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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

CENTRO DE HUMANIDADES - CH
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS - DLL
CAMPUS CAMPOS SALES
CURSO DE LICENCIATURA M LETRAS

CICERA VAILMA SOARES GOMES

“AINDA ME DIZ QUAL É A COR DESSE FOGO...” ANÁLISE DO DISCURSO


POLÍTICO PRESENTE EM OS TRANSPARENTES, DE ACORDO COM OS
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ENUNCIADO DA TEORIA DIALÓGICA

CAMPOS SALES - CE
2022
CICERA VAILMA SOARES GOMES

“AINDA ME DIZ QUAL É A COR DESSE FOGO...” ANÁLISE DO DISCURSO


POLÍTICO PRESENTE EM OS TRANSPARENTES, DE ACORDO COM OS
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ENUNCIADO DA TEORIA DIALÓGICA

Trabalho de Conclusão de Curso - apresentado ao


Curso de Letras da Universidade Regional do Cariri-
URCA, Campus Campos Sales, para a obtenção do
diploma de Licenciatura em Letras, sob a orientação
do professor Esp. Flávio de Alencar Matos Júnior.

CAMPOS SALES – CE
2022
CICERA VAILMA SOARES GOMES

Cícera Vailma Soares Gomes1

RESUMO: Este trabalho apresenta, a partir da Teoria Dialógica, uma proposta interpretativa
dos enunciados que apresenta aspecto do discurso político presente em Os transparentes
(2013), de Ndalu de Almeida, chamado popularmente de Ondjaki. Através da teoria
poderemos notar como o discurso político está presente na obra e como esse discurso reflete a
realidade social de Angola, através das diversas críticas que a narrativa apresenta. No âmbito
da pesquisa, será apresentada os elementos constitutivos do enunciado, de acordo com
Bakhtin, o que nos dará suporte para análise aos discursos políticos dos “transparentes”, ou
seja, aqueles que não eram enxergados dentro da sociedade, assim como o posicionamento da
classe em que se concentrava todo o poder. Para compreendermos as vozes, com as quais o
discurso político de Os transparentes dialoga, apresentamos uma breve descrição histórica do
processo de colonização e independência de Angola. Com isso, concluímos que o poder se
concentra somente nas mãos dos políticos de Angola, os quais ainda hoje, desenvolvem uma
política de exploração e opressão, trazendo consequências irreversíveis para a identidade dos
moradores de Luanda, os quais sofrem com as marcas desse horrendo processo de exploração.

Palavras-Chave: Discurso político. Enunciado. Exploração.

1
Graduando(a) em Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA. E-mail:
vailmaletras290@mail.com
3

INTRODUÇÃO

Analisar os discursos na obra Os transparentes, de Ondjaki, faz com que possamos


obter uma interpretação mais ampla da sociedade, pois notaremos que os fatos os quais serão
apresentados através dos enunciados, fazem com que seja levantado um posicionamento
acerca da organização da sociedade da época, assim também, como ver quais foram os traços
que perduram até a atualidade. Partindo dessa perspectiva, o artigo visa apresentar uma
análise dos enunciados que remeterá o entendimento aprofundado dos discursos que serão
apresentados e ressaltar como a compressão correta deles é fundamental para estabelecer a
relação e interpretação entre os sujeitos nos contextos aos quais estejam inseridos.
Pretende-se, através deste artigo, analisar os enunciados que apresentam o discurso
político no romance Os transparentes (2013) partindo da importância que eles possuem para a
compreensão mais complexa da obra. Assim, convém apresentar a historiografia de Angola,
pois o entendimento do período histórico que o continente estava inserido é crucial para
entender a história por trás de toda exploração que será exposta adiante. Acrescentar também
que a teoria dialógica será a principal contribuidora para a análise dos enunciados que serão
apresentados, tendo em vista que ela busca a interação dos sujeitos através da linguagem. E
por fim, apresentar a análise dos enunciados da obra através dos constituintes do referido
enunciado, pois será através deles que o leitor poderá notar a criticidade que a obra apresenta.
Falar da historicidade do continente angolano nos remete a uma lembrança
conflituosa, porque como veremos adiante Angola foi um dos países que mais sofreu com as
marcas históricas das guerras Fria e Mundial e que essas marcas foram tão severas que ainda
refletem na sociedade do continente na atualidade, mas também é necessário mostrar que o
país possui uma cultura rica e diversificada que não existe somente pobreza, como muitas
vezes é vista. Sendo assim, por possuir esse atrativos e recursos o país acabou sendo alvo da
exploração e da colonização portuguesa.
Convém apresentar a teoria a qual nos basearemos no desenvolver de toda pesquisa, a
qual se fundamenta no princípio dialógico de análise, especificadamente nos enunciados
concretos voltados para a esfera político e social, presentes na obra Os transparentes. A teoria
dialógica nos proporcionará uma visão interpretativa mais ampla quanto aos enunciados que
serão apresentados.
Dando continuidade, a obra busca descrever fielmente a posição das pessoas pobres
que são vistas dentro da sociedade como transparentes e, por outro lado, a posição das não
transparentes, como a classe rica e seu posicionamento em relação ao grupo mencionando
4

anteriormente. Assim, cabe acrescentar que os ricos só se importavam com recursos


financeiros e com a exploração que poderia beneficiar a sua classe, dessa forma enriquecendo
cada vez mais o seu patrimônio.
Diante do que foi apresentado, é importante mencionar o tipo de pesquisa feita neste
artigo, a qual caracteriza-se como bibliográfica, pois foi baseada em estudos dos autores como
Bakhtin(2016), Adail Sobral(2009) e Gioccomeli(2013) os quais serviram de base para todos
os posicionamentos levantados na pesquisa e também as suas contribuições foram cruciais
para a análise de enunciados, frases e a lexicografia de alguns trechos para que pudesse ser
notado a crítica à política presente nos discursos que serão apresentados no romance.

1. GÊNERO DISCURSIVO E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ENUNCIADO


SEGUNDO A ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO - ADD:

Considerado um dos maiores pensadores do século XX, Mikhail M. Bakhtin é um


reconhecido teórico no campo da filosofia, da literatura, da linguagem e do discurso. É notória
a vasta contribuição de Bakhtin e do Círculo na construção de uma sólida e diferenciada
posição diante da linguagem e da vida, dialogando polêmica e produtivamente com a
linguística, o formalismo, a psicologia, a filosofia e o marxismo, no sentido de produzir
conhecimento linguístico, literário, filosófico, elegendo o diálogo como o fundamento de sua
concepção da linguagem a partir do método sociológico.
Assim, Bakhtin e o Círculo desenvolvem o princípio dialógico de análise que se
fundamenta, basicamente, na interação entre os sujeitos mediante o diálogo, materializada em
enunciados concretos. É nessa perspectiva que iremos analisar os enunciados concretos,
especificamente de cunho político e social, presentes na obra Os transparentes, romance do
autor Ndalu de Almeida, também bastante conhecido pelo pseudônimo de Ondjaki.
Desenvolver uma análise dialógica do discurso, exige-se obrigatoriamente, em menor
ou maior nível, considerar a concepção de Bakhtin e do Círculo em relação ao gênero
discursivo e o enunciado, sendo este a unidade daquele. Por isso, iremos apresentar
brevemente, devido ao espaço limitado que temos no gênero artigo, a definição dessas duas
noções em Bakhtin. Em relação aos gêneros discursivos Bakhtin irá afirmar que:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da


linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse
uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que é
claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos,
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proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.


Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada
referido campo não só por seu conteúdo (temática) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicas e
gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção
composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a
construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do
enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um
determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciação
particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros
do discurso. (BAKHTIN, 2016, p. 11-12, grifo do autor).

O nosso trabalho se preocupa justamente em analisar os enunciados “relativamente


estáveis” pressente na obra Os transparentes, nos momentos em que o foco temático são
aspectos políticos e socais que dialogam com os fatos históricos dos angolanos. É evidente
que as falas dos personagens é um aspecto importantíssimo, pois sabendo que os gêneros do
discurso apresentam riqueza e diversidade, esse aspecto, possibilita inúmeras manifestações
quando se trata das relações das linguagens humanas. Portanto, deve-se salientar que o gênero
propriamente dito, é complexo por abordar tanto a linguagem oral quanto a escrita e que
fazem referência exatamente a linguagem do cotidiano presente na narrativa, dessa forma,
dando espaço para a linguagem política a qual retrata muito bem os interesses defendidos, os
quais eram unicamente da classe política de Angola.
É cabível mencionar que os estudos de gêneros discursivos proposto por Bakhtin
transformou a forma de como o conceito é visto dentro das análises discursivas, porque ela
faz com que possamos compreender algo que está além, através da análise da linguagem, seja
oral ou escrita. Tendo como base o que foi mencionado anteriormente, buscaremos fazer uma
abordagem sobre a perspectiva dialógica, com o fito de estabelecer as conexões contextuais
para apontar o sentido dos enunciados que serão destacados da obra. Então, dessa forma,
partindo do pressuposto das noções da Teoria Dialógica, é cabível apresentar o comentário
feito por Brait, a respeito dos estudos dos gêneros discursivos:

Os estudos de Mikhail Bakhtin desenvolveram sobre os gêneros discursivos


considerando não a classificação das espécies, mas o dialogismo do processo
comunicativo, estão inseridos no campo dessa emergência. Aqui as relações
interativas são processos produtivos de linguagem. Consequentemente,
gêneros e discursos passam a ser focalizados como esferas de uso da
linguagem verbal ou da comunicação fundada na palavra. (MACHADO,
2005, p. 152).

Diante do que foi apresentado, notamos que o autor revoluciona a percepção sobre
gêneros do discurso, pois é notório que a linguagem possibilita várias manifestações diante
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das diversas esferas de comunicação. Para que possamos ter o entendimento adequado, é
relevante evidenciar, primeiramente, o que é enunciado partindo da percepção de Bakhtin e do
Círculo, o qual conceitua enunciado da seguinte forma:

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada


referido campo não só por seu conteúdo temático e pelo estilo da linguagem,
ou seja, pela seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da
língua, mas acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses
três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional -
estão indissoluvelmente ligados ao todo do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação
(BAKHTIN, 2003, p. 261-262).

A partir do posicionamento de Bakhtin, é notório que o enunciado traz uma reflexão


sobre como a linguagem verbal é a base da comunicação para os discursos, porque parte do
concreto até chegar ao abstrato da língua e que assim pode extrair uma significação distinta
dentro da sociedade, pois dependendo de como será feita a análise, seja de forma individual
ou social, ela apontará para uma perspectiva diferente. Logo, a forma da pesquisa pode mudar
consideravelmente, isso, se a fala a ser analisada for influencia para os demais contextos.
Como será realizado o estudo dos enunciados, é relevante mencionar três elementos
fundamentais que o constituem, os quais são eles: Expressividade, Referenciabilidade e
Endereçabilidade. Cada um dos aspectos mencionados, possui sua significância em relação a
construção de sentido dos enunciados e, por este motivo, faz-se necessário conceituar cada um
deles.
A princípio, será conceituado a expressividade, também conhecida como entoação
avaliativa a qual se caracteriza como: “uma dada posição social, que resulta da relação do
sujeito com o outro nas circunstâncias concretas de sua interação” (SOBRAL, 2009, p. 84).
Tendo como base essa referência, fica nítido que a expressividade só é possível quando há
interação entre os sujeitos e a compreensão por parte de ambos. E importante destacar o
posicionamento de Volóchinov, em A palavra na vida e a palavra na poesia, onde ele diz:

“A entonação estabelece um vínculo estreito da palavra com o contexto


extraverbal: a entonação viva parece levar a palavra para seus próprios
limites. [...] A entonação está sempre na fronteira do verbal e do não
verbal, do dito e do não dito. Na entonação a palavra contrata imediatamente
com a vida. É, sobretudo, na entoação que o falante contata com os ouvintes:
a entoação é social par excenllence”. (VOLÓCHINOV, 2013, p. 82, grifo do
autor).
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A partir do fragmento apresentado por Volóchinov, fica claro que se analisarmos


separadamente determinada palavra, comprometerá sua significação, porque cada uma tem
seus próprios limites como ele menciona no fragmento acima e ainda, elas precisam de um
contexto para poder demostrar sua expressividade
Convém apresentar outro ponto bastante importante dentro das análises de discursos,
que é a referenciabilidade a qual consiste em um fato de que o enunciado fala de alguma coisa
do mundo, tanto pode ser apresentado de forma concreta como abstrata. Sendo assim,
notamos que esses fatores estão interligados entre si, pois não existe referenciabilidade sem
expressividade, assim como não existe abstrato sem concreto.
Para complementar o que foi exposto, utiliza-se da fala de Bakhtin para o qual
apresenta a seguinte definição:

Todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. É a posição


ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido. Por isso
cada enunciado se caracteriza, antes de tudo, por certo conteúdo semântico-
objetal. A escolha dos meios linguísticos e dos gêneros de discurso é
determinada, primeiramente, pelas tarefas (pela ideia) do sujeito do discurso
(ou autor) centradas no objeto e no sentido. É o primeiro elemento do
enunciado que determina as suas peculiaridades estilístico-composicionais.
(BAKHTIN, 2016, p. 46 e 47).

Nesse caso, Mikhail vem reafirmar que os elementos mencionados acima precisam
estar interligados, porque fazem parte do enunciado, e como ele diz: “Todo enunciado é um
elo na cadeia de comunicação” (BAKTHIN, 2016, p. 46-47). Sendo assim, necessitam estar
interligados, ele ainda acrescenta que o enunciado parte de uma estrutura, pois assim terão
uma posição dentro dos gêneros.
E por fim, apresentamos o terceiro e último elemento pertencente ao enunciado, o qual
se caracteriza por endereçabilidade. A endereçabilidade consiste em uma dada mensagem
chegue a um determinado participante sem interferências relacionadas ao contexto de
interação.
Portanto, os gêneros discursivos são constituídos por enunciados, cujo objetivo é
atender às necessidades da interação verbal, ou seja, a comunicação passa a se constituir como
um processo vivo, dinâmico, em constante mudanças de acordo com a Sociedade em que está
inserida. Contudo, para finalizar, fica claro que os princípios de análise de discursos ADD se
constituem através de enunciados, os quais são praticados através da linguagem, seja em obras
literárias como o caso do romance Os transparentes ou na comunicação entre os sujeitos no
dia-a-dia, e que o objeto de estudo desses enunciados é o uso da língua dentro de contextos,
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não se baseia em hipótese nenhuma em análises gramaticais, pois o que é levado em


consideração são as manifestações significativas da língua.
Tendo em mente a noção de gênero discursivo e os elementos constitutivos dos
enunciados, basta definir um método de análise de acordo com os princípios da análise
dialógica, o qual Sobral e Giocomelli esclarecem bem ao afirmarem que:

A ADD estuda a língua e o discurso. Suas propostas não esquecem a língua,


mas se concentram no que está além da língua: o uso da linguagem no
discurso, a enunciação, a interação como lugar em que nasce o sentido. Para
analisar seu objeto, que é a interação, o intercâmbio verbal, a troca
linguística, a ADD leva em conta as relações dialógicas (que envolve a
presença das palavras dos outros naquilo que dizemos), as relações entre o
sistema linguístico (estudado por Saussure, por exemplo) e o uso da língua
ou linguagem (estudado pelo que a ADD chama de translinguística, que está
além da linguística porque considera um objeto que não é o dessa disciplina,
mas que incorpora o objeto dela). (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, p.
1091).

A partir do conceito apresentado pelos autores, fica evidente que a análise de discursos
ADD vai além da língua, ainda é relevante mencionar que esses discursos não se constituem
apenas de alguns trechos de linguagem, mas deve ser levando em consideração o lugar e
também as relações empregadas para que a compreensão possa ir além do que está escrito.
Que é o caso do enunciado, que a partir dele há uma interação entre o que o foi dito e o
sentindo que o contexto estabelece.
E por fim, faz-se necessário elencar que a análise do discurso ADD é importante
porque como já foi explicitado no parágrafo anterior, ela não leva em consideração somente a
língua mas sim os aspectos que vão além do que está empregado em um determinado
contexto, e com base nisso, podemos observar como esses aspectos presentes na obra Os
transparentes foram importantes para compreendermos o contexto histórico presente na
narrativa . Que foi um contexto de exploração e dominação ao povo angolano .

2 O FIM DA GUERRA NÃO É O FIM DA GUERRA: Historiografia de Angola

Luanda é a cidade

Luanda é a cidade
que não se sabe se é cidade
se é país
Tanto país se encontra nela
tanta cidade compõe este país
tão país e tão cidade
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Luanda mulher criança velha


homem que por ela morre e vive
do Mucussu às alturas do Belize
(Costa Andrade)
A obra Os transparentes (2013), ambientada na cidade de Luanda, uma cidade
habitada por pessoas que vivem e compartilham seus afetos e suas memórias, representa toda
a complexidade humana do povo angolano que desejam, choram, festejam, lutam e fantasiam.
Ter uma ideia da historiografia de Angola é fundamental para compreendermos como os
personagens tipos presentes na obra, fazem referência a uma herança de lutas e exploração,
fatores que continuam presentes no imaginário dos angolanos e que acaba sendo refletido na
obra. Dessa forma, portanto, apresentaremos um pequeno resumo da historiografia de Angola,
dado o espaço que temos neste trabalho, por considerarmos importante para a compreensão
dos discursos que serão analisados.
Focando ao objetivo deste capítulo, o qual apresentará uma visão de Angola que vai
além dos estereótipos empregados na nossa cultura, como por exemplo, o estereótipo
apresentado pelo comediante Romeu Evaristo, com o malandro angolano, no programa de
televisão Zorra Total, sabemos que Angola vai além dessa percepção. É necessário mostrar
que o país possui uma cultura rica e diversificada, que apesar de ter sido alvo da exploração e
da colonização portuguesa, mas que ainda assim tem sua história, valores e atrativos culturais
que nos remete a um outro ponto de vista.
Observemos o posicionamento de Ferro a seguir:

Imprescindível levar em conta o passado dessas sociedades [colonizadas],


pois dele dependeu amplamente a relação entre colonizadores e colonizados.
Hoje não mais se considera, como se fazia antigamente, que esses povos não
tiveram história; já não se fala em “séculos obscuros”, e sim em “séculos
opacos”, já que incompreensíveis para os que entravam em contato com
aqueles povos. (FERRO apud SILVA, 2016, p. 155).

Quando os portugueses chegaram ao continente, encontram a economia em


desenvolvimento, organizada em grupos, e cada um deles desenvolvia um papel dentro da
sociedade. Os principais grupos eram: Banto e Khoisam. Tais grupos tiveram uma
importância significativa para a história do país, porque foram os primeiros a residir e iniciar
a economia no território angolano. E apesar de quando eles, os portugueses, chegaram nas
terras africanas, já haver um povoamento ali, quiseram romper com os costumes e as tradições
dos povos que se encontravam no local. Inclusive, um outro fator importante e que se torna
relevante mencionar, é a questão das escravizações que ocorreram na época, as quais foram
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cruciais para um período de dominação aos povos locais. Circunstância que levou a uma
verdadeira escamoteação das terras, segundos os portugueses “descobertas”. Ressaltando que
a culminância dessa catástrofe histórica, se deu quando os recém-chegados, começaram a
fazer o comércio dos escravos africanos. Vejamos a seguir o que CAPELA (1978, p. 40) diz
sobre esse fato:

Nos séculos XII e XIII o comércio dos escravos fazia-se por todo o país e era
semelhante a do gado cavalar. A escravatura viria a manter-se até os tempos
modernos. Quando os portugueses passaram ao continente africano, levaram,
portanto, consigo, uma experiência e um proveito da escravatura, que bem
conheciam. O fazer escravos nada tinha de novo para a aventura que
começava.

Diante disso, o tráfico de escravos não aconteceu somente nos territórios africanos,
mas essa conduta já era típica dos colonizadores portugueses que utilizavam as pessoas
colonizadas como objetivo de enriquecer ainda mais a elite portuguesa. Não tinham a mínima
empatia, somente vendiam sem nem um pudor e cada vez mais enriqueciam o seu patrimônio.
Assim, avaliando o contexto atual de Angola, notamos a grande herança deixada a cultura do
país, assim como a desigualdade social, exploração as classes mais pobres e o prevalecimento
dos ideais políticos, são marcas da colonização que mesmo sendo independente, ainda reflete
atualmente em Angola.
Para falar da historicidade de Angola é necessário ressaltar alguns acontecimentos
ocorridos durante o desenvolvimento da nação, tais como um grande combate anticolonial
contra os protagonistas da colonização angolana que também estavam diretamente
relacionados com a Guerra Fria, fato que ocorreu entre os anos de 1947 e 1991, que se
caracterizou como uma série de conflitos entre a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos
da América (EUA).
Portanto, partindo do pressuposto de que as guerras foram cruciais para historiografia
de Angola, torna-se relevante mencionar os dois movimentos principais desenvolvidos para
despertar a atenção dos povos angolanos para lutar pela independência da nação e a atenção
nacional, foram eles: O Movimento Popular de Libertação da África(MPLA) e a União das
Populações do Norte de Angola (UPNA). Esse cenário de conflitos se relaciona com a história
de Angola, porque mesmo entre disputas, os nacionalistas angolanos buscavam acordos com
os colonizadores, aqueles tinham por objetivo melhores condições para o país. Acordo, este,
caracterizado como Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) que buscava
tornar à nação independente de Portugal. Contudo, os problemas que ocorreram durante a
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colonização fazem parte da cultura do país, e isso é incontestável. Assim, faz-se necessário ter
conhecimento da periodização histórica que, consequentemente, a partir da compreensão dos
fatos apresentados, o preconceito desnecessário que ainda assola a sociedade na
contemporaneidade deixará de existir, pois esse cenário repugnante ainda reflete bastante,
mesmo pós-independência.
Nessa sequência, deve-se mencionar que as marcas presentes na cultura dessa pátria,
como já foi explicitado, fundamenta-se nas Guerras Fria e Mundial, pois elas foram as
principais contribuidoras para o processo histórico do país, e que esse episódio transformou
Angola alvo de políticos. Com esse cenário conflituoso das guerras é relevante mencionar que
elas atingiram de forma significativa a história do território africano, porque as disputas por
territórios fez com que Angola fosse dividida, pois o território africano acabou sendo
separado em partes, tais como: (Republica de Vichy, de De Gaulle) que ainda foram
separadas em duas partes( África- Ocidental e África-Equatorial), esses, foram fatores cruciais
que fizeram com que o colonizador e o colonizado lutassem juntos, porém pelas ideais do
primeiro.
Tendo em vista que, apesar das opressões portuguesas contra os povos da região, o
MPLA continuava firme e forte nas buscas pelos seus ideais e foi quando conseguiram a
ascensão do plano que propunha definitivamente a independência do país, essa conquista fez
com o território africano ganhasse aliados. Dessa forma, proporcionaram à Angola uma
representação melhor no quesito acessibilidade territorial, fato que fortalecia o Estado e
gerando também ambição por partes das outras organizações. Com base nessas informações,
Davidson apud SILVA, 2016, p.162 ainda complementa que: “parece-me inquestionável que o
MPLA é hoje o único movimento nacional em Angola – o único movimento, isto é, que
ganhou o apoio da maioria dos grupos étnicos na maior parte do país – e, além disso, que o
MPLA é o único movimento com qualquer força combatente eficaz”. Então, diante do
podemos ter uma noção da importância do MPLA para que esse plano, o qual tinha por
objetivo a independência de Angola, ganhasse tanto espaço dentro do país no decorrer do
tempo que obteve um grande reconhecimento, assim, tornando-se o único movimento de
defesa dos interesses dos angolanos.
Acerca dos progressos dos angolanos mencionados aqui neste artigo, é importante
mencionar que o território africano ficava cada vez mais próximo de sua independência, e um
fator crucial que corroborou para essa conquista foi o declínio do império de Marcelo
Caetano, português que assumira o posto de Salazar o qual estava à frente da organização da
guerra portuguesa no território africano, o primeiro havia prometido tomar a frente das
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organizações para tornar Angola independente, mas acontece que as decisões a serem tomadas
pelo presidente não estavam sendo providenciadas e, então, as outras organizações como JSN(
Junta de Salvação Nacional) e o MFA ( Movimento das Forças Armadas) tentaram reverter a
situação, mas não foi fácil entrarem em consenso quanto a uma decisão imediata para a
questão das guerras presentes em Angola. E, além do mais, as possíveis soluções propostas
pelas organizações não pareciam resolver o problema, pois toda a sociedade do país cobrava
medidas eficazes para solucionar o problema da colonização.
Conforme o que foi mencionado, é importante também destacar o posicionamento de
Peixoto apud Pouchin, o qual ressalta a seguinte questão:

Quando aceitei a pasta dos Negócios Estrangeiros, tinha uma ideia para levar
a bom termo a descolonização. Pretendia fazer assinar rapidamente um
cessar-fogo nos territórios em guerra, para acabar com ela localmente. Mas
tinha de respeitar o presidente Spínola, o qual possuía os seus próprios
pontos de vista nessa matéria. Ele desejava a constituição de um processo
sob controlo armado, para chegar a uma espécie de “Commonwealth
portuguesa”. Numa altura em que a opinião pública apelava à manifestação
nas ruas a favor das independências, da fraternidade e da paz, isso era
claramente impossível. A população reclamava o regresso dos seus soldados
ao País. As tropas portuguesas estacionadas no Ultramar começavam,
também elas, a confraternizar com os nacionalistas. A política de Spínola
era, por conseguinte, irrealista. (PEIXOTO apud POUCHIN, 2003, p. 55).

Nesse fragmento, Peixoto vem afirmar que esperava que o processo de descolonização
da África acontecesse de forma mais rápida, sendo que esse, já estava encaminhado. Mas que
encontrava um outro problema em relação a esse fato, que era exatamente a questão de a
população reivindicar severamente medidas para a independência acontecer. Como as
manifestações que ele cita.
Diante das opressões, JSN, publicou de forma oficial no dia 9 de agosto do ano de
1974, que aconteceria o processo da retirada dos colonizadores no território angolano, para tal
decisão foram feitas reuniões entre grupos nacionalistas do país para decidir de vez a
independência de Angola de Portugal. À medida que o tempo passava, mas problemas
surgiam referente à independência do país, como por exemplo: o suposto acordo realizado não
constava com a participação da classe política de Angola e, ainda que, deixava implícito que
alguns traços poderiam ser mantidos com Portugal. Esse fator evidencia que a solução desse
problema apresentado não estava tão próxima assim de ser solucionado e quanto mais o
tempo passava mais a insatisfação dos grupos sócio-políticos e dos povos se tornava visível.
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Diante do exposto, neste artigo, chegamos à conclusão que o fim da guerra em


Angola não foi o fim da guerra, pois quanto mais os grupos angolanos lutavam pelos seus
direitos, mais problemas surgiam, o porquê disso acontecer é porque cada grupo apresentado,
que aparentemente lutavam pelos direitos dos angolanos, tinham segundas intenções, eles
queriam que o poder se concentrasse em suas mãos, então, quando de fato estavam perto
conseguiram a tão batalhada independência, vinha um outro grupo e se manifestava, fazendo
com que os traços drásticos desse processo barulhento se estendesse ainda mais.

3. ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO DE ACORDO COM OS ELEMENTOS


CONSTITUTIVOS DO ENUNCIADO DA TEORIA DIALÓGICA

O romance Os transparentes, escrito pelo o autor africano Ondjaki, apresenta uma


versão literária ficcional baseada em histórias distintas permeadas na imaginação dos
moradores de um determinado bairro de Luanda, esta que se constitui como a capital
administrativa e política de Angola. As histórias narradas são vivencias de pessoas simples e
extraordinárias das mais variadas faixas etárias. A narrativa conquista o leitor pela sua
linguagem bem-humorada, mas que busca através desses recursos denotar a divisão de um
país colonizado que apesar de ter sofrido por muito tempo com a exploração é relativamente
moderno, e ainda as consequências da colonização que perdurou no continente. O contexto
desse romance está inteiramente relacionando a exploração a qual atingia os moradores
daquela cidade, aspecto que faz alusão direta ao contexto histórico mencionado, pois como foi
explicitado, as marcas desse processo histórico ainda refletem na sociedade atual de Luanda.
Assim, cabe destacar que o romance foi publicado em 2013 pelo poeta e escritor
africano, Ndalu de Almeida, também bastante conhecido por Ondjaki. Ele proporciona uma
reflexão que remete críticas à política, à cultura, à economia, ao Estado e a todas as mazelas
sociais atuais que o cotidiano das personagens aborda.
O romance apresenta como o sistema político de Angola é tóxico quando se trata de
poder, dinheiro e exploração. Ondjaki, retrata isso apresentando um edifício de sete andares
onde o prédio possui fundamental importância, tendo em vista que ele é considerado uma
representação fidedigna da sociedade, sendo no prédio que acontecem as principais cenas do
romance. Localizado no centro de Luanda, nele moram os vários personagens tipos
apresentados pelo autor, os quais possuem nomes curiosos e uma característica peculiar,
assim ele desperta facilmente a atenção do leitor. Cabe citar: AvóKunjikise, mãe adotiva de
Xilisbaba, ela que é a esposa de Odonato. E relevante também falar de MariaComForça, do
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Cego, do CamaradaMudo, de Edú e por fim de Odonato. Esses personagens representam os


transparentes dentro da obra, ou seja, a classe de pessoas pobres, negas, desempregadas e
enfermas que não são vistas dentro da sociedade. E por pertencerem a parte inferior da
pirâmide social, não são enxergadas pelas políticas públicas angolanas. O que resulta a um
processo de subordinação a classe onde se concentra o poder e o dinheiro.
Para que possamos compreender a questão da crítica apresentada por Ondjaki,
precisaremos nos apoderar da teoria dialógica a qual nos remete a uma inquietação em relação
ao significado de “transparente” dentro da obra. O que nos leva a seguinte indagação: Qual
seria o intuito do romancista ao utilizar o enunciado “Os transparentes” como título e dar
ênfase a ele dentro do romance? Para que pudéssemos responder à pergunta fomos buscar
respostas em BAKHTIN (2016, p. 11) especificamente em Os Gêneros do discurso (2016)
“Esses enunciados refletem as condições especificas e as finalidades de cada referido campo”.
Com base nas palavras do autor chegamos a conclusão de que o campo referido no enunciado
se trata da crítica voltada a sociedade de Angola e que o intuito é apresentar através dos
personagens transparentes como ela acontece. Ele ainda diz que devemos partir de reflexões e
condições especificas. Então com base no que disse Bakhtin, observaremos a seguir
especificadamente a condição de cada personagem dentro da obra.
Iniciaremos falando sobre o Cego, o primeiro transparente que será apresentado aqui
neste artigo, que cansado de ver feiuras sociais, econômicas e políticas, resolve não mais
enxergar, tornando-se cego. E assim, dando continuidade, falaremos do CamaradaMudo, que
mesmo possuindo a habilidade da fala, por opção decide renunciar a voz e se contentar em sua
função, que desempenhava muito bem, a de descascar batatas. Calando-se para todas as
injustiças impostas a eles. E relevante mencionarmos outro transparente que é o Edú,
personagem que na obra apresenta um mbubi (hérnia) mas que deixasse acomodar pela
enfermidade e notamos que a cidade não disponibilizava de um a estrutura adequada para que
ele pudesse tratar a sua enfermidade em Luanda, assim, sem fazer nada, seus dias ficaram
resumidos olhar a vida passar pela janela, mudando totalmente a vida de boêmio e festeiro.
E para finalizar, venho apresentar o personagem Odonato, que de forma geral representa todos
os transparentes na obra. Porque ele é quem demonstra fielmente a transparência, tanto
socialmente quanto fisicamente. Pois cansado de sofrer com a miséria, desemprego e
desigualdade, deixa de sentir fome, faz um regime social, e por consequência disso vai aos
poucos desaparecendo.
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Com base no que foi descrito anteriormente de cada personagem, notamos que o
romancista Ondjaki quis desde o título despertar a curiosidade do leitor para o significado de
transparente, que agora conseguimos perceber que é voltada para os subalternos de Luanda.
Com base no que foi exposto anteriormente, notamos que a transparência apresentada
representa a subordinação dos personagens do romance a não questionar absolutamente nada
que os políticos corruptos impunham, sendo que tais imposições não aconteciam de forma
harmônica e mesmo assim os transparentes aceitavam. Sendo assim, essa questão, nos leva a
outro discursão, a qual nos basearemos em Bakhtin. Vejamos o que ele diz sobre a questão:
“A língua é deduzida da necessidade de autoexpressar-se, de objetiva-se.” (BAKTHIN,2016,
p.23)
Então, notamos que a questão de os personagens não se expressarem a determinadas
situações fez com que acontecesse a transparência e isso fez com que estivessem sempre
subordinados mesmo que indiretamente a todas as imposições empregadas pela classe
política. Mas e por que eles não “autoexpressavam”, como diz Bakhtin? Essa indagação faz
que levemos em consideração o contexto social que os personagens estavam inseridos,
porque eles acreditavam que nada podiam fazer para reverter tal situação, acreditavam
também que a condição social e as dificuldades enfrentadas não estavam diretamente
relacionadas a eles, podemos comprovar isso na conversa de Odonato e sua esposa Xilisbaba:
“ não somos transparentes por não comer... nós somos transparentes porque somos pobres”
(ONDJAKI, 2013, p. 130). Então, fica claro que a questão de não se posicionarem está
relacionado a questão da condição social que cada indivíduo representa dentro da sociedade.
Partindo do pressuposto da análise do discurso, assunto que abordaremos neste
capitulo, é importante apresentar o seguinte conceito discurso político:
Dadas as características do discurso político e sua abrangência enquanto uma
maneira particular de articular a linguagem em momentos de disputa pelo
poder e/ou cooperação para o bem-estar sociopolítico de uma população
pelos seus agentes políticos em situações oficiais. (Revista Moura- Edição
47-Jan 2017.p 144)

Diante da definição, percebe-se que o conceito apresentado está diretamente


relacionado ao romance, pois como veremos adiante nas análises, Os transparentes traz
conflitos relacionados a dinheiro, interesses políticos, disputa pelo poder, bem-estar
sociopolítico, dentre outros. Outro aspecto importante que deve ser mencionado é a questão
da linguagem apresentada nos discursos que serão analisados, porque será a partir delas que
notaremos como os enunciados concretos no campo do discurso político se apresentam de
acordo com cada figura revestida de autoridade. Ou seja, levaremos em consideração o que é
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dito, quem diz, para quem diz e como é dito. Porque tudo isso, influencia na construção do
sentido.
Nessa perspectiva, iniciaremos a análise com a curiosa indagação feita pelo Cego, umas
das personagens principais do romance, o qual diz o seguinte: “- Ainda me diz qual é a cor
desse fogo...” (ONDJAKI, 2013, p. 9). Esse acontecimento abre e fecha a narrativa, por ter
esse aspecto, caracterizando-se como um romance circular, narrado em terceira pessoa.
Assim, logo no início do romance o leitor se depara com um deslocamento temporal
apresentando o final do enredo, ou seja, o cenário da cidade em chamas. Salienta-se que o
incêndio ocorrido no prédio foi decorrente da exploração de petróleo que a elite política
tentou extrair dos subsolos de Luanda, sendo que a cidade não possuía condições físicas
nenhuma para um movimento tão brusco. Contudo, o vendedor de cochas só consegue a
resposta para indagação inicial feita pelo cego no final da narrativa. Portanto, fazendo
referência ao discurso político baseado no início da narrativa, iremos analisar neste capítulo
os enunciados apresentados pelo narrador através dos personagens.
Nesse sentido, iniciaremos as análises fazendo o estudo da conversa entre os amigos
PauloPausado e ArturArriscado focando na esfera política que será o objeto de estudo deste
trabalho. Cabe analisarmos o seguinte enunciado:

Cipelinos é o nome que eu lhes dei, são os tipos da CIPEL: Comissão


Instaladora do petróleo Encontrável em Luanda, estão a montar tudo
nos subterrâneos para sacarem o petróleo − aqui em Luanda? − aonde mais...? ó
comadre, vê lá se a próxima cerveja está bem gelada lembras-te daquele estudo dos
80 anos? não se pode fazer isso. aquela maka das placas tectônicas −mas a
tecnologia está mais avançada. Inventam-se placas. a coisa parece que dá para
aguentar
−vou precisar de mais informações, ManRicas
−não posso. todos que estivemos nessa reunião fomos ameaçados. Qualquer coisa
que saia nos jornais, fomos nós.eu nunca te disse nada. só te falei do que está na
boataria geral. (ONDJAKI, 2013, p. 84).

A partir da conversa entre os amigos, notamos nesse fragmento da obra que a pauta
da conversa refere-se claramente a extração do petróleo que estava para acontecer em
Angola e com base na análise desse enunciado, baseando-se na expressividade, como já foi
citada anteriormente, caracteriza-se como algo que resulta da relação do sujeito com o outro
nas circunstâncias concretas de sua interação, podemos notar a desconfiança do Jornalista
PauloPausado sobre se o procedimento de extração era de fato seguro, pois ele tinha medo
que o procedimento não fosse confiável para a população luandense. Tendo como base esse
constituinte do enunciado, podemos observar as incertezas, medos e desconfianças através das
circunstâncias presente no diálogo. A expressividade faz com que observemos todas as
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circunstâncias da interação entre os sujeitos, e a circunstância presente, partido da análise de


enunciado acima, deixa explícito a questão de o poder prevalecer e o que comprova essa
afirmação, é quando os oficiais da CIPEL (Comissão Instaladora de Petróleo Encontrável em
Luanda) descobrem que embaixo dos subsolos existia petróleo, mas que a cidade não tinha
estrutura física para a extração. E mesmo assim, diante das circunstâncias, sem se importar
com as consequências ou riscos que os luandenses estavam correndo, os representantes
resolveram explorar. Portanto tais descobertas resultaram no medo dos moradores, pois não
sabiam das consequências.
Ainda sobre a análise do enunciado, mas partindo da perspectiva da
refenrenciabilidade, a análise desse aspecto abordará a forma concreta, decorrente de algo que
seja palpável, como explicita a teoria. Então, no enunciado, o que seria concreto que poderia
despertar medo nos habitantes do prédio? Bem, notamos que a certeza da instalação de canos
nos subsolos de Luanda, por si, faz com despertem medo. Medo por não conhecer sobre como
se daria tal processo, medo porque tinham conhecimento da instabilidade da cidade, e por
isso, temiam as consequências.
Dando espaço ao outro constituinte do enunciado, tendo por nome endereçabilidade, o
qual se conceitua de forma geral como um constituinte e garante que a mensagem chegue sem
interrupções. Portanto, diante do conceito apresentado, notamos no trecho seguinte contém a
presença da endereçabilidade, vejamos: “Qualquer coisa que saia nos jornais, fomos nós.eu
nunca te disse nada.” Nesse enunciado, está visível que a mensagem transmitida pelo Artur
foi bem compreendida pelo amigo e que também nos remete uma outra vertente na análise:
Será se o medo por causa da extração do petróleo era somente por parte dos moradores do
prédio? Então, fica claro que não, pois é perceptível o medo de Artur, entretanto cabe
evidenciar, que eram medos distintos, o que neste caso, é decorrente do fato de estar
conversando com o amigo sobre a extração do petróleo e esse medo é consequente da
opressão que os agentes da CIPEL faziam para que o assunto permanecesse sigiloso. Mas e se
o contexto do diálogo fosse outro, Artur estaria conversando abertamente sobre o petróleo?
Levando em consideração que se trata de uma conversa informal entre amigos, então,
certamente, se o local dela fosse outro ou até mesmo com outra pessoa, nada teria sido dito da
forma como foi. Pois, como foi dito na reunião, todos que participaram de forma ativa
estavam sob ameaças, pois além de sigilosa o que deveria prevalecer era o que os Ministros e
Assessores propusessem, pelo fato de que os recursos tinham que beneficiar exclusivamente a
eles, então se alguém falasse sobre os riscos que a extração do petróleo causaria, poderia
atrapalhar o processo.
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Ainda, fazendo referência a endereçabilidade, outro enunciado importante que devesse


ser ressaltado neste trabalho é o seguinte, veja: “não se pode fazer isso. aquela maka das
placas tectônicas −mas a tecnologia está mais avançada”, aqui, notamos que a mensagem é
bem compreendida através dos argumentos que inclusive, eles remetem a algo que está bem
presente na atualidade, o avanço tecnológico. Apesar de não estar sendo enfatizada de forma
clara, mesmo assim é perceptível que a tecnologia beneficiará a classe exploradora.
Partindo da análise baseada em outro constituinte do enunciado o qual parte de uma
definição de alguma coisa do mundo, mas que seja estabelecida de uma forma mais concreta,
então, dessa forma, é necessário analisar o trecho seguinte presente em Os transparentes,
especificamente em uma conversa entre Paulo Jornalista e DavideAirosa cientista, e assim
analisar o que há de concreto. Vejamos: “−puta que os pariu... e a cidade? As consequências?
−posso te mandar o relatório detalhado de três conferencias que fiz sobre isso, não há como a
cidade aguentar, nem é possível tirar petróleo que há debaixo de Luanda. é simplesmente não
concretizável” (ONDJAKI, 2013, p. 117) Partindo da análise baseada na referenciabilidade,
pudemos ver que existia algo concreto, como o relatório apresentado e que a partir desse
objeto concreto foi notório que a cidade não desfruta de uma estrutura estável para a extração
do precioso líquido. Qual o valor dessa informação para os moradores do prédio? Sem dúvida
nenhuma, valiosíssima. Embora, diante da condição social deles, certamente não poderiam
fazer a diferença. Pois como já foi mencionado anteriormente eles, os moradores do prédio,
eram transparentes perante a sociedade.
Tendo como base as citações anteriores, logo, é perceptível um verdadeiro descaso com
a população, e que ainda deve ser enfatizado que o incêndio ocorreu porque cidade não tinha
condições para a extração e que eles, os administradores da CIPEL, tinham consciência disso.
Observemos a seguinte citação: “−a extração do petróleo vai avançar, disso já ninguém tem
dúvida. mas o Chefe está muito preocupado, essas estórias cientificas que andam por aí”
(ONDJAKI, 2013, p.178). Assim, é necessário desconstruir essa informação presente no
enunciado, porque da forma como foi dita nos remete a entender uma certa preocupação por
parte do chefe da CIPEL em relação as consequências da extração. E se realmente estava
preocupado não deveria ter indo a diante com o plano de retirada do petróleo. Mas a
preocupação trata-se de não poderem atrair, nada mais. Observe a fala do Ministro: “− a
cidade capital é de todos nós... e vamos avançar, sim” (ONDJAKI,2013, p.179). Diante do
conhecimento de todas os ricos, mas uma vez fica claro que é a posição da classe em que se
concentra o poder é a que prevalece.
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Ainda fazendo referência ao abuso de poder e a exploração sofrida em Angola, um


outro aspecto importante é a questão da privatização das águas de Luanda que é relevante
mencionar a vertente dos “não transparentes”, que estavam constituídas pela classe rica como
homens de negócios, empresários, políticos e etc. Cabe dar ênfase, a Dom Cristalino o qual o
seu próprio nome nos remete ao que ele faz, então caracteriza-se como um empresário que
ambiciona possuir o controle administrativo da água potável de Luanda. Desse modo,
sabendo-se que a cidade se encontrava em constantes problemas relacionados a falta de água,
o governo não propunha soluções, era um verdadeiro descaso. Muito pelo contrário, estava
trabalhando em projetos que privasse a água de Luanda. Ondjaki apresenta tais informações
em:

Um curto texto, solene e conciso, falava abertamente das funções da


empresa ÁguasCristalinas, responsável, também, por algumas zonas de
distribuição de água potável mas, sobretudo, em nota discreta, quase a
finalizar, o documento assinado por membros do governo e do Partido cedia
a esta nova companhia muito anónima o direito, e o dever, de assegurar a
instalação de uma nova rede de tubagens, “de qualidade e reconhecimento
internacional”, para o transporte e fornecimento de agua potável em Luanda.
(ONDJAKI, 2013, p. 197).

Diante do que foi mencionado no fragmento da obra, tendo como base a


endereçabilidade constituinte do enunciado como já foi mencionado, esse que faz referência a
uma dada mensagem, ou seja, vai garantir que ela chegue a um determinado sujeito sem
interferências, pois partirá do que é dito e quem diz. Diante disso, para que possa haver uma
compreensão adequada do trecho faz-se necessário o entendimento a aplicabilidade da
endereçabilidade para que possamos entender claramente o que está sendo dito. Analisemos
este enunciado: “de qualidade e reconhecimento internacional”, ou seja, com base no que é
dito, compreendemos que se a empresa AguasCristalinas fosse responsável pelo
abastecimento da água potável em Luanda, abria portas, para um possível desvio da água que
seria vendida para fora, assim ganhando reconhecimento pela qualidade fora de Luanda, esse
entendimento só é possível a partir da referido constituinte do enunciado. Quem diz, neste
caso, é o narrador que faz uso do enunciado entre aspas para enfatizar a mensagem. Além do
mais a endereçabilidade fez com que víssemos que a enunciado não está claro, pois tendo
como apoio o que já foi descrito aqui neste artigo, sobre exploração e corrupção, será o que
está por traz do seguinte trecho: “e o dever, de assegurar a instalação de uma nova rede de
tubagens” (ONDJAKI, 2013, p. 197). Será que enfim o governo estava preocupado com a
infraestrutura da cidade? Ou seria mais uma tentativa de desfrutar dos recursos exploráveis de
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Luanda? Veja o que disse Dom Cristalino: “− eu só quero a água. Toda a canalização de
Luanda! privatizada, barata, a funcionar em condições −ahn...” (ONDJAKI, 2013, p. 180).
Logo, pudemos nitidamente entender que mais uma vez, o interesse era explorar.
Assim, é notório que o principal interesse dos políticos era explorar os recursos naturais
da cidade e enriquecer a metrópole. É cabível enfatizar as consequências dessa política de
interesses presente no romance com a presença de Odonato, personagem de presença
marcante na narrativa, pois ele sua família vive em condições tão subalternas que não se
sentem inclusos na sociedade, e isso é decorrente da exploração e má distribuição de renda
que a cidade sofria. E mais uma vez, comprova-se que o poder, em Angola, se concentrava
apenas nas mãos dos políticos. E como já foi mencionado da importância de Odonato para o
romance, isso acontece porque durante a narrativa ele começa a ficar transparente fisicamente,
aspecto interessante, pois ele encara a questão da exploração, os problemas de Luanda, a crise
que assolava o país e os problemas familiares como um luto, e essa questão da transparência,
é vista como uma crítica a elite angolana por práticas de poder tão abusivas. Notamos isso
através do trecho seguinte: “Xilisbaba pega no fio, puxa pelo marido, sobe em silencio pelas
escadas” (Onjaki.2013, p.345) Notamos que o valor expresso no enunciado, remete a uma
metáfora, porque apesar do fato dele estar transparente fisicamente, ainda assim não seria
possível puxá-lo pelo fio.

−Baba −Odonato respirou fundo, como se inspirasse toda poeira da cidade


de Luanda −decidi que não vou mais comer! −Não tens fome? não queres
almoçar? −não entendeste. não vou comer mais, estou farto de sobras e das
coisas dos outros.vou fazer um jejum social (ONDJAKI, 2013. p. 48)

Fazendo referência a citação anterior, conclui-se que o personagem Odonato se expressa


de uma forma bem peculiar para criticar a classe política de Angola quanto a exploração
sofrida por todos, com um regime social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que as interpretações das análises apresentadas através da


teoria dialógica de Bakhtin contribuíram de forma positiva para a desmistificação de vários
enunciados presentes no romance Os transparentes, os quais possibilitaram uma releitura dos
tipos de discursos presentes, e a partir dela pudemos ver uma sociedade marcada pelas
consequências das abusivas marcas históricas que são reproduzidas pelos políticos de Angola.
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Ademais, houve uma valorização a cultura do país pois em decorrência do que foi analisado,
notamos que em Angola existe uma cultura riquíssima e expõe de recursos valiosíssimos
como o petróleo.
É importante ressaltar que a teoria dialógica foi a principal norteadora para que
chegássemos a conclusão de que o discurso político prevalece em todos os enunciados
analisados. Além do mais, a teoria em si fez com que notássemos que o discurso político
através dos enunciados apresentados, está presente em todas as partes do romance, as quais
evidenciam de forma explicita a perversidade que envolvia os políticos quando se trata dos
recursos exploráveis presentes em Luanda. E que os valores humanos não importavam,
porque o que prevalecia eram os jogos de corrupção e a ambição da elite angolana. Mesmo
com o contexto de pós independência ao qual Luanda estava inserida, não era pertinente para
as políticas públicas, pois o descaso com a população e a exploração continuavam.
Portanto, convém afirmar que a teoria dialógica de fato foi uma contribuidora importante
para a interpretação mais detalhada dos enunciados presentes na obra tendo em vista que foi
através dela que o leitor pôde entender qual era a crítica e como ela estava apresentada dentro
da obra.
Desse modo, as análises feitas neste artigo, devem ser observadas cautelosamente. Pois
tendo em vista que a estrutura do artigo é reduzida e também levando em consideração que a
análise se limita apenas a um tipo de discurso presente na obra, especificadamente o político.
E além do mais trata-se das observações prefacias decorrida durante as pesquisas neste
trabalho, das quais percebe-se que apesar de toda inovação, os gêneros discursivos ainda estão
muito ausentes na vida dos estudantes e deveria ser mais trabalhado principalmente nas
universidades por ser uma área tão rica e abrangente.

REFERÊNCIAS

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center,1997.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de


Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.

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Campinas, São Paulo: Mercado das Letras. 2009. (Série Ideias sobre Linguagem).
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VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e


poemas. Organização, tradução, ensaio introdutórios e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova
Américo. São Paulo: Editora 34, 2019.

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