Você está na página 1de 8

Psicologia: Teoria e Pesquisa

Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062

Raciocínio Lógico, Experiência


Escolar e Leitura com Compreensão1
Mª. da Graça Bompastor Borges Dias2
Universidade Federal de Pernambuco
RESUMO - As habilidades do raciocínio silogístico usadas para alcançar conclusões e detectar incoerência em textos
foram avaliadas em 30 crianças de escolas onde contar histórias e discutí-las era freqüentemente usado (Grupo Experimen-
tal) e em 30 crianças de escolas onde esta forma de atividade era escassa (Grupo Controle). As crianças tinham de 5 a 6 anos
de idade, de quatro classes de jardim-de-infância de duas escolas particulares de Recife. Foram testadas no início, no fim
do ano escolar e no início do ano seguinte, quando estavam na primeira série. Na primeira fase, o Grupo Controle apresen-
tou resultados um pouco melhores do que o Grupo Experimental. Na segunda e terceira fases, os resultados foram signifi-
cativamente melhores para o Grupo Experimental e as diferenças foram marcantes quando os conteúdos dos silogismos
contradiziam fatos empíricos. Argumenta-se que contar histórias e a discussão das mesmas pode ser um bom meio para
desenvolver as habilidades do raciocínio das crianças e a compreensão de leitura.

Palavras-chave: raciocínio lógico; compreensão de histórias; silogismos.

Logical Reasoning, School Experience


and Reading with Comprehension
ABSTRACT - Syllogistic reasoning abilities utilized to reach conclusions and to detect incoherence in texts which were
evaluated among 30 children from schools where story telling and its discussion was frequently used (Experimental Group),
and in 30 children from schools where this kind of activity was inexistent (Control Group). The children were from 5 to 6
years-old, who were, enrolled in four kindergarden classes of two private schools in Recife. They were tested at the begin-
ning, at the end of the school year, and at the beginning of the following year, when they were enrolled in the first grade of
elementary school. In the first phase, the control group presented slightly better results than the experimental group. In the
second and third phases, the results were significantly better for the experimental group, and the differences were specially
observed when the content of the syllogisms contradicted empirical facts. It is argued that story telling and discussion
activities may be a good way to develop children’s reasoning abilities and the reading comprehension.

Key words: logical reasoning; story comprehension; syllogisms.

Donaldson (1978) demonstrou a importância da cons- ciência da forma e consciência pragmática. A consciência
ciência metalingüística no sucesso da transição da criança fonológica e a da palavra referem-se à consciência das sub-
do pré-escolar, e seu estreito relacionamento com a aquisi- unidades da linguagem falada (os fonemas e as palavras); a
ção da leitura foi constatado por Tunmer e Bowey (1984). consciência de forma refere-se à representação estrutural
Consciência metalingüística é definida como a habili- do significado literal ou lingüístico associado a uma elocu-
dade de refletir e manipular aspectos estruturais da lingua- ção, e a consciência pragmática refere-se ao relacionamen-
gem falada, sendo a linguagem aqui tratada como um obje- to que se obtém entre um conjunto de proposições que in-
to do pensamento e não simplesmente como meio de com- cluem os significados literal e intencional como membros
preensão e produção de sentenças. (Tunmer & Bowey, 1984).
Este tipo de funcionamento mental, a consciência meta- Esses autores sugerem que as quatro categorias da cons-
lingüística envolvida em operações metacognitivas, serve ciência metalingüística apresentariam uma ordem seqüen-
de base a quatro tipos de habilidade metalingüística, cada cial de importância no progresso de um leitor iniciante a
uma delas necessária para a criança tornar-se um bom lei- um leitor hábil. Esta ordem seria: consciência de palavra,
tor. Assim, as diferentes manifestações da consciência consciência fonológica, consciência de forma e, finalmen-
metalingüística podem ser classificadas em quatro catego- te, consciência pragmática. A ordem de emergência dessas
rias: consciência fonológica, consciência da palavra, cons- habilidades, segundo Rozin e Gleitman (1977), dar-se-ia
em função do nível de representação lingüística que está
sendo adquirido, no qual a representação fonológica cons-
tituiria o nível mais baixo e a semântica e o pragmático
1 Apoio do INEP constituiriam os níveis mais altos.
2 Endereço: Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, Área: Psicologia
Cognitiva. Av. Acad. Hélio Ramos, S/N, CFCH, 8o. andar, Cidade Uni- As consciências fonológica, léxica e sintática são pura-
versitária, Recife, PE. 50.670-901, Mdias@NPD.UFPE.BR, Fone: (081) mente lingüísticas e estão confinadas ao conhecimento dos
271.8272, FAX: (081) 271.1843. aspectos específicos dos sistemas lingüísticos, enquanto a

55
M. G. B. Borges Dias

consciência pragmática envolve aspectos que vão além das Dentre os estudos sobre a consciência pragmática,
considerações lingüísticas. Pois, a fim de compreender o Markman (1979) objetivou examinar em crianças a influ-
que está lendo, a criança, além de organizar palavras den- ência do processo inferencial requerido na detecção de in-
tro de unidades estruturais maiores, precisa também apre- consistências em informações. Em seu primeiro estudo, ela
ender as relações que existem entre os grupos de sentenças apresentou a crianças de 8, 9 e 10 anos de idade pequenos
e o contexto no qual as sentenças estão inseridas. textos com inconsistências lógicas, sendo que em uma das
Os estudos sobre a consciência pragmática em crianças condições a inconsistência estava implícita e em outra ex-
têm sido seletivos e tendo como alvo principal fatores plícita. Os argumentos lógicos tinham a forma de Modus
lingüísticos. De fato, as pesquisas sobre consciência prag- Ponens:3
mática em crianças têm como objetivo três áreas distintas. Se P é verdadeiro então Q é verdadeiro.
A primeira área de estudo diz respeito à consciência da P é verdadeiro
criança com relação à adequação da mensagem quando a A partir dessas duas premissas conclui-se que Q é ver-
mesma é confrontada com mensagens ambíguas. A segun- dadeiro. A fim de criar a inconsistência, Markman (1979)
da área tem como objetivo estudar a consciência da criança introduziu nas histórias dados que afirmavam que Q não
para a necessidade do orador modificar seu discurso a fim era verdadeiro. Por exemplo, o texto apresentado incluía as
de se ajustar às exigências da situação. A terceira área pre- seguintes sentenças dos argumentos lógicos:
ocupa-se com a habilidade da criança em monitorar e re- Se está escuro, os peixes não podem ver.
fletir sobre sua compreensão de uma proposição, ou de um Está escuro no fundo do oceano.
conjunto de proposições e também com a habilidade da Pela regra de inferência válida, Modus Ponens, a con-
criança em detectar inconsistências nas informações apre- clusão seria de que “os peixes não podem ver no fundo do
sentadas. oceano”. No entanto, estava relatado no texto que “os pei-
A primeira área tem sido alvo de inúmeras pesquisas xes que vivem no fundo do oceano podem ver a cor de sua
(ver por exemplo, Asher, 1976; Bearison & Leveu, 1977; comida”, o que constitui a negação de Q (os peixes não
Flavell, Speer, Green, & August, 1981; Markman, 1977; podem ver).
Pratt & Bates, 1982; Robinson & Robinson, 1981, confor- Os resultados mostram que crianças de até 10 anos e 4
me citados em Pratt & Nesdale, 1984). A segunda área tem meses de idade geralmente não conseguem detectar as in-
sido menos pesquisada, podendo-se citar os estudos de Shatz consistências lógicas nas histórias, principalmente na con-
e Gelman (1973, 1977); Bates (1976); Robinson e Robinson dição implícita. Segundo Markman (1979) as crianças em
(1981), (citados em Pratt & Nesdale, 1984). A terceira área, geral não monitoram sua compreensão para consistência
na qual se insere o estudo aqui relatado, também possui devido ao esforço e concentração presentes em vários sub-
poucos estudos. processos que também estão envolvidos na leitura. Outro
A habilidade de refletir sobre o inter-relacionamento ponto abordado por Markman (1979) é o de que as crianças
entre proposições é avaliada de duas maneiras. De um lado tendem a questionar a validade empírica das declarações
encontramos os estudos que estão preocupados em como individuais e não examinam a estrutura lógica do argumen-
os sujeitos fazem inferências lógicas per se; de outro lado to todo. Além disso, a familiaridade do conteúdo dos argu-
encontramos a avaliação de proposições inseridas em tex- mentos também pode afetar a compreensão de texto.
tos, a qual tem sido a preocupação dos estudos sobre a cons- Na tentativa de testar esta hipótese Harris, Kruithof,
ciência pragmática. Terwogt e Visser (1981) apresentaram a crianças de 8 e 11
No primeiro caso, muitos estudos têm demonstrado que anos de idade textos com inferências familiares que conti-
crianças bem novas são capazes de operar sobre materiais nham em uma das linhas sentenças que não conduziam com
com a finalidade de fazer inferências lógicas (e.g. Hawkins, o tema geral da história. Por exemplo, em uma das históri-
Pea, Glick & Scribner, 1984; Roberge & Paulus, 1971) e o as dois meninos estavam brincando com um barquinho de
fazem de modo correto mesmo quando o conteúdo das pre- brinquedo e havia a sentença: os dois meninos sobem a
missas é inconsistente com suas experiências diárias. Isto bordo. Foi medido o tempo de leitura das crianças em cada
acontece quando o contexto da tarefa envolve brincadeira linha do texto e notou-se que, em ambos os grupos de ida-
de faz-de-conta (Dias & Harris, 1988a, 1988b, 1989, 1990). de, a linha inconsistente do texto levou significativamente
Na maioria dos estudos deste grupo são utilizados proble- mais tempo para ser processada. Também foi pedido às cri-
mas silogísticos. Estes são constituídos por duas premissas anças para detectar qual a linha do texto que não combina-
e uma conclusão, muitas vezes sob forma de pergunta, e a va com o resto da história. As crianças de 8 anos de idade
criança tem como tarefa concordar ou não com a validade conseguiram, de um total máximo possível de uma média
da conclusão apresentada, ou apresentar sua própria con- de 4.0, 3.1 identificações corretas e as de 11 anos fizeram
clusão. Outros estudos deste grupo utilizam silogismos in-
seridos em textos (e.g. Kuhn, 1977; Piper, 1985; Walker,
3 Existem 4 formas de silogismos condicionais: dois válidos: Modus
1985, citado em Jennings & Walker, 1987), que é o proce- Ponens (se p então q, p, portanto q) e Modus Tollens (se p então q, não
dimento usual na avaliação de inconsistências em textos de q, portanto não p), e dois inválidos: Afirmação do Consequente (se p
histórias, uma das preocupações dos estudiosos da consci- então q, q, portanto ?) e Negação do Antecedente (se p então q, não p,
ência pragmática. portanto ?). Desses dois últimos não se pode concluir com certeza.

56 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062


Leitura com Compreensão

3.8 identificações corretas. Conclui-se, então, que quando ção na descoberta de inconsistências. Os resultados mos-
a tarefa é claramente baseada nas experiências das crianças, tram que crianças de 5 anos de idade detectam mais as in-
a detectação de inconsistências é realizada acuradamente. consistências em histórias longas quando elas estão espe-
De acordo com Tunmer, Nesdale e Pratt (1983) vários rando que estas sejam sem sentido. As crianças de 6 anos
fatores são responsáveis pelo baixo desempenho encontra- de idade são mais hábeis em detectar inconsistências que
do no estudo de Markman (1979). Um dos fatores seria o as mais novas e o fazem independentemente de suas expec-
fato dos três componentes do argumento lógico (duas pre- tativas sobre o sentido da história.
missas e a conclusão) estarem misturadas em nove senten- O papel do conteúdo na detecção de inconsistências foi
ças, o que deve ter sobrecarregado a memória a curto pra- estudado por Pratt, Tunmer e Nesdale (no prelo). Três tipos
zo. Outro fator seria o conteúdo usado neste estudo onde, de histórias foram apresentadas a crianças de 5 e 6 anos de
na maioria das histórias, foi utilizado comportamento ani- idade: histórias baseadas nas experiências das crianças, his-
mal inconsistente. Como desde cedo as crianças aprendem tórias neutras (com informações novas) e histórias que con-
que, muitas vezes, os animais se comportam de modo es- tradiziam a experiência das crianças. No primeiro e segun-
tranho e misterioso, isto pode ter feito com que as mesmas do tipos de história, baseadas em experiências conhecidas
não levassem em consideração as inconsistências citadas. e novas, as crianças mais jovens julgaram corretamente 70%
Com estes aspectos em mente, Tunmer e cols. (1983) apre- delas em cada uma dessas duas condições, enquanto que as
sentaram a crianças de 5, 6 e 7 anos de idade histórias con- crianças mais velhas alcançaram 90% de julgamentos cor-
sistentes ou inconsistentes sendo colocadas no texto, explíci- retos. No entanto, nas histórias com conteúdo contraditó-
ta ou implicitamente, com as sentenças correspondendo a rio, as crianças de 5 anos julgaram corretamente apenas em
argumentos envolvendo Modus Ponens, como por exemplo: 54% dos casos e as de 6 anos, em 78%. Os autores conclu-
em que o tipo de conteúdo das histórias de fato influenci-
À noite, você não pode ver o sol (Jane estava com sono, en- am as crianças na detectação de inconsistências.
tão, ela foi para a cama). No meio da noite Jane saiu da Assim, a partir dos resultados desses estudos pode-se
cama e foi olhar pela janela. Ela pode ver as estrelas piscan- dizer que, apesar da influência de vários fatores, a consci-
do no céu (O sol estava brilhando no céu). ência pragmática para inconsistências está bem estabelecida
Na condição explícita, a primeira sentença (antes do 1o em crianças de 6 anos de idade. Esta habilidade é encontra-
parêntesis) de cada história representava um fato compatí- da em histórias longas, em histórias com conteúdo contrá-
vel com a experiência da criança (1a premissa de um silo- rio às experiências das crianças e em histórias nas quais
gismo do tipo Modus Ponens). Já a segunda sentença nenhuma pista sobre inconsistência é oferecida previamente.
correspondia a 2a premissa. A terceira era consistente (an- Os estudos até agora descritos tiveram como principal
tes do 2o parêntesis) ou inconsistente (dentro do 2o parên- objetivo detectar conteúdos inconsistentes. Porém, em ge-
tesis) com as duas primeiras. ral, os textos que são apresentados às crianças na escola
Na condição implícita, a primeira sentença (dentro do 1o contêm mensagens coerentes, embora muitas vezes esta
parêntesis) era introdutória e neutra, substituindo aquela da coerência esteja implícita. Neste caso também se faz ne-
condição explícita (Por ex. “À noite, você não pode ver o sol”). cessário integrar uma variedade de proposições distintas e
As histórias, todas com conteúdo familiar, eram apre- derivar uma variedade de conclusões a fim de entender a
sentadas por um boneco e depois da apresentação era pedi- mensagem do autor. Em outras palavras, a criança precisa
do à criança para dizer se a história era boa ou boba e o por “preencher os vazios” das mensagens fazendo inferências
que de sua resposta. No final, uma série de questões de e pressuposições baseadas em seu conhecimento anterior.
sondagem era apresentada com a finalidade de assegurar O estudo de Johnson e Smith (1981) teve como princi-
que as crianças eram conhecedoras dos princípios gerais pal objetivo verificar a habilidade da criança em apreender
envolvidos nas histórias. Por exemplo: “Você pode ver o as informações implícitas em um texto. Fizeram parte des-
sol no céu à noite?” Os resultados revelam que crianças de te estudo crianças de 8 e 9 anos de idade que receberam
5 anos obtiveram 81% de acerto em histórias inconsisten- textos de leitura com várias premissas inseridas dentro de
tes explícitas e 63% quando as passagens eram implícitas. um mesmo parágrafo ou em parágrafos separados e cujas
No entanto, as crianças de 6 e 7 anos obtiveram 80% e 90% conclusões estavam implícitas ou explícitas. Em uma ter-
de acerto em inconsistências explícitas e implícitas, res- ceira condição, as crianças receberam várias premissas que
pectivamente. não estavam inseridas em uma história, mas eram apresen-
Pode-se notar, então, que a habilidade da criança em tadas como sentenças isoladas. Os resultados demonstram
detectar inconsistências começa mais cedo do que foi con- que as crianças mais novas alcançaram 53% de respostas
siderado por Markman (1979) e que o desempenho da cri- corretas nas histórias explícitas, enquanto as crianças mais
ança é influenciado tanto pela natureza da tarefa como pelo velhas conseguiram 78%. Nas histórias implícitas, as mais
modo como as premissas e as conclusões são apresentadas, novas obtiveram 46% e as mais velhas 60% de acerto. Já
e pela expectativa da criança para com a situação. nas sentenças isoladas, as crianças mais novas consegui-
Este último aspecto foi mais profundamente explorado ram 75% de acerto e as mais velhas 85% de acerto. Para os
por Pratt, Tunmer e Nesdale (no prelo). Neste estudo tam- autores, o efeito da separação das premissas pelos parágra-
bém foi examinado o efeito do comprimento da comunica- fos no desempenho das crianças mais novas não é devido

Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062 57


M. G. B. Borges Dias

simplesmente à pouca memória da informação das premis- rias e discutir com as crianças não parece estar de modo
sas. O que acontece é que as crianças mais novas parecem algum implantado. Isto proporciona a oportunidade de rea-
não conseguir integrar a informação do texto quando a lizar um estudo sobre a emergência da capacidade da cri-
mesma está contida em cenas separadas na história. Con- ança de utilizar o raciocínio silogístico na compreensão de
cluem então os autores que textos ou histórias, (terceira área de estudo da consciência
pragmática - ver p.2) bem como sobre o papel de diferentes
As crianças mais velhas podem fazer mais inferências que as tipos de experiências escolares sobre as habilidades lógi-
mais novas em uma tarefa de compreensão de texto longo, cas da criança.
porque as crianças mais velhas estrategicamente recuperam Assim, este estudo tem como objetivos específicos:
informações anteriores a fim de dar maior sentido ao input 1. Analisar as relações entre a capacidade de resolver
geral. Diferentemente, as crianças mais novas podem combi-
silogismos apresentados per se e a capacidade de utili-
nar os conteúdos dos componentes apenas quando o segundo
destes componentes ocorre para “evocar” o primeiro da me- zar o raciocínio silogístico para: (a) tirar conclusões a
mória a longo prazo, ou quando os dois estão temporaria- partir de premissas contidas em histórias; (b) detectar
mente perto e, assim, conjuntamente presente na memória de incoerências entre fatos apresentados dentro de uma
trabalho. (p.1221) história.
2. Analisar a influência da experiência escolar em classes
Comparando os dados obtidos nos estudos sobre a ca- de alfabetização que enfatizam, ou não o uso de históri-
pacidade de fazer inferências lógicas per se com os de es- as e sua discussão, em relação ao desenvolvimento do
tudos sobre a consciência pragmática, vemos que crianças uso do raciocínio silogístico per se e para tirar conclu-
bem jovens são capazes de fazer inferências silogísticas sões e detectar incoerências em histórias.
quando as premissas lhes são apresentadas isoladamente,
fora de um texto mais amplo. No entanto, são necessários Método
alguns anos mais para que este tipo de raciocínio lógico
possa ser utilizado para derivar conclusões, ou detectar in- Participantes
coerências referentes a premissas contidas em uma história
ou texto. Parece ocorrer neste caso um fenômeno seme- Fizeram parte deste estudo 60 crianças de quatro clas-
lhante ao discutido por Bryant (1973) com relação à inferên- ses de alfabetização, sendo 30 crianças de duas escolas que
cia transitiva e à capacidade de utilizar esse tipo de raciocí- contam e discutem histórias todos os dias, grupo 1 (G1) e
nio lógico para realizar tarefas de medida: a criança mos- 30 crianças de duas outras escolas onde a discussão de his-
tra-se capaz de fazer inferências quando as premissas são tórias não ocorre, ou não é atividade importante, sendo re-
apresentadas, mas só bem mais tarde consegue realizar ta- alizada apenas uma vez por semana, grupo 2 (G2). A esco-
refas de medição espontânea onde o termo médio é utiliza- lha dessas escolas foi feita a partir de entrevistas com pro-
do para comparar o comprimento de dois outros objetos. fessoras e de observações sobre suas atuações. Todas as
Bryant argumenta que a criança já dispõe da lógica porém quatro escolas atendem populações de nível sócio-econô-
precisa aprender como e quando deve utilizá-la. mico (NSE) médio e alto da cidade do Recife, diferindo
Se o mesmo fenômeno apontado por Bryant (1973) ocor- entre si na ênfase dada à leitura sistemática de histórias.
re com silogismos dos tipos aqui discutidos, é possível que
a criança precise de experiências específicas com dados Material
apresentados no contexto de histórias para saber quando e
como utilizar sua capacidade lógica. Histórias constituem Foram utilizados 12 argumentos lógicos na forma de
um contexto interessante para discutir este problema. O Modus Ponens, sendo que quatro continham fatos conheci-
mundo descrito em histórias é um mundo de faz-de-conta dos, coerentes com as experiências das crianças, outros
onde qualquer coisa pode acontecer, inclusive incoerênci- quatro continham fatos desconhecidos e os demais conti-
as, tanto entre os fatos relatados e o mundo real como entre nham fatos contrários às suas experiências. De cada grupo
os fatos relatados entre si. Espera-se, portanto, que, na es- de quatro silogismos, dois continham conclusões coerentes
cola, alguma discussão sobre os textos das histórias ocorra e dois continham conclusões incoerentes com as premissas
e esse tipo de experiência pode ser útil para que a criança (ver Quadro 1).
passe a ver a necessidade de coerência lógica entre os fatos Também foram usados 12 textos com argumentos lógi-
relatados. Palincsar e Brown (1984) mostraram, através da cos inseridos em histórias, sendo que quatro continham fa-
discussão entre as crianças, como se consegue uma melhor tos conhecidos, coerentes com as experiências das crian-
leitura, com ênfase na compreensão lógica de textos. ças, quatro continham fatos desconhecidos e quatro conti-
No entanto, nem toda escola parece estar enfatizando nham fatos contrários às experiências das crianças. Metade
este tipo de discussão. No Brasil, embora algumas experi- dos textos continha conclusões coerentes e a outra metade
ências recentes venham recomendando o uso de histórias e conclusões incoerentes (ver Quadro 2). As perguntas de
sua discussão como forma de melhorar o ensino da leitura, sondagem, também constantes nos Quadros 1 e 2, foram
é conhecida a inadequação de textos utilizados nos primei- feitas antes dos silogismos e das histórias e foram usadas
ros anos escolares. Além do mais, o hábito de contar histó- para estabelecer os fatos que os sujeitos já sabiam.

58 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062


Leitura com Compreensão

Quadro 1 - Exemplos dos silogismos isolados e perguntas de sondagem “Eu vou ler para vocês algumas historinhas sobre coi-
utilizadas nas três fases. sas engraçadas. Porém, vamos fazer de conta que tudo é
Conclusões Coerentes Conclusões Incoerentes verdade”. O experimentador então lia cada silogismo.
Fatos Conhecidos Fatos Conhecidos Após a leitura do silogismo, o experimentador pedia
Todo sangue é vermelho. Toda bola é redonda. para a criança repetí-lo. Se a criança não conseguia dizer o
Lúcia tem sangue na mão dela. Fred está brincando com uma bola. silogismo na ordem certa, o mesmo era repetido até no
Ele é vermelho. Ela é quadrada. máximo três vezes. Depois era perguntado se a criança con-
(P.S. Qual é a cor do sangue?) (P.S. Qual é a forma da bola?)
cordava, ou não com a conclusão do problema: “Isto é cer-
Fatos Desconhecidos Fatos Desconhecidos to, ou errado?”. Finalmente era pedido para a criança justi-
Dundi é um araquinídeo. Todo suco de kiwi é verde.
ficar sua resposta: “Por que você disse que estava certo?”,
Ele tem muitas patas. Carminha está bebendo suco de kiwi.
Todo araquinídeo tem muitas patas. Ele é vermelho.
ou “Por que você disse que estava errado?”. Em seguida
(P.S. Os araquinídeos têm muitas ou (P.S. Qual a cor do suco de kiwi?) era perguntado à criança: “Como você sabe disso?” Esta
poucas patas?) última questão era feita a fim de esclarecer de onde vinha o
Fatos Contrários Fatos Contrários conhecimento da criança.
Todo gato late. Todo submarino viaja pela céu. Na segunda fase, no fim do ano letivo, as mesmas cri-
Rex é um gato. João viajou de submarino. anças foram retestadas nas habilidades silogísticas com
Ele late. Ele viajou pelo mar.
material similar e seguindo o mesmo procedimento utiliza-
(P.S. Que barulho fazem os gatos?) (P.S. Por onde viajam os submarinos?)
do na primeira fase. Participaram desta segunda fase as
mesmas crianças da primeira etapa, com exceção de seis
Quadro 2 - Exemplos de textos com silogismos inseridos e perguntas de crianças que saíram das escolas, sendo três delas de escolas
sondagem utilizadas nas três fases. que contam e discutem histórias e três de escolas que usam
métodos tradicionais. Dessa forma, participaram do segun-
Conclusões Coerentes Conclusões Incoerentes
do estudo 54 crianças que estavam no final da alfabetiza-
Fatos Conhecidos Fatos Conhecidos
ção, sendo 27 para cada tipo de escola.
Os peixinhos não podem viver fora Quando as crianças têm dor de dente vão
d’água. Luizinho ganhou um peixinho ao dentista. Gustavo acordou com dor de Na terceira fase, no fim do ano letivo subsequente, i.e.,
vermelho no Natal. Ele foi brincar com dente e contou para sua mãe. A mãe de na 1a série do ensino fundamental, as crianças foram
o peixinho e deixou o peixinho fora Gustavo levou ele imediatamente ao
d’água. Luizinho ficou muito triste cabeleireiro. retestadas nas habilidades silogísticas com material similar
porque o peixinho morreu. (Quadros 1 e 2) e com o mesmo procedimento utilizado na
(P.S. Os peixes podem viver fora (P.S. Para onde as crianças são levadas primeira e segunda fases, a fim de se verificar a influência
d’água?) quando têm dor de dente?)
da alfabetização nesta habilidade. Em virtude de mudança
Fatos Desconhecidos Fatos Desconhecidos
Os moluscos vivem em conchas no mar. Tatuapara é um animal que não tem
de escola, a amostra neste segundo ano ficou reduzida a 19
Daniela, sábado, foi a praia com sua dentes. Renata, domingo, foi ao crianças no G1 e 22 crianças no G2.
mãe e seu irmão. Ela estava tomando zoológico. Lá, ela viu um lindo tatuapara As respostas das crianças às perguntas de sondagem nas
banho de mar e achou um molusco bem na jaula. Botou o dedinho pela grade para
bonitinho. Ele estava dentro de uma alisá-lo e levou uma dentada de seus três fases indicam claramente que elas estavam familiariza-
concha. dentes grandes. das com os princípios gerais presentes nos problemas conhe-
(P.S. Onde os moluscos vivem?) (P.S. Tatuapara tem dentes ou não?) cidos; não estavam familiarizadas com os princípios presen-
Fatos Contrários Fatos Contrários tes nos problemas desconhecidos; e mantinham opiniões con-
Durante o dia, o sol fica bem preto. Toda água do mar é salgada. Jane foi
Júlio e Paulo acordaram de manhã logo com seus primos passar o dia na praia.
trárias àquelas presentes nos problemas com fatos contrários.
cedinho, fizeram o dever de casa e Brincaram muito e ela ficou com sede.
depois foram jogar bola de gude no Bebeu água do mar que era bem doce. Resultados
quintal. Quando terminaram de jogar,
eles ficaram olhando no céu o sol todo
preto. A análise dos resultados dos argumentos lógicos, inse-
(P.S. Qual a cor do sol?) (P.S. A água do mar é doce ou salgada?) ridos em textos, ou não, foi feita em termos de número de
Legenda: P.S. = Pergunta de Sondagem erros e acertos e em termos de justificativa verbal apresen-
tada pela criança para suas respostas. As justificativas fo-
ram classificadas usando os mesmos critérios utilizados por
Procedimento Scribner (1975) e Dias (1987). Justificativas teóricas são as
respostas que se referem às informações presentes no
Os dois grupos de crianças foram submetidos às tarefas silogismo na primeira e na segunda premissa de modo de-
do estudo em três fases diferentes. Na primeira fase, no dutivamente válido. Justificativas empíricas são aquelas que
meio do ano letivo da classe de alfabetização, as crianças se referem ao conhecimento prático do mundo. Já justifica-
foram testadas nos silogismos isolados e nos textos com os tivas arbitrárias são as explicações irrelevantes ou ausentes.
silogismos inseridos em histórias. Cada criança foi exami- O desempenho em silogismos isolados e inseridos nos
nada oralmente e individualmente em duas sessões com textos, como também as justificativas apresentadas foram
intervalos de uma semana entre as mesmas. Antes do expe- comparados entre os dois grupos de crianças. Comparou-
rimento começar, foram feitas as Perguntas de Sondagem. se, também, o desempenho das crianças em argumentos
Depois disso, o experimentador dava as seguintes instruções: lógicos quando estes estavam, ou não inseridos em histórias.

Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062 59


M. G. B. Borges Dias

Tabela 1. Percentagens de respostas corretas nas perguntas de sondagem nos dois grupos nas três fases em função do tipo de apresentação, do tipo de
conclusão e conteúdo envolvido.

Conhecidos Desconhecidos Contrários


Fases
1a 2a 3a 1a 2a 3a 1a 2a 3a
Isolados 98.3 95.8 100 0.4 0.0 7.2 100 95.8 100
G1
Inseridos 100 100 100 2.1 4.1 4.2 97.5 100 100
Isolados 96.7 88.8 100 0.4 0.9 8.3 96.7 88.8 100
G2
Inseridos 96.7 98.1 100 2.5 3.7 11.4 98.3 98.1 100

Respostas aos silogismos nas três fases fases (F(2,78) = 14.57, p < 0.001). Outros efeitos significa-
tivos apresentados devem-se à variável fases (F(2,78) =
As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, as per- 38.93, p < 0.001) e ao tipo de conteúdo (F(2,78) = 408.57,
centagens de respostas corretas em cada uma das três fases p < 0.001).
nos dois tipos de problemas silogísticos (isolados e inseri- Uma análise posterior da interação entre tipo de escola
dos em textos), para cada um dos dois grupos (crianças de e fases demonstrou que, na 1ª fase, o G2 obteve significati-
escolas onde se enfatiza o uso de histórias e crianças de vamente maior número de acertos que o G1 (F(1,58) =
escolas onde tal procedimento não ocorre nos três tipos de 16.93, p < 0.0001). Na 2ª fase esta situação se inverteu e o
conteúdo (conhecidos, desconhecidos e contrários). G1 ofereceu significativamente maior número de respostas
Verifica-se que o número de respostas corretas alcança- corretas que o G2 (F(1,52) = 23,50, p < 0.0001). Já na 3ª
das pelas crianças que freqüentam escolas onde o uso de fase, apesar das crianças do G1 terem oferecido maior nú-
histórias é enfatizado (G1) na 1a. fase é menor que o das mero de respostas corretas que as crianças do G2, a dife-
crianças cujas escolas não enfatizam este uso (G2). As cri- rença foi apenas marginalmente significativa (F(1,39) =
anças do G2 obtiveram maior número de respostas corretas 2,76, p = 0.10).
que as crianças do G1 nos silogismos envolvendo os três As médias de respostas corretas nas três fases do G1
tipos de conteúdo, independentemente do fato de o foram comparadas com o teste de Newman-Keuls. Esta aná-
silogismo ser apresentado isolado ou inserido em histórias. lise mostra que tanto na fase 2 como na fase 3 houve um
No entanto, estes resultados nas outras duas fases apresen- número significativamente maior de respostas corretas que
tam-se invertidos. Isto é, as crianças do G1 que começaram na fase 1 (p < 0.01), e que na Fase 3 o número de acertos foi
a 1a fase com escores inferiores às crianças do G2, na 2a.e significativamente maior que na fase 2 (p < 0.01).
3a. fases obtiveram resultados superiores nos silogismos No grupo G2 a diferença de número de acertos entre as
envolvendo todos os três tipos de conteúdo independente fases 1 e 2 não foi significativa. No entanto, na fase 3, um
dos mesmos serem apresentados isolados ou inseridos em número significativamente maior de acertos foi oferecido
textos. em comparação com a fase 1 (p < 0.01) e com a fase 2 (p <
Estes dados foram tratados estatisticamente com uma 0.01).
análise de variância (ANOVA) envolvendo tipo de escola As médias de respostas corretas das crianças do G1 nos
(2) X tipo de conteúdo (3) X sessão (2) X fases (3). As três tipos de conteúdos também foram comparadas com o
variáveis, conclusões coerentes e incoerentes dos proble- teste de Newman-Keuls (Bruning & Kintz, 1987). A análise
mas, por não terem apresentado diferenças significativas mostra que houve significativamente mais acertos para os
em uma análise prévia, foram excluídas da presente análi- fatos desconhecidos que para os fatos contrários (p < 0.01)
se. A ANOVA produziu um efeito apenas marginalmente e para os fatos conhecidos quando comparados aos fatos
significante para tipo de escola (F(1,39) = 3.08, p = 0.87). contrários (p < 0.01). A diferença entre número de acertos
No entanto, houve uma interação entre tipo de escola X oferecidos aos fatos conhecidos e aos fatos desconhecidos
não foi significativa.
Tabela 2. Médias de respostas corretas nos silogismos per se nas três fases O mesmo ocorreu no G2. Houve significativamente mais
em função dos grupos e conteúdo envolvido. acertos nos fatos desconhecidos quando comparados aos
Conhecidos Desconhecidos Contrários contrários (p < 0.01) e mais acertos nos fatos conhecidos
Fases
1a 2a 3a 1a 2a 3a 1a 2a 3a que nos fatos contrários (p < 0.01). O número de acertos
G1 3.68 3.95 3.84 2.11 3.42 3.68 0.32 1.42 1.47 oferecidos aos fatos conhecidos não diferiram significati-
G2 3.91 3.14 3.64 3.27 2.55 3.55 0.46 0.96 1.41 vamente daqueles oferecidos aos fatos desconhecidos.

Tabela 3. Médias de respostas corretas nos silogismos inseridos em histórias Tipos de Justificativas
nas três fases em função dos grupos e conteúdo envolvido.
Conhecidos Desconhecidos Contrários As justificativas foram julgadas por dois juizes inde-
Fases
1a 2a 3a 1a 2a 3a 1a 2a 3a pendentes, obtendo-se 98.6% de acordo para os dados das
G1 2.32 3.89 3.79 2.47 3.63 3.95 0.21 1.53 1.53 três fases. Os julgamentos discrepantes foram apresenta-
G2 2.50 3.55 3.59 3.18 3.00 3.73 0.50 1.09 0.91 dos a um terceiro juiz cuja avaliação foi dada como final.

60 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062


Leitura com Compreensão

Na Figura 1, encontram-se as médias das justificativas


teóricas, empíricas e arbitrárias oferecidas pelas crianças
dos dois grupos, na 1a. fase, nos silogismos isolados e inse-
ridos com conclusões coerentes e incoerentes. Pode-se ve-
rificar que as crianças do G2 ofereceram mais justificati-
vas teóricas e menos empíricas e arbitrárias que as crianças
do G1. Na 2ª fase (Figura 2) e na 3ª fase (Figura 3) esta
tendência se inverteu e as crianças do G1 passaram a ofere-
cer mais justificativas teóricas e menos justificativas empíri-
cas e arbitrárias.

Discussão

As crianças que freqüentavam escolas onde o uso de


histórias é enfatizado (G1) começaram este estudo (meio
do 1º semestre do ano letivo) com desempenho inferior aos
das crianças que estavam em escolas onde este uso não é
sistemático (G2). No entanto, na segunda fase do estudo, Figura 3. Freqüências das justificativas em função dos grupos (3a fase)
no fim do mesmo ano letivo, a situação inverteu-se: as cri-
anças das escolas que usam sistematicamente a discussão
de histórias apresentaram performance superior àquelas do
outro tipo de escola. Esta situação manteve-se, embora
menos acentuada, um ano depois (fim do ano letivo da 1ª
série do 1º grau).
Estes resultados ocorreram tanto nos silogismos apre-
sentados isoladamente, quanto naqueles inseridos em his-
tórias, independentemente do conteúdo envolvido e das
conclusões serem coerentes ou incoerentes com as premis-
sas.
A semelhança de desempenho das crianças nos dois ti-
pos de conclusões (coerentes e incoerentes) replica o estu-
do de Pratt e cols. (no prelo) no qual mesmo crianças de 5
anos de idade denotaram boa performance tanto em histó-
rias consistentes como naquelas inconsistentes.
Quanto aos conteúdos, ambos os grupos apresentaram
melhor desempenho quando os silogismos envolviam fatos
Figura 1. Freqüências das justificativas em função dos grupos (1a fase) conhecidos, diminuindo um pouco o número de acertos nos
fatos desconhecidos e alcançando baixos resultados nos fatos
contrários. Isto ocorre independentemente dos silogismos
serem apresentados isolados ou inseridos em textos. Como
no estudo de Pratt e cols. (no prelo), diferenças marcantes
apareceram quando os silogismos continham fatos contrá-
rios à experiência das crianças, independentemente de se-
rem apresentados isolados ou inseridos em histórias. Isto
nos faz voltar aos trabalhos de Dias e Harris (1988a, 1988b,
1989, 1990) onde eles enfatizam a necessidade das crian-
ças suprimirem o “viés empírico” e assim serem capazes
de raciocinar corretamente com premissas cujos conteúdos
sejam contrários às suas experiências do dia-a-dia. Essa
supressão do viés empírico, i.e., não levar em consideração
os fatos que ocorrerem na vida diária, requer, segundo os
autores, a construção temporária de um mundo imaginário
separado da realidade diária.
Nota-se ainda que a capacidade das crianças de ambos
os grupos para resolver silogismos apresentados isolados
nas três fases é semelhante à capacidade de utilizar o raci-
Figura 2. Freqüências das justificativas em função dos grupos (2a fase) ocínio silogístico para tirar conclusões a partir de premis-

Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062 61


M. G. B. Borges Dias

sas contidas em histórias. Assim, nossa suposição de que Harris, P.L., Kruithof, A., Terwogt, M.M. & Visser, T. (1981).
seriam necessários mais alguns anos para as crianças se- Children’s detection and awareness of textual anomaly. Jour-
rem capazes de fazer inferências lógicas a partir de premis- nal of Experimental Child Psychology, 31, 212-230.
sas contidas em histórias não foi aqui verificada. Hawkins, J., Pea, R.D., Glick, J. and Scribner, S. (1984). “Merds
Vale salientar que o desempenho das crianças do G1 that laugh don’t like mushurroms”: Evidence for deductive
evoluíu significativamente em cada uma das fases. Já as reasoning by preschoolers, Developmental Psychology, 20,
crianças do G2 não apresentam melhora significativa de 584-594.
desempenho da primeira para a segunda fase, só ocorrendo Jennings, R. & Walker, P. (1987). Conditional Reasoning: factors
uma evolução substancial desta fase para a última etapa do which influence children’s undertanding of “if...then” state-
estudo. ments. Presented at the Biennial Meeting of the Society for
Este melhor desempenho, principalmente nos conteú- Research in Child Development, Baltimore, Maryland.
dos incoerentes com a experiência diária, a partir da 2ª fase, Johnson, H. & Smith, L.B. (1981). Children’s inferential abilities
apresentado pelas crianças de escolas onde o uso de histó- in the context of reading to understand. Child Development,
rias é enfatizado, pode ter sido proporcionado pela maior 52, 1216-1223.
familiaridade que elas adquiriram com o mundo de faz-de- Kuhn, D. (1977). Conditional reasoning in children. Developmen-
conta que as histórias envolvem. Nota-se que este tipo de tal Psychology, 13, 342-353.
histórias, histórias de fantasia, são contadas às crianças em Markman, E.M. (1979). Realizing that you dont’t understand: A
um contexto especial de leitura de livro sobre coisas que preliminary investigation. Child Development, 50, 643-655.
acontecem no “era uma vez”. Isto informa a criança que o Palincsar, A.S. & Brown, A.L. (1984). Reciprocal teaching of
que está sendo dito é parte de um mundo de faz-de-conta e comprehension-fostering and comprehension-monitoring ac-
isto, como foi verificado nos trabalhos de Dias e Harris tivities. Cognition and Instruction, I, 117-175.
(1988a, 1988b, 1989, 1990), habilita a criança a conceber Piper, D. (1985). Syllogistic reasoning in varied narrative con-
premissas que se desviam da realidade conhecida e a con- text: aspects of logical and linguist development. Journal of
siderar as conseqüências de tais premissas, o que é crucial Psycholinguistic Research, 14, no 1, 33-52.
para o raciocínio lógico e para a consciência pragmática. Pratt, C. & Nesdale, A.R. (1984). Pragmatic awareness in children.
Assim, a consciência pragmática aqui estudada com o In W.E. Tunmer, C. Pratt & M.L. Herriman (Orgs.), Metalinguistic
objetivo de verificar um melhor desempenho das crianças awareness in children: theory, research, and implications, (pp.
em monitorar e refletir sobre proposições, principalmente 77-92). Berlin: Springer-Verlag.
com aquelas envolvendo inconsistências, foram aqui detec- Pratt, C., Tunmer, W.E, & Nesdale, A.R. (no prelo). Young
tadas. Novamente, vale ressaltar, que o melhor desempenho children’s evaluations of experience and non-experience based
aparece, mais facilmente, em crianças que freqüentam esco- on oral comunications. British Journal of Development Psy-
las nas quais o “contar histórias” constitui tarefa rotineira. chology.
Roberge, J.J. & Paulus, D.H. (1971). Developmental patterns for
Referências children’s class and conditional reasoning abilities. Develop-
mental Psychology, 4, 191-200.
Bruning, L.J. & Kintz, B.L. (1987). Computational Handbook of Rozin, P. & Gleitman, L.R. (1977). The structure and acquisition
statistics, London: Scott, Foresman and Company, 119-122. of reading II: The reading process and the aquisition of the
Bryant, P.E. (1973). What the young child has to learn about logic. alphabetic principle. In A.S. Reber e D.L. Scarborough (Orgs.),
In R.A. Hinde e J.C. Hinde (Orgs.). Constraints on Learning Toward a Psychology of Reading (pp. 182-203). Hillsdale,
(pp. 419-425). London: Academic Press. N.J.: Laurence Erlbaum Associates.
Dias, M.G.B.B. (1987). Da lógica do analfabeto à lógica do ado- Scribner, S. (1975). Recall of classic syllogisms: A cross-cultural
lescente: Há progresso? Arquivos Brasileiros de Psicologia, investigation of erros in logical problems. In R. Falmagne
39, 29-40. (Org.) Reasoning Representation and Process (pp. 153-173).
Dias, M.G.B.B. & Harris, P.L. (1988a). The effect of make-be- Hillsdale, N.J.: Laurence Erlbaum Associates.
lieve play on deductive reasoning. British Journal of Devel- Tunmer, E.W., Nesdale, A.R., & Pratt, C. (1983). The develop-
opmental Psychology, 6, 207-221. ment of young children’s awareness of logical inconsisten-
Dias, M.G.B.B. & Harris, P.L. (1988b). Realidade X fantasia: cies, Journal of Experimental Psychology, 36, 97-108.
sua influência no raciocínio dedutivo. Psicologia: Teoria e Tunmer, E.W. & Bowey, J.A. (1984). Metalinguistic awareness and
Pesquisa, 4, 55-68. reading aquisition. In W.E. Tunmer, C. Pratt & M.L. Herriman
Dias, M.G.B.B. & Harris, P.L. (1989). O efeito da brincadeira de (Orgs.), Metalinguistic awareness in children: Theory, research,
faz-de-conta no raciocínio da criança. Arquivos Brasileiros and implications (pp. 273-282). Berlin: Springer-Verlag.
de Psicologia, 41, 95-l05.
Dias, M.G.B.B. & Harris, P.L. (1990). The influence of the imagi-
nation on reasoning by young children. British Journal of Recebido em 27.10.1998
Developmental Psychology, 8, 305-318. Primeira decisão editorial em 21.03.2000
Versão final em 11.04.2000
Donaldson, M. (1978). Children’s Minds. Glasgow: Collins. Aceito em 17.07.2000 !

62 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 055-062

Você também pode gostar