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Dayse Lúcide Silva Santos

Teoria da História
Social e Cultural

1ª EDIÇÃO ATUALIZADA

Montes Claros/MG - 2014


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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES

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2014
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Carlos Caixeta de Queiroz
Autora
Dayse Lúcide Silva Santos
Graduada em História/FAFIDIA/UEMG. Mestre em História pela Universidade
Federal de Minas Gerais – FAFICH/UFMG. Professora do Curso de História da UAB/
Unimontes. Professora Substituta do Curso de Humanidades da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/UFVJM/MG.
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Os Annales e a definição do campo da história social e cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.2 A escola dos annales e a história-problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.3 Caminho da história social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

1.4 Caminho da história cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
O olhar da história cultural e social: conceitos, métodos e campos temáticos . . . . . . . . . 27

2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

2.2 Epistemologia: conceitos e delimitações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

2.3 Metodologia da história social e cultural: como fazer história? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

2.4 Campos temáticas da história social e cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Referências básicas, complementares e suplementares . . . . . 51

Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
História - Teoria da História Social e Cultural

Apresentação
A disciplina Teoria da História Social e Cultural faz um convite a você para viajar pelos ca-
minhos trilhados por Clio. A deusa que você vê na figura é uma das representações gregas de
Clio, uma das nove deusas das Ciências e das Artes na mitologia grega. Filha de Zeus (deus dos
deuses) e de Mnemosine (deusa da memória), Clio era responsável por cuidar da História e da
Criatividade. É musa inspiradora invocada pelos primeiros escritores e artistas gregos para dar
início ao seu trabalho. Nessa representação de Clio, observamos instrumentos que brindam o co-
nhecimento, a música e a fama.
Esse convite traz consigo um desafio, que é também o objetivo desse estudo: buscar com-
preender o campo, os objetos e as abordagens presentes nos trabalhos de História Social e Cul-
tural, visando verificar como a produção historiográfica mais recente tem incorporado novos te-
mas, novos métodos, novas linguagens no campo da História Social e Cultural.
Você, estudante, aprendiz do ofício de professor e pesquisador dos domínios de Clio, per-
ceberá que muitas mudanças têm ocorrido nessas paragens. A História Cultural e Social corres-
ponde a uma das maiores facetas de Clio! Mundo esse envolvente e desafiador, repleto de teias
e redes intricadas de relações, de discordâncias, de construções, de desconstruções, de múltiplas
significações e pluralidade no trato da arte de viver em sociedade.

◄ Figura 1: Clio - Pintura


da musa da História.
Fonte: Pierre Mignard
(1689). Disponível em
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Pierre_Mig-
nard_001.jpg. Acesso em
09 jul. 2009.

9
UAB/Unimontes - 3º Período

Dessa forma, estruturamos para você este caderno de Teoria da História Social e Cultural,
domínio de Clio, que adquire hoje grande importância e fama entre os historiadores, em duas
grandes unidades assim divididas:
Na primeira unidade, cujo título é “Os Annales e a definição do Campo da História Social e
Cultural”, procuramos abordar o nascedouro da abordagem social e cultural em História, bem
como os caminhos trilhados por ambas e os campos e objetos dessas áreas de conhecimento da
História.
A segunda unidade, intitulada “O olhar da História Cultural e Social: conceitos, métodos e
campos temáticos”, constitue o mote desse estudo no sentido de entendermos a cor, o sabor e o
tom do olhar da História Social e Cultural. Ou seja, iremos entender conceitos fundamentais que
fundam essa especialidade da História, os métodos utilizados para tal e os temas mais comuns
que marcam a teia dessa área da História.
No conjunto desta disciplina, você perceberá que será de fundamental importância para o
seu processo de formação como professor/pesquisador que você se inquiete com os rumos da
vida, da sociedade e das instituições. A viagem pelo domínio de Clio contribuirá para o ensino de
História, pois o campo da cultura abre frestas para melhor compreensão da multiplicidade das
culturas e de suas diferenças.
Com a intenção de contribuir para a educação de nosso olhar e a certeza de uma viagem
prazerosa, estruturamos o texto inserindo sugestões para visitar sites, assistir a filmes, debater
com os seus colegas, tutores e professor formador. Procure ao máximo exercitar a crítica, a refle-
xão sobre os processos, a análise dos exemplos e figuras disponíveis neste caderno, bem como a
interpretação dos fenômenos históricos, sociais, culturais e antropológicos que o cercam no seu
dia a dia. Não deixe de esclarecer as dúvidas com o seu professor formador e, sempre que possí-
vel, socialize o que você aprendeu com seus colegas.

Sejam bem-vindos ao Novo Mundo de Clio!


Bom estudo!

Profª. Dayse Lúcide Silva Santos

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História - Teoria da História Social e Cultural

Unidade 1
Os Annales e a definição do
campo da história social e cultural
Dayse Lúcide Silva Santos

1.1 Introdução
Esta primeira unidade de estudo visa apresentar-lhe o mundo da História Social e Cultural.
Assim, entender seus processos, crises, escolhas e dificuldades em se firmar como um campo de
especialidade da disciplina História.
Dividimos esta unidade em três grandes tópicos que nortearão nosso estudo. No primeiro
deles, “A Escola dos Annales e a História-problema”, a nossa intenção é lembrar a você as carac-
terísticas da Escola Histórica dos Annales e as suas proposições essenciais, bem como discutir a
crise de “modelos de explicação da realidade” que atingiu as Ciências Humanas e Sociais, enfati-
zando as implicações disso para a História.
Nas segunda e terceira partes, respectivamente intituladas: “Caminho da História Social” e
“Caminho da História Cultural”, nossa intenção foi esclarecer a trajetória dessas áreas de conheci-
mento da História, bem como demonstrar os seus objetos de estudo.
Grande é o significado desta disciplina para você que já está se preocupando em definir o
seu objeto de pesquisa monográfica, pois abordaremos os objetos de estudo da área de História
Social e Cultural, bem como refletiremos sobre alguns termos que usualmente são aplicados no
dia a dia, mas que carecem de aprofundamentos.
Aproveite ao máximo esta disciplina! Ela será de fundamental importância para a sua for-
mação! Não deixe de esclarecer as dúvidas com o seu professor formador e com a equipe de
tutores deste curso. Tenha certeza que todos nós desejamos contribuir e continuar a ver o seu
crescimento.

Boa viagem por Clio!

1.2 A escola dos annales e a


história-problema
Falar de História Social e Cultural sem retomar ao seu nascedouro é falar de uma história
manca. Tal nascedouro pode ser identificado a partir do surgimento da chamada Escola dos An-
nales. Entretanto, é indispensável que conheçamos alguns aspectos dessa escola histórica para
que possamos melhor situar a História Social e Cultural.
Atualmente, é comum ouvirmos, nos meios de comunicação televisiva no Brasil, uma frase
que vem se tornando famosa: “O que move o mundo são as perguntas!” Isto é muito significati-
vo, principalmente para as pessoas que debruçaram sobre o estudo da História e sua produção
desde o início do século XX. Dito isso, vale a pena registrar que a marca dos Annales desde a sua
fundação foi: “com bons problemas faremos uma boa história.”
Esta ideia de que com bons problemas faremos uma história melhor, ou seja, mais próxi-
ma dos diversos sujeitos históricos que vivenciaram a construção da História, marcou defini-
tivamente a corrente dos Annales. A trajetória histórica desse movimento historiográfico que

11
UAB/Unimontes - 3º Período

utilizou uma publicação em revista para veicular – em grande parte – ideias, atitudes, papéis,
questionamentos e os rumos da produção de História merece ser mais bem estudado aqui.
Vamos lá.

A revista Les Annales (Os Anais) foi fundada em 1929, na França, e revolucionou o trabalho e
o universo do “fazer história” dominante até então.
Segundo Guy Bourdé e Hervé Martin, essa escola histórica apresenta os seguintes postula-
dos gerais:

• Despreza o estudo do acontecimento (factual) e insiste na longa duração;


Figura 2: Capa da • Centra a atenção não mais na vida política, mas nas abordagens econômi-
Revista Annales, cas, organização social e a psicologia coletiva;
História, Ciências • Aproxima a História de outras Ciências Humanas. (GUY BOURDÉ E HERVÉ
Sociais. 58. ed., nº 01, MARTIN, 1983, p. 119).
jan/fev/2003. Paris,
Armand Colin, 2003.
Podemos reforçar que o conhecimento
Fonte: Disponível em
www.etea.com/biblio- histórico que a escola dos Annales deseja é a
teca/sumarios_revistas história-problema, com novos métodos, novos
acesso em 09 jul. 2009. ► problemas e novas abordagens para a Histó-
ria. Mas isso é muita coisa para falarmos em
poucas linhas. Ainda, se considerarmos que
DICA
essa escola foi se construindo ao longo do sé-
Regras da Escola culo XX. Certamente, não restará dúvida que
Metódica, dita positi- precisamos nos deter um pouco mais sobre o
vista, predominante no
século XIX: processo de desenvolvimento da Escola dos
1ª regra: o historiador Annales.
não julga o passado
nem instrui os seus
contemporâneos;
2ª regra: o historiador 1.2.1 Gerações que marcaram a
escapa a qualquer con-
dicionamento social,
trajetória da Escola dos Annales
o que lhe permite ser
imparcial na percepção
dos acontecimentos; É comum os historiadores estudarem a
3ª regra: a História Escola dos Annales a partir da influência de al-
existe em si, objetiva- guns de seus principais representantes. À épo-
mente; ca que cada um desses representantes viveu e
4ª regra: relação produziu sobre a História, chamamos de geração dentro dos Annales.
cognitiva: o historia-
dor registra o fato, de A Primeira Geração corresponde ao momento inicial da fundação da Revista por Lucien
maneira passiva, como Febvre (1878-1956) e Marc Bloch (1886-1944), em 1929, com o título: Revista “Annales d’Histoire
o espelho reflete a ima- Économique et Sociale” (Anais de História Econômica e Social). Com o passar de dez anos, houve
gem de um objeto; mudança no título da revista para “Annales d’Histoire Sociale” (Anais de História Social).
5ª regra: a tarefa do Essa geração priorizou abordagens centradas no estudo das crenças, representações e prá-
historiador consiste
em reunir um volume ticas cotidianas e as “miudezas”. Foi fundamental a aproximação da HV istória de outras Ciências
suficiente de dados, Humanas, como a Geografia, a Antropologia, a Linguística, a Estatística e a Economia. Veja como
assente em documen- a história foi entendida por Febvre, citado por Carlota Boto:
tos seguros, a partir
desses fatos, por si só, Toda história é escolha. É-o até devido ao acaso que aqui destruiu e ali salvou
o registro histórico se os vestígios do homem. É-o devido ao homem: quando os documentos abun-
organiza e deixa-se dam, ele resume, simplifica, põe em destaque isto, apaga aquilo. É-o, sobretu-
interpretar. Qualquer do, porque o historiador cria os seus materiais, ou se quiser recria-os: o historia-
reflexão teórica é inútil, dor que não vagueia ao acaso (...) em busca de um achado, mas parte com uma
mesmo prejudicial, intenção precisa, um problema a resolver, uma hipótese de trabalho a verificar.
porque introduz um (FEBVRE, apud BOTO, 1994, p. 24)
elemento de especu-
lação.
Fonte: BOURDÉ, Guy A Segunda Geração pode ser identificada a partir de 1946, com Fernand Braudel à frente
& MARTIN, Hervé. As da direção da revista. Esse é um momento em que ocorre alteração nos rumos do Annales,refle-
Escolas Históricas. Por- tindo no título da revista, a qual passa a ser denominada “Annales. Économies, Sociétés, Civili-
tugal: Publicações Euro- sations” (Anais. Economia, Sociedade e Civilização). Houve grande desenvolvimento da história
pa- América/Fórum da demográfica e ocorreram duas tendências na maneira de escrever a história: a história global/
História, 2003, p. 114.
história total e a história serial quantitativa dos historiadores econômicos e demográficos, mais
próximos da história- problema, como afirma José Carlos Reis (2000, p. 99).

12
História - Teoria da História Social e Cultural

Em seu principal livro, O mediterrâneo e o Mediterrâneo,


na época de Felipe II, Braudel fala dos ritmos de tempo, defen- ◄ Figura 3: Os Reis
do a ideia da longa duração (história quase lenta, quase imóvel, Taumaturgos, escrito
com ciclos demarcados por frequentes retornos e o caráter fu- em 1924
gaz do acontecimento – instantâneo). O tempo curto (ou cur- Fonte: Disponível em
http://www.google.com.
ta duração) é entendido como sendo único, irrepetível. Ele (o br/images?hl=pt-br&q=-
evento, o tempo curto) só ganha significado numa perspectiva Os%20Reis%20Taumatur-
de longo curso. Sndo assim, por trás de cada evento há uma gos&um=1&ie=
UTF- 8&source=og&sa=N
historicidade. &tab=wi&biw=1680&bih=
A Terceira Geração identificada a partir da década de 857. Acesso em 30 nov.
1960 é mais conhecida como «Nouvelle Histoire” (Nova Histó- 2010.
ria). A revista Annales possui como principal representante os
historiadores Jacques Le Goff, Philippe Ariès e Georges Duby.
Em 1994, recebeu o atual título “Annales. Histoire, Sciences So-
ciales” (“Anais: História, Ciências Sociais”). Esse é o momento em
que se acentua a multiplicação das curiosidades na história. No
dizer de José Carlos Reis, “tudo se torna histórico e nada se liga
a nada, resultando na fragmentação e na especialização extre- ◄ Figura 4: Apologia
ma do objeto de análise” (REIS, 2000, p. 100). da História ou Ofício
Os livros mais importantes de Marc Bloch foram: do Historiador.
Escrito quando Bloch
A expressão Nova História exprime o movimento dos estava no campo de
Annales, e por isso é considerada sua herdeira. Esse termo é concentração nazista.
definido por Peter Burke como sendo uma história “made in Fonte: Disponível em
France, associada à chamada Escola dos Annales”. Isso signifi- http://www.livraria-
cultura.com.br/scripts/
ca dizer que a história quer estabelecer para si a definição de cultura/resenha/resenha.
“novos problemas, novos objetos e novas abordagens” (BURKE, asp?isbn=8571106096&-
1992. p. 9). sid=879112371121213
25051073174. Acesso em
Vejamos no Box 1 alguns pontos que nos ajudarão a com- 30 nov. 2010.
preender as ideias veiculadas pela Nova História.

BOX1
Ideias veiculadas pela Nova História

1º: Interessa-se por toda a atividade humana, tudo tem uma história que pode ser re-
construída e relacionada ao restante do passado; a ideia básica é a de que “a realidade é social
ou culturalmente construída”;
2º: Entendimento da História de maneira a enfatizar a análise das estruturas;
3º: A história passa a ser vista de baixo, ou seja, passa a expressar visões e opiniões de
pessoas comuns; DICA
4º: Houve grande ampliação para o que podemos considerar como documento para a Marc Bloch (1886-1944):
História: não mais os documentos escritos, mas todos os vestígios da ação humana, sendo as- Antes de ser fuzilado
sim, “cacos”, vestimenta, fotografias, diários, registros civis, entre tantos outros passaram a fre- pelos nazistas, em 1944,
Bloch participou da
quentar as fontes arroladas num trabalho historiográfico; Primeira Guerra Mundial
5º: Os questionamentos elaborados pelos historiadores não mais se baseiam em causas entre 1914 e 1918.
imediatas, mas em movimentos contextualizados, preocupados com os movimentos coletivos
e individuais da sociedade;
6º: O historiador está consciente de que no seu trabalho haverá pontos de vista diferen-
tes, por vezes opostos, e isso é que é o cerne da questão, pois acreditam que a sociedade é
complexa e não deve ser analisada com simplificações. Para tanto, a atitude interdisciplinar é
fundamental.

Fonte: Adaptado de BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 9-19.

1.2.2 O desenrolar da nova história

Você observou que até o momento chamamos a sua atenção para o impacto da aproxima-
ção entre a História e as outras áreas de conhecimento.

13
UAB/Unimontes - 3º Período

Para tanto, precisamos entender que o conhecimento produzido na área da Antropologia,


dica da Sociologia, por exemplo, são fundamentais para o conhecimento histórico. Essa aproximação
tornou o historiador sensível ao estudo da sociedade, compreendendo que descobrir o passado
é – antes de tudo – vasculhar a diferença!
Sendo assim, podemos nos questionar: o que há de novo na História? Como o historiador
tem respondido a essa indagação? Vejamos a resposta de Le Goff (1991). Para ele, são os objetos,
as metodologias e os temas dos quais nos apropriamos para exprimir a história humana. Todavia,
seria ingenuidade nossa acreditar que essa posição não tenha sofrido questionamentos, pois sa-
bemos que a História não é estática, apresentando-se sempre em construção.
Nesse sentido, ela não será algo acabado, mas sempre interpretação sobre um “vivido”.
Vejamos a posição de outro historiador. Dosse (2003) dirige a seguinte crítica à Escola dos
Annales em sua 3ª geração, qual seja: a história está em migalhas. Afirma, ainda, que teria havi-
do uma traição à proposição dos fundadores dos Annales e ainda se deseja fazer uma história
total/global. Contra essa posição, levanta-se o professor José Carlos Reis, por exemplo, que de-
fende que não houve abandono da história-problema, pois hoje se problematiza tudo, não mais
o todo. Reis nos adverte que se cada pesquisa for conduzida com problemas e hipóteses elas se
▲ enriquecem mesmo na divergência dos resultados. Sendo assim, ela (a História) não está em mi-
galhas na visão de Reis, mas sim em processo de construção (REIS, 2000, p.101).
Figura 5: Fernand
Braudel Entre os
Está claro para você o porquê de seus professores terem dito a respeito de se construir uma
Annales, o historiador pesquisa de monografia escrevendo claramente quais são suas perguntas/indagações sobre o
que mais dialogou objeto a ser estudado?
com o movimento Agora, sim, chegamos a um dos pontos altos dessa unidade de estudo! Preste atenção!
estruturalista liderado Considerando que atualmente existe:
por Levi Strauss, foi
Fernand Braudel. É
• a substituição da primazia de abordagens econômicas para um retorno à narrativa;
bastante conhecida • o retorno da história política;
a influência e • novas perguntas, problemas e objetos definidos nos estudos históricos;
repercussão de um • a ampliação dos documentos que o historiador utiliza pra fabricar o seu mel;
artigo de Braudel • a ampliação do universo temático da história (mulheres, crianças, sexualidade etc.).
publicado em 1958
sobre a “longa
Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o campo está fértil para desenvolver o que
duração”, que foi chamamos de História Cultural e Social, campo da História que corresponde à maioria dos estu-
publicado no mesmo dos universitários historiográficos de modo geral.
ano de Antropologia Você acredita que podemos conhecer o passado na sua integralidade? Muitas pessoas
Estrutural de Levi pensam que sim. Caso você faça parte do segmento de pessoas que acreditam que o passado
Strauss.
é apreensível na sua totalidade pelos historiadores, é hora de rever essa postura! Ela revela que
Fonte: Disponível em
http://www.klepsidra.net/ você ainda acredita em concepções herdadas de uma visão positivista da História. Todos nós,
klepsidra16/Annales.htm. estudantes de História, não podemos permitir que esse engano se perpetue. Veja bem. Nunca
Acesso em 09 jul. 2009. poderemos conhecer realmente o passado, além de seus vestígios. Não existem fontes mais pro-
fundas que outras, que nos permitam estabelecer a verdade das coisas. Trabalhar no campo da
DICA história é trabalhar com incertezas e múltiplas interpretações.
Visite o site de Institui-
A história Nova propôs ao historiador trabalhar com fontes de diferentes tipos, tais como
ções Universitárias no as imagéticas (pinturas, arquitetura, fotografia), as manuscritas (testamentos, inventários, nasci-
Brasil, que oferecem mentos, óbitos, entre outros) e as impressas (livros, leis etc.). Essa ampliação da fonte permitiu o
Mestrado e Doutorado, apareci- mento de novos objetos e novos problemas para a História, enriquecendo-a com a mul-
e observem como a tiplicidade das abordagens e interpretações. Certamente foram multiplicados os riscos. Todavia,
História Social e Cultural
é delimitada.
parece ter valido a pena assumir tais riscos, pois assim aproximamos a interpretação histórica da
Veja que as instituições complexidade da sociedade.
Universitárias não
definem essas áreas de
maneira homogênea.
Para ter ideia, visite o
1.2.3 Dimensões, abordagens e domínios da História
site da Unicamp http://
www.ifch.unicamp.
br/pos/historia/index. O campo da disciplina História é extremamente vasto e fragmentado, comportando diver-
php?enu=menulpesqui- sas visões e pontos de vista diferentes. Na verdade, parece que estamos numa área de conhe-
sa&texto=lpesquisa e cimento que pode ser vista como uma espécie de teia sobre a qual estabelecemos os fios da
da Universidade Federal História.
de Minas Gerais http://
Para melhor compreensão do panorama atual da História, adotaremos a classificação feita
www.fafich.ufmg.br/
ppghis/programa.html por José D’Assunção Barros, em Os campos da História: uma introdução às especialidades da His-
acesso em 09 jul. 2009. tória (2004). No quadro1, identificaremos a inserção da História Social e Cultural como áreas de
especialidade da História. Vejamos.

14
História - Teoria da História Social e Cultural

Quadro 1
História Social e Cultural: dimensões, domínios e abordagens
DIMENSÕES DOMÍNIOS ABORDAGENS
Significado: Implica em um Significado: corresponde Significado: Implica em um
tipo de enfoque ou um modo a uma escolha mais especí- modo de fazer a História a
de ver (ou em algo que se pre- fica, orientada em relação partir dos materiais com os
tende ver em primeiro plano a determinados sujeitos ou quais deve trabalhar o his-
na sua observação de uma so- objetos para os quais será di- toriador (determinadas fon-
ciedade historicamente locali- rigida a atenção do historia- tes, determinados métodos
zada). dor (campos temáticos como e determinados campos de
a História das Mulheres, por observação).
exemplo).
Exemplos de DIMENSÕES Exemplos de DOMÍNIOS Exemplos de ABORDAGENS
História da Cultura Material Com relação aos ambientes Com relação ao tipo ou tra-
História Social sociais ou objetos: tamento das fontes:
História Demográfica História da Religião Arqueologia
Geo-História História das Ideias História Oral
História Política História do Direito História do Discurso
História Cultural História da Sexualidade História Imediata
História Antropológica História da Arte História Quantitativa
Étno-História História das Representações História Serial
História das Mentalidades História Rural
Psico-História História Urbana Com relação ao campo de
História do Imaginário História da Vida Privada observação:
História Local
Com relação aos agentes História Regional
históricos: Micro-história
História das Mulheres
História dos Marginais
História das Massas
Biografia
Fonte: Adaptado de BARROS, José D’Assunção. Os campos da História: uma introdução às especialidades da História.
Petrópolis: Vozes, 2004.

Entendidas como instâncias da realidade social, as dimensões da história que aparecem no


quadro 1 são, antes de tudo, construções do historiador, portanto, não são estáticas, e, no cami-
nhar da história, podem apresentar modificações, quer seja aproximação, junção ou distancia-
mento de outra dimensão.
Tomando como exemplo a História da Cultura Material, hoje abordada pela História Cultural,
identificamos que essa era uma área trabalhada pelo historiador da área de História Econômica.
Vale destacar ainda que, de certo modo, a História Social e a História Econômica do século XX
começaram a ser edificadas a partir de um contraste com a velha História Política que se fazia no
século XIX – e isto resultou no abandono de alguns objetos por esta nova sub-especialidade (por
longo tempo desapareceriam da prática historiográfica profissional do século XX a biografia de
personalidades políticas importantes e a história das grandes batalhas, temas que depois retor-
naram nas últimas décadas do século XX (BARROS, 2004).
Para usar uma expressão de Barros (2004), afirmamos: o caleidoscópio historiográfico sofre
os seus arranjos. Tal situação nada mais é que a maneira pela qual uma sociedade se relaciona
com a sua época e lhe dá sentido, ou seja, influenciam nesse quadro as tendências de pensamen-
to e as motivações políticas e econômicas.
Você deve estar se perguntado: as dimensões, os domínios e as abordagens da história po-
dem se entrecruzar, ou mesmo duas ou mais dimensões da história podem utilizar, por exemplo,
abordagens semelhantes?
A resposta é sim. Tomemos o exemplo da História Cultural e da História Social. Para o histo-
riador que pretende compreender melhor a sociedade para a qual direciona seu objeto de aná-
lise, pode utilizar a abordagem da micro-história, tanto na História Cultural quanto na Social, por
exemplo. Como já dissemos, diversas outras “conexões” podem ser feitas, e o que vai determinar
a necessidade de tais conexões será a complexidade do objeto de análise.

15
UAB/Unimontes - 3º Período

1.2.4 Crise de modelos

Antes de enveredarmos nos caminhos da História Cultural e Social, vale destacar aproxima-
ções e crises dos modelos Marxista e Braudeliano.
A História não ficará imune às mudanças advindas do modo de pensar das Ciências Huma-
nas e Sociais. Entre os anos 1960 e 1970, observamos que tanto a Nova História Social de ten-
dência neomarxista (desenvolvida principalmente na Inglaterra) quanto a História dos Annales
(desenvolvi- da principalmente na França) irão se aproximar ao máximo, especialmente porque a
concepção de cultura vai perpassar essas duas vertentes. Vejamos:

Quadro 2
Nova História Social e Nova História nos anos 1960 e 1970
dica NOVA HISTÓRIA SOCIAL NOVA HISTÓRIA
Marx discute-se o desti- Tendência neomarxista Tendência dos Annales
no do sujeito, transfor-
mando-o em um objeto Principal representante: Edward Thompson Principais representantes: Marc Bloch, Lucien
de um novo saber. Febvre e Fernand Braudel
Tem-se o chamado
materialismo histórico Ideia básica: Ideia básica:
em que as análises Rompimento com a clássica ideia marxista Há preocupação maior com o domínio do sim-
sociais são permeadas -leninista. Propõe ao historiador entender as bólico e com as atitudes mentais, como tam-
principalmente pelas mudanças de hábitos, costumes. Com isso, bém com a noção de tempo longo, quase imó-
análises econômicas. a pesquisa em arquivos (buscando novas vel.
As condições de vida fontes) e o desenvolvimento da empiria fo- A ideia de mentalidade era imprecisa, mas pode
material são a estrutura ram fundamentais. Ele acredita que não há ser definida como um conjunto de valores par-
dentro da qual a cons-
predeterminação de um nível sobre o outro tilhados não conscientes e não racionais. De-
ciência circula e pela
qual é condicionada. (estrutura e superestrutura, por exemplo). monstravam tendência totalizante de história,
falavam de permanências e sentimentos que
perpetuavam na sociedade.
A História Social Inglesa aproxima-se das Os Annales caminham para a reorientação te-
noções de cultura e conceitos trabalhados mática para o âmbito da cultura, o que chamou
pela História Cultural, especialmente os tra- de História Cultural, a partir dos anos 1980.
balhos de E. P. Thompson. Tem em Carlo Ginzburg, Roger Chartier e E. P.
Thompson a marca que a distingue da história
das mentalidades.
Fonte: Adaptado do texto de PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004,
132p (Coleções História & Reflexões, 5).

Dica
Vamos refletir um pouco mais para me-
Você sabe o que é uma lhor entendimento do quadro 2. A partir dos
abordagem marxista
anos 1970 e 1980, assistiremos a uma crise no
-leninista?
paradigma Marxista e no Braudeliano. A isso é
comum denominarmos a crise das concepções
Figura 6: Karl Marx ► estruturalistas e totalizantes na História, ten-
Fonte: Disponível em dência que buscava explicar o mundo a partir
http://www.klepsidra.net/ de modelos preestabelecidos.
klepsidra16/Annales.htm O que significa dizer que existe uma crise
acesso em 09 jul. 2009.
desses paradigmas. Veja, se um determinado
modelo não mais fornece base para interpretar
a realidade, dissemos que ele entrou em crise
ou que não é mais suficiente para explicar a
pluralidade da sociedade na qual iremos aplicá
-lo. Vejamos o exemplo do modelo Marxista-le-
ninista.
Karl Marx (1818 – 1883) viveu num mo-
mento em que a Europa passava por um de-
senvolvimento industrial e acreditava larga-
mente no progresso e no desenvolvimento
científico. Ele criará uma teoria de análise crí-
tica à sociedade capitalista que afirmava que

16
História - Teoria da História Social e Cultural

existiam diversos modos de produção social. O “motor” de tal produção seriam as engrenagens
econômicas.
Isso significa dizer que, na análise da totalidade das relações de produção, a estrutura eco-
nômica é o fundamento básico da sociedade. Sobre essa estrutura, haveria a superestrutura (jurí-
dica, política, religião) que era vista por Marx como incapaz de produzir a vida material tal qual as
engrenagens da economia. Marx afirmava ainda que cada sociedade tinha seu modo de produ-
ção da vida material e este condicionava a vivência num dado grupo social.
Essa é uma visão estrutural da sociedade, determinista e materialista, em que a via de mu-
dança é a revolucionária. Essa ideia clássica leninista-marxista foi questionada. Pensemos! O que
realmente é mais importante e produz a vida em sociedade? São os desejos, as ideias, a cultura
ou a produção material? Ou ambos são importantes? Na visão de Thompson, todos são impor-
tantes.
Muitos historiadores, entre eles Thompson, não concordam mais com essa tese marxista na
íntegra, por isso dissemos que ele é neomarxista. Assim, a crítica a essa concepção de história
não aceitará mais modelos para encaixarmos a sociedade neles. Nas palavras de Thompson:
GLOSSÁRIO
Se recuso tanto a analogia da base e superestrutura quanto a prioridade inter-
Estruturalismo:
pretativa atribuída ao econômico, em que sentido me insiro na tradição mar-
Tendência de várias
xista? Somente, eu temo, no sentido em que Karl Marx, em si, inseria-se. Pois
Ciências Humanas
não há dificuldade em demonstrar quanto as versões reducionistas e economi-
visando definir um fato
cistas estão distantes do pensamento de Marx. “Sem produção não há História,
humano em função de
insistiu R.S. Sharma oportunamente. Mas, devemos dizer também: sem cultura
um conjunto organi-
não há produção (grifo nosso). (THOMPSON, 2001, p. 258)
zado e prestar contas
desse com a ajuda de
Todavia, não é apenas o modelo marxista que está em crise. Também a proposição braude- modelos invariantes
liana, traduzida na História das Mentalidades, é criticada principalmente nos anos 1980 e 1990. (estruturas sociais, tem-
De acordo com esse modelo, as estruturas mudam tão lentamente ao longo do tempo que até porais, espaciais).
Paradigma: Noção
poderíamos dizer que elas são praticamente imóveis. Também, no estudo clássico de Fernand ou modelo teórico
Braudel, podemos dizer que há a pretensão de construir uma história total e a valorização do que organiza o campo
mental. Todavia, os questionamentos apareceram afirmando que não precisam do conceito de da reflexão de uma
mentalidades (papel das ideias e dos sentimentos na conservação e/ou criação dos mundos so- disciplina das ciências
ciais) e que era impossível fazer uma história total. humanas.
Anos 1980 - Reação ao
A crítica e a crise advêm também da fragmentação dos temas da História. Há dificuldade em Estruturalismo: Essa
responder como as elaborações mentais, produto da cultura, se relacionam com o mundo social e a tendência tem sido
vida cotidiana. A História Cultural e Social não trabalham com essa concepção. Após os anos 1980, criticada por favore-
a História Cultural ganhou terreno diante dos trabalhos historiográficos, rechaçou a concepção am- cer forças estruturais
bígua de mentalidade e passou a problematizar tudo, sem a intenção de fazer história total. determinísticas em de-
trimento dos esforços
Você já observou que todas as vezes que temos crises (de qualquer natureza) somos força- pessoais dos indivíduos
dos a pensar sobre elas e buscar respostas? Com relação ao debate sobre a crise dos paradigmas em atuar e modificar a
nas Ciências Sociais e Humanas, principalmente na História, não tem sido diferente. Vejamos en- sociedade.
tão um fragmento de texto que analisa a sociedade de Bali/Indonésia, do antropólogo norue-
guês Fredrik Barth (2000).
Barth estudou a sociedade de Bali (sociedade complexa) e formulou a seguinte pergunta:
qual é a melhor maneira de estudar uma sociedade, superando esquemas desacreditados (es-
quemas estruturalistas, por exemplo) e articulando as características do que é observado? Antes
de tudo, vamos entender qual é a realidade que o antropólogo se propõe a analisar. Em suas
palavras:

Descendo de um ônibus do norte de Bali, vê-se um fervilhar incoerente de ati-


vidades na zona densamente habitada entre as altas montanhas e o mar cir-
cundante. Veículos modernos trafegam em alta velocidade. Os passageiros e
transeuntes alguns usando sarongues, outros jeans, associam-se com rara gra-
ça e delicadeza, mesmo quando as boas vindas a turistas desajeitados. Grupos
de crianças vestidas em seus imaculados uniformes escolares passam de bici-
cleta. Turmas de trabalhadores colhem arroz nos campos vizinhos, formadas
com base em regras tradicionais de cooperação e contrato, mas colhendo va-
riedades modernas de alta produtividade, cultivadas com irrigação artificial e
uso intensivo de fertilizantes, em um sistema que depende da água que vem
de reservatórios recentemente reformados e que suprem velhos canais de irri-
gação. À tarde, em geral observa-se uma fila de mulheres levando oferendas
elaboradas e coloridas sobre sua cabeças em solene procissão rumo a um dos
inumeráveis templos dedicados à irrigação dispersos pela área rural, nos quais
se realiza um complexo culto de acordo com antigos costumes e calendários
(BARTH, 2000. p. 112-3).

17
UAB/Unimontes - 3º Período

A primeira advertência de Barth (2000) é: em vez de tentarmos fazer com que nossas teorias
GLOSSARIO deem conta do que efetivamente encontramos, somos levados a escolher algum padrão claro e
delimitado em meio a esse cenário confuso. A segunda advertência é considerar melhor o con-
Ambíguo: Que se pode
tomar em mais de um
texto histórico vivido e a práxis, considerando que a sociedade está em constante mudança. En-
sentido, indeterminado, fim, há também a questão do mundo material ser moldado pela magia, pela virtude, mas igual-
impreciso, incerto. mente pelo trabalho, o que explica a tradição e as mudanças convivendo num mesmo espaço.
Positivismo: Enfoque Feita essa consideração, podemos então compreender os caminhos da História Social e Cul-
filosófico ou científico tual, que é o mote central de nossa disciplina.
que reduz o conhe-
cimento do universo
unicamente aos

1.3 Caminho da história social


fenômenos estudados
mediante a experiência.
Historizante: Que con-
sidera a História como
uma disciplina que se
limita aos acontecimen- Como já dissemos, a concepção de história-problema move a História, ou melhor, dá-lhe
tos e seus encadea- vida. Mas, o que isso significa? Ora, todas as vezes que nos preocupamos em pesquisar sobre um
mentos. dado assunto, a primeira coisa que fazemos não é levantar indagações sobre o objeto que quere-
mos conhecer? Com a História não é diferente.
Os problemas, as indagações e as múltiplas interpretações direcionadas ao nosso objeto de
estudo é que torna a história rica, refletido num processo que tenta explicar a vivência do indiví-
duo, da coletividade. Vejamos então os caminhos trilhados nesse processo.

1.3.1 Caminho interdisciplinar e o “social”

A escolha pelo caminho interdisciplinar foi uma atitude imprescindível aos historiadores do
social e do cultural. Tal preceito serviu para que novos problemas, métodos e abordagens de pes-
quisa histórica pudessem fazer parte de uma História que lida com a complexidade da sociedade.
O termo social, de significação vaga e extensa, desde os anos 1970, ocupou a maioria dos
títulos dos trabalhos historiográficos. A sua definição não é tarefa fácil. Entretanto, encontramos
uma definição, proposta por Georges Duby, mais aceita entre os historiadores. Para ele, o homem
em sociedade é o objeto da pesquisa histórica. Mas essa é uma afirmação ambígua, pois se assim
for, tudo é história social.
A historiadora Hebe Castro (1997) nos informa que há pelo menos três significados diferen-
tes (identificados por Eric Hobsbawm) para o termo social, que acompanha a História. Vejamos:
1º: o termo História Social aparecia vinculado a uma abordagem culturalista, enfatizando cos-
tumes e tradições nacionais; 2º: o termo foi usado, principalmente na Inglaterra, para designar
estudos ligados às ideias socialistas e ao mundo do trabalho, comumente chamada de História
Social do Trabalho e do movimento socialista. A ação política era o mote principal desse tipo de
abordagem; 3º: o termo foi usado para uma prática historiográfica que insistia em priorizar fenô-
menos coletivos sobre os individuais.

História social nos anos 1960 a 1980

Partindo do que já foi dito até o momento, falta-nos compreender melhor qual foi a confor-
mação que a História Social teve no seu período áureo, qual seja, os anos 1960 a 1980. Você já
ouviu falar em quantificação e análises seriais? Você sabia que a História trabalhou e ainda traba-
lha com esse método?
A História Social fez uso da quantificação e de análises seriais, lançando mão de abordagens
mais estruturais, como a marxista ou mesmo a braudeliana. Na França e na Inglaterra, as altera-
ções não foram pequenas. Vejamos.
Na Inglaterra, a História Social desenvolveu-se como um campo específico da disciplina His-
tória. Os franceses, adeptos da História Social, como Ernest Labrousse, reivindicaram o reconheci-
mento dessa área como especialidade da História, dotada de problema e metodologia próprios.
Segundo Hebe Castro,

(...) formulavam-se, como problema central os modos de constituição dos ato-


res históricos coletivos, as classes, os grupos sociais, as categorias socioprofis-
sionais e, de suas relações que conformavam as estruturas sociais (...) as rela-

18
História - Teoria da História Social e Cultural

ções entre estrutura, conjuntura e comportamento social definiriam o campo


específico a ser recortado pela história social (CASTRO, 1997, p. 48).
ATIVIDADE
Nas décadas de 1960 e 1970, é certo afirmar que a História Social inseriu como objeto de A partir do relato e
seu estudo o papel da ação humana na história, exigindo a compreensão da história em “tem- da imagem sobre a
pos” não tão longos como a proposição de Braudel. No máximo, os estudos consideravam um venda de esposas, de
tempo mais curto (das conjunturas) ou mesmo aquele de três gerações. Thompson, reflita e
Nesse período, a metodologia usada na História Social era a sistematização e análise de da- discuta com seus cole-
gas, tutores e professor
dos quantificados e seriados. Assim, fontes como testamentos, casamentos, óbitos, nascimentos, formador no fórum
registros eleitorais e paroquiais, entre outros, foram importantes para as análises que visavam en- de discussão: Como o
tender as estratégias matrimoniais, as alianças sociais, entre outros. historiador vai abordar
Vejamos o exemplo de um livro de Iraci Del Nero e Francisco Vidal Luna, intitulado: “Minas a vida cotidiana das
Colonial: economia e sociedade”, publicado em 1982. O trato à história demográfica, dispensado pessoas?
em alguns capítulos desse livro, pode ser sistematizado da seguinte maneira:

Capítulo 1) Ocupação, povoamento e dinâmica populacional:Tendo como


pano de fundo os elementos de ordem interna e externa que condicionaram
a ocupação e povoamento de Minas Gerais; considera-se, para o período 1719-
1826, o comportamento dos batismos, casamentos e óbitos registrados na Fre-
guesia de Na. Sra. da Conceição de An-
tônio Dias (Vila Rica-MG).
Capítulo 4) A vida quotidiana em jul- ◄ Figura 7: Livro Minas
gamento: devassas em Minas Gerais: Colonial.
Com base na análise de documenta-
Fonte: Disponível em
ção da época colonial são estabeleci-
http://members.tripod.
dos e exemplificados os procedimen- com/~Historia_Demogra-
tos seguidos nas devassas promovidas fica/INDEX.HTM. Acesso
no âmbito episcopal e referentes a Mi- em 09 jul. 2009.
nas Gerais. É proposta, ademais, uma
categorização dos crimes previstos
nos editais que informavam tais de-
vassas (LUNA e COSTA, 1982, p. 81).

A história social, dessa forma, lançará mão da demo-


grafia histórica como método para realizar estudos sobre fa-
mília, mesmo que os seus resultados sejam questionados, é
importante ressaltar que eles

abriram questões fundamentais para a


posterior evolução da disciplina. As motivações culturais ou econômicas para DICA
o casamento tardio, o acesso a métodos anticoncepcionais nas sociedades pré Sabemos que “a Demo-
-industriais, a importância de se considerar o ciclo da vida familiar e as relações grafia Histórica não é
de parentesco no entendimento dos significados das unidades domésticas, as especialmente fácil. Por
relações entre família e sexualidade e os diferentes enfoques teóricos e meto- um lado, ela tem toda
dológicos que se desenvolveram a partir destas questões, são indubitavelmen- a complexidade da
te tributários da análise crítica daqueles resultados (STONE, Lawrence, apud moderna Demografia;
CASTRO, 1997, p. 50). por outro, possui todas
as lacunas e incertezas
A complexidade dos estudos de História social só vem aumentando desde os anos 1970, e da própria História”
a crise de concepções estruturalistas levou os historiadores a acreditarem que a sociedade e os (HOLLINGSWORTH,
comportamentos humanos não podem ser confinados em modelos preestabelecidos. 1977, p. 25).
Aprofunde os seus co-
Diante disso, questões as mais diversas foram se apresentando como necessárias ao histo- nhecimentos visitando
riador. Optamos em destacar pelo menos uma delas para você. Vejamos: como se processam as o NEHD – Núcleo de
construções das identidades sociais e as relações estabelecidas em sociedade? Estudos em História De-
Para responder a essa indagação, foi necessária uma aproximação dos estudos antropológi- mográfica acesse o link:
cos e deles buscar conceitos como o de cultura. Essa atitude aproximou a História Social da His- http://members.tripod.
com/~Historia_De-
tória Cultural. Hebe Castro enfatiza que a História Social do Trabalho inglesa e a obra de Thomp- mografica/INDEX.HTM
son colocaram as noções de experiência e cultura no bojo das principais análises sobre a ação acesso em 09 jul. 2009.
social das pessoas comuns.
Vejamos pelo menos um dos estudos de caso apresentado por Thompson: a Venda de Espo-
sas.

19
UAB/Unimontes - 3º Período

Estudo de caso: a venda de esposas


ATIVIDADE
Observe atentamente a figura 8. Chamamos a sua atenção para a mulher à esquerda dessa
A partir desse caso, figura, a que está sendo vendida e possui uma corda que a amarra. Veja a figura.
reflita com o seu
professor formador:
como o historiador vai
abordar a vida cotidia-
na das pessoas? Como
entender suas práticas Figura 8: A fisionomia ►
sociais e culturais de do namoro de Punch.
modo amplo? Fonte: THOMPSON,
Costumes em Comum.
São Paulo: Cia das Letras,
1998.

Glossário
4, o que é? Uma ideia
ou um conceito: O
algarismo 4 é um con-
ceito que representa
uma ideia, qual seja
a do número quatro
(tudo é número, diz
Pitágoras), que pode
ser representado por
inúmeras formas = IV,
IIII etc. Deduzimos que
conceito “são meca- A intenção é tipificar a maneira inglesa de namorar, assim como aparece aos olhos dos fran-
nismos mentais que
permitem ao homem ceses e alemães. A cena é o mercado de Smithfield: à direita, “o Excelentíssimo Sr. Brown” (filho
empreender, externa- mais velho do prefeito) está fazendo, à maneira fria e formal de seus compatriotas, uma declara-
mente, a luta com os ção de seus sentimentos a uma jovem senhorita filha de um duque. À esquerda “pode-se perce-
desafios específicos da ber um dignitário da Igreja, num acesso de mau humor, vendendo a esposa por dinheiro vivo, a
natureza externa e da um bacharel de campo – resultado triste mas bastante frequente, de nossa insular incompatibili-
realidade social”.
Os conceitos são utili- dade de gênios”.
zados como ferramen- A figura 8 faz parte do estudo de Thompson sobre os costumes na Inglaterra do século XVIII.
tas mentais que tornam Ele analisa a figura e também identifica uma série de anúncios em jornais ingleses de esposas
possível o conheci- sendo vendidas no mercado público.
mento por parte do O perfil profissional dos que ofereciam suas mulheres eram operários, jardineiros, padeiros,
intelecto, bem como a
operacionalização da carroceiros, cocheiros, negociantes, vendedores ambulantes e barqueiros, não se configurando
ciência em tela. Todo como ocupações de luxo para a época.
conceito tem atrás de O ritual era composto de anúncio público no jornal. A venda era feita em espaço público e a
si, animando-o, uma ou mulher era levada ao mercado presa por uma corda (em geral em volta do pescoço – ato que ela
várias ideias. concordava e que simbolicamente a humilhava). Havia o consentimento da mulher e no momen-
Fonte: Disponível em
http://www.mundo- to da entrega dessa mulher ao outro homem era feita numa cerimônia semelhante ao casamen-
dosfilosofos.com.br/ to. Situação intrigante e reveladora.
guilherme2.htm Acesso A interpretação desse historiador para tal prática cultural existente na Inglaterra do século
em 09 jul. 2009. XVIII é que este ritual da cultura plebleia – a venda de esposas – não pode ser comparado a uma
venda brutal de gado. Mas, para ele, é mais uma maneira dos casais se separarem e estabelece-
rem novos vínculos.
O autor informa ainda que tudo é arranjado anteriormente, logo, essa prática podia indicar
também um artifício usado pelas mulheres para anular o seu casamento.
Após a segunda metade do século XIX, a venda de esposas modificou como prática social.
No máximo, as pessoas passaram a assinar um contrato de separação, geralmente em um bar.
Para o historiador, essa prática só tem lugar numa sociedade em que as instituições colocam a
mulher numa posição inferior ou impotente. Entretanto, não advoga que as mulheres tenham
sido vitimadas (apesar de admitir que algumas foram vítimas), mas para ele é mais provável que
a venda de esposa possa significar a busca da independência e a demonstração de vitalidade se-
xual (THOMPSON, 1998, p.305-42).
Esse estudo levou o historiador a perceber que, para dar voz às pessoas comuns, ele preci-
sava modificar as fontes e os métodos para explorá-la. A técnica da história oral, os ritos, as ima-
gens, os documentos de inquisição, os processos judiciais e os inquéritos policiais foram utiliza-

20
História - Teoria da História Social e Cultural

dos como fontes para a História Social. O objetivo era conhecer o cotidiano e os costumes das
pessoas comuns. Isso evidencia o resultado do intenso intercâmbio com a Antropologia, para a
História Social.
Diante do exposto, até meados dos anos 1980, os franceses dos Annales e os neomarxistas
ingleses trabalharam com uma “história social que caminhava para os domínios do cultural, bus-
cando ver como as práticas e experiências, sobretudo dos homens comuns” se processaram na
vivência social (PESAVENTO, 2004, p. 32).
Diante da multiplicação de objetos, fontes e abordagens para a História, a denominação de
História Social como uma especialidade da disciplina História cai por terra. Entretanto, dizer que
um trabalho possui uma faceta social é o mesmo que afirmar que ele “prioriza a experiência hu-
mana e os processos de diferenciação e individuação dos comportamentos e identidades coleti-
vas na explicação histórica” (CASTRO, 1997. p. 54). Nesse sentido, podemos afirmar que o “Social”
tende a ser uma categoria de análise abrangente e permeia todas as abordagens em História.
Assinalamos apenas que existem historiadores que defendem a História Social como uma espe-
cialidade da História.
Assim sendo, podemos enfim afirmar que a História Social caminhou para uma História So-
cial do Cultural. Segundo Lara (1997), Peter Burke aponta uma questão importante: não é possí-
vel pensar em História Social e História Cultural caminhando estanques, ou uma se sobrepondo à
outra. Na verdade, os objetos e os problemas dos estudos em história necessitam compreender a
dimensão social e cultural, e vice-versa. Afirma, ainda, que “a associação entre as duas nos permi-
te fugir à fragmentação, à despolitização e ao diletantismo” (LARA, 1997, p. 30).
Todavia, é preciso esclarecer que os bons trabalhos de história têm se situado na interseção
de uma modalidade e outra, sem contar ainda que a compartimentação do saber e a especializa-
ção deste têm causado dificuldades entre os historiadores, pois nem sempre um entende o que
o outro fala. Há que se considerar ainda que não exista fatos que sejam exclusivamente econômi-
cos, políticos ou culturais. Todas as dimensões da realidade social interagem ou, rigorosamente,
sequer existem como dimensões separadas (BARROS, 2005). Sendo assim, optamos em estudar
essas duas dimensões da história (social e cultural) integradas.

1.4 Caminho da história cultural


Antecedentes

Vamos pensar aqui algumas possíveis razões que motivaram você a se tornar um profissio-
nal da área de História. Entre tantas razões, você pode dizer que sempre ficou sensibilizado pelos
acontecimentos que ocorriam em sua cidade, ou que teve um professor de História que o mo-
tivou muito, que as indagações que você fazia sobre as coisas do mundo eram esclarecidas, em
parte, pelo movimento do pensamento histórico etc. Certamente, você elaborará muitas outras
razões que justifiquem a sua escolha para ingressar no Curso de História da Unimontes. Entretan-
to, um aspecto parece estar presente nessas escolhas de modo geral: a sensibilidade pela área de
História, certo?
Essa percepção na História motivou e modificou os caminhos de Clio. Iniciemos então por
Jules Michelet.
No século XIX, num momento em que a produção historiográfica estava majoritariamente
ligada a uma História Metódica (ou corriqueiramente chamada de positivista), raras foram as es-
colhas de historiadores que se sensibilizaram com outra maneira de fazer História.
Referimo-nos aos historiadores que não queriam falar de heróis, de grandes homens e seus
feitos, de se prenderem exclusivamente a documentos escritos e a fazerem uma história factual.
Como você um dia decidiu que queria estudar História e buscar essa “lente” para leitura do
mundo, historiadores como Jules Michelet e Jakob Burckhardt (1818 - 1897) questionaram a sua
época e viram o mundo ao seu redor diferentemente dos positivistas. Eles também queriam a
lente da história para ler o mundo. O historiador e filósofo suíço Jakob Burckhardt quebrou com
a sequenciação temporal da história factual. Já o francês Jules Michelet (1798 -1874), por exem-
plo, escolheu como objeto de seu estudo o povo, as massas, entendendo-as como principais
agentes de mudança social (o que para a época não era nada comum).

21
UAB/Unimontes - 3º Período

Figura 9: Jules ►
Michelet. Destacamos
as seguintes obras do
autor.
Fonte: Disponível em
http://dic.academic.ru/
pictures/wiki/files/74/Ju-
les_Michelet.jpg. Acesso
em 09 jul. 2009.

Na figura 9, observe a postura do historiador e pense sobre a função e circulação dos livros,
os quais ganham destaque nos planos dessa pintura, além do personagem. Esses livros podem
indicar a valorização da leitura, da escrita e do conhecimento, valores caros para a sociedade do
século XIX.
Como falamos de novas maneiras de ler o mundo, podemos ainda identificar outras influên-
cias para a História advindas de outras áreas de conhecimento. Vejamos.

DICA Novas maneiras de “ler o mundo”

Para saber mais quem O movimento de questionar o real não vai se restringir à História. Até então, esse real (mun-
foi Jacques Lacan, as-
sista ao filme que você do vivido principalmente no século XIX) era visto como factual, progressivo e com verdades ab-
mesmo poderá baixar solutas.
do youtube: http:// Destacamos alguns desses personagens que atuaram em diferentes áreas para que você
www.youtube.com/ possa ter ideia do que essas pessoas questionavam ao seu tempo. Vejamos:
watch?v=o4l3LzKsHJg Antropologia: Marcel Mauss (1872-1950). Defendeu que os homens elaboram formas cifra-
&hl=pt-BR Jorge Forbes
fala sobre a revolução das (imagens, representação) de representar o mundo.
que Jacques Lacan pro- Filosofia, Ciência Política e Crítica Literária:
moveu na psicanálise Walter Benjamin (1892-1940). Parte do conceito marxista de mercadoria para apresentá-la
ao retomar e avançar as como fantasmagórica: imagens de desejo, ilusórias. Trabalhou com o imaginário social e suas re-
descobertas de Freud. presentações.
Acesso em 09 jul. 2009.
Psicologia: Sigmund Freud (1856-1939) e Carl G. Jung (1875-1961). Seus trabalhos abrem ca-
minho para estudos sobre o simbólico e o inconsciente.
Sociologia: Émile Durkheim (1858-1917). Falava de um processo de construção mental da
realidade, produtor de coesão social e de legitimação de uma ordem instituída por meio de
ideias, de imagens e práticas dotadas de significado. Sintetizou a ideia de que o progresso consti-
tui uma ameaça às estruturas éticas e sociais (anomia).
Você observou o que há em comum no pensamento desses personagens que questionaram
a maneira de ler o mundo na virada do século XIX para o XX?

22
História - Teoria da História Social e Cultural

Veja bem, nesse momento, o que vemos são crí-


ticas e reflexões sobre um novo homem, outro modo
de interrogar e de interpretar a realidade. Por exem-
plo, entender os significados das representações que ◄ Figura 10: Um morto
criamos para interpretar o mundo é fundamental- prova sua alma diante
de Deus, pergaminho
mente caminhar para uma abordagem cultural. Lem- alemão de 1425
bra-se do que dissemos a respeito do caminhar da Fonte: Disponível
história social para o cultural? em http://historia-
Antes de irmos adiante, vale a pena ressaltar novest.blogspot.
com/2009_001archive.
exemplos significativos quanto à influência sofrida html Acesso em 09 jul.
pelos autores do quadro que descrevemos anterior- 2009.
mente. Podemos destacar Michel de Certeau com o
livro “A Invenção do Cotidiano”, em que observamos
que esse historiador sofreu influência da Escola Freu-
diana de Jacques – ela parece estar dormindo? Para
Michel de Certeau, essa afirmação é uma negação da
morte, assim como os termos: descansar, dormir e
acalmar.
Essa temática também aguçou a curiosidade e a
sensibilidade do olhar de outros historiadores. Pense-
mos na produção do historiador da História Nova Phi-
lippe Ariès sobre a História da Morte no Ocidente. O
fantástico nesse trabalho é que Áries aponta que na sociedade contemporânea tem crescido a
negligência acerca da morte. Como indica Ferreira (2009), a sociedade higienicista do século XIX
e as Grandes Guerras Mundiais do século XX afastaram as pessoas de seus mortos, negando a
própria transitoriedade da vida.
Esses exemplos chamam a nossa atenção para que percebamos um caminho, permeado de ATIVIDADE
sensibilidade e reflexão sobre o mundo que nos cerca. Também a maneira pela qual buscamos Procure se informar
embasamento no conhecimento já constituído para irmos além, problematizando e produzindo sobre as representa-
outros conhecimentos sobre a nossa sociedade, conhecimentos esses que brotam de indagações ções da morte em sua
de nosso presente. comunidade. Discuta
com os colegas e pro-
Pense, por exemplo, sobre a figura que representa a morte diante de deus, num pergami- fessor formador sobre
nho do século XV. Hoje, como faríamos as representações da morte? Você sabia que até bem a maneira de encarar a
pouco tempo era comum no Brasil e especialmente em Minas Gerais fotografar velórios e crian- morte.
ças mortas em caixões?

O termo “cultura” e o campo da História Cultural

É preciso ter em mente que todo e qualquer objeto produzido pelos homens e mulheres,
de qualquer segmento social, classe, etnia e cor são objetos culturais. Para sermos mais exatos:
a vida cotidiana está entranhada no mundo da cultura. Se assim é verdade, todo indivíduo, sozi-
nho ou em comunidade, produz cultura tanto quanto um artista, um artesão ou um intelectual.
Quando nos comunicamos, escrevemos um livro ou um material como esse que você lê agora, a
própria leitura, a comunicação oral, escrita ou imagética... Tudo isso é produção de CULTURA!
Cultura é então um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para
explicar o mundo. A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz
de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações
e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portanto já um significado e uma apreciação
valorativa (PESAVENTO, 2004, p. 15).
Feito esse esclarecimento do significado do termo cultura, ainda nos falta compreender o
sentido do termo quando o mesmo aparece na expressão “História Cultural”. Não se trata aqui
de entender pura e simplesmente uma questão de terminologia, mas essencialmente os mo-
dos como formulamos problemas e abordamos a documentação na atividade histórica ligada às
tradições historiográficas distintas (LARA, 1997). Sendo assim, vamos buscar esclarecimento em
Georges Duby (1990), que irá explicitar essa acepção de maneira mais aceita pelos historiadores:
“Este campo historiográfico estudaria dentro de um contexto social os mecanismos de produção
(e recepção) dos objetos culturais” (DUBY, G. apud BARROS, 2005, p. 4).
Você já percebeu que pessoas costumam rotular algumas sociedades como “altas culturas”?
Um exemplo claro disso é afirmar que Incas, Maias e Astecas eram altas culturas na América an-
tes da chegada de Colombo. Todavia, você já se perguntou sobre as outras culturas contemporâ-

23
UAB/Unimontes - 3º Período

ATIVIDADE neas a esses povos (como, por exemplo, a cultura Moche, os povos Tlaxcaltecas e outros)? Como
Pelo conceito de cultu- é que os classificaríamos então? Será que é correto designá-los de culturas menores ou baixas?
ra que você estudou, Isso não parece fazer sentido, concorda?
analise a figura mexica- Na verdade, a partir da influência dos estudos antropológicos, os historiadores aprenderam
na. São registros ricos que as culturas não devem ser hierarquizadas e qualificadas como uma sendo melhor que a ou-
do imaginário coletivo tra, pois cada sociedade em sua vivência cotidiana elege a sua maneira de ver o mundo e escolhe
sobre a vida e a morte,
e documentos precio- os modos de vivência na comunidade. Desta forma, não cabe juízo de valor quanto a essas esco-
sos para a compreen- lhas, mas sim o entendimento do modo como essas escolhas foram feitas pelos grupos sociais e
são das representações os seus significados para uma dada comunidade.
do universo religioso. Todavia, é fundamental o aprofundamento do conhecimento das características marcan-
tes da História Cultural de acordo com os destaques sugeridos pelo professor Ronaldo Vainfas
(1997). Vejamos:
1ª: recusa do conceito vago de mentalidade (influência estruturalista);
2º: preocupação com o popular;
3º: valorização das estratificações e dos conflitos socioculturais como objeto de investigação;
Sendo assim, a História Cultural é aquela a que podemos atribuir:

O estudo das formas de representação do mundo no seio de um grupo hu-


mano cuja natureza pode variar – nacional, regional, social ou política – e que
analisa sua gestação, expressão, transmissão. Como os grupos humanos repre-
sentam e se representam o mundo que os cerca? Um mundo cristalizado ou
sublimado – pelas artes plásticas ou pela literatura -, mas também um mundo
codificado (valores, lugar do trabalho e do lazer, relação com outrem), contor-
nado (divertimento), pensado (grandes construções intelectuais), explicado
(pela ciência) e particularmente dominado (pelas técnicas), dotado de um sen-
tido (pelas crenças ou sistemas religiosos ou profanos, até mesmo pelos mitos)
um mundo legado enfim pelas transmissões devidas ao meio, à educação, à
instrução. (SIRINELLI apud TÉTART, 2000, p. 142-3)

Figura 11: Ex- Acrescentamos ainda que a História Cultural elevou o social e o cultural como peças-chaves
voto mexicano,
provavelmente do
para a compreensão da História e elegeu a pluralidade como sendo a sua marca. Demarcou o seu
século XIX, que campo e definiu objetos de estudos que a caracterizaram como uma especialidade da disciplina
representa uma História.
alegoria da redenção
Fonte: Disponível em Os objetos da História Cultural
www.mexicanretablos.
com. Acesso em 09 jul.
2009. Atualmente, observamos a tomada de consciência quanto ao uso do termo cultura em seu
sentido plural, ou seja, sua acepção mais comum tem sido aquela que abrange a pluralidade de
culturas em vez de uma única cultura entendida de maneira generalizada. É praticamente dis-
pensável dizer que essa postura apontada pelos antropólogos é fundamental para darmos conta
de compreender a complexidade e as múltiplas dimensões do estudo da ação humana em socie-
dade ao longo do tempo.
Todo trabalho de pesquisa tem que definir seu objeto de estudo, quer seja uma monografia,
dissertação ou tese. Você sabe o que é um objeto de pesquisa? O objeto de um estudo é aquilo
que será estudado; é em torno do objeto de estudo que o trabalho se desenvolve. Assim, objeto é
o foco, o eixo central da investigação. Em nossa vida cotidiana, quando temos um problema a re-
solver, o que está no cerne desse problema é o objeto ao qual a nossa ação/atenção se direcionará.
A História cultural também define seus objetos de estudo, os quais nos permitem dizer que
um estudo é da área de História cultural e não de outra, ou seja, define o foco de um estudo nes-
sa especialidade histórica. Vejamos:
José D’Assunção Barros (2005) apresenta cinco eixos nos quais ele organizou os objetos da
História Cultural. Há que se considerar que cada um desses eixos propostos pode abarcar subdi-
visões, mas aqui serão tratados em seu sentido amplo.
Os objetos da História Cultural podem ser os mais diversos em face do conceito amplo de
cultura e mesmo da complexidade da sociedade. Todavia, uma classificação possível é dividirmos
pelo menos em cinco eixos os diversos objetos desse campo historiográfico, quais sejam: objetos
culturais, sujeitos, práticas, processos e padrões (BARROS, 2005, p. 6).
No eixo dos objetos culturais, delineamos os estudos que utilizam as imagens que os ho-
mens produzem de si mesmos, da sociedade e do mundo ao seu redor, as condições de produ-
ção e de veiculação de objetos de arte, de literatura, a cultura material e imaterial, a dita cultura
letrada e a popular. Trabalhos com esse objeto são, por exemplo, aqueles que lançam mão de

24
História - Teoria da História Social e Cultural

fotografias, pinturas, entrevistas e análise do discurso, veiculados por revistas e jornais para com-
preender os símbolos e os signos culturais.
No eixo dos sujeitos tidos como objetos da História Cultural, identificamos aqueles que pro-
duzem e difundem uma dada cultura, quer seja no âmbito institucional (sistemas de comunica-
ção, indústria cultural, sistemas educativos, organizações religiosas e socioculturais) ou não ins-
titucionalizado. Aqui podem ser concentrados trabalhos que estudam, por exemplo, o papel da
Igreja, da escola, das associações, jornais, TV na sociedade em determinado tempo e lugar, entre
outros.
O eixo das práticas e dos processos culturais concentra os estudos que preocupam com o
meio de produção e recepção da cultura. As práticas podem ser entendidas como a construção
de um livro, a leitura, modalidades de ensino, técnicas artísticas, os modos que os homens e mu-
lheres falam e se calam, comem, bebem, dormem, conversam, discutem, morrem, vivem etc. Os
processos, por sua vez, são os movimentos históricos que levam ao entendimento da maneira
como uma dada situação ocorreu e/ou ainda ocorre, segundo normas, métodos e técnicas. A
constante indeterminação do social faz com que os homens se definam ao “caminhar”; os regis-
tros e as evidências da vivência dos sujeitos permitem entender o processo histórico por meio
das mediações e mediadores culturais.
O eixo dos padrões pode ser entendido como aquele objeto da História Cultural preocupa-
do com as diferentes “visões de mundo, os sistemas normativos, os modos de vida relacionados
aos vários grupos sociais, as concepções relativas a estes grupos, as ideias disseminadas através
de correntes e movimentos de diversos tipos” (BARROS, 2006, p.6) e os modos de pensar e sentir
coletivamente. O fragmento do texto de Fredrick Barth é um dos vários exemplos que podería-
mos inserir nesse eixo a título de exemplo. Também, vamos destacar o trabalho de Libby e Paiva
(2000) ao estudarem a escravidão no Brasil: relações sociais, acordos e conflitos.
Agora, veja bem, a definição do objeto de estudo parece ficar “manco” se não tiver próximo
a si a explicação/compreensão dos campos temáticos, conceitos e métodos da História Cultural.
Essa questão fará parte da Unidade II, e certamente você irá dialogar e relacionar essas unidades
o tempo inteiro; volte na leitura sempre que as dúvidas aparecerem, discutindo com o tutor e o
professor formador do seu curso.

Referências
BARROS, José D’ Assunção. A História Cultural Francesa: caminhos de interpretação. Fenix: Re-
vista de História e Estudos Culturais, v.2, ano II, nº 4, Out/Nov/dez/2005. Disponível em: www.
revistafenix.pro.br

BARROS, José D’Assunção. Os campos da História: uma introdução às especialidades da Histó-


ria. Petrópolis: Vozes, 2004.

BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria, 2000.

BOTO, Carlota. Nova História e seus velhos dilemas. Revista USP. Dossiê Nova História, nº 23,
set-Nov/1994. Acesso em 05/06/2009

BOURDÉ, Guy & MARTIN, Hervé. As Escolas Históricas. Portugal: Publicações Europa-América\
Fórum da História, 2003, 220p.

BOURDÉ, Guy e MARTIN, Hervé.As Escolas Históricas. Lisboa: Publicações Europa-. América,
1983. cap. VII, p.119-135.

BURKE, Peter (org). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1992,
355p.

CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios
da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p.45-60.

DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à nova história. São Paulo: Edusc, 2003,
393 p.

25
UAB/Unimontes - 3º Período

HOLLINGSWORTH, T. H. Uma conceituação de Demografia Histórica e as diferentes fontes utili-


zadas em seu estudo. In: MARCÍLIO, M.L. (Org.), Demografia Histórica. São Paulo: Pioneira, 1977.

JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Contexto, 2000, 120p.

LARA, Silvia Hunold. História Cultural e História Social. Revista Diálogos, vol. 1, nº 1, 1997.
http://www.dialogos.uem.br/viewissue.php Acesso em 05 jun.2009.

LE GOFF, Jacques; LADURIE, Le Roy; DUBY, Georges at alli. A Nova História. Rio de Janeiro, Lugar
da História/Edições 70, 1991, 89p.

LIBBY, Douglas Cole & PAIVA, Eduardo França. A escravidão no Brasil: relações sociais, acordos e
conflitos. São Paulo: Moderna, 2000, 80p. (Coleção Polêmica)

LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci Del Nero da. Minas Colonial: Economia e Sociedade. São
Paulo: Estudos Econômicos/FIPE/FRONTEIRA, 1982.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004,
132p (Coleções História & Reflexões, 5)

REIS, José Carlos. A Escola dos Annales: a inovação em História. São Paulo: Paz e Terra, 2000,
200p.

Revista Annales, História, Ciências Sociais. 58. ed., nº 01, jan/fev/2003. Paris, Armand Colin, 2003.

TERTART, F. Pequena História dos Historiadores. São Paulo: EDUSC, 2000.

THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. São Paulo: Unicamp, 2001.

THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:
Cia das Letras, 1998.

VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion &
VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1997, p. 127-163.

26
História - Teoria da História Social e Cultural

Unidade 2
O olhar da história cultural e social:
conceitos, métodos e campos
temáticos
Dayse Lúcide Silva Santos

2.1 Introdução
Esta segunda unidade da disciplina visa aprofundar o estudo da atual faceta de Clio. Tal face
revelará mais detalhes sobre a História Social e Cultural. Veremos alguns conceitos, métodos e
campos temáticos de modo a requerer o seu lugar como um campo de especialidade da História.
Optamos em dividir o assunto dessa unidade em três grades tópicos. A primeira parte versa-
rá sobre os “Conceitos e delimitações”, cujo objetivo é delinear alguns conceitos importantes na
área de História Social e Cultural.
A segunda parte desse estudo abarcará o item 02 e tem como título “A metodologia da His-
tória Social e Cultural: como fazer História?”. Esse momento é muito importante para você, es-
tudante de História, pois assim conhecerá os métodos utilizados pela História para construir a
interpretação histórica.
Por fim, e não menos importante, o último item dessa unidade versará sobre “Campos temá-
ticos da História Social e Cultural”. Nesse item é importante delimitar os temas que frequentam
essas duas áreas de especialidade da História. Ressaltamos desde já que existe atualmente gran-
de aproximação entre as duas áreas de especialidade da História.
Reforçamos novamente que o significado desta disciplina para você, que já está se preocu-
pando em definir o seu projeto de pesquisa, poderá contar com ferramentas indispensáveis dis-
cutidas nessa disciplina.
Esclareça todas as suas dúvidas com o seu professor formador e com a equipe de tutores
deste curso. Tenha certeza que todos nós desejamos contribuir e continuar a ver o seu cresci-
mento.

Boa viagem por Clio!

2.2 Epistemologia: conceitos e


delimitações
Nossa viagem agora nos conduziu à necessidade de compreensão dos conceitos. Isso posto,
é bom afirmar que, para ser considerada área de especialidade da História, é necessário definir,
além dos objetos, os conceitos e os métodos (abordagens) com os quais analisaremos a socieda-
de. Isso chamamos, grosso modo, de epistemologia, que é o estudo da ciência, de seus métodos
e princípios à luz de um enfoque científico.
Em nosso dia a dia é comum ouvirmos de algumas pessoas que elas nos “têm no mais alto
conceito”, ou que você ganhou pontos com alguém e subiu no conceito que ela(e) tem de você.
Certamente você já ouviu isso, mesmo em novelas ou filmes.

27
UAB/Unimontes - 3º Período

Você pode escolher se relacionar com mais frequência com as pessoas que você pensa que
o têm em alto conceito, ou seja, aqueles que, num certo ponto de vista, viu em você mais atri-
GLOSSÁRIO butos que permitiram compreendê-lo e classificá-lo como “bom”, fazendo uma ideia positiva de
Epistemologia: Do você. Esse é um exemplo simples que denota um dos usos no senso comum do termo conceito.
grego epistêmê que Na ciência, tal termo é utilizado como ferramenta mental que torna possível o conhecimen-
significa ciência. Estu- to por parte do intelecto, bem como a operacionalização da ciência histórica. Sendo assim, con-
do da Ciência, de seus ceitos são referências, são conjuntos de ferramentas que nos permitem conhecer e analisar uma
métodos e princípios
à luz de um enfoque realidade social por parte de operações de nosso intelecto.
científico e filosófico. Você pode estar a se perguntar: qual é a função de um conceito? Ora, se o conceito é um
Reflexão sobre o valor conjunto de ferramentas que me permite conhecer, aí está a sua importância: o conhecimento.
da ciência. Utilizamos os conceitos para nos referenciar, conhecer e ir além, aplicando/criando novos concei-
Dialética: Na Grécia tos sempre que a complexidade do social e nossas operações intelectuais assim exigirem.
Antiga, a arte do diálo-
go, da contraposição e Na unidade I já falamos dos domínios, das dimensões e objetos de Clio. Interessa-nos nesse
contradição de ideias momento entender melhor a classificação dentro das Áreas de História Cultural e História Social.
que leva a outras ideias Sendo assim, optamos em demonstrar uma das delimitações possíveis, abordando as linhas
(Platão). Arte da discus- de pesquisa definidas na Unicamp. Ressaltamos que em outras universidades a classificação é di-
são e da argumentação ferente, e cada universidade justifica as escolhas de suas linhas de pesquisa. Todavia, essas deli-
visando sintetizar
progressivamente teses mitações servem para melhor estudar a História, que, como já dissemos anteriormente, é resul-
e antíteses num único tado da fragmentação e abertura da História para diversas searas do conhecimento. Vejamos a
discurso (Hegel, XIX). delimitação da Unicamp:

Quadro 3
Área de especialidade: história cultural
Esta área de concentração investiga a produção do conhecimento histórico em múltiplas temá-
ticas. Embora abrigue diferentes abordagens, a História Cultural assume alguns pontos funda-
mentais: considera a cultura como dimensão constitutiva do social, mais do que determinada
por este; entende que o historiador constrói uma leitura do passado, marcada por sua subjetivi-
dade, a partir das interpretações contidas nos documentos-monumentos; assume a importân-
cia da narratividade na historicização dos acontecimentos.
1. Sociabilidade e Cultura na Améri- Esta linha de pesquisa dedica-se a reflexões sobre a
ca Luso-Espanhola história e a historiografia dos impérios coloniais da
época moderna. Em termos metodológicos, os es-
tudos concentram-se nas representações e práticas
culturais das sociedades das Américas portuguesa e
hispânica, e os trabalhos e pesquisas incidem atual-
mente sobre temas ligados à cartografia e navegação,
religião e religiosidade, história da leitura, e alimenta-
ção, além de temáticas que envolvem as especificida-
des e intercâmbios político-culturais entre as metró-
poles e suas respectivas colônias.

Docentes da Linha: Leandro Karnal; Leila MezanAl-


granti; Paulo Celso Miceli.
2. Gênero, Identidade e Cultura Esta linha de pesquisa aborda temas e problematiza
Material questões ligadas à sexualidade e à produção das sub-
jetividades, da expressão artística e da cultura mate-
rial. Investiga as formas históricas de manifestação do
poder e dos contra poderes, articulando-as aos con-
ceitos de classe, gênero e etnia.

Docentes da Linha: Luzia Margareth Rago; Pedro Pau-


lo Abreu Funari, Jorge Coli (Prof. Convidado), Maria
Margaret Lopes (Profª Participante); André Leonardo
Chevitarese (Prof. Participante).

28
História - Teoria da História Social e Cultural

3. Narrativas e representações A linha de pesquisa volta-se ao estudo das lingua-


gens, da literatura, das artes, das ideias filosóficas e
políticas, dos sistemas religiosos como práticas de
significação históricas e culturais que tratam da orga-
nização de atividades, instituições e relações em dife-
rentes momentos históricos. Tem como objetivo cen-
tral desvendar subjetividades, identidades, modelos
literários, gêneros narrativos e retóricos, simbolismos
e temáticas localizadas em espaços e temporalidades
diferenciadas.
São eixos centrais de pesquisa dos docentes que
compõem a linha: a) Questões teórico-metodológicas
da História das Religiões e das relações entre Gêne-
ro e Religião; história dos movimentos religiosos nos
séculos XIX e XX no Brasil; Hagiografia e História das
Igrejas “Cristão no Medievo”; b) As relações entre cul-
tura, política e sociedade na América hispânica dos
séculos XIX e XX, debatendo questões relativas a te-
mas, conceitos e movimentos nos recortes espaciais
e cronológicos definidos; c) A História das imagens e
da cultura visual como um conjunto de práticas e dis-
cursos que constituem formas de experiência dentro
de determinadas circunstâncias históricas e culturais.

Docentes da Linha: Eliane Moura da Silva, José Alves


de Freitas Neto, Neri de Barros Almeida.
Fonte: Adaptado do site oficial do Instituto de Ciências Humanas da UNICAMP. Disponível em http://www.ifch.unicamp.
br/pos/historia/index.php?texto=linhaspesquisa&menu=menulpesquisa Acesso em 09 jul. 2009.

Você deve ter observado que, ao delimitar as linhas de pesquisa, alguns conceitos são tam-
bém aplicáveis. Destacaremos aqui alguns, como: sensibilidade, cultura, prática, representação,
gênero, identidades, subjetividades, símbolos, etc. Ao analisar o quadro que compõe a História
Social, você perceberá a interpenetração do uso dos conceitos nessas áreas. Vejamos.

Quadro 4
Área de especialidade: história social

Esta área dedica-se ao estudo das relações sociais e seus significados para os diversos sujeitos
históricos. A ênfase das pesquisas recai sobre as práticas dos grupos subalternos, suas relações
horizontais e verticais de confronto e solidariedade, bem como sobre os processos de constru-
ção de identidades e diferenças. Interessam também aos pesquisadores dessa área as maneiras
pelas quais tais grupos foram vistos e representados por intelectuais, autoridades, empresários
e outros agentes com os quais se defrontam em diferentes situações de sua experiência coti-
diana.
1. História Social da Esta linha de pesquisa desenvolve uma reflexão política, historiográ-
Cultura fica e metodológica sobre o universo da cultura centrada nos sujeitos
históricos e em sua diversidade, enfocando os confrontos culturais
presentes em diferentes espaços e práticas sociais. Três grandes eixos
articulam o conjunto de trabalhos em andamento: um dedica-se a ve-
rificar os limites e possibilidades das abordagens apoiadas em critérios
étnicos e raciais, enfatizando a experiência de negros, africanos e seus
descendentes. Outro se volta especificamente para os intelectuais, em
especial os literatos e folcloristas, que pensaram, tematizaram e inves-
tigaram aquilo que definiam como “o popular”. O terceiro toma como
objeto justamente a abstração que foi colocada no lugar destes diver-
sos sujeitos, ou seja, “a Nação” ou “o Povo” em suas tradições festivas
e coletivas das ruas, procurando múltiplos significados em situações
que a bibliografia elegeu como expressões da identidade brasileira.

Docentes da Linha: Robert W. Slenes; Sidney Chalhoub; Silvia Hunold


Lara; Luiz Fernando F. Rosa Ribeiro; Maria Clementina Pereira Cunha.

29
UAB/Unimontes - 3º Período

2. História Social do Esta linha tem como tema principal o mundo do trabalho, sem que
Trabalho isto signifique uma delimitação rígida dos objetos de pesquisa. Inte-
ressam tanto participações individuais quanto coletivas que, de al-
gum modo, apresentem vínculos históricos com as experiências do
trabalho. A linha contempla estudos dos movimentos sociais, dos pro-
cessos produtivos, da técnica, das instituições, da cultura, do lazer, da
saúde etc., relacionados com a história dos trabalhadores urbanos e
rurais. São também objeto de análise, os diferentes projetos políticos,
os movimentos formais e informais, os valores e concepções que in-
formam as relações de classe.

Docentes da Linha: Cláudio Henrique de Moraes Batalha; Fernando


Teixeira da Silva, Michael McDonald Hall; John Manuel Monteiro, Leo-
nardo Affonso de Miranda Pereira (Prof. Participante); Hector Hernan
Bruit Cabrera (Prof. Participante); Beatriz Kushinir (Profª Participante);
Marco Aurélio Garcia (Prof. Convidado).
3. História Social da Esta linha surge dos estudos relacionados à escravidão levados a cabo
África por pesquisadores da Linha de História Social da Cultura. Seu interes-
se primeiro é a pesquisa de espaços e contextos informados por iden-
tidades, práticas e pensamentos vinculados à África, propondo uma
junção entre pesquisadores da área nos Departamentos de Antropo-
logia e História. Um eixo essencial é a construção dessas identidades,
práticas e pensamentos através do espaço e do tempo em situações
transnacionais e diaspóricas.

Docentes na Linha: Robert Wayne Slenes, Luiz Fernando Ferreira da


Rosa Ribeiro, Omar Ribeiro Thomaz (Professor participante).
Existem mais duas áreas.
Fonte: Adaptado do site oficial do Instituto de Ciências Humanas da UNICAMP. Disponível em http://www.ifch.unicamp.
br/pos/historia/index.php?texto=linhaspesquisa&menu=menulpesquisa Acesso em 09 jul. 2009.

Observamos também o uso dos conceitos em História Social. Podemos destacar do quadro
os conceitos de cultura popular, identidade, cotidiano, prática, diferença e muitos outros suben-
tendidos na descrição.
Sabemos que o novo mundo de Clio é um universo sem fronteiras e verdades absolutas.
Sabemos que ele é constituído de verdades hoje e de inverdades amanhã, ou melhor, verdades
construídas agora e desconstruídas depois. Todavia, os resultados são os mais próximos do que
possa ter acontecido no passado.
Optamos em trabalhar alguns conceitos utilizados na história Social e Cultural, bem como
destacando estudos acadêmicos que os aplicam. Os próximos itens discutem tais conceitos.

2.2.1 Conceito de representação

O conceito de representação em História Cultural foi apro-


Figura 12: Roger ►
priado pelos historiadores a partir dos estudos antropológicos.
Chartier
Lembra que já dissemos anteriormente que havia aproximação
Fonte: Disponível em
http://www.klepsidra.net/ entre essas ciências?
klepsidra17/colonial.htm. Vamos entender melhor o que é esse conceito e analisar
Acesso em 09 jul. 2009. um exemplo em que ele é aplicado.
Representação é categoria central de análise para a His-
tória Cultural, pois ela quer estudar o passado por meio das
representações criadas para exprimir a visão, os valores e os
códigos utilizados/criados pelos homens e mulheres de uma
dada época. Segundo Roger Chartier (2002), o objetivo da His-
tória Cultural “é identificar o modo como em diferentes lugares
e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler”. Para ele:

30
História - Teoria da História Social e Cultural

Mais do que o conceito de mentalidade, ela (representação) permite articular


três modalidades de relação com o mundo social: em primeiro lugar, o traba-
lho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais
múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos
diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma Dica
identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar Roger Chartier nasceu
simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionali- em 1945, na França.
zadas e objectivadas graças às quase uns<representantes> (instâncias coletivas Formou-se professor e
ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do historiador simultanea-
grupo, da classe ou da comunidade (CHARTIER, 2002, p. 23). mente pela Escola Nor-
mal Superior de Saint
A problemática do mundo como representação, moldado através das séries de discursos Cloud e na Universida-
que o apreendem e o estruturam, conduz, segundo Chartier, obrigatoriamente a uma reflexão de de Sorbonne. O fran-
sobre “o modo como uma figuração desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou cês estuda a história da
cultura e dos livros, a
das imagens) que dão a ver e a pensar o real” (CHARTIER, 2002, p. 23). trajetória da leitura e da
Esse conceito permite pensar que o passado só chega até nós por meio do que foi represen- escrita como práticas
tado. O ato de representar lida diretamente com o social, pois essa categoria procura definir o sociais.
que é o real para um dado grupo/indivíduo, além de lidar com o social e o real no sentido de que
as representações surgem de esquemas intelectuais que demarcam e fornecem dados pra com-
preensão da realidade social.
Devemos compreender ainda que tais representações brotam da tensão entre as represen-
tações individuais e coletivas. Isto nos leva a pensar nas representações definidoras das identi-
dades sociais, as quais podem ser definidas quando um grupo partilha um referencial comum
que lhe permite entender o mundo e a si próprio. As práticas sociais seriam, nesse sentido, os
elementos pelos quais os grupos sociais exprimem a sua maneira de ser e estar no mundo.
Cabe lembrar que esse conceito recebe críticas como a de Ronaldo Vainfas e Pierre Bour-
dieu, (1997), que afirmam que tal conceito permite dar sentido ao social apenas no terreno das
práticas culturais, entendendo os sujeitos sociais como transparentes em suas ações.
Em linhas gerais, a ideia de representação trabalha com o regime da plausibilidade e da ve-
rossimilhança. Nesse sentido, algo que é representado não é mimetizado, ou seja, não lidamos
com a ideia de cópia do real, mas da verossimilhança que lembra os atributos do objeto repre-
sentado. Tomemos um exemplo para ilustrar a categoria de análise representação.

◄ Figura 13: Pintura


Tiradentes
esquartejado (1893)
Óleo sobre tela de
Pedro Américo 262 x
162 cm
Fonte: Museu Mariano
Procópio, Juiz de Fora –
MG.

31
UAB/Unimontes - 3º Período

A figura de nosso exemplo é uma pintura do final do século XIX e representa um episódio
que ocorreu em Minas Gerais, no século XVIII – o enforcamento de Tiradentes. Para aplicarmos o
conceito de representação a essa pintura, vejamos no Box 2 o que teríamos que entender:

BOX 2
Dica • Essa pintura não é a realidade, não é uma cópia, não é um reflexo. É uma representação
Bronislaw Baczko: construída por uma dada sociedade;
Entende que o ima- • O pintor pode ser visto ou entendido como um filtro cultural (assim como os fotógrafos)
ginário é histórico e
datado, por isso cada que percebeu atributos, configurações de uma época passada (século XVIII) e a sua pró-
época constrói as suas pria época (XIX) para construir o seu quadro representativo do enforcamento de Tiraden-
representações para tes;
dar sentido ao mundo • Ao observamos a figura, vemos que ela “apresenta algo de novo”, que recoloca uma au-
vivido, podendo ser sência (que é o movimento da Inconfidência e o enforcamento de Tiradentes), tornando
expresso por imagens,
sons, palavras, discur- -a uma sensível presença sob o olhar dos homens do século XIX.
sos, crenças, mitos, • Observamos ainda que há associação, identificação e reconhecimento do que é repre-
ritos, práticas etc. sentado nessa figura não apenas com o movimento de Inconfidência Mineira e o Tiraden-
Cornélius Castoriadis: tes, mas com atributos considerados importantes pela sociedade do século XIX. Destaca-
O filósofo entende que mos, por exemplo, o forte apelo à tragédia ocorrida com a de Jesus Cristo.
o imaginário é uma
invenção do ser huma- • Entendemos, então, que as representações são portadoras de simbologismos. Ou seja, di-
no como habilidade zem mais do que aquilo que mostram e anunciam
criadora e recriadora
do real. Fonte: (PESAVENTO, 2004, p. 41).
Fonte: PESAVENTO, S.
J. História & História
Cultural. 2. ed. Belo As representações não possuem valor por serem verdade, mas o seu valor é estabelecido
Horizonte: Autêntica, por evocar o real, por representar, ou melhor, por serem verossímeis (semelhante, parece, pro-
2004, p. 43-4. vável). Segundo Sandra Jatahy Pesavento, podemos resumir o conceito de representação para
a História Cultural como sendo um modo de “decifrar a realidade do passado por meio das suas
representações, tentando chegar àquelas formas discursivas e imagéticas, pelas quais os homens
expressam a si próprios e o mundo” (PESAVENTO, 2004, p. 42). Vejamos um exemplo:

As personagens Mães-Terra que predominaram na ficção angolana antes e a


partir desse período (1948, Movimento Vamos Descobrir Angola), além de re-
presentarem a mulher negra violada sexualmente pelo colono português, tam-
bém simbolizavam a terra angolana (e africana) invadida por ele. Essas mães
negras sofredoras eram metáforas de uma Angola e uma África vítimas de um
perverso sistema colonial. Assim, os escritores angolanos refletiam através da
literatura a miséria humana e social que o colonialismo impunha aos filhos de
África.
A Mãe-África simboliza também a ancestralidade africana, que pode ser enten-
dida como uma Grande Mãe mítica, um princípio maternal que permeia a socie-
dade e a natureza africana, identificado pelo antropólogo inglês Victor Turner
(apud FORD, 1999), ou as origens africanas relegadas pelo longo período de do-
minação colonial, havendo, portanto, na con-
figuração do símbolo, a aproximação dos ele-
mentos: biológico, geográfico, político, social,
cultural e mítico (SANTOS, 2007, p. 41).
Figura 14: Mãe África – ►
de Suzart. Podemos, ainda, destacar os rele-
Fonte: Disponível em vantes exemplos tratados pelo Professor
http://artsuzart.blogspot.
com/2008/12/suzart-o-rei. Eduardo Paiva ao analisar as mulheres
html Acesso 09 jul. 2009. pintadas por Debret. Para ele, uma leitu-
ra mais atenta e atualizada dessas repre-
sentações oitocentistas explicita, então,
a importância da iconografia para as no-
vas gerações de historiadores brasileiros
(PAIVA, 2002, p. 98).
Você já deve ter percebido que se
exige muito do historiador que quer tra-
balhar com esse conceito, pois ele preci-
sará ler códigos e signos de tempos di-
ferentes do seu. Ainda, compreender as
maneiras pelas quais elas foram filtradas

32
História - Teoria da História Social e Cultural

(pintores, fotógrafos, escritores etc.) pelos que produziram os indícios com os quais os historiado-
res trabalharão (as fontes). Todavia, essa concepção vem a calhar na aplicação de trabalhos mo-
nográficos que forem produzidos no campo da História Cultural.

2.2.2 Conceito de imaginário

Outro conceito importante que precisamos entender é o de imaginário. Abrindo um dicio-


nário, como o Aurélio, por exemplo, leremos que imaginário é algo ilusório; fantástico; aquilo que
é obra da imaginação.
Todavia, vamos aprofundar um pouco mais a noção de imaginário, passando por Bronislaw
Baczko e Cornélius Castoriadis, chegando a uma concepção mais aceita na História. Para Jacques
Le Goff, (1991) o imaginário é uma forma de realidade, um regime de representações que dão
sentido ao mundo, ou melhor, aquilo que o homem considera como realidade, para Le Goff, seria
o próprio imaginário.
Os elementos constitutivos do imaginário que atravessam os tempos, assinalando as ma-
neiras de pensar e dos homens construírem suas representações sobre o mundo são denomi-
nadas de arquétipos, segundo a ótica da antropologia. A Psicologia também contribuirá para a
formulação desse conceito: sob influência da Jung, a ideia de dinamismo nos arquétipos, que
conjugam as formas dadas pelo inconsciente
e o retrabalho pelo consciente (PESAVENTO,
2004, p. 46). Enfim, como esse conceito pode ◄ Figura 15: Jeca
ser entendido? Tatuzinho
Segundo o historiador Lucian Boia, tan- Fonte: Monteiro Lobato.
to as permanências quanto as mudanças e/ou Disponível em http://de-
reelaborações nas construções imaginárias dos vaneioliterario.blogspot.
com/2008/09/monteio-lo-
arquétipos de cada época fazem parte do con- bato-foi-uma-personali-
ceito de imaginário. dadehtml Acesso 09 jul.
Para que o historiador consiga acessar 2009.
os arquétipos, é preciso que eles, de alguma
maneira, tenham deixado rastro (imagem, es-
crito, fala) sobre sua existência para que o his-
toriador possa acessá-los. (PESAVENTO, 2004,
p. 46-7)
A categoria imaginário é capaz de forne-
cer subsídios para o estudo da realidade: do vi-
vido e do não vivido; do desejado, do temido,
do desconhecido. Em todas as situações que
pudermos imaginar, temos que ter a certeza
de que o sistema imaginário tem como seu re-
ferente o real, ou seja, sempre se refere ao ho-
mem e à sua maneira de viver, expressar e de
sonhar.
Vejamos o exemplo do personagem Jeca Tatu.
O personagem Jeca Tatu, criado em 1918, por Monteiro Lobato, é um bom exemplo que
facilitará a nossa compreensão do significado do termo imaginário. Segundo Paiva, (2002) o
personagem era distante em tudo do homem dito civilizado: o comportamento e as doenças
que sofria em nada eram modernas. A preguiça sucumbia o Jeca Tatu. A “alegoria era perfeita,
o Jeca Tatu era o Brasil atrasado e doente que necessitava, urgentemente, de remédios eficazes.
A indolência e a preguiça marcaram a representação do mestiço no início do século XX” (PAIVA,
2002, p. 74).
Para promover um aprofundamento da nossa compreensão sobre os arquétipos do imagi-
nário, vamos novamente lançar mão de exemplos.
Considerando que todas as sociedades possuem seus sistemas imaginários de representa-
ção, sistemas de construção de verdades, certezas, mitos e crenças, pensemos o caso dos arqué-
tipos construídos em torno de Tiradentes, mineiro envolvido na Inconfidência Mineira, do qual já
falamos anteriormente.
Ao longo do tempo, nós construímos a sua imagem semelhante àquela de Jesus Cristo, ou
seja, ao arquétipo cristão da crucificação e da dor e vitimização gerada por esse episódio milenar.

33
UAB/Unimontes - 3º Período

Figura 16: Cena do ►


filme Jeca Tatu, de
1959.
Fonte: Dirigido por Milton
Amaral, com Mazzaropi
e Geny Prado. Disponível
em http://jenipapo.zip.
net/arch2007-08-01_2007-
08-31.html. Acesso em 09
jul.2009.

Na realidade, a pintura de Pedro Américo nos remete ao imaginário cristão por apresentar
algumas pistas, tais como: a semelhança do Tiradentes pintado no quadro de Pedro Américo
(construído) com a imagem de Cristo; relacionamos a dor da crucificação com a dor do enfor-
camento, por exemplo. Tudo isso nos permitiu fazer algumas dessas aproximações e entender
sobre o que pensavam os homens do século XIX (do que o século XVIII), assim como aproximar o
quadro pintado de Tiradentes e a imagem de Cristo, podemos dizer que são os arquétipos imagi-
nários. Analisemos ainda uma pintura recente sobre a Inconfidência Mineira, de 1986.
Observamos que novos arquétipos foram inseridos, tais como a ideia da liberdade, repre-
sentada pela lamparina. O corpo de Tiradentes, embora esquartejado, deixa mais nítida a ideia.

Dica
O que expressa o mito
que produzimos nos
dias de hoje como,
por exemplo, Michael
Jackson, a respeito do
imaginário do homem
do século XXI?

▲ ▲
Figura 17: Pintura Tiradentes esquartejado (1893) Óleo Figura 18: Pintura de João Câmara da Silva, Mural
sobre tela de Pedro Américo 262 x 162 cm. da Inconfidência mineira de 1981/1986. Acrílico
Fonte: Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora/ MG. Disponí- sobre tela, 400x700 cm.
vel em http://4.bp.blogspot.com/_CfuGnoP_wVw/ShfkQzF- Fonte: Panteão da Pátria – Tancredo Neves/Brasília.
vxNI/AAAAAAAAG3Y/0Q8ovWeT8PU/s1600-h/2005tiraden- Disponível em http://www.sc.df.gov.br/cgi-sys/suspen-
tes_esquartejado_151738.jpg. Acesso em 30 nov. 2010. dedpage.cgi Acesso em 09 jul.2009.

34
História - Teoria da História Social e Cultural

2.2.3 Conceito de circularidade cultural

Este conceito é outra categoria importantíssima para a História e relaciona-se


com o de cultura popular. Para Ginzburg, o conceito de cultura popular é um con-
junto de “atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subal-
ternas num certo período histórico” (VAINFAS, 1997, p.151).
Na realidade, para esse historiador não há uma visão de imposição de uma clas-
se dominante sobre uma subalterna, mas sim a valorização da cultura popular por
oposição à cultura letrada ou oficial das classes dominantes. Também, a cultura po-
pular, para Ginzburg (1989), define-se por se relacionar com a cultura dominante e
dela filtrar aspectos da vida social de acordo com os valores e condições de vida da
classe popular. É obvio supor que o inverso também ocorre, ou seja, a cultura domi-
nante também filtra, a seu modo, aspectos da cultura popular. A esse trânsito Ginz-
burg chamou de circularidade cultural.
O livro de Ginzburg que trata desse conceito é “O queijo e os vermes” (1987),
em que ele analisa a trajetória de um moleiro (Domenico Scandella, conhecido
como Mennocchio), advindo das classes subalternas e condenado pelo Santo Ofício
(a Inquisição) a morrer na fogueira por suas heresias à Igreja.
Sobre o personagem deste livro, vale a pena conhecer um pouco mais. Men-
nocchio era um moleiro respeitado na comunidade, era autodidata e alfabetizado
(lia o Alcorão e Deccameron). No processo inquisitorial, inicialmente declarou-se
moleiro, carpinteiro, marceneiro e, com o desenrolar do processo, afirmava ser fi-
lósofo, astrólogo e profeta. As críticas de Menocchio à Igreja Católica eram as se- ▲
guintes: a virgindade de Maria foi forjada, assim como a Criação do mundo por Deus, a crucifi- Figura 19: O queijo e os
cação de Jesus, os Evangelhos, a adoração de imagens, o inferno e diversos outros pontos base vermes
dos dogmas católicos. Criticava o poder dos ricos e da Igreja, grandes proprietários de terra e Fonte: Disponível em
igualmente exploradores da população. Em 1584, foi condenado e retirado do convívio com os http://3.bp.blogspot.
com/_6BqHXcX6KTc/SIS-
camponeses. Ele ainda gozava de privilégios entre os camponeses e continuava a pregar as suas wKQZj-uI/AAAAAAAAAN-
ideias, o que gerou um segundo julgamento (1598), tortura e definitivamente a sua morte na g/6A3IiV-CyQs/s400/
fogueira. P1010911.JPG. Acesso 14
jan. 2010.
Este livro de Ginzburg é o exemplo clássico de circularidade cultural. Vale ainda ressaltar que
atualmente os historiadores vêm tomando consciência de que as categorias cultura popular e
cultura erudita são dinâmicas, mutantes e forjadas por mediações, tendo características próprias
em cada contexto histórico específico, não fazendo sentido manter a separação entre “os popu-
lares” e “a elite”, pois os valores e crenças circulam e são apropriados por esses segmentos à sua
maneira.

2.2.4 Conceito de sensibilidade e alteridade

A explicação histórica da História cultural vale-se de conceitos como os de sensibilidade e


alteridade. Grosso modo, as sensibilidades lidam com o subjetivo, o emocional, as percepções e
os sentidos dos indivíduos. Considerando que os homens aprendem a traduzir o mundo em ra-
zão e sentimentos, estes também precisam ser estudados pela História Cultural, pois

(...) as sensibilidades seriam as formas pelas quais indivíduos e grupos se dão a


perceber, comparecendo como um reduto de tradução da realidade por meio
das emoções e dos sentidos. Nessa medida, as sensibilidades não só compare-
cem no cerne do processo de representação do mundo, como correspondem,
para o historiador da cultura, àquele objeto e capturar o passado, à própria
energia da vida (PESAVENTO, 2004, p. 57).

Cabe ao historiador encontrar a forma como essas sensibilidades se deixam apreender,


pois toda experiência sensível do mundo partilhada se dá a conhecer por vestígios verificáveis
pelo historiador. Exemplos claros do que seriam essas sensibilidades na História seriam ritos e
imagens que expressam sonhos e medos. Estas sensibilidades podem se referir a algo que não
possua existência comprovada, entretanto ressaltamos que as sensibilidades são pensadas exa-
tamente nesse lugar do sensível, na realidade do sentimento. Dessa maneira, podemos acessar o
mundo do indivíduo, das subjetividades e das trajetórias de vida.

35
UAB/Unimontes - 3º Período

Tomemos o exemplo do livro “História do Medo


Figura 20: Livro História ► no Ocidente”. O objeto de estudo desse livro de Jean
do medo no Ocidente Delimeau é o medo. Ele trabalhará com os pesadelos
Fonte: Disponível em mais íntimos do ser humano, no período do século XIV
http://www.travessa.
com.br/HISTORIA_DO_
ao XVIII: o mar, os monstros, as trevas, a peste, a fome,
MEDO_NO_OCIDEN- a bruxaria, entre outros. Trilhando essa mesma pers-
TE_1300_1800_UMA_CI- pectiva, no livro “O pecado e o medo”, desse mesmo
DADE_SITIADA/ artigo/
d6c54e2b-f01d-46fa-b4b-
autor, observamos uma viagem pelas sensibilidades
2-25bb 2cf39f97. Acesso do homem. Em palestra realizada no Brasil, esse his-
em 10 set. 2009. toriador francês da História das Mentalidades fala do
medo e do pecado na história ocidental.
Outro conceito importante para a História Cul-
tural é o de alteridade. A versão dicionarizada do ter-
mo nos diz: é “qualidade do que é outro”.
No sentido do que é o outro, podemos pensar
que os grupos sociais que construíram representa-
DICA
ções do mundo diferentes – em códigos e valores – às
Leia atentamente a pa- representações próprias do “meu grupo”, o estabe-
lestra realizada no Bra-
sil por Jean Delumeau,
leceram de diferentes maneiras. Cabe ao historiador
no sitehttp://pphp.uol. da cultura perceber e analisar como a diferença foi
com.br/tropico/html/ representada pelos grupos homens.
textos/2420,1.shl François Hartog, citado por Pesavento (2004), afirma que este outro no tempo, esta alterida-
de a ser construída pelo discurso será percebida por operações mentais que lidam com a compa-
ração e a analogia, com a diferença e a inversão. Se for assim, destacamos então que

O que importa acentuar é que essa diferença, além de ser produzida histori-
camente no plano das condições sociais de existência, é também construída,
forjada na percepção de quem vê e enuncia o outro, descrito e avaliado pelo
discurso, figurado e representado por imagens. Há uma produção imaginária
deste ouro, que afirma a alteridade e a diferença, no tempo e no espaço. (PESA-
VENTO, 2004, p. 60).

Podemos compreender melhor esse conceito se nos transportarmos ao tempo em que os


viajantes europeus, sedentos por saber mais sobre os povos “exóticos” das terras recém-conheci-
das, passaram a representar, por meio de textos e figuras, os modos de vida que viram.
O exemplo mais comum é o do alemão Staden (1974), que provavelmente esteve aprisio-
nado entre os índios tupinambás no século XVI e publicou para o mundo informações sobre os
costumes dos indígenas. A figura 21 demonstra o ritual de canibalismo provavelmente praticado
pelos indígenas tupinambás.

Figura 21: Desenho de ►


Jean de Lery a partir
de relatos do viajante
alemão Hans Staden no
século XVI.
Fonte: Disponível em
http:/pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Canni-
bals.2.3.232.jpg. Acesso
em 09 jul. 2009.

36
História - Teoria da História Social e Cultural

Interessa-nos destacar aqui para vocês que a Europa enxergou o ritual da antropofagia
como horrendo, coisas de um povo atrasado e tantos outros atributos pejorativos. Quando pen- DICA
samos no conceito de alteridade, essas opiniões caem por terra. Apesar disso, essa figura repre- “Por milênios, o homem
senta um determinado modo de ver o novo mundo pelos olhos europeus, num dado momento foi caçador. Durante
de sua história. inúmeras persegui-
ções, ele aprendeu a
Considerando que o outro (o indígena) foi visto de uma dada maneira pelo viajante, neces- reconstruir as formas e
sariamente precisamos utilizar o conceito de alteridade para não cairmos em armadilhas inter- movimentos das presas
pretativas. Vejamos que o viajante que demonstrou medo e “covardia” não foi devorado no ritual invisíveis pelas pegadas
antropofágico, como podemos perceber na figura 21. Qual teria sido o motivo? Exatamente por- na lama, ramos quebra-
que demonstrou medo e sua carne não seria digna de ser devorada por um valente Tupinambá. dos, bolotas de esterco,
tufos de pêlos, plumas
O ritual de antropofagia não se justifica pela “fome” orgânica, mas sim por expressar um ritual em emaranhadas, odores
que os indígenas se apropriam da força e da coragem do “ser” que será devorado. estagnados.
Nesse sentido, precisamos parar para refletir sobre o significado das expressões culturais Aprendeu a farejar,
dos diferentes entre nós. Agindo dessa maneira, perceberemos a complexidade da sociedade registrar, interpretar e
que estudamos. Todo historiador que se preza não utiliza sua mundivisão para interpretar a visão classificar pistas infini-
tesimais como fios de
do outro. Dessa maneira, a produção de identidade é sempre dada com relação a uma alteridade barba. Aprendeu a fa-
com a qual se estabelece a relação. zer operações mentais
complexas com rapidez
fulminante, no interior
◄ Figura 22: A de um denso bosque
foto expressa a ou numa clareira cheia
desigualdade em de ciladas (GINZBURG,
nosso país. p. 151).
Fonte: Disponível em “Se a realidade é opaca,
http://www.diaadia. existem zonas privile-
pr.gov.br/tvpendrive/ giadas – sinais, indícios
modules/mylinks/visit.
– que permitem
php?cid=17&lid=3718.
Acesso em 09 jul. 2009. decifrá-la” (GINZBURG,
p. 177).
Fonte: GINZBURG,
Carlo. Mitos, Emblemas
e Sinais. São Paulo: Cia
das Letras, 1989.

◄ Figura 23: Muro de


escola primária em
Ashkelon, cidade na
costa de Israel, pichado
com imagem do líder
nazista Adolf Hitler
e uma suástica. A
imagem foi coberta
posteriormente pelas
autoridades israelenses,
que investigam a
autoria da pichação
ofensiva.
Fonte: Foto: APPhoto/
TsafrirAbayov. Disponí-
vel em http://g1.globo.
com/Noticias/capa/
foto/0,,11681537,00.jpg.
Acesso em 09 jul.2009.

2.2.5 Conceito de cotidiano


É muito comum utilizarmos o termo cotidiano frequentemente em nosso dia a dia. A Histó-
ria também se preocupa com esse termo a ponto de entendê-lo como uma categoria de análi-
se. Todavia, devemos ter em mente que cotidiano é também um conceito da História. Conceito
complexo que se relaciona com a vida como um todo: indústria, indumentária, capitalismo, ges-
tos repetidos, transformação de algo inovador em hábito, costume.

37
UAB/Unimontes - 3º Período

Para Mary Del Priore (1997, p. 274), a história do cotidiano é a história dos pequenos prazeres,
dos detalhes quase invisíveis, dos dramas abafados, do banal, do insignificante, das coisas deixa-
das de lado. Entretanto, a aparente miudeza esconde a imensidão e a complexidade da vida.
Assim, cotidiano é também aquilo que se repete, rotineiramente, e que é quase imperceptível.

Figura 24: Mucama ►


Fonte: Disponível em
http://4.bp.blogspot.com/_
TpwGmavnUcI/SiRpNVIE-
SUI/AAAAAAAAAdw/XH-
jzB_nTl84/s400/mucamas.
jpg. Acesso em 09 jul.2009.

Atividade
Observe a figura 25 e
discuta, no ambiente
web Virtualmontes, as
características observa-
das na imagem que ca-
racterizam o cotidiano.

Caso você queira desenvolver o seu estudo de monografia utilizando o cotidiano como con-
ceito, deverá se questionar sobre os aspectos mais comuns e rotineiros da vida das pessoas, tais
como as práticas e rituais que caracterizam o dia a dia das pessoas comuns. São temas interes-
santes para investigação aqueles que interrogam sobre como os indivíduos viviam, namoravam,
noivavam e casavam, moravam, se divertiam, eram educados, nasciam e morriam.

Figura 25: Foto do ►


Acervo Portinari
Fonte: Disponível em
http://www.edhorizonte.
com.br/arquivos/ima-
gem_109.jpg. Acesso em
09 jul. 2009.

2.3 Metodologia da história social


e cultural: como fazer história?
Os termos “como” e “estratégia” facilitam o nosso entendimento sobre o fazer história no tra-
balho do historiador. Desde Lucien Febvre, os historiadores buscaram questionar e entender o
documento histórico com o olhar de águia. Cuidadosamente as mensagens contidas num do-

38
História - Teoria da História Social e Cultural

cumento são decodificadas, interpretadas, questionadas e esmiuçadas. Esse trabalho requer do


historiador perspicácia, elaboração de perguntas e problemas que possam realmente conhecer a
experiência, a representação social e cultural de uma dada sociedade.

2.3.1 Paradigma indiciário, método de montagem e descrição densa

A estratégia de fazer História na História Social e Cultural tem apresentado aproximações,


todavia é mais comum à História Cultural o uso de pelo menos três métodos de fazer história:
o primeiro deles é baseado em Carlo Ginzburg, que é o representante do método denominado
paradigma indiciário. O segundo método do qual nos ocuparemos será o da montagem, e seu
principal representante é Walter Benjamin. E, por fim, entenderemos também um método de
descrição densa, muito difundindo entre os antropólogos e seu maior representante é Clifford
Geertz (2008).

Quadro 5
Métodos de fazer história

PARADIGMA INDICIÁRIO MÉTODO DE MONTAGEM MÉTODO DE DESCRIÇÃO DENSA


Principal representante: Principal representante: Principal representante: Clifford
Carlo Ginzburg Walter Benjamin Geertz
Nesse método, o histo- Para Benjamin, é preci- Este método foi apropriado da
riador é comparado a um so percorrer os traços e Antropologia. Deve-se descrever
detetive, considerando registros do passado para a realidade observada em seus
que ele precisa decifrar realizar com estes uma mínimos detalhes e correlação de
enigmas e dar a ver um construção, ou melhor, significados possíveis, exploran-
enredo ou segredo. O que um quebra-cabeça que do as fontes em seu significado
o move são as suspeitas produzirá algum sentido, mais profundo. Utilizando esse
e as pistas que vai encon- pois as peças desse que- método, não iremos apenas
trando no processo da bra-cabeça irão se articular descrever densamente o objeto,
pesquisa. É preciso ir além compondo e justapondo, mas aprofundar a análise do
do que é dito, do visto e cruzando-se em todas as mesmo, explorando todas as
do representado. O olhar combinações possíveis, de possibilidades interpretativas
volta-se para os detalhes e modo a revelar analogias que ele oferece, o que poderá ser
as nuances. Como médi- e relações de significado. dado por meio de um intenso cru-
co, o historiador busca os Ou então se combinam zamento com outros elementos
sintomas para compreen- por contraste, a expor observáveis no contexto ou fora
der os sentidos. Como oposição ou discrepâncias. dele. Assim, de acordo com esse
crítico de arte, o histo- Diante de tudo isso, algo método, pode-se dizer que a his-
riador perscruta além do será revelado, conexões tória seria uma ficção controlada.
primeiro plano que é visto serão desnudadas, expli-
e busca os detalhes para cações se oferecem para a
analisá-los em relação ao leitura do passado. É esse
conjunto. o método da grelha ou de
cruzamentos.
Fonte: Adaptado de PESAVENTO, Sandra Jathay. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 63-66.

Não basta descrevermos os métodos. É preciso aprofundar um pouco mais. Vale lembrar os
detalhes a que Ginzburg se refere. Vejamos:

É preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais vis-


tosas, portanto mais facilmente imitáveis (...) Pelo contrário, é necessário exa-
minar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas carac-
terísticas da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as unhas, as
formas dos dedos das mãos e dos pés. Dessa maneira, Morelli descobriu, e es-
crupulosa- mente catalogou, a forma de orelha própria de Botticelli, a de Cos-
me Tura e assim por diante: traços presentes nos originais, mas não nas cópias”
(GINZBURG, 1989, p. 144).

Assim, a proposta é que o Historiador haja tendo em vista a observação dos detalhes
aparentemente sem importância em detrimento do que é visível. O método do paradigma

39
UAB/Unimontes - 3º Período

indiciário chama a atenção exatamente sobre as regras mudas, aquelas que não são ditas nem
formalizadas, mas que atuam e influenciam normalmente a vida cotidiana.
Outro método que destacamos no quadro foi o de montagem. Walter Benjamin, citado por
Pesavento (2004), adverte-nos que, para dar algum significado à montagem feita através dos cru-
zamentos dos cacos da história, é preciso montar, combinar, compor, cruzar e revelar o detalhe.
Dessa maneira, a História usa o método em tela para dar relevância ao secundário, visando atin-
gir os sentidos partilhados pelos homens e mulheres que vivenciaram outro tempo (PESAVENTO,
2004, p. 64-5). O procedimento do historiador deve ser o de deslocar do texto ao extratexto, ou
seja: analisar profundamente a fonte (chamada de texto, mas podendo ser imagens, indícios, ca-
cos) e compreendê-la num contexto, exigindo do historiador erudição, bagagem de leitura e co-
nhecimento (extratexto é usado no sentido do que se relaciona com o texto, mas é externo a ele).
Por fim, destacamos também o método de descrição densa, cujo representante é o antro-
pólogo Clifford Geertz. Segundo a interpretação do método de descrição densa apresentado por
Pesavento (2004), a História pode ser uma ficção controlada, pois:
1º Indícios: o documento se converte em prova na argumentação do historiador e é a partir
de tais provas que se encaminha a demonstração explicativa da História;
2º Comprovação: a História se presta à testagem, à comprovação. O leitor pode fazer o ca-
minho do historiador ao confirmar “as coisas” num arquivo e a seguir as suas deduções;
3º Extratexto: esse recurso permite estabelecer analogias, contrastar, superpor e estabele-
cer nexos a partir da bagagem que o historiador possui para definir estratégias, realizar cruza-
mentos para compor a sua análise.
Frederik Barth, antropólogo, questiona o método de Geertz (2008) e deixa uma grande
contribuição para os historiadores pensarem o uso da “descrição densa” em seus trabalhos. Ini-
cialmente, ele nos adverte que temos que cuidar para não construirmos análises em colchas de
retalhos. Ou seja, análises parciais da sociedade sem dar conta de sua real complexidade, pois
para ele o objeto não pode ser fragmentado. Ainda, segundo Barth (2000), a análise de uma so-
ciedade devia contar com o uso da sociologia do conhecimento em seu sentido mais amplo, de
modo que evidencie as tradições e suas partes são construídas ao estudarmos os processos que
as geram. Por fim, ele adverte ainda que a cultura jamais deve ser pensada como homogênea,
mas sim no todo, pois alguns valores, crenças e modos de ver podem ser compartilhados por uns
e por outros não. Nesse sentido, o que não é compartilhado também é expressão de uma cultura
(BARTH, 2000).

2.3.2 História demográfica, método quantitativo e metodologia de


história oral

Além dos três métodos ditos até aqui, podemos destacar para a área de História Social pelo
menos três importantes estratégias de fazer história, a saber: a História Quantitativa, a História
Serial e a História Oral.

Quadro 6
Estratégias de fazer história
HISTÓRIA DEMOGRÁFICA MÉTODO QUANTITATIVO
A demografia histórica deu característica Surgiu na década de 1950. Essa tendência
inusitada à História de família. O método de de analisar as fontes históricas buscando
reconstituição de famílias a partir de regis- sua inserção, classificação e análise histórica
tros paroquiais (Louis Henry) e a análise de a partir de fontes eleitorais, fiscais, demo-
composição das unidades domésticas (Peter gráficas, cartoriais e judiciais (contratos de
Laslett) trouxeram as massas para a história, casamentos, testamentos e inventários) fez
pois trabalhavam com dados agregados, mas proliferar os estudos sobre estratificação
tenderam a retirar-lhes a face humana. socioprofissional, estratégias matrimoniais,
alianças sociais, mobilidade geográfica e
social.
Principais representantes: Louis Henry e Peter Principal Representante: Ernest Labrousse
Laslett.
Fonte: Adaptado de CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da
História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 45-60.

40
História - Teoria da História Social e Cultural

Você deve estar se perguntando como é feito um trabalho na área de História Demográfica.
Antes de destacarmos um exemplo para você, saiba que a originalidade da demografia reside no
fato de não ter estatísticas e as fontes utilizadas pelos historiadores não possuir objetivos pura-
mente demográficos. Ana Volpi Scott e Dario Scottno artigo Cruzamento Nominativo de Fontes
afirmam:

Na metodologia desenvolvida por Amorim que, como a de Henry, era feita


manualmente, partia do levantamento dos nascimentos/ batizados. Para cada
assento deste tipo era aberta uma ficha com os nomes respectivos da crian-
ça, dos pais. Com o levantamento subseqüente, todos os batizados atribuídos
àquele casal eram anotados na ficha respectiva. Diferentemente de Henry,
Amorim usava fichas brancas, não pautadas, e as informações eram coletadas
com canetas de cores diversas que indicariam de onde o dado era provenien-
te (azul – batizado/ verde-casamento/ vermelho-óbito). O ganho de tempo era
grande, uma vez que para cada ficha aberta era necessário acrescentar apenas
as informações sobre os nascimentos consecutivos atribuídos àquela família.
Ao final do levantamento dos batizados/nascimentos, a ficha de família estaria
completa, uma vez que teriam sido identificados todos os indivíduos. A seguir
passaria para o cruzamento com os assentos dos casamentos com a informa-
ção organizada a partir dos batismos, com todas as informações na cor verde.
Se, eventualmente, um casal é identificado nos atos de casamento, que não ha-
via aparecido nos batizados, abre-se uma nova ficha de família, com os dados
grafados com caneta verde.
A terceira fase é o cruzamento possível com os óbitos, dada a situação comum
dos registros de óbito no que se refere à deficiente identificação do defunto. A
passagem da reconstituição manual para a informatização da reconstituição
de paróquias não mudou a essência do método, nem quando ela se realizava
no ambiente DOS, nem hoje, quando ela se realiza através do Sistema de
Reconstituição de Paróquias (SPR), em ambiente visual (SCOTT, & SCOTT,
2006, p. 6).

Agora que você leu atentamente o modo pelo qual podemos reconstituir os dados a res-
peito das famílias que atuaram no passado, o historiador passa a compreender as suas inter-re-
lações, a sua atuação e o contexto em que viveram. Temas como a história da família, da criança
e da mulher, a análise das estruturas do parentesco, da sociabilidade, do patrimônio familiar, da
composição da força de trabalho com ênfase na mão de obra escrava e da imigração são domi-
nantes nos estudos de História demográfica no Brasil.
Entretanto, vale destacar que os métodos quantitativo e demográfico em História Social têm
encontrado algumas dificuldades. Tais dificuldades podem ser observadas ao identificar as infor-
mações quantificáveis de épocas passadas, podendo levar a análises pouco confiáveis. Todavia,
muitos estudos no Brasil têm sido relevantes e as questões que se colocam geralmente são:

As motivações culturais ou econômicas para o casamento tardio, o acesso a


métodos anticoncepcionais nas sociedades pré-industriais, as discussões em se
considerar o ciclo da vida familiar e as relações de parentesco no entendimento
dos significados das unidades domésticas, as relações entre família e sexuali-
dade e os diferentes enfoques teóricos e metodológicos que se desenvolveram
a partir dessas questões (CASTRO, 1997, p. 50).

Destacamos, ainda, que a metodologia da História Oral tem produzido grande avanço na
interpretação dos problemas levantados pela História Social e Cultural. A História Oral entendi-
da como metodologia não possui objeto de pesquisa, é interdisciplinar, é uma ferramenta para
conhecer a sociedade. Pode ser utilizada como método e como técnica de pesquisa qualitativa.
Como técnica, a História Oral é subjacente a outras metodologias que a utilizam como um recur-
so a mais. Já como método, que é o nosso interesse nesse estudo,

os oralistas centram sua atenção nos critérios de elaboração do projeto, de


recolha das entrevistas, no processo de passagem do oral para o escrito e nos
resultados afinados com o sentido das entrevistas. Para ser considerada méto-
do, a história oral como expressão das entrevistas precisa ser ressaltada como o
nervo da pesquisa e é sobre elas que os resultados são efetivados (MEIHY, 1998,
p. 20).

Quantas vezes você já não ouviu histórias e casos que teve vontade de escrever sobre eles?
Casos como aqueles que explicam a fundação de uma cidade ou as escolhas políticas num dado
lugar. Encontramos muitos memorialistas em diversas cidades do norte de Minas que registram

41
UAB/Unimontes - 3º Período

casos semelhantes. Todavia, os historiadores vêm desenvolvendo o método da história oral que
requer alguns procedimentos indispensáveis à sua utilização. Vejamos.
Você acredita que quem sai por aí entrevistando as pessoas está fazendo Historia oral? Caso
sua resposta seja positiva, você se enganou. O simples fato de entrevistar alguém não lhe dá o di-
reito de afirmar que faz História oral. Todavia, o entrevistador, o entrevistado e a aparelhagem de
gravação são fundamentais para realizar História oral. Também, ela possui tempos próprios, por
exemplo: o tempo de escrita do projeto, o tempo da gravação e da confecção do documento es-
crito (transcrição) e o tempo da análise e sistematização da interpretação dada pelo historiador.
Vejamos a definição dada pelo CPDOC:

A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar en-


trevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimen-
tos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história
contemporânea.
Começou a ser utilizada nos anos 1950, após a invenção do gravador, nos Es-
tados Unidos, na Europa e no México, e desde então se difundiu bastante. Ga-
nhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os
que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos,
pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros. (Disponível em http://
cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral. Acesso em 09 jul. 2009).

Figura 26: Gravação de ►


entrevista
Fonte: Disponível em
http://www.muhm.
org.br/userfiles/image/
fotos/noticias/jan08/
webDSC00027.JPG. Aces-
so em 09 jul. 2009.

Além disso, exige-se do historiador o posicionamento ético ao proceder a uma entrevista,


o respeito pelo o que o entrevistado/testemunho lhe diz e a garantia de sua opinião por meio
da carta de cessão de direitos. A História oral permite dar voz aos vencidos, a entender melhor
a posição dos vencedores e, além desses, reconhecer a posição dos silenciados. Nesse sentido, é
aconselhável estudar as tramas sociais de modo a tomá-la como mais abrangente.
No Brasil, o programa pioneiro de História oral é aquele desenvolvido pelo Centro de Pes-
quisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC), desde 1973. Corresponde às esco-
las de Ciências Sociais e História da Fundação Getúlio Vargas. O CPDOC tem como objetivo

abrigar conjuntos documentais relevantes para a história recente do país, de-


senvolver pesquisas históricas e promover cursos de graduação e pós-gradu-
ação. Os conjuntos documentais doados ao CPDOC, que podem ser conheci-
dos no Guia de Arquivos, constituem, atualmente, o mais importante acervo de
arquivos pessoais de homens públicos do país, integrado por aproximadamen-
te 200 fundos, totalizando cerca de 1,8 milhão de documentos. (CPDOC. His-
tórico. Disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/index.htm. Acesso
em 09 jul. 2009).

42
História - Teoria da História Social e Cultural

Você já leu uma entrevista? Você sabia que as entrevistas são tomadas como fontes para a
História? Esses documentos nos permitem entender a maneira pela qual os indivíduos vivencia-
ram e interpretaram as mais diversas situações e modos de vida de um grupo social. Para o CP- DICA
DOC, o entendimento é que “isso torna o estudo da história mais concreto e próximo, facilitando
a apreensão do passado pelas gerações futuras e a compreensão das experiências vividas por Vale destacar que
a História Oral vem
outros.” ganhando espaço em
diversas universida-
des que atualmente

2.4 Campos temáticas da história


possuem seus Núcleos
de História oral. Para
exemplificar, visite o
Núcleo da Universidade

social e cultural Federal Fluminense


denominado LABHOI
(Laboratório de His-
tória Oral e Imagem),
Campos da História Social criado em 1982. Nesse
espaço você encon-
Atualmente, as correntes historiográficas na área de história social e cultural compõem um trará diversos artigos,
quadro cada vem mais imbricado. A partir da crise dos paradigmas, questão tratada na primei- projetos desenvolvidos
ra unidade, nos últimos vinte anos, ou seja, desde os anos 1980, a História Social tem se aproxi- e trabalhos acadêmicos
mado da História Cultural. Isso levou a uma concepção de História vista por baixo, cunhada por desenvolvidos pelos
Thompson, abandonando definitivamente interpretações de heróis e grandes homens como su- estudantes e professo-
res dessa instituição.
jeitos da história. Acesse: http://www.
O povo, as massas, os que não possuem voz, as mulheres, os negros, os homossexuais, os historia.uff.br/labhoi/
trabalhadores de fábricas, as lavadeiras etc. Para melhor compreendermos esse enfoque da His- node/29.
tória Social, Thompson, citado por Jim Sharpe, ao estudar a classe trabalhadora inglesa, afirmava
que desejava estudar “o pobre descalço, o agricultor ultrapassado, o tecelão do tear manual ob-
soleto” que teve as suas atividades e habilidades tornadas moribundas no mundo hoje, mas que
vivenciaram “momentos de extrema perturbação social e nós não” (SHARPE, 1992, p. 42).
Além do estudo de Thompson, a obra de Karl Marx, cujo objeto principal foi a análise da so-
ciedade capitalista industrial, colocou em questão a experiência e a cultura no centro das análi-
ses sobre a ação social. Essa postura levou a repensar o universo das fontes a serem utilizadas na
História Social. Ora, se mudamos o nosso objeto, também as fontes para responder às perguntas/
problemas sobre esse objeto também devem mudar. Os mitos, os rituais (a partir da aproximação
com a antropologia) passaram a ser objetos da história social. Também a metodologia da História
Oral tem ganhado força, e muitos debates a esse respeito têm se estabelecido em todas as uni-
versidades brasileiras. Também, a perspectiva de estudo da História através da micro-história é
uma proposição que tem permitido enxergar a história “a partir de um ponto de partida para um ATIVIDADE
movimento mais amplo em direção à generalização” (CASTRO, 1997, p. 53). Entre no site http://alb.
Feitas essas considerações, podemos falar de pelo menos três grandes correntes temáticas alberto.googlepages.
da História Social, notadamente no Brasil. Vejamos: com/historiaoral-t%-
• No Brasil, desde os anos 1930, já identificamos os trabalhos de Gilberto Freyre (Casa Grande C3%A9cnicasereco-
menda%C3%A7%-
& Senzala, 1934), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936) e Caio Prado Júnior C3%B5es
(Formação do Brasil Contemporâneo, 1942). Você encontrará a
• Os anos 1950 e 1960, sob influência dos Annales, fez surgir no Brasil estudos como os de Ca- descrição dos pas-
nabrava (O desenvolvimento da cultura do algodão na província de São Paulo, 1955), Emília sos da entrevista em
Viotti da Costa (Escravidão nas áreas cafeeiras, 1962), Maria Yeda Linhares (As listas Eleitorais História Oral. Com base
nisso, escolha um tema
no Rio de Janeiro do século XIX, 1974), Maria Luiza Marcílio (A vila de São Paulo – 1750 a regional e proceda
1850, 1968). à entrevista em sua
• Na década de 1960, a Escola Sociológica da USP, em torno de Florestan Fernandes teve de- cidade. Discuta com
senvolvimento de trabalhos de História Social na Sociologia. Ocuparam-se estudos sobre o os colegas, tutores e
negro e a escravidão, como também sobre o movimento operário. Destacamos o estudo de professor formador
como foi o processo de
Florestan Fernandes (A integração do negro na sociedade de classes, 1965) e José Albertino realizar História Oral.
Rodrigues (Sindicato e desenvolvimento no Brasil, 1968).
Os anos 1970 e 1980 fortaleceram a produção brasileira e o historiador foi ganhando mais
campo, mantendo um diálogo com os sociólogos. A História Social pode, na visão de Hebe Cas-
tro, ser dividida em três grandes correntes temáticas, a saber:

43
UAB/Unimontes - 3º Período

2.4.1 História social da família

Essa corrente da História Social sofreu influência da


Figura 27: Livro “Na ► demografia histórica, da exploração de temas históricos
Senzala uma flor” pelos sociólogos e da aproximação da Antropologia.
Fonte: Disponível em Com o passar do tempo, os estudos em História Social
http://www.comciencia. priorizaram não mais a questão da demografia e as sé-
br/resenhas/negros/img/
senzala.jpg. Acesso em 14 ries de dados analisáveis, mas sim os arranjos familiares
jan.2010. e as estratégias adotadas pelos grupos sociais. Desta
forma, essa corrente da História pode ser tematizada
em: História da Mulher, História da Sexualidade, História
da Vida Privada, entre outros.
Destacaremos exemplos de história das mulheres
e da família escrava para que você possa entender me-
lhor os resultados dos estudos dos historiadores que se
debruçam sobre algumas temáticas da História Social.
O Professor João José Reis afirma que “Na Senzala
uma flor”, de Robert Slenes, é um livro que no título traz
a ideia principal ao referir-se à imagem usada por um
viajante estrangeiro no Brasil, Charles Ribeyrolles, “para
quem não haveria “uma flor” na senzala – não haveria
Figura 28: Livro “História ►
amor, família, “nem esperanças nem recordações” entre
das Mulheres no Brasil” escravos brasileiros.” Slenes encontrou esta flor em seu
Fonte: Disponível em estudo sobre a família escrava ao combater a visão vi-
http://www.editoracon- gente até bem pouco tempo de que os escravos são se-
texto.com.br/produtos/ xualmente promíscuos, não tendo um mínimo de vida
historia-mulheres_gde.jpg
Acesso em 14 jan. 2010. familiar normal.
O livro História das Mulheres no Brasil, organiza-
do por Mary Del Priore, contém diversos artigos sobre
as conquistas femininas ao longo da História Brasilei-
ATIVIDADE ra. Nesse estudo, você verá que mitos caíram no chão,
Entre no site: http:// como o fato de acreditarem na mulher subjugada ao
www.unb.br/ih/his/ homem, na visão da mulher segregada unicamente ao
gefem/labrys12/livre/ espaço familiar, entre outros. No fundo, o que podemos
claudia.htm destacar é a questão feminina como objeto de estudo
Você encontrará um
pela História.
artigo da Historiadora
Drª Cláudia Maia, pro-
fessora da Unimontes,
intitulado: Viver para 2.4.2 História social do trabalho
si? O celibato feminino
como ato político.
Discuta com os colegas, A experiência de vida urbana no Brasil gerou mui-
tutores e professor for-
mador a que conclusão tos trabalhos que geralmente não são inseridos na cor-
a professora chegou- rente temática que denominamos História Social do
nesse estudo. Trabalho. As tensões vivenciadas pelo processo de mo-
dernização de nossa sociedade serão abordadas tendo
como eixo comum os estudos sobre o movimento ope-
rário e a concepção de marginalidade social. A partir
Figura: 29: Livro “A ► desse substrato, podemos reunir aqui trabalhos sobre
cidade Febril” as identidades sociais, o controle social, a cidadania e
Fonte: Disponível em subcidadania, as questões no entorno da urbanização e
http://publifolha.folha.
com.br/catalogo/images/
da vida cotidiana.
cover-146604-600.jpg Sidney Chalhoub desenvolveu um estudo sobre o
Acesso em 09 jul.2009. Rio de Janeiro e a demolição de seus cortiços e as polê-
micas em torno das doenças transmitidas nessa época,
como a febre amarela e as resistências em torno da va-
cina contra a varíola.
Podemos ainda identificar estudos que seguiram
de uma temática colocada nos anos 60, em que pode-

44
História - Teoria da História Social e Cultural

mos citar os estudos dos movimentos sindicais e a relação com Estado, o controle nas fábricas
e fora dele. Por exemplo, vejamos o estudo de Maria Auxiliadora Guzzo Decca, A vida fora das
fábricas: cotidiano operário em São Paulo de 1920 a 1934.
Nesse estudo, a autora estuda o redimensionamento e a racionalização das condições do
trabalho urbano, os agentes sociais que buscaram definir um padrão de vida para os operários,
objetivando reordenar o projeto de dominação burguesa na cidade de São Paulo. Entretanto,
ressalta a autora que apesar das investidas da burgue-
sia, o operariado construirá um modo próprio de se re-
lacionar com essa sociedade e seus reveses. ◄ Figura 30: Livro “A vida
fora das fábricas”
Fonte: Disponível em
2.4.3 História social do Brasil colonial e http://sindicalismo.
pessoal.bridge.com.br/
da escravidão DECA,%20Maria%20
A%20G.htm. Acesso em 09
jul. 2009.

Tendo em vista questões sobre a Afro-América, a


redução da escala, o referencial comum que busca na
experiência e na cultura, os historiadores brasileiros têm
desenvolvido consistentemente uma história do Brasil
Colonial e da Escravidão. Essa consistência pode ser ob-
servada nos trabalhos sobre essa temática, que partem
da História das Mentalidades (Braudel e Le Goff ) ou da
História Social Inglesa (Thompson).
Destacaremos para você no Box 3 alguns livros
com breve comentário para que você possa se informar
e, futuramente, adquirir para a leitura:

BOX 3
Comentário de livros

O Diabo e a Terra de Santa Cruz, de Laura de Mello e Souza (Ed. Cia das Letras). Aproxi-
ma-se e ao mesmo tempo distancia-se do livro de Sérgio Buarque de Holanda, “Visão do Paraí-
so”. Fundamental para o conhecimento da religiosidade popular e das chamadas práticas de Dica
feitiçaria no Brasil colonial. É um belo ensaio de
Visões da Liberdade, de Sidney Chalhoub (Ed. Companhia das Letras). É a corte da História Social e para
saber um pouco mais,
perspectiva do escravo. Mostra como ele construiu a derrocada da escravidão no dia a dia, acesse uma resenha fei-
avançando suas próprias visões de liberdade, finamente elucidadas pelo historiador. Análise ta por Magali Gouveia
de classe com classe. Engel disponível em
Homens Livres na Ordem Escravocrata, de Maria Sylvia de Carvalho Franco (Ed. Unesp). http://www.historia.
Monografia clássica, concentrada na região do Vale do Paraíba (SP), explorando temas impor- uff.br/tempo/resenhas/
res2-2.pd.
tantes como a violência no meio rural e as relações de compadrio.
Em Costas Negras, de Manolo Florentino (Ed. Companhia das Letras). Lança uma nova
interpretação da sociedade colonial, enfatizando a acumulação gerada pelo tráfico de escra-
vos, a partir do Rio de Janeiro, e a formação de um poderoso setor social repre- sentado pelos
traficantes.
Rebelião Escrava no Brasil, de João José Reis (Ed. Companhia das Letras). Monografia
por um especialista na história social dos escravos, versando sobre o levante dos malês, movi-
mento de escravos islâmicos, que ocorreu em Salvador, em 1835.
Rebelião Escrava no Brasil (1986), de João José Reis (Companhia das Letras). Notável
espelho de quão complexas eram as relações entre os escravos, no cativeiro e em meio às ten-
tativas de superá-lo. Importante resgate da força que o Islã negro teve entre nós.
Bahia, Século 19, de Kátia M. de Queirós Mattoso (Ed. Nova Fronteira). É o Império visto
da periferia, nesta radiografia bem documentada da província baiana. Geografia, demografia,
economia, família, escravidão, riqueza, pobreza, governo, religião - esforço exemplar em dire-
ção à inalcançável história totalizante.

Fonte: Disponível em http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/livros/guia.htm. Acesso em 09 jul.2009.

45
UAB/Unimontes - 3º Período

2.4.4 Campos da história cultural

Para falarmos de campos temáticos em História Cultural, vamos estabelecer aqui alguns
caminhos, pois sabemos que esse campo é muito vasto. Sendo assim, Ronaldo Vainfas (1997)
esclarece inicialmente três pensadores que determinaram caminhos na História Cultural. Veja-
mos:Prática de História Cultural, segundo o italiano Carlo Ginzburg. Influencia em seu conceito
de circularidade cultural presentes em seus estudos teóricos ou sobre religiosidade, feitiçaria e
heresia na Europa.
• Prática de História Cultural, segundo o francês Roger Chartier. Trabalha os conceitos de re-
presentação e apropriação expostos em seus estudos sobre leitura e leitores na França.
• Prática de História Cultural, segundo o inglês E. P. Thompson. Trata de movimentos sociais
na Inglaterra e o cotidiano das classes populares do século XVIII.
Os conceitos trabalhados por esses autores já foram falados nesta unidade II, como você já
notou. Apenas reafirmamos esses caminhos aqui para você ir relacionando a prática da História
Cultural e da Social e ir percebendo suas aproximações.
As correntes da História Cultural nos levam a compreender seus campos temáticos. A His-
tória Cultural, herdeira da Nova História, só teve influência no Brasil a partir dos anos 1980, pro-
movendo uma releitura de textos como os de Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala, 1933) e
Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936; Visão do Paraíso, 1956). Não pense que a ra-
zão para esse atraso aqui no Brasil se deve ao fato de sermos de 3º mundo. Ora, você se lembra
que vivíamos sob a égide do governo militar e que a universidade foi um reduto de resistência a
esse regime? As leituras que se fazia em sua maioria eram leituras marxistas, que serviram bem à
crítica àquele regime. Somente após os anos 1980 é que diversas traduções da Nova História fo-
ram feitas e os cursos de pós-graduação no Brasil, à exceção da USP, ganhavam corpo, tendo uma
produção que ainda caminhava rumo ao que temos hoje. A trilogia “novas abordagens, novos
objetos e novos problemas” só foi traduzida no Brasil em 1976.
Antes de falarmos das nossas experiências em História Cultural, vamos retomar a uma classi-
ficação feita pela historiadora Sandra Jatahy Pesavento, que esclarecerá as correntes e os campos
da História Cultural. Vejamos as correntes da História Cultural:

• Corrente que compreende a História como uma narrativa que constrói


uma representação sobre o passado.
• Corrente que compreende a História a partir da micro-história que explora
intensivamente o detalhe e valoriza o empírico.
• Corrente que compreende a História a partir do retorno da História Políti-
ca endossando pressupostos da História Cultural para reler o político, tais
como representação, imaginário e produção e recepção do discurso (PE-
SAVENTO, 2004, p. 69-98).

Essas correntes se expressam em campos temáticos, que por sua vez são o mote desse item
de estudo. Sendo assim, podemos falar dos seguintes temas em História Cultural:
Tema História e Cidades: aqui a cidade é pensada como objeto de reflexão, e não apenas
como um lugar ou palco onde as coisas ocorrem. As representações que ocorrem sobre e na ci-
dade são objetos dos quais se ocupa o estudo dos historiadores culturais, assim como o imaginá-
rio urbano.
Tema da História e Literatura: a história ao se aproximar da literatura abre o debate sobre
a noção de verdade e ficção, pois afirma atuar com o verossímil, com as representações; entre-
tanto, acredita-se que a História pode até ser ficção, mas é controlada pelo método e pelas fon-
tes. Fora esse debate, o historiador utiliza a literatura como uma fonte, como um traço do passa-
do que chega ao historiador através das representações que chegam até ele pelas construções
literárias, sintonia fina com os medos, os desejos, os valores que guiaram o homem e a mulher
através da construção literária. O tempo da escrita literária é que conta para o historiador, ou
seja, o autor e sua época.
Tema História e Imagens: as imagens são múltiplas (pintura, desenho, fotografia, escultura,
croqui etc.) e constituem ricos cacos, traços, vestígios que aproximam o historiador de uma dada
época; ou melhor, as imagens se referem a um real, mas não é esse real, pois que não é mimeses.
A imagem possui códigos ou símbolos ou ícones de um tempo que remetem ao significado de
uma época. A imagem e a literatura são registros de uma época, mas também o que importa
para o historiador não é a temporalidade de seu conteúdo, mas o testemunho de época.

46
História - Teoria da História Social e Cultural

Tema História e Identidades: a identidade é uma construção simbólica de sentido que tra-
balha com a concepção de pertencimento. A identidade tem a ver com coesão social e permite
a identificação da parte com o todo, “o que é importante considerar não é a constatação da dife-
rença (...) maneira pela qual se constrói pelo imaginário a diferença” (PESAVENTO, 2004, p.90). As
identidades são múltiplas e “são ficções criativas que situam o indivíduo no espaço, no tempo, no
social, mesmo no mundo” (PESAVENTO, 2004, p.91).
Tema História do Tempo Presente: nessa perspectiva, o historiador é contemporâneo aos
acontecimentos os quais toma como objeto para dirigir seus questionamentos. A história ainda
está em curso e o historiador já se dispõe a estudá-la utilizando as ferramentas da História Cultu-
ral. Há que se falar da posição de alguns historiadores que pensam que a história não deve se ocu-
par do tempo presente, pois ele precisa se distanciar temporalmente de seu objeto para dele falar.
Tema História e Memória: a capacidade humana da rememoração com- porta mediações.
O indivíduo que rememora um dado ocorrido há algum tempo não é mais aquele que viveu esse
dado momento, pois ao rememorar, ele amadureceu, modificou, reelaborou, refletiu, revisou
esse dado para então pronunciar a respeito dele. A memória individual se mescla com uma me-
mória social. Tão importante quanto a lembrança é o esquecimento, pois revela medos, desejos,
escolhas feitas individualmente ou por grupos sociais. A memória não é História, mas é algo que
pode ser estudado pelo historiador e por meio das representações, imaginários e outros, pode-
mos aproximar do real com o compromisso da busca da verdade.

Referências
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra
Capa, 2000.

CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da Hitica, Coleções História &
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2002.

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323p.

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

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MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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camp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_480.pdf Acessado em 09 jul. 2009.
47
UAB/Unimontes - 3º Período

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VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1997, p.127-62.

48
História - Teoria da História Social e Cultural

Resumo
Chegamos ao final de nossa viagem pelo mundo de Clio. O nosso desejo é que você tenha
clareza sobre as duas grandes unidades da disciplina Teoria da História Social e Cultural e que
tenha se apropriado dos conceitos, dos métodos e das novas abordagens nessa área da História.
Destacamos para você que o mundo de Clio hoje é, em grande parte, História Social e Cul-
tural.
Durante a primeira unidade, cujo título é “Os Annales e a definição do Campo da História
Social e Cultural” e a segunda unidade “O olhar da História Cultural e Social: conceitos, métodos e
campos temáticos” procuramos apresentar-lhe os fundamentos da História Social e Cultural.
É importante frisar certamente os debates, a visita aos sites e os filmes que se apresentaram
desafiadores para você. Como dissemos no início desse material, voltamos a afirmar: não são
as respostas que movem o mundo, são as perguntas! As indagações geram novos e novos
problemas, requerem novos objetos e abordagens, ressignificando a nossa maneira de lidar e ler
o mundo.
Vale destacar aqui alguns apontamentos a guisa de conclusão que, a nosso ver, se fazem
necessários:
A História hoje tem predileção pelas manifestações das massas anônimas sem, no entanto,
rechaçar os segmentos letrados;
É fundamental discutir a forma como os critérios culturais têm influência sobre os processos
sociais;
O estreitamento dos laços entre as disciplinas História, Antropologia e Teoria Literária e Lin-
guística provocou alterações em todas essas áreas do saber, advindas de tal ação interdisciplinar;
A História hoje busca na Antropologia conceitos e método. Destacamos o conceito de cul-
tura baseado na contribuição do antropólogo Clifford Geertz sem, no entanto, se limitar à sua
definição. Oferece a ela a visão para o particular, articulado ao contexto e a exclusão da homoge-
neidade nas análises dos estudiosos de ambos os campos do saber.
Observa-se a criação de novas categorias de análise, bem como a revisão de algumas delas.
Alguns exemplos podem esclarecer melhor: a categoria Cultura Política surge no bojo do retorno
da História Política; a categoria Cultura Visual surge da aproximação da História das Imagens e
da História da Arte. Já conceitos como classe, modo de produção e superestrutura/base devem
ser revistos segundo indicação de Thompson para dar conta da complexidade da sociedade, da
não hierarquização de diferentes dimensões do social e da compreensão de que a História é uma
disciplina do contexto.
Observamos, ainda, duas tendências atuais da História Cultural. A primeira é que a ela é rei-
vindicada novos objetos, novos problemas e novas abordagens surgidas no campo da História
Social e das Mentalidades. A segunda tendência é que há a necessidade de superar os limites
da História das Mentalidades para inserir no contexto mais abrangente da História Cultural as
práticas e representações, sem perder de vista o cultural e o social, e ambos articulados com a
linguagem.
Enfim, é importante frisar que os debates, a visita aos sites e os filmes se apresentaram de-
safiadores para você. Como dissemos no início desse material, voltamos a afirmar: não são as res-
postas que movem o mundo, são as perguntas! As indagações geram novos e novos problemas,
requerem novos objetos e abordagens, ressignificando a nossa maneira de lidar e ler o mundo.

Profª Dayse Lúcide Silva Santos

49
História - Teoria da História Social e Cultural

Referências
Básicas

BURKE, Peter (org). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, 355p.

CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da Hitica, 2004, 132 p (Coleções
História & Reflexões, 5).

Complementares

BARROS, José D’ Assunção. A História Cultural Francesa: caminhos de interpretação. Fenix: Re-
vista de História e Estudos Culturais, v. 2, ano II, nº 4, Out/Nov/dez/2005. Disponível em: www.
revistafenix.pro.br

BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria, 2000.

BOTO, Carlota. Nova História e seus velhos dilemas. Revista USP. Dossiê Nova História, nº 23,
set-Nov/1994. Acesso em 05/06/2009.

BOURDÉ, Guy & MARTIN, Hervé. As Escolas Históricas. Portugal: Publicações Europa-América\
Fórum da História, 2003, 220p.

BURKE, Peter (org). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, 355p.

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GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Contexto, 2000, 120p.

LARA, Silvia Hunold. História Cultural e História Social. Revista Diálogos, vol. 1, nº 1, 1997.
http://www.dialogos.uem.br/viewissue.php Acesso em 05 jun, 2009.

LE GOFF, Jacques; LADURIE, Le Roy; DUBY, Georges at alli. A Nova História. Rio de Janeiro, Lugar
da História/Edições 70, 1991, 89p.

LIBBY, Douglas Cole & PAIVA, Eduardo França. A escravidão no Brasil: relações sociais, acordos e
conflitos. São Paulo: Moderna, 2000, 80p. (Coleção Polêmica).

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

PAIVA, Eduardo. História e Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p.118.

PRIORE, Mary Del. História do cotidiano e da vida privada. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAIN-
FAS, Ronaldo (orgs). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: El-
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51
UAB/Unimontes - 3º Período

REIS, José Carlos. A Escola dos Annales: a inovação em História. São Paulo: Paz e Terra, 2000,
200p.

SANTOS, Donizete Aparecido dos. Representações da Mãe-África na literatura angolana. In:


Revista Trama, vol 3, nº 6, 2º Semestre de 2007, p. 24-42.

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algumas reflexões para a utilização dos registros paroquiais. In: XV Encontro Nacional de Estudos
de População Caxambu /MG, setembro/2006. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br
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THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. São Paulo: Unicamp, 2001.

THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:
Cia das Letras, 1998.

VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion &
VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1997, p.127-62.

Suplementares

BACELLAR, Carlos de Almeida Prado, SCOTT, Ana Silvia Volpi e BASSANEZI, Maria Silvia Casagran-
de Beozzo. Quarenta anos de demografia histórica. In: Revista Brasileira de Estudos Popula-
cionais, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 339*350, jan/dez 2005.

CARDOSO, Ciro Flamarion & BRIGNOLI, Héctor Perez. Os métodos da História. Rio de Janeiro:
Graal, 1983.

DEL PRIORE, Mary. A família colonial no Brasil. São Paulo: Moderna, 1999, 54 p. (Coleção Desa-
fios).

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val diChiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito,
política luto e senso comum. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Moraes (coord). Histó-
ria Oral. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

RAMOS, Célia Maraia Antonacci. Grafite, Pichação & Cia. São Paulo: Anna Blume, 1994. (Selo Uni-
versidade. arte, 20)

SOIHET, Rachel. História das mulheres. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs).
Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 275-296.

Vídeos sugeridos para debate

Filme: Deus e Brasileiro


Ano de produção: Brasil, 2002.
Duração: 110 min.
Gênero: Comédia
Direção de Carlos Diegues
Baseado em conto de
João Ubaldo Ribeiro
Elenco: Antônio Fagundes, Paloma Duarte, Wagner Moura, Stepan Nercessian, Hugo Carva-
na, Bruce Gomlevsky, Susana Werner, Castrinho.

52
História - Teoria da História Social e Cultural

Ideia central: Cansado dos erros cometidos pela humanidade,


Deus resolve tirar férias. Para tanto, ele precisa encontrar um subs-
◄ Figura 31: Deus é
tituto, decidindo vir escolher um em pleno Brasil.
Brasileiro
Segundo o professor João Luís Almeida Machado, o filme Fonte: Disponível em
pode ser descrito da seguinte maneira: http://www.adorocine-
“Depois de tanto tempo de trabalho ininterrupto (séculos e ma.com/filmes/deus-e
-brasileiro/deus-e-brasi-
séculos, desde o surgimento do mundo), sem poder usufruir nem leiro01.jpg. Acesso em 09
ao menos de alguns dias de descanso, até mesmo Deus (Antônio jul. 2009.
Fagundes) ficou cansado. Resolveu então tirar alguns dias e rela-
xar em alguma constelação de belas paisagens, criadas por ele
mesmo. Há, entretanto, um pequeno problema... Deus não pode
sair de férias sem que um substituto assuma suas atribuições du-
rante sua ausência. Poderíamos imaginar que talvez São Pedro,
São João ou ainda São Paulo pudessem, durante esse breve perío-
do de folga, substituir Deus. Isso, no entanto, não é possível em
virtude de todas as ocupações e responsabilidades já assumidas por esses santos.
Para solucionar seu problema, Deus resolve nomear um novo santo. Já tem inclusive um
escolhido para ocupar essa vaga e, interinamente, responder em seu nome, durante suas me-
recidas férias. Essa pessoa vive no Brasil e, por isso, Deus resolve vir pessoalmente procurá-la e
incumbi-la de suas novas atribuições.

◄ Figura 32: Deus e


Brasileiro
Fonte: Disponível em
http://www.adorocinema.
com/filmes/deus-e-brasi-
leiro/deus-e-brasileiro01.
jpg. Acesso em 09 jul.
2009.

Ao chegar ao Brasil, Deus encontra Taoca (Wagner Moura) e Madá (Paloma Duarte), que pas-
sam a acompanhá-lo em suas andanças atrás do tal candidato a santo brasileiro. Taoca desde o
princípio descobre estar diante do todo-poderoso e procura, a todo instante, alcançar sua graça
para obter benefícios pessoais (o personagem encarna o típico brasileiro esperto, capaz de resol-
ver as situações com o tal “jeitinho brasileiro”). Madá sente uma irresistível atração pelo “profes-
sor” (modo pelo qual passam a chamar Deus), não sabendo explicar exatamente porque isso está
acontecendo (já que desconhece sua origem divina), já que esse estranho ‘homem’ é muito mais
velho do que ela.
Esse desconcertante e um tanto quanto estranho trio cruza o Brasil e passa por diferentes
regiões e localidades, desvendando as belezas marcantes das diferentes paisagens e as dificul-
dades do povo brasileiro. Apresenta-nos um país de contrastes e de uma notável fé; e ainda mais
importante, nos leva a refletir a respeito de nossas origens e identidade...
Ao assistir o filme, reflita sobre os conceitos que trabalhamos na unidade II e discuta com os
tutores, colegas e professor formador quais deles podem ser exemplificados nesse filme.

Boa sessão cinema!

53
UAB/Unimontes - 3º Período

Filme: Ensaio sobre a cegueira


Figura 33: Ensaio sobre ► Título Original: Blindness
a cegueira Gênero: Drama
Fonte: Disponível em Tempo de Duração: 120 minutos
www.ensaiosobreaceguei- Ano de Lançamento (Brasil / Canadá / Japão): 2008
rafilme.com.br. Acesso em
09 jul. 2009.
Site Oficial: www.ensaiosobreacegueirafilme.com.br
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga,
Danny Glover, Sandra Oh e Gael García Bernal no elenco.
Ideia Central: uma epidemia de cegueira atinge uma
cidade, fazendo com que as pessoas exponham cada vez
mais seus instintos primitivos.
Sinopse: uma inédita e inexplicável epidemia de ce-
gueira atinge uma cidade. Chamada de “cegueira branca”,
já que as pessoas atingidas apenas passam a ver uma su-
perfície leitosa, a doença surge inicialmente em um ho-
mem no trânsito e, pouco a pouco, se espalha pelo país.
À medida que os afetados são colocados em quarentena e os serviços oferecidos pelo Estado co-
meçam a falhar, as pessoas passam a lutar por suas necessidades básicas, expondo seus instintos
primários. Nesta situação a única pessoa que ainda
consegue enxergar é a mulher de um médico (Julianne Moore), que juntamente com um
grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida.
Ao assistir o filme, reflita sobre as visões a respeito da história que podemos ter atualmente,
discutindo com os tutores, colegas e professor formador as opiniões de vocês à luz do que foi
estudado na unidade 1.

Filme: Matrix
Título Original: The Matrix
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 136 minutos
Figura 34: Matrix ►
Ano de Lançamento (EUA): 1999
Fonte: Disponível em Fon-
te: http://www.adoroci- Site Oficial: www.whatisthematrix.com
nema.com/filmes/matrix/ Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski
matrix05.jpg Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne e Carrie-An-
Acesso em 09 jul. 2009.
ne Moss.
Ideia central: o mundo modificou e nada é o que pa-
rece ser. A matrix é a invenção da inteligência artificial que
passou a dominar o ser humano. Somente o escolhido tem
condição de “acordar” as pessoas desse “aparente pesadelo”.
A relação do homem com a natureza, a criação da in-
teligência artificial, traição, controle, dominação, liberdade,
mundo digital, entre tantos outros, são aspectos observá-
veis no filme Matrix. O mundo vivido é caótico. Entretanto,
a Matrix cria outro mundo irreal, mas que corresponde ao
desejo dos homens e mulheres tais como os desejos que
apresentamos no século XX.
Figura 35: Cenas Matrix ► A sinopse de Matrix afirma que: em um futuro próxi-
Fonte: Disponível em Fon-
te: http://www.adoroci-
mo, Thomas Anderson (Keanu Reeves) é um jovem progra-
nema.com/filmes/matrix/ mador de computador que mora em um cubículo escuro,
matrix05.jpg é atormentado por estranhos pesadelos nos quais se en-
Acesso em 09 jul. 2009.
contra conectado por cabos e contra sua vontade, em um
imenso sistema de computadores do futuro. Em todas es-
sas ocasiões, acorda gritando no exato momento em que
os eletrodos estão para penetrar em seu cérebro.
À medida que o sonho se repete, Anderson começa a
ter dúvidas sobre a realidade. Por meio do encontro com os
misteriosos Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Car-
rie-Anne Moss), Thomas descobre que é, assim como outras
pessoas, vítima do Matrix, um sistema inteligente e artificial
que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de um

54
História - Teoria da História Social e Cultural

mundo real enquanto usa os cérebros e corpos dos indivíduos para produzir energia. Morpheus,
entretanto, está convencido de que Thomas é Neo, o aguardado messias capaz de enfrentar o
Matrix e conduzir as pessoas de volta à realidade e à liberdade.
Ao assistirem ao filme A Matrix você será transportado a outro mundo cinematográfico. Dis-
cuta com seus colegas, tutores e professor formador: como os indivíduos da sociedade atual se
veem através do filme Matrix? Ou melhor, como expressamos no cinema as nossas inquietações
com o mundo no qual vivemos? Discuta sobre a produção cinematográfica e a produção histo-
riográfica a partir da leitura de mundo proporcionada pela História Cultural e Social.

Boa sessão cinema!

Filme: O enigma da pirâmide


Título Original: Young Sherlock Holmes
Gênero: Aventura
Tempo de Duração: 109 minutos ◄ Figura 36: O enigma da
Ano de Lançamento (EUA): 1985 pirâmide
Estúdio: Paramount Pictures / Amblin Entertainment Fonte: Disponível em
http://www.adorocinema.
/ Industrial Light & Magic com/filmes/enigma-da-pi-
Direção: Barry Levinson ramide/enigma-da-pira-
Roteiro: Chris Columbus mide-poster01.jpg. Acesso
em 09 jul. 2009.
Produção: Mark Johnson
Música: Bruce Broughton
Ideia central: Ainda na escola, o jovem Sherlock Hol-
mes conhece seu inseparável amigo, Watson, com quem
junta forças para desvendar o primeiro caso de sua car-
reira. Dirigido por Barry Levinson (Bom dia, Vietnã). Rece-
beu uma indicação ao Oscar.
Sinopse: Em 1870, na Londres vitoriana, pessoas são
acometidas de alucinações em virtude de serem atin-
gidas por um dardo, com as visões as levando à morte.
É dentro deste contexto que Sherlock Holmes (Nicholas
Rowe) e John Watson (Alan Cox) se conhecem, quando
ainda são adolescentes e estudam em uma escola públi-
ca inglesa, sendo que nesta mesma época Holmes solu-
ciona seu primeiro caso.
Ao assistir a esse filme esteja atento ao método de
busca, de investigação, da postura de detetive que se ob-
serva em Holmes. Assim, o historiador também precisará agir para desvendar a trama histórica.

Nessa mesma linha investigativa, sugerimos ainda o filme de Jô Soares.

Filme: O Xango de Baker Street


Filme: O Xango de Baker Street
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 118 minutos ◄ Figura 37: O Xango de
Ano de Lançamento (Brasil): 2001 Baker Street
Direção: Miguel Faria Jr. Fonte: Disponível em
http://www.adorocinema.
Roteiro: Patrícia Mello e Miguel Faria Jr., baseado em com/filmes/xango-de-ba-
livro de Jô Soares ker-street/xango-de-ba-
Ideia central: O diretor Miguel Faria Jr. traz às telas a ker-street-poster01.jpg.
Acesso em 09 jul. 2009.
saga de Sherlock Holmes e seu inseparável companheiro
Watson em pleno Rio de Janeiro da época do 2º Reinado.
Com Joaquim de Almeida, Maria de Medeiros, Marco Nani-
ni, Cláudia Abreu e Anthony O’Donnell.

55
UAB/Unimontes - 3º Período

Figura 38: Cenas do ►


filme, O Xango de Baker
Street
Fonte: Disponível em
http://www.adorocinema.
com/filmes/xango-de-ba-
ker-street/xango-de-baker
-street01.jpg. Acesso em
09 jul.2009.

Sinopse: Rio de Janeiro, 1886. A diva francesa Sarah Bernhardt (Maria de Medeiros) pela pri-
meira vez se apresenta no Brasil, deixando a elite do país ainda mais interessada na cultura fran-
cesa. O público se curva perante o talento de Sarah, incluindo o imperador D. Pedro II (Cláudio
Marzo), que lhe conta um segredo: um valioso violino Stradivarius, um presente seu à baronesa
Maria Luíza (Cláudia Abreu), desaparecera misteriosamente. Sarah então sugere que o imperador
convite o famoso detetive Sherlock Holmes (Joaquim de Almeida) para investigar o caso, suges-
tão esta prontamente seguida. Enquanto isso, um assassinato choca a cidade e deixa em pânico
o delegado Mello Pimenta (Marco Nanini). Uma prostituta fora assassinada e teve suas orelhas
decepadas e uma corda de violino estrategicamente colocada em seu corpo pelo assassino. En-
quanto o delegado busca pistas para capturar o perigoso assassino, que passa a cometer crimes
seguidamente, Holmes e seu fiel parceiro Watson (Anthony O’Donnell) desembarcam no Rio de
Janeiro sem imaginar os perigos que os esperam: feijoadas, vatapás, pais de santo e o poder de
sedução das mulatas locais.

Boa sessão cinema!

56
História - Teoria da História Social e Cultural

Atividades de
Aprendizagem - AA
1) Dissemos sobre um tipo de produção de História no século XIX que se diferencia da produzida
a partir de 1929, na França. A primeira, denominada “escola metódica ou positivista”, a segunda,
denominada “Escola dos Annales”.

Agora, construa um quadro explicativo, demonstrando a diferença entre essas duas “escolas”.

2) Analise atentamente a figura 39 de Rugendas, “Negros no porão de um navio”. Aplique o con-


ceito de representação para explicar a mensagem contida nessa figura.

◄ Figura 39: Rugendas,


“Negros no porão de
um navio
Fonte: Disponível em
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Rugendas_
-_N%C3%A8gres_a_fond_
de_cale.jpg. Acesso em 09
jul. 2009.

3) Leia atentamente a explicação básica sobre o método indiciário de GINZBURG.


“Nesse método, o historiador é comparado a um detetive, considerando que o mesmo precisa
decifrar enigmas e dar a ver um enredo ou segredo. O que o move são as suspeitas e as pistas
que vai encontrando no processo da pesquisa. É preciso ir além do que é dito, do visto e do re-
presentado. O olhar volta-se para os detalhes e as nuances. Como médico, o historiador busca os
sintomas para compreender os sentidos. Como crítico de arte, o historiador perscruta além do
primeiro plano que é visto e busca os detalhes para analisá-los em relação ao conjunto”.

Crie uma situação hipotética demonstrando a aplicação desse método.

4) Leia atentamente o fragmento de texto.


“as (....) seriam as formas pelas quais indivíduos e grupos se dão a perceber, comparecendo como
um reduto de tradução da realidade por meio das emoções e dos sentidos. Nessa medida, as
sensibilidades não só comparecem no cerne do processo de representação do mundo, como cor-
respondem, para o historiador da cultura, àquele objeto e capturar o passado, à própria energia
da vida.”

O conceito que está presente no texto é


a. ( ) representação.
b. ( ) imaginário.
c. ( ) sensibilidade.
d. ( ) circularidade cultural.

57
UAB/Unimontes - 3º Período

5) A crise de modelos a que nos referimos nesse estudo pode ser melhor expressa na alternativa:
a. ( ) A crise das concepções bipolares da História, que buscam explicar o mundo por meio da
linearidade de suas proposições.
b. ( ) A crise das concepções antropológicas levou à confirmação de uma visão determinista e
materialista, onde a via de mudança é a revolucionária.
c. ( ) A crise das concepções estruturalistas e totalizantes da História que buscavam explicar a
realidade a partir de modelos preestabelecidos.
d. ( ) A crise das concepções estruturalistas advém de uma visão e prática pouco fracionadas
da História no seu fazer pelos historiadores.

6) A maneira de fazer História Social a partir dos trabalhos do historiador

7) Thompson revela a necessidade de revisão de conceitos marxistas. A esse respeito, assinale a


alternativa CORRETA.
a. ( ) O estudo de Thompson levou o historiador a perceber que para dar voz às pessoas
comuns ele precisava modificar as fontes e os métodos, entendendo que sem cultural não
há produção.
b. ( ) O estudo de Thompson levou à revisão de pontos fundamentais da teoria marxista,
buscando afirmar que na totalidade das relações de produção, a estrutura econômica é o
fundamento básico da sociedade.
c. ( ) O estudo de Thompson nos permitiu afirmar que cada sociedade tinha seu modo de
produção da vida material condicionando à sua vivência num dado grupo social.
d. ( ) O estudo de Thompson levou a reafirmar que o “motor” da sociedade são as engrena-
gens econômicas em detrimento dos outros aspectos observáveis na sociedade.

8) Leia atentamente o texto de Carlos Eugênio Líbano.


“Apesar da sua notoriedade no século XIX, a capoeira carioca desapareceu das crônicas no século
XX, em parte apagada pela versão baiana, dominada pelos mestres Bimba e Pastinha. Desapa-
recida da memória popular, inicialmente por obra e graça da repressão implacável de Sampaio
Ferraz, primeiro chefe de polícia da cidade na era republicana, ela permaneceu oculta por anos
dos olhos dos estudiosos da cidade. Só foi possível à nova historiografia escavar camadas e mais
camadas de esquecimento ao se voltar para a escravidão urbana das cidades coloniais e impe-
riais” (LÍBANO, 2004, p. 15-6).

De acordo com o texto, qual é a alternativa INCORRETA?


a. ( ) Uma das possibilidades de pesquisa sobre o assunto destacado é utilizar fontes de va-
riada procedência para dar conta das diversas visões sobre a capoeira.
b. ( ) Uma das possibilidades de pesquisa é o uso do método indiciário visando buscar pistas/
indícios sobre o passado.
c. ( ) Uma das possibilidades de pesquisa é utilizar fontes com processos crime para averi-
guar a atuação/repressão desse tipo de prática popular.
d. ( ) Uma das possibilidades de pesquisa nesse estudo foi usar o método de descrição densa
na abordagem do escravismo rural nordestino.

9) Leia o fragmento de texto de Márcia Moisés Ribeiro.


“A manga, a jaca e até o nosso coqueiro, hoje uma espécie de símbolo brasileiro, são exemplos
de uma nítida presença do Oriente na paisagem do Brasil. O coqueiro, quem diria, chegou aqui
por volta de 1553 a bordo de embarcações vindas de Cabo Verde, mas procedentes do leste asiá-
tico. A presença oriental, no entanto, não ficou restrita a nossa flora: ao longo de três séculos de
colonização, houve um contínuo intercâmbio entre Brasil e Índia, num processo que envolveu a
Igreja, a administração, as relações comerciais, os interesses privados, os usos, os costumes, as
doenças, as drogas medicinais, a prática científica e as tecnologias” (RIBEIRO, 2004, p. 84).

Assinale a alternativa que melhor traduz a mensagem do texto.


a. ( ) Este texto exprime bem a concepção de cotidiano.
b. ( ) Este texto exprime o conceito de representação.
c. ( ) Este texto exprime o conceito de imaginário.
d. ( ) Este texto exprime bem o conceito de circularidade cultural.

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História - Teoria da História Social e Cultural

10) Com relação ao método de descrição densa, cujo principal representante é o antropólogo
Clifford Geertz, e o seu uso pelos historiadores, podemos dizer que a História é uma ficção, mas
uma ficção controlada.

Entre as alternativas, assinale a que NÃO permite ao historiador “controlar” essa ficção.
a. ( ) O documento se converte em prova na argumentação do historiador e é a partir de tais
provas que se encaminha a demonstração explicativa da História.
b. ( ) A História se presta e se aproxima de tal modo da literatura, que o imbricamento entre
ambas torna-as indissociáveis.
c. ( ) O estabelecimento de analogias, de contrastar, de superpor e de estabelecer nexos a
partir da bagagem do historiador, construindo assim condições para realizar cruzamentos e
compor a sua análise.
d. ( ) A História se presta à testagem, à comprovação, o leitor pode fazer o caminho do histo-
riador ao confirmar “as coisas” num arquivo e a seguir as suas deduções.

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