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Apresentação
Psicanálise e Educação
O dossiê Psicanálise e Educação reúne ar- nalisar a Educação e passa-se a conceber o ato
tigos que refletem sobre aproximações entre educativo como um ato de desejo. Propõe-se
estes dois constructos na contemporaneidade. escutar os processos subjetivos que emergem
Psicanálise e Educação, campo que apresentou no interior da sala de aula com vistas a exercitar
os primeiros trabalhos no Brasil no fim da a passagem, tanto do professor como do aluno,
década de 1980, para vir crescendo exponen- para as condições de professor-sujeito e aluno-
cialmente desde então, exibe um vigor e uma sujeito, necessárias para entender a constitui-
marca que torna única a produção brasileira. ção de sujeitos movidos não pela completude,
O crescimento da produção vincula-se a mas pela falta. Em meio a toda impossibilidade
tendências que podem ser resumidas com os de se fundir Educação, Psicanálise e subjetivi-
termos utilizados por Voltolini (2001),1 quando dade, é certo que a tríade começou a “se olhar”.
se trata de aproximar a Psicanálise da Educa- O dossiê aqui apresentado é um exemplo elo-
ção, mediante dois tipos de abordagem: a da quente dessa triangulação implicada.
aplicação e a da implicação. Os textos resultam de escritas sobre estudos
O dossiê aqui apresentado inclina-se, sobre- advindos de pesquisas teóricas e empíricas.
tudo, na direção de conceber que a Psicanálise O dossiê reúne trabalhos que apontam para
e a Educação guardam entre si uma relação articulações importantes do enlace entre Edu-
de implicação. Quando se fala de implicação, cação, Psicanálise e subjetividade e, essencial-
a Psicanálise deixa de iluminar, e de pensar mente, provoca questões de aprofundamento
sobre a Educação; deixa também de se colocar a respeito do próprio processo educativo, das
em posição de exterioridade. Quando se adota relações transferenciais na sala de aula, do mal
a perspectiva da implicação, entende-se que
-estar da civilização, do sofrimento psíquico do
a conexão entre as duas disciplinas produz a
professor, das dificuldades do ato de aprender.
introdução do psicanalítico, ou, se quiserem, do
Os artigos representam, de certa forma, o vigor
sujeito, no âmago do educativo. Desta perspec-
do campo de conhecimento, relações de parce-
tiva, trata-se de supor um sujeito no aluno, e de
rias e cooperações acadêmicas, apresentando
ampliar o ato educativo de modo a nele incluir
reflexões significativas do que se produziu
o sujeito do desejo (KUPFER et al, 2010).2
nesse campo, confirmando as tendências que
Essa ampliação do ato educativo transforma
aí costumam delinear-se.
o campo educativo e o recria, transformando-o
A reunião dos artigos do dossiê revelou
em uma Educação para o sujeito.
ainda outras linhas de força e se configurou
Assim, deixa-se de lado a ambição de psica-
como uma amostra de alguns dos principais
1 VOLTOLINI, Rinaldo. As vicissitudes da transmissão da temas em que o campo das articulações entre
psicanálise a educadores. In: COLOQUIO DO LEPSI IP/
FE-USP, 3., 2001, São Paulo. Anais eletrônicos [...]. Dis- Psicanálise e Educação vem trabalhando nos
ponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo. últimos trinta anos. Os temas que o dossiê cap-
php?script=sci_arttext&pid=MSC000000003200100030
0036&lng=en&nrm=abn. Acesso em: 20 dez. 2020. turou foram, predominantemente, três: a) as
2 KUPFER, Maria Cristina Machado. Et al. A produção reflexões críticas sobre a escola na pólis; b) os
brasileira no campo das articulações entre psicanálise
e educação a partir de 1980. Estilos da Clínica, São artigos sobre formação docente; c) os estudos
Paulo, v. 15, n. 2, p. 284-305, dez. 2010. Disponível sobre o aluno e seu aprender.
em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1415-71282010000200002&lng=pt&nrm
O primeiro grupo de artigos aborda as re-
=iso. Acesso em: 20 dez. 2020. lações da escola no mundo contemporâneo,
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Maria Cristina Kupfe; Maria de Lourdes Soares Ornellas; Elizeu Clementino de Souza
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Apresentação
Dois artigos de autores franceses vêm se escola, as crianças fazem uso de identificações
somar à discussão sobre formação docente, que as constroem como sujeitos e dão as bases
de um modo que complementa os brasileiros, para seu aprender.
guardando, porém, sua posição diversa. Ilaria Cláudia Bechara Fröhlich, Janniny Gautério
Pirone e Jean-Marie Weber escrevem sobre Kierniew e Simone Zanon Moschen, em Ver o
Trabalhar com professores: um baluarte con- invisível do letramento, dão a ver o que a psica-
tra novas formas de fadiga subjetiva. No texto, nálise permite ver: que o tempo de passagem,
procuram demonstrar que uma nova forma na criança, da condição de não letrado à de
de fadiga difusa entre os professores pode ser letrado não é o cronológico, mas aquele que
pensada como um sintoma social, e que o uso Lacan chama de lógico. O uso desse operador
do dispositivo de análise clínica das práticas poderá ser, então, precioso para o professor
sociais pode permitir uma re-circulação da e lhe dar contornos para as angústias dessa
palavra entre os profissionais das profissões passagem.
humanas. Já Jean Chami, em A formação de pro- Ainda da perspectiva do aluno e seu apren-
fessores à luz da psicanálise, aborda a questão der, Cristiana Carneiro e Raisa de Paula Fer-
da subjetividade e da natureza dos “sujeitos” nandes da Silva, no artigo Ana, adolescente
da prática profissional. Em seu trabalho de nota dez? Reflexões sobre a patologização do
formação de professores, Chami observa neles aprender, mostram como o olhar da Psicanálise
a passagem das condutas irracionais e incons- pode subverter velhas categorias escolares e
cientes para uma ação mais racional. diagnósticas, ao discutirem a diferença entre
No artigo Do mal-estar social ao mal-estar a preponderância do organismo nas leituras
docente: contribuições da psicanálise, de Yara sobre entraves no aprender e sua relação com
Magalhães dos Santos, são apresentados os a patologização, permitindo uma nova com-
resultados de uma pesquisa com professores preensão sobre o aprender e sua relação com
do ensino médio, cujo objetivo foi o de com- a escola.
preender possíveis razões do mal-estar entre O ideal da excelência escolar e os conflitos vi-
professores, compreendendo-se o mal-estar de vidos pelo aluno de classes populares, de Luciana
uma perspectiva psicanalítica. Santos, é um artigo que procura compreender
Em seguida, o leitor poderá ler cinco arti- o ideal da excelência escolar e a relação entre
gos que discorrem sobre o aluno e seu lugar esse ideal e a história singular do estudante.
de aprendiz, pode-se dizer, no chão da escola. Considera alguns conceitos da Psicanálise,
Têm em comum o fato de se debruçarem sobre sobretudo eu ideal, ideal do eu e supereu,
o aprendiz, oferecendo chaves de leitura oriun- para analisar os conflitos vividos pelos alunos
das da Psicanálise e capazes de criar condições diante das demandas idealizadas presentes em
para o enfrentamento da angústia de estar, escolas de alto rendimento. Com isso, questio-
professores e alunos, às voltas com a impos- na e desnaturaliza o ideal de excelência, que
sibilidade de eliminar o mal-estar inerente ao angustia muitos alunos-sujeito.
ensinar e ao aprender. O tema da aquisição da escrita também é
Em Resultados finais da pesquisa APEGI caro ao campo das articulações Psicanálise/
(Acompanhamento Psicanalítico de Crianças em Educação. Para a Psicanálise, é o sujeito quem
Escolas, Grupos e Instituições), Maria Cristina comanda o letramento, o que obriga o profes-
Kupfer, Leda Mariza Fischer Bernardino e Diego sor a lhe dar voz. Assim, é bem-vindo o artigo
Rodrigues Silva apresentam os resultados de de Cristóvão Giovani Burgarelli, Linguística,
uma pesquisa de validação de um instrumento psicanálise, educação e os falantes de uma
que introduz um eixo de leitura pouco usual nas língua de sinais. No texto, o autor afirma que
escolas: o da relação entre pares. No chão da se deve privilegiar a elaboração lacaniana
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Maria Cristina Kupfe; Maria de Lourdes Soares Ornellas; Elizeu Clementino de Souza
em torno de uma teoria da escrita, uma vez porâneas da educação, notadamente no que se
que a experiência educativa com os falantes refere aos processos formativos, com ênfase
de Libras não pode deixar de interrogar-se a no perfil dos egressos dos cursos, necessida-
respeito das condições de fala dos educandos des e demandas da sociedade, destacando a
nela envolvidos. urgência de um conhecimento interdisciplinar
O dossiê fecha com o artigo de Robert Levy, e a responsabilidade ética e cidadã. Tais dis-
Três ocorrências de amor patológico dos pais?, cussões são ancoradas em princípios teóricos
voz solitária neste dossiê, que discorre sobre sistematizados por Habermas, Freire e Santos,
a não menos importante educação parental, e possibilitando aos autores compreensões sobre
sobre a qual um psicanalista pode falar com interdisciplinaridade, crise de paradigmas e
muita experiência. Mais do que isso: Levy põe as alternativas para o futuro em sociedade e
em cena o lugar do amor na educação dos filhos questões concernentes à formação cultural.
e examina o impacto que o desejo pode ter na Maria Beatriz Vasconcelos Silva e Lívia Fraga
fantasia infantil, perguntando-se sobre seus Vieira, no texto Frequência escolar na educação
efeitos na construção do sintoma. Fecha, assim, infantil: percepções das famílias e dos profissio-
o dossiê com chave de ouro. nais da educação, objetivam conhecer motivos,
Esperamos que o leitor encontre no dossiê fatores influenciadores e justificativas da in-
a oportunidade de ampliar seus horizontes frequência das crianças na educação infantil,
ao refletir sobre essa pequena porém valiosa ao analisarem diários de classes e respostas
amostra do vasto campo das aproximações de questionários aplicados aos familiares e
entre Psicanálise e Educação. São dois saberes profissionais da educação de três Escolas Mu-
distintos, no entanto, mesmo sabendo que os nicipais de Educação Infantil da Secretaria de
discursos marcam diferenças, podem se escu- Educação de Belo Horizonte, MG, selecionadas
tar e dialogar com as formações discursivas a partir do Índice de Desenvolvimento Humano
que enodam o processo de aprender e ensinar. Municipal do bairro.
O leitor poderá desvelar as trilhas labirín- No artigo Psicomotricidade relacional sob a
ticas do desejo presentificadas em cada letra, ótica de conceitos teóricos de Vygotsky e Bron-
o que lhe permitirá articular várias rotas fenbrenner, Ângela Adriane Schmidt Bersch,
possíveis para pensar a formação docente, o Maria Angela Mattar Yunes e Susana Inês Mo-
processo de ensinar e aprender e a instituição lon apresentam questões relacionadas à Psico-
escola; assim, poderá embriagar-se com essas motricidade Relacional (PR), ao tomarem como
letras escritas e inscritas nesse dossiê – epifa- referência conceitos da teoria sócio-histórica
nia de um novo tempo. de Lev Semionovitch Vygotsky e da teoria Bioe-
A seção estudo organiza-se a partir de cológica de Urie, ao enfatizarem disposições de
cinco textos que tematizam questões sobre aspectos lúdicos do brincar com movimento e
interdisciplinaridade e educação mediadas expressões corporal/artística/musical/verbal
por questões filosóficas, aspectos concernen- na perspectiva da PR.
tes à frequência escolar na educação infantil, O artigo de Fábio Souza Lima, intitulado
psicomotricidade e dimensões educativas, dis- Quando “ser professor” servia às elites: a Escola
cussões histórias sobre formação docente e ser Normal Ignácio Azevedo do Amaral (1950-
professor, finalizando com problematizações 1970), objetiva problematizar questões sobre
sobre formação docente, PNAIC e alfabetização. a formação de professores como interesse das
O texto Perspectivas interdisciplinares na elites cariocas, através da análise histórica da
educação a partir de Habermas, Freire e Santos, instalação da Escola Normal Ignácio Azevedo
de Lúcio Jorge Hammes, Jaime José Zitkoski e do Amaral no bairro da Lagoa, Zona Sul, entre
Itamar Luís Hammes, discute questões contem- os anos de 1950 e 1970, tomando como fonte
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