.
Transformar em linguagem simples aquilo que é complexo, é tanto mais fácil quanto menos os
preconceitos, as ideias feitas e a falta de comunicação existirem.
A comunicação é tanto mais efectiva, quanto mais houver vontade, de todas as partes, de que ela
o seja e quanto menos for dominada pelos jogos dos poderes políticos e económicos.
Para que os dois mundos, entre os quais paira a ciência, se transformem num só, e para que a
ciência seja um bem não só acessível a elites, mas a todos os cidadãos, é necessário que exista
vontade de todos os sistemas sociais envolvidos, público, cientistas, poderes políticos,
económicos, religiosos e sociais.

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Bibliografia

Bauer, Martin W., Nick Allum e Steve Miller, (2007) in “Public understanding of science”
SAGE Publications
Bensaude-Vicente, Bernardette (2001) “A genealogy of the increasing gap between science and
the public” in “Public Understanding of Science”, Institute of Physics Publishing
Blikstein, Izidoro in“Técnicas de Comunicação Escrita” (2010) Editora Ática S.A., São Paulo
Bourdieu, Pierre in “Para uma Sociologia da Ciência” – Edições 70
Carneiro, Roberto “Hibridação e Aventura Humana” in “A cor dos Media”, Comunicação &
Cultura, Comunicação & Cultura N.º 1 – Primavera -Verão (2006), Quimera
Costa, António Firmino da, Patrícia Ávila e Sandra Mateus, in “Públicos da Ciência em
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Donghong Cheng, Michel Claessens, Nicholas R. J. Gascoigne, Jenni Metcalfe, Bernard Schiele,
Shunke Shi, in “Communicating Science in Social Contexts” (p.37) (2008), Springer
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Teresa Varela Cultura Científica e Comunicação da Ciência

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