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UMA CAPTURA DOS USOS, OLHARES E SABERES DO CERRADO

Luiza Helena Barreira Machado – hyllena@yahoo.com.br – IESA / UFG


Maria Geralda de Almeida – galmeida@iesa.ufg.br – IESA / UFG

RESUMO

A (r)existência de pessoas que comercializam plantas medicinais numa metrópole é algo


comumente encontrado em grandes cidades brasileiras. Entretanto, mais do que uma
comum e simples existência, essa existência nos coloca questões sobre o porque, como,
onde, quais as conexões, o que assegura essa própria existência e/ou resistência. Goiânia
já possui aproximadamente 1.200.000 habitantes. É uma cidade referência nacional em
tratamentos médicos nas áreas de oftalmologia, oncologia como também em
odontologia e outras áreas, além de ser conhecida como a cidade das feiras, com a Feira
Hippie, Feira da Lua, Feira do Sol, e Mercados Aberto, Central e do Setor Pedro
Luduvico entre outros em vários bairros. Desvelar a relação que essas pessoas tem com
o Cerrado – bioma que abrange grande parte do Brasil central – , entender sua chegada e
permanencia na metrópole, suas raizes culturais nos leva a buscar como o cerrado é
percebido por essas pessoas, como a representação do que elas conhece é feita na
cidade. Esses significados e relações estabelecidos demonstram que é possível
compreender esse universo diferente dos universos da elite, acadêmico e científicos.
Para fazer essa análise buscamos uma aboradagem cultural da Geografia procurando
compreender a relação dos raizeiros do setor Central de Goiânia com a Natureza
Cerrado. Identificando os raizeiros, suas origens, seus conhecimentos, como também
seus olhares e representações do Cerrado. E já foi possível notar que a maioria dos
raizeiros do Centro de Goiânia veio da zona rural, onde tiveram contato direto com o
Cerrado e com familiares que conheciam o potencial medicinal de suas plantas. E foi
através desta convivência que adquiriram os conhecimentos que hoje utilizam, dentre
outros resultados.
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UMA CAPTURA DOS USOS, OLHARES E SABERES DO CERRADO

1. O CERRADO E OS RAIZEIROS
Entender a ocupação dos Cerrados significa conhecer parte das histórias dos
raizeiros que hoje são encontrados na metrópole. Pois grande parte deles foram
expropriados de suas terras sendo obrigados a procurarem uma forma de sobrevivência
na cidade.
Presentes nos estados do Maranhão, Piauí e Bahia no Nordeste; Roraima,
Amapá, Pará e Tocantins no Norte; Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito
Federal no Centro-Oeste; Minas Gerais e São Paulo no Sudeste; e Paraná na região Sul,
o Cerrado sofre, desde a década de 1960 uma intensa destruíção de sua diversidade,
biológica e cultural. Este período (1960) é quando os Cerrados tornam-se alvo da
política de ocupação do Brasil central, objeto de estudo da EMBRAPA e outros projetos
como prodecer e polocentro.
Pelas entrevistas foi evidênciado que dos 17 raizeiros apenas três não
passaram parte da vida em contato direto com o Cerrado, em fazendas, locais afastados
de cidades. Estes que se viram obrigados a procurar a cidade grande para sobreviver
deixavam para traz suas famílias, relações, o seu lugar. Em alguns casos deixaram tudo.
Situações como inundação das terras por causa da construção de barragens, grilagem de
terras, falta de políticas e financiamentos para pequenos produtores e a competitividade
do mercado acabam levando grande número de pessoas para as cidades, onde algumas
delas também não encontram emprego o que as leva para informalidade. Dentre estes
encontram-se as pessoas que fazem se seus saberes uma forma de sustento, sendo
reconhecidos como raizeiros e denominados neste como raizeiros mercadores.
O Cerrado porta uma biodiversidade riquíssima, porém, ainda desconhecida
em grande parte. Ela é de extrema importância para as populações tradicionais, pois é
por meio desta que seus conhecimentos e culturas são apreendidos e passados para
futuras gerações. Uma vez que para essas populações tradicionais, a natureza, o humano
e o espiritual não se separam, tanto que, Almeida (2003) relata que a visão de
biodiversidade para essas populações é um produto de uma cultura particular na
apropriação, conhecimento e conservação do seu espaço. Assim destaca-se a
importancia do Cerrado para as pessoas que vivem e viveram em contato direto com ele.
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2. A RELAÇÃO COM A NATUREZA CERRADO


Sempre em busca do novo e do melhor – o que é bom – a humanidade
trilhou um caminho um tanto quanto perigoso: o caminho da desvalorização e
depreciação dos atos, fatos, conhecimentos antigos e da própria natureza.
Quando Gonçalves (1998, p. 25) diz que “a natureza se define, em nossa
sociedade, por aquilo que se opõe a cultura”, e que “a cultura é tomada como algo
superior e que conseguiu controlar e dominar a natureza” fica explicita a situação em
que chegou a humanidade: o valor que ela dá a natureza. Isso levou a humanidade a
perder a referência em todos os aspectos, como na ética, na educação, na política, no
respeito e tantos outros. Em pouco tempo a humanidade enfrentará um caos por não
haver mais parâmetros e bases, um caos não só na ordem econômica, mas também na
social e ética.
As pessoas já não têm mais nenhum tipo de relacionamento direto com a
natureza. Passam a conhecer a vegetação através de livros, animais só nos zoológicos e
são educados pela televisão.
Em nosso dia-a-dia não notamos quão graves tem sido as conseqüências da
externalização do ser humano da natureza e o desprezo por ela. O ser humano ao longo
dos séculos de sua existência optou por se externalizar da natureza da mesma forma
desprezando-a. E é nesta mesma cartilha que as novas gerações tem sido formadas.
Gonçalves (1998, p. 25) em seu livro “Os (des)caminhos do meio
ambiente” discute toda essa relação e demonstra como,
Sem que percebamos, usamos em nosso dia-a-dia uma série de expressões
que trazem em seu bojo a concepção de natureza que predomina em nossa
sociedade. Chama-se de burro, ao aluno ou a pessoa que não entende o que
se fala ou se ensina; de cachorro, ao mau-caráter; de cavalo ao indivíduo
mal-educado; de vaca, piranha e veado àquele ou àquela que não fez a
opção sexual que se considera correta, etc... Juntemos os termos: burro,
cachorro, cavalo, vaca, piranha e veado são todos nomes de animais, de
seres da natureza tomados – em todos os casos – em sentido negativo, em
oposição a comportamentos considerados cultos, civilizados, e bons.
Ë dessa forma, desde os pequenos detalhes, da fala e da comunicação que a
cada dia o ser humano se aparta da natureza e passa para as futuras gerações um
sentimento de desprezo e insignificância para com a natureza.
Muitas vezes pensamos que todas as coisas são produzidas em fábricas e
laboratórios. E que a natureza é apenas a árvore na praça cimentada. O ser humano não
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pode ter se afastado tanto da natureza que esqueceu até que sua alimentação e remédios
vêm da natureza. Segundo Tourinho (2000 p 35 apud Albuquerque, 1997) tudo
começou com a natureza,
O homem na antiguidade, usava as plantas como alimento e como remédio;
ao longo dos séculos teve as alegrias do sucesso e as dores do fracasso nas
suas experiências com plantas que muitas vezes curavam e outras vezes
matavam por produzirem efeitos colaterais por demais desastrosos.
Foi assim, em contato direto com natureza, que os primeiros ser humanos
começaram a adquirir conhecimento sobre a natureza e o seu uso. A partir dessas
experiências o saber torna-se importante e valorizado entre as famílias e gerações. E é
ainda hoje pelas populações que tem a natureza como parceira e cúmplice.
Muitos desses conhecimentos passados oralmente de geração a geração têm
se perdido. Tanto pelo desinteresse dos jovens, quanto pela desvalorização que muitas
vezes o urbano e científico provoca – até mesmo nesses jovens.
Mas esse quadro vem mudando mesmo que lentamente. A ciência já tem
procurado se voltar para estas questões, tem tentado resgatar o grande conhecimento de
pessoas e populações que ainda habitam a natureza como seus avós e bisavós viveram
há muito tempo, em outro tempo, como no caso da Etnobotânica.
A Etnobotânica, preocupada com as inter-relações entre povos primitivos e
plantas, nasce em 1895, quando o termo surge pela primeira vez nos Estados Unidos,
publicado no artigo The purposes of ethno-botany de J.W. Harshberger. Daí em diante o
conceito se aperfeiçoou, e segundo Albuquerque (2002 p 17),
A partir de meado do século XX, passou a ser compreendida como o estudo
das inter-relações entre povos primitivos plantas, acrescentando-se uma
componente cultural e sua interpretação pelo engajamento cada vez maior de
Antropólogos.
Desde 1895 a etnobotânica desenvolve estudos nessa área, porém, é uma
“disciplina” ainda pouco difundida próprio meio acadêmico, segundo o professor José
Geraldo W. Marques, da Universidade Estadual de Feira de Santana, no prefácio do
livro de Albuquerque (2002). Mas isso não tem impedido sua propagação. Numa
consulta ao sítio eletrônico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq do Ministério de Ciência e Tecnologia, a partir das palavras
“etnobotânica” e “etnoconservação” foi possível localizar para a primeira 832 pessoas e
para a segunda palavra a busca resultou em 45 pesquisadores cadastrados no sistema,
entre doutores, mestres, graduandos e técnicos, de todas as áreas, que já fizeram alguma
publicação sobre o termo. Isso demonstra o interesse por esta temática, que já reúne um
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número significativo de pesquisadores. Diegues (2000) afirma que, “no domínio


cientifico, tem ganho força os trabalhos de etnociência em seus vários ramos
(etnobotânica, etnoictiologia, etnobiologia) em que as comunidades tradicionais
desempenham papel fundamental.” (Diegues, 2000, p. 29)
Num país tão grande, quanto o Brasil, que apresenta imensa biodiversidade,
especialmente na flora é de grande importância que não a estude separadamente, mas
que ela possa ser entendida dentre as concepções culturais e formas de organização
social e das populações que se relacionam com ela.
Para o Cerrado, um estudo que abarque a estrutura social e as manifestações
culturais dos povos que o habitam, é de extrema importância para que se possa
compreender as diferentes relações e suas conseqüências positivas e negativas. Assim,
essa abordagem também têm beneficiado o Cerrado, bioma que abriga diversas
populações tradicionais como os Calungas, a de Vila Borba e outras que por meio destes
estudos têm seus conhecimentos registrados e suas culturas valorizadas.
Em relação as populações tradicionais do Cerrado toma-se por base aqui a
pesquisa de Rigonato (2005), que aponta o uso de plantas, que são utilizadas como
Remédio, Alimento, Lenha, Madeira e Artesanato. A potencialidade de cada planta
pode exceder um tipo de uso, permitindo dois ou mais tipos de usos de algumas plantas.
Pesquisando no Distrito de Vila Borba, localizado na Microrregião da Chapada dos
Veadeiros, Rigonato encontrou 62 plantas utilizadas como Remédios e dentre estas
aparecem duas utilizadas como Alimento, uma utilizada como Artesanato e uma
utilizada como Lenha e Madeira. Além de potencialidade medicinal, aparecem 36 com
potencialidade alimentar, 6 com potencialidade lenhosa, 6 utilizadas como madeira e 1
artesanal.
Esse potencial da biodiversidade do Cerrado ainda está sendo estudado e
também comprovado. Muitas espécies ainda são desconhecidas pela ciência e outras
muitas conhecidas por populações tradicionais, que correm o risco de se perderem para
sempre. Almeida (2003, p.74) explicita como vem acontecendo isso no Cerrado:
No caso da biodiversidade, há a perda de habitat de inúmeras espécies
animais e vegetais, o que reflete sobre aquelas populações gradualmente
privadas de sua base de recursos, comprometendo, assim, sua identidade
cultural como homem do Cerrado. Também deve considerar-se que a
devastação da vegetação natural significa a perda do conhecimento
acumulado ao longo dos tempos, sobre o uso medicinal, tradicional das
plantas pelas populações a elas associadas. Estas, muitas vezes, migram para
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centros urbanos, provocando a ruptura do saber e conhecimento acumulado


em sua vivência com a natureza. Schultes (1994) chega mesmo a denominar
este processo de “queima de biblioteca”.
Essa migração vem crescendo. Tal mobilidade se deve ao fato de a cada dia
as pessoas do campo se encontram em uma situação que força os jovens a deixarem o
campo – seja por necessidade, seja por anelo. Dessa forma jovens já não se interessam
pelos saberes populares. Esses saberes não se encontram em livros ou computadores,
mas nas experiências, passados de boca a boca, de geração para geração. Registradas na
memória de povos que estão sendo extintos. As pessoas que contém esses saberes estão
morrendo com eles, pois, como já dito anteriormente os jovens não se interessam por
eles. Com a falta de condições de sobrevivência para essas populações tradicionais, elas
vão se esvaziando porque as pessoas procuram na cidade uma forma de sustento. Parte
dessas pessoas, as que detêm conhecimento sobre plantas tornam-se raizeiros
mercadores, o elo entre a natureza e o urbano que ainda consome como cura.

3. OS RAIZEIROS DE GOIÂNIA
Para este estudos definiu-se como raizeiro qualquer pessoa que tenha
conhecimentos e/ou faça uso de plantas medicinais. Também passa-se a comprender que
a pessoa que comercializa as plantas é um raizeiros mercador.
No Setor Central de Goiânia encontra-se número significante de raizeiros,
totalizando até então 17. As principais concentrações estão no Mercado Central de
Goiânia, no Mercado Aberto de Goiânia, na Região do cruzamento das avenidas Goiás e
Paranaíba e na Feira Hippie. Porém, constatou-se dois destaques, uma raizeira isolada
na esquina da rua sete com a avenida Anhangüera, sem qualquer outro raizeiro por
perto; o outro é a grande loja “Casa da Raiz”, na avenida Goiás.

Mercado Central
Localizado entre a rua três e a Avenida Anhanguera no centro, mas como
entrada principal pela rua três o Mercado Central de Goiânia, abriga um comércio
variado, desde bancas que vendem artigos para cama, mesa e banho, utensílios variados,
vestuário e calçados, oferece também serviços de assistência técnica, alimentação,
souvenir‘s e raízes. Nesse mercado localizam-se oito barracas de raízes, das quais
encontram-se cinco raizeiras e três raizeiros
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O Mercado Aberto de Goiânia e a região de cruzamento das avenidas Goiás com


Paranaíba.
Dentre as principais avenidas da cidade está a avenida Goiás, que começa na
Praça Cívica e corta o setor central no sentido sul-norte. Na esquina da Paranaíba com a
Goiás encontra-se um raizeiro com uma pequena banca de ferro, que sempre fica ali:
Senhor Otávio. Natural da Bahia trabalha com plantas medicinais há 28 anos e está
neste ponto há 12 anos.
Logo, em frente, na Paranaíba, pode-se ver o Mercado Aberto de Goiânia, divido
em duas partes: uma ao lado leste da avenida Goiás, onde encontram-se 3 raizeiros, e
outra parte ao lado oeste da mesma avenida, e nela um raizeiro foi encontrado. Ainda na
Paranaíba localizamos outro na esquina com a rua setenta. Na calçada da avenida Goiás,
existem várias bancas de comércios como revistarias, lanchonetes e dentre outras uma
de raízes, próximo ao Banco de Brasília - BRB .
Destacamos aqui o parentesco dos senhores Otávio – dono da banca
localizada na esquina da avenida Goiás com avenida Paranaíba, João – dono da grande
loja “Casa das Raízes”, na avenida Goiás, Jonas – e que tem sua banca localizada na
esquina da rua 70 com a avenida Paranaíba, e José, que tem sua banca localizada na
parte leste do Mercado Aberto de Goiânia. Observe abaixo o diagrama representando os
quatro irmãos raizeiros:
O senhor João tem uma loja grande, localizada na avenida Goiás, e seus
irmãos têm pequenas barracas nas proximidades. Mesmo cada uma tendo o seu
comércio eles trabalham juntos com seus filhos e sobrinhos também.

Feira Hippie
Esta acontece aos domingos pela manhã. Sua localização ao lado da
Rodoviária facilita para muitos clientes de outras cidades chegarem a feira aumentando
o número de clientes. Dos raizeiros encontrados na Feira Hippie dois se caracterizam
por bancas montadas em carrinhos e uma raizeira pela barraquinha de feira. Todos os
três possuem barracas fixas e cadastradas no Mercado Aberto de Goiânia.
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Um aspecto interessante constatado em campo durante as entrevista é o


parentesco dos raizeiros mercadores. Geralmente irmãos, primos, ex-cônjuges e alguns
filhos e sobrinhos.
Cada banca traduz o universo em que vive o raizeiro, a sua história, sua
convivência e conhecimento sobre a natureza. Através da disposição dos produtos e das
receitas e dos conselhos muito se pode aprender sobre esses singulares e semelhantes
universos, como o respeito pela natureza, a persistência e a fé, que sempre acompanha
as receitas do senhor João (Mercado Central): “Tem que ter fé também, que a fé ajuda
na recuperação”.

4. OLHARES E REPRESENTAÇÕES
Os raizeiros de Goiânia são encontrados em diversos locais da cidade. O essa
pesquisa se restringiu a trabalhar com os raizeiros do centro de Goiânia, com os quais
fizemos as entrevistas com objetivo de “capturar”, através do exercício de seu ofício, os
saberes e os olhasres que estes tem do Cerrado.
Ao realizar as entrevistar foi possível constatar que, de acordo com os seus
conhecimentos sobre o Cerrado, é possível identificar raizeiros que conseguem
descrever o Cerrado, como a dona Adalgisa que diz, é aquele mato rasteiro que olha até
longe e tem algumas árvores (28/10/2005).
Esta fala dela consegue remontar uma paisagem típica do Cerrado.
Lembrando as fisionomias de Campo limpo e Campo Sujo.. Consegue capturar aspectos
peculiares do bioma. Isso evidencia que alguns raizeiros como a dona Adalgisa, viveram
em zonas rurais pelo menos durante um período se sua vida. E esta vivência é expressa
não somente aos responder a entrevista afirmando que já passou parte da vida em áreas
de Cerrado com é ratificado em suas outras colocações como a supracitada. A forma
como ela descreve, o cuidado e a segurança são de quem fala com propriedade.
Mas nem todos conseguem dizer o que é o Cerrado. Pelas falas a seguir
notamos que parte dos raizeiros não consegue dizer exatamente o que é o Cerrado.
Fazem algumas confusões com outros biomas, outros empregam definições que são um
tanto quanto vagas ou simplistas, como os exemplos a seguir:

“É uma mata (Márcio, 26 anos - 04/11/2005)”.


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“É... cinqüenta por cento das plantas é cerrado (João Queiroz, 50 anos -
05/11/2005)”.

“É tudo (Jonas Queiroz, 52 anos - 05/11/2005)”.

“Lugar de campo onde tem remédio” (José Queiroz, 54 anos - 05/11/2005).

“Pra mim? Nunca pensei. Ë um lugar bom pra se viver. Eu gosto dessas
coisas, rio, mato” (Liliane Dias, 25 anos - 20/11/2005).

“Matagal” (João Divino, 29 anos – 20/11/2005).

“Importante é o campo” (Márcia Pereira, 30 anos - 04/11/2005).

“Para a plantá, e para colher” (Aldericia Maria da Rocha, 39 anos -


04/11/2005).

“É aquele, o campo, onde... cerrado, deserto” (Emília, funcionária da dona


Alderina Lima Brito - 04/11/2005).

“Aqui é Cerrado, na Bahia gramas. Goiás não tem madeira de lei. Só


madeira fraca” (Otávio Queiroz, 62 anos - 04/11/2005).

“Tá mudando precisa ser preservado” (Almir, 32 anos – 04/11/2005).

“Vegetação rasteira, campo. Terra fértil” (Venceslau, 50 anos -


04/11/2005).

“É um terreno fraco, que chama caatinga na Bahia. Um tipo de cultura.


Mata rasteira” (Dionísio Machado da Silva, 77 anos -28/10/2005).

“Uma coisa interessante onde tem ervas” (Anderson, 18 anos - funcionário


da dona Maria de Oliveira Leite - 04/11/2005).

“Natureza mais completa de plantas” (Deroci Guimarães, 55 anos -


04/11/2005).

“Cada especialidade é as plantas. Mata, Campo” (Dona da Banca Aroma e


sabor da Terra, no Mercado Central -10/10/2005).

Alguns conseguem remontar uma paisagem natural. Outros, nem tanto e


alguns não sabem ou como o que disse Liliane: “nunca pensei”. Mesmo a maioria não
conseguindo dizer exatamente o que é o Cerrado nota-se a presença de outros temas nas
falas. Como, por exemplo, a importância, é local de plantar e colher, necessita ser
preservado e é o local onde se encontra plantas medicinais.
Quando o assunto é sobre o conhecimento, lembram com muita facilidade e
empolgação que o conhecimento adquirido sobre as plantas e seus benefícios foi
passado no dia-a-dia, com a vivência tida com as pessoas mais experientes sejam pais,
mães, tios, tias, sogras e sogros. Relatam que este conhecimento “é coisa de família,
passado de geração para geração”, como enfatizou o senhor Otávio. Porém alguns
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como o Márcio, Almir e Venceslau nascidos na cidade, em Goiânia, tiveram uma


iniciativa diferente. Eles que se interessaram e buscaram o conhecimento em
informações, livros, Internet.
Nas respostas sobre animais pertencentes a este bioma aparecem: Tatu peba,
tatu bola, ema, seriema, veado mateiro, caititu, porco-do-mato, macaco, cavalo,
cachorro, nambu, tamanduá, paca, cateto, raposa, codorna, perdiz, cobra, capivara, onça,
lagartixa, calango, tiú, coelho, jacaré e anta. Percebe-se que conhecem os animais do
Cerrado, embora os nomes possam variar como o caso da raposa, por exemplo, é como
eles chamariam o lobo-guará.
O Cerrado era diferente há algum tempo atrás sim, na opinião de 82% dos
entrevistados. O restante não respondeu ou não soube responder. As respostas são muito
semelhantes, e duas que representam bem destacam que:
“Ele está é acabando, com arado, plantio e barracão” (Dona Adalgisa
Maria – 28/10/2005)

“Tá acabando”. (José Queiroz, 54 anos - 05/11/2005)”.


A primeira é uma resposta que contém um conhecimento empírico da
destruição do Cerrado e o segundo demonstra a obtenção da informação, mas não
representa o conhecimento de causa. Estes tipos de respotas, mais uma vez diferenciam
a vivência e, como dito anteriormente, o conhecimento empírico.
Quando o assunto foi o uso do Cerrado os raizeiros foram unânimes em dizer
que deve ser protegido. Pode e deve haver plantações e gado, mas também deve ter
parte preservada, de onde eles possam continuar contando com a possibilidade de retirar
plantas para o seu sustento. Observe a seguir algumas falas:
“Deve ser usado pra tudo [gado, soja e mato]. Eles precisam plantar e a
gente colher”. (João Divino, 29 anos – 20/11/2005).

“Tem que ter a consciência [para usar], mas tem que deixar umas áreas”.
(Deroci Guimarães, 55 anos - 04/11/2005).

“Desse jeito vai ser destruído, acabar. Tem que preservar”. (Venceslau, 50
anos - 04/11/2005).

“Não mexer. Era o certo, mas...”. (Aldericia Maria da Rocha, 39 anos -


04/11/2005).

Quando o assunto foi o fogo houveram algumas divergências. Existem


aqueles raizeiros afirmando que nunca deve se colocar fogo no Cerrado. E outros que
afirmam que até pode para poder plantar e fazer pasto. Mesmo na acdêmia esta é um
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discussão muito polêmica e que ainda não tem comprovação científica nem afavor , nem
contra o fogo no Cerrado. O que já se sabe é que aglumas espécies tem a dormência das
sementes quebradas pelo fogo.
Sobre as histórias relacionadas ao cerrado muitos deles não fazem referência
ou não se lembram. Um personagem que apareceu em três entrevista foi o “Pai do
mato”. Que segundo eles é um homem que vive no mato para proteger a mata.
Descontraídos, os raizeiros se esforçaram para demonstrar o conhecimento sobre o
cerrado, com lembranças de alguma música relacionada ao cerrado. Apareceram as
seguintes:
“Já ouvi aquela música das frutas, de cajuzinho. E piadas do Nilton Pinto e
Tom Carvalho” (João Queiroz, 50 anos - 05/11/2005).

“Uma música que eu cantava quando morava lá em Brasília: Um pé de


pequi, de ipê amarelo. Cuidar do cerrado é tudo o que eu quero” (Liliane
Dias, 25 anos - 20/11/2005).
Ao ouvir todas essas declarações e mais algumas, ou mesmo lendo as
entrevistas realizadas, poderíamos arbitrariamente dizer que os raizeiros não entendem
muita coisa sobre o Cerrado. E estaríamos assassinando a cultura e o conhecimento
dessas pessoas e agindo de forma preconceituosa e tosca.
Mais do que saber conceitos e nomes científicos, estas pessoas entendem o
cerrado da forma simples, pela convivência. Como a Natureza que os sustenta. Como
um lugar de lembrança de determinada época da vida, lugar de saudades. Entendem o
mato, o matagal, que acadêmica ou cientificamente pode ser interpretado como errôneo.
Porém, o que é o mato, o Cerrado, a Amazônia ou a Caatinga senão a natureza?
Não é a falta de aprofundamento ou conhecimento conceitual ou
classificatório sobre o Cerrado que medem os conhecimentos desses raizeiros. Este
conhecimento é tão importante quanto o conhecimento desenvolvido pelas Ciências.
Rigonato e Almeida (2004, p. 48) fazem a seguinte consideração sobre o conhecimento
tradicional:
[...] o conhecimento popular das populações tradicionais é um instrumento
indispensável para a preservação da cultura, da persistência de modos de
vidas tradicionais e da biodiversidade do Cerrado. E também, auxilia, os
estudos científicos que buscam conhecer, identificar, catalogar a
espacialização das espécies e as potencialidades, medicinais, artesanais e
frutíferas dos estratos fitofisionômicos do Cerrado.
Assim aplicamos aqui neste estudo estas palavras dos autores supracitados. Ë só através
de seus conhecimento que sua cultura e modos de relacionamentos com a Natureza
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Cerrado vão continuar a existir. Não podemos cair no erro de desconsiderar seus
conhecimentos como de pouca contribuição para o desenvolvimento da ciência. E mais,
cabe à ciência que procura entender seus tipos de relacionamentos e usos do Cerrado
entender o papel que o raizeiro tem em até auxiliar na conservação do Cerrado e na
descoberta do uso de plantas posteriormente.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, U.P. Introdução à etnobotânica.Recife: Bagaço, 2002

ALMEIDA, Maria Geralda de. Cultura ecológica e biodiversidade. Mercator,


Fortaleza, ano 2, n.3, p. 71-82, jan./jul. 2003.

______. A reinvenção da natureza. Espaço e cultura, Rio de Janeiro, n.3, p. 41 – 53,


jan./dez. 2004.

DIEGUES, Antonio Carlos. A etnoconservação da natureza: enfoques alternativos.


In: Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo:
Hucitec, 2000

GONÇALVES, C.W.P.. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto,


1989.

RIBEIRO J.F.; WALTER B.M.T. Fitofisionomias do bioma cerrado. In: Cerrado:


ambiente e flora. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, 1998.4ªed. 2002.

RIGONATO, Valney Dias. O modo de vida das populações tradicionais e a


interrelação com o cerrado da microrregião da Chapada dos Veadeiros:o distrito de
Vila Borba. 2005. Dissertação (Programa de pós-graduação em Geografia) – Instituto de
Estudos Sócio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2005.

RIGONATO, V.D.;ALMEIDA, M.G. Cerrado: a fitofisionomia e a interrrelação com as


populações tradicionais. Cerrados, Montes Claros, vol.1, n.1, p. 39 – 52, jan./dez.
2004.

SEPLAN – Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás – www.seplan.go.gov.br –


acessado em 27/11/2005.

TOURINHO, M.J.G. Abordagem etnofarmacológica das plantas medicinais diuréticas


no povoado de Capim Grosso, município de Canindé de São Francisco,
Sergipe.Curituba, Aracaju, vol. 01, n.01, p. 34 – 71,jan./dez.2000.

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