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Ensaio

Ciências & Cognição 2014; Vol 19(2) 193-206 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição
Submetido em 23/01/2013│Revisado em 18/10/2013│Aceito em 18/12/2013│ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 01/07/2014

Cognição incorporada: refletindo sobre a singularidade da condição


sensório-motora no desenvolvimento humano
Embodied cognition: reflecting on the uniqueness of the sensory-motor condition in the human development

Estêvão Monteiro Guerra


Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora,
Minas Gerais, Brasil

Resumo Abstract

Quando nos referimos ao termo “sensório-mo- When we refer to the term “sensory-motor”,
tor”, de acordo com a epistemologia genética pia- according to Piaget’s genetic epistemology, we
getiana, estamos evocando conceitualmente um are conceptually evoking a specific theoretical
arcabouço teórico específico e que compreen- framework which comprises well-defined
de fronteiras epistemológicas bem delimitadas. epistemological boundaries. However, how can
Todavia, sugerimos ampliar conceitualmente a we conceptually extend the Piagetian proposal by
proposta piagetiana em considerar o estágio sen- considering the sensory-motor stage not only as
sório-motor não só enquanto uma das etapas de one of the stages of the cognition development,
construção da cognição, mas na arregimentação but in the permanent regimentation of the
permanente da totalidade de nosso ser. Logo, a entireness of our being? Would the child, when
criança, ao “ultrapassar” esta fase por volta dos “overcoming” such stage, at about two years
dois anos, deixa-a de fato para trás na forma de of age, actually leave it behind in the form of
“organização transcendente” de outros esquemas “transcendent organization” of other action
de ação. Como objetivo central deste Ensaio, pro- schemes? The central goal of this Essay is to
poremos oportunamente algumas reflexões que propose some appropriate reflections aiming
visam problematizar e ampliar significativamente at significantly expanding and problematizing
o termo “sensório-motor” em sua conotação pia- the term “sensory-motor” within its Piagetian
getiana, tecendo articulações com a tese de auto- connotation, by building joints with the thesis of
res que defendem o intrincado processo de uma authors who advocate the intricate process of an
“cognição incorporada”. “embodied cognition.”

Palavras-chave: epistemologia genética; cognição Keywords: genetic epistemology, embodied cogni-


incorporada; neurociência; singularidade tion, neuroscience, uniqueness.

E.M.Guerra – Av. Barão do Rio Branco, 2817/905, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. CEP 36010-012.
E-mail: estevao.guerra@yahoo.com

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Introdução

“Por falta de um prego, perdeu-se a ferra- sentando outras variáveis para se compreender
dura; como o pobre cavalo que “perdeu” o prego da fer-
por falta de uma ferradura, perdeu-se um radura e atrasou o cavaleiro levou ao fatídico de-
cavalo; sastre do desconhecido reino. Poderíamos ques-
por falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro; tionar, hipoteticamente, qual foi o infeliz ferreiro
por falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha; que colocou a ferradura e, deste ponto, iniciar o
por falta da batalha, perdeu-se o reino!” provérbio. Também poderíamos conjeturar que o
cavaleiro estava com pressa e, por isso, não permi-
O provérbio medieval, acima citado, retrata tiu que o ferreiro executasse adequadamente seu
um dos princípios elementares da teoria do caos. ofício. Poderíamos ficar neste torturante exercício
Neste contexto, pequenas perturbações, as quais ad nauseam, sem chegar a qualquer conclusão, já
se manifestam em condições iniciais, podem pro- que este procedimento é, por si só, o vicioso de-
duzir, a partir de múltiplas retroalimentações e sejo de se instaurar linearidade e, portanto, cau-
bifurcações do sistema, eventos em larga escala. salidade mecânica, a um paradigma que deve ser
Na atualidade, outra metáfora, apresentada por refletido por outras vias. Para isso, devemos ter
Edward Lorenz (1996), seria usada com mais fre- em mente que a estrutura inicial de um ser vivo
quência: o simples bater de asas de uma borbole- não pode determinar suas características além
ta, em algum recanto do planeta, pode produzir do momento inicial (escolhido arbitrariamente?)
catástrofes naturais em algum outro ponto. e que o mundo seria moldado sempre de acordo
A ciência clássica, arregimentada por Galileu com os tipos de ações, das mais “simples” às mais
Galilei e consolidada magnanimamente por Isaac “complexas”, às quais nos engajamos momento a
Newton, se preocupou em adequar, sempre que momento.
possível, os eventos naturais em sistemas fecha- Ainda não se sabe, em todos os detalhes,
dos, logo, em leis mecânicas que privilegiassem a como o cérebro consegue transformar padrões
previsibilidade do fenômeno em detrimento das neurais em padrões mentais. Mas à semelhança
não-linearidades. Além disso, sistemas naturais de Damásio (2000), Johnson (1987), Lakoff (1987),
que não pudessem ser compreendidos por leis Maturana (2001), Rorty (1989), Searle (1995), Va-
mecânicas, não mereciam atenção da comunida- rela et al. (2003), concordamos com a tese de que
de científica que se formou ao redor deste para- o cérebro não registra ou espelha simplesmente,
digma. A tradição filosófica ocidental sempre se o mundo externo como uma fotografia tridimen-
preocupou em aparar estas “arestas” epistemico- sional, mas constrói uma representação interna
-ontológicas no intuito de angariar previsibilidade dos eventos físicos em acordo com experiências
e, consequentemente, “segurança cognitiva” na sensórias e motoras. Neste contexto, quando ela-
observação dos fenômenos a serem explicados. boramos um conhecimento, estamos construindo
Seria inconcebível compreender os eventos do um mundo singularizado que surge em parceria
mundo, sejam eles naturais, biológicos, sócio-po- com o ambiente. É um mundo que convocamos
líticos ou psicológicos, através de “micro leituras a ser em nossa experiência interativa com o que
regionais”, singulares, e sem uma “fundação cog- está fora, mas não separado de nós.
nitiva” objetivamente sólida. Referindo-se à com- Questionamos os tradicionais conceitos de
preensão dos processos cognitivos, observamos organização dos seres vivos que encontram fun-
uma arraigada “ansiedade cartesiana” que subjaz damentação epistemológica nos alicerces cultu-
à cultura ocidental, alegando que “ou se têm uma rais promulgados por uma “modernidade” cien-
base fixa e estável para o conhecimento, um pon- tífica. Neste contexto, o conceito de organização
to onde o conhecimento se inicia, se baseia e se é sustentado pela crença de que a estrutura e o
apoia, ou não se pode escapar de um certo tipo funcionamento do sistema possuem padrões de
de escuridão, caos e confusão” (Varela, Thomp- formação e de evolução definidos, os quais, por
son & Rosch, 2003, p. 149). sua vez, confeririam identidade ao sistema. Por
Ora, caso retomemos o provérbio citado, outro lado, ao aceitarmos que os sistemas vivos
bem poderíamos continuar a desdobrá-lo, apre- se definem por uma singularidade constitutiva, os

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consideramos sujeitos a processos auto-organi- não deve ser considerado em um sentido pejora-
zadores, já que não possuem padrões de forma- tivo, já que em um contexto construtivista, a base
ção e de evolução rigidamente predeterminados. do desenvolvimento afetivo-cognitivo é intrinse-
Sistemas auto-organizados estão sujeitos à cons- camente proporcional em importância às futuras
tante emergência de novos estados, como se ao etapas que se sucederão. Todavia, neste período
abrirmos determinada porta se inaugurasse um inicial do desenvolvimento, o bebê está tecendo
novo horizonte de portas as quais, por sua vez, as bases estruturais de sua capacidade interativa
levariam a outro horizonte de portas. Esta metá- com mundo.
fora, um tanto frenética, apenas retrata um siste- c) Sendo “menos organizado”, possui menos
ma dinâmico afastado do equilíbrio ou, mais su- “peso estrutural”, logo, é muito mais vulnerável
cintamente, um estado de comportamento caóti- aos estímulos do ambiente, sejam eles quais fo-
co. Nesta linha, Varela et al. (2003) nos oferecem rem. Pelo termo “peso estrutural”, queremos
razoáveis hipóteses de que não devemos mais nos referir à densidade das fronteiras do sistema
considerar o funcionamento do sistema nervoso que vão sendo estabelecidas no processo de de-
como um processador de informações organizado senvolvimento. Um sistema estruturado delimita
por um aparato de inputs-outputs. Este sistema, suas fronteiras com o ambiente, possuindo por
apresentado na década de 60 do século passado isso condições de assumir uma distinção em re-
por defensores do cognitivismo simbólico, seria lação ao meio. A criança, ao ingressar na lingua-
mais adequado para explicar o funcionamento gem, possui uma ferramenta de seleção mais efi-
de máquinas triviais, como um computador, aos ciente, podendo se defender com maior eficácia
quais recebem estímulos pelo teclado e o mouse da aleatoriedade dos estímulos que a circundam.
(inputs) e se comportam de acordo com o pro- Em outros termos, possui fronteiras que visam
grama executado (output). Sendo assim, os seres lhe oferecer maiores condições de se proteger
humanos, enquanto organizações vivas e, portan- do ambiente. A palavra “NÃO”, dita aos berros, é
to, não triviais, poderiam ser compreendidos por menos ambígua do que movimentos corporais ou
leituras que o considerem enquanto sistemas que o choro, que querem dizer a mesma coisa nesta
funcionam através de uma rede emergente, que situação hipotética, mas que pode não ser o caso
opera de acordo com uma clausura operacional e, em muitas outras situações. Logicamente, a com-
por isso, gozam de uma autonomia constitutiva. preensão de expressões corporais e guturais, que
Para maior aprofundamento deste tema, significam analogamente um determinado termo
buscaremos apresentar algumas reflexões a par- linguístico, será dependente do grau satisfatório
tir do estágio sensório-motor, apresentado por de acoplamento que o bebê estabelece com o
Piaget (1978) em sua epistemologia genética. O “sistema cuidador”, seja ele a mãe, o pai, a babá,
estágio sensório-motor deve ocupar um lugar pri- os avós, a instituição cuidadora, etc. Podemos
vilegiado em nosso estudo devido a alguns fato- dizer que a linguagem falada exige “menos sen-
res que apresentaremos a seguir: sibilidade” dos sistemas cuidadores, oferecendo
maiores possibilidades de a criança ter seus limi-
a) o desenvolvimento cognitivo-afetivo se tes respeitados.
faz, primeiramente, por meios de ações sensório- d) Se, por um lado, a aleatoriedade dos estí-
-motoras, já que os recursos simbólicos irão se mulos provindos do mundo produz originalidade
desenvolver decorrente da natureza qualitativa e “aumento” da complexidade do sistema, por
desta exploração sensória e motora. Isto lhe dá outro lado, também pode ser fonte de “encou-
um status de “base cognitiva-afetiva” e, conse- raçamento” do organismo, já que se trata de um
quentemente, exercerá a função de alicerce para período de maior permeabilidade. Do período
as futuras etapas que irão se estabelecer neste pré-natal ao estágio de aquisição da linguagem
contínuo processo de transformação de “esque- simbólica, a criança possui poucas ferramentas
mas de ação”. para lidar com estímulos agressores.
b) Juntamente com o período de desenvol- e) Também devemos ampliar a compreen-
vimento pré-natal, o estágio sensório-motor é o são semântica e conceitual do termo “sensório-
menos “organizado”, tanto cognitivamente quan- -motor” a partir de seus referenciais teóricos
to afetivamente1. O termo “menos organizado” apresentados na teoria piagetiana, e isto por um

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motivo relativamente óbvio. Quando nos referi- getiana, estamos evocando conceitualmente um
mos, por exemplo, a um termo como “a priori”, arcabouço teórico específico e que compreende
devemos estar atentos a sua amplitude semân- fronteiras epistemológicas bem delimitadas. To-
tica. Como se sabe, este termo possui concei- davia, como podemos ampliar conceitualmente
tualmente um lugar central na Crítica da Razão a proposta piagetiana em considerar o estágio
Pura de Imanuel Kant (1988) e requer, metodo- sensório-motor não só enquanto uma das etapas
logicamente, um rigor específico em seu manejo. de construção da cognição, mas na arregimenta-
Com certeza, tal termo ainda continua a possuir ção permanente da totalidade de nosso ser? Será
em seu leque de significados a ideia de se refe- que a criança, ao “ultrapassar” esta fase por volta
rir a algo ou a alguma situação antes de qualquer dos dois anos, deixa-a de fato para trás na forma
outra. Contudo, devemos relevar que tal termo de “organização transcendente” de outros esque-
assume uma complexidade específica de acordo mas de ação2? Proporemos oportunamente algu-
com o volume significativo incorporado em de- mas reflexões que visam problematizar e ampliar
terminado contexto teórico. Da mesma maneira, significativamente o termo “sensório-motor” em
quando nos referimos ao termo “sensório-mo- sua conotação piagetiana.
tor”, de acordo com a epistemologia genética pia-

Fundamentações para uma compreensão da singularidade sensório-motora

O estudo das cores oferece um sólido su- em uma determinada área. Caso não consigamos
porte neurocientífico para o estudo da percep- ver o verde, por exemplo, gerado pela diferença
ção por ter sido exaustivamente investigada por entre os sinais receptores de onda longa e média
neurocientistas, psicólogos, linguistas, filósofos e que forma o canal vermelho-verde, nossa percep-
cientistas da IA, além de ter uma significação per- ção não estaria funcionando adequadamente. To-
ceptiva imediata na vida de qualquer ser humano. davia, como os autores acrescentam, “se de fato
Em primeiro lugar devemos perguntar: como as medirmos a luz refletida a nossa volta, descobri-
cores aparecem? Inicialmente foi detectado que remos que simplesmente não existe uma relação
existem três canais de cores no sistema visual: entre o fluxo de luz de vários comprimentos de
onda e as cores que vemos nas diferentes áreas”
“um canal é acromático e indica diferenças (Varela, et al., 2003, p. 165). As cores poderão
no brilho. Os outros dois são cromáticos e in- manter esta coerência psicofísica se forem obser-
dicam diferenças nos matizes (...) Na retina vadas isoladamente. Todavia, em cenas comple-
existe três mosaicos diferentes, mas entre- xas, como o próprio mundo que se desvela aos
mesclados, de células cone, cujas curvas de nossos olhos, o verde continuará a ser verde mes-
absorção de fotopigmentos sobrepostos têm mo que refletir mais luz de ondas longas e curtas
seu pico em torno de 560, 530 e 440 manô- do que ondas médias. Esta independência entre
metros, respectivamente. Esses três mosai- luz e cor se deve a dois fenômenos:
cos de cones constituem os chamados re-
ceptores de onda longa, onda média e onda Constância aproximada das cores – apesar
curta. Os processos excitatórios e inibitórios das grandes mudanças de iluminação, as cores
das células pós-receptoras possibilitam que permanecem constantes.
os sinais desses receptores sejam compara- Contraste simultâneo das cores – duas áreas
dos por acréscimo e-ou subtração” (Varela, que refletem a luz da mesma composição de es-
et al., 2003, p. 164). pectro podem ter cores diferentes, dependendo
do meio onde ela está localizada.
Sucintamente, observamos que destas rela-
ções psicofísicas surgem as cores. Mas seriam as Logo, como Varela et al. (2003) acrescentam:
cores atributos percebidos das coisas do mundo?
Inicialmente, podemos deduzir, com ajuda dos “Esses dois fenômenos nos levam a concluir
autores, que se vemos uma cor específica, há que não podemos considerar nossa experi-
uma determinada quantidade de luz incidindo ência de cores como um atributo das coisas

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do mundo, apelando simplesmente para a indivíduo. Percebemos que as cores - associadas


intensidade e a composição do comprimen- a outras modalidades perceptivas como forma,
to de onda da luz refletida por uma área. Em propriedades de superfície, relações espaciais e
vez disso, precisamos considerar os proces- de movimentos tridimensionais, além de outros
sos complexos, e apenas parcialmente com- fatores não visuais como nossa intencionalidade
preendidos, da comparação cooperativa en- afetiva, sons, odores, tato e paladar - trabalham
tre os múltiplos conjuntos de neurônios no de tal maneira que nos oferecem uma aproxi-
cérebro, que atribuem cores a objetos de mação coerente de um único objeto. Devemos
acordo com os estados globais emergentes ter em mente que estas diferentes modalidades
que eles alcançam dada uma imagem reti- perceptivas emergem de sub-redes neurológicas
niana” (p. 166). concorrentes, mas que em última instância tra-
balham de forma que nos propiciem uma expe-
As cores também não são percebidas inde- riência unificada. Um outro ponto de onsiderável
pendentemente de outros fatores perceptivos. relevância, o qual não aprofundaremos, refere-se
Vejamos uma outra citação, apresentada de Jo- aos aspectos culturais e linguísticos que as cores
hnson (1987), sobre um intrigante comentário do assumem nas diversas culturas. Ilustrativamente,
pintor Kandinsky: considere uma comunidade indígena que vive no
interior da Amazônia (ainda preservada), cercada
“Se dois círculos são desenhados e pintados pelos mais diferentes matizes de verde, e de uma
respectivamente de amarelo e azul, um bre- comunidade de tuaregues, que vivem no deserto
ve exame irá revelar no amarelo um movi- do Saara, “cercados” pelo azul do céu e pelas di-
mento de propagação para fora do centro, e versas tonalidades de “areia”. Estes fatores apon-
uma perceptível aproximação do espectador. tam, mais uma vez, para a natureza sociocultural e
O azul, por outro lado, move-se para dentro geográfica dos acoplamentos estruturais enquan-
de si mesmo, como uma lesma recuando to um importante norteador dos mecanismos de
para dentro de sua concha, e afasta-se do construção cognitiva.
expectador. O olho sente-se atormentado Como consideram Maturana e Varela (2002),
com o primeiro círculo, enquanto é absorvi- caminhamos no “fio da navalha” cognitiva. Assim,
do para dentro do segundo” (p. 84) o mundo não se impõe por categorias pré-deter-
minadas, as quais devem ser recuperadas “ade-
Como argumenta Johnson (1987), o movi- quadamente” pelo nosso sistema perceptivo, e
mento se refere a estruturas em nossa interação tampouco o sistema cognitivo projeta no mundo
perceptiva nas quais formamos imagens unifica- suas “leis internas”. Por outro lado, considera-se
das e estabelecemos relações entre vários ele- aqui que a experiência e o aparato neuro-cogni-
mentos da obra. De acordo com Mesulan (1998), tivo se especificam mutuamente. Nos dizeres do
o sistema visual humano não captura uma foto- construtivismo radical, ser e conhecer se retroa-
grafia da realidade no cérebro, mas representa- limentam em um “círculo virtuoso”. Neste pon-
ções no lobo occiptal que se construíram a partir to, acreditamos estar razoavelmente embasados
de transduções analógicas e digitais ao longo do para compreender como a fase sensório-motora
trajeto subcortical e cortical da imagem visual. é, em última instância, uma construção intrinse-
Logo, emoções e motivações modulam o impac- camente singular e que é constituinte de todo o
to neural dos eventos sensoriais de uma maneira ciclo vital.
que reflete o valor subjetivo desses eventos para o

Revisitando Piaget e a fase sensório-motora a partir do construtivismo radical

Compreender o desenvolvimento psicoge- pesquisa. Sendo assim, todos nós, enquanto par-
nético humano enfatizando a singularidade des- ticipantes de uma “mesma” humanidade, deverí-
te processo não foi o foco das pesquisas de Pia- amos experimentar o desenvolvimento de nossas
get (1978). Ainda que não desconsiderasse este habilidades cognitivas de forma “inexoravelmen-
fator, não o relevou enquanto norteador de sua te” herdada e sendo desdobrada em três estágios

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psicogenéticos sucessivamente interconectados representado” (p. 193 e 197).


e alicerçados em invariantes funcionais3. Há uma
base epistemológica kantiana que “assombra” a Ao adquirirmos a capacidade de manipular
obra de Piaget. Todavia, não discordamos em ab- símbolos ou de realizarmos as mais prodigiosas
soluto de que o desenvolvimento afetivo-cogniti- abstrações, devemos ter em mente que este “es-
vo deve respeitar fatores estruturais que consti- petáculo humano” está imerso em ações cotidia-
tuem o sistema nervoso e sensorial. Decorrente nas, encarnadas em corpos repletos de sensações
de um complexo processo evolutivo filogenético, viscerais, desejos, intenções e emoções. Este es-
a hereditariedade demarcará as possibilidades petáculo simbólico só terá “sentido”4 se for vivi-
de nossas construções mais fundamentais. Nes- do, atuado, encenado. Como Cândido e Piqueira
te sentido, as aquisições sensório-motoras, sim- (2002) acrescentam, “para que haja sentido, um
bólico-concretas e operatório-formais devem ser sistema de signos não basta; é necessário um cor-
consonantes a esta estruturação psicogenética. po, em que o gesto e o afeto estejam intimamen-
Mas será que podemos dizer que este intricado te ligados” (p. 679).
processo ontogenético é experimentado, funda- Em uma primeira aproximação para a com-
mentalmente, através de uma singularidade cons- preensão da singularidade sensório-motora, a
titutiva? qual percorrerá a estruturação de todos os atos
De acordo com Varela et al., (2003), por ação sensórios e motores, devemos aceitar que os fa-
incorporada devem ser considerados dois pon- tores organizadores serão condizentes à comple-
tos: primeiro, que a cognição depende dos tipos xidade do organismo (genótipo), assim como da
de experiência decorrentes de se ter um corpo complexidade dos inúmeros fatores que se apre-
com várias capacidades sensório-motoras, e se- sentam no ambiente (fenótipo). Neste sentido, os
gundo, que essas capacidades sensório-motoras esforços auto-organizadores serão condizentes a
individuais estão, elas mesmas, embutidas em um processo epigenético. Podemos então con-
um contexto biológico, psicológico e cultural mais siderar, nos dizeres de Maturana e Varela, que a
abrangente. Maturana (1998) também parece es- história auto-organizadora de cada ser humano é
tar certo de que “toda conduta em um organis- um retrato de sua ontogênese, e a fase sensório-
mo que envolve seu sistema nervoso surge nele -motora deverá ser compreendida segundo estes
como expressão de sua dinâmica de correlações parâmetros epistêmico-ontológicos.
sensomotoras” (p. 39). Ora, foi Piaget o primeiro A abordagem atuacionista preza uma ação
a ressaltar, formalmente, o aspecto construtivista incorporada e desconsidera a ideia de que os
das assimilações, acomodações e adaptações dos processos cognitivos “recuperam” imagens fixas
esquemas de ação, os quais sofreriam gradativas e predeterminadas do mundo. Como Varela et
transformações qualitativas. Segundo o autor, es- al., (2003) acrescentam, “as estruturas cognitivas
tes esquemas de ação, a princípio sensório-moto- emergem de padrões sensório-motores recorren-
res, seriam as plataformas de outras construções tes que possibilitam à ação ser respectivamente
as quais dariam seguimento aos estágios simbóli- orientada” (p. 177). Neste contexto, a localidade
co-concreto e operatório-formal. Todavia, o que das ações, do ser em situação, demarcará os li-
queremos enfatizar neste momento é: a ação sen- mites de suas construções. Como Merleau-Ponty
sório-motora é fundamentalmente inseparável da (1975) já havia antecipado:
cognição em todo o ciclo vital. Maurice Merlau-
-Ponty (1971) foi veemente em argumentar que “a forma do estimulador é criada pelo pró-
a experiência do corpo tem na motricidade a sua prio organismo, por sua maneira própria de
principal referência. se oferecer às ações de fora. Sem dúvida,
para poder subsistir, ele precisa encontrar
“a motricidade não é uma serva da consci- ao seu redor um certo número de agentes
ência, que transporta o corpo ao ponto do físicos e químicos. Mas é o próprio organis-
espaço que nós previamente representamos mo – segundo a natureza adequada de seus
(...) A motricidade é a esfera primária em que receptores, segundo os limiares de seus cen-
em primeiro lugar se engendra o sentido de tros nervosos e segundo os movimentos dos
todas as significações no domínio do espaço órgãos. O meio (Umwelt) se destaca no mun-

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do segundo o ser do organismo, – estando cial que nos envolve.


claro que um organismo não pode existir, Segundo Maturana (1998), a percepção não
salvo se ele conseguir encontrar no mundo é a captação de uma realidade independente do
um ambiente adequado. Seria um teclado observador, e o fenômeno perceptivo não pode
que se move a si mesmo, de maneira a ofe- ser distinguido tão prontamente do que se deno-
recer – e segundo ritmos variáveis – esta ou mina por “ilusório”, já que ambos são configura-
aquela de suas teclas à ação, em si mesma dos pela conduta do organismo. Em acordo com
monótona, de um martelo exterior” (p. 38). estas premissas, Umberto Eco (2003) acrescenta
que os textos ficcionais, à diferença do mundo e
Um exemplo clássico desta abordagem atu- ainda quando ambíguos, revelam uma margem
acionista também pode ser apreendido pelas considerável de certeza, conduzindo-nos a um pa-
palavras lapidares de Alfred Korzybski (1948): o radoxo muito interessante: a ficção “desrealiza” o
mapa não é o território que ele representa. A lei real para criar um “novo” real mais seguro, por-
da individualidade de Korzybski afirma que duas tanto “mais real”, do que aquele que se encontra-
pessoas, ou situações, ou estágios do processo va no ponto de partida. Ao dedicarmos atenção
não são as mesmas em todos os detalhes. Kor- especial (de segunda ordem) à nossa vida cotidia-
zybski observou que nós temos menos palavras e na, tantas vezes a “ficção” se mostrará mais apta
conceitos do que experiências únicas, e isso ten- a nos aproximar do que chamamos de real. Ima-
de a conduzir para a identificação ou “confusão” ginemos uma cena psicodramática, onde os ato-
de duas ou mais situações (o que é conhecido res e os objetos apenas “representam” situações
como “generalização” no metamodelo). A pala- reais e que, em muitos contextos, são apenas res-
vra “gato”, por exemplo, é comumente aplicada sonâncias simbólicas distantes de algum drama
a milhões de animais individuais diferentes, para vivido. Em muitas destas cenas “artificiais”, vemos
o “mesmo” animal em diferentes épocas da sua o protagonista se comover profundamente e até
vida, para as nossas imagens mentais, para ilus- mesmo presenciamos uma profundidade afetiva
trações e fotografias, metaforicamente para o ser a qual não foi vivenciada na cena real relaciona-
humano (“um hep-cat”), e mesmo para as letras da. Quando, por exemplo, não podemos realizar o
combinadas g-a-t-o. Assim, quando alguém usa o luto, isto é, tornar real esta morte por ainda não
termo “gato”, não está claro se está se referindo se suportar a realizar a própria realidade, o perso-
a um animal de quatro pernas, uma palavra de nagem dramático o qual é incorporado em outro
quatro letras ou um hominídeo de duas pernas. momento, pode suspender toda a descrença pré-
Também podemos alegar que ao se estudar um via para que possamos realizar a dor.
determinado mapa rodoviário, o qual nos ins- Ao aceitarmos que nossas representações
trui por seu conjunto de representações gráficas do mundo são construções derivadas de nossos
como chegar a determinado destino, ele não nos acoplamentos estruturais, seria plenamente co-
revelará, em hipótese alguma, como percorre- erente considerarmos a seguinte experiência en-
remos determinado trajeto. De forma alguma o quanto via explicativa de uma “cognição incorpo-
mapa revelará em quantos buracos cairemos (nos rada”: Held e Hein (1963) e Held (1965) tomaram
referimos a uma estrada brasileira), ou o que ou dois grupos de gatinhos e os criaram na escuridão,
quem encontraremos na estrada, ou com quantos sendo que a exposição à luz era em condições
veículos cruzaremos, ou quantas árvores avistare- controladas. Um primeiro grupo de animais pode-
mos, ou quais os estados afetivos que experimen- ria circular quase que normalmente. Todavia, foi
taremos ao entrar em contato com todas estas atrelado em cada um deles um pequeno “rebo-
variáveis. Acima de tudo, o mapa não irá se referir que”, sendo que cada gatinho do primeiro grupo
à forma como foi construído “nosso proceder” rebocava um gatinho do segundo grupo. Os dois
em estradas (territórios). Não temos a intenção grupos experimentavam a “mesma” experiência
de desfazer da utilidade destas noções básicas de visual, mas o segundo grupo, como vimos, era in-
orientação, já que as palavras, enquanto signos teiramente controlado motoramente pelo primei-
linguísticos ocupam este mesmo lugar. Mas deve- ro grupo. Depois de algumas semanas, quando fo-
mos colocá-las em seus devidos lugares, caso nos ram expostos à luz em condições regulares e rece-
refiramos à complexidade semântica e experien- beram autonomia de movimento, os gatinhos do

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primeiro grupo comportavam-se com muito mais na ao construtivismo piagetiano. Ora, mas o mun-
desenvoltura sensório-perceptiva do que os gati- do não é assim tão controlado, tão artificial. Ain-
nhos que tinham sido carregados. Estes pareciam da que tenham a mesma idade, são filhos de pais
que estavam “cegos”, já que estavam trombando diferentes e, portanto, possuem uma estrutura
constantemente em objetos, além de não possuí- genética-biológica distinta, assim como são edu-
rem a firmeza nos membros, como os gatinhos do cados em contextos socioculturais que se organi-
primeiro grupo possuíam. O que podemos consi- zaram e continuam a se organizar de forma dis-
derar desta experiência, de acordo com os pres- tinta. Ainda que realizem os “mesmos” esquemas
supostos de uma teoria cognitiva incorporada, é a de ação como, por exemplo, empilhar pequenos
ideia de que “ver o mundo” não consiste apenas cubos, as ações sensório-motoras são condizen-
em extrair traços visuais, mas guiar visualmente tes a uma singularidade estrutural. Piaget já havia
uma ação sensório-motora dirigida a eles. Não mencionado sobre estas peculiaridades que cada
há percepção sem ação no real, sem movimento, criança apresenta. No entanto, o estudo destas
sem comportamento efetivo-afetivo que especifi- peculiaridades enquanto via mestra de pesquisa,
ca e configura “nosso” mundo. Sendo assim, cada assim como averiguar as proporções que elas as-
mundo é, em última instância, um mundo singu- sumiam para se retratar a complexidade humana,
larmente construído na história cognitiva de aco- foi severamente desconsiderada.
plamentos estruturais. Para autores como Edgar Morin (2003), a
Em busca de elementos que sustentem uma construção do real se faria na recursividade entre
observação empírica da comunicação, Lakoff e uma computação lógica, a qual permitiria a dis-
Johnson (1987) também pontuam a importância tinção, e por associação analógica, que, por sua
do corpo para a linguagem ao identificar que “as vez, permitiria a significação. Estas seriam opera-
experiências básicas da orientação espacial hu- ções distinguíveis, mas que seriam componentes
mana, oriundas da percepção visual, dão origens de uma circularidade constitutiva onde agiriam
a metáforas orientacionais, e que nossas experi- sobre si mesmas. Em um primeiro momento, ha-
ências com os objetos físicos constituem as bases veria assimilação do novo em ressonância com as
para uma variedade extremamente ampla de me- construções anteriores, oferecendo novas possi-
táforas ontológicas” (p. 15). Quando usamos uma bilidades de acomodação dos esquemas de ação.
expressão do tipo: hoje estou para “baixo”...estou Mas a partir do momento que aceitamos, na
“down”, observa-se consonância com uma postu- mesma proporção, uma capacidade intrínseca do
ra corporal encurvada, inclinada, pois a retração sistema afetivo-cognitivo de executar operações
corporal é típica da fisiologia da angústia, da de- sensório-motoras que se realizam por “encaixes”
pressão. de significação, devemos aceitar uma especifici-
Oferecendo suporte neurobiológico a este dade constitutiva a cada nova experiência que os
posicionamento, as áreas do córtex cerebral, as- sistemas executam. Neste sentido, todas as inte-
sociadas com processamentos cognitivos supe- rações de sistemas viventes não podem ser con-
riores, são mais receptivas que outras partes do sideradas como meras resoluções de problemas.
cérebro ao crescimento neural relacionado ao en- Qualquer comportamento sensório-motor deve
riquecimento ambiental. Em outros termos, ain- ser compreendido segundo a história de intera-
da que o cérebro possua uma macro-organização, ções de cada criança e não enquanto uma ação
produto de uma complexa evolução filogenética, desencarnada que é dirigida ao objeto. Ainda que
o córtex cerebral apresentará variações em suas realizem esquemas de empilhar e, sendo assim,
microestruturas, as quais são formadas por expe- compartilham de uma organização psicogenéti-
riências intra-uterinas e, de fato, em todo o ciclo ca compatível com as capacidades constitutivas
vital. determinadas por um processo evolutivo que
Quando colocamos duas crianças exatamen- respeita uma cronologia neurocognitiva e fun-
te da mesma idade para interagirem, observa- cional, deve ser relevada, em última instância, a
remos que elas executam ações mais ou menos singularidade constitutiva de cada “esquema de
condizentes ao seu estágio de evolução psicoge- empilhar”. Ainda que cada criança compartilhe
nética. Observaremos que elas executam ações de invariantes organizacionais, serão suas deter-
sensório-motoras que respeitam uma lógica inter- minações estruturais que darão o “tom” de suas

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ações sensório-motoras. Todo o processo psicogenético piagetiano


Na ilustração acima, a relação da criança com comporta internamente a noção de aprendiza-
os cubos deve ser relevada através de um reper- gem. Não é por acaso que a obra deste brilhante
tório de condutas adquiridas em suas interações autor foi e continua sendo fonte de referencia na
consigo mesma e com outros organismos, sejam área pedagógica. Mas por outro lado, o que dizer
vivos ou não. Sendo assim, ao mencionarmos ter- de um processo de aprendizagem que deve ser
mos como criatividade, inteligência, paciência, inscrito em uma singularidade constitutiva? Para
rapidez, engenhosidade, etc, devemos estar cien- Maturana (1998), há aprendizagem “quando a
tes de que estas interações não são diretamente conduta de um organismo varia durante sua on-
observáveis, já que resultam da história de inte- togenia de maneira congruente com as variações
rações dos organismos e, consequentemente, de do meio, e o faz seguindo um curso contingente
suas mudanças estruturais. Nos dizeres de Matu- a suas interações nele” (p. 31). Neste contexto, o
rana (1998), o que se propõe em relação à inte- meio não informa ao aprendiz, já que o meio será
ligência e, especificamente neste contexto, uma selecionado segundo a estrutura deste aprendiz.
inteligência sensório-motora, são: Seria por esta característica angular para a “biolo-
gia do conhecer” que compreenderíamos que o
“instâncias de consensualidade ou de adap- processo de aprendizagem é determinado a cada
tação ontogênica em forma de comporta- momento na relação do sistema com o meio e
mento inteligente. Desta maneira, nós, ao que “somente pode ser adequada ao meio se tal
falarmos de comportamento inteligente, es- estrutura é congruente com a estrutura do meio
tamos nos referindo ao comportamento de e sua dinâmica de mudança” (Maturana, 1998, p.
um organismo que implica o estabelecimen- 32). Nestes termos, parece ser muito mais difícil
to, a expansão ou o operar dentro de um do- descobrir o que a realidade é do que saber o que
mínio de acoplamento estrutural ontogênico a realidade não é. Paul Watzlawick (1994) explica
já estabelecido” (p. 21). esta dificuldade através da seguinte metáfora: o
capitão de um galeão deve cruzar um estreito de
Qualquer ação passa a ser compreendida a mar durante uma noite de tempestade. Todavia,
partir de uma contextualidade definida pelo do- o capitão não conhece a configuração do estreito.
mínio de adaptação ontogênica em que ocorre. Se bater contra os recifes e perder seu barco, o
A plasticidade construtivista sugerida por Piaget naufrágio demonstrará, sem sombra de dúvida,
seria levada ao extremo, já que as invariantes fun- que o roteiro escolhido não era o correto. Se o ca-
cionais da inteligência e da organização biológica pitão passar pelo estreito com o navio, só está de-
estariam em conformidade com os acoplamentos monstrado que o roteiro escolhido não o levou a
estruturais dos organismos e com seus domínios se chocar com nenhum recife. O êxito não ensina
consensuais que lhe permitem operações singu- muito ao capitão sobre a verdadeira configuração
lares. Ao permanecermos fiéis a esta leitura, a do estreito: ele não tem como saber se esteve,
forma como os esquemas de ação são construí- ou não, próximo da catástrofe. É fácil imaginar
dos seriam condizentes à “plasticidade estrutural que haveria roteiros muito mais seguros. De certa
orgânica, tanto anatômica quanto fisiológica, que maneira, o naufrágio é mais pedagógico: ensina
torna possível para cada organismo sua partici- onde há recifes.
pação no estabelecimento e no operar dentro de Voltando a ilustração anterior, onde sugeri-
domínios ontogênicos de acoplamento estrutu- mos que se duas crianças fossem colocadas para
ral” (Maturana, 1998, p. 22). Seria inconcebível exercitarem seus esquemas de empilhar, observa-
compreender a singularidade deste processo sem ríamos que a faculdade de aprender a empilhar
destacar a afetividade enquanto fator recursiva- objetos estaria em consonância com suas histó-
mente constitutivo. Devemos argumentar que as rias ontogênicas, e que seria uma violência se
agressões sofridas pelos sistemas vivos ao estabe- fosse impingido a elas empilhar cubos segundo a
lecerem interações destrutivas em seu processo forma que acreditamos ser a mais criativa ou in-
de desenvolvimento, poderão matizar negativa- teligente para ambas. Ainda que possuam orga-
mente seus acoplamentos estruturais e sua forma nizações similares isto não quer dizer que devam
de articular seus esquemas de ações. compartilhar de uma mesma estrutura. Acredita-

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mos que haverá sempre uma violação do sistema Domínio das interações destrutivas: Nes-
auto-organizador quando for interrompido ou ul- te domínio, haverá modificações estruturais que
trapassado o limite da capacidade de mudanças levarão à perda da organização do sistema. Ima-
estruturais de cada indivíduo. Ao respeitarmos ginemos que as crianças estão brincando com
esta singularidade construtivista, fica mais sim- cubos de chumbo. Imaginemos que o cubo mais
ples compreender por que uma pilha de cubos alto da pilha caia na cabeça da criança. Podemos
deve ser, em último sentido, sempre diferente da dizer que esta é uma real possibilidade de a crian-
outra. ça morrer e, consequentemente, perder sua or-
De acordo com Maturana (1998), o sistema ganização.
nervoso satisfaz as necessidades relacionais entre
estrutura e ambiente através de sua dinâmica de Quanto ao domínio das interações destru-
correlações internas, as quais observadores de tivas, devemos fazer uma digressão, já que Ma-
segunda ordem percebem enquanto ações sen- turana e Varela não cumprem satisfatoriamente
sório-motoras. Assim assegura: nossas intenções de compreender, em outra es-
cala, a destruição (adoecimento) do sistema vivo.
“a) um conjunto de correlações sensomoto- Bem sabemos que vida não se impõe desta forma
ras capazes de gerar as necessárias condutas em todos os momentos e que a destruição não se
recorrentes; revela sempre de forma tão crassa. Experimenta-
b) a possibilidade de novas correlações sen- mos situações “destrutivas” da vida e da saúde,
somotoras, ao admitir que as novas coinci- todos os dias, sem sermos levados, necessaria-
dências de relações internas de atividade mente, a situações agudas ou de perda imediata
que surgem das mudanças estruturais das de nossas organizações. Tampouco podemos con-
superfícies sensoriais do organismo dispa- siderar estas situações enquanto meras perturba-
rem mudanças estruturais locais; ções, já que podemos sofrer com processos crô-
c) e que estas últimas mudanças resultem nicos de interações destrutivas do sistema, que
em que configurações novas de perturba- podem levar a modificações estruturais internas e
ções substituam as configurações antigas de da conduta. Podemos considerar uma violação do
perturbações no disparar de sua correlação sistema vivo, especificamente ao processo de or-
diante às novas perturbações ambientais, re- ganização dos esquemas sensório-motores, quan-
correntes ou não” (Maturana, 1998, p. 46). do o genitor agride o filho física ou verbalmente
quando este não organiza os cubos da forma que
As relações com o meio, que devem ser de- sugere sua própria capacidade de organização e,
terminadas pelas possibilidades estruturais de portanto, de sua história ontogênica. Devemos
cada indivíduo, podem gerar dois domínios os considerar que todo o processo de agressão que
quais queremos ressaltar: incide sobre as estruturas vivas leva-as a estabe-
lecer , mais ou menos, interações destrutivas com
Domínio das perturbações: de acordo com o meio.
nosso exemplo, a criança poderá “flutuar” em sua Toda organização autopoiética possui um
relação com os cubos, gerando modificações in- limiar de tolerância quanto às perturbações que
ternas ou, em termos piagetianos, assimilando, recebem do meio externo ou interno. Estas in-
acomodando e organizando suas experiências, terferências são passíveis de observação por se-
de forma que possa adaptá-las a outras situações rem, exatamente, perturbações que incidem e
etc. Podemos considerar que as mudanças de es- geram transformações materiais, sendo que estas
tado são processos inexoráveis de aprendizagem transformações nos informam, em parte, sobre
e, sendo assim, da permanente acomodação e a qualidade destas perturbações. Qualquer per-
“transcendência” de esquemas, a princípio, sen- turbação que ultrapasse o limiar suportado por
sório-motores. Em último sentido, a criança man- determinada organização incorrerá em adoeci-
tém sua organização, ainda que mude sua estru- mento e, em casos extremos, na desintegração
tura de assimilações e acomodações ao interagir do sistema. Neste sentido, não podemos desme-
com os cubos. recer o papel das perturbações nocivas que de-
sencadeiam inúmeros processos de adoecimento

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nas organizações autopoiéticas sem, no entanto, sócio-culturais, e que as organizações autopoié-


levá-las à morte. Todas estas questões apresen- ticas estabelecerão tantos acoplamentos quanto
tadas por Maturana e Varela nos informam, de forem a diversidade de contextos. Esta proposta,
certa forma, sobre a importância de se averiguar em um primeiro momento, pode ser assustado-
a capacidade “pulsátil” destas organizações. Me- ra para qualquer psicólogo ou cientista social que
taforicamente falando, pode-se subentender que, não compartilhe das ideias de Maturana e Varela.
se apertarmos demais as cordas da cítara, elas ar- Eles poderiam questionar que, em tal situação,
rebentarão. Caso não apertemos o suficiente, não seria tarefa impossível se estruturar teorias do
obteremos afinação. Da mesma forma, Maturana desenvolvimento, da personalidade e, até mes-
e Varela nos alertam para importância do enten- mo, qualquer sistema psicodiagnóstico. Na ver-
dimento das perturbações que incidem sobre as dade, qualquer proposta que solape a ideia de
organizações vivas para que possamos observar a uma objetividade clássica seria desastroso para
“qualidade de vida” desta organização. a “mente” destes pesquisadores. Para compre-
Todo acoplamento estrutural nos informa da endermos melhor a “natureza” desta miríade de
“teia de relações” que qualquer organismo esta- “acoplamentos”, devemos considerar a história
belece com o meio. No caso das organizações hu- das interações possíveis entre sistemas viventes
manas, observaremos que falar de acoplamento e seu ambiente.
estrutural nos remete diretamente a contextos

Considerações finais
Como argumenta Damásio (2000), o sentido complexo banco de dados, representado pela
de “eu” (self) em nossa consciência “muda con- memória dos fatos e objetos que permeiam qual-
tinuamente conforme avança no tempo, mesmo quer existência singular. Estes dados podem ser
que conservemos uma impressão de que o self reativados e, neste sentido, oferecerem uma apa-
permanece o mesmo enquanto nossa existência rente “permanência” de nossa identidade. Logo,
prossegue” (p. 278). Ora, parece que Damásio um funcionamento minimamente satisfatório da
chegou à compreensão, por outras vias, do que consciência requer a preservação das estruturas
o filósofo grego Heráclito já havia intuído há 2500 neurológicas envolvidas nesta complexa “dança”
anos, ou seja, o ser não é mais nem menos do que entre um “presente permanente” que escoa dian-
o não-ser e o “verdadeiro” se revela apenas en- te de nossos sentidos e de nossa extensa cadeia
quanto a unidade dos opostos. Nos dizeres de He- de construções alojadas em nossa memória. Sem
ráclito tudo flui, nada persiste, nem permanece o a memória biográfica não teríamos a noção de
mesmo; o devir é e também não é. Daí Heráclito passado, futuro e “intencionalidade” diante dos
compara o fluxo da vida com a corrente de um eventos que surgem a cada momento diante de
rio, que não se pode entrar duas vezes na mesma nossos sentidos. Mas sem a narrativa da consciên-
corrente. cia central, não teríamos nenhum conhecimento
Damásio (2000) alega que as estruturas res- do momento. Logicamente, a consciência central
ponsáveis pela “permanência” da consciência e precede a consciência ampliada. Como bem sa-
de um sentido de “eu” e, por outro lado, do per- bemos, houve um longo período de maturação
manente fluxo da consciência que leva o “eu” a orgânica e civilizatória para que o homem se or-
se atualizar, são sustentados por estruturas neu- ganizasse na linguagem, e assim também o é,
rológicas diferentes. O eu sempre em mudança é analogamente, no processo de desenvolvimento
o sentido de um self central. Este self não muda, ontogenético.
mas é transitório, efêmero, precisa ser refeito, Estas duas “instâncias conscientes” parecem
precisa renascer continuamente, e são as cons- se organizar recursivamente no sentido de ofere-
tantes explorações sensório-motoras as quais a cer uma experiência consciente unificada. Neste
criança vai ampliando em seu processo de desen- sentido, o presente, o momento, são devedores
volvimento que organizam a consciência central. da biografia, já que o presente parece se organizar
Por sua vez, o sentido de “eu” que “permanece” na simultaneidade das possibilidades intencionais
é o self autobiográfico, isto por se basear em um alojadas na memória afetivo-cognitiva. Damásio

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(2000) se aproxima do paradigma construtivista te de um mundo continuado existente ou molda


ao sustentar que a memória de um martelo, por um novo mundo” (p. 210).
exemplo, não está situada em um lugar único em Uma ideia interessante é a de que a concep-
nosso cérebro onde encontraríamos um verbe- ção de um sentido de “eu” enquanto uma ins-
te intitulado ‘martelo’ com uma clara definição tância sólida e rigidamente delimitada é apenas
dicionarizada dessa ferramenta. Por outro lado, fruto de nossa ansiedade existencial. Segundo
existiriam vários registros e em diferentes áreas os autores acima citados, o mundo não pode ser
do cérebro que corresponderiam às diferentes in- encontrado separadamente de nossa incorpora-
terações com esta ferramenta. Estes registros se- ção. Oferecendo, mais uma vez, um suporte neu-
riam construídos, como já vimos, na evolução dos robiológico para este posicionamento, Cândido e
recursos afetivo-cognitivos, a princípio sensório- Piqueira (2002) acrescentam que:
-motores5 e, posteriormente, na continuidade da
vida sensório-motora, mas ampliada pela capaci- “Correlacionando a vivência de um “eu” in-
dade de simbolização. Estes registros podem es- dividualizado à dimensão neuronal, Kandel
tar, em grande parte, dormentes, implícitos, e se (1999) aponta evidências que indicam que
fundamentam em sítios neurais separados. Cor- nosso cérebro não é uma série imutável de
roborando esta questão, devido a algumas lesões circuitos invariantes, mas sim um fluxo do
cerebrais circunscritas, podemos ver um martelo ponto-de-vista estrutural e funcional. Tam-
e não reconhecê-lo até que seja tocado. Mesmo bém para Black, Scott, Robertson e Zachary
assim, salvo estas situações extremas, estes sítios (1990), as sinapses emergem de uma entida-
seriam passíveis de integração assim que fosse de dinâmica inesperada, que se transforma a
evocada uma imagem do objeto. todo momento. Segundo os autores, a essên-
Como já propusemos, a etapa sensório-mo- cia da vida envolve o fato de que níveis mais
tora do desenvolvimento pode ser considerada altos do sistema cerebral transformam con-
como uma fase extremamente sensível. Por pos- tinuamente os níveis mais baixos, nos quais
suir “menos” peso estrutural, está sujeita a maio- os mais altos estão baseados. Esse fenôme-
res flutuações e, em último sentido, a agressões no não admite centro, mas gira em torno de
do ambiente. Quanto mais sensibilidade, mais uma evolução organizada recursivamente,
sujeito a flutuações, danosas ou não, se encontra imprevisível e espontânea, própria dos siste-
o sistema cognitivo da criança. Ao considerarmos mas dinâmicos não-lineares” (p. 668).
que cada vivência sensório-motora deve ser abor-
dada e compreendida segundo uma singularida- Mas se não deveríamos possuir a crença de
de constitutiva, estamos mais aptos para aceitar que existem “fundações” que retratem uma ins-
a existência de uma ampla faixa de flutuações tância consciente sólida e imóvel, como teríamos
sensório-motoras. Estas flutuações seriam decor- sentido de identidade? Damásio (2000) apresen-
rentes de um processamento afetivo-cognitivo tou algumas considerações de como esta relação
potencialmente auto-organizado e, consequen- poderia se estabelecer. Mas tudo nos leva a crer
temente, segundo as peculiaridades e padrões que o sentido imóvel de identidade, de “funda-
auto-organizadores de cada criança. ção”, parece estar baseado, em grande medida,
Como vimos, Piaget (1978) nos apresentou em nossos “traços de caráter” ou no que o bu-
como as fases do desenvolvimento da criança vão dismo chama de “os cinco agregados”. Os cinco
sendo construídas, elaboradas e reelaboradas, agregados são: Formas, Sentimentos-Sensações,
segundo uma lógica psicogenética. Todavia, ao Percepções-Impulsos, Formações disposicionais,
tentarmos explicar como estas interações entre Consciência. De acordo com o budismo, aqueles
sistema e ambiente se fazem, estivemos em bus- que procuram um “self” nos agregados sairão de
ca de aptidões que nos autorizem a organizar um mão vazias. É por esta razão que os agregados são
quadro explicativo das inúmeras possibilidades denominados de “agregados do apego”, já que
de acoplamentos estruturais. Varela et al., (2003) nos aferramos a eles e, com isso, acreditamos que
fazem a seguinte colocação: “Como podemos sa- aí se encontra nosso sentido de “eu”. Segundo o
ber quando um sistema cognitivo está funcionan- budismo, ao acreditarmos que nosso sentido de
do adequadamente? Quando ele passa a ser par- identidade (self) é estabelecido por estes ape-

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gos, instaura-se a roda viciosa do sofrimento e da trário, o sistema não se complexifica e há


compulsão. O apego excessivo a estes agregados aumento do acesso a um maior número de
poderia nos fazer crer que somos apenas deter- estados, o que significa unicamente que o
minadas manifestações “imóveis”, até mesmo repertório aumenta em quantidade de es-
compulsivas, que se repetem dia após dia como tados, mas que há uma qualidade diferente
num “feitiço do tempo”. Como Cândido e Piqueira em cada estado que se sucede no processo
(2002) acrescentam: de auto-organização” (p. 681).

“Quando o “eu” percebe que não contro- Um determinado caminho só existe porque
la tudo, pode haver pane no sistema como ele é aberto com o caminhar. Ainda que possamos
um todo; contudo, muitas das produções trilhar caminhos abertos por outros, as pegadas
psíquicas acontecem justamente nos hiatos que deixamos neste caminhar terão, em última
caracterizados pela falta de controle total instância, as marcas de nossa singularidade. Da
do ego. Nos apegamos às representações mesma maneira, ainda que o processo evolutivo
egóicas e recusamos a ideia de modificação. psicogenético apresentado por Piaget “respeite”
Compreendemos que uma certa desordem uma lógica interna aos organismos e que corres-
é necessária, mas, afetivamente, resistimos ponda (match) à invariantes funcionais comuns a
à ideia até o último segundo. Sem mudan- todas as estruturações de que os organismos hu-
ças, os processos psíquicos vão aderindo ao manos são capazes, enfatizamos que não foram
real, e, sem imaginação, não se criam novos relevados os mecanismos que, em seu sentido
significados; em suma, se não há reciclagem “fino”, se alicerçam por encaixes (fit) decorrentes
do “eu”, as experiências novas adquirem ca- de uma singularidade ontogênica.
racterísticas de um filme já visto. Caso con-

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Notas
(1) Pelo termo “organização” reflitamos sobre a seguinte imagem: uma xícara de café que cai e se que-
bra evidencia a passagem de um estado de maior ordem para a desordem. Todavia, nunca se foi ob-
servado o contrário, ou seja, a xícara se recompondo, o que constituiria uma evolução de um estado
de maior desordem para uma maior ordem. Em “sistemas abertos”, como as organizações humanas,
consideramos que partimos de estados de maior desordem afetiva-cognitiva .

(2) Vejamos um comentário de Damásio (1996, p. 265). “Uma outra fonte de ceticismo vem da noção
de que o corpo teve efetivamente relevância na evolução do cérebro, mas que está ‘simbolizado’ de
forma tão profunda na estrutura do cérebro que já não necessita fazer parte do ‘circuito’. Concordo
que o corpo está bem ‘simbolizado’ na estrutura cerebral e que esses ‘símbolos’ podem ser usados
‘como se’ fossem sinais corporais reais. Mas prefiro pensar que o corpo se mantém no ‘circuito’ por
todos os motivos apontados.

(3) Não devemos desconsiderar as valorosas contribuições de Vygotsky e Luria (1996), as quais “pro-
blematizaram” a compreensão deste complexo processo de desenvolvimento humano e, portanto,
acrescentando importantes elementos que relevavam a vital importância do contexto sociocultural na
construção deste processo.

(4) Alertamos o leitor para a complexidade semântica deste termo. Citemos algumas e, por sinal, acei-
tamos a todas. Vejamos: SENTIDOS – referindo aos cinco órgãos dos sentidos; SENTIDOS – enquanto
compreensão linguística, de significação; SENTIDOS – orientação no tempo e no espaço; SENTIDOS
– enquanto rede de emoções-afetos que “sentimos” ao estarmos incorporados na experiência vivida.

(5) Todavia, Damásio parece desconhecer a obra de Piaget, já que não situa adequadamente o pro-
cesso de manuseio dos objetos a partir de acomodações e generalizações dos esquemas de ação.
Em outros termos, o manuseio do martelo não se limita somente ao passado das experiências com o
martelo, mas também com esquemas de ação mais primitivos de “bater”, por exemplo, que seriam
exercitados com outros objetos e em diferentes situações emocionais.

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