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A VIVÊNCIA EM GRUPOS DE ENCONTRO: UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO

DE DEPOIMENTOS

ANTONIO ANGELO FAVARO COPPE

UFRJ/PUC Minas
2001
A VIVÊNCIA EM GRUPOS DE ENCONTRO:
um estudo fenomenológico de depoimentos

ANTONIO ANGELO FAVARO COPPE

Dissertação submetida ao de Departamento de Pós-Graduação em Psicologia do


Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção de grau de Mestre em Psicologia.

ORIENTADOR:
Prof. Dr. Franco Lo Presti Seminério

UFRJ/PUC Minas
2001

A VIVÊNCIA EM GRUPOS DE ENCONTRO:


um estudo fenomenológico de depoimentos

ANTONIO ANGELO FAVARO COPPE

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________
Dr. Franco Lo Presti Seminério
Orientador

____________________________________
Dra. Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo
Membro

___________________________
Dra. Élida Sigelmann
Membro

Rio de Janeiro
2001

FICHA CATALOGRÁFICA

Coppe, Antonio Angelo Favaro


C785i A vivência em grupos de encontro: um estudo fenomenológico
de depoimentos / Antonio Angelo Favaro Coppe. – Belo Horizonte,
2001.
151f.

Orientador: Prof. Dr. Franco Lo Presti Seminério.


Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Bibliografia.

1. Psicoterapia de grupo. 2. Psicoterapia centrada no cliente. 3.


Relações interpessoais. 4. Fenomenologia. I. Lo Presti, Franco
Seminério. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. III. Título.

CDU: 615.851.6

DEDICATÓRIA

Aos “Freds” que ousaram entrar em contato


consigo mesmos, através do “encontro” em grupos,
acreditando na capacidade inerente do ser de crescer
com todos os riscos que tal crescimento implica na vida.

À memória de Vitório (meu pai), com quem


aprendi, na simplicidade do existir, a autenticidade de ser.

A Gabriela (Lucca), Rômulo, Luísa e Clara, que me


eternizarão no futuro misterioso e maravilhoso da vida.

AGRADECIMENTOS

Na paisagem da memória ficam aqueles que contribuíram para que a experiência de ser
humano pudesse ser mais compreendida, transformando as vivências e lembranças em
afetos duradouros.

Ao Professor Dr. Franco Lo Presti Seminério, pela orientação firme, serena e flexível.
À Dra. Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo e à Dra. Élida Sigelmann, pelas contribuições
durante o exame de qualificação.
À Gislaine, pelos afetos vividos.
À Maria Luíza (Loló), pela amizade e angústias e incertezas compartilhadas nos últimos
anos.
Ao Escípio e à Bernardete, companheiros de sonhos e projetos, pelas conversas e
sugestões.
À Dra. Vera Engler Cury, pelo acolhimento dos pedidos de “socorro”.
À Daniella Kangussu da Cunha, aluna do Curso de Psicologia da PUC Minas, pela
colaboração durante a realização da pesquisa.
Àqueles que se dispuseram a participar da realização deste estudo com seus
depoimentos.
À PUC Minas, especialmente ao Instituto de Psicologia, pela possibilidade e apoio a
este estudo.
E, principalmente, àqueles que enriqueceram os Grupos de Encontro com suas
presenças, facilitando o crescimento de todos os participantes.

RESUMO

COPPE, Antonio Angelo Favaro. A Vivência em Grupos de Encontro: um estudo


fenomenológico de depoimentos.
Orientador: Franco lo Presti Seminério. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. Diss.

O objetivo deste estudo foi compreender fenomenologicamente as vivências do Grupo


de Encontro – uma atividade específica da Abordagem Centrada na Pessoa – e os seus
possíveis alcances por participantes que o experienciaram, em Belo Horizonte, no
período de 1986 a 2000. Este estudo teve dez participantes que cederam uma entrevista
para a coleta dos depoimentos sobre as suas vivências nos grupos de encontro. A análise
qualitativa dos depoimentos, sob o enfoque fenomenológico, seguiu a metodologia dos
quatro passos proposta por Amedeo Giorgi. Após a análise dos resultados, foi possível
observarmos que o Grupo de Encontro possibilita mudanças significativas para os
participantes. A análise dos elementos do vivido extraídos dos depoimentos revela a
ampliação da percepção dos participantes. Foi também possível concluir que através da
identificação entre os membros do grupo, os participantes desenvolvem habilidades
terapêuticas, o que revela o alcance que a experiência de grupos de Encontro propicia.

ABSTRACT

COPPE, Antonio Angelo Favaro. A Vivência em Grupos de Encontro: um estudo


fenomenológico de depoimentos.
Orientador: Franco Lo Presti Seminério. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. Diss.

The aim of this research has been the phenomenological comprehension of the
Encounter Group experience- which is an specific activity of the Person-Centered
Approach- and its possible ranges, for participants who had experienced it in Belo
Horizonte, in the period between 1986 and 2000. This study has been done with
participants whose reports were collected in an individual interview on their experience
in Encounter Groups. The quantitative analysis of the reports, under the
phenomenological approach has followed the methodology of the four steps proposed
by Amedeo Giorgi. After the analysis of the results it has been possible to observe that
the Encounter Group allows meaningful changes for the participants. The analysis of the
lived elements extracted from the reports has revealed the enlargement of the
participants’ perception. It has been also possible to conclude that through the
identification among members of the group, the participants develop therapeutic skills,
what reveals the range that the experience of Encounter Group allows.

SUMÁRIO
Dedicatória………………………………………………………………………………
………………………..v
Agradecimentos…………………………………………………………………………
………………………vi
Resumo……………………………………………………………………………………
………………………vii
Abstract……………………………………………………………………………………
……………………. viii
Introdução…………………………………………………………………………………
……………………..01

Parte I: Fundamentação Teórica


Capítulo 1: A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA…………………….04
1.1: Da Terapia Centrada à Abordagem Centrada na Pessoa…………..04
1.1.1. A Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil…………………..09
1.2: Os fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa……………….13
1.3: Um breve histórico sobre Carl Rogers…………………………………..22
Capítulo 2: OS GRUPOS DE ENCONTRO………………………………………….31
2.1: Histórico……………………………………………………………………………
31
2.2: Os objetivos e as etapas do processo de grupo……………………….32

Parte II: Metodologia


Capítulo 3:
FUNDAMENTAÇÃO……………………………………………………….39
3.1: A pesquisa qualitativa………………………………………………………..39
3.2: A pesquisa fenomenológica…………………………………………………40
3.2.1. A fenomenologia ………………………………………………………40
3.2.2. A pesquisa fenomenológica para um estudo de vivências.43
3.2.3. A pesquisa fenomenológica empírica……………………………46

Parte III: O Estudo


Capítulo 4: DO OBJETIVO À PESQUISA…………………………………………49
4.1: Objetivos…………………………………………………………………………49
4.2: Participantes…………………………………………………………………….49
4.3: Instrumentos…………………………………………………………………….50
4.4: Procedimentos………………………………………………………………….50
4.5: Orientações para análise…………………………………………………….51
4.6: Análise dos depoimentos……………………………………………………53
4.6.1: Análise do depoimento de Cíntia……………………………….53
4.6.2: Análise do depoimento de Roberto…………………………….58
4.6.3: Análise do depoimento de Rogério…………………………….65
4.6.4: Análise do depoimento de Flávia……………………………….68
4.6.5: Análise do depoimento de Emerson……………………………72
4.6.6: Análise do depoimento de Rosa…………………………………78
4.6.7: Análise do depoimento de Alberto……………………………..82
4.6.8: Análise do depoimento de Íris…………………………………..87
4.6.9: Análise do depoimento de Viviane…………………………….92
4.6.10: Análise do depoimento de Lívia………………………………..96
4.6.11:Categorização das Sínteses Específicas……………………..100
4.6.12: Síntese geral …………………………………………………………102

Capítulo 5:
RESULTADOS………………………………………………………………….103
5.1: Discussão dos resultados…………………………………………………..103
5.2: Conclusão……………………………………………………………………….109

Referências
Bibliográficas……………………………………………………………………………
…113
Anexo……………………………………………………………………………………
……………………….117

INTRODUÇÃO

Os Grupos de Encontro, característicos da Abordagem Centrada na Pessoa, e cujo


objetivo, segundo Rogers (1970), é o de promover “o crescimento pessoal e o
desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e relações interpessoais, através de
um processo experiencial” (p. 14), não mereceram até então uma atenção devida por
parte dos envolvidos com a própria Abordagem e com as demais propostas de grupo da
Psicologia Social. Rogers (1970) ressalta que o seu interesse está nas mudanças
ocorridas após a experiência de grupo, uma vez que “há grande discussão sobre o fato
de saber se a experiência intensiva de grupo produz alguma mudança significativa e,
especialmente, se produz alguma mudança duradoura no comportamento” (Rogers,
1970, p. 75).
Portanto, ao se promover a compreensão descrita pelo participante a respeito da
vivência em grupos de encontro, pretendeu-se preencher uma lacuna existente, não só
no Brasil, sobre os possíveis alcances que esta experiência possibilitou a quem dela
participou.
Dessa forma, ao verificar os alcances ocorridos, estar-se-ia contribuindo para a
fundamentação e expansão teórica da Abordagem Centrada na Pessoa (A. C. P.), além
da sua contribuição clínica por propiciar o desenvolvimento pessoal, levando a uma
reflexão crítica sobre a teoria e a prática da A. C. P., que subsidiam esse modelo de
atuação.
A relevância do desenvolvimento deste estudo relaciona-se ao fato de que os Grupos de
Encontro são pouco pesquisados (Tassinari & Portela, 1996), o que é corroborado por
Rogers (1970) quando afirma sobre a necessidade de um estudo empírico e organizado
para avançar o conhecimento sobre os grupos de encontro.
Diante desta realidade e em função da minha experiência na facilitação de mais de
cinqüenta grupos nos últimos anos, uma das idéias que se configurou a partir das
reflexões das experiências foi a necessidade de verificar que vivências o Grupo de
Encontro possibilita aos participantes, ou seja, como que o participante significa essa(s)
vivência(s), ou melhor, qual o alcance dela(s) – esta é a questão basal deste estudo.
Daí, a proposta de um estudo descritivo, desenvolvido segundo o enfoque
fenomenológico, vem ao encontro à necessidade de compreender as vivências descritas
pelos participantes numa perspectiva subjetiva, valorizando desta forma a participação
daquele que experiencia o grupo de encontro. Tanto é que Rogers (1970) afirma que:
“para a minha maneira de pensar, este tipo de estudo pessoal, fenomenológico –
especialmente quando se lêem todas as respostas -, é muito mais válido que a tradicional
perspectiva empírica ‘bem construída’. Este tipo de estudo, muitas vezes desprezado
pelos psicólogos como ‘simples relato pessoal’, dá realmente uma profunda
compreensão do que significou a experiência” (p. 132).
Portanto, o objetivo deste estudo é o de compreender fenomenologicamente vivências
do grupo de encontro tais como descritas por participantes, ressaltando o que essa
compreensão revela sobre os possíveis alcances das vivências experienciadas e a
descrição da estrutura geral das vivências, enquanto uma representação do conjunto
total das descrições investigadas.
Para tanto, a metodologia empregada foi a entrevista gravada, fundada nos princípios de
uma pesquisa fenomenológica empírica.
A partir de uma análise da estrutura do vivido, tal qual se manifestou através da
entrevista, elucidou-se como o participante vivencia o grupo, sendo, assim, possível
contribuir para o desenvolvimento teórico do grupo de encontro, no que tange o seu
alcance.
Ao longo desta dissertação, o leitor perceberá que se buscou uma consistência teórica e
metodológica para assegurar a validade do tipo de pesquisa aqui desenvolvido.
Assim, apresento esta dissertação dividida em três partes, compostas, ao todo, de cinco
capítulos.
A primeira parte, designada como fundamentação teórica, é composta de dois capítulos.
O primeiro apresenta a Abordagem Centrada na Pessoa, distinguindo-a da Terapia
Centrada no Cliente, a sua inserção no Brasil, destacando os seus fundamentos e um
histórico sobre Carl Rogers. O segundo enfatiza os Grupos de Encontro, desde um
esboço histórico até as etapas de um processo grupal, situando-o no seio da Abordagem
e destacando a pessoa do facilitador.
A segunda parte corresponde à metodologia, em que, em um capítulo, é apresentada a
pesquisa qualitativa, salientado a importância da pesquisa fenomenológica para estudar
vivências humanas e a necessidade de pesquisa qualitativa fenomenológica sobre o
tema.
A terceira parte é composta de dois capítulos, em que, no primeiro, é traçado, desde o
objetivo deste estudo, descrevendo os participantes, o instrumento utilizado, o
procedimento da entrevista, até a análise dos depoimentos com suas sínteses. E no
segundo, discutem-se os resultados obtidos neste estudo, apresentando-se as conclusões
finais.

PARTE I:FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Capítulo 1: A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA


1.1: Da Terapia Centrada à Abordagem Centrada na Pessoa

A designação Abordagem Centrada na Pessoa (A. C. P.), proposta por Rogers na década
de 1970, denomina, segundo Boainain Jr (1999), “as contribuições teóricas e
metodológicas ao campo da psicologia e das ciências afins, originadas e identificadas
com a linha de pensamento e as propostas de atuação desenvolvidas por ele, seus
colaboradores e seguidores (…)” (p. 77). Essa denominação substitui as antigas, tais
como orientação não-diretiva e terapia centrada no cliente.
Wood et al (1994) dizem que “Rogers considerou a Abordagem Centrada na Pessoa
como uma forma singular de abordagem, organizadora da experiência bem sucedida em
diversas atividades. A Terapia Centrada no Cliente foi apenas a primeira dessas
aplicações e consistiu na facilitação do crescimento pessoal e saúde psicológica de
indivíduos numa psicoterapia pessoa-a-pessoa” (p. II e III).
A partir do momento em que Rogers vai desenvolvendo o seu método psicoterápico,
simultaneamente os princípios da abordagem também se configuravam. Wood et al
(1994) afirmam que “aquilo que no final, foi chamado de Terapia Centrada no Cliente,
evoluiu juntamente com os princípios que o estavam organizando. Terapia Centrada no
Cliente tornou-se um sistema de mudança na personalidade. Embora relacionada com
esse sistema, a abordagem, que veio a ser chamada Abordagem Centrada na Pessoa, é
uma categoria distinta” (p. V).
O princípio norteador da A. C. P. é a crença na capacidade do indivíduo, traduzido pelo
conceito formativo que é a Tendência à Atualização, como vimos anteriormente.
Veremos, então, que a Abordagem Centrada na Pessoa é mais ampla em suas aplicações
e que a teoria da Terapia Centrada no Cliente é um dos aspectos desta aplicação. Rogers
(1946) coloca que “embora a Abordagem Centrada no Cliente tenha suas origens
puramente dentro dos limites da clínica psicológica, está provando ter implicações,
freqüentemente de natureza bastante espantosa, em diferentes campos de atividades” (p.
421) tais como: grupos de encontro, psicoterapia de grupos, facilitação de
aprendizagens, grandes grupos, resoluções de conflitos, etc.
Deduz-se disso duas proposições: 1º) que a A. C. P. não tem uma teoria e, muito menos,
um método. Wood et al (1994) corroboram esta afirmação indagando: Que teoria
poderia ter uma abordagem? (p. V); 2º) que a Terapia Centrada no Cliente tem um
corpo teórico consistente, advindo da pesquisa exaustiva que Rogers e colaboradores
empreenderam, cujas hipóteses puderam ser testadas empiricamente.
Wood et al (1994) nos dizem ainda que “ao longo de sessenta anos (…) a abordagem
nunca mudou. Nos primeiros trinta anos, durante a fase intensiva do desenvolvimento
da Terapia Centrada no Cliente, era freqüentemente chamada de Abordagem Centrada
no Cliente. Nos trinta anos seguintes, quando foi aplicada (…) em outras atividades tem
sido chamada de Abordagem Centrada na Pessoa” (p. VI e VII).
O quadro abaixo, proposto por Wood et al (1994) ajudar-nos-á a entender melhor a
história da abordagem e suas aplicações:

1935 1965 1995


A Abordagem
Abordagem Centrada – no- Cliente
Terapia Centrada – no – Cliente Abordagem Centrada – na – Pessoa
outras aplicações
I II III IV V VI

Sendo que:
I. Atitudes do terapeuta. Caracterizada pelo livro de Rogers, Aconselhamento e
Psicoterapia, publicado em 1942.
II. Método de terapia. Identificada pelo livro Terapia Centrada no Cliente, publicado em
1951.
III. Experiência em processos internos. Corresponde à publicação (1961 a) do best-
seller Tornar-se Pessoa.
IV. Facilitação do aprendizado. Liberdade para Aprender (1969).
V. Relacionamentos interpessoais. Grupos de Encontro (1970).
VI. Processos sociais, formação e transformação da cultura. Sobre o Poder Pessoal
(1977) e Um Jeito de Ser (1980) (p. VIII).
De uma maneira didática, a evolução histórica da A. C. P. foi dividida, inicialmente, em
três fases que delineiam a sua atuação dentro do processo terapêutico. Porém, alguns
autores (por exemplo, Moreira, 1990 e Holanda, 1998) têm proposto novas fases;
Boainain Jr (1999), além de manter as três fases iniciais (Fase da terapia não-diretiva,
Fase da terapia centrada no cliente e Fase da terapia experiencial), propõe mais duas
fases: a Fase dos grupos de encontro e a fase dos grandes grupos. Para facilitar a
compreensão histórica da Abordagem, trabalharemos a seguir com a proposta de
Boainain Jr.
A primeira fase, Terapia Não-Diretiva, acontece historicamente em meados da década
de 30, em Nova York, na cidade de Rochester, onde Rogers inicia sua prática
psicológica, através de uma abordagem psicanalítica no uso do diagnóstico e
aconselhamento. Neste período Rogers participou de um seminário de Otto Rank, que
propunha uma terapia relacional, foi contratado por um centro de tratamento com
formação rankiana e também passou a realizar intercâmbio com a escola de Assistentes
Sociais da Pensilvânia. Devido a suas vivências, desde então Rogers passa a pensar em
um processo terapêutico a partir de uma escuta compreensiva e empática na qual o
cliente direciona a terapia. Em 1940, é convidado a trabalhar como professor da
Universidade de Ohio. Neste período, através de sua atuação como professor,
conferencista e supervisor, passa a explicitar e embasar suas propostas, o que lhe traz
um estado de conscientização de sua teoria que retira a direção da análise do terapeuta,
que passa a ser um elemento facilitador do processo de crescimento e transformação do
cliente. Sua abordagem passou a ser melhor aceita e reconhecida, principalmente a
partir de 1942 com a publicação do seu livro Psicoterapia e consulta psicológica
(Boainain Jr, 1999).
A segunda fase, chamada de terapia centrada no cliente, é desenvolvida em Chicago, a
partir da década de 40 e 50, quando Rogers assume a direção do centro de
aconselhamento vinculado à Universidade de Chicago. Este período é referido como o
mais importante e produtivo da construção da Abordagem Centrada, quando Rogers e
seus colaboradores dão maior fundamentação, definição e estruturação para a base
teórica que vinha sendo construída. Passa-se a buscar um embasamento empírico para a
terapia, através de novas e revolucionárias técnicas de pesquisa e investigação
terapêutica, como o uso da gravação de entrevistas e da técnica Q. Nesta fase, destacam-
se três atitudes essenciais para que o terapeuta pudesse ser um facilitador, que são a
consideração positiva incondicional, compreensão empática e congruência. Ao buscar
organizar as formulações de hipóteses empiricamente testáveis sobre a personalidade, o
desenvolvimento, a mudança e o relacionamento humano, acaba escrevendo, em 1956,
o livro Teoria da terapia, personalidade e relacionamento interpessoal. Ainda nesta fase,
destaca-se a aplicação da Abordagem em outros campos como na psicoterapia de grupo,
educação, ludoterapia, treinamento de conselheiros e liderança participativa (Holanda,
1998 e Boainain Jr, 1999).
A terceira fase é denominada de terapia experiencial. Em 1957, Rogers assume um
cargo na Universidade de Wisconsin, onde teria a oportunidade de trabalhar em
associação com o departamento de psiquiatria. Começa a pesquisar a aplicação de sua
abordagem a pacientes psiquiátricos, que apesar de resultados não precisos, faz com que
Rogers se aproxime mais do referencial existencial-fenomenológico e adote uma
postura mais humanizadora para o terapeuta. A princípio pensou em um terapeuta que
ao invés de apresentar um padrão de resposta reflexo ao que o cliente dizia, seria mais
humano que ele aceitasse, compreendesse e refletisse. Mas depois, com a prática
terapêutica principalmente com esquizofrênicos, que mantinham uma postura apática e
não tomavam iniciativa verbal para o começo da relação, Rogers revoluciona o campo
terapêutico, chamada agora de “bipolar” ou bicentrada, ou seja, centrada no mundo e
nas dificuldades de duas subjetividades autenticamente envolvidas na relação. Nesta
terceira fase, Gendlin contribui metodologica e teoricamente com a Abordagem ao
introduzir o conceito de “experienciar”, estabelecendo o verdadeiro foco orientador do
centrar-se do terapeuta, que viverá essencialmente o que é falado e sentido pelo outro
plenamente, focalizando a relação cliente-terapeuta. O experienciar do fluxo é vivido
pelos participantes da relação. Nesta época Rogers se posiciona como opositor da
corrente behaviorista, de Skinner. Em 1961, através de seu livro Tornar-se Pessoa,
Rogers se torna uma importante figura da “Terceira Força” em psicologia (Holanda,
1998 e Boainain Jr, 1999).
Em 1963, Rogers se muda para a Califórnia, em La Jolla, vilarejo de San Diego, a
convite de Richard Farson para se juntar à equipe do Western Behavior Sciences
Institute (WBSI), onde explora as potencialidades do comportamento em diversas áreas
como na educação, administração, governo, negócios. Em 1968, abandona a WBSI e
funda o Centro de Estudo da Pessoa, aonde começa a se dedicar ao trabalho de
conferencista, escritor e facilitador de grupos. Esta é a chamada quarta fase (dos grupos
de encontro) quando o trabalho se focaliza especialmente nas potencialidades
transformadoras do trabalho grupal e o pesquisador examina as transformações
socioculturais para sua análise científica e filosófica. A década de 60 é marcada pelo
Movimento do Potencial Humano, na Califórnia. Rogers contribui para a formação do
grupo mais não-diretivo e menos técnico, com clima psicológico caloroso e permissivo,
possibilitando o movimento de abertura experiencial e comunicativa e enfatiza uma
reestruturação da personalidade e crescimento pessoal. O encontro do grupo é
caracterizado pela presença de condições facilitadoras (verdadeiro agente transformador
e curativo apontado pela Abordagem) realizadas pelo facilitador designado, pelo cliente
ou pelos participantes do grupo (Boainain Jr, 1999).
É aqui, nesta fase, que pretendemos desenvolver o nosso trabalho: um estudo das
vivências subjetivas dos participantes dos grupos de encontro.
A quinta fase, caracterizada pelo aprendizado com os grandes grupos, acontece nas
décadas de 70 e 80. Em 1974, o Centro de Estudos da Pessoa resolve aplicar a teoria da
Abordagem em grupos maiores, chamados Workshops, buscando a construção de uma
mini-sociedade ou comunidade sem liderança formal, baseando-se apenas nas
possibilidades abertas pelo poder pessoal de cada participante para exercer a
autodeterminação. Apesar da descrença em tal trabalho, os resultados foram
extraordinários, descortinando interesses, possibilidades, aplicações de temas
vislumbrados nos encontros. A segunda contribuição desta fase se dá através da
conscientização política, que mostra ao organismo o seu poder, retirando-o das fontes
externas e de manipulação. Com isto a Abordagem passa a vislumbrar uma “revolução
silenciosa” aonde as pessoas cientes de seu poder pudessem solucionar problemas de
classe sociais e interculturais, promovendo a emergência da democracia e da paz
mundial.
Naturalmente, a evolução da Terapia Centrada no Cliente à Abordagem Centrada na
Pessoa mostra o seu dinamismo teórico e a sua aplicação nos mais variados campos de
atividades, tais como: grupos de encontro, psicoterapia de grupo, facilitação de
aprendizagens, grandes grupos, resolução de conflitos, etc.

1.1.1: A Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil

A Abordagem Centrada na Pessoa surge no Brasil em 1945 e se torna expressiva em


1977, com a vinda de Rogers e seus colaboradores John K. Wood, Maureen Miller,
Maria e Jack Bowen (Tassinari, 1999).
Historicamente, a Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil é dividida em quatro etapas
distintas (Tassinari e Portela, 1996)
A primeira etapa, de 1945 a 1976, denominada de Pré-História, é caracterizada pela
grande quantidade de publicações, eventos e profissionais que abrangiam
principalmente os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do
Sul e Pernambuco (Tassinari e Portela, 1996). A segunda etapa é chamada de
Fertilização e abrange o período de 1977 a 1986. Com a chegada de Rogers em 1977, no
Brasil, verifica-se o entrosamento dos profissionais, apresentação de eventos, artigos,
monografias, teses, livros, Jornadas de Psicologia Humanista, Encontros Nordestinos,
Encontros Latino-Americanos e criação de núcleos profissionais (Tassinari e Portela,
1996).
A terceira etapa, de 1987 a 1989, denominada de Declínio, ocorre com a morte de Carl
Rogers, nos Estados Unidos, e de Rachel Rosemberg, em São Paulo. Verifica-se a saída
de precursores expressivos desta orientação teórica e do meio acadêmico, como Teresa
Dourado, Teresa Cristina Carreteiro e Lúcio Campos. Essas perdas abalam
principalmente a região Sudeste, provocando a diminuição de artigos, livros, teses e
eventos vivenciais, além da extinção de alguns núcleos existenciais. Ainda neste
período, observa-se a ascensão da região Nordeste, com formação de núcleos nos
Estados do Ceará, Paraíba e Alagoas (Tassinari e Portela, 1996).
A quarta etapa, Ascensão/Renascimento, é o nome dado à época de 1990 em diante,
apresentando um aumento significativo nas produções de artigos, livros, eventos,
formações de núcleos. Abrange a área de atuação da Abordagem aos Estados da Paraíba
e Rio Grande do Norte (Tassinari e Portela, 1996), solidificando-se em Minas Gerais,
com a criação do Grupo Mineiro de Psicologia Humanista, em 1993, e do Instituto
Humanista de Psicoterapia (IHP), em 1996. Acontece o I Fórum Brasileiro da A.C.P.
em Paulo de Frontin (RJ), em 1996; o II Fórum, em Canela (RS), em 1997; o III Fórum,
em Ouro Preto (MG), em 1999 e, para 2001, o IV Fórum em Brasília (DF)/Cocalzinho,
(GO), estimulando os profissionais do país.
Desde 1970 foram criados 25 núcleos formados por profissionais interessados na
divulgação, aprofundamento e prática da Abordagem Centrada. A maioria destes não
apresenta finalidades lucrativas e se constitui como agrupamento informal. Alguns
criaram boletins informativos, com publicações de artigos, depoimentos e entrevistas
(Tassinari e Portela, 1996).
Em São Paulo verifica-se uma atuação forte da Abordagem, desde a década de 70, com
Raquel Rosenberg, através da criação do Centro de Desenvolvimento da Pessoa, que
depois originou o Grupo de Psicologia Humanista, realizando diversas atividades
teóricas e vivenciais como o I Encontro Nacional de Psicologia Humanística. Na década
de 80 surge o Grupo de Orientação Humanística, através do trabalho de Mauro
Amatuzzi com alunos de pós-graduação da PUCCAMP, objetivando a orientação de
pesquisas. Ainda em 1980, destaca-se o Núcleo Paulista da Abordagem Centrada na
Pessoa, pela organização e incentivo de vários eventos e publicações durante cinco anos
do Boletim do Núcleo Paulista, que teve seu apogeu nos três primeiros anos, mas que
atualmente restringe-se a boletim informativo, denominado de Fax-Cilitando (Tassinari
e Portela, 1996).
Recentemente, tivemos a informação da criação de um novo núcleo da Abordagem em
Campinas, SP, denominado ACPCamp.
Em Belo Horizonte, as primeiras experiências com a Abordagem se deram no fim da
década de 50 e início da de 60, com Pierre Weill e Antônio Luiz Rodrigues da Costa.
Em 1963, através do Curso de Psicologia da UFMG, surge a atividade de treinamento
sobre a Teoria Centrada no Cliente, contemplando profissionais, professores e alunos.
Simultaneamente, no Curso de Psicologia da, então, Universidade Católica de Minas
Gerais (o primeiro de Minas Gerais), Escípio da Cunha Lobo divulga os princípios da
Terapia Centrada no Cliente. Em 1970, constitui-se o primeiro grupo de estudos da
Abordagem Centrada na Pessoa, que posteriormente se formaliza em sociedade civil e
denomina-se Centro de Estudos de Psicoterapia (CENEP), dissolvendo-se em 1978. No
final da década de 60 cria-se o primeiro grupo de Formação de Psicoterapeutas,
coordenado por Antônio Luiz Costa (Quinan, s/d). Nas décadas de 70 e 80 houve
encontros com alguns profissionais do exterior, tais como: Max Pagés, Maria Constança
Villas Boas Bowen, Maureen Miller O’Hara e outros. Em fins da década de 80, Luiz
Roberto Rodrigues, membro de um grupo informal vinculado à ACP, cria o boletim
Integrando: Através do Projeto Integração, no qual informava o andamento do IV
Fórum Internacional, realizado em 1989. Em 1993, este grupo funda o GRUMPSIH-
Grupo Mineiro de Psicologia Humanista, que promoveu nos anos de 93 a 96 os
Encontros Mineiros de Psicologia Humanista, sendo o primeiro deles engrandecido com
a presença de John Keith Wood, e os demais com Rogério Christiano Buys (RJ), Rui e
Rose Stockinger (RJ) e Rubem Alves, respectivamente. Desde 1996, com a fundação do
Instituto Humanista de Psicoterapia (IHP), por Antonio A. F. Coppe, Escípio da Cunha
Lobo e Maria Bernardete de Brito Capanema, a divulgação e formação na A. C. P. vem
se dando continua e ininterruptamente, inclusive, patrocinando, em 1998 e 1999, a vinda
de Robert E. Lee, ex-diretor do Centro de Estudo da Pessoa (EUA) e colaborador de
Rogers, para treinamento na formação de psicoterapeutas; e, em 1999, do psicólogo
cubano Jorge Luiz Del Pino Calderón, para uma palestra sobre o Humanismo. Em 11 de
dezembro de 2000, o IHP promoveu um Seminário Clínico com o tema “Os 60 Anos da
Terapia Centrada no Cliente”. A partir do VII Encontro Latino-Americano, em 1994, a
presença de membros desses núcleos nos eventos da Abordagem tem sido significativa.
Em Porto Alegre o Centro de Estudos da Pessoa, na década de 70 e 80 contribuiu para
uma fecunda produção de livros, teses e práticas grupais. Em 1994, criou-se o
DELPHOS – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Humano, oferecendo cursos de
formação de psicoterapeutas e dando continuidade ao trabalho desenvolvido em
academias. Recentemente, criou-se o Núcleo de Psicologia Humanista, em Tubarão,
Santa Catarina.
No Estado do Rio de Janeiro encontram-se 8 núcleos atuantes nas cidades do Rio de
Janeiro e Niterói. O Centro de Psicologia da Pessoa, fundado em 1975, é um dos mais
antigos do Brasil e apresenta uma biblioteca com acervo significativo de trabalhos
apresentados nos Fóruns Internacionais, nos Encontros Latino-Americanos, nas
Jornadas de Psicologia Humanista, nos Encontros Nordestinos, além de diversas teses e
monografias. Em 1980, é criado em Petrópolis o Centro de Psicologia e Estudos da
Pessoa (CEPEP), com o objetivo de servir de pólo irradiador da Abordagem. Em 1988,
é editado o primeiro Boletim ACP em Movimento, para transformar em palavras a
história de 15 anos da Abordagem no Brasil, mas, em 1989, é encerrada sua circulação.
Na década de 90 foram criados 5 novos núcleos com os mesmos objetivos do CPP.
Estes grupos eram o CPHN (Centro de Psicologia Humanista, de Niterói), o Espaço-
Vida e o Instituto do Desenvolvimento Humano, em Niterói. Em 1994 foi fundada a
ARP (Associação Rogeriana de Psicologia) e, em 1996, a NOVA- Núcleo de Orientação
Vocacional da Barra, ambos na cidade do Rio de Janeiro (Tassinari e Portela, 1996).
Desde 1990 que o CPHN vem contribuindo para a divulgação da Abordagem através de
workshops, salas de estudos e cursos de curta e longa duração; além de pesquisar sobre
o contexto teórico-prático. O Espaço-Vida, desde 1991, investe no campo da
psicoterapia infantil conjugada com a teoria sistêmica. Em 1993,o Instituto de
Desenvolvimento Humano passa a oferecer cursos baseados na qualidade de vida dos
profissionais envolvidos na Abordagem. O interior do Estado do Rio de Janeiro se serve
desses três núcleos, para atendimento psicoterápico, centro de referência e informação.
A NOVA apresenta uma proposta baseada na Terapia Centrada na Pessoa em conjunto
com a Terapia Expressiva de Natalie Rogers, que almeja facilitar a escolha vocacional
das pessoas através do alcance de um melhor autoconhecimento. A ARP pretende
congregar pessoas para a divulgação da teoria e da prática da Abordagem, através de
cursos propostos para toda a população (Tassinari e Portela, 1996). No Nordeste a
atividade da Abordagem começou em 1972, no Recife, com a formação do Centro
Rogeriano de Psicologia Clínica. Em 1976, muda o nome para Centro Pernambucano de
Psicoterapia, visando a dissolução de idéias sectaristas quanto a uma determinada
ideologia. Passa a divulgar artigos de outras orientações teóricas. Em 1988, surgem os
Núcleos da Abordagem em João Pessoa e Ceará; na mesma época cria-se em Maceió o
Centro de Estudos de Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico-Existencial. Em 1991 o
Núcleo Humanista Centrado na Pessoa e o Núcleo Cearense se fundem formando a
ANPHE – Associação Nordestina de Psicologia Humanista-Existencial. O estudo e
prática da Abordagem, no Nordeste, não se dá apenas em núcleos formais, mas quem
não participa destes se integra a congressos, eventos e coordena cursos de Pós-
Graduação (Tassinari e Portela, 1996).
As regiões Norte e Centro-Oeste apresentam poucos profissionais na área da
Abordagem que começaram a se expressar, embora sem núcleos formais, nos últimos
Encontros regionais e Latino-Americanos.
Após este mapeamento, evidencia-se uma expansão significativa da Abordagem no
Brasil.

1.2: Os Fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa

Segundo Rogers (Rogers & Kinget, 1977, v.1) “o ser humano é, em seu cerne, um
organismo em que se pode confiar” e a Abordagem consiste em “prover certas
condições psicológicas que facilitam a liberação deste fluxo subjacente para realização
construtiva das complexas possibilidades da pessoa” (p. 112).
A Abordagem Centrada na Pessoa (A. C. P.) rendeu contribuições nos campos teóricos
e metodológicos às ciências afins e à psicologia. Esta abordagem, de acordo com a
evolução do pensamento rogeriano, recebeu diversas denominações durante seu
percurso histórico, tais como: Orientação Não-Diretiva, Terapia Centrada no Cliente,
Ensino Centrado no Aluno, Liderança Centrada no Grupo, que ainda são empregadas,
levando-se em conta a realidade conceitual que essas designações trazem em suas
teorias.
Em 1970, Rogers propôs a denominação Abordagem Centrada na Pessoa, que abrangia
a atuação do psicólogo em vários campos como na educação, na facilitação de grupos,
na resolução de conflitos. Um outro conceito foi criado a partir desta década,
designando o trabalho na clínica, que recebeu o nome de Abordagem Centrada no
Cliente. Rogers foi o primeiro a gravar e filmar uma sessão psicoterápica e a usar o
termo “cliente”, mostrando a não passividade da pessoa no processo terapêutico, mas
aquele que direciona e dá sentido à terapia.
A Abordagem Centrada na Pessoa, escola teórico-prática, apesar de ser marcada por
flexibilidade, não dogmatismo e grande desenvolvimento dinâmico, através de
reformulações conceituais e ampliação do campo de interesse e atuação, apresenta uma
base de princípios fundamentais que sustenta sua teoria expressa nos seguintes
constructos:

A – Tendência à Atualização
Todo organismo é movido por uma tendência inerente para desenvolver todas as suas
potencialidades e para desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e
enriquecimento (Rogers & Kinget, 1977). A Tendência à Atualização ou Realização é o
pilar da teoria da Abordagem e propõe que em cada organismo, não importando sua
complexidade, existe um fluxo interno que movimenta o ser em direção à construção de
suas potencialidades, desenvolvendo-as de maneira a conservar-se e enriquecer-se. No
ser humano esta tendência não visa apenas a subsistência de necessidades básicas, como
respirar, alimentar e desenvolvimento dos órgãos, mas também ao aprendizado
intelectual, social e prolongamento da vida através da reprodução. Além disto, abrange
a noção de motivação, que se relaciona com a redução de tensões, necessidades e
impulsos. Seu movimento leva o organismo a se reconhecer com autônomo, único.

B – Noção de “Eu”
É uma estrutura perceptual, isto é, um conjunto organizado e mutável de percepções
relativas ao próprio indivíduo. Como exemplo dessas percepções podemos citar: as
características, atributos, qualidades e defeitos, capacidades e limites, valores e relações
que o indivíduo reconhece como descritivos de si mesmo e que percebe como
constituindo sua identidade (Rogers & Kinget, 1977, v.1).
Coppe (1999) afirma que “o primeiro constructo é o postulado fundamental da
abordagem, ele é o pilar da teoria da terapia, ao passo que o segundo é a base da teoria
da personalidade, deduzida da teoria da terapia” (p. 09).
A conjugação destes dois fatores é que determina o comportamento, pois segundo
Rogers (Rogers & Kinget, 1977, v.1) “o primeiro representa o fator dinâmico, o
segundo representa o fator regulador. Um fornece energia; outro a direção” (p. 44).

C – Experiência
Esta noção, segundo Rogers e Kinget (1977), “se refere a tudo que passa no organismo
em qualquer momento e que está potencialmente disponível à consciência; em outras
palavras, tudo que é suscetível de ser apreendido pela consciência. A noção de
experiência engloba, pois, tanto os acontecimentos de que o indivíduo é consciente
quanto os fenômenos de que é inconsciente” (p. 161, v.1).

D – Avaliação Organísmica
Pagés (1976) diz que “o indivíduo possui um sistema de avaliação da experiência e que
as experiências percebidas como atualizadoras do organismo são valorizadas
positivamente, e são valorizadas negativamente no caso inverso” (p. 43). Mas Rogers
(Rogers & Kinget, 1977, v.1) diz, mais precisamente, que “a experiência é avaliada
levando-se em conta as necessidades de conservação e de valorização, tanto do
‘organismo’ quanto do ‘eu’, no presente imediato e no futuro”. (p.178)
Segundo Coppe (1999), “o desenvolvimento teórico possibilitou ao longo dos anos, o
desenvolvimento de noções sistemáticas e precisas. Apresentaremos abaixo uma lista
numerada das noções, que é dividida em 11 grupos, sendo que cada grupo está
organizado em torno de uma noção-chave” (p. 09). Os conceitos das noções-chave se
baseiam no capítulo VIII do livro Psicoterapia e Relações Humanas, v. 1, de Rogers &
Kinget, 1977:

Lista das noções-chave

I – Tendência atualizante
Apesar de já tratada no item A acima, é mister esclarecer que esta tendência pode,
segundo Rogers (1983), “ser frustrada ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem
que se destrua também o organismo ” (p. 40). Ela é uma característica dos seres vivos.

II – Experiência
Experiência é tudo aquilo que ocorre consciente ou inconscientemente ao organismo. É
uma noção psicológica e não fisiológica, ou seja, não abrange a noção de descargas
bioquímicas ou fisiológicas, já que estas não ocorrem a nível consciente. A Experiência
se restringe a fatos imediatos da consciência e não a acumulações de acontecimentos
passados com o organismo.
Experimentar é vivenciar de forma ativa e mutável os acontecimentos internos e
sensoriais que atingem o organismo. Segundo Rogers & Kinget (1997), “Experimentar
conscientemente significa simbolizar corretamente uma dada experiência” (p. 162, v. 1).
Experimentar um sentimento abrange ao mesmo tempo a noção cognitiva e afetiva da
experiência vivida. Ao experimentar um sentimento entra-se em contato com a
manifestação de um fenômeno que será apreendido ou não, de forma consciente ou
inconsciente da experiência.

III – Noções relativas à representação consciente


Representação é sinônimo de simbolização e de consciência. Nesta concepção, a
consciência corresponde à representação ou simbolização (não necessariamente verbal)
de uma parte da experiência vivida. A simbolização pode apresentar graus
diversificados de intensidade em relação ao objeto. Esse objeto pode estar como pano de
fundo ou como figura central. Quando a experiência é simbolizada sem a ação das
defesas ou sem qualquer dificuldade, ela está disponível ou acessível à consciência.
Simbolizar corretamente não significa que a experiência tenha sido real. Para se ter
certeza de que ela pode realmente ter sido verdadeira testa-se o fenômeno ocorrido.
Segundo Kelly (apud Rogers & Kinget, 1977, v. 1, p. 162), perceber é “o efeito
consciente de excitantes – principalmente luminosos e sonoros – que afetam o
organismo do exterior”. A significação e os excitantes pertencem a uma mesma
experiência vivida pelo indivíduo. A percepção emerge da consciência em resposta a
excitantes que afetam o organismo e podem ser comprovados por ele. Existe uma
diferença entre percepção e consciência: a primeira se restringe a aspectos conscientes e
a segunda abrange os aspectos conscientes e inconscientes.
De acordo com McCleary e Lazarus (apud Rogers & Kinget, 1977, v. 1, p. 164), a
“subcepção é a discriminação (de excitantes) sem representação consciente”. A
subcepção fornece ao organismo a distinção de um excitante sem necessariamente
utilizar os centros nervosos que sustentam a consciência, mas atua de modo que ocorra
uma significação pessoal do excitante. Ela explica a capacidade do indivíduo para
distinguir o caráter ameaçador de uma experiência sem ter pleno conhecimento deste
caráter ameaçador (Rogers & Kinget, 1977, v. 1).

IV- O “eu” e noções conexas


Experiência de si abrange todos os fatos que a pessoa reconhece como sendo
relacionados ao “eu”. A experiência do “eu” é que fornece ao organismo a idéia de
“eu”. A idéia ou imagem do “eu” é disponível à consciência, mesmo que a pessoa não
tenha consciência do fato. Este termo designa a experiência composta de percepções
relativas ao eu, com relações deste com o meio, com outras pessoas e da atribuição de
valores que esta pessoa emprega para a experiência, ao passo que o Eu-Ideal é aquilo
que o indivíduo gostaria de ser.
O “eu” não é uma noção fixa, é uma Gestalt, que pode sofrer modificações profundas,
não em nível de adicionar ou subtrair essência, mas organizando ou reorganizando sua
estrutura dependendo de elementos significativos para a pessoa. Durante o processo
terapêutico a noção do “eu” se altera significativamente. O “eu” é um regulador do
comportamento à medida que seleciona as imagens que acredita condizer com a figura
que idealiza, mostrando-as e negando as imagens que tem mas não gostaria de possuí-
las. Quanto maior a experiência do “eu” condizer com o Ideal do Eu, maior será a
qualidade de vida e saúde que a pessoa desfrutará.

V- Desacordo e noções conexas


O desacordo acontece quando a imagem do eu e a experiência real não condizem,
fazendo com que a pessoa viva uma distância entre o eu e a experiência. Nessa situação
o indivíduo passa por um estado de tensão e confusão, se comportando ora através do
ideal do eu, ora através das exigências do organismo. O organismo pode se encontrar no
estado de desacordo e se dar conta do que está experienciando. A isto emprega-se o
nome de vulnerabilidade. Neste estado o eu está propenso a sentir angústia, ameaça e
desorganização.
Do ponte de vista fenomenológico, a angústia é um estado de tensão e mal-estar que o
indivíduo apresenta devido a um conflito com o eu e à totalidade da experiência.
Segundo Rogers & Kinget (1977, v. 1) “a angústia constitui a reação do organismo à
‘subcepção’ deste estado de desacordo e ao perigo de tomada de consciência – que
exigiria uma modificação da estrutura do eu” (p. 170).
A ameaça ocorre quando o organismo conscientemente ou através da subcepção percebe
que alguns elementos de sua experiência não estão de acordo com o seu ideal de eu.
Estes elementos ou são representados de maneira incorreta ou não são representados no
eu, resultando em conflitos, confusões e tensões para o eu. Verifica-se, então, que o
desajuste psíquico ocorre quando o eu não representa ou deforma elementos importantes
da experiência.

VI- Reação à ameaça


Dizem Rogers & Kinget (1977), que “a defesa representa a reação do organismo à
ameaça” (p. 170), deformando a realidade para não modificar ou desvalorizar a estrutura
do eu. É recusando-se a compreender que a pessoa consegue escapar à dificuldade.
A rigidez perceptual faz com que o indivíduo represente sua experiência para si de
modo incondicional e absoluto, generalizando os acontecimentos ao invés de relativizá-
los. A pessoa não percebe a realidade concreta, em termos de tempo e espaço, ela
acredita nas opiniões alheias, confundindo os fatos de juízos e valores sem ter coragem
de enfrentar a verdadeira realidade.

VII- Noções de acordo e noções conexas


O acordo entre o eu e a experiência acontece quando um indivíduo tenta estabelecer um
estado de acordo entre a experiência e sua imagem. Quando as experiências são
corretamente simbolizadas pelo eu diz-se de um organismo funcionando de modo
ótimo, ou seja, está experimentando um estado de congruência.
A receptividade à experiência ou “Abertura à experiência” é quando o organismo não se
sente ameaçado diante o acontecimento, ou seja, a pessoa está completamente
disponível aos efeitos produzidos tanto pelo meio externo (luzes, cores) quanto pelos
internos (memória, prazer, desgosto). O Funcionamento Ótimo ocorre quando o
organismo permite a integração simbólica da totalidade da experiência. Esta noção
equivale ao acordo da experiência vivida e a noção de eu, ou abertura à experiência.
Quando os fenômenos são realmente observados e experienciados ocorre uma
percepção chamada discriminativa, diferenciada ou realista. O indivíduo que vivencia
sua realidade percebe o contexto no espaço e tempo corretos, seu pensamento se guia
pelas observações e não por opiniões, se baseia em múltiplos critérios chegando a um
conclusão verdadeira à prova da realidade. Daí ocorre a maturidade psíquica, que é
quando o organismo está aberto à experiência e a percebe de maneira diferenciada e
realista. Este indivíduo tem sua própria opinião, que só é modificada através da
verificação de fatos que possam ser observados e comprovados, que assume a
responsabilidade de sua individualidade e trata as pessoas com devido respeito por
serem seres individuais e autônomos, experimentando um sentimento positivo de si e
em relação ao outro.

VIII – Consideração positiva incondicional e noções conexas


Contato é, segundo Rogers & Kinget (1977), quando “duas pessoas estão em presença
uma da outra e cada uma delas afeta o campo experiencial da outra numa forma ou
percebida, ou subliminar”. (…) Ou seja, “existe entre elas as condições mínimas
necessárias à relação” (p. 174, v. 1 ).
A consideração positiva ocorre quando um sujeito afeta o campo experiencial do outro e
este se sente acolhido, respeitado ou simplesmente aceito. Ocorre a consideração
positiva também quando uma pessoa percebe que outra está tendo noção da experiência
que é vivida e, então, a primeira se sente feliz por isto.
Todo ser humano apresenta uma necessidade fundamental de consideração positiva, que
é aprendida na primeira infância (Rogers & Kinget, 1977, v. 1). Quando as experiências
de uma pessoa são sentidas por outra como igualmente dignas de consideração positiva,
ou quando percebe-se que o outro age desta maneira consigo, diz-se que a pessoa
experimenta uma consideração positiva incondicional. Esta atitude é evidente quando
amamos outra pessoa, percebemos seus defeitos e qualidades, ou seja, considerando-a
como pessoa.
O complexo de consideração é uma configuração de experiências relativas ao eu, que o
indivíduo reconhece como tendo para ele o valor da consideração de outra pessoa, que
destaca, segundo Rogers & Kinget (1977), “o caráter estrutural e dinâmico das
experiências que acarretam a consideração positiva (ou negativa) por parte do outro”
(p.176, v. 1). Dessa forma, a atitude de consideração positiva de uma pessoa tende a se
influenciar pela atitude de consideração positiva ou negativa do outro para ela.
A consideração positiva de si é quando o próprio indivíduo sente consideração positiva
de si independente da atitude de consideração que o outro lhe atribua. Neste momento a
pessoa se respeita e tem a si mesma como “pessoa critério”, que era anteriormente o
lugar ocupado por uma pessoa que sentíamos ser especial para nós. A necessidade de
consideração positiva de si é experienciada como a consideração positiva que se sente
de si, mas que está intimamente ligada à consideração positiva que o outro tem por nós.
Concluindo, a consideração positiva incondicional de si é quando a pessoa percebe que
todas as experiências relativas a si são dignas de consideração positiva.

IX- Noção de avaliação condicional


Avaliação condicional ou consideração seletiva acontece quando a pessoa evita ou
procura certas experiências por lhe parecer dignas ou não de consideração positiva de si.
Esta noção se desenvolve, segundo Rogers & Kinget (1977), “quando certas ‘pessoas
critérios’ se mostram seletivas na consideração que manifestam a respeito de diversos
elementos de seu comportamento, o indivíduo se dá conta que, sob certos aspectos, é
apreciado e que, sob outros, não o é” ( p. 177, v. 1 ). Sem perceber, a pessoa começa a
tomar a mesma atitude consigo, passando a avaliar sua satisfação não por seus critérios,
mas em função do critério de outras pessoas. Quando o organismo passa a perceber que
suas “pessoas critérios” agem incondicionalmente com ela, então esta pessoa passa a
avaliar suas experiências de modo “organísmico” e ela se torna a sua própria “pessoa
critério”.

X- Noções relativas à avaliação


A avaliação é a fonte de critério utilizada pelo indivíduo para avaliar suas experiências.
O organismo pode avaliar a experiência a partir de valores internos ou externos
(dependência do critério de outra pessoa). O processo de avaliação organísmica não
pára de crescer e de mudar. O critério da avaliação modifica-se constantemente
dependendo da nova simbolização que a pessoa representa para sua vida e seu
organismo. É a tendência à atualização que serve de critério à avaliação organísmica.

XI – Noções relativas à fonte do conhecimento


Como fonte de conhecimento existe o ponto de referência interna, que são as sensações,
lembranças, significações, percepções que a pessoa tem disponível à consciência. É o
mundo que só o sujeito pode conhecer, por pertencer somente à sua subjetividade. Só
podemos conhecer o mundo do outro através de uma relação empática, mas apenas de
forma incompleta (Rogers & Kinget, 1977, v. 1).
Uma outra fonte de conhecimento se dá pela empatia, que consiste em tentarmos
conhecer os valores subjetivos do outro como se fossem nosso, ou seja, ver o mundo
através dos olhos do outro; colocar-se no lugar do outro como se fosse o outro, sem
jamais esquecer a condição ‘como se’.
Pode acontecer de se observar um objeto não considerando o seu ponto de referência,
percebendo-o apenas de um ponto de referência externo. Neste caso não acontece uma
atitude empática.
Como vemos, a teoria tem um corpo teórico consistente, uma vez que essas noções são,
segundo Rogers & Kinget (1977), “o resultado de uma transação contínua entre a
experiência prática, a conceituação teórica e a verificação por meio de pesquisas”. (p.
158) Tanto que o desenvolvimento teórico e experimental, segundo Rogers & Kinget
(1977), se efetuou na seguinte ordem:
– “aquisição de experiência clínica terapêutica;
– formulação de hipóteses provisórias;
– verificação dessas hipóteses por meio de pesquisas;
– aquisição de novos dados resultantes da pesquisa;
– modificação das teorias em função de uma maior experiência terapêutica e
experimental
– verificação das proposições teóricas revistas” (p. 225, v. 1).
Como podemos constatar, a Abordagem Centrada na Pessoa possui um corpo teórico
sólido, submetendo-se, até, a uma análise lógico-formal, conforme a realizada por
Coppe (1999).
Mesmo que a teoria, segundo Coppe (1999),
“seja alvo de críticas, principalmente no que se refere à amplitude da sua aplicação e à
eficiência de suas técnicas terapêuticas e aos conceitos básicos (tendência à atualização
e avaliação organísmica), duas observações são fundamentais: 1ª) que pesquisas
recentes confirmam a eficiência da terapia – ver em Pagés (1976) a validação empírica
da teoria – e 2ª) nem mesmo os críticos mais severos negam a Rogers o mérito de ter
conduzido o mais extenso programa de pesquisas associadas a uma escola de terapia”
(p. 11-12).

1.3: Um breve histórico sobre Carl Rogers

Carl Ranson Rogers nasceu em 8 de janeiro de 1902, em Oak Park, Illinois (EUA), e
faleceu em 5 de fevereiro de 1987, em La Jolla, Califórnia (EUA). Era o quarto de seis
filhos, sendo apenas uma mulher. Walter Rogers, seu pai, graduou-se em Agronomia na
Universidade de Wisconsin. Júlia, sua mãe, freqüentara a faculdade por dois anos.
Segundo Rogers (1975), sua família era unida e tinha como ideologia básica a religião
fundamentalista. Preocupavam-se com a formação moral e o culto do valor ao trabalho.
Suas relações eram afetuosas, passando tempos agradáveis juntos. Acreditavam ser
diferentes das outras famílias e, por conseqüência, tinham comportamentos singulares,
como a abstinência do álcool, da dança, dos jogos de cartas e de espetáculos já que eram
os “eleitos” de Deus. Quando criança, Rogers não tinha a saúde muito boa e por isso era
considerado frágil pela família (Gobbi & Missel, 1998). Devido a este fator, algumas
crianças usavam de brincadeiras provocativas, beirando a crueldade. Isso fazia com que
Carl encontrasse dificuldades em fazer amigos fora da família, fato agravado, segundo
Belém (2000), pela necessidade de mudar de escola três vezes. Como era uma criança
mais introvertida, encontrava nos livros um companheiro, que de certa forma o
distanciou dos colegas quando ingressou na escola, já que lia em um padrão mais
avançado. Era um garoto com ávidos questionamentos científicos, mas vivia em
isolamento social.
Em 1914, aos doze anos, Rogers muda-se com a família para uma chácara distante trinta
milhas, a oeste de Chicago. Seu pai havia ascendido como homem de negócios e
procurava um lugar que propiciasse entretenimento. Além disto, Carl acreditava que
seus pais queriam afastar sua família das “tentações” da cidade. Neste lugar começa a se
interessar pela vida das borboletas noturnas, como a bela Luna, Polyphemus, Cecrópia,
e outros lepidópteros. Estudando-as pelos livros e criando-as em cativeiro, tornou-se
autoridade nessas criaturas e aprendeu através da observação da natureza, as delícias e
as frustrações que se tem em fazer ciência. E como seu pai organizou a chácara em uma
base científica, adquirindo vários exemplares sobre a agricultura racional, incentivando
seus filhos à procurarem conhecimento para suas independências através da lida com
galinhas, porcos, carneiros e vacas. Este contato incentivou Carl, aos 14 anos, a
pesquisar a obra de Morrison, Feeds and Feeding (alimentos e alimentação), sobre a
agricultura científica. Aprendeu a importância do ‘grupo experimental’, ‘grupo de
controle’, ‘procedimentos aleatórios’, o que lhe era importante saber para influenciar
corretamente a alimentação dos animais alterando respectivamente a produção de carne
e leite. Rogers (1975) afirma, a partir dessas experiências, que “aprendi como é difícil
verificar uma hipótese. Adquiri deste modo o conhecimento e o respeito pelos métodos
científicos através do trabalho prático”. Esses interesses o influenciaram no seu
trabalho.
Sua educação foi ministrada no liceu de Wisconsin no campo da agricultura, já que
nesta fase queria poder administrar a chácara de forma mais moderna e científica. No
seu primeiro ano tornou-se membro de um grupo de estudantes conduzido por George
Humpley. Esse grupo trazia duas idéias que foram muito importantes tanto para a
formação pessoal quanto para a construção da teoria da Abordagem Centrada na Pessoa,
de Carl Rogers: a não adoração convencional do líder e a procura de se tomar suas
próprias decisões (Gobbi & Missel, 1998).
A vocação profissional de Rogers foi alterada nos dois primeiros anos de colégio
quando desiste da agricultura em favor do sacerdócio devido às reuniões que
freqüentara a respeito de religião. Passou, então, ao estudo da História, graduando-se em
1924 (Rogers, 1975). No primeiro ano de colégio, 1922, foi escolhido entre estudantes
americanos para uma viagem a Pequim, na China, afim de participar de um Congresso
Internacional Mundial dos Estudantes Cristãos, que durou mais de seis meses. Nesse
período, além da novidade de viajar para um outro país, ele conviveu com um grupo de
colegas muito inteligentes e criativos. E quando observou a diferença entre estudantes
franceses e alemães pode compreender como é que pessoas sinceras e honestas
poderiam ter doutrinas diferentes. E então emancipa-se pela primeira vez dos
pensamentos paternos , tornando-se uma pessoa independente (Rogers, 1975). Durante a
viagem correspondia com seus pais e com Helen Elliot, sua namorada. Neste momento
parecia estar compelido a ser honesto consigo mesmo, e não se sentir culpado e nem
mesmo perceber o efeito que este seu novo modo de ser poderia estar causando aos seus
pais, que eram tão tradicionais em suas doutrinas. A vivência em grupo possibilitou-lhe
entender e valorizar as diferenças individuais, além da aceitação que encontrou no
grupo e da segurança no relacionamento com Helen, que ajudaram-no a manter a
autenticidade na fuga da estreita visão familiar da realidade.
A viagem à China debilitou Rogers através de uma úlcera duodenal. Quando se
recuperou foi trabalhar em um depósito de antigüidades e nessa época teve o seu
primeiro contato com a Psicologia, através de um curso por correspondência de
Introdução à Psicologia, cujos textos eram de William James. Durante sua recuperação
aprofundou seus laços com Helen, uma estudante de artes. Noivaram e dois meses
depois da formatura de Carl em História, na Universidade de Wisconsin, casaram-se,
apesar de os pais de ambos acreditarem que fosse melhor esperarem depois que já
estivessem firmes em suas carreiras (Gobbi & Missel, 1998).
Em 1924, entra no colégio mais liberal do país, o Union Theological Seminary, em
Nova Iorque, do qual participa, durante dois anos, com o objetivo de se preparar para a
missão religiosa. Encontra professores excepcionais, como o Dr. A. C. McGiffert, que
acreditava e apoiava a liberdade de investigação e a busca da verdade (Rogers, 1975).
Seu grupo de estudos acreditava que o “Union” transmitia-lhes pensamentos já prontos
e desejavam pensar por si próprios. Então pediram à administração um espaço para
realizarem seminários sem diretores, onde poderiam questionar seus próprios
pensamentos. Foi neste espaço que Rogers desistiu da missão do sacerdócio, por
considerar a doutrina religiosa fechada em pensamentos lineares, o que não condizia
com sua nova forma de pensar, quando já não queria mais acreditar em uma única linha
de pensamento. Apesar de não mais desejar o sacerdócio, continuava envolvido pelo
sentido da vida e a possibilidade em poder melhorar a qualidade de vida dos seres
humanos; então como já havia tido contato com a psicologia e a psiquiatria, através de
cursos e conferências que havia assistido no “Union”, interessa-se em começar a seguir
cursos sobre psicologia clinica, na Escola Normal da Universidade de Colúmbia, o
Teachers College, que ficava exatamente em frente ao Union Seminary. Começa a
trabalhar em filosofia da educação com Willian Heardt Kilpatrick, veterano de John
Dewey, que lhe mostra a importância da educação progressista. Inicia seus trabalhos
práticos sob a orientação de Leta Hollingworth, que lhe propicia o primeiro contato com
crianças com distúrbios (Rogers, 1975).
Em 1926, ano em que começa a estudar na Universidade de Colúmbia, seu filho David
nasce em março tendo sua educação baseada no comportamentalismo watseniano.
Pouco a pouco começou a se dedicar ao estudo da psicopedagogia e a pensar em se
tornar psicólogo consultor. Como estava envolto em uma atmosfera de vigorosa
abordagem científica aliada a uma objetiva metodologia, houve facilidade na construção
de um teste para medir o ajustamento da personalidade da criança de 9 a 11 anos, que
foi o seu trabalho de doutorado. Durante essa época recebeu uma bolsa de estudos e
entrou no internato do Instituto para Orientação da Criança. Mergulhou nas perspectivas
dinâmicas de Freud, que lhe pareceram confusas e abstratas em relação ao cientifícismo
encontrado em sua escola anterior. Ao terminar seu teste de personalidade, este foi
considerado útil como instrumento clínico no Instituto. Provocou imensa popularidade e
vendia muito até os anos 70 (Gobbi & Missel, 1998).
Próximo ao fim do internato, 1928, procurou um lugar para trabalhar, no qual pudesse
encontrar remuneração e diminuísse os gastos familiares. Encontrou seu primeiro
emprego em Rochester, Nova Iorque, no Child Study Department, na Associação de
Proteção à Infância, onde recebia um salário insuficiente e tinha pouca perspectiva de
carreira, mas que lhe agradava, por estar trabalhando naquilo que gostava (Rogers,
1975). Durante os doze anos que passou em Rochester, oito se dedicou ao estudo do
processo psicodiagnóstico e planejamento de casos de crianças delinqüentes e
desprovidas de tudo. Foi um período de isolamento profissional em que se preocupou
em aprender com seus acertos e erros e a questionar se os métodos que eram utilizados
no tratamento seriam realmente eficientes. Desiludiu-se com três pontos, ao fazer sua
retrospectiva: com uma autoridade, com o material e consigo mesmo (Rogers, 1975).
Em relação à autoridade, estudou com o Dr. William Healy, que dizia que a
delinqüência muitas vezes devia-se a uma causa sexual e que ao constatá-la cessaria.
Acreditou com veemência nesta teoria e ao aplicá-la a um jovem piromaníaco do qual
descobriu o problema sexual, deu-lhe liberdade condicional e o jovem continuou com os
problemas. Outro acontecimento foi em relação ao material. Rogers (1975), ao ministrar
uma palestra sobre “os métodos da entrevista psicológica ilustrando-a com um caso de
uma entrevista que havia encontrado de uma mãe sendo entrevistada por um assistente
social perspicaz, penetrante e hábil, capaz de conduzir rapidamente a entrevista para o
centro da dificuldade” (p. 22). Anos mais tarde, ao reler este caso, considerou-o
próximo de um interrogatório; que bem sabia ser este um método superficial e que não
levava em consideração a subjetividade da pessoa entrevistada.
O fato que mais lhe marcou foi um erro que ele próprio produziu, como relata neste
comentário escrito em seu livro Tornar-se Pessoa (1975), anos mais tarde, quando já
havia aprendido a
“ser mais delicado e paciente na interpretação dada a um paciente do seu
comportamento, aguardando uma oportunidade em que a pudesse aceitar sem
perturbação.
Falava com uma mãe extremamente inteligente, cujo filho era um verdadeiro diabo. O
problema era evidentemente a sua rejeição do rapaz desde cedo, mas, apesar de muitas
entrevistas, não conseguia fazê-la ver isso. Fi-la falar, procurei delicadamente salientar
os dados evidentes que me tinha fornecido, tentando ajudá-la a ver a situação. O
resultado era nulo. Acabei por desistir. Disse-lhe que havíamos feito o melhor que
podíamos, mas que tínhamos falhado e que assim os nossos contatos deviam terminar.
Ela concordou. Acabamos assim a entrevista, apertamos a mão e ela dirigiu-se para a
porta do meu gabinete quando se voltou para mim e perguntou: “Também aconselha
adultos aqui?” Tendo-lhe respondido afirmativamente, disse-me: “Pois bem, gostaria
que me ajudasse”. Voltou para a cadeira donde se havia levantado e começou a dar
largas ao seu desespero sobre o matrimônio, sobre suas relações perturbadas com o
marido, o seu sentimento de fracasso e confusão, tudo isso muito diferente da estéril
‘história de um caso’ que antes me tinha fornecido. Iniciou-se então uma real terapia
que acabou por ser bem sucedida.” (p. 23)
Rogers (1975) disse que “este fato o fez pensar que é o próprio paciente que sabe aquilo
de que sofre, em que direção deve ir, quais os problemas que são cruciais, que
experiências foram profundamente recalcadas. Comecei a compreender que, para fazer
algo mais do que demonstrar a minha própria clarividência e a minha sabedoria, o
melhor era deixar ao paciente a direção do movimento no processo terapêutico” (p. 23).
Neste momento o processo de psicoterapia progride de uma abordagem formal e
diretiva para a que Rogers chamará mais tarde de Abordagem Centrada na Pessoa.
Ao longo deste período começou a duvidar se era um psicólogo. A Universidade de
Rochester disse-lhe que ele não fazia psicologia e não mais quis seus serviços. Assistiu
às reuniões da Associação Americana de Psicologia, que tratavam do tema do
aprendizado através de ratos e experiências de laboratório, e realmente não pareciam
com o trabalho que vinha desempenhando. Identificou-se com os assistentes de
psiquiatria social e retornou suas atividades como psicólogo nesta área. Começou a dar
cursos de como se tratar e compreender crianças difíceis, na Universidade, dentro do
Instituto de Sociologia. Logo depois o Instituto de Pedagogia também incluía suas
lições. Segundo Rogers, passar por tudo isso foi uma caminhada ao próprio rumo,
independente de estar com conceitos diferentes ou iguais de seus colegas (Rogers,
1975).
Em 1939, foi convidado a ser professor efetivo na Universidade Estadual de Ohio, tendo
certeza de ter sido convocado por causa da divulgação de sua obra The Clinical
Treatment of the Problem Child (O Tratamento Clínico da Criança Problema), livro que
pretendeu dar uma visão geral do campo de orientação da criança. Ministrava
conferências e publicava numerosos artigos, participando de muitos comitês e
estabelecendo práticas na terapia supervisionada, em seu primeiro ano em Ohio.
O dia 11 de dezembro de 1940 é considerado a data de aniversário da Terapia Centrada
no Cliente, já que neste dia Rogers proferiu uma conferência sobre os “Novos Conceitos
em Psicoterapia”, na qual critica os velhos métodos de terapia e descreve as “novas
práticas”, reconhecendo as influências de Otton Rank, Jessie Taft, Frederick Allen,
fazendo referência ao trabalho de Karen Horney (Gobbi & Missel, 1998).
Ao ensinar o que aprendera sobre o tratamento, percebeu que suas idéias tinham
perspectivas pessoais a partir de suas práticas, gerando críticas que o levou a se
questionar, escrevendo então em 1942 o livro Couseling and Psicotherapy (Psicoterapia
e Consulta Psicológica), onde aparece pela primeira vez o termo “cliente” e o relato
completo de uma consulta terapêutica (Gobbi & Missel, 1998). Descrevia o que lhe
parecia ser uma orientação mais eficaz da terapia. Este livro vendeu muito mais do que
se esperava.
Durante sua vida procurou estar sozinho em alguns momentos. E quando viajava com
sua esposa para o México, Caraíbas ou qualquer outro lugar aonde não fosse
reconhecido como psicólogo, ocupava-se em pintar, nadar, pescar, fotografar. Estes
eram os períodos de sua vida em que ele mais produzia intelectualmente, apesar de só se
dedicar ao estudo umas quatro horas diárias durante seus passeios.
Permaneceu apenas quatro anos em Ohio, período em que sua reputação foi realçada e
adorado pelos estudantes, aos quais dava muita atenção. Em 1945 muda-se para a
Universidade de Chicago, onde foi requisitado a estabelecer um Centro de
Aconselhamento.
Rogers passou 12 anos em Chicago, o período mais criativo de sua vida. O Centro de
Aconselhamento passou a ser formado por um grupo de colegas e pós-graduandos, com
o qual se estabeleceu um clima democrático, sem uma autoridade formal, privilegiando
e acreditando na capacidade do grupo que recebia estudantes e pessoas da comunidade.
Acontecia muita pesquisa e inovações clínicas.
Em 1951, escreve o livro Client-Centered Therapy (Terapia Centrada no Cliente), em
que já usa o método fenomenológico.
Em 1956, recebeu pela Associação Americana de Psicologia, o prêmio de “Destacada
Contribuição Científica” devido à publicação do livro Psicoterapia e Mudança da
Personalidade, publicado em 1954, em parceria com Rosalind Dymond. Anos mais
tarde, Rogers comenta que este prêmio foi para ele o mais importante (Gobbi e Missel,
1998).
Voltou para a Universidade de Wisconsin, em 1957, aonde pensava ser possível a união
de pensamentos das áreas de Psicologia e Psiquiatria. Este desejo não foi satisfeito e
Rogers entrou em atrito com alguns colegas. Como houve muitos conflitos, Carl se
demitiu, mas continuou a trabalhar no departamento de Psiquiatria. Em 1967, publicou
o livro The Therapeutic Relationship and it is Impact: A study of Phycotherapy with
schizophrenics, resultado do seu trabalho com esquizofrênicos, em Stanford (Gobbi &
Missel, 1998 e Belém, 2000).
Quando publicou o livro On Becoming a Person (Tornar-se Pessoa), em 1961, não
esperava que fosse ser tão bem aceito pelos profissionais da área de educação,
terapeutas, filósofos, e outros, conferindo-lhe influência e reconhecimento pelos
intelectuais, sendo um dos seus livros mais traduzido.
Em 1963, Richard Farson, um de seus antigos estudantes, convida-o a entrar no recente
Western Behavior Sciences Institute (WBSI), em La Jolla, Califórnia, organização sem
fins lucrativos e que se preocupava com a pesquisa Humanística em prol às relações
interpessoais. Neste momento, Rogers passa a acreditar tanto no processo terapêutico
grupal quanto ao que acontece entre cliente e terapeuta. Richard Farson sai da WBSI,
em 1968, ocasionando mudanças administrativas. Rogers então se retira e forma junto
com outros colegas o “Centro de Estudos da Pessoa”, onde permanece como
“colaborador presidente” até sua morte. Logo o Centro tinha quarenta membros que
vieram de diferentes disciplinas, que tinham a liberdade de desenvolver seus próprios
interesses. Nos seus últimos anos na Califórnia, Rogers teve a liberdade de trabalhar,
pesquisar e testar suas idéias sobre grupos de encontro, sem a influência restritiva de
instituições sociais ou acadêmicas (Gobbi & Missel, 1998).
Segundo Coppe (1999), “a partir da década de 70, Rogers se interessa profundamente
pelos aspectos sociais e políticos da sua teoria”. Publica Carl Rogers on encounter
groups (Grupos de Encontro), tendo facilitado, em 1972, na Irlanda, um grupo de
encontro entre católicos e protestantes. Em 1974, com a ajuda de Natalie, sua filha,
acontece o primeiro workshop de grandes grupos (Person Centeral Workshops).
Preocupado com a paz no mundo e a possibilidade de atravessar fronteiras culturais e
raciais, na última década de sua vida passa a viajar pelo mundo. Visita o México, o
Brasil (em 1977, 1978 e 1985), a Austrália, o Japão, vários países da Europa
(principalmente nas áreas de tensão como a Irlanda do Norte, Rússia, Polônia) e África
do Sul, tentando divulgar suas idéias e participando ativamente de workshops (Gobbi &
Missel, 1998 e Coppe, 1999).
Sua esposa Helen morre em 1979. No ano seguinte, Rogers publica o livro A Way of
Being (Um Jeito de Ser), com novos prismas sobre a ciência e o conhecimento.
Próximo ao ano de 1985, Rogers reúne um grupo de dezessete grandes países em uma
Conferência na Áustria, no “Central American Challenge”, preocupado com o confronto
nuclear e a preservação da paz mundial (Gobbi & Missel, 1998); no ano da sua morte,
em 1987, tinha agendado para março um encontro com o ex-presidente Jimmy Carter
sobre a paz mundial e, também neste ano, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Capítulo 2: OS GRUPOS DE ENCONTRO

2.1: Histórico

O Grupo de Encontro tem importância tanto para a prática psicoterapêutica, como para a
Abordagem Centrada na Pessoa (A. C. P.) enquanto um referencial teórico. Portanto, é
necessário situá-lo historicamente no seio da A. C. P., inclusive para compreender
melhor o seu percurso e a proposta desta pesquisa. Ele é específico da prática rogeriana.
É importante frisar que a palavra grupo aqui empregada refere-se a uma experiência
planejada e intensiva dentro de um contexto psicológico.
Os grupos de encontro, segundo Fadiman e Frager (1979), originaram-se em 1946 em
Connecticut, EUA, com um programa de treinamento para líderes comunitários. A
proposta consistia em encontros, à noite, entre treinadores e observadores para discutir
os eventos diurnos. Esta experiência mostrou que ao darem um feedback aos
participantes, isto intensificava o vínculo entre eles.
Rogers (1970) coloca que anterior a 1947, Kurt Lewin e sua equipe do Massachussets
Institute of Technology desenvolveram a idéia de que o treino das capacidades em
relações humanas era um importante mas esquecido tipo de educação na sociedade
moderna. Em 1947, pouco depois da morte de Lewin, foi realizado o primeiro, então
chamado T-group (‘training groups’: grupos de treino), em Bethel, Maine, EUA.
Alguns dos treinadores dos grupos de Connecticut se juntaram aos outros e fundaram os
‘National Training Laboratories’ (NTL), que funcionaram, aproximadamente até 1960.
Os NTL, inicialmente, foram planejados para a indústria, em função do suporte
financeiro dela. Naturalmente, a participação das pessoas nos T-group possibilitou-lhes
uma compreensão mais clara a respeito do seu próprio funcionamento e isto levava a
uma mudança significativa de personalidade.
Simultaneamente a este movimento, Carl Rogers e seus colaboradores no Centro de
Aconselhamento da Universidade de Chicago desenvolveram grupos de treinamento
para conselheiros pessoais para a Administração dos Veteranos; o objetivo era preparar
as pessoas para serem conselheiros eficazes no tratamento de problemas dos regressados
da guerra. A equipe percebeu que a melhor maneira de preparar os conselheiros era
através de grupos intensivos, onde eles tinham percepção maior de si mesmo e, a partir
desta consciência, desenvolverem um clima psicológico seguro para facilitar uma ajuda
efetiva para os regressados. Esta proposição evidencia a idéia básica da A. C. P., cuja
tese é a capacidade de a pessoa se desenvolver e crescer em harmonia consigo e com o
seu ambiente (Coppe, 1998).
A experiência tem demonstrado, qualitativamente, que mesmo ocorrendo, ainda que
minimamente, alguns efeitos negativos, a maioria dos participantes relata efeitos
altamente positivos em suas vidas. Isto confirma que a vivência intensiva de grupo é
poderosa e geradora de mudanças significativas.
As teorias que inicialmente deram suporte ao movimento de grupo foram o pensamento
de Kurt Lewin, a Psicologia da Gestalt e a Abordagem Centrada na Pessoa. A A. C. P.,
além de dar a sua contribuição para a terapia, cria esse modelo de Grupos de Encontro,
que é terapêutico, embora não tenha a estrutura de um grupo de terapia. Veremos que à
medida que o interesse pelos grupos se disseminou e proliferou, várias modalidades se
desenvolveram. Rogers (1970) aponta algumas dessas modalidades: T-Groups, Grupos
de Encontro (ou grupo de encontro básico, cujo foco é o crescimento pessoal através de
um processo experiencial), Grupo de treinamento de sensibilidade, Grupo centrado na
tarefa, Grupos de percepção sensorial – de percepção corporal – de movimento corporal,
Grupos de criatividade, Grupo de desenvolvimento organizacional, Grupo de formação
de equipe, Grupo Gestáltico, entre outros.

2.2: Os objetivos e as etapas do processo de grupo

Após esse breve histórico, enfatizaremos agora o Grupo de Encontro segundo a A. C. P.


Começaremos com a definição e os objetivos do Grupo: o grupo de encontro (Rogers,
1970) consiste numa experiência intensiva que conduz a uma maior independência
pessoal, a menos sentimentos escondidos, maior interesse em inovar e maior oposição à
rigidez institucional, objetivando, através de um processo experiencial, incrementar o
crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação (consigo e
com os outros) e das relações interpessoais.
A filosofia do Grupo de Encontro se baseia na crença de que o grupo tem a capacidade
latente ou manifesta de se autodirigir, ou seja, a direção é dada pelo grupo como um
todo, cabendo ao(s) facilitador(es) a criação de condições que possibilitem ao mesmo o
seu desenvolvimento e crescimento, bem como a atualização dessa capacidade de dirigir
a si mesmo (Coppe, 1998).
A estruturação formal no que diz respeito à duração, número de participantes,
composição e tempo, vai depender da proposta que se fizer. Por exemplo, o grupo
proposto por nós, geralmente, é em regime residencial (os participantes vão para um
sítio, em um fim de semana – de sexta-feira a domingo), com uma média de duração de
20 horas, com 18 membros (já fizemos grupo com 09 pessoas), além da equipe de
facilitadores; o grupo, usualmente, é heterogêneo e o modo de utilização do tempo é
determinado no início do grupo.
A estruturação desejada, do ponto de vista da abordagem e que está expressa na sua
filosofia, é a implícita: o grupo é livre para escolher os próprios objetivos e direções,
com uma dinâmica de liberdade, igualdade, criatividade e afetividade. Diante de uma
estruturação assim, veremos que no começo de um grupo, geralmente, ocorre surpresa,
irritação, ansiedade, até que ele encontre os caminhos para o relacionamento inter e
intrapessoais.
De acordo com Rogers (1970), o processo grupal ocorre da seguinte maneira:
Fase de hesitação (de andar à volta): o grupo fica esperando as “regras”, como se
comportar, o que falar; ocorre uma comunicação superficial; piadas; casos. Na medida
que o incômodo aumenta e que o grupo percebe que a direção é dele, aí alguém propõe:
“vamos começar nos apresentando?”.
Resistência à expressão ou exploração pessoais: é o receio de se revelar: “posso revelar
algo tão íntimo que tenho medo do que os outros vão pensar de mim”.
Descrição de sentimentos passados: ao invés de se expressar sentimentos do aqui e do
agora, são expressos sentimentos do então e do lá, que são expressões exteriores ao
grupo (“eu tive um problema com meu marido…”).
Expressão de sentimentos negativos: quando surgem sentimentos presentes,
freqüentemente, eles são negativos e dirigidos a um outro membro do grupo (“não gosto
do seu jeito de chegar perto”) ou ao(s) facilitador(es) (“Você está sendo autoritário na
condução do grupo”).
Expressão e exploração de material com significado pessoal: se o grupo passou pela
etapa anterior sem se desintegrar e o clima de confiança se fortalece, então as pessoas
começam a ser elas mesmas com todos os riscos e isso leva à expressão de sentimentos
imediatos de significação pessoal (“à primeira vez que o vi, te achei extremamente
antipático, e agora vejo que não”).
O desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no grupo: à medida que o vínculo
entre os participantes se estreita, simultaneamente, floresce a capacidade natural e
espontânea de ajuda entre os membros. É interessante observar que esta capacidade não
ocorre somente durante a sessão, mas também nos intervalos, quando as pessoas se
aproximam uma das outras, em função do que foi vivido, e auxiliam-se mutuamente.
Aceitação do eu e começo da mudança: a partir do momento em que as pessoas
começam a se aceitar tal como elas são e se mostram, um processo se põe em
andamento, surgindo daí um ser novo, singular e mais pleno.
O estalar das fachadas: se alguns membros ainda não se colocaram, isto provocará uma
impaciência para com as defesas. É como se o grupo fizesse um convite para a pessoa se
entregar e se dar a conhecer. Isto reflete o desejo de um encontro mais profundo e
significativo com o outro.
O indivíduo é objeto de reação (feedback) por parte dos outros: a colocação de uma
pessoa permite ao outro uma reação dele de forma que essa reação possa contribuir para
a tomada de consciência da primeira. Naturalmente, escutar como o outro nos percebe
nem sempre é muito fácil, mas se conseguimos escutá-lo, independente da dor que isto
nos causa, com certeza estamos num processo de crescimento.
Confrontação: às vezes ocorre de um indivíduo se confrontar com outro, diretamente e
em igualdade. Esses confrontos podem ser positivos ou negativos, em função da carga
emocional expressa. É um momento delicado do grupo e, especialmente, das pessoas
envolvidas, pois o medo da ruptura se presentifica.
Relações de ajuda fora do grupo: além do que foi comentado acima em
desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no grupo, percebemos, também, que
após o término do grupo, algumas pessoas continuam se relacionando.
O encontro básico: este é um dos aspectos mais significativos do processo, pois reflete o
sentido buberiano do encontro que é EU e TU, ou seja, um momento intenso,
transcendente, onde a comunhão ontológica é experienciada (Buber, 1979).
Expressão de sentimentos positivos e intimidade: se os sentimentos expressos são
aceitos na relação, isto resulta em intimidade e mais sentimentos positivos, além da
confiança e da afetividade como um todo.
Mudanças de comportamento no grupo: quando o grupo vai caminhando para o final, é
possível observar muitas mudanças: desde o tom de voz até a expressão espontânea do
afeto. As pessoas não são as mesmas de dois dias atrás, pois ninguém sai indiferente de
um encontro consigo e com o outro.
Rogers (1970) aponta o seu interesse para as mudanças que ocorreram após a
experiência de grupo e é nesse enfoque que este estudo está baseado.
Uma outra etapa que gostaríamos de acrescentar às que Rogers propôs é: o fim do
grupo. Greening (1975) afirma que “cada grupo tem também finidade e morte” e esta é
uma temática com a qual temos de lidar, pois manter ou estimular a ilusão de que os
grupos não morrem e se dissolvem seria mascarar a realidade. Greening (1975) coloca
de maneira brilhante este momento ao dizer que temos “de lidar adequadamente com a
morte do grupo residencial intensivo num remoto ambiente idílico e com o regresso dos
participantes à inexpressividade da vida de rotina, que os levou, em primeiro lugar, a
procurar um grupo” (p. 114). Um dado interessante a registrar é o fato de nunca termos
repetido um grupo com as mesmas pessoas, apesar de várias delas terem participado de
outros.
Agora, gostaríamos de focalizar, um pouco, a pessoa do facilitador, sua condição e o seu
papel. Sabemos da importância que Rogers dá às condições internas do terapeuta e à
força que estas têm no processo de desenvolvimento do cliente / participante, além do
privilegiamento da relação em si. Mas quais são essas condições (atitudes)? Em linhas
gerais são (Coppe e Lobo, 1987): “consideração – implica o reconhecimento da
existência do outro e o respeito à sua singularidade, ao seu processo e à sua autonomia;
compreensão (empatia) – implica a captação dos sentimentos e das significações
pessoais vivenciadas pelo indivíduo, bem como a comunicação disso a ele; congruência
– implica uma autoconsciência do que está sendo vivido em relação ao outro, o que
possibilita uma relação autêntica com ele”. Essas três condições estão intimamente
relacionadas e aparecem sempre em conjunto. Conseqüentemente, a conduta diante do
outro não é função exclusiva das necessidades e desejos individuais, mas do encontro
entre essas.
Além dessas condições básicas, é função do facilitador propiciar e estar atento para os
seguintes aspectos:
Criação de Ambiente: criar um clima psicologicamente seguro para o indivíduo, dentro
dos princípios da A. C. P..
Aceitação do Grupo: aceitar o grupo exatamente no ponto em que ele se encontra.
Aceitação do Indivíduo: aceitar o indivíduo em sua totalidade, acreditando que o que a
pessoa está colocando é o que realmente lhe acontece.
Atuar segundo aquilo que sente: estar atento a si mesmo, ou seja, estar se escutando em
todos os níveis para que possa expressar os sentimentos “persistentes” que experimenta
em relação ao indivíduo ou ao grupo.
Confrontar e dar “feedback”: confrontar os próprios sentimentos e dar o “feddback”
sobre eles, mesmo que seja doloroso.
Expressão dos próprios problemas: espera-se que o facilitador tenha se trabalhado o
suficiente para evitar a expressão dos seus próprios problemas no grupo; mas se sentir
livre para tal expressão, escutar bem o grupo para que ele não se sinta culpado.
Evitar o planejamento e os “exercícios”: sendo a espontaneidade o elemento mais
precioso e fugidio, pois ela é altamente eficaz, o facilitador deve evitar o planejamento e
os ‘exercícios’; planejar estratégias pode dar idéia de um artificialismo e o seu resultado
não é bom; isso não significa impedimento ao uso de alguma técnica que possa facilitar
a expressividade emocional de um membro ou do grupo como um todo.
Evitar comentários interpretativos ou do processo: evitar comentários para que os
membros não se sintam ameaçados, observados ou analisados; se houver comentários,
que sejam oriundos do grupo.
Liberdade Experiencial: o grupo que vivencia uma liberdade experiencial aplica a sua
potencialidade terapêutica, que reside nos seus membros, na ajuda de outros (vide
Conclusão, 5.2.)
Movimento e Contato Físico: a expressão, por parte do terapeuta, através do movimento
e contato físico, deve ocorrer em consonância com o que sente, de forma autêntica,
espontânea e de acordo com o contexto grupal (Rogers, 1970). A nossa experiência
mostra que um terapeuta é efetivo na condução de um grupo quando ele, cada vez
menos, centraliza a atenção sobre si. E, segundo Wood (1983), “o sucesso (do grupo)
não é caracterizado por quão bem o facilitador se saliente na apresentação das atitudes
fundamentais, mas por quão bem a criativa sabedoria grupal provedora de crescimento é
liberada e por quão bem os benefícios do crescimento são propiciados a seus membros”
(p. 67).
Do ponto de vista operacional, apresentaremos, a seguir, um resumo sobre os Grupos de
Encontro em seus vários aspectos funcionais:
Filosofia: o grupo se “dirige” (sentido da própria direção).
Objetivo: facilitar o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da
comunicação e relações interpessoais.
Estrutura Extrínseca:
. Duração: 18 a 20 horas em um fim de semana.
. Número de participantes: de 8 a 18 participantes.
. Composição: pode ser homogêneo ou heterogêneo.
. Espaço: o desejável, por se tratar de um grupo residencial, é que a sua
realização seja num sítio, ou seja, as vivências se dão no mesmo
lugar.
. Tempo: o início e o término das sessões são definidas pelo grupo.
. Número de facilitadores: acima de 12 participantes é desejável 2
facilitadores.
Estrutura Intrínseca: a estruturação é implícita, onde os participantes são livres para
escolher os próprios objetivos e direções pessoais.
Dinâmica: a dinâmica do grupo é fundada na igualdade entre os participantes, na
liberdade, na presença cognitiva e afetiva.
Atuação do Facilitador : facilitar a expressão dos sentimentos e pensamentos dos
participantes. Desenvolver um clima psicológico de segurança no qual a liberdade de
expressão e a redução de defesas se verifiquem. Não dirigir para “objetivos específicos”
e, segundo Fonseca (1983) “ os promotores-facilitadores visam estar presentes no
desvelamento e construção da realidade grupal e não lhes interessa o controle da
consciência ou do comportamento dos membros do grupo (…) uma vez que confiam
que o exercício espontâneo destes conduz, inevitavelmente, à sanidade; a um genuíno e
confiável controle autógeno” (144). O facilitador deve ser responsável para com os
participantes e participar como um membro do grupo.
A proposta deste capítulo é ter tornado claros os objetivos, as etapas do processo e as
características do facilitador de grupos, permitindo uma visão ampla sobre os Grupos de
Encontro que possibilite verificar neste estudo os alcances que a experiência intensiva
de vivenciar um grupo de encontro tem para aquele que dela participa.

PARTE II: METODOLOGIA

Capítulo 3: FUNDAMENTAÇÃO

3.1. A pesquisa qualitativa

Nos últimos anos tem havido um crescimento do interesse pela pesquisa qualitativa,
tanto que Henwood (1998) afirma que “os psicólogos estão tomando consciência de que
a coleta e a análise de dados qualitativos é, não somente uma característica inevitável da
prática profissional (por exemplo, em entrevistas clínicas ou de aconselhamento), mas
também, constitui uma das competências necessárias à condução de pesquisa”. (p.232)
Gomes (1989) também partilha do crescimento deste interesse, dizendo que a pesquisa
qualitativa traz entusiasmo, uma vez que se evidencia uma perspectiva de um
refinamento metodológico em que são consideradas as manifestações ou expressões
humanas e sociais antes inacessíveis para estudo sistemático. Esse movimento,
naturalmente, se opõe ao positivismo lógico e à quantificação. E, segundo Gomes
(1989), “também, porque a pesquisa qualitativa em suas formas mais refinadas, pretende
levar adiante um projeto proposto pela própria psicologia humanista, que é, o
desenvolvimento de um critério empírico, operacional, rigoroso e humano de ciência”
(p. 99).
Para pensar a pesquisa qualitativa em Psicologia é necessário, de acordo com Bicudo &
Martins (1994), esclarecer “os significados de fato e de fenômeno, uma vez que a
pesquisa quantitativa trabalha com fatos e a qualitativa, com fenômenos” (p. 21).
Conforme o Positivismo Lógico, fato é tudo aquilo que pode se tornar objetivo e
rigorosamente estudado enquanto objeto da Ciência, sendo que ele, após a sua
definição, é controlado. Ao passo que fenômeno, conforme visão existencial-
fenomenológica, vai significar aquilo que se mostra a si mesmo, o manifesto. Nesse
sentido, Bicudo & Martins (1994) afirmam que “o fenômeno mostra-se a si mesmo,
situando-se”. (p. 22)
Em função da sua característica de focalizar (situar) o individual, o específico, o
peculiar, a pesquisa qualitativa tem por objetivo compreender a particularidade daquilo
que estuda e não a explicação. Ela introduz um rigor metodológico que não o da
precisão numérica, ao estudar os fenômenos como amor, raiva, angústia, tristeza, etc;
uma vez que, segundo Bicudo & Martins (1994), “esses fenômenos apresentam
dimensões pessoais e podem ser mais apropriadamente pesquisados na abordagem
qualitativa. Os estudos assim realizados apresentam significados mais relevantes tanto
para os sujeitos envolvidos como para o campo da pesquisa ao qual os estudos desses
fenômenos pertence” (p. 27).
Nesse sentido, a modalidade metodológica da pesquisa qualitativa que melhor se
enquadra à pesquisa aqui proposta é o enfoque fenomenológico, cujo objetivo geral é
descrever os fenômenos estudados. Vejamos, então, a pesquisa fenomenológica.

3.2. A pesquisa fenomenológica

Os procedimentos desse enfoque metodológico estão fundados em princípios filosóficos


que incluem, necessariamente, uma postura no qual é refletida uma concepção
ontológica, epistemológica e metodológica, sendo essas concepções o fundamento do
trabalho empírico. A delimitação do fenômeno está baseada em um enfoque
metodológico-filosófico (Bicudo & Martins, 1994), possibilitando dessa forma a
aplicação dos fundamentos da fenomenologia ao campo da Psicologia. Como se
articula, então, a Fenomenologia e a Psicologia?

3.2.1. A fenomenologia

Mesmo que Edmund Husserl seja a figura primordial da Fenomenologia, influenciando


filósofos como Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty, entre
outros, é ao alemão Franz Brentano que se atribui a sua gênese; que segundo Bonin
(1991), “foi representante de uma psicologia descritiva a qual chamou de ‘psicologia
dos atos’, que considera o essencial das manifestações anímicas (atos) em sua relação
com o objetivo ao qual estão encaminhadas (intencionalidade)” (p. 68).
Husserl funda, em 1894, a Fenomenologia, que se desenvolve no século XX, em função
da crise das ciências que se instalou na Europa. Segundo Holanda (1997) “a
Fenomenologia surge como uma crítica, no sentido original do termo, como uma
tentativa de pôr em crise o conhecimento vigente” (p, 36). Crise dada pelo divórcio
entre as verdades científicas e o mundo da vida (Lebenswelt). Portanto, o surgimento da
Fenomenologia (que se identifica com esse divórcio) se dá no campo da Filosofia, como
um método novo de compreender os fenômenos, ou melhor, aquilo que aparece, pois, o
ser do fenômeno é o seu aparecer, é o que se revela. Nesse sentido, a tarefa da
Fenomenologia é um retorno às coisas mesmas (“zur Sache selbst”), ou seja, segundo
Holanda (1997), “apreender o mundo tal qual este se apresenta para nós enquanto
fenômeno” (p. 37).
Feijoo (1999) diz que “Husserl apresenta a fenomenologia como atitude frente ao
conhecer, onde não cabe nenhum princípio explicativo acerca do vivido, cabendo
apenas uma descrição (…) deixando como legado o instrumento metodológico” (p. 17),
apresentando a redução eidética como tal instrumento. Então, para se compreender a
passagem das várias regiões eidéticas, da região “mundo” para a região “consciência”,
deve-se levar em conta a “epoké” ou redução fenomenológica, pois o retorno às coisas
mesmas objetiva encontrar a essência dos fenômenos tal como manifestados na
consciência, e neste caso, a consciência é sempre consciência de alguma coisa, isto é,
ela é a pura intencionalidade, visada, doadora de sentido. Portanto, é necessário
reconhecê-la como um projeto de mundo, um mundo que ela não possui, mas para o
qual está constantemente se dirigindo enquanto vida intencional. E para que haja
consciência, é necessário que haja um objeto de que ela tenha consciência, um objeto
intencional. Donde podemos dizer que a intencionalidade não tem interioridade nem
exterioridade, uma vez que ela é a pura relação do sujeito com o objeto, ou de
preferência com o mundo, porque o mundo não é verdadeiramente um objeto: é o
campo fenomenal de nossas experiências (Merleau-Ponty, 1971). Então, a consciência
fenomenológica é o modo de intencionalizar o objeto em relação (significar o mundo),
e, simultaneamente, significar a si mesma (consciência da consciência).
E a redução, segundo Forghieri (1993 b), “é o recurso metodológico para chegar ao
fenômeno como tal, ou à sua essência; pode ser sintetizada em dois princípios; um
negativo, que rejeita tudo aquilo que não é apodicticamente verificado; outro positivo,
que apela para a intuição originária do fenômeno, na imediatez da vivência” (p. 15).
Nesse sentido é um “retorno às coisas mesmas”, aquilo que é percebido e vivido pelo
indivíduo, ou seja, a consciência-intencionalidade, enquanto doadora de um significado
para a sua existência.
E voltar às coisas mesmas pressupõe a redução, que segundo Forghieri (1993 b)
“consiste em retornar ao mundo da vida, tal qual aparece antes de qualquer alteração
produzida por sistemas filosóficos, teorias científicas ou preconceitos do sujeito:
retornar à experiência vivida e sobre ela fazer uma profunda reflexão que permita
chegar à essência do conhecimento, ou ao modo como este se constituiu no próprio
existir humano” (p. 59). Para os psicólogos ela é extremamente importante, pois é
através dela que se pode retornar à experiência conforme ela é experienciada ou se
apreende a experiência vivida conforme ela é vivenciada.
Assim sendo, a Fenomenologia se apresenta não como uma técnica, mas como um
método, uma atitude, cujo objetivo é descrever para compreender. Keen (1979) enfatiza
que
“o objetivo de qualquer técnica é ajudar o fenômeno a revelar-se de forma mais
completa do que o faz na experiência usual. Este objetivo pode ser formulado como
constituindo a tentativa de revelar tantas significações quanto possível, e suas relações
mútuas, no momento em que o fenômeno se apresenta na experiência. A frase revelar-se
de forma mais completa significa revelar camadas de significação. No aparecimento
usual de um acontecimento, suas significações estão presentes em nosso ato de
experienciar este aparecimento, mas estão implícitas e obscuras” (p. 34).

A pretensão de utilizar o método fenomenológico neste estudo é justamente a de buscar


uma compreensão da experiência grupal a partir do depoimento do participante em
função da representação vivida por ele e de seus significados ulteriores. Keen (1979),
mais uma vez, nos mostra que “se os humanistas desejam argumentar que devemos
compreender a experiência para compreender os pacientes, então é necessário entender
realmente a experiência, em lugar de meramente apresentar o argumento. É necessário
tornar o argumento convincente para oferecer uma compreensão coerente. A psicologia
fenomenológica oferece esta esperança” (p. 100-101).
E nesse sentido, a Fenomenologia aplicada à Psicologia pode ser entendida como uma
atitude que possibilita a compreensão do humano (psiquismo), pois ao estudá-lo em seu
campo fenomênico o que está sendo valorizado é a sua condição única de ser-no-mundo
e de representá-lo para si. Isso pressupõe que a tarefa da Fenomenologia, além de
meditar constantemente sobre o homem em relação com o mundo, quando articulada
com a Psicologia, é a de compreender como o homem significa a si e ao mundo.
E se a compreensão se dá através dos significados que a experiência subjetiva produz,
novamente vemos no método fenomenológico uma possibilidade para estudar estas
experiências. Nesse sentido veremos, então, que a Psicologia se utiliza de
procedimentos fenomenológicos para a valorização da subjetividade individual,
buscando a significação imediata da consciência na experiência vivida pelo cliente
(indivíduo ou grupo), ajudando-o a se perceber e aos demais, refletindo sobre si próprio
e sobre suas percepções. E quando se quer pesquisar as significações vivenciadas pelo
cliente, veremos que “a pesquisa fenomenológica está dirigida para significados, ou
seja, para expressões claras sobre as percepções que o sujeito tem daquilo que está
sendo pesquisado, as quais são expressas pelo próprio sujeito que as percebe” (Bicudo
& Martins, 1989:93).

3.2.2. A pesquisa fenomenológica para um estudo de vivências

O estudo das vivências em grupos de encontro tem ressonância com a Fenomenologia,


uma vez que ambos se voltam para a compreensão dos significados das vivências. Mas,
para tanto, é necessário definir o que é vivência e como se pretende estudá-la.
Uma definição clássica é dada por Mora (1982):
“chama-se na psicologia atual ao fato de experimentar, de viver algo (…), do tomar
posição de algo que está fora da consciência.
Na vivência não há apreensão propriamente dita, porque o apreendido e o vivido são
uma e a mesma coisa, e por isso as vivências são consideradas habitualmente como
experiências afetivas. Só mediante a análise pode uma vivência ser desprendida do
experimentado nela, na medida que a apreensão se apresenta desde o primeiro momento
como movimento da consciência para algo heterogêneo, tanto se isso é constituído por
um objeto sensível como por um inteligível” (p. 421).

Dilthey foi o primeiro a investigar a vivência em sua natureza e formas, definindo-a


como “algo revelado no complexo anímico dado na experiência interna; é um modo de
existir a realidade para um certo sujeito” (Mora, 1982, p. 421), ou seja, a vivência não é
algo dado, uma vez que somos nós que penetramos em seu interior, possuindo-a de uma
maneira tão imediata que podemos afirmar que ela e nós somos a mesma coisa.
Husserl diz que as vivências devem ser entendidas como unidades de vivência e de
sentido, sendo descritas e compreendidas, uma vez que elas são efetivamente vividas,
ou seja, experimentadas como unidades dentro da análise da qual se inserem os
elementos que a decompõem em vivências particulares e subordinadas, pertencendo a
uma vivência mais importante e ampla que pode, até, entrecruzar com outra(s) (Mora,
1982).
Forghieri (1989) define a vivência como sendo “a percepção que o ser humano tem de
suas próprias experiências, atribuindo-lhes significados que, com maior ou menor
intensidade, sempre são acompanhados de algum sentimento de agrado ou de
desagrado” (p. 07). Nesse sentido, veremos que o vivenciado por alguém não tem um
significado em si mesmo, mas adquire um sentido para quem o experimenta, onde o
vivido se relaciona com a sua própria existência. Por isso, a vivência de um ser humano,
sua experiência subjetiva, apenas pode ser descrita e alcançada de forma direta por ele
mesmo, pois só ele é capaz de transmitir os significados de sua experiência no mundo,
ou seja, a vivência é a percepção que um indivíduo possui de suas experiências, ou
então, do significado que é dado a elas; é uma experiência íntima que ocorre na
consciência do indivíduo, só podendo ser acessada por ele (Forghieri, 1989).
Decorre dessas proposições que a vivência é uma experiência subjetiva, íntima,
singular. É a maneira pela qual a pessoa significa a si mesma e o mundo, cabendo ao
pesquisador, apenas, a significação a partir dos dados fornecidos por ela, isto é, pelo seu
relato (oral ou escrito).
Se o pesquisador busca através da compreensão das significações produzidas o sentido
que a pessoa dá, cabe agora uma ponderação do seu papel na pesquisa.
Mesmo que Husserl (Dartigues, 1970) tenha trabalhado anteriormente a questão da
captação intuitiva e a integração dos significados, Forghieri (1993 a) ressalta que
método fenomenológico “apresenta-se à Psicologia, como um recurso apropriado para
pesquisar a vivência consistindo em focalizá-la através do envolvimento existencial e do
distanciamento reflexivo do pesquisador” (p. 60).
O envolvimento existencial do psicólogo/pesquisador com o seu objeto de estudo é que
possibilitará, com base numa atitude pré-reflexiva, uma compreensão mais aproximada
do fenômeno; é a capacidade do pesquisador de se abrir e penetrar na experiência do
outro, ou seja, ser empático. É importante que se reconheça a empatia como meio de
entrar em contato com a subjetividade do outro, um “intra-habitá-lo”. Wood (1994)
afirma que “a compreensão empática, em outras palavras, é um estado de consciência
no qual uma pessoa experiencia e participa de um fluxo de pensamentos e sentimentos e
seus significados, com outra pessoa, enquanto ao mesmo tempo também está consciente
do contexto maior do qual os dois existem” (p. 228), e para tal, é necessário que o
pesquisador coloque entre parêntesis os conhecimentos que tem sobre a vivência que
pretende estudar, abrindo-se para ela e nela penetrar espontânea e experiencialmente.
Distanciamento reflexivo é o que ocorre após o envolvimento existencial. Em linhas
gerais, é uma reflexão da vivência, analisando-a e enunciando os seus significados,
apreendidos durante o envolvimento. Mas para isso, é necessário que se distancie da
vivência para obter a compreensão e tentar captar o sentido da vivência para o indivíduo
(Forghieri, 1993 a). Apesar de serem descritos separadamente, o envolvimento
existencial e o distanciamento reflexivo são, de acordo com Forghieri (1993 b),
“paradoxalmente inter-relacionados e reversíveis, convertendo-se o primeiro no
segundo e este novamente no primeiro, e assim sucessivamente, até chegar a uma
descrição que considero satisfatória“ (…) (p. 62).
Com base nessas duas atitudes, pode-se, segundo Chaves et al (1996), “refletir sobre a
experiência e, através de sua tematização, comunicá-la ao universo científico” (p. 15).
Deduz-se da exposição acima duas afirmativas: primeiro, a importância da redução
fenomenológica para o estudo de vivências, em que fica evidente o entrelaçamento do
psicólogo que trabalha com Grupos de Encontro, uma vez que é inevitável a confluência
do pensamento rogeriano com o Existencialismo e a Fenomenologia; principalmente
esta última, pois o método de intervenção da Abordagem Centrada na Pessoa, que é a
Resposta Compreensiva ou Reflexo, nada mais é do que a própria redução
fenomenológica. E segundo: para desvendar a vivência do indivíduo, veremos mais uma
vez que ela é possível através da pesquisa fenomenológica, que segundo Amatuzzi
(1996, p. 5) “é o estudo do vivido, ou da experiência imediata pré-reflexiva, visando…
seu significado, ou qualquer estudo que tome o vivido como pista ou método. Em suma,
é a pesquisa que lida com o significado da vivência”.

3.2.3. A pesquisa fenomenológica empírica

A pesquisa fenomenológica é definida, em geral, como um estudo do vivido e seus


significados. Amattuzzi (1996) diz que “ela é uma pesquisa qualitativa que lida com o
significado da vivência”. (p. 5) E o propósito deste estudo, como já colocamos
anteriormente, é o de trabalhar os significados das vivências que um grupo de encontro
rogeriano possibilita ao participante.
Reiteramos que nessa perspectiva o método fenomenológico se mostra viável para a
compreensão dos significados da experiência subjetiva de uma pessoa uma vez que o
objetivo dessa metodologia, segundo Bicudo & Martins (1994), “é buscar a essência (ou
estrutura) do fenômeno que deve se mostrar nas descrições, ou seja, o objetivo a ser
atingido são as descrições da essência do fenômeno experienciado e isso delimita o
campo da pesquisa” (p. 35 e 36), mostrando que a pesquisa qualitativa é basicamente
descritiva. Obviamente, as descrições que os sujeitos fizeram se referem às experiências
que viveram no grupo de encontro. Concluindo, na pesquisa qualitativa os dados são
coletados através das descrições feitas pelos sujeitos em seus depoimentos.
Amatuzzi (1996) aponta seis tipos de pesquisa fenomenológica:
1º) A pesquisa fenomenológica como filosofia: é a filosofia buscando esclarecer o
conhecimento e, a partir, daí o mundo (e nele o ser humano).
2º) A fenomenológica eidética, que busca a elucidação das vivências a partir da
experiência comum, por reflexão e via redução fenomenológica.
3º) A fenomenologia hermenêutica elucida o vivido, partindo do pressuposto
heideggeriano de que a interpretação é essencial na compreensão.
4º) A pesquisa fenomenológica de tipo experimental é uma da fenomenologia empírica
com o método experimental.
5º) Pesquisa colaborativa é uma pesquisa fenomenológica conduzida em grupo e
beneficiando-se do processo grupal, em que o grupo se reúne periodicamente,
trabalhando o mesmo tema teórica e vivencialmente.
6º) A “pesquisa fenomenológica ‘empírica’ ou ‘científica’: é uma aplicação do enfoque
fenomenológico ao trabalho de pesquisa em psicologia, como ciência que trabalha a
partir de ‘dados empíricos’ (no caso, depoimentos focais ou qualquer objetivação do
vivido)” (Amatuzzi, 1996, p. 7). Sendo este tipo de pesquisa a adequada para este
estudo. Seu esquema é:

depoimentos ? elementos do significado vivido ? estrutura do vivido

A pesquisa desse tipo teria as seguintes etapas:


. Definição clara do campo que será objeto de pesquisa.
. Elaboração do projeto.
. Coleta de depoimentos com pergunta disparadora.
. Análise dos depoimentos seguindo os passos de Forghieri, Giorgi ou Van Kaam.
. Discussão.
. Redação final (Amatuzzi, 1996).
O que se espera de uma pesquisa fenomenológica é a descoberta do novo, do
desconhecido e até mesmo de uma possibilidade não pensada (Gomes, 1989).
Ao se utilizar o método fenomenológico enquanto método de estudo da subjetividade, o
pesquisador busca compreender o mundo para o sujeito, ou seja: captar significados do
mundo deste sujeito a partir da sua descrição do vivido.
Se o objetivo da Fenomenologia é descrever para compreender, a compreensão se dá
pela redução fenomenológica que é ir à essência das coisas mesmas. Nesta pesquisa, ir à
essência da coisa mesma, consiste em apreender o significado vivido da experiência
grupal para o indivíduo bem como chegar à implicação disto para a sua vida, através dos
depoimentos tomados.
E Rogers (1970) se expressa da seguinte forma frente a este tipo de pesquisa: “para
minha maneira de pensar, este tipo de estudo pessoal, fenomenológico – especialmente
quando se lêem todas as respostas -, é muito mais válido que a tradicional perspectiva
empírica ‘bem-construída’. Este tipo de estudo (…), dá realmente uma profunda
compreensão do que significou a experiência” (p.132).
PARTE III: O ESTUDO

Capítulo 4: DO OBJETIVO À PESQUISA

4.1. Objetivos

Como já vimos anteriormente, Rogers sempre se preocupou com pesquisas posteriores


(Follow-up) à realização de grupos de encontro. No Brasil, não encontramos pesquisas
dessa natureza sobre os grupos de encontro. Daí a importância deste estudo com
participantes, no contexto da Abordagem Centrada na Pessoa, a fim de viabilizar as
pesquisas qualitativa-fenomenológicas sobre o tema. Portanto, este estudo tem como
objetivo geral:

. compreender fenomenologicamente vivências do grupo de encontro tais como


descritas por participantes, ressaltando o que esta compreensão revela sobre:
a) possíveis alcances das vivências experienciadas pelos participantes (estrutura
específica da vivência),
b) descrição da estrutura geral dessas vivências que seja uma representação do conjunto
total das descrições investigadas (estrutura geral das vivências).
4.2. Participantes

Pretende-se aqui uma pesquisa qualitativa capaz de valorizar a heterogeneidade, a fim


de que o contraste e a singularidade sejam ressaltados. Assim, o ideal é que o número de
participantes deste estudo seja reduzido e composto de extremos para ampliar suas
diferenças e singularidades (Gomes,1989), para que se possa verificar, não só a
estrutura específica das vivências, mas, também, a estrutura geral que tais vivências
pronunciam.
O critério de inclusão dos participantes se dá unicamente em função da sua participação
nos grupos de encontro realizado, por Antonio Coppe e Escípio da Cunha Lobo, aqui
em Belo Horizonte (MG), no período que vai de 1986 a 2000, independente do ano da
realização do grupo.
Os participantes foram dez, com as mais variadas profissões e graus de estudo:
magistrado, advogado, engenheiro, médico, psicólogo, estudante de psicologia, corretor
de seguros, massoterapeuta, comunicadora social e professora aposentada. Sendo a
experiência psicoterápica deles a seguinte: cinco deles não tinham nenhuma experiência
anterior ao grupo; dois tinham com outras abordagens e três com a Psicologia
Humanista. Os seus nomes são fictícios para preservar a identidade de cada um.

4.3. Instrumentos

Sabe-se que para ter acesso ao sentido da vivência, ou seja, para se tornar passível de
análise o fenômeno investigado, faz-se necessário um instrumento que possibilite ao
sujeito um contato com a experiência vivida. Na pesquisa fenomenológica empírica o
instrumento mais viável para a coleta de depoimentos é a entrevista. Este estudo,
pretendendo ser fiel ao método fenomenológico da investigação, vai utilizar como
recurso de coleta de dados (obtenção de depoimentos) a técnica da entrevista gravada.
Como diz Amatuzzi (1989), “ao falar sempre falo de algo. Mas também falo a alguém,
com uma intenção, e o defino nesse ato em relação a mim. E ainda, ao falar eu me falo”
(p. 19).

4.4. Procedimentos

Visando assegurar a maior imparcialidade possível, com o intuito de evitar uma


contaminação dos dados obtidos e a fim de se obter depoimentos mais espontâneos e
fidedignos, foi selecionada uma estagiária, Daniella Kangussu da Cunha, do Curso de
Psicologia, para colher os depoimentos dos participantes. A estagiária participou de um
grupo de encontro para ter noções dos tipos de vivências e foi treinada na realização de
entrevistas gravadas para obter os dados necessários ao estudo. A estagiária selecionou
os sujeitos, aleatoriamente, através de uma lista de cem participantes, e entrou em
contato por telefone, marcando as entrevistas em função da disponibilidade de cada
participante. Foram, então, entrevistadas as doze primeiras pessoas da lista que se
dispusessem a fazer parte do estudo. As entrevistas foram realizadas no período de
agosto a dezembro de 2000.
A estagiária se apresentava como aluna do 6º período do Curso de Psicologia da PUC
Minas, realizando um trabalho sobre “As Práticas Psicoterápicas de Grupo”, tendo
chegado até ao sujeito (quando isso era questionado) por indicação do Professor Coppe
(pesquisador).
Após tomar os dados iniciais como data da entrevista, sexo, idade, profissão, se já fez
ou não terapia, se já participou de grupos de encontro, quantos e o ano da última
participação, a entrevista era sempre iniciada com a seguinte pergunta disparadora: É
importante que você me descreva o mais detalhadamente possível, qual a experiência
mais marcante que experimentou em um grupo de encontro. A partir daí, as próximas
perguntas se nortearam pelo depoimento do sujeito, a fim de desenvolver os conteúdos
nos quais colocava maior ênfase.

4.5. Orientações para análise

De acordo com as etapas da pesquisa fenomenológica, apresentadas no capítulo


anterior, os passos pretendidos para a análise dos depoimentos deste estudo seguem a
proposta de Amedeo Giorgi (1989), operacionalizada da seguinte forma:
1) Visão global: lê-se toda a descrição para ter uma idéia geral da mesma, ou seja, uma
visão global do conjunto do depoimento, visando captar seu sentido diante do objeto da
pesquisa (Amatuzzi, 1996). Os depoimentos completos se encontram no anexo 1.
2) Divisão do relato em unidades de significado: tendo captado o sentido, o pesquisador
volta ao início e lê novamente o texto com o objetivo específico de descriminar
“unidades de significado” a partir de uma perspectiva psicológica focalizando o
fenômeno a ser pesquisado – neste caso, a vivência no grupo de encontro. Segundo
Amatuzzi (1996), a elaboração das unidades de significado é uma divisão do texto, mais
ou menos equivalente a uma divisão em parágrafos.
3) Transcrição em linguagem psicológica de cada unidade de significado: tendo
delineado as “unidades de significado”, o pesquisador então percorre as mesmas
novamente e expressa os significados psicológicos mais diretamente contidos nelas. Isto
funciona mais exatamente com respeito às “unidades de significado” mais reveladoras
do fenômeno em consideração, ou, segundo Amatuzzi (1996), compreensão do
pesquisador.
4) Síntese: o pesquisador sintetiza todas as unidades de significado transformando-as
num consistente relato com a experiência do sujeito. Segundo Amatuzzi (1996), a
síntese primeiro é específica, e depois geral, extraindo a estrutura do vivido. Uma
categorização das sínteses específicas pode facilitar a transição do passo 3 para o passo
4.
Com estas etapas realizadas, a análise dos dados consistiu em comparar as sínteses
específicas do primeiro para o segundo depoimento, e assim sucessivamente, até
encontrar o critério de saturação (que é um dos critérios de validação da pesquisa
qualitativa). Critério de saturação consiste no fenômeno que ocorre quando um certo
número de dados coletados deixarem de apresentar algo de novo para a compreensão
fenomenológica (Mucchielli, 1991). Neste estudo, esse critério foi atingido a partir do
depoimento de Rosa.
Para a análise dos depoimentos, manteve-se, antes de cada um deles, os dados iniciais
da entrevista.
4.6. Análise dos depoimentos

4.6.1. Análise do depoimento de Cíntia

Data da entrevista: 01/08/00


Sexo: Feminino
Idade: 38 anos Profissão: Psicóloga
Já fez ou faz terapia? Já fiz e faço terapia.
Individual ou de grupo? Individual
Já participou de algum grupo de encontro? Já participei de vários grupos de encontro.
Quantos? Perdi a conta. Eu comecei a participar quando eu estava na faculdade, em
1990 e nunca mais parei. Então deve ser mais ou menos uns 17 a 20, por aí.
Qual o ano do último grupo de que você participou? Eu não tenho esta data.
Aproximadamente? Aproximadamente, deve ter sido em 1997, acho.

UNIDADES DE SIGNIFICADOS COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

É, para a gente falar de uma experiência mais marcante tem que fazer um pouquinho de
esforço porque acho que todas as experiências que tive foram muito marcantes.
Relembrar minhas experiências com grupo é sempre muito bom porque posso
vislumbrar uma longa caminhada…
Cíntia considera todas as experiências marcantes, daí o esforço para se lembrar de uma.
Isso a faz rever sua caminhada.
Foi quando eu fui participar de um grupo de encontro e eu realmente não sabia como é
que era e a idéia que eu tinha era muito vaga. Não só a respeito do grupo de encontro
como também a respeito do ser humano, né? Estava passando por momentos muito
difíceis comigo mesma e nas minhas relações pessoais. Cíntia não tinha idéia do que era
um grupo de encontro e do ser humano devido às dificuldades pessoais e interpessoais

Eu me cobrava muito, não me permitia errar, tinha medo de dirigir, e me achava


responsável por todas as pessoas que estavam ao meu redor. O que me gerava inúmeras
culpas e muito sofrimento.
Cíntia se cobrava muito, sentindo-se culpada por erros e responsável pelos outros,
gerando sofrimento e um medo de dirigir.

Lembro-me que quando o grupo começou a acontecer e as pessoas foram se colocando,


eu me espantava e não acreditava que eu estivesse vendo e convivendo com pessoas que
tinham problemas, assim como eu, parecidos com os meus, com pessoas que também
sofriam e buscavam uma maneira de crescer e aprender a viver. Ou seja, eu não era a
única imperfeita, eu não era tão ruim como eu me julgava, eu não estava tão
desamparada e sozinha. Foi um alívio muito grande o que senti. Foi como descobrir que
eu fazia parte de uma raça.
Cíntia sente-se surpresa ao se identificar com os problemas dos participantes do grupo.
Percebe-se como não sendo a única a ter problemas. Sente-se amparada e parte da
espécie, o que lhe dá alívio.
Pouco a pouco fui aprendendo a confiar no grupo, a me colocar, a trocar com as
pessoas, e até a sentir vontade de deixar que as pessoas me conhecessem.
Cíntia, lentamente, confia no grupo a ponto de se colocar, permitindo que os
participantes a conhecessem.
A partir daí não deixei mais de participar dos grupos, fui percebendo cada dia mais que
me ajudavam, que eu saía dali com mais disposição e mais claridade para ver e enfrentar
as coisas. Me ajudava muito na terapia individual também, comecei a caminhar mais
rápido. Cíntia reconhece a contribuição do grupo através do seu potencial terapêutico,
sentindo-se fortalecida e mais consciente para lidar com a vida, inclusive agilizando a
sua terapia individual.

Aos poucos fui descobrindo que eu sou digna de confiança, sou humana, sou realmente
imperfeita, fui aprendendo a me aceitar e aceitar mais as outras pessoas também. A me
respeitar e a respeitar o outro, a ter um pouco mais de paciência ou a me permitir não ter
paciência para certas coisas ou pessoas.
Cíntia passa a aceitar mais a si mesma e aos outros, sentindo-se mais flexível.

No grupo eu pude ver claramente o que é a sabedoria organísmica e também como isso
funciona a nível de coletivo.
Já pude ver, mais de uma vez, que o grupo sabe a hora de começar, de aprofundar e de
parar. Por exemplo: já houve momentos em que o grupo trabalhou intensamente
questões pesadas para muitos e para o grupo e na hora de retornar, simplesmente
ninguém “permitiu” prosseguir.

Cíntia descobre a sabedoria organísmica, tanto no aspecto individual quanto no grupal..

Creio que a partir daí eu comecei a confiar mais em meu organismo e no organismo dos
outros, eu passei a deixar mais que cada um tomasse conta de si, eu passei a enfrentar
meus problemas com mais confiança em mim mesma e, a propósito do que eu disse
antes, de ter medo de dirigir, hoje eu amo dirigir, confio em minha direção.

Através dessa experiência, Cíntia passa a confiar mais em si e nos outros, resolvendo a
partir daí o seu medo de dirigir.

Com certeza absoluta a participação nos grupos me ajudou imensamente na minha vida
pessoal e profissional. Continuo sendo imperfeita, graças a Deus, mas muito melhor
comigo mesma.
Não, eu acho que… eu diria que… todos estes grupos que eu participei, é… realmente
não existe nenhum grupo igual, cada um é um e que todos eles me acrescentaram muita
coisa durante a minha vida pessoal e profissional.

Ela realça mais uma vez a contribuição do grupo, a aceitação de si e a singularidade de


cada grupo.

O que mais me marcou nesta experiência toda foi o fato do grupo mostrar, revelar
muitas coisas a respeito de mim mesma e do ser humano.
A experiência mais marcante foi o grupo possibilitar-lhe revelar-se a si mesma e,
também, o ser humano.

Síntese específica de Cíntia

Cíntia considera todas as suas experiências em grupo muito significativas, ressaltando a


sua primeira participação, ocorrida em 1990.
Na época, ela não sabia bem o que era um grupo de encontro, e vivia problemas
pessoais e relacionais que lhe causavam sofrimento, como, por exemplo, culpar-se e
medo de dirigir.
Mas a experiência do grupo possibilitou a ela uma identificação com os membros,
fazendo-se sentir mais humana e vinculada aos outros.
Gradualmente, passa a aceitar mais e a confiar mais, tanto em si como no outro. Sente-
se mais flexível e resolve o seu medo de dirigir.
Reconhece a contribuição do grupo, através do seu potencial terapêutico, na sua vida
pessoal (agilização do seu processo individual) e profissional, enfatizando a
singularidade de cada grupo e a possibilidade de este ter lhe revelado a si mesma, em
particular, e o homem em geral.

4.6.2. Análise do depoimento de Roberto

Data da entrevista: 28/08/00


Sexo: Masculino
Idade: 35 anos Profissão: Magistrado
Já fez ou faz terapia? Faço
Individual ou de grupo? Individual e quando ocorrem os grupos de grupo, aqui em BH e
com o meu terapeuta individual.
Já participou de algum grupo de encontro? Muitos.
Quantos? Mais de vinte, mas eu já perdi a conta.
Qual o ano do último grupo de que você participou? 2000

UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

Olha, foi o meu terceiro grupo, já foi em 92, né? Eu fiz uma vivência para trabalhar
raiva. Foi uma técnica que utilizava uma toalha retorcida para que eu mordesse, né? E a
partir da catarse que eu tive lá veio muita coisa interessante para elaborar. Para mim foi
um marco porque… é… sei lá, parece que eu reeduquei a minha agressividade a partir
daí, sabe? Comecei a canalizar de uma forma mais construtiva a minha agressividade,
esse foi o mais marcante.

Roberto considera o seu terceiro grupo o mais marcante por ter conseguido lidar
satisfatoriamente com a sua agressividade.

Olha, no começo houve um temor muito grande em me colocar, sabe? Eu estava com
um medo, né?, um da exposição ao outro, do pessoal que estava lá e também de eu não
dar conta daquele turbilhão que estava lá dentro, que não tinha nome, não tinha cara,
nenhuma definição, só uma emoção fortíssima; então, o que me passou foi isso, né?,
num primeiro momento, né?, eu ia me colocar, me continha; ia me colocar, me
continha. Chegou uma hora que, se não me engano, foi viajando numa vivência de um
colega de grupo que surgiu alguma afinidade e aí quando eu vi já estava acontecendo,
me foi proposta a vivência, e eu topei. E foi interessante porque eu fechei os olhos e me
esqueci de tudo que estava em torno, né?, foi uma entrega aos sentimentos mesmo, fluiu
a emoção de uma maneira muito pesada, e não me preocupei muito com elaborar, sabe?

Apesar do medo de se colocar no grupo, Roberto, através de uma técnica proposta,


consegue contatar a sua agressividade e expressá-la construtivamente.

Falar, falar, deixa, deixa falar, algum movimento acontecer, foi interessante, foi bom,
né? me senti mais leve depois e foi interessante porque é depois de ter saído do grupo, lá
pra diante, às vezes até algumas semanas depois, eu me via, né?, comportando de
determinada forma diferente de que até então tinha sido, sabe? Eu parava e dizia: O que
aconteceu? Humm! Deve ser efeito lá de trás, porque eu estou me comportando de tal
forma e não segui o meu padrão o que pode ter ajudado ocasionando esta mudança e me
lembrava então da vivência que, em geral, eu deixo o que é do grupo no grupo, não fico
assim preocupado em me lembrar, pô, aconteceu isso, aconteceu aquilo, deixo que as
coisas fluam, né?, então ( ) se queira ser feliz com analista, no analista, eu não me
preocupava com isso, mas eu vi várias reações, várias condutas, ué? não era assim que
fazia e, de repente, era daquele jeito que eu estava fazendo e estava melhor.
A expressão deste sentimento o faz sentir-se mais aliviado. Reconhece, fora do grupo,
que esta experiência provocou-lhe uma mudança de percepção e de comportamento, e
que isso o fazia sentir-se melhor como pessoa.

Em relação à vivência da raiva e, é claro, nós estamos falando dela, né?, mas em outros
aspectos da minha vida é vivência de grupo sempre tiveram estes efeitos, né?, no lá
adiante eu parava e falava, uai! Por que estou agindo assim, né?, por que está diferente?
Ah!!! Já sei, deve ser um efeito da vivência, ponto. Tá bom? tá bom, tá ótimo!
Roberto demonstra os efeitos das vivências grupais, não só em relação à raiva, mas
também em outros aspectos de sua pessoa, e da satisfação dessas mudanças.

Sem medo, né?, eu penso que o que pesava muito, né?, era assim o potencial destrutivo
da raiva, né?, era esse não saber, não é bem saber, eu não ter uma vivência de entrar
nesse sentimento de uma forma construtiva; minha raiva era raiva do grito, era raiva da
porrada, era raiva da agressão. Então havia um medo muito grande, né?, meu Deus, o
que eu posso fazer se essa raiva aflorar, né?, comigo e com o outro, né? O principal era
o medo de me entregar a ela e ver o que vinha depois com muito medo.

O significativo da vivência da raiva foi vivê-la sem medo, pois a fantasia ao expressá-la
era a destrutividade que ela poderia encerrar.

Sim, mas não como uma conclusão lógica, entende? Foi acontecendo, pôxa vida, de
repente eu me vi, por exemplo, em situações que eu já partiria para agressão verbal, para
o descontrole, e eu me vi ponderando, sabe? Usando aquela energia, então pera aí não é
bem assim, senta aí, vamos conversar, sabe, e escutando o outro, né?, é uma coisa que
eu não fazia. Ah! Me incomodou, eu não quero nem escutar o que você tem a me dizer,
eu vou te falar do incômodo e da maneira que eu sei. Huuua! E de repente eu comecei a
me perceber com essa postura, né?, que vem de dentro, sabe alguém por algum motivo
em alguma situação, né?, que me enfezava eu não saía quebrando nada, não, espera aí,
vamos parlamentar. Não é que não houvesse raiva, ela estava ali, mas estava circulando
de uma outra forma, né?, mais positiva ou menos destrutiva. Vivendo a raiva de outra
forma.

Descobriu no grupo que a expressão da raiva pode ser boa e que não precisava mais
atuar. Aprendeu a aceitá-la em si e no outro, mudando a sua atitude frente a ela. Percebe
essas mudanças na relação com o outro e passa a vivê-la de maneira mais construtiva.

E não sei se eu posso colocar isso: num outro grupo, muito tempo depois, aliás, neste
grupo deram um apelido para essa personagem que aflorou chamada de Fred Kruger,
aquele personagem dos filmes de horror, e no grupo, alguns grupos depois aconteceu
uma situação de grande antagonismo com uma outra pessoa que estava lá. Um
incômodo, a gente se desentendeu e foi muito legal, sabe? Eu estava numa berlinda,
frente a frente com esta pessoa, o facilitador colocou a gente lá, e foi uma experiência
dentro do grupo onde tive esta consciência, né?, de virar para a pessoa e falar: você está
demandando ser agredida, você está demandando tomar bolacha, mas eu não vou fazer
isso, né?, não vou cair na sua armadilha, né?, nesse jogo perverso e também porque não
é a minha praia mais, já foi, então eu vou te falar sobre o incômodo. Foi fortíssima, né?,
uma experiência plena disso. Nossa, a mudança está aí, aconteceu. Então, tanto na vida
lá fora quanto aqui no grupo pude vivenciar, foi muito bom, ter vencido.

A intensidade dessa experiência deu-lhe a alcunha de Fred Kruger; porém, livrou-se


dela rapidamente ao ter a consciência da raiva e ao aprender a lidar com ela de maneira
construtiva.

Síntese específica de Roberto

Roberto considera, em mais de vinte grupos, o terceiro, em 1992, como o mais marcante
em função do seu aprendizado ao lidar com a sua agressividade de maneira construtiva.
Ele tinha medo dela devido à fantasia de que poderia destruir-se a si e ao outro, e que a
expressão deste sentimento no grupo possibilitou-lhe uma mudança na percepção de si e
no seu comportamento, sentindo-se satisfeito com isso.
Roberto coloca a importância de ter vivido essa experiência no grupo, demonstrando os
seus efeitos também em outros aspectos da sua pessoa, percebendo essas mudanças na
relação com o outro e a alegria por lidar com a raiva positivamente.

4.6.3. Análise do depoimento de Rogério


Data da entrevista: 23/09/00
Sexo: Masculino
Idade: 38 anos Profissão: Advogado
Já fez ou faz terapia? Nunca fiz, além dessas três experiências, contando com esta de
grupo.
Já participou de algum grupo de encontro? Sim.
Quantos? Três com esta
Qual o ano do último grupo de que você participou? 2000

UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

Ah! Foram várias, mas a que eu poderia destacar foi, é, tentar crescer com as
experiências alheias, que mostram muito mesmo, mesmo que eu não esteja vivenciando
determinado problema que foram citados, mas isso eu creio que vai me ajudar se algum
dia eu tiver que me deparar com eles, mas não foi só isso. Me descobri também, sobre
como me relacionar, mudar, crescer, ser mais autêntico, eu acho que é isso.
Rogério destaca a importância da aprendizagem com a experiência do outro e do fato de
ter descoberto como relacionar, crescer, mudar e ser mais autêntico.

É. Saber ser mais… é não ser hipócrita nas relações, saber dizer não, não me magoar,
mas ao mesmo tempo procurar respeitar os limites dos outros. Enfim, ser mais
transparente, acho que é o máximo que eu poderia definir e também é muito confuso,
né?
Ele coloca que a experiência mais marcante foi a de ser autêntico e de saber pôr os
limites para si e para o outro.

Achar uma definição precisa para este turbilhão de sentimentos que eu atravessei e que
me ajuda muito fora daqui. Na minha profissão, eu lido com pessoas, e ajuda a
identificar a sinceridade das pessoas, é isso.

Rogério não consegue uma definição melhor que autenticidade para o que viveu, mas
realça a importância dos sentimentos vividos no grupo para o exercício da sua profissão.

Sim, sobre a diferença que é a vivência dentro de um grupo e fora dele, né?, na nossa
vida “normal”. Na prática, acho difícil, porque no grupo a gente consegue uma relação
mais transparente, mais verdadeira, e fora dele, nem sempre, não. Mas muitos tópicos,
como este de transparência, de percepção dos outros, perspicácia, são o que me ajuda a
enfrentar os problemas de fora.

Ele aponta a diferença e a dificuldade da vivência dentro e fora do grupo. Enfatiza que o
vivido em grupo o ajuda a lidar com problemas lá de fora.

Síntese específica de Rogério

Rogério descreve como sendo a experiência mais marcante a descoberta da


autenticidade, além de aprender com as experiências do outro e de saber colocar limites,
de se relacionar, mudar e crescer.
Ele é cônscio da realidade grupal e fora dela, percebendo a contribuição do grupo para a
sua profissão e para lidar com os problemas fora dele.

4.6.4. Análise do depoimento de Flávia


Data da entrevista: 18/10/00
Sexo: feminino. Idade: 48 anos Profissão: Professora (aposentada)
Já fez ou faz terapia? Já fiz
Individual ou de grupo? Todas duas.
Já participou de algum grupo de encontro? Já
Quantos? 02
Qual o ano do último grupo de que você participou? 1998
UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

Mais me marcou? Ai, difícil falar isso. A que mais me marcou foi mesmo o trabalho que
é feito. Você quer alguma coisa que ouvi lá?
Flávia valoriza o trabalho grupal como um todo.

O primeiro grupo que eu fiz, em 97, o segundo até que não, mas o primeiro que eu fiz
foi mais de adulto, né?, mais da minha idade mesmo, mais casais inclusive. E foi muito
bom ver que não foi eu, não era só eu que tinha problema do tipo que eu vi lá, certo?
Então me ajudou, não a resolver não, mas a ver melhor o que eu passava e foi isso, foi
ver que as pessoas lá também tinham liberdade, né?, quer dizer, podia falar, sei lá, é
uma cumplicidade boa lá, né? que… Ah! Não sei, foi isso mesmo. Foi o primeiro grupo
que eu fiz e eram mais adultos, gente da minha idade mesmo.

Ela refere-se ao primeiro grupo de que participou como o mais marcante devido à
identificação com os problemas que os participantes expunham e, também, da liberdade
de expressão vivida no grupo e da melhora da percepção de si.

Mesma situação que eu, né?, porque geralmente a gente acha que o problema é só
nosso, e que o nosso é maior, né?, não é bem porque é só da gente não, é que o nosso
tem uma dimensão maior, né?, é, cheguei lá e vi que todo mundo passa também por
dificuldades, e que ali foi bom de pensar, repensar a vida, e pensar… Me senti
confortada. Conforto demais, é… É o que eu falei: repensar mesmo aquilo tudo, né?,
repensar a minha vida e ver que não era tão difícil sair daquilo que eu estava passando.
Sente-se confortável ao perceber que não é a única a ter dificuldades.
Aponta o grupo como um lugar de reflexão da vida e vendo possibilidades de mudança.

Agora já o segundo grupo foi mais de adolescente, foi importante também, eu não sei se
foi pela primeira vez que eu fui a um grupo, que eu já tinha feito a terapia individual, aí
eu fui fazer o grupo, e eu não sei se eu estava tão necessitada também e foi mais
marcante para mim, agora no segundo foi mais com adolescente, foi válido também,
porque eu também tenho dois filhos, né?, tenho um neto que mora comigo, foi válido
para mim ver a minha discrepância, né, de que às vezes a gente age, né. Agora o
primeiro foi excelente, não faço mais porque não tenho muita oportunidade de fazer
mais grupo, né?

Apesar de dizer que o segundo grupo de que participou também a ajudou na


compreensão dos filhos e neto, enfatiza a primeiro como sendo o mais importante.
Não, você precisa de mais algum detalhe, mais alguma coisa?
Eu quero que todo mundo tenha esta experiência, né? Ah! Seria excelente, acho que a
gente conviveria melhor.

Flávia acredita que se as pessoas vivessem um grupo a convivência seria melhor entre
elas.

Síntese específica de Flávia

Flávia valoriza e acredita no trabalho grupal, afirmando que a convivência entre as


pessoas seria melhor se elas participassem do grupo.
Teve duas experiências grupais e aponta a primeira como a mais marcante, devido à
identificação com os outros participantes, através dos problemas, tornando-a mais
consciente da percepção de si e da liberdade de expressão entre os membros.
Sente-se aliviada por reconhecer-se como não sendo a única a ter problemas e
percebendo o grupo como um lugar de reflexão da própria vida, vislumbrando
mudanças.
Ela sente-se ajudada pelo grupo na compreensão dos filhos e neto.

4.6.5. Análise do depoimento de Emerson

Data da entrevista: 23/09/00


Sexo: Masculino
Idade: 42 anos Profissão: Despachante e Corretor de Seguros
Já fez ou faz terapia? Já fiz terapia, e comecei novamente e dei um intervalo.
Individual ou de grupo? Individual e constantemente tenho feito o grupo.
Já participou de algum grupo de encontro? Vários grupos de encontro.
Quantos? Inúmeros, não sei quantificar.
Nenhum número? Humm… Diria que são mais ou menos10 grupos.
Qual o ano do último grupo de que você participou? 2000

UNIDADES DE SIFNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

Depois de participar do primeiro grupo em… 1989, percebi o quanto eu tinha uma visão
distorcida da vida, das pessoas e do mundo.
A partir daí notei que estava havendo alguma transformação na minha pessoa, pois
estava me identificando com uma nova personalidade, onde conseguia compreender
melhor os outros, a comunidade e o meio em que vivo. Já sabia que o meu “mundo” não
era mais o mesmo, aprendendo a ver com os meus próprios olhos, dar ouvidos ao
correto, falar o que era preciso.

Apesar de ter participado de mais de dez grupos, Emerson faz referência ao primeiro e
às mudanças ocorridas a partir dele.
Ele passa a compreender melhor o outro e a si reconhecer como uma nova pessoa.

Mas experiência mais marcante foi o reconhecimento de mim como uma pessoa
colocada dentro deste mundo de vida. Me enxergar como alguém de importância, e
verificar como um ser que sentia menosprezado, deixado e dependente principalmente,
e agora com mais tranqüilidade, mais habilidade. Sabendo que você só sobreviveria a
isso que está aí, que eu poderia dizer aqui é um grupo e sobrevivi ao que está lá fora,
dentro das normas, dos paradigmas que a sociedade nos impõe. Até então poderia te
dizer: saí daquele machismo, sabe? Daquela pessoa que se achava dono do mundo,
mandão, bonachão, e consegui enxergar um pouco das minhas fraquezas, sabe? E
consegui equilibrar uma série de coisas na vida e, principalmente, a relação interpessoal.
Emerson enfatiza o reconhecimento de si, valorizando-se, ou seja, com a auto-estima
aumentada. Tem uma percepção clara das áreas onde ocorreram as mudanças,
apontando, principalmente, a relação interpessoal.

Olha, na realidade, antes eu tinha temor das pessoas e eu enxergava as pessoas com uma
certa arrogância, sabe? Uma certa ignorância e eu não enxergava sentimentos, sabe? E
eu me lembro que eu fumava, e eu fumava três cigarros praticamente para conversar
com uma pessoa, o meu nervosismo, e agora eu vejo a minha tranqüilidade. Eu lido com
pessoas, e quando eu recebo um cliente, eu não vejo mais o dinheiro na frente, eu vejo o
lado humano, eu gosto de conversar com as pessoas olhando nos olhos dela porque
assim eu vejo uma coisa mais interna. Poderia dizer um pouco de alegria, um pouco de
tristeza, um pouco de demonstração do que as pessoas vêem. Eu não vejo ele mais como
um cliente produtivo para mim, mas eu vejo ele como um ser humano e, às vezes, não
me é simplesmente suficiente receber o cliente como uma pessoa que veio me trazer o
trabalho, me trazer o dinheiro, eu quero conversar com essa pessoa. Eu quero que ela
diga um pouco dela. Quero que ela fale um pouco da sua vida se assim ela quiser, se
assim ela permitir. Mas hoje eu procuro ter um contato com meu cliente, contato
humano, sabe? Não é simplesmente uma pessoa que vem e pronto, eu lembro dele só do
semblante não, mas é que eu saiba um pouco da história dele.
Emerson consegue se ver antes e depois do grupo. Como lidava e lida com os
sentimentos e como interagir e interage com seus clientes.
Hoje demonstra um interesse maior e genuíno pelo outro.

Interagir, exatamente, então isso. Para mim é importante conhecer um pouco mais o
meu cliente, me ensina também a forma de agradá-lo e com eu estando o agradando, ele
é um cliente importante, ele vai voltar. São os valores que ele percebeu na minha
percepção e dentro disso eu acredito que ele é um cliente que sempre vai se achar bem
quisto, ele volta e até indica mais clientes para mim. Eu tenho lucrado muito com isso.

Ele aponta os benefícios dessa nova maneira de se relacionar com seus clientes.

Com certeza, a minha relação lá fora tem melhorado demais, com meus amigos, com
minha família, com meus filhos e também aprendi a separar o que é amigo e o que é
colega, sabe? Isso nos ensina. A gente aprende a discernir quem é que está querendo a
gente como amigo, quem é que está nos explorando, quem é que está fazendo troca com
a gente, sabe? Isso eu aprendi muito, e aprendi com a terapia e com essa lindíssima
psicologia. Essa área humanista ela é lindíssima, ela me agrada demais. Essa área
humanista ela é lindíssima, ela me agrada demais.
Emerson percebe a melhora na sua relação com seus filhos, amigos e família,
distinguindo amigo de colega.
Reconhece a contribuição da Psicologia e do grupo na sua melhora.

Eu sei te dizer o seguinte: que ano você está fazendo em psicologia?


Sexto período? Logicamente, alguma coisa já deve ter transformado demais para você,
muita coisa, né? Eu imagino o engrandecimento que isso deve te trazer. Porque para
mim uma mudança poderia te dizer bem radical, sabe? Eu pude trabalhar muitas coisas,
a minha auto-estima, a criança abandonada. Me ensinou a ser Pãe, porque eu sou Pai e
mãe, me ensinou a aceitar os meus filhos, que são meus filhos, sabe? E eu tive uma
certa dificuldade de aceitar. Me ensinou a saber viver o Emerson, em saber viver o Pai e
a Mãe que eu estou sendo hoje, também estar com meus filhos juntos comigo

dentro da minha casa, debaixo do meu teto, sem ter uma companheira para cuidar deles,
sem ter a Mãe deles perto de mim. Isso vem de grupo.
Emerson compara-se à entrevistadora, dizendo da mudança radical que a Psicologia lhe
proporcionou.
Refere-se às mudanças na auto-estima e na relação com os filhos, mesmo estando só.
Reconhece que essas mudanças provêm do grupo.

Resumindo: assumi minha identidade, me vejo diferente deste velho mundo, como já
falei: moro com meus três filhos e os amo muito, dificuldades é a gente que inventa,
para tudo tem solução, basta pensar e ser perseverante. Existem saídas. Devemos ter
paciência para encontrá-las, pois achava que não daria conta de cuidar deles e muitas
outras coisas. Já consigo deslanchar com muita tranqüilidade e sair do labirinto.
Emerson se assume na identidade, demonstrando uma motivação para os problemas que
possam surgir.

Descobri que não se pode corrigir qualquer pessoa, pois é preciso saber compreendê-las,
ouvi-las, sentir a sua dor, ouvir a respeito e nem sempre emitir opiniões, às vezes até
omitir. Fiz e faço muitos amigos com a grande sinceridade que o grupo me ensinou.

Emerson passa a aceitar mais os outros, sendo mais compreensivo com eles.
Realça mais uma vez os ensinamentos adquiridos no grupo.

Síntese específica de Emerson

Emerson, após onze anos, faz referência ao primeiro grupo de que participou e das
mudanças oriundas dele.
Reconhece as mudanças que ocorreram em sua auto-estima, percebendo-se como uma
nova pessoa e compreendendo melhor o outro, seja ele um cliente, a família ou os
filhos.
Tem uma percepção das áreas da sua pessoa onde se deram as mudanças, realçando o
relacionamento interpessoal.
Ele demonstra uma motivação maior para lidar com problemas futuros, passando a
aceitar-se mais a si mesmo e aos outros; sente-se mais compreensível.
Emerson credita ao grupo as mudanças operadas em sua pessoa.

4.6.6. Análise do depoimento de Rosa

Data da entrevista: 05/10/00


Sexo: Feminino
Idade: 34 Profissão: Médica
Já fez ou faz terapia? Já fiz.
Individual ou de grupo? Individual e de grupo.
Já participou de algum grupo de encontro? Já, vários.
Quantos? Acho que foram uns cinco ou seis.
Qual o ano do último grupo de que você participou? Novembro de 1997.
E o primeiro? Foi em 1995.
UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

Experiência pessoal minha?… O que mais me marcou no grupo de encontro,


pessoalmente, de proveito meu mesmo, é que os grupos de encontro eles fizeram, é…
me ajudaram muito a me encontrar como pessoa, do que eu queria, do que eu gostava.
Eu me encontrava muito perdida na época em que eu fiz o grupo, de saber mesmo da
minha vida.
Rosa sentia-se perdida à época do grupo e afirma que o grupo a ajudou a se encontrar
como pessoa.

Da minha vida pessoal mesmo, então em cada grupo que eu participava, era como se
fosse um encontro comigo mesma. Então, dependendo do grupo, era uma coisa que
manifestava, era um sentimento, era um reencontro mesmo.

Rosa não especifica um grupo como mais marcante, ela diz que cada grupo era um
reencontro consigo.

E aí eu fui me organizando internamente e descobrindo e redescobrindo coisas que eram


importantes e que já eram minhas e que haviam sido esquecidas. Então esse grupo foi
muito importante, foi como se o grupo fizesse eu renascer mesmo como pessoa e
descobrir mesmo o prazer de ter realmente me reencontrado.
A partir do grupo ela se reorganiza internamente, incluindo coisas novas e antigas na
sua percepção. Enfatiza a importância do grupo no reencontro, no seu renascer.

Assim, detalhes é muito difícil, porque o grupo é uma coisa única. Então, assim, às
vezes, é uma coisa que a pessoa fala. Às vezes, é um sentimento que você sente, que o
outro está transmitindo para você, que não é expresso por palavras. Às vezes, é uma
vivência de alguma coisa que foi colocada para a gente lá na hora, né? Eu fiz uma
vivência de Pai e Mãe no meu primeiro grupo que fez eu pensar muito: por que que eu
estava lá, do porquê eu tinha ido procurar este reencontro comigo mesma? Nos outros
grupos teve coisas muito marcantes. Então fica muito difícil de eu te detalhar um, ficaria
muito pobre também eu te falar um momento específico, né? Eu acho que cada grupo
foi muito bom, foi muito proveitoso, é, foi de muito valor especificamente e
individualmente para cada grupo que eu participei.

Rosa coloca a importância de todos os grupos de que participou, achando difícil detalhar
um. Mas realça a contribuição do primeiro no reencontro.

É, o grupo ajudou, as pessoas, os relatos, tudo. Foi me reencontrar nestes grupos o que
mais marcou. Eu poder falar do que eu sentia, do quê que era importante para mim e me
entender onde pessoas lá me ajudaram a me entender. Coisas que… as coisas que eu não
entendia ou mesmo as coisas que eu queria. A vida era muito… muito sem sentido,
muito apagada, muito sem cor. E, de repente, eu fui descobrindo que era muito colorida
e eu é que não sabia. Então esse encontro comigo mesma é que foi muito bom, né?
Rosa, mais uma vez, realça o seu reencontro através do grupo e da maneira como ele
contribuiu para isso. Diz que o grupo ajudou a colorir a sua vida que estava sem cor.

E poder também, acho que o grupo é muito rico, não é só isso. É poder ajudar as outras
pessoas que estão lá, ajudar como elas estão te ajudando, não é um ato de caridade não.
É ajudar mesmo, é uma troca, exatamente. Essa troca é muito enriquecedora e quando
as pessoas sintonizam com você é que você consegue fazer essa troca, assim vale muito
este encontro com o outro mesmo, né? De resgatar, de fazer amizades, de resgatar
mesmo. É a questão de envolvimento, de amizade, de humanismo mesmo, que, às
vezes, no dia-a-dia, a gente acaba perdendo. Então isso foi muito intenso. Muito
proveitoso.
Rosa vislumbra o potencial terapêutico do grupo, distinguindo a ajuda recebida da dada,
ou seja, a troca entre os participantes. É o encontro com o outro.

Síntese específica de Rosa

Rosa valoriza muito sua participação nos grupos devido ao encontro consigo mesma.
Aponta a sua reorganização interna (mudança na noção de eu) como contribuição do
grupo, inclusive, dando um sentido, que antes não havia, a sua vida.
Ela tem consciência do potencial terapêutico do grupo e da troca de experiências entre
os participantes, facilitando um encontro com o outro.

4.6.7. Análise do depoimento de Alberto

Data da entrevista: 24/10/00


Sexo: Masculino
Idade: 33 Profissão: Engenheiro Civil
Já fez ou faz terapia? Já fiz.
Individual ou de grupo? Já fiz individual e de casal, em grupo também.
Já participou de algum grupo de encontro? Já.
Quantos? Três.
Qual o ano do último grupo de que você participou? 1997
UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA
Grupo de encontro eu acho que é o seguinte: cada um coloca as dificuldades que tem na
vida, né?, as pessoas têm, na verdade, uma confiança que em pouco tempo você adquire
uma confiança em uma pessoa que você nunca viu, e você começa a se expor para um
grupo. E a partir dessa exposição você se descobre, na verdade, muitas coisas que você
não sabia que você era.
Alberto aponta o sentimento de confiança que o grupo adquire em pouco tempo e como
isso facilita a exposição dos participantes.
Descobre um novo eu.

E para mim o grupo de encontro foi, como posso dizer, foi um encontro mesmo. Eu
descobri coisas que… que me deram força para tocar a vida, aí essa vida louca que a
gente leva de trabalho e de convívio, né?, com as pessoas e a gente descobre o que a
gente é mesmo, tá?

Ele afirma que o grupo possibilitou um encontro consigo mesmo, motivando-o a lidar
com a sua vida.

Eu descobri foi no… foi no primeiro encontro, tá? numa vivência que nós fizemos que
tinha… tinha que é que se que colocar como se fosse um bicho, um animal, esse animal
eu me encontrei, tá? Nesse animal. E é interessante que não só comigo, né?, a gente viu
depois a experiência dos outros que é relatada, que a gente tem abertura para falar sobre
isso no grupo e a gente vê que não acontece… não aconteceu só comigo. As pessoas
que estavam ali buscando se encontrar mesmo, se encontraram. Tiveram a oportunidade
de se conhecer melhor, tá?
Alberto aponta o primeiro grupo como o mais marcante, relatando a experiência do seu
encontro consigo mesmo. Fala da abertura entre os participantes e da identificação entre
eles, e que quem quis se encontrar, conseguiu.

É um tempo pequeno, são três dias, né?, nos que eu fiz e tinha, tinha a ajuda dos
facilitadores, não sei se você conhece. E são pessoas que eu acho que a filosofia deles é
muito legal, que não é imposto nada, você tem o seu tempo… você tem… você tem a
sua hora…. você… isso é muito respeitado. E isso é bem interessante que te deixa bem
à vontade para você descobrir essas coisas. É isso, o grupo de encontro para mim foi
uma forma de eu me encontrar, tá? Não tenho feito, por falta de tempo. Os grupos são
na sexta e voltam no domingo e é isso. Eu acho que foi válido para mim, tenho vontade
de fazer mais, tenho recebido alguns convites para fazer mais, mas eu acho legal, eu
tendo oportunidade eu vou voltar a fazer.
Alberto pondera sobre o funcionamento do grupo, das atitudes dos facilitadores, da
consideração que experimentou e que o grupo foi uma forma de se encontrar. Ele
expressa o desejo de participar de grupos futuros.

É o encontro, é o encontro, é você descobrir o que você é. E grupo te proporciona isso,


ele te dá segurança. Todos os grupos que eu fiz, a gente… a gente dá muito apoio e tem
muito apoio. Então é muito interessante, aquele convívio bem de perto com as pessoas.
Tem uma hora lá que você vai conversar sozinho com uma pessoa que você nunca viu, e
vai se expor para ela. Primeiro a dois, depois junto com o grupo, é bem interessante. É o
fato de você compartilhar desde a hora que você acorda até a hora que você vai dormir o
mesmo espaço, é bem legal, sabe? Você tem que… que definir, você aprende a definir o
seu espaço, colocar limite é bem interessante. Até a questão do seu limite de espaço
para você dormir, você tem que delimitar a sua área é aquela ali, e você tem que se
apoderar dela. Mas foi legal, em cada coisinha que tem do grupo, te faz crescer.

A experiência mais marcante foi o encontro consigo mesmo, perceber o que ele é.
Aponta a contribuição do grupo para isso e da segurança que ele proporciona. Ressalta o
potencial terapêutico que o grupo desenvolve, incluindo aí a estrutura formal dele e de
aspectos que propiciam o crescimento.

Não… não. Eu recomendo, tá? Eu recomendo, eu acho que terapia é muito bom, a gente
precisa… eu fiz a terapia e foi muito bom, um ano e meio. Depois fiz uma terapia de
casal que demorou mais uns oito meses a dez meses. E todas elas, é isso aí, é um
aprimoramento da pessoa que a gente é, a gente se conhece mais, aprende a respeitar
mais os outros, aprende a ver os limites, dá limite, acho que é bem interessante. Eu
recomendo.

Alberto comenta sobre as suas experiências terapêuticas, dizendo que todas levam a um
aprimoramento da pessoa, se conhecendo mais, aprendendo a respeitar os limites e os
outros; recomenda o grupo para outras pessoas.

Síntese específica de Alberto

Alberto afirma que a experiência grupal mais significativa, que se deu no primeiro
grupo, foi o encontro consigo mesmo, descobrindo quem era.
Ele comenta o funcionamento e a estrutura do grupo, ressaltando a confiança
desenvolvida entre os seus membros e as atitudes dos facilitadores, destacando o
potencial terapêutico dos participantes e a identificação que ocorreu entre si e os
demais.
Alberto reconhece a contribuição de outros processos terapêuticos, enfatizando que o
grupo é uma forma de se encontrar, de crescer.
Ele expressa o desejo de participar de grupos futuros, recomendando-o a outras pessoas.

4.6.8. Análise do depoimento de Íris

Data da entrevista:10/01/2001
Sexo: Feminino
Idade: 27 anos Profissão: Massoterapia (massagista)
Já fez ou faz terapia? Faço.
Individual ou de grupo? Individual.
Já participou de algum grupo de encontro? Já.
Qual o último ano? Foi em… setembro… acho que foi setembro de 2000.
Já participou de mais algum? Não.
UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA
Viver o grupo de encontro é muito intenso. O que mais me marcou foi ver que o que é
mais específico em mim, é o mais comum no grupo todo. Então quando uma pessoa se
coloca de uma maneira assim totalmente particular, é encantador como o grupo
responde de uma maneira assim é… acolhedora, né, aquela vivência. Comigo aconteceu
isso várias vezes no período que a gente ficou em grupo, né, tanto quando eu ouvia o
outro, quando eu me colocava para o grupo… quando eu colocava uma dificuldade
minha, e aí algumas pessoas do grupo não conseguia ouvir que era minha dificuldade, aí
abraçava como se fosse a dela, se identificavam: “Não, não pode ser assim, que não sei
quê…” E aí, na hora, eu sei lá, me deu
um clique, eu falei: “Peraí, não é de mim, não da minha experiência que ela está
fazendo interferência, né, é da vivência dela.”, né, e até assim, consegui ter esse
respeito, né? Então, nesse dia, eu vi que naquele momento eu, que me achava muito
carente pra tá me expondo, mas eu vi que tava contribuindo de outro jeito, que não era
da minha… minha vivência, mas era a de ouvir a do outro, né.
Íris coloca a intensidade da experiência grupal, principalmente devido à percepção tida
de que o mais específico é o mais comum. Ela fala da aceitação do grupo e da
participação dele quando colocava uma dificuldade sua.
Percebe que contribuiu com o grupo quando ouvia a vivência do outro, sem precisar
falar de si.

O fato de você dormir e acordar com as pessoas é… é muito interessante também.


Pessoas… eu nesse dia cheguei, eu era uma das pessoas que não tinham… eu era a
única massoterapeuta. As outras pessoas ou eram da área de psicologia, é, estudantes ou
profissionais já, ou se não acho que duas pessoas eram advogadas, né. Então no
primeiro momento eu me senti super deslocada e eu via que as pessoas olhavam muito
com olhar profissional, aquele é o psicólogo, aquele é o advogado, aquela é a
massoterapeuta… isso no primeiro dia. No segundo dia já era pessoa, né, então era
assim: “Ah!, é o fulano, é o sicrano, né, e viveu coisa semelhante à minha.” É, então eu
achei, mudaram muito. Me, me causou assim uma estranheza e uma surpresa de ver
num período de tempo tão curtinho como que a pessoa conseguia olhar pro outro
diferente, como que eu consegui olhar pras pessoas de forma diferente.

A intimidade que a estrutura do grupo propicia ajudou Íris a perceber que os


participantes não eram tão estranhos e, também, a rapidez com que os membros se
colocavam como pessoas.

Isso me marcou muito. Muito, achei muito intenso o fato de eu poder, é, me colocar
assim brava, era uma coisa que há muito eu tava trabalhando na terapia, né, eu me senti
totalmente à vontade pra me colocar pras pessoas desconhecidas o que eu tava sentindo,
isso para mim foi ilimitado, né, é… e me senti acolhida inclusive nesse momento,
porque eu achava que eu ia ter que brigar muito pra ser ouvida, né, foi bem legal.
Íris aponta como experiência mais marcante o fato de ela se sentir aceita ao expressar
um sentimento de raiva no grupo.
Hoje tem um significado muito concreto, é… em todos os grupos que eu transito na
vida, né, hoje eu tenho mais alma pra ouvir e também mais certeza pra me colocar. Foi a
primeira experiência terapêutica em grupo que eu vivi, mas que eu consegui de certa
maneira estender para o meu cotidiano e conquistar esse espaço mesmo no grupo, né:
“Eu penso é isso mesmo, e até compreendo que você não me entenda ou que não
consiga me compreender neste ponto de vista.” Então, é… como eu já havia colocado o
que me marca muito hoje também é de perceber que o que é mais específico pra mim,
mais particular, mais secreto é o mais comum quando você está em grupo, isso me
marcou muito.

Após a experiência grupal, ela sente-se mais segura para ouvir e se colocar em outros
grupos.
Ela conseguiu estender para o cotidiano o que viveu no grupo. Realça a percepção de
que o mais específico é o mais comum, ou seja, uma certa identificação com os
membros do grupo

A vivência me ajudou muito a tá conquistando isso agora, né, porque acaba que antes eu
ficava justificando assim: “Mas não eram pessoas significativas.” Então, assim, o medo
de perder a aceitação, o acolhimento não era assim tão valioso, né, seria no grupo de
pessoas que eu amo, né? Hoje eu me sinto mais fortalecida e segura ao me colocar… a
me impor nesses grupos onde eu ainda morro de medo de, de repente, falar assim: “ah,
você não faz mais parte disso aqui”, né, com a vivência que eu passei lá. Isso
certamente .
Íris sente-se mais segura para se colocar para o outro e atribui essa conquista à vivência
grupal.

É… você diz na vivência do grupo de encontro? Na vivência do grupo de encontro, na


ocasião me marcou muito, de repente, vê que a pessoa se propõe, e eu já vivi isso um
monte de vezes na minha vida, se propõem a viver uma coisa e chega na hora e não dá
conta de viver e poucas pessoas têm a coragem de falar assim: “não dou conta.” E nessa
época eu tive oportunidade de viver com pessoas que assumiram: “olha, eu não tô dando
conta de viver isso aqui né, tchau pro cês eu vou viver outras coisas”. E aí pessoas que
em um primeiro olhar assim eu achei super fragilizada e depois eu vi que eram muito
mais fortes, que conseguiam dar conta de falar que não davam conta, né, então eu achei
muito marcante.
Íris passa a se assumir mais, inclusive reconhecendo a importância de se respeitar
quando não dá conta de viver ou de expressar algo e aponta a vivência grupal como
fator dessa aprendizagem; ou seja, ela passa a se respeitar mais.

Síntese específica de Íris

Íris aponta a intimidade da vivência em grupo como a mais marcante em dois aspectos:
1º) quando percebe que o que há de mais específico em si é que há de mais comum no
outro, ou seja, ele se identifica com os membros do grupo, e 2º) quando se assume mais
ao reconhecer os limites (“o não dar conta”).
Ela percebe que ouvir é uma forma de ajudar, ou seja, percebe o potencial terapêutico
do grupo.
Íris estende para o seu cotidiano a segurança diante do outro, que o grupo lhe
proporcionou, perdendo o medo de “perder a aceitação”.
Ressalta a importância da aceitação do grupo diante das experiências vividas, sentindo-
se mais segura para ouvir e para se expressar diante do outro.
Ela atribui ao grupo essas mudanças.

4.6.9. Análise do depoimento de Viviane

Data da entrevista: 25/11/00


Sexo: Feminino. Idade: 28
Profissão: Psicóloga
Já fez ou faz terapia? Faço, atualmente faço.
Individual ou de grupo? Individual
Já participou de algum grupo de encontro? Já.
Sabe quantos? Eu já participei de um em 1993, na época eu era aluna do 4º período. E já
fiz outros grupos que eram de finais de semana, que eram grupos de encontro.
Qual o ano do último grupo de que você participou? O último foi é…. nessa… nessa…
1993, 1994 também, nessa época.
UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

Tem que descrever uma experiência, então? Foram tantas, pode ser uma só, né? Bom,
eu acho que a que mais me marcou foi uma que aconteceu comigo mesma, né? É que foi
o primeiro grupo que eu fiz, que era o grupo que eu era aluna do Coppe na época, né?
Então eu fui pro grupo através dele e, é, era um grupo que o Coppe e o Escípio eram os
facilitadores. E foi uma experiência assim, muito forte, muito diferente de tudo que eu
já tinha visto e pensado até então. É, e eu senti o grupo muito, é, pesado mesmo assim
as experiências, o que tava acontecendo ali, tava tudo muito pesado para mim. E eu
comecei a ficar muito angustiada e muito, é, sem entender o que tava acontecendo e
muito presa com a situação que tava assim não, não

conseguindo me expressar mesmo. É, mas tava achando bom também, tava né?, assim
gostando também.
Viviane expressa a intensidade da experiência grupal, achando-a muito pesada, sente-se
angustiada diante do que o grupo vivia, não entendendo o que se passava consigo e com
dificuldade para expressar essa angústia; acha bom estar no grupo.

Então, é, num dos momentos lá do grupo, eu consegui falar que eu tava muito
angustiada, que eu tava presa, que eu tava sentindo sei lá o quê e, é, aí o Escípio, é,
chegou perto de mim, pediu pra mim levantar, pediu pra mim ir pro meio do grupo,
assim, agachar no chão e fazer força pra levantar, pra pular como se fosse um sapo e
que era pra fazer força, né?, pra tentar pular! Aí, à medida que eu ia, é, tentar pular,
fazer força, ele apertava pro chão e não me deixava sair. É aí, né, ele continuou falando
pra eu fazer força, tentar pular, e eu ia pulando e ele ia apertando. E aí eu abri a boca a
chorar e consegui assim sentir e viver na… na… na pele mesmo assim, uma coisa
muito, que é o que eu acho que acontece com o psicodrama em si, né, e senti na pele
essa sensação de querer me expressar, de tentar me expressar e realmente de uma
pressão, né, impedindo isso, uma opressão mesmo, né?, impedindo isso, seja o que for,
seja choro, seja alegria, seja tristeza, seja raiva, mas era o impedimento mesmo, né? Aí
eu chorei muito, muito… muito… muito, e assim eu acho que daí pra frente o meu
processo… é, com as terapias que eu fiz, andou mais e melhor. O processo terapêutico
mesmo eu acho assim que esse foi um… um momento marcante mesmo, tanto do grupo
em si como do meu processo terapêutico daí pra frente, né. Essa experiência é muito
presente até hoje. E tiveram várias outras que tiveram e também foram muito marcantes.
Desse grupo, de outros assim, são experiências muito fortes né?, muito…
Ela consegue colocar para o grupo que se sentia angustiada, presa…
Sendo-lhe proposto uma técnica à qual ela aceitou experienciar, ela entrou em contato
com uma opressão que a impedia de expressar os seus sentimentos.
Ela se sente livre, desimpedida para expressar o que quisesse e isso a ajudou no seu
processo individual.

Foi muito dolorido, muito… Mas foi uma coisa que me trouxe uma consciência muito
grande de como que eu tava, né?, como que eu tava realmente oprimida, sem, é… sem
conseguir expressar o que quê eu tava sentindo… sem conseguir entender o que eu tava
sentindo. Então, assim, você sente isso na pele, é diferente de você entender, né?, assim,
que você está em depressão, que você está oprimido, que você está bloqueado, que você
não consegue se expressar, é muito diferente você entender isso do que sentir isso na
carne mesmo, né?, então e ao mesmo tempo que eu sentia toda essa dor… toda mesmo.

Viviane diz que essa experiência lhe trouxe uma consciência de si (da sua opressão)
naquele momento, apesar da dor que sentiu.
Ela percebe a diferença entre sentir e conhecer.

Síntese específica de Viviane

Viviane sente-se angustiada e sem entender o que ocorre consigo diante da intensidade
da experiência grupal e, também, uma dificuldade para expressar esses sentimentos no
grupo.
Ela consegue colocar essas dificuldades para o grupo; diante disso lhe é proposta uma
técnica em que ela vivencia a opressão que a impedia de expressar seus sentimentos.
Aponta essa experiência como geradora de uma consciência maior de si (mudança da
noção de eu) e como facilitadora do seu processo individual.
Viviane percebe a diferença entre sentir e conhecer e sente-se livre, desimpedida para
expressar o que sente.

4.6.10. Análise do depoimento de Lívia

Data da entrevista: 22/12/00


Sexo: Feminino
Idade: 40 anos Profissão: Comunicação Social e psicóloga
Já fez ou faz terapia? Já fiz, no momento não.
Individual ou de grupo? Individual
Já participou de algum grupo de encontro? Já participei de uns 12
Qual o ano do último de grupo que você participou? 1998
E do primeiro? Acredito ser em 92

UNIDADES DE SIGNIFICADO COMPREENSÃO PSICOLÓGICA

A primeira contribuição do grupo que eu pude sentir foi a de “ajudar” na terapia.


Algumas questões que eram colocadas no grupo por outras pessoas me remetiam às
minhas próprias questões e a partir daí eu pude trabalhá-las em terapia.
Exemplo: em um dos grupos se falou muito na questão de morte. Uma pessoa sentia
culpa por ter perdido o pai; outra sentia alívio com a morte do pai; outra desejava a
morte do pai porque todos estavam sofrendo muito com a doença. Eu, que já estava
trabalhando essa questão na terapia, pude sentir que ouvir essas pessoas falando de seus
sentimentos de culpa, raiva, alívio, desejo com relação à morte me ajudaram muito a
deixar que esses sentimentos também brotassem em mim e a partir daí pude então
trabalhá-los em terapia e, quando, há mais ou menos um ano atrás, eu vivi a situação da
morte de meu pai de uma forma tranqüila, como nunca imaginei que pudesse ser.
Lívia destaca a ajuda do grupo na sua terapia individual e a sua identificação com as
questões colocadas no grupo. Exemplifica essa identificação e ajuda ao relatar a perda
do seu pai.

Outra contribuição que o grupo trouxe foi a aceitação incondicional de mim e do outro.
Mesmo com todos os meus defeitos, o grupo me aceitava exatamente como eu estava
ali, naquele momento, você sentir que é aceita verdadeiramente, abre as portas para que
você queira aceitar também verdadeiramente o outro.
Exemplo: qualquer sentimento que eu estivesse vivenciando naquele momento era
aceito pelo grupo, não importando qual fosse esse sentimento. Podia sentir muita raiva,
com toda raiva do mundo e falar dela. Eu não era rejeitada por isso.
E tem mais: aprendi a dizer não. Pude dizer não várias vezes durante os grupos e isso
me ensinou (possibilitou) dizer não para as outras pessoas na minha vida diária e, o mais
importante, a dizer sim para mim.
Lívia aponta outras contribuições do grupo, destacando a aceitação de si e do outro, e a
sua aprendizagem no sentido de dizer não para o outro e sim para si.

Com relação às minhas atividades profissionais, os grupos de encontro me propiciaram


um grande crescimento profissional: sou psicóloga. A teoria, que eu já conhecia nos
livros, principalmente os de Rogers, eu as vivenciava ali, na minha frente, ao vivo e a
cores. Era prazeroso demais eu ver e sentir que estava no caminho certo e que aquilo
que nos livros parece, por vezes duvidoso, é real, acontece mesmo.

Enfatiza o crescimento profissional que o grupo lhe propiciou ao vivenciar a teoria


escolhida e o prazer de confirmar a sua escolha teórica.

Enfim, participar dos grupos de encontro facilitou perceber meus sentimentos e os


aceitar como meus, meu relacionamento comigo mesma mudou muito; passei a me
conhecer e reconhecer, me aceitar e acima de tudo gostar de mim como realmente sou.
As minhas relações interpessoais hoje são mais maduras e autênticas; cresci muito como
pessoa.
Lívia realça a contribuição dos grupos para a melhoria da sua percepção e aceitação dos
seus sentimentos, o quanto o seu relacionamento consigo mesma mudou, levando-a a se
conhecer e a se aceitar como realmente é.
Aponta mudanças nas relações interpessoais e no seu crescimento pessoal.

Síntese específica de Lívia

Lívia, apesar de muitas participações nos grupos de encontro, relata as suas experiências
como um todo, não destacando um grupo em si.
Ela marca a contribuição do grupo para a sua terapia individual e a sua identificação
com os demais participantes e, também, para a aceitação de si e do outro, aprendendo a
dizer não para o ouro e sim para si.
Lívia reconhece a contribuição para o seu crescimento profissional e para a melhoria da
percepção e aceitação dos seus sentimentos.
Ela aponta mudanças no relacionamento consigo mesma, resultando em uma maior
aceitação de si.
Reconhece que as relações interpessoais, hoje, são mais autênticas e maduras e que
cresceu pessoalmente.

4.6.11. Categorização das Sínteses Específicas

Após a leitura das sínteses específicas, em que a estrutura específica da vivência


configurou-se (de acordo com o objetivo expresso em 4.1.a), optou-se por fazer a sua
categorização conforme descrito no item 4.5 (Orientações para Análise) para atingirmos
o segundo objetivo que é a apreensão da estrutura geral da vivência, extraindo daí a
estrutura do vivido.
As categorias extraídas das sínteses específicas abaixo podem ser consideradas uma
invariante, no sentido de que é um elemento comum, presente em todos ou quase todos
os depoimentos.

A CONTRIBUIÇÃO DO GRUPO

A categoria essencial extraída e que se apresenta em todos os depoimentos é a


contribuição que o grupo dá para os seus participantes.
Ela é comum às vivências deles, no que se refere à contribuição para a vida pessoal e
profissional. E, segundo os relatos, essa contribuição se deu na forma de lidar com as
emoções, sentimentos, de compreender a relação intra (reorganização interna) e
interpessoal (o lidar com limites, por ex.) e as conseqüências dessa compreensão no
âmbito profissional, seja ratificando escolhas ou lidando melhor com clientes ou sendo
mais efetivo no exercício da profissão.
Uma outra contribuição do grupo é a potencialização do processo psicoterápico
individual. Algumas sínteses mostram como o grupo alavancou esse processo.
Isso demonstra que em maior ou menor grau o grupo possibilita uma mudança, seja ela
individual ou na relação ou no trabalho.
MUDANÇA NO CONCEITO DE EU

Este elemento, essencial, mesmo com seus desdobramentos secundários, aponta


mudanças pessoais profundas e de comportamentos, como as descritas pela maioria dos
participantes.
É uma mudança no conceito do eu, tornando as pessoas mais conscientes de si mesmas.
Ela é sutil e consiste em parte num conhecimento de si próprio e dos seus sentimentos.
Roberto aponta essa mudança ao aprender a lidar satisfatoriamente com a sua
agressividade. Experiência, também, partilhada por Rogério ao descobrir a
autenticidade.
Os desdobramentos secundários, a motivação para a terapia individual, a aceitação de
si/do outro e o encontro consigo mesmo refletem um contato maior e mais profundo do
indivíduo consigo mesmo. Cíntia expressa muito bem esse desdobramento ao dizer que
se sente “mais humana e mais conectada”. De uma maneira mais ampla, é a pessoa
buscando e sendo ela mesma.
Essas mudanças são claríssimas nos depoimentos de Roberto, Flávia, Emerson, Rosa,
Íris e Lívia, quando eles revelam ter novas percepções sobre si, as pessoas e o mundo.

O POTENCIAL TERAPÊUTICO DO GRUPO

Esta categoria demonstra um dos aspectos mais fascinantes de uma experiência


intensiva de grupo: como certos participantes apresentam uma capacidade natural e
espontânea para tratar terapêutica e, efetivamente, a dor e o sofrimento dos outros.
Rosa, Alberto e Íris relatam sobre essa capacidade desenvolvida no grupo, quando uns
ajudam aos outros durante uma determinada vivência ou nos intervalos, gerando uma
intimidade maior que possibilita uma troca mais significativa entre os participantes.

IDENTIFICAÇÃO COM MEMBROS DO GRUPO

Esta categoria denota uma característica básica da Psicologia Humanista Existencial,


que é a confirmação do outro. Buber diz que “o ser humano precisa ser confirmado
pelos outros, para se perceber humano… secreta e timidamente, ele espera por um Sim
que lhe permita ser e que só pode chegar até ele vindo de uma outra pessoa (1965, p.
71)”. E essa confirmação se dá inicialmente pela aceitação e a identificação com o
outro. A pessoa sente que é parte, ou como diria Laing (1987), “segura
ontologicamente”. Nessa perspectiva, vemos nos depoimentos de Flávia, Alberto e
Lívia como que a identificação facilitou uma consciência maior de si e, também, uma
aceitação de si por reconhecer no outro a própria especificidade, tão bem colocada por
Flávia: ”não era só eu que tinha problema do tipo que eu vi lá”. E também por Íris, ao
ter a consciência de que “o mais específico em mim é o que há de mais comum no
outro”.

4.6.12: Síntese Geral

A análise dos dez depoimentos mostrou que a vivência em grupos de encontro produz
alguns alcances significativos.
As categorizações das sínteses demonstram especificamente, de acordo com o objetivo
proposto, os alcances das vivências experienciadas pelos participantes (estrutura
específica da vivência) no grupo de encontro e as suas conseqüências.
Apesar da profundidade de esses alcances variarem de pessoa para pessoa, o que se
deduz da experiência grupal é que os participantes mostram uma mudança no sentido de
se tornarem pessoas mais conscientes, pessoas funcionando mais plenamente de acordo
com a sua realidade.
A vivência em grupo de encontro revela que mesmo, às vezes, sendo uma experiência
dolorosa, ela é gratificante, possibilitando ao participante uma identificação com os
demais (a confirmação da existência) e entrar em contato com vários aspectos da sua
pessoa e, a partir daí, mudar de acordo com o que vive.
É observado como que alguns participantes desenvolvem a sua capacidade terapêutica
durante o grupo e como que este, também, sensibiliza para uma busca mais profunda de
si mesmo através de um processo psicoterápico individual.
Diante do exposto, estabelecemos que no conjunto total dos depoimentos, a estrutura
descritiva geral do alcance da vivência em grupo de encontro pelo participante pode ser
delineada da seguinte forma:
o participante experimenta um processo de crescimento pessoal, decorrente de um
autoconhecimento (percepção de si) sobre suas capacidades e limites, sentimentos e
emoções, problemas e/ou conflitos, mudando, principalmente, no modo de se relacionar
consigo mesmo e/ou com o outro.

Capítulo 5: RESULTADOS

5.1. Discussão dos resultados

O presente estudo objetivou compreender fenomenologicamente as vivências do grupo


de encontro através das descrições dadas em depoimentos pelos participantes, assim
como ressaltar o que essa compreensão revela sobre os possíveis alcances das vivências
experienciadas.
A análise da estrutura do vivido, tal qual se manifestou através do depoimento, além de
elucidar como o participante vivencia o grupo, também contribuiu para o
desenvolvimento de hipóteses teóricas relacionadas às mudanças oriundas da
experiência grupal, embasada em uma metodologia fenomenológica.
Neste estudo, focalizou-se a fala de dez participantes analisados no que se refere ao seu
conteúdo, como fenômeno, no sentido de, através da redução fenomenológica, chegar à
essência das vivências, ou seja, apreender o significado vivido da experiência.
Amatuzzi refere-se a essa fala da seguinte maneira: “falando, digo algo a alguém, me
digo, mas também e basicamente recrio um mundo, e o faço de determinado jeito. É no
meio dessa complexidade que devemos nos situar para considerar a fala ou o dizer-se”
(1989, p. 21).
Diante desta colocação, percebe-se que os dados deste estudo apontam para a existência
em comum de quatro componentes do vivido nos depoimentos: sugerem uma estrutura
relacionada à descrição de como que a contribuição do grupo como um todo possibilitou
uma mudança, tanto individual quanto nas relações pessoais e profissionais. A vivência
dos participantes revela também uma consciência de si mesmos mais realista. Um outro
componente é o potencial terapêutico do grupo, cuja capacidade de ajudar uns aos
outros é desenvolvida ao longo da vivência. Sugerem ainda uma identificação com
membros do grupo no sentido de se reconhecerem na sua singularidade.
A proposta do grupo possibilita aos participantes uma diferenciação da realidade na qual
estão inseridos, partindo da realidade criada a partir do grupo onde eles “encontram-se
expostos a níveis diversos de vivência numa situação peculiar” (Fonseca, 1983, p. 155),
vivenciando a si próprios, interagindo com os outros, vivendo os limites e desafios com
que usualmente se deparam no seu cotidiano. Porém, encontram igualmente, no grupo,
um ambiente onde lhes é facultado um suporte psicológico, uma compreensão e
estímulo para ampliar, não somente a consciência de seu potencial, mas também das
suas necessidades e a forma de serem atendidas. Na realidade, o grupo é para o
indivíduo um “laboratório experiencial e experimental de si, aonde de uma forma
concreta ele se experiencia e se experimenta em modos alternativos de ser e agir com
relação a si próprio e aos outros” (Fonseca, 1983, p. 156).
O processo grupal, de acordo com a Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolveu-se
originalmente a partir da consideração positiva, de uma aceitação incondicional do outro
e da sua experiência, resultando na condição básica da Abordagem que é a provisão ao
participante de um clima terapêutico, em que a consideração por sua pessoa e
experiência permita-lhe experienciar-se, sem a necessidade de deformar ou interceptar a
sua experiência organísmica. Dessa forma, o grupo passa a desenvolver uma profunda
consideração e aceitação pelos participantes, pelas suas vivências e expressividade.
As estruturas descritas e os seus alcances levam a perceber interrelações que apenas
possibilitam discutir os seus elementos recorrendo a uma articulação entre eles e a
proposta de grupo da Abordagem Centrada.
Pode-se dizer, então, que as relações desenvolvidas no grupo colocam o participante
diante de seus processos internos, modos de ser e reagir aos outros, quando ele pode ser
ele mesmo no contato consigo e com o outro, agindo e reagindo com o fluxo da vida em
si. Nas palavras de Fonseca (1983), ele “pode ‘ouvir-se’ mais, e pode ser e agir, em
compatibilidade com o que ‘ouve’” (p. 156).
Desta forma, o participante está em uma situação na qual pode entrar em contato com o
fluxo da experiência de si, de suas necessidades e de seus limites. Vivenciando um
clima de liberdade, de compreensão e aceitação de si, em interação com os outros, e
isto, segundo Fonseca (1983), “lhe confere uma oportunidade para uma exploração de
si, para um amplo e espontâneo experienciar-se com os outros” (p. 156), considerando o
ritmo natural, de seu processo pessoal.
Nos casos descritos, os participantes valorizam muito esse “ouvir”, no que se refere à
contribuição do grupo para as mudanças ocorridas na sua vida pessoal (maneira de lidar
com sentimentos, compreender a relação intra e interpessoal) e profissional (melhoria
das relações com os clientes e ratificação de escolhas).
Uma outra contribuição, também apontada por Rogers (1970) e Fonseca (1988), é a
potencialização e a motivação que o participante tem para recorrer ao processo
psicoterápico individual após o grupo.
Considerando que essas mudanças se dão em função do feixe de relações intra e
interpessoais que se estruturam durante o grupo, Lieberman, Yalom e Miles (1973)
enfatizam que “é forte a evidência de que relações psicossociais no grupo desempenham
um papel sumamente importante no processo de mudança” (p. 428).
É importante frisar que o fato de se estabelecer uma relação pessoa a pessoa é que é
terapêutico, por fortalecer os vínculos, via aceitação, entre os participantes em revelar
suas dificuldades e problemas e, por conseguinte, favorecer a contribuição produzida
pelo grupo como um todo.
Durante a experiência grupal as pessoas tendem a reestruturar a sua noção de Eu de
acordo com o fluxo da sua experiência organísmica buscando eliminar o desacordo
existente entre o seu Eu e a sua experiência, potencializando, assim, o exercício da sua
tendência atualizante, conforme expresso por Rogers & Kinget (1977) e Fonseca
(1988).
Essa mudança no conceito do Eu faz com que o participante sinta a sua auto-estima
aumentada, buscando relações mais significativas, respeitando os seus limites e
interagindo com o outro e o meio, de maneira mais plena, mais satisfatória. A
confirmação dessas mudanças pode ser observada nos depoimentos de Roberto, Flávia,
Emerson, Íris e Lívia.
Outras mudanças, como melhoria da comunicação nas relações, sejam elas afetivas,
pessoais ou profissionais, também são observadas. Além destas, há relatos em que a
rigidez cedeu lugar à flexibilidade, havendo uma maior abertura às experiências
imediatas, significando uma atitude menos defensiva em relação a si próprio e ao meio.
É o autoconhecimento envolvendo uma aprendizagem afetiva e cognitiva, influenciando
no comportamento do participante, como se ele através da vivência grupal passasse por
uma dimensão experiencial, em que os sentimentos fossem vividos profundamente e
penetrasse na dimensão racional, cognitiva, autodescobrindo-se e se autoconhecendo
melhor, comportando-se de acordo com a experiência simbolizada (Macêdo, 1998). É
como se o indivíduo estivesse vivendo o que Rogers & Kinget (1977) denominam de
funcionamento ótimo de personalidade.
A vivência em grupo e as mudanças dela decorrente podem ser traduzidas pela proposta
da Abordagem Centrada, que, segundo Wood (1983), “parecem envolver o incremento
das sensibilidades da pessoa para ouvir e ser guiada pela própria experiência interior,
pelo mestre interior, sensibilidade para um despertar para a própria experiência viva
total, organizando esta consciência, esta energia, em torno do centro da pessoa; não em
torno de uma filosofia de individualismo ou ‘grupismo’” (p. 44).
É relevante apontar um outro alcance da experiência em grupo que é o potencial
terapêutico despertado em certos participantes, no sentido de que eles apresentam e
desenvolvem uma capacidade natural, espontânea e efetiva para tratar terapeuticamente
a dor e o sofrimento de outros membros do grupo. Ela se dá na interações que ocorrem
durante as vivências e nos intervalos entre as sessões.
Este alcance sugere a importância da relação calcada na aceitação e empatia, pois só
através destas atitudes é possível uma compreensão do mundo interno do outro,
demonstrando também que essas atitudes não são de exclusividade do facilitador. Wood
(1994) diz “que o relacionamento entre participantes – e não entre facilitador e
participante, – tem mais probabilidade de ser significativo para uma mudança
construtiva e individual na personalidade” (p. 257-258).
Rogers (1970) coloca essa capacidade como uma das etapas do processo do grupo (vide
capítulo 2) e não como um alcance da vivência. Meador (1971), em seu estudo sobre a
natureza da mudança num grupo de encontro, descreve seis fases do processo de grupo,
sendo que em nenhuma delas faz referência a essa capacidade.
Mesmo que essa característica seja facilmente observada nas vivências grupais, nos
depoimentos e sínteses específicas deste estudo, é necessária uma pesquisa que
aprofunde a compreensão acerca dessa capacidade e seus efeitos terapêuticos.
Outro alcance observado é a identificação ocorrida com os membros do grupo no
sentido de que o participante se reconhece no outro, é como se este outro falasse por ele,
ou seja, o grupo é constituído por uma diversidade de pessoas vinculadas entre si de tal
maneira que a pessoa se sente parte integrante do todo.
Mesmo que as experiências individuais sejam radicalmente únicas, fazendo com que as
pessoas sejam singulares, ainda assim, somos todos semelhantes (Hycner, 1995). E
nesse aspecto o grupo “é, por excelência, um espaco da alteridade” (Fonseca, 1988, p.
68), se presentificando na presença do outro e se presentificando “na constituição,
presença e desdobramentos, em cada sujeito individual, do coletivo grupal, sob forma
de consciência e de comportamentos coletivos particulares do grupo que se constitui
com o encontro” (Fonseca, 1988, p. 68). É a “confirmação do outro”, onde ele é visto
como uma pessoa em processo de tornar-se ela mesma, e segundo Buber (1957, apud
Rogers, 1975), este termo corresponde à aceitação das potencialidades do outro,
reconhecendo nele a pessoa que lhe foi criado para se tornar e sendo confirmado em
mim mesmo e nele em seguida, em relação a essas potencialidades que podem ser
desenvolvidas e evoluir.
Participar do mundo do outro é confirmar a sua necessidade existencial de ser
profundamente compreendido por outro ser humano. A intensidade dessas relações de
alteridade vividas durante o grupo sugere um componente fundamental do poder de
regeneração e de fecundação do grupo de encontro.
E como falou Íris em seu depoimento: “o mais específico em mim é o que há de mais
comum no outro”, ou seja, quanto mais diferenciado o indivíduo for, mais semelhante
ele será.
Espera-se com esta discussão despertar aqueles que trabalham nos referenciais da
Abordagem Centrada para a necessidade de se estudar e pesquisar, ainda mais, as
vivências em grupos de encontro, abrindo espaço a outras discussões e demonstrando,
desta maneira, as limitações deste estudo por não se referendar ou contrapor a outros
estudos.
A linha de ação aqui trabalhada leva a uma reflexão sobre as vivências no grupo de
encontro com os seus possíveis alcances, sendo um estudo inovador na busca da
compreensão dessas vivências.
Diante disto, é importante que se discuta também a metodologia empregada neste
estudo.
Merleau-Ponty (1971) diz que “a palavra é um gesto e sua significação um mundo” (p.
194) e a nossa visão sobre o homem permanecerá superficial enquanto não
“reencontrarmos sob o barulho das palavras, o silêncio primordial que foi rompido pela
fala e descrever o gesto que rompeu esse silêncio” (Amatuzzi, 1989), refazendo portanto
o caminho da significação e atribuição de sentido, assim como o observado neste
estudo, ao se buscar compreender os significados da vivência em grupo.
A experiência na facilitação de grupos ensinou ao autor deste estudo que a técnica da
entrevista aqui proposta pode ser um instrumento muito útil na busca dessa
compreensão, ao valorizar os depoimentos acerca da vivência nos grupos de encontro.
Por outro lado, de nada vale a utilização deste método de entrevista embasado em uma
análise fenomenológica com a finalidade de precisar de maneira eficaz os alcances da
vivência grupal, se não houver por parte do pesquisador um conhecimento prévio dos
fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa e, por extensão, do que é um Grupo de
Encontro. Portanto, é primordial que ao fazer um estudo desta natureza, o pesquisador
saiba antes o que procura e como procurar, para que seja possível a sua compreensão
diante do material encontrado e como lidar com ele.
Isso aponta para a questão da vivacidade dos depoimentos e que sua vitalidade não é por
acaso; depende da forma como o cliente foi abordado para entrar em contato com a sua
experiência vivida ao dar o seu depoimento. Macêdo (1998, p. 119) afirma que “a
pergunta disparadora abre espaços para esta especificidade do depoimento permitindo
serem descritos significados mais amplos que a vivência” no grupo. Assim, uma
pesquisa qualitativa devidamente exploratória sobre a vivência do participante tem a
vantagem de abarcar percepções globais e sentimentos do participante no que tange à
vivência grupal e aos elementos que são mais significativos ao seu processo, pois ao ser
solicitado a refletir sobre a experiência mais marcante no grupo, sua descrição é
carregada de significados, como atesta Giorgi (1989), e ela mostra a viabilidade de
coletar depoimentos gravados e/ou escritos que, dependendo da maneira como se aborda
o participante, pode-se chegar a depoimentos muito ricos de significados que vão além
do tema que se tenta pesquisar (Macêdo, 1998).
E nessa perspectiva, Amatuzzi (1996) afirma que “a fenomenologia pressupõe que o
vivido seja um caminho importante, e em alguns momentos insubstituível, para a
verdade, isto é, para a formulação de conhecimentos e para decisões que devemos
tomar” (p. 5). E para essa construção de conhecimentos, seguiram-se os princípios do
método fenomenológico, por se trabalhar com material expressivo da experiência
humana, com o foco na intencionalidade, o que leva a uma estrutura do vivido, uma vez
que este estudo se baseou na pesquisa fenomenológica empírica cujo objetivo é o estudo
do vivido, pois é a que lida com o significado da vivência (Amatuzzi, 1996).
Ao se respeitar a linguagem dos discursos do participante, foi possível uma reflexão
sobre os fundamentos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa, e os alcances da
vivência no Grupo de Encontro, assim como algumas confirmações, fornecendo a este
estudo um estatuto de validade científica, em função da forma como ele foi realizado.

5.2. Conclusão

Mais uma vez, é importante ressaltar a falta de estudos sobre o tema proposto aqui,
sendo a sua evidência corroborada por Tassinari & Portela (1996) e, principalmente, por
Wood (1983) ao afirmar que “estudos de grupos centrados na pessoa têm sido,
desafortunadamente, dificultados pelo lento desenvolvimento de métodos apropriados
para pesquisar os grupos em seus termos naturais” (p. 70). E também por Fonseca
(1988) ao dizer que “a teorização sobre grupos vivenciais tem sido muito limitada e
escassa” (p. 15) e “que pela ausência de uma explicitação teórica mais efetiva, a
proposta do grupo vivencial tem tendido de um modo geral a estagnar-se” (p. 45). Pode-
se estabelecer uma primeira conclusão, ao dizer que essa ausência de marcos teóricos
mais precisos e a dificuldade de acesso a um conhecimento sobre grupos de encontro
têm dificultado a formação adequada de facilitadores.
Conforme colocado na introdução deste estudo, espera-se que ele, em maior ou menor
grau, contribua para o fortalecimento teórico da Abordagem e de uma metodologia que
possa verificar as experiências vividas no seio dela.
A estrutura geral do vivido, apontada por este estudo, mostra como que o participante vê
o grupo e não como ele é; isso, provavelmente, se deu em função do estudo não
focalizar diretamente o que é o grupo, mas de uma compreensão indireta do que é o
grupo, a partir do depoimento. Nesse sentido, a partir dos depoimentos dos participantes
ao exporem como que é o grupo de encontro para eles, creio ter sido possível atingir o
objetivo deste estudo.
De uma maneira geral, este estudo permite concluir que o Grupo de Encontro é uma
atividade terapêutica coerente com as postulações teóricas da Abordagem Centrada na
Pessoa e que o alcance mais significativo dele é o crescimento pessoal do participante, o
que está de acordo com o seu objetivo.
Dos resultados obtidos pelos depoimentos dos participantes, é possível uma conclusão a
respeito dos alcances do grupo em si, e outra sobre a validade da pesquisa
fenomenológica.
Sobre a vivência em grupos, é possível concluir que:
. a participação em um grupo de encontro pode trazer mudanças significativas para os
participantes, tais como:
. mudança no conceito de eu, ampliando a consciência de si;
. contato maior com os sentimentos;
. expressão fluída dos sentimentos;
. melhoria na comunicação com o outro;
. compreensão da relação interpessoal;
. autenticidade nas relações pessoais e profissionais;
. confiança naquilo que sente;
. abertura à experiência imediata, menos defensivo;
. aceitação de si e do outro;
. potencialização do processo psicoterápico individual;
. desenvolvimento da capacidade terapêutica;
. identificação com os membros de grupo, confirmando a existência.
. as mudanças são duradouras, independem do ano da participação.

A partir destas conclusões, as possíveis implicações teórico-práticas para o grupo de


encontro e a pesquisa são:
. necessários estudos aprofundados sobre os efeitos das vivências;
. necessárias teorizações sobre a relação facilitador e participante;
. necessários estudos sobre as condições facilitadoras de mudança.
Mesmo que este estudo tenha buscado uma articulação entre teoria e prática para obter
um alcance científico, ele também levanta muitas questões ao apontar a verificação de
hipóteses baseada meramente em observações.
Sobre a pesquisa fenomenológica é possível concluir que:
. a entrevista (depoimento) é um meio eficaz de investigação fenomenológica para se
compreender o significado da experiência vivida pelo participante, desde que o
pesquisador esteja comprometido com uma proposta eminentemente fenomenológica;
considere os aspectos éticos da pesquisa, respeitando os participantes enquanto pessoas;
esteja aberto para entrar em contato com o participante através do seu depoimento,
considerando o relato uma expressão do vivido dele;
. o depoimento é carregado de significados, desde que a pergunta disparadora coloque o
participante em contato com a vivência (Macêdo, 1998);
. a compreensão só é possível através da imersão na subjetividade do participante, via
empatia;
. ao envolver-se existencialmente com os depoimentos, manter um distanciamento
reflexivo para apreender os significados vividos;
. os resultados obtidos podem oferecer generalizações sobre o tema investigado,
mostrando que os significados produzidos podem ir além da pesquisa, sendo necessários
outros estudos.
No diz respeito à metodologia, o enfoque qualitativo fenomenológico se mostra bastante
viável à investigação das vivências em Grupos de Encontro e, quanto à validade do
instrumento utilizado neste estudo, Macêdo (1998) diz que um trabalho desta natureza
tem o seu instrumento validado “desde que sejam respeitados os parâmetros
metodológicos para a compreensão dos dados contidos nele”, para tanto “um
instrumento qualitativo, elaborado e aplicado sistematicamente, possui validade
científica”, abrindo espaço a novas questões a serem investigadas.
Considerando as questões levantadas por este estudo para o funcionamento e efeitos do
Grupo de Encontro, seria viável que aqueles que trabalham com este modelo tentem
uma revisão conceitual para a fundamentação mais consistente da sua prática.
Naturalmente que este estudo, durante a sua realização, provocou mudanças
significativas na pessoa deste pesquisador, tanto nos aspectos pessoais quanto
profissionais, abrindo questões para uma reflexão futura.
Por fim, gostaria de encerrar esta conclusão com uma colocação de Amatuzzi (1989, p.
195), que sintetiza o que este autor vive neste instante:
“existe um momento que sentimos que terminou. Mesmo que esse término seja de um
ciclo, etapa ou momento, embora não do processo como um todo. É preciso também
decidir terminar, pois há sempre algo que poderia ainda ser dito”.

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Ceciliano Abel de Almeida, UFES.

ANEXO
Anexo 1
Depoimentos

Nome: Cíntia
Data da entrevista: 01/08/00
Sexo: Feminino
Idade: 38 anos Profissão: Psicóloga
Já fez ou faz terapia? Já fiz e faço terapia
Individual ou de grupo? Individual
Já participou de algum grupo de encontro? Já participei de vários grupo de encontro.
Quantos? Perdi a conta. Eu comecei a participar quando eu estava na faculdade, em
1990 e nunca mais parei. Então deve ser mais ou menos uns 17 a 20, por aí.
Qual o ano do último grupo de que você participou? Eu não tenho esta data.
Aproximadamente? Aproximadamente, deve ter sido em 1997, acho.

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
É, para a gente falar de uma experiência mais marcante tem que fazer um pouquinho de
esforço porque acho que todas as experiências que tive foram muito marcantes.
Relembrar minhas experiências com grupo é sempre muito bom porque posso
vislumbrar uma longa caminhada…
Mas a que eu acho que eu podia te dizer que a experiência mais marcante foi a primeira,
né? Quando fiz o primeiro grupo, eu era estudante do curso de Psicologia e estava no
início do meu processo terapêutico (individual).
Foi quando eu fui participar de um grupo de encontro e eu realmente não sabia como é
que era e a idéia que eu tinha era muito vaga. Não só a respeito do grupo de encontro
como também a respeito do ser humano, né? Estava passando por momentos muito
difíceis comigo mesma e nas minhas relações pessoais.
Eu me cobrava muito, não me permitia errar, tinha medo de dirigir, e me achava
responsável por todas as pessoas que estavam ao meu redor. O que me gerava inúmeras
culpas e muito sofrimento.
Lembro-me que quando o grupo começou a acontecer e as pessoas foram se colocando,
eu me espantava e não acreditava que eu estivesse vendo e convivendo com pessoas que
tinham problemas, assim como eu, parecidos com os meus, com pessoas que também
sofriam e buscavam uma maneira de crescer e aprender a viver. Ou seja, eu não era a
única imperfeita, eu não era tão ruim como eu me julgava, eu não estava tão
desamparada e sozinha. Foi um alívio muito grande o que senti. Foi como descobrir que
eu fazia parte de uma raça.
Pouco a pouco fui aprendendo a confiar no grupo, a me colocar, a trocar com as
pessoas, e até a sentir vontade de deixar que as pessoas me conhecessem.
A partir daí não deixei mais de participar dos grupos, fui percebendo cada dia mais que
me ajudavam, que eu saía dali com mais disposição e mais claridade para ver e enfrentar
as coisas. Me ajudava muito na terapia individual também, comecei a caminhar mais
rápido.
Aos poucos fui descobrindo que eu sou digna de confiança, sou humana, sou realmente
imperfeita, fui aprendendo a me aceitar e aceitar mais as outras pessoas também. A me
respeitar e a respeitar o outro, a ter um pouco mais de paciência ou a me permitir não ter
paciência para certas coisas ou pessoas. No grupo eu pude ver claramente o que é a
sabedoria organísmica e também como isso funciona a nível de coletivo.
Já pude ver, mais de uma vez, que o grupo sabe a hora de começar, de aprofundar e de
parar. Por exemplo: já houve momentos em que o grupo trabalhou intensamente
questões pesadas para muitos e para o grupo e na hora de retornar, simplesmente
ninguém “permitiu” prosseguir.
Creio que a partir daí eu comecei a confiar mais em meu organismo e no organismo dos
outros, eu passei a deixar mais que cada um tomasse conta de si, eu passei a enfrentar
meus problemas com mais confiança em mim mesma e, a propósito do que eu disse
antes, de ter medo de dirigir, hoje eu amo dirigir, confio em minha direção.
Com certeza absoluta a participação nos grupos me ajudou imensamente na minha vida
pessoal e profissional. Continuo sendo imperfeita, graças a Deus, mas muito melhor
comigo mesma.

Tem mais alguma coisa a acrescentar?


Não, eu acho que… eu diria que… todos estes grupos que eu participei, é… realmente
não existe nenhum grupo igual, cada um é um e que todos eles me acrescentaram muita
coisa durante a minha vida pessoal e profissional.
O que mais me marcou nesta experiência toda foi o fato do grupo mostrar, revelar
muitas coisas a respeito de mim mesma e do ser humano.

Nome: Roberto
Data da entrevista: 28/08/00
Sexo: Masculino
Idade: 35 anos Profissão: Magistrado
Já fez ou faz terapia? Faço
Individual ou de grupo? Individual e quando ocorrem os grupos de grupo, aqui em BH e
com o meu terapeuta individual.
Já participou de algum grupo de encontro? Muitos.
Quantos? Mais de vinte, mas eu já perdi a conta.
Qual o ano do último grupo de que você participou? 2000

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Olha foi o meu terceiro grupo, já foi em 92, né? Eu fiz uma vivência para trabalhar
raiva. Foi uma técnica que utilizava uma toalha retorcida para que eu mordesse, né? E a
partir da catarse que eu tive lá veio muita coisa interessante para elaborar. Para mim foi
um marco porque… é… sei lá, parece que eu reeduquei a minha agressividade a partir
daí, sabe? Comecei a canalizar de uma forma mais construtiva a minha agressividade,
esse foi o mais marcante.

E como você se sentiu nesta experiência?


Olha, no começo houve um temor muito grande em me colocar, sabe? Eu estava com
um medo, né?, um da exposição ao outro, do pessoal que estava lá e também de eu não
dar conta daquele turbilhão que estava lá dentro, que não tinha nome, não tinha cara,
nenhuma definição, só uma emoção fortíssima; então, o que me passou foi isso, né?,
num primeiro momento, né?, eu ia me colocar, me continha; ia me colocar, me
continha. Chegou uma hora que, se não me engano, foi viajando numa vivência de um
colega de grupo que surgiu alguma afinidade e aí quando eu vi já estava acontecendo,
me foi proposta a vivência, e eu topei. E foi interessante porque eu fechei os olhos e me
esqueci de tudo que estava em torna, né?, foi uma entrega aos sentimentos mesmo, fluiu
a emoção de uma maneira muito pesada, e não me preocupei muito com elaborar, sabe?
Falar, falar, deixa, deixa falar, algum movimento acontecer, foi interessante, foi bom,
né? me senti mais leve depois e foi interessante porque é depois de ter saído do grupo, lá
pra diante, às vezes até algumas semanas depois, eu me via, né?, comportando de
determinada forma diferente de que até então tinha sido, sabe? Eu parava e dizia: O que
aconteceu? Humm! Deve ser efeito lá de trás, porque eu estou me comportando de tal
forma e não segui o meu padrão o que pode ter ajudado ocasionando esta mudança e me
lembrava então da vivência que, em geral, eu deixo o que é do grupo no grupo, não fico
assim preocupado em me lembrar, pô, aconteceu isso, aconteceu aquilo, deixo que as
coisas fluam, né?, então ( ) se queira ser feliz com analista, no analista, eu não me
preocupava com isso, mas eu vi várias reações, várias condutas, ué? não era assim que
fazia e, de repente, era daquele jeito que eu estava fazendo e estava melhor.

E isso tudo em relação à raiva?


Em relação à vivência da raiva e, é claro, nós estamos falando dela, né?, mas em outros
aspectos da minha vida é vivência de grupo sempre tiveram estes efeitos, né?, no lá
adiante eu parava e falava, uai! Por que estou agindo assim, né?, por que está diferente?
Ah!!! Já sei, deve ser um efeito da vivência, ponto. Tá bom? tá bom, tá ótimo!

E você acha, então, que o que te marcou foi ter vivenciado a raiva de uma forma
espontânea, sem culpa, sem culpa não…
Sem medo, né?, eu penso que o que pesava muito, né?, era assim o potencial destrutivo
da raiva, né?, era esse não saber, não é bem saber, eu não ter uma vivência de entrar
nesse sentimento de uma forma construtiva; minha raiva era raiva do grito, era raiva da
porrada, era raiva da agressão. Então havia um medo muito grande, né?, meu Deus, o
que eu posso fazer se essa raiva aflorar, né?, comigo e com o outro, né?. O principal era
o medo de me entregar a ela e ver o que vinha depois com muito medo.

E no grupo você descobriu que ela pode ser boa?


Sim, mas não como uma conclusão lógica, entende? Foi acontecendo, pôxa vida, de
repente eu me vi, por exemplo, em situações que eu já partiria para agressão verbal, para
o descontrole, e eu me vi ponderando, sabe? Usando aquela energia, então, pera aí, não
é bem assim, senta aí, vamos conversar, sabe, e escutando o outro, né?, é uma coisa que
eu não fazia. Ah! Me incomodou, eu não quero nem escutar o que você tem a me dizer,
eu vou te falar do incômodo e da maneira que eu sei. Huuua! E de repente eu comecei a
me perceber com essa postura, né?, que vem de dentro, sabe alguém por algum motivo
em alguma situação, né?, que me enfezava eu não saía quebrando nada, não, espera aí,
vamos parlamentar. Não é que não houvesse raiva, ela estava ali, mas estava circulando
de uma outra forma, né?, mais positiva ou menos destrutiva. Vivendo a raiva de outra
forma. E não sei se eu posso colocar isso: num outro grupo, muito tempo depois, aliás,
neste grupo deram um apelido para essa personagem que aflorou chamada de Fred
Kruger, aquele personagem dos filmes de horror, e no grupo, alguns grupos depois
aconteceu uma situação de grande antagonismo com uma outra pessoa que estava lá.
Um incômodo, a gente se desentendeu e foi muito legal, sabe? Eu estava numa berlinda,
frente a frente com esta pessoa, o facilitador colocou a gente lá, e foi uma experiência
dentro do grupo onde tive esta consciência, né?, de virar para a pessoa e falar: você está
demandando ser agredida, você está demandando tomar bolacha, mas eu não vou fazer
isso, né?, não vou cair na sua armadilha, né?, nesse jogo perverso e também porque não
é a minha praia mais, já foi, então eu vou te falar sobre o incômodo. Foi fortíssima, né?,
uma experiência plena disso. Nossa, a mudança está aí, aconteceu. Então, tanto na vida
lá fora quanto aqui no grupo pude vivenciar, foi muito bom, ter vencido.

Nome: Rogério
Data da entrevista: 23/09/00
Sexo: Masculino
Idade: 38 anos Profissão: Advogado
Já fez ou faz terapia? Nunca fiz, além dessas três experiências, contando com esta de
grupo.
Já participou de algum grupo de encontro? Sim.
Quantos? Três com esta
Qual o ano do último grupo de que você participou? 2000

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Ah! Foram várias, mas a que eu poderia destacar foi, é, tentar crescer com as
experiências alheias, que mostram muito mesmo, mesmo que eu não esteja vivenciando
determinado problema que foram citados, mas isso eu creio que vai me ajudar se algum
dia eu tiver que me deparar com eles, mas não foi só isso. Me descobri também, sobre
como me relacionar, mudar, crescer, ser mais autêntico, eu acho que é isso.

A autenticidade foi o que mais te marcou então? Fale um pouco dela dentro do que você
viveu, como que você viveu?
É. Saber ser mais… é não ser hipócrita nas relações, saber dizer não, não me magoar,
mas ao mesmo tempo procurar respeitar os limites dos outros. Enfim, ser mais
transparente, acho que é o máximo que eu poderia definir e também é muito confuso,
né?

Confuso como?
Achar uma definição precisa para este turbilhão de sentimentos que eu atravessei e que
me ajuda muito fora daqui. Na minha profissão, eu lido com pessoas, e ajuda a
identificar a sinceridade das pessoas, é isso.
Tem mais alguma coisa que você queira falar?
Sim, sobre a diferença que é a vivência dentro de um grupo e fora dele, né?, na nossa
vida “normal”. Na prática, acho difícil, porque no grupo a gente consegue uma relação
mais transparente, mais verdadeira, e fora dele, nem sempre, não. Mas muitos tópicos,
como este de transparência, de percepção dos outros, perspicácia, são o que me ajuda a
enfrentar os problemas de fora.

Nome: Flávia
Data da entrevista: 18/10/00
Sexo: feminino. Idade: 48 anos Profissão: Professora (aposentada)
Já fez ou faz terapia? Já fiz
Individual ou de grupo? Todas duas.
Já participou de algum grupo de encontro? Já
Quantos? 02
Qual o ano do último grupo de que você participou? 1998

É importante que me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência mais


marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Mais me marcou? Ai, difícil falar isso. A que mais me marcou foi mesmo o trabalho que
é feito. Você quer alguma coisa que ouvi lá?

Uma experiência que marcou…


O primeiro grupo que eu fiz, em 97, o segundo até que não, mas o primeiro que eu fiz
foi mais de adulto, né?, mais da minha idade mesmo, mais casais inclusive. E foi muito
bom ver que não foi eu, não era só eu que tinha problema do tipo que eu vi lá, certo?
Então me ajudou, não a resolver não, mas a ver melhor o que eu passava e foi isso, foi
ver que as pessoas lá também tinham liberdade, né?, quer dizer, podia falar, sei lá, é
uma cumplicidade boa lá, né? que… Ah! Não sei, foi isso mesmo. Foi o primeiro grupo
que eu fiz e eram mais adultos, gente da minha idade mesmo.

Então o que te marcou foi ver que tinha outras pessoas passando pela mesma situação
que você?
Mesma situação que eu, né?, porque geralmente a gente acha que o problema é só
nosso, e que o nosso é maior, né?, não é bem porque é só da gente não, é que o nosso
tem uma dimensão maior, né?, é, cheguei lá e vi que todo mundo passa também por
dificuldades, e que ali foi bom de pensar, repensar a vida, e pensar… Me senti
confortada. Conforto demais, é… É o que eu falei: repensar mesmo aquilo tudo, né?,
repensar a minha vida e ver que não era tão difícil sair daquilo que eu estava passando.
Agora já o segundo grupo foi mais de adolescente, foi importante também, eu não sei se
foi pela primeira vez que eu fui a um grupo, que eu já tinha feito a terapia individual, aí
eu fui fazer o grupo, e eu não sei se eu estava tão necessitada também e foi mais
marcante para mim, agora no segundo foi mais com adolescente, foi válido também,
porque eu também tenho dois filhos, né?, tenho um neto que mora comigo foi válido
para mim ver a minha discrepância, né, de que às vezes a gente age, né. Agora o
primeiro foi excelente, não faço mais porque não tenho muita oportunidade de fazer
mais grupo, né?

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?


Não, você precisa de mais algum detalhe, mais alguma coisa?

Se você quiser falar?


Eu quero que todo mundo tenha esta experiência, né? Ah! Seria excelente, acho que a
gente conviveria melhor.

Nome: Emerson
Data da entrevista: 23/09/00
Sexo: Masculino
Idade: 42 anos Profissão: Despachante e Corretor de Seguros
Já fez ou faz terapia? Já fiz terapia, e comecei novamente e dei um intervalo.
Individual ou de grupo? Individual e constantemente tenho feito o grupo.
Já participou de algum grupo de encontro? Vários grupos de encontro.
Quantos? Inúmeros, não sei quantificar.
Nenhum número? Humm… Diria que são mais ou menos10 grupos.
Qual o ano do último grupo de que você participou? 2000

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Depois de participar do primeiro grupo em… 1989, percebi o quanto eu tinha uma visão
distorcida da vida, das pessoas e do mundo.
A partir daí notei que estava havendo alguma transformação na minha pessoa, pois
estava me identificando com uma nova personalidade, onde conseguia compreender
melhor os outros, a comunidade e o meio em que vivo. Já sabia que o meu “mundo” não
era mais o mesmo, aprendendo a ver com os meus próprios olhos, dar ouvidos ao
correto, falar o que era preciso.
Mas experiência mais marcante foi o reconhecimento de mim como uma pessoa
colocada dentro deste mundo de vida. Me enxergar como alguém de importância, e
verificar como um ser que sentia menosprezado, deixado e dependente principalmente,
e agora com mais tranqüilidade, mais habilidade. Sabendo que você só sobreviveria a
isso que está aí, que eu poderia dizer aqui é um grupo e sobrevivi ao que está lá fora,
dentro das normas, dos paradigmas que a sociedade nos impõe. Até então poderia te
dizer: saí daquele machismo, sabe? Daquela pessoa que se achava dono do mundo,
mandão, bonachão, e consegui enxergar um pouco das minhas fraquezas, sabe? E
consegui equilibrar uma série de coisas na vida e, principalmente, a relação interpessoal.

E como você se sente diante da experiência?


Olha, na realidade, antes eu tinha temor das pessoas e eu enxergava as pessoas com uma
certa arrogância, sabe? Uma certa ignorância, e eu não enxergava sentimentos, sabe? E
eu me lembro que eu fumava, e eu fumava três cigarros praticamente para conversar
com uma pessoa, o meu nervosismo, e agora eu vejo a minha tranqüilidade. Eu lido com
pessoas, e quando eu recebo um cliente, eu não vejo mais o dinheiro na frente, eu vejo o
lado humano, eu gosto de conversar com as pessoas olhando nos olhos dela porque
assim eu vejo uma coisa mais interna. Poderia dizer um pouco de alegria, um pouco de
tristeza, um pouco de demonstração do que as pessoas vêem. Eu não vejo ele mais como
um cliente produtivo para mim, mas eu vejo ele como um ser humano e, às vezes, não
me é simplesmente suficiente receber o cliente como uma pessoa que veio me trazer o
trabalho, me trazer o dinheiro, eu quero conversar com essa pessoa. Eu quero que ela
diga um pouco dela. Quero que ela fale um pouco da sua vida se assim ela quiser, se
assim ela permitir. Mas hoje eu procuro ter um contato com meu cliente, contato
humano, sabe? Não é simplesmente uma pessoa que vem e pronto, eu lembro dele só do
semblante não, mas é que eu saiba um pouco da história dele.

Interagir?
Interagir, exatamente, então isso. Para mim é importante conhecer um pouco mais o
meu cliente, me ensina também a forma de agradá-lo e com eu estando o agradando,ele
é um cliente importante, ele vai voltar. São os valores que ele percebeu na minha
percepção e dentro disso eu acredito que ele é um cliente que sempre vai se achar bem
quisto, ele volta e até indica mais clientes para mim. Eu tenho lucrado muito com isso.

Não só pelo lado profissional como pelo lado pessoal?


Com certeza, a minha relação lá fora tem melhorado demais, com meus amigos, com
minha família, com meus filhos e também aprendi a separar o que é amigo e o que é
colega, sabe? Isso nos ensina. A gente aprende a discernir quem é que está querendo a
gente como amigo, quem é que está nos explorando, quem é que está fazendo troca com
a gente, sabe? Isso eu aprendi muito, e aprendi com a terapia e com essa lindíssima
psicologia. Essa área humanista ela é lindíssima, ela me agrada demais. Essa área
humanista ela é lindíssima, ela me agrada demais.

Mais alguma coisa a acrescentar?


Eu sei te dizer o seguinte: que ano você está fazendo em psicologia?

Sexto período.
Sexto período? Logicamente, alguma coisa já deve ter transformado demais para você,
muita coisa, né? Eu imagino o engrandecimento que isso deve te trazer. Porque para
mim uma mudança poderia te dizer bem radical, sabe? Eu pude trabalhar muitas coisas,
a minha auto-estima, a criança abandonada. Me ensinou a ser Pãe, porque eu sou Pai e
mãe, me ensinou a aceitar os meus filhos, que são meus filhos, sabe? E eu tive uma
certa dificuldade de aceitar. Me ensinou a saber viver o Emerson, em saber viver o Pai e
a Mãe que eu estou sendo hoje, também estar com meus filhos juntos comigo dentro da
minha casa debaixo do meu teto, sem ter uma companheira para cuidar deles, sem ter a
Mãe deles perto de mim. Isso vem de grupo,
Resumindo: assumi minha identidade, me vejo diferente deste velho mundo, como já
falei: moro com meus três filhos e os amo muito, dificuldades é a gente que inventa,
para tudo tem solução, basta pensar e ser perseverante. Existem saídas. Devemos ter
paciência para encontrá-las, pois achava que não daria conta de cuidar deles e muitas
outras coisas. Já consigo deslanchar com muita tranqüilidade e sair do labirinto.
Descobri que não se pode corrigir qualquer pessoa, pois é preciso saber compreendê-las,
ouvi-las, sentir a sua dor, ouvir a respeito e nem sempre emitir opiniões, às vezes até
omitir. Fiz e faço muitos amigos com a grande sinceridade que o grupo me ensinou.

Nome: Rosa
Data da entrevista: 05/10/00
Sexo: Feminino
Idade: 34 Profissão: Médica
Já fez ou faz terapia? Já fiz.
Individual ou de grupo? Individual e de grupo.
Já participou de algum grupo de encontro? Já, vários.
Quantos? Acho que foram uns cinco ou seis.
Qual o ano do último grupo de que você participou? Novembro de 1997.
E o primeiro? Foi em 1996.

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Experiência pessoal minha?… O que mais me marcou no grupo de encontro,
pessoalmente, de proveito meu mesmo, é que os grupos de encontro eles fizeram, é…
me ajudaram muito a me encontrar como pessoa, do que eu queria, do que eu gostava.
Eu me encontrava muito perdida na época em que eu fiz o grupo, de saber mesmo da
minha vida. Da minha vida pessoal mesmo, então em cada grupo que eu participava, era
como se fosse um encontro comigo mesma. Então, dependendo do grupo, era uma coisa
que manifestava, era um sentimento, era um reencontro mesmo. E aí eu fui me
organizando internamente e descobrindo e redescobrindo coisas que eram importantes e
que já eram minhas e que haviam sido esquecidas. Então esse grupo foi muito
importante, foi como se o grupo fizesse eu renascer mesmo como pessoa e descobrir
mesmo o prazer de ter realmente me reencontrado. Assim, detalhes é muito difícil,
porque o grupo é uma coisa única. Então, assim, às vezes, é uma coisa que a pessoa fala.
Às vezes, é um sentimento que você sente, que o outro está transmitindo para você, que
não é expresso por palavras. Às vezes, é uma vivência de alguma coisa que foi colocada
para a gente lá na hora, né? Eu fiz uma vivência de Pai e Mãe no meu primeiro grupo
que fez eu pensar muito: por que que eu estava lá, do porquê eu tinha ido procurar este
reencontro comigo mesma? Nos outros grupos teve coisas muito marcantes. Então fica
muito difícil de eu te detalhar um, ficaria muito pobre também eu te falar um momento
específico, né? Eu acho que cada grupo foi muito bom, foi muito proveitoso, é, foi de
muito valor especificamente e individualmente para cada grupo que eu participei.

Então, pelo que você falou, o que mais te marcou foi o fato de ter se reencontrado?
É, o grupo ajudou, as pessoas, os relatos, tudo. Foi me reencontrar nestes grupos o que
mais marcou. Eu poder falar do que eu sentia, do quê que era importante para mim e me
entender onde pessoas lá me ajudaram a me entender. Coisas que… as coisas que eu não
entendia ou mesmo as coisas que eu queria. A vida era muito… muito sem sentido,
muito apagada, muito sem cor. E, de repente, eu fui descobrindo que era muito colorida
e eu é que não sabia. Então esse encontro comigo mesma é que foi muito bom, né? E
poder também, acho que o grupo é muito rico, não é só isso. É poder ajudar as outras
pessoas que estão lá, ajudar como elas estão te ajudando, não é um ato de caridade não.
É ajudar mesmo, é uma troca, exatamente. Essa troca é muito enriquecedora e quando
as pessoas sintonizam com você é que você consegue fazer essa troca, assim vale muito
este encontro com o outro mesmo, né? De resgatar, de fazer amizades, de resgatar
mesmo. É a questão de envolvimento, de amizade, de humanismo mesmo, que às vezes
no dia-a-dia, a gente acaba perdendo. Então isso foi muito intenso. Muito proveitoso.

Nome: Alberto
Data da entrevista: 24/10/00
Sexo: Masculino
Idade: 33 Profissão: Engenheiro Civil
Já fez ou faz terapia? Já fiz.
Individual ou de grupo? Já fiz individual e de casal, em grupo também.
Já participou de algum grupo de encontro? Já.
Quantos? Três.
Qual o ano do último grupo de que você participou? 1997

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Grupo de encontro eu acho que é o seguinte: cada um coloca as dificuldades que tem na
vida, né?, as pessoas têm, na verdade, uma confiança que em pouco tempo você adquire
uma confiança em uma pessoa que você nunca viu, e você começa a se expor para um
grupo. E a partir dessa exposição você se descobre, na verdade, muitas coisas que você
não sabia que você era. E para mim o grupo de encontro foi, como posso dizer, foi um
encontro mesmo. Eu descobri coisas que… que me deram força para tocar a vida, aí
essa vida louca que a gente leva de trabalho e de convívio, né?, com as pessoas e a gente
descobre o que a gente é mesmo, tá? Eu descobri foi no… foi no primeiro encontro, tá?
numa vivência que nós fizemos que tinha… tinha que é que se que colocar como se
fosse um bicho, um animal, esse animal eu me encontrei, tá? nesse animal. E é
interessante que não só comigo, né?, a gente viu depois a experiência dos outros que é
relatada que a gente tem abertura para falar sobre isso no grupo e a gente vê que não
acontece… não aconteceu só comigo. As pessoas que estavam ali buscando se encontrar
mesmo, se encontraram. Tiveram a oportunidade de se conhecer melhor, tá? É um
tempo pequeno, são três dias, né?, nos que eu fiz e tinha, tinha a ajuda dos facilitadores,
não sei se você conhece. E são pessoas que eu acho que a filosofia deles é muito legal,
que não é imposto nada, você tem o seu tempo… você tem… você tem a sua hora….
você… isso é muito respeitado. E isso é bem interessante que te deixa bem à vontade
para você descobrir essas coisas. É isso, o grupo de encontro para mim foi uma forma
de eu me encontrar, tá? Não tenho feito, por falta de tempo. Os grupos são na sexta e
voltam no domingo e é isso. Eu acho que foi válido para mim, tenho vontade de fazer
mais, tenho recebido alguns convites para fazer mais, mas eu acho legal, eu tendo
oportunidade eu vou voltar a fazer.
Então, o que mais te marcou foi esse encontro consigo mesmo?
É o encontro, é o encontro, é você descobrir o que você é. E grupo te proporciona isso,
ele te da segurança. Todos os grupos que eu fiz, a gente… a gente dá muito apoio e tem
muito apoio. Então é muito interessante, aquele convívio bem de perto com as pessoas.
Tem uma hora lá que você vai conversar sozinho com uma pessoa que você nunca viu, e
vai se expor para ela. Primeiro a dois, depois junto com o grupo, é bem interessante. É o
fato de você compartilhar desde a hora que você acorda até a hora que você vai dormir o
mesmo espaço, é bem legal, sabe? Você tem que… que definir, você aprende a definir o
seu espaço, colocar limite é bem interessante. Até a questão do seu limite de espaço
para você dormir, você tem que delimitar a sua área é aquela ali, e você tem que se
apoderar dela. Mas foi legal, em cada coisinha que tem do grupo, te faz crescer.

Mais alguma coisa que você queira falar?

Não… não. Eu recomendo, tá? Eu recomendo, eu acho que terapia é muito bom, a gente
precisa… eu fiz a terapia e foi muito bom, um ano e meio. Depois fiz uma terapia de
casal que demorou mais uns oito meses a dez meses. E todas elas, é isso aí, é um
aprimoramento da pessoa que a gente é, a gente se conhece mais, aprende a respeitar
mais os outros, aprende a ver os limites, dá limite, acho que é bem interessante. Eu
recomendo.

Nome: Íris
Data da entrevista: 07/11/00
Sexo: Feminino
Idade: 27 anos Profissão: Massoterapia (massagista)
Já fez ou faz terapia? Faço.
Individual ou de grupo? Individual.
Já participou de algum grupo de encontro? Já.
Qual o último ano? Foi em… setembro… acho que foi setembro de 2000.
Já participou de mais algum? Não.

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível qual a experiência


que mais te marcou em um grupo de encontro.
Viver o grupo de encontro é muito intenso. O que mais me marcou foi ver que o que é
mais específico em mim, é o mais comum no grupo todo. Então quando uma pessoa se
coloca de uma maneira assim totalmente particular, é encantador como o grupo
responde de uma maneira assim é, acolhedora, né, aquela vivência. Comigo aconteceu
isso várias vezes no período que a gente ficou em grupo, né, tanto quando eu ouvia o
outro, quando eu me colocava para o grupo… quando eu colocava uma dificuldade
minha, e aí algumas pessoas do grupo não conseguia ouvir que era minha dificuldade, aí
abraçava como se fosse a dela, se identificavam: “Não, não pode ser assim, que não sei
quê…” E aí, na hora, eu sei lá, me deu um clique, eu falei: “Peraí, não é de mim, não da
minha experiência que ela está fazendo interferência, né, é da vivência dela.”, né, e até
assim, consegui ter esse respeito, né? Então, nesse dia, eu vi que naquele momento eu,
que me achava muito carente pra ta me expondo, mas eu vi que tava contribuindo de
outro jeito, que não era da minha… minha vivência, mas era a de ouvir a do outro, né. O
fato de você dormir e acordar com as pessoas é… é muito interessante também.
Pessoas… eu nesse dia cheguei, eu era uma das pessoas que não tinham… eu era a
única massoterapeuta. As outras pessoas ou eram da área de psicologia, é, estudantes ou
profissionais já, ou se não acho que duas pessoas eram advogadas, né. Então no
primeiro momento eu me senti super deslocada e eu via que as pessoas olhavam muito
com olhar profissional, aquele é o psicólogo, aquele é o advogado, aquela é a
massoterapeuta… no primeiro dia. No segundo dia já era pessoa, né, então era assim:
“Ah!, é o fulano, é o sicrano, né, é viveu coisa semelhante à minha.” É, então eu achei,
mudaram muito. Me, me causou assim uma estranheza e uma surpresa de ver num
período de tempo tão curtinho como que a pessoa conseguia olhar pro outro diferente,
como que eu consegui olhar pras pessoas de forma diferente.

Então você acha que foi isso que mais te marcou, esse olhar diferenciado?
Isso me marcou muito. Muito, achei muito intenso o fato de eu poder, é, me colocar
assim brava era uma coisa que há muito eu tava trabalhando na terapia, né, eu me senti
totalmente à vontade pra me colocar pras pessoas desconhecidas o que eu tava sentindo,
isso para mim foi ilimitado, né, é… e me senti acolhida inclusive nesse momento,
porque eu achava que eu ia ter que brigar muito pra ser ouvida, né, foi bem legal.

O que que essa experiência significa hoje na sua vida?


Hoje tem um significado muito concreto, é… em todos os grupos que eu transito na
vida, né, hoje eu tenho mais alma pra ouvir e também mais certeza pra me colocar. Foi a
primeira experiência terapêutica em grupo que eu vivi, mas que eu consegui de certa
maneira estender para o meu cotidiano e conquistar esse espaço mesmo no grupo, né:
“Eu penso é isso mesmo, e até compreendo que você não me entenda ou que não
consiga me compreender neste ponto de vista.” Então, é… como eu já havia colocado o
que me marca muito hoje também é de perceber que o que é mais específico pra mim,
mais particular, mais secreto é o mais comum quando você está em grupo, isso me
marcou muito.

E…, então, você acha que a experiência lá te proporcionou se impor de forma segura
aqui nos seus grupos de convívio?
A vivência me ajudou muito a tá conquistando isso agora, né, porque acaba que antes eu
ficava justificando assim: “Mas não eram pessoas significativas.” Então, assim, o medo
de perder a aceitação, o acolhimento não era assim tão valioso, né, seria no grupo de
pessoas que eu amo, né? Hoje eu me sinto mais fortalecida e segura ao me colocar… a
me impôr nesses grupos onde eu ainda morro de medo de, de repente, falar assim: “ah!,
você não faz mais parte disso aqui”, né, com a vivência que eu passei lá. Isso
certamente .

Tem mais alguma coisa que você queira falar? Da sua experiência?
Não, não, já acabei. É… você diz na vivência do grupo de encontro?
É.
Na vivência do grupo de encontro, na ocasião me marcou muito, de repente, vê que a
pessoa se propõe, e eu já vivi isso um monte de vezes na minha vida, se propõem a
viver uma coisa e chega na hora e não dá conta de viver e poucas pessoas têm a
coragem de falar assim: “não dou conta.” E nessa época eu tive oportunidade de viver
com pessoas que assumiram: “olha, eu não tou dando conta de viver isso aqui né, tchau
pro cês, eu vou viver outras coisas”. E aí pessoas que em um primeiro olhar assim eu
achei super fragilizada e depois eu vi que eram muito mais fortes, que conseguiam dar
conta de falar que não davam conta, né, então eu achei muito marcante.

Obrigada.

Nome: Viviane
Data da entrevista: 25/11/00
Sexo: Feminino. Idade: 28
Profissão: Psicóloga
Já fez ou faz terapia? Faço, atualmente faço.
Individual ou de grupo? Individual
Já participou de algum grupo de encontro? Já.
Sabe quantos? Eu já participei de um em 1993, na época eu era aluna do 4º período. E já
fiz outros grupos que eram de finais de semana que eram grupos de encontro.
Qual o ano do último grupo de que você participou? O último foi é nessa… nessa…
1993, 1994 também, nessa época.

É importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro.
Tem que descrever uma experiência, então?

A que mais te marcou.


Foram tantas, pode ser uma só, né? Bom, eu acho que a que mais me marcou foi uma
que aconteceu comigo mesma, né? É que foi o primeiro grupo que eu fiz, que era o
grupo que eu era aluna do Coppe na época, né? Então eu fui pro grupo através dele e, é,
era um grupo que o Coppe e o Escípio eram os facilitadores. E foi uma experiência
assim, muito forte, muito diferente de tudo que eu já tinha visto e pensado até então. É,
e eu senti o grupo muito, é, pesado mesmo assim as experiências, o que tava
acontecendo ali, tava tudo muito pesado para mim. E eu comecei a ficar muito
angustiada e muito, é, sem entender o que tava acontecendo e muito presa com a
situação que tava assim não, não conseguindo me expressar mesmo. É, mas tava
achando bom também, tava né?, assim gostando também. Então, é, num dos momentos
lá do grupo, eu consegui falar que eu tava muito angustiada, que eu tava presa, que eu
tava sentindo sei lá o quê e, é, aí o Escípio, é, chegou perto de mim, pediu pra mim
levantar, pediu pra mim ir pro meio do grupo, assim, agachar no chão e fazer força pra
levantar, pra pular como se fosse um sapo e que era pra fazer força, né?, pra tentar
pular! Aí, à medida que eu ia, é, tentar pular, fazer força, ele apertava pro chão e não me
deixava sair. É aí, né?, ele continuou falando pra eu fazer força, tentar pular, e eu ia
pulando e ele ia apertando. E aí eu abri a boca a chorar e consegui assim sentir e viver
na… na… na pele mesmo assim, uma coisa muito, que é o que eu acho que acontece
com o psicodrama em si, né, e senti na pele essa sensação de querer me expressar, de
tentar me expressar e realmente de uma pressão, né, impedindo isso uma opressão
mesmo, né?, impedindo isso, seja o que for, seja choro, seja a alegria, seja tristeza, seja
raiva, mas era o impedimento mesmo, né? Aí eu chorei muito, muito… muito… muito,
e assim eu acho que daí prá frente o meu processo… é, com as terapias que eu fiz,
andou mais e melhor. O processo terapêutico mesmo eu acho assim que esse foi um…
um momento marcante mesmo, tanto do grupo em si como do meu processo terapêutico
daí pra frente, né. Essa experiência é muito presente até hoje. E tiveram várias outras
que tiveram e também foram muito marcantes. Desse grupo, de outros assim, são
experiências muito fortes né?, muito…

E viver a opressão…
Foi muito dolorido, muito… Mas foi uma coisa que me trouxe uma consciência muito
grande de como que eu tava, né?, como que eu tava realmente oprimida, sem, é… sem
conseguir expressar o que quê eu tava sentindo… sem conseguir entender o que eu tava
sentindo. Então, assim, você sente isso na pele, é diferente de você entender, né?, assim,
que você está em depressão, que você está oprimido, que você está bloqueado, que você
não consegue se expressar, é muito diferente você entender isso do que sentir isso na
carne mesmo, né?, então e ao mesmo tempo que eu sentia toda essa dor… toda mesmo.

Nome: Lívia
Data da entrevista: 22/12/00
Sexo: Feminino
Idade: 40 anos Profissão: Comunicação Social e psicóloga
Já fez ou faz terapia? Já fiz, no momento não.
Individual ou de grupo? Individual
Já participou de algum grupo de encontro? Já participei de uns 12
Qual o ano do último grupo de que você participou? 1998
E do primeiro? Acredito ser em 92

È importante que você me descreva, o mais detalhadamente possível, qual a experiência


mais marcante que experimentou em um grupo de encontro?
A primeira contribuição do grupo que eu pude sentir foi a de “ajudar” na terapia.
Algumas questões que eram colocadas no grupo por outras pessoas me remetiam às
minhas próprias questões e a partir daí eu pude trabalhá-las em terapia.
Exemplo: em um dos grupos se falou muito na questão de morte. Uma pessoa sentia
culpa por ter perdido o pai; outra sentia alívio com a morte do pai; outra desejava a
morte do pai porque todos estavam sofrendo muito com a doença. Eu, que já estava
trabalhando essa questão na terapia, pude sentir que ouvir essas pessoas falando de seus
sentimentos de culpa, raiva, alívio, desejo com relação à morte me ajudaram muito a
deixar que esses sentimentos também brotassem em mim e a partir daí pude então
trabalhá-los em terapia e, quando, há mais ou menos um ano atrás, eu vivi a situação da
morte de meu pai de uma forma tranqüila, como nunca imaginei que pudesse ser.
E uma outra contribuição?
Outra contribuição que o grupo trouxe foi a aceitação incondicional de mim e do outro.
Mesmo com todos os meus defeitos, o grupo me aceitava exatamente como eu estava
ali, naquele momento, você sentir que é aceita verdadeiramente, abre as portas para que
você queira aceitar também verdadeiramente o outro.
Exemplo: qualquer sentimento que eu estivesse vivenciando naquele momento era
aceito pelo grupo, não importando qual fosse esse sentimento. Podia sentir muita raiva,
com toda raiva do mundo e falar dela. Eu não era rejeitada por isso.
E tem mais: aprendi a dizer não. Pude dizer não várias vezes durante os grupos e isso
me ensinou (possibilitou) dizer não para as outras pessoas na minha vida diária e, o mais
importante, a dizer sim para mim.

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?


Sim. Com relação às minhas atividades profissionais, os grupos de encontro me
propiciaram um grande crescimento profissional: sou psicóloga. A teoria, que eu já
conhecia nos livros, principalmente os de Rogers, eu as vivenciava ali, na minha frente,
ao vivo e a cores. Era prazeroso demais eu ver e sentir que estava no caminho certo e
que aquilo que nos livros parece, por vezes duvidoso, é real, acontece mesmo.
Enfim, participar dos grupos de encontro facilitou perceber meus sentimentos e os
aceitar como meus, meu relacionamento comigo mesma mudou muito; passei a me
conhecer e reconhecer, me aceitar e acima de tudo gostar de mim como realmente sou.
As minhas relações interpessoais hoje são mais maduras e autênticas; cresci muito como
pessoa.

Trabalho apresentado no IV Fórum Brasileiro da Abordagem Centrada na Pessoa

28/10 a 03/11/2001 – Pirenópolis–GO

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