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Universidade Metodista de São Paulo

Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

A mulher Evangélica Congregacional em Angola


Análise do processo da formação pastoral da mulher no período de
1965-1975

Por: Adelaide Tomás Manuel

São Bernardo do Campo, março de 2005


Universidade Metodista de São Paulo
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

A mulher Evangélica Congregacional em Angola


Análise do processo da formação pastoral da mulher no período de
1965-1975

Por: Adelaide Tomás Manuel

Orientador: Professor Dr. Geoval Jacinto da Silva

Dissertação de Mestrado
apresentada em cumprimento
parcial às exigências do
Programa de Pós-Graduação
para obtenção do grau de mestre

São Bernardo do Campo, março de 2005

2
3
Dedico este trabalho

Às minhas filhas Aldina Adelaide Nahunjo Manuel, Leontina Cumbelembe Tomás


Manuel, Memória Tiago Manuel, ao meu filho Manuel Chimbungo Tiago e a Tiago
Manuel, meu esposo, em memória.

Às mulheres da Igreja Evangélica Congregacional em Angola.

4
Agradecimentos

Agradeço de forma muito especial e respeitosa ao Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, que
durante a pesquisa e elaboração desta dissertação foi professor, orientador, educador e, nos
momentos difíceis, amigo ajudando-me a prosseguir na caminhada.

Agradeço ao Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth, que nunca poupou esforços em resolver meus
problemas.

Agradeço a todos os professores e à administração que, ao longo destes semestres, têm sido
instrumentos dedicados ao processo da minha formação. À professora Dra. Sandra Duarte
por sua participação na elaboração do projeto deste trabalho.

À Igreja Evangélica Congregacional em Angola, aos pastores e pastoras agradeço pela


confiança depositada e o tempo concedido para realização do mestrado. Pelos esforços de
articular junto aos seus parceiros o apoio financeiro para minha formação, assim como pela
companhia em orações.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, que me


concedeu a bolsa da CAPES. A concessão desta bolsa desde março de 2003 aliviou minhas
dificuldades econômicas.

Agradeço ao Conselho Mundial de Igrejas – CMI que me acompanhou moral e


financeiramente, proporcionando, conseqüentemente, a tranqüilidade e bom
aproveitamento nos estudos.

O carinho dos colegas foi da maior importância para minha adaptação na academia. O
encorajamento e apoio recebidos contribuíram para o meu aproveitamento durante as aulas.

Agradecimentos sinceros para: Douglas Nassif Cardoso e sua família, Sérgio Nilo e sua
família, José Cazombo e sua família, Carlos Alberto e sua família, Esmeraldo e sua

5
família, Luzia e sua família, Eloy e sua família, Maria da Graça Araújo, Virgínia Inácio e
sua família, Josué Barbosa Cordeiro e sua família.
A Igreja Congregacional de São Bernardo do Campo.
A toda minha família, de quem desfrutei conselhos e apoio especial.
A Deus que, pela sua gratuidade, nos cercou de bênçãos, a Ele seja dada honra e glória.

6
MANUEL, Adelaide Tomás. A mulher Evangélica Congregacional em Angola: análise do
processo da formação pastoral da mulher no período de 1965-1975. São Bernardo do
Campo, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião – UMESP, 2005.

SINOPSE

Esta dissertação tem por objetivo analisar a mulher Congregacional, sua formação pastoral
no período de 1965-1975, considerado de grande desenvolvimento da Igreja. Fez-se analise
dos contextos social, político, econômico e religioso para ter idéia do contexto geral do
espaço em que a Igreja Evangélica Congregacional em Angola foi implantada. Falou-se da
viagem dos primeiros missionários norte-americanos para o interior do país, assim como
do episódio acontecido durante a implantação da Igreja no Bailundo, sede do reino na
época, liderado pelo rei Ekuikui II nos primeiros anos de vida da Igreja. O
desenvolvimento da igreja mereceu um olhar especial, assim como os modelos pastorais, a
cooperação dos nativos na expansão do evangelho, as instituições da Igreja e sua mudança
de nome. Destacaram-se as relações de gênero, a formação na cultura, o processo da
formação pastoral das mulheres e os principais cursos ministrados nos centros, nas
estações missionárias e no Dôndi. Os cursos eram: economia doméstica, alfabetização,
educação cristã, formação feminina, formação das parteiras. A contribuição das mulheres
para o desenvo lvimento da Igreja e da sociedade era diversificada, o que acontece até hoje,
entretanto, destacam-se as contribuições das mulheres leigas, diaconisas, esposas dos
pastores e o programa do Fogo Cristão implementado por elas. Apontei as dificuldades que
as mulheres encontraram no processo da formação. Analisei a situação geral e a
necessidade da formação pastoral das mulheres nos dias de hoje no Huambo e em toda
Angola. O trabalho faz propostas de formação pastoral das mulheres que podem servir de
ponte entre a nova e a velha geração.
Palavras chave: mulheres, Igreja Congregacional, formação pastoral.

7
MANUEL, Adelaide Tomás. Congregational Evangelical Women in Angola: Analysis of
the pastoral formation process of women during 1965-1975. São Bernardo do Campo, Post
Graduate Program of Religion Sciences – UMESP, 2005.

ABSTRACT

The aim of this project is to analyse the pastoral formation of women during 1965 to 1975,
a period considered to be of great importance to the Church. The social, political,
economic and religious contexts were analysed in order to present an overall idea of how
the Congregational Evangelical Church was established in Angola. The presence of the
first North American missionaries in the interior of the country as well as other episodes
that occurred during the establishment of the Baliundo Church, which was considered the
center of King Ekuikui II’s kingdom in the early days of the Church, are presented. The
development of the church, pastoral models, the cooperation of native peoples in the
dissemination of the Gospel, the institutions of the Church, and the name change of the
Church are given special attention. Relationships of genre, cultural formation, the pastoral
formation of women, and the main courses given in missionary centers and in Dondi are
discussed. The courses given included domestic economy, instruction in reading and
writing, Christian and women’s formation and delivery training instruction for midwives.
The contribution of women to the development of the church and to the society was
diversified, and continues until the present day. However, the work of lay women, the
deaconess, minister’s wives and their implementation of the Christian program merit
special attention. The research also refers to the difficulties faced by women in the process
of their formation, and the current situation of women’s pastoral formation in Huambo and
Angola as a whole. The present work proposes the pastoral formation of women as being
capable of narrowing the gap between the old and the new generations.

Keywords: women, Congregational Evangelical Church, pastoral formation.

8
Sumário

Introdução 11
Capítulo I
A implantação e o desenvolvimento da Igreja Evangélica
Congregacional em Angola 17
1.1- África 17
1.2- Angola 21
1.2.1- Localização e caracterização do país Angola 21
1.2.2- Análise do contexto social 27
1.2.3- Análise do contexto político 36
1.2.4- Análise do contexto econômico 40
1.2.5- Análise do contexto religioso 43
1.3- A implantação e desenvolvimento da Igreja Evangélica
Congregacional em Angola 46
1.3.1- Origem do Congregacionalismo 46
1.3.2- A implantação da Igreja Evangélica Congregacional em Angola 49
1.3.3- O modelo pastoral educacional 55
1.3.4- O modelo pastoral cristocêntrico 58
1.3.5- O modelo pastoral proselitista 59
1.3.6- O modelo pastoral ecumênico 60
1.4- A cooperação dos nativos no desenvolvimento da 62
IgrejaCongregacional
1.4.1- A cooperação dos nativos 62
1.4.2- As instituições da Igreja 63
1.4.3- A primeira nomenclatura e a mudança do nome da Igreja Evangélica
Congregacional em Angola 65

Capítulo II
A formação pastoral das mulheres em Huambo no período
de 1965-1975 69
2.1- O estado do Huambo 69
2.1.1- Análise de conjuntura do estado do Huambo 70
2.1.2- Situação social das mulheres no estado do Huambo, entre 1965-1975 72
2.2- A formação e as relações de gênero na cultura angolana 74
2.2.1- As relações de gênero 74
2.2.2- A formação na cultura angolana 77
2.3- A formação pastoral das mulheres em Huambo 86
2.4- A formação pastoral das mulheres nas Missões: Bailundo, Elende e
Dôndi 88
2.4.1- A formação das mulheres no Bailundo e Elende 88

9
2.4.2- A formação pastoral das mulheres no Dôndi 90
2.4.3- A formação na Escola Means 95
2.4.4.1- Outras atividades das alunas na Escola Means 98
2.4.5- Formação em educação cristã 101
2.4.6- Formação feminina em Huambo ex-Nova Lisboa 104
2.4.7- Formação das parteiras 106
2.5- A contribuição das mulheres na Igreja Congregacional e na
sociedade 111
2.5.1- Contribuição das mulheres leigas 111
2.5.2- Contribuição das diaconisas 113
2.5.3- Contribuição das esposas dos pastores 114
2.5.4- Evangelização pelas mulheres por meio do programa denominado “fogo
cristão” 116
2.6- A primeira pastora da Igreja Evangélica Congregacional 121
2.6.1- A primeira pastora 121
2.6.2- A receptividade da mulher pastora pelas comunidades eclesiais 122
2.7- As mulheres da Igreja Congregacional 123

Capítulo III
Desafios e oportunidades a partir da formação pastoral das
mulheres 130
3.1- A mulher no contexto atual de Angola 130
3.1.1- A necessidade da formação pastoral das mulheres 137
3.2- Formação pastoral de conjunto 142
3.3- Formação pastoral social de cidadania 145
3.4- Formação pastoral em liturgia 147
Considerações finais 151
Referencias bibliográficas 156
Anexos 164
Anexo 1: Informações pela Profa. Alice Miguel Pongolola 164
Anexo 2: Entrevista com Rev. Augusto Chipesse 166
Anexo 3: Entrevista com Rev. André Cangovi Eurico 168
Anexo 4: Memorando das etapas das Escolas Doméstica ontem 170
Anexo 5: Retrospectiva da formação feminina 172
Anexo 6: Depoimento da Valentina Chilombo Capuca 173

10
Introdução
A pesquisa se inscreve no contexto que envolve a formação pastoral das mulheres
na Igreja Evangélica Congregacional em Angola, que tanto em Angola quanto na África
desempenham um papel preponderante; nada se consegue sem a participação das mulheres.
As mulheres, mesmo fora do continente, tem dado provas de sua inteligência e capacidade.
O Revº José Belo Chipenda, que foi Secretário Geral da Igreja Congregacional nos anos
1996-2004, afirma que:

(...) é a mulher que conserva a cultura da qual os africanos se orgulham, no


tempo de crise ela tem trabalhado com zelo e dignidade para manter em vida
famílias numerosas em casa. Maridos desempregados têm dependido delas para
comer, vestir, educar os filhos e outras questões1 .

As mulheres da Igreja Congregacional em Angola tiveram uma formação pastoral


que as capacitou participar em ações pastorais que fizeram da Igreja Congregacional uma
instituição religiosa de expressão no país e ao Sul do Saara. As atividades comerciais e
outras desenvolvidas pelos membros, sobretudo os ovimbundu 2 , contribuíram para a
expansão e desenvolvimento da Igreja em virtude dos mesmos testemunharem a fé cristã
onde eles estivessem. As ações pastorais desempenhadas pela Igreja Evangélica
Congregacional por meio de suas instituições educacionais.

O conceito pastoral que irá perpassar o trabalho não se restringe ao ministério dos
pastores e pastoras, mas trata-se da ação que inspira a fé dos fiéis estimulando-os a serem
participantes em todas as dimensões da pastoral. Refere-se à pastoral abrangente como

1
CHIPENDA, José Belo. A mulher e sociedade. In: A mulher na família. Lobito Angola, Conselho Angolano
de Igrejas Evangélicas, CETECA, 1986, p.4.
2
Os ovimbundu são povos que falam a língua umbundu, que habitavam ao sul do rio Kuanza ocupando a
parte ocidental do território angolano, abrangendo os estados do Huambo, Bié e Benguela na época da
implantação da Igreja Congregacional. Atualmente este povo está difundido por todo país. Os ovimbundu
chegaram em Angola através do processo migratório vindo do centro da África, região dos grandes lagos.
Nesse espaço social dos ovimbundu se estabeleceu a Igreja na região do Bailundo, localidade de Chilume. Na
época, os ovimbundu tinham uma organização sóciopolítica por reinos e assim o reino do Bailundo era o
maior, composto por 200 sub reinos e estava sob a liderança de Ekuikui II. Nessa região se implantou a igreja
que hoje é conhecida por Igreja Evangélica Congregacional em Angola.

11
toda a atividade da igreja, isto é, todo trabalho que os membros e os dirigentes executam na
igreja, e que envolvem as diversas dimensões ligadas ao ser humano, quer sejam políticas,
econômicas, culturais, religiosas, pessoais ou sociais 3 .

De acordo com Casiano Floristan, a pastoral equivale a uma ação revolucionária


que exige o compromisso e a consciência crítica na perspectiva de uma transformação
radical, a partir da ação dos membros da comunidade eclesial. Nessa perspectiva, a pastoral
não é uma ação repetitiva, mas reflexiva e transformadora na forma de agir e conceber 4 .

As motivações à pesquisa do tema decorrem do envolvimento em programas das


mulheres na Igreja Congregacional desde que tornei- me membro em plena comunhão, aos
doze anos de idade. Baseia-se também na apreciação e admiração pelas ações pastorais
desenvolvidas pelas mulheres, que normalmente eram direcionadas para as vertentes da
diaconia, educação cristã, enfermagem (incluindo parteiras), agricultura, formação
feminina, economia doméstica, evangelização, artes manuais motivaram- me para a
elaboração desta pesquisa. O desejo de analisar o processo de formação pastoral decorre da
tensão que surgiu entre a nova e a velha geração de mulheres. Com relação a esta questão,
Eva de Carvalho Chipenda descreve o problema revelado pelas mulheres:

(...) as mulheres mais novas, e há muitas nas nossas Igrejas, não assistem às
reuniões e cursos de formação organizada pelas mulheres de idade mais
avançada. Alegam que os programas são tradicionais, nunca começam à hora
marcada e nada apresentam como novidade. Por esta e outras razões, as mulheres
mais jovens preferem ficar em casa5 .

Percebe-se que os processos de transformação pelo qual a sociedade angolana


passa (a guerra que levou muitas mulheres a serem chefes de famílias, a inserção das
mulheres no mercado formal e informal, a mudança do socialismo para economia de
mercado livre, a influência de movimentos feministas) criaram situações novas para a vida
do povo, estimulando as mulheres mais jovens a procurarem formação que lhes identifique
no espaço público e não simplesmente no lar e na igreja.
A mulher angolana está na fase de se identificar com o espaço público conquistado
nos últimos anos, o que afeta a forma de viver das mulheres e de suas famílias. Por sua

3
CASTRO, Clovis Pinto de. Por uma fé cidadã – A dimensão pública da igreja. São Paulo, Edições Loyola,
2000, p.104.
4
FLORISTAN, Casiano. Teologia Prática – teoria de la accion pastoral. Salamanca, Ediciones Sigme,
1991, p.140.
5
CHIPENDA, Eva de Carvalho. Seminário sobre: a mulher e suas actividades. Lobito Angola, Centro de
Estudo e Teologia e Cultura, 1982, p.1.

12
vez, a geração das mulheres mais velhas se identifica completamente com a formação
pastoral adquirida ao longo de sua vida na igreja e na sociedade em geral, exercendo
funções de guardiã da educação cristã a partir do lar, de boa esposa, de administradora do
lar, provedora do bem estar no lar, munida de conhecimentos adquiridos nas várias
formações obtidas na igreja. As mulheres mais jovens reconhecem que os conhecimentos
da geração mais velha são importantes para a vida, porém são tradicionais e sem novidade.
Visto que as mudanças vividas pela sociedade angolana, requerem das igrejas ações
pastorais voltadas para as novas realidades que surgem, exigindo iniciativas destinadas à
formação e preparação dos membros a assumirem sua responsabilidade cristã na igreja e na
sociedade 6 .
A decisão em pesquisar sobre “A mulher evangélica congregacional em Angola:
análise do processo da formação pastoral no período 1965-1975”, no Estado do Huambo,
se justifica por ser o Huambo a região onde se implantou a Igreja, ou seja, o berço da Igreja
Evangélica Congregacional em Angola.
O período em referência cativou interesse nesta época, em virtude da Igreja atingir
o seu mais alto nível de desenvolvimento. Implementou programas que criaram impacto
significativo na vida dos membros, comunidades e sociedade angolana. Também por
tratar-se de um período enquadrado dentro de outro período da vida da Igreja (1926 a
1975), caracterizado pelo despertar das comunidades angolanas na valorização e adesão à
formação dada pela Igreja nas estações missionárias e suas filiais.
José Belo Chipenda acrescenta que “foi quando a formação de quadros médios e
superiores foi acelerado e houve um desenvolvimento extraordinário nas zonas rurais 7 ”.
A Igreja, além do anúncio do Evangelho como sua função primordial, proporcionou
formação a menina s, rapazes, mulheres e homens nas seguintes áreas de conhecimento:
economia doméstica, educação cristã, teologia, agronomia, saúde, pedagogia, nutrição e
ensino acadêmico.
Também promovia o progresso comunitário das aldeias por meio de um programa
geral denominado “Melhoramento do Povo”, que tinha como objetivos incrementar o
saneamento básico, a construção de fontenários, isto é, bicas para aquisição de água
potável, incentivar novos hábitos alimentares, que estimulou a Igreja ensinar a semeadura

6
ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL. Para Que Todos Tenham Vida. Brasil,
A.E.C, 1984, p.64.
7
CHIPENDA, José. Apresentação. In:Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Plano Estratégico
(Qüinqüênio 2003-2007). Huambo-Angola, 2003, p.5.

13
de soja, alguns tipos novos de hortaliças e alguns tipos de plantas de frutas e cafeeiros. O
período também ficou marcado pelo desenvolvimento eclesial e da vida dos membros da
Igreja. Segundo referiu o Revº André Cangovi Eurico, pertencer à Igreja era fazer parte
da elite8 .
As instituições da Igreja, tais como as missões, centros educacionais, hospitais e
postos médicos, escolas e outras estruturas tornaram-se famosas. As mulheres que
cursaram Formação Feminina, na Escola Industrial pertencente ao governo colonial e
Escola Means da Igreja, capacitaram outras mulheres, emancipando-as pela formação.
Neste período, surgiram mulheres que se destacaram e se dedicaram na edificação e
emancipação de outras mulheres, estimulando-as a serem boas profissionais, boas
educadoras, boas transmissoras do Evangelho, tanto na igreja quanto na sociedade 9 . Esse
período, também ficou marcado, pois o mesmo antecedeu a independência de Angola. O
Revº Augusto Chipesse, atual Secretário Geral da Igreja Congregacional, revela que ao
nível do estado colonial, nesse período já havia brigadas que exigiam processos para
obtenção de bilhetes de identidade. A assimilação da cultura portuguesa não era
privilégio exclusivo para alguns 10 .
A pesquisa desenvolveu-se por meio de pesquisa bibliográfica, análise de
documentos e entrevistas. O método utilizado foi histórico que segundo Eva Maria
Lakatos:
(...) consiste em investigar acontecimentos, processos e investigar do passado
para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições
alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao
longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época11 .

O método histórico na perspectiva da práxis religiosa se exprime de forma crítica e


interdisciplinar.

8
EURICO, André Cangovi. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda Angola, dezembro de 2003.
9
Idem
10
CHIPESSE, Augusto. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda, novembro de 2003.
11
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo, Atlas, 1983,
p.79.

14
De acordo com o professor Geoval Jacinto da Silva, o método possibilita partir de
pressupostos históricos da ação pastoral12 . O método histórico evita parcialidade na
interpretação dos fatos ou eventos. Assim, ao longo da pesquisa utilizaram-se dados e
informações que permitiram a compreensão da atuação da Igreja Evangélica
Congregacional no processo da formação pastoral das mulheres.
O trabalho dividiu-se em três capítulos, considerações finais, referências
bibliográficas e anexos. No Capítulo I será analisado o contexto geral angolano (social,
político econômico e religioso), a implantação da Igreja Congregacional em 1880, o
desenvolvimento, os modelos pastorais usados na expansão da Igreja. O Capítulo II
analisará o processo da formação pastoral das mulheres na Igreja Congregacional, que
consistiu essencialmente da formação acadêmica, educação cristã, economia doméstica,
diaconisas, agentes de saúde, parteiras e formação feminina. Descreveu-se de igual modo a
contribuição das mulheres leigas, esposas de pastores, educadoras cristãs, diaconisas, a
evangelização pelas mulheres por meio do Fogo Cristão, bem como a primeira pastora
negra no clero da Igreja Congregacional e a sua receptividade pela igreja.
O Capítulo III abordará os desafios e as oportunidades propostas a partir de sua
formação pastoral. Sugeriu-se que os processos e os currículos passem pela reflexão na
perspectiva da práxis religiosa e se viabilize o acréscimo da formação que sirva de ponte
entre as mulheres mais jovens e as mais velhas, tais como: formação pastoral de conjunto
que abrange diversas ações pastorais conforme a necessidade; formação pastoral de
cidadania, com enfoque na ação pastoral no espaço público; formação pastoral da liturgia,
que leve as mulheres à reflexão da liturgia como celebração da vida e seu sentido festivo.
Nos três capítulos busca-se atingir o objetivo geral que está relacionado com a
análise da formação pastoral da mulher evangélica congregacional no período de 1965-
1975 em Angola. Os objetivos específicos que tratam de: analisar a formação pastoral das
mulheres durante a implantação e desenvolvimento da igreja em Huambo, Angola; analisar
as relações sociais, econômicas, políticas, religiosas e processos de formação na cultura
angolana; resgatar a memória da contribuição pastoral das mulheres na Igreja Evangélica
Congregacional em Angola e na sociedade.
A problemática criou preocupação de saber qual era a participação das mulheres na
elaboração dos conteúdos de formação pastoral, bem como o que a liderança e os membros
pensam a respeito da atualização da formação pastoral das mulheres, levando-se em conta

12
SILVA, Geoval Jacinto da. Los aspectos pastorales de la Cartas del Apocalipisis de Juan. Tese de
Doutorado, Salamanca, PUCS, 1988,p.3.

15
as transformações que ocorrem na sociedade angolana. Descobrir também qual formação
pastoral estabelecerá a ponte entre as duas gerações, visando satisfazer as necessidades de
ambas.
Acredita-se que a pesquisa contribuirá com informações aos atuais e futuros
pesquisadores, leitores interessados; desafiará a Igreja e as mulheres a reverem seus
paradigmas de formação e ações pastorais; revisão dos programas onde as mulheres
deverão propôr processos de formação adequados às novas realidades; possibilitá a
reflexão crítica dos problemas que impedem a participação das mulheres mais jovens na
formação pastoral; contribuirá no enriquecimento do conceito da pastoral.

16
Capítulo I
A implantação e o desenvolvimento da Igreja Evangélica Congregacional
em Angola

A pesquisa, embora trate da “Mulher Evangélica Congregacional em Angola:


análise do processo da sua formação pastoral no período de 1965-1975”, fala de alguns
aspectos do continente africano, no qual se insere a Angola.

1.1– África

A vida na África antes da chegada dos europeus era diferente da atualidade. Os


povos africanos viviam em grandes civilizações, tinham suas religiões, culturas próprias,
viviam em cidades ou em aldeias, conforme suas regiões e reinos. A vida religiosa era fator
importante nas comunidades sendo os sacerdotes muitas vezes chefes e reis, em
decorrência de sua influência.

As principais características dos povos eram: a religiosidade, a vida comunitária, a


musica, a dança e a arte 13 . Entretanto, Davidson Basil afirma que os africanos ergueram
seus sistemas agrícolas em todas as regiões habitáveis e esta é a maior realização central
da história africana 14 .

Muito se sabe dos primórdios dos povos do continente africano graças a


conservação da tradição oral passada de geração a geração, da escrita e por estudos
arqueológicos, posteriormente.

13
htt://www.mquilombo.hpg.ig.com.br/sociedade/28/index_int_6.html. Capturado em julho de 2004.
14
DAVIDSON, Basil. À descoberta do passado da África. Lisboa Portugal, Editora Sá da Costa, 1981, p.49.

17
Henrique Cunha Júnior, relata que a organização social da África era estabelecida
por reinos que tiveram início por volta do ano 400 a.C, quando se constituíram os reinos
Núbios. Henrique C. Júnior revela que os historiadores em seus estudos apontam seis
grandes regiões que constituem o continente africano e que apresentam aspectos
geográficos e culturais comuns. Para ele, são unidades com características semelhantes,
embora exista diversidade interna das regiões quanto aos povos e cultura. A primeira
região conhecida como a mais antiga e que a história destaca está constituída por Sudão e
Egito, com uma história política e econômica com mais de cinco mil anos. Os dois
constituem impérios parecidos, como por exemplo, as semelhanças na construção das
pirâmides, que vão do Alto ao Baixo Nilo, em períodos diversos representando uma forma
típica da região 15 .
A segunda região é a costa africana do Oceano Indico, região que naquela época
exercia grande influênc ia comercial de trocas intensas com os países árabes e com a Ásia.
Esta região era notabilizada de pequenos reinos, cidades e estados que foram de grande
esplendor arquitetônico. Nas relações comerciais, à língua comum utilizada era o Suarile,
denominada a partir da região Suarile 16 .
A terceira região é constituída por Zimbabwe e África do Sul. Zimbabwe, pela
antiguidade das ruínas e extensão da civilização aí construída no passado, se considera uma
região de importância histórica na África, porém sem ser separada da Suiapenas, parte da
região também com destaques históricos, sobretudo no processo da resistência às invasões
européias, como é o caso dos Zulus 17 .
A quarta região, ao sul do rio Congo, trata-se de uma extensa área entre o Atlântico
e os lagos Vitória e Tanganica. Esta é uma região de influência cultural bantu,
desenvolvida antes dos séc. XIV e XV, formada por um conjunto de reinos como é o caso
do Congo, Ndongo, Lunda, Luba, Mbalundu, Ekovongo e outros. Como vemos, Angola
fazia parte dessa região. A quinta região se estende a partir do Atlântico, atravessando o
sistema fluvial do rio Níger e cobrindo os afluentes do lago Chade. Fazem parte da região
as civilizações Nok, os impérios de Gana, Male e Songai. A sexta região é de
predominância de povos Berberes, estende-se desde o Deserto do Saara até as bordas do
Mediterrâneo. É uma região marcada por invasões externas18 .

15
JUNIOR, Henrique Cunha. O ensino da história africana. www.historianet.com.br, texto capturado em
maio de 2004.
16
Idem.
17
Idem.
18
Idem.

18
Independentemente das subdivisões administrativas impostas pelos países
colonizadores, os estudos empreendidos por historiadores, antropólogos e missionários,
revelam que o continente antes de ser alvo das invasões, mantinha relações sócio culturais,
comerciais e políticas internas e externas. Nas relações externas consta a integração
econômica e artística com a Ásia e a Europa 19 . Na América Latina, por meio de artefatos se
denota a probabilidade das relações dos antigos habitantes com os africanos. A respeito das
relações entre a África e a América, Abdias do Nascimento explicita o seguinte:

(...) os traços, símbolos, as técnicas artísticas e funerárias, bem como os


caracteres somáticos africanos se evidenciam frequentemente nos túmulos, nas
estátuas e nas urnas funerárias das culturas indígenas pré-colombianas. (...) Mas
se comprova o liame existente entre o México, a Guatemala, a Colômbia e
principalmente o Peru pré-colombianos, por exemplo, nas suas técnicas de
mumificação que são iguais às do Egito negro da antiguidade. A história oral de
origem maia diz que os primeiros habitantes do México eram negros, e se
assinala entre várias deidades do submundo egípcio e do panteão olmeca,
similitudes que ultrapassavam o nível da coincidência 20 .

No aspecto religioso, se percebe através da Bíblia Sagrada que alguns povos da


África tiveram contato com o cristianismo antes das missões européias, principalmente os
da região do norte: Egito, Líbia, Sudão e Etiópia. A Etiópia tinha um relacionamento com
o judaísmo desde os tempos de Moisés e da rainha de Sabá, assim como a Líbia e o Sudão,
que tiveram conhecimento do cristianismo conforme citado em Atos dos Apóstolos. Atos
cita Líbios convertidos ao cristianismo e pode-se encontrar também a conversão de um
Oficial da Rainha Candace da Etiópia por Filipe (At. 9:26-40). Supõe-se que este tenha
sido um missionário em seu país e no continente africano 21 . Enfim, o cristianismo já era
forte no norte da África no século IV e que os pensadores africanos Tertuliano, Cipriano e
Agostinho muito contribuíram para o desenvolvimento da teologia cristã22 . Tempos
depois, a mesma África recebeu outro cristianismo envolvido pela cultura ocidental, o que
fez com que algumas áreas da vida dos povos ficassem inseguras. Segundo Augusto

19
NASCIMENTO, Abdias. Aspectos da experiência afro-brasileira. In: Mensagem. Revista Angolana de
Cultura 5. Luanda Angola, ENDIPU/UEE, 1990, p.35-36.
20
Idem, p.36.
21
http://www.mquilombo.hpg.ig.combr/sociedade/28/index_int_6.html Capturado em julho de 2004.
22
Conselho Angolano de Igrejas. CETECA: A serviço das igrejas. Lobito República Popular de Angola,
Centro de Estudos de Teologia e Cultura, 1983, p.19.

19
Chipesse, isso se verifica diante de questões como a doença, morte, tristeza e o fracasso,
onde diversas vezes a tendência é recorrer à religião original ao invés do cristianismo 23 .

Os aspectos acima referenciados ajudam a compreender a vida e atividades dos


africanos e dos angolanos em particular antes da invasão européia.

23
CHIPESSE, Augusto. Ser membro da igreja em Angola. Huambo Angola, trabalho mimiografado, 1981,
p.26.

20
1.2 –Angola

Mapa da Angola

21
1.2.1- Localização e caracterização da Angola

Angola é um país localizado no sudoeste da África, na quarta região do continente


africano. A população é de 13 milhões, segundo dados estatísticos do ano 2000. Sua capital
é Luanda. A extensão territorial é de 1.246.700Km2. Quanto à densidade demográfica a
estimativa é de 8,3 habitantes por quilômetro quadrado. Está subdividido político e
administrativamente por dezoito estados (províncias), cento e sessenta e três municípios e
quatrocentos e setenta e cinco comunas (povoados). A língua oficial é o português, porém
dezenas de línguas nacionais de origem bochimane e bantu24 mantêm viva a tradição oral
no país. Angola faz fronteira com a República Democrática do Congo (ex-Zaire) ao norte,
Zâmbia ao leste, Namíbia ao Sul e ao oeste, Angola é banhada pelo oceano Atlântico. A
moeda nacional é Kwanza (Kz) 25
O país possui grande diversidade de recursos naturais e a estimativa é de que seu
subsolo tenha 35 dos 45 minerais mais importantes do comércio mundial, entre os quais se
destacam o petróleo, o diamante e o gás natural. Há também reservas de fosfato, ferro,
manganês, cobre, ouro e rochas ornamentais. As grandes bacias petrolíferas em exploração
situam-se junto à costa nas bacias de Cabinda e Zaire, ao norte do país, o que o ele va a
categoria de segundo exportador em toda a África. A reserva de diamantes localiza-se na
Lunda Norte e Lunda Sul. Apesar de Angola ser um país com recursos minerais, tem
tradição na agricultura, na pesca e na criação de gado. Atualmente o povo angolano
encontra-se em situação de pobreza, em parte por causa da guerra civil que se prolongou
por vinte e sete anos. A guerra civil fez com que parte da população vivesse deslocada nas
periferias das cidades. Alguns viveram como refugiados em países vizinhos, em condições
precárias, chegando muitas vezes a depender das ajudas humanitárias internacionais para
sobreviver26 .
O solo angolano produz grande variedade de produtos agrícolas por ser uma terra
fértil e irrigada por chuvas e rios, que também fornecem água para o consumo. O clima é
favorável à habitação, as temperaturas são moderadas em virtude da corrente fria de

24
Bantu é a designação atribuída aos povos africanos que tinham similaridade linguística a partir da raiz ntu e
muntu. O nome bantu emergiu dos estudos do lingüista alemão Wilhelm Bleek em 1856 na África do Sul.
Ver HENDERSON, L. W. A igreja em Angola. Lisboa, Ed. Além Mar, 1990, p.19.
25
Revista. Angola hoje: 25 anos de independência. Luanda Angola, Ano 1-nº1 – julho/agosto/setembro,
2001, p.49.
26
Revista. Angola Hoje: Independência 27 anos comemorados em paz. Luanda, Ano 3 – n.º6,
outubro/dezembro 2002, p.3-5.

22
Benguela, área litorânea. As elevações do Planalto Central tornam frias as águas do
Antártico, que por sua vez arrefecem a planície costeira 27 .
Os habitantes da Angola atual são de origem bantu, que constitui a maioria do povo
angolano, os não bantu e os de origem européia. A terminologia bantu se refere a uma
unidade étnica de povos, palavra se aplica a uma civilização que manteve a sua unidade e
foi desenvolvida por povos negros. O radical ntu e muntu, para a maioria das línguas
bantu, significa pessoa, ser humano. O prefixo ba caracteriza o plural à raiz. Assim bantu
significa seres humanos. E muntu é usado para o singular 28 .
Existem aproximadamente quinhentos povos bantu, que constituem uma unidade
cultural, com uma civilização comum e linguagens similares. Tiago Manuel, citando
Fituni, explica que vestígios comprovam o “aparecimento das culturas primitivas em
Angola, data do oitavo milênio antes de Cristo”29 . Entretanto, foi na Idade de Ferro que
surgiram as primeiras migrações de povos africanos, vindos do norte, provavelmente da
selva equatorial, região onde estão hoje a Nigéria e Camarões. Na época, a selva equatorial
era de difícil acesso devido à mata densa que exigia machado e outros instrumentos de
ferro, porém a nutritiva produção de banana e inhame possibilitou a vida por alguns
séculos 30 .
O movimento migratório dividiu-se em duas vertentes: para o sul e para o leste. A
imensa selva equatorial, os rios e os lagos das savanas que se apresentavam propícios à
agricultura e a descoberta de ferro, minério comum na África, deram força à aventura
migratória. Nessa época, os povos bantu foram chegando ao território angolano, onde
encontraram os pigmeus e bochimane que são os primeiros habitantes da Angola 31 .
As diversas línguas bantu que existem em Angola e em outras partes da África,
apresentam semelhanças justificadas por uma origem comum, mantendo suas raízes. Sobre
esse aspecto encontra-se destacado na revista “Angola hoje” o seguinte:

Para além da semelhança linguística, mantiveram também uma base de crenças,


fortes rituais e costumes muito similares, uma cultura com características
idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados. Fora da sua

27
Revista. Angola Hoje: Independência 27 anos comemorados em paz. Op. cit., p.49.
28
Idem, p.47.
29
MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da Igreja Evangélica Congregacional em Angola. São
Bernardo do Campo, dissertação de mestrado apresentado ao Instituto Metodista de Ensino Superior, 1992,
p.14.
30
Revista. Angola hoje: 25 anos de independência. Op. cit, p.49.
31
Idem, p.50.

23
identidade social são caracterizados por uma produção cultural de grande
originalidade estilística, uma incrível sabedoria empírica e um discurso 32 .

As similaridades e qualidades são notáveis até os dias de hoje, embora pouco


valorizadas em alguns meios. Os africanos que se fixaram em Angola introduziram novas
técnicas como a metalurgia, a cerâmica e a agricultura, criando as primeiras comunidades
agrícolas.
O processo de fixação prosseguiu até o século X e as estrutur ações dos reinos
autônomos se evidenciaram no século XII. Os reinos começaram a surgir por toda a região,
com a efetivação de um poder hierárquico, firmado nos pressupostos de granjear respeito
da comunidade com prestígio e poder econômico, como foi o caso dos reis: Mani, no
Congo, que ganhou reputação do povo de sua região; rei Ngola no Ndongo, nome do qual
descendeu o nome do país Angola; Ekuikui II no Bailundo; Ndumduma no Bié; Mandume
e outros 33 .
Angola está marcada pela colonização européia por Portugal, durante cinco séculos
(1482 a 1975). Tal colonização articulou políticas que ocasionaram a escravidão de
milhões de angolanas/os. Simão Souindoula considera que essa situação emerge como
resultado dos contatos entre as culturas européia e angolana. Segundo ele, nos objetivos do
contato subjazia o desenvolvimento do sistema mercantilista que foi implementado de
forma violenta, racista, imoral, traiçoeira, corrupta e de ambições desenfreadas 34 .
Os portugueses que chegaram no final do século XV a Angola encontraram reinos
estruturados. Diogo Cão foi o primeiro comandante a chefiar o contingente dos
portugueses para a Angola. O contingente integrava também professores e missionários.
Quando chegaram em Angola, foram acolhidos pelo rei do Congo, com o qual
estabeleceram relações regulares. Pouco tempo depois o relacionamento se transformou em
horrores aos filhos e filhas da Angola. A postura dos portugueses levou o rei a expulsá- los,
porém os missionários católicos e os professores não haviam sido expulsos. Os
missionários e os professores foram usados como mediadores entre o Rei e Portugal, para
que aceitasse a presença de mais portugueses mediante acordos e regimentos. Naquela
época, Portugal havia sugerido acordos e regimentos que consistissem, a princípio, em
ajudas que Portugal devia prestar ao rei do Congo, tais como: organizar o reino, introduzir

32
Revista. Angola hoje: 25 anos de independência. Op. cit, p.49.
33
Idem, p.50.
34
SOUINDOULA, Simão. Mercantilismo, colonialismo e factos culturais para o desenvolvimento em
Angola: análise histórica. In: Mensagem. Revista Angolana de Cultura 5. Luanda Angola, ENDIPU/UEE,
1990, p.24.

24
noções do direito português, da arte de guerra, construção de igrejas, escolas. Prometeram
agir com respeito, sem ofensas e criar sempre que possível um paralelo africano da
sociedade portuguesa. Também constava dos acordos e regimentos evitar conflitos e
disputas entre africanos e europeus que moravam no Congo. E quando acontecessem os
conflitos, deveriam ser resolvidos amigavelmente e os transgressores repatriados, julgados
e punidos em Lisboa, Portugal. Por outro lado, o regimento insistia que Mani, o Rei,
deveria fornecer carregamentos aos navios de retorno a Portugal35 . Numa das cartas que D.
Manuel escreveu a Simão da Silva, português que residia no Congo, ha via ordens para que
o mesmo fornecesse todas as informações políticas, militares e comerciais, ainda
acrescentando o seguinte:

Embora o nosso principal desejo seja de servir Deus e aprazer ao rei do Congo
não obstante vós (Simão da Silva) tentareis fazê-lo compreender – como se
falásseis em nosso nome o que deve fazer para encher os navios quer seja com
escravos, cobre ou marfim 36 .

Essa orientação foi recusada pelo rei do Congo, contudo, os portugueses usaram
estratégias que colocariam os nativos numa situação bastante difícil. Os portugueses,
naquela época, criaram intrigas, inimizades entre os reinos para penetrar no interior do
país, causando guerra. Uma dessas guerras era denominada kuata-kuata 37 .
O reino de Ngola, ao sul do Congo, se apercebeu das intenções dos portugueses e
manteve-se hostil à ocupação. Entre 1605 e 1641 verificaram-se grandes campanhas
militares dos portugueses, entretanto, devido à resistência do reino de Ngola, dos reinos do
interior e sul da Angola, as incursões não foram favoráveis. Nesta luta de resistência
destacam-se a liderança e resistência, da rainha Nzinga Mbandi, de 1581-1663, assunto que
será abordado mais adiante. Em 1617, Manuel Cerveira chegou ao litoral sul, subjugou os
reis dos povos Mundombe e Hanha e estabeleceu uma estação na localidade que hoje é a
cidade de Benguela. Tal como em Luanda, passou a funcionar uma pequena estação
administrativa colonial. Foi em Benguela onde desembarcaram os primeiros missionários
que fundaram a Igreja Congregacional38 .
O tráfico de escravos passou a ser negócio bastante lucrativo aos portugueses,
provocando o esvaziamento dos povos angolanos, colocando assim em decadência a

35
DAVIDSON, Basil. Mãe negra: os anos de provocação. Lisboa, Editora Sá da Costa, 1961, p.24.
36
Idem, p. 24.
37
Guerra de kuata-kuata. Designação dada à guerra que os portugueses desencadearam em Angola com o
objetivo de pegar a força pessoas para a escravidão.
38
Revista. Angola hoje: 25 anos de Independência. Op. cit, p.50.

25
agricultura local e hostilizando social e politicamente os reinos. Esse comércio de africanos
escravizados foi abolido teoricamente a nível internacional em 1836. Segundo Moisés
Kamabaya, na prática os escravos continuaram a trabalhar passando para a nomenclatura
de servente (grifo nosso). O escravo já não era vendido nem comprado, mas contratavam-
se os seus serviços segundo a lei promulgada em 1878. A mudança de nome de escravo
para servente não significava nada, pois crianças, mulheres e homens ainda eram
arrancados da sua casa para as plantações européias em S. Tomé, Américas e no país de
origem. Em 1899, foi criada outra lei denominada “Trabalho Corretivo”, lei de trabalho
escravo por castigo 39 .
As disputas territoriais pelas terras africanas que envolviam países econômica e
militarmente mais fortes que Portugal, tal é o caso da França, Inglaterra e Alemanha,
constituía motivo de preocupação para Portugal. Como medida de manter o que havia
usurpado, com urgência reforçou o domínio no terreno ocupado e reformulou a sua política
colonial. A política adotada em relação à economia angolana se baseava na exportação de
matérias primas produzidas na colônia, incluindo borracha, marfim e minerais. Em 1906
acrescentaram-se os impostos que eram cobrados à população nativa 40 . A situação
desumana criada durante todo o processo da ocupação e posteriormente da colonização,
criaram no povo angolano resistência ao longo desse tempo.
A partir de 1950 levantam-se os movimentos nacionalistas que começaram a lutar
contra o regime opressor colonial e reivindicar a independência. Anos depois de entre
outros, a criação Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), fundado em
1956; Frente Nacional para Libertação de Angola (FNLA), fundada em 1961; e a União
Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), fundada em 1966. Depois de
41
longos confrontos, o país alcança a independência em 11 de novembro de 1975 . Por
coincidência o dia 11 de novembro também é a data em que a Igreja Evangélica
Congregacional em Angola comemora o aniversário da sua implantação pelos primeiros
missionários.
A Igreja Congregacional foi implantada no contexto social, político, econômico e
religioso peculiar.

39
KAMABAYA, Moisés. O Renascimento da Personalidade Africana. Luanda, Editorial Nzila, 2003, p.86.
40
Revista. Angola hoje: 25 anos de Independência. Op. cit., p.51.
41
Revista. Angola hoje. 25 anos de independência. Luanda, Ano 1-Nº1 – julho/agosto/setembro, 2001, p.50.

26
1.2.2– Análise do contexto social

Toda sociedade tem seu sistema de organização que propõe relações entre seus
membros, buscando a harmonia, a coesão e o bem estar comum. Para Casiano Floristan a
sociedade é um sistema de interações onde todos dependem de todos, os indivíduos têm
sua posição (pai, filho, empresário, funcionário, obreiro etc.), que pode ser chamada de
status. Existe meio de controle social onde os membros da sociedade são orientados a
conhecerem seus direitos e seus deveres. A sociedade, através da formação, demonstra aos
42
indivíduos como se deve atuar .
Na sociedade angolana, se observava a organização social por linhagens familiares.
As linhagens eram extensas, compostas por famílias nucleares geradoras de solidariedade
na sociedade. Esses núcleos não se articulavam isoladamente, mas estabeleciam vínculos
fortes, que se alargavam até às amizades, pois os amigos e amigas tornavam-se parentes. A
família isolada não existia, pois os princípios de consangüinidade e a participação da vida
comunitária abrangia todos e os antepassados. A posse da terra não podia ser individual,
mas sim coletivos onde os membros da família alargada usufruem bens e trabalham para o
bem comum.
Nesse conceito de organização social, perpassa o provérbio umbundu conforme
aponta Maria Chela Cikueka: “Usitue ocumba, ocali oco civokayako”, traduzido é, o
parentesco é incompleto e a graça é que enche. Significa que, a vida não se completa com
os parentes, mas ela se completa com todas/os, parentes e não parentes pelo amor 43 .
No período em que se implantou a Igreja Congregacional, a sociedade angolana se
declarava linhagens familiares que descenderam dos mesmos ancestrais maternos ou
paternos 44 . Era comum a família outorgar a alguém autoridade e esta pessoa exercer
democraticamente as funções de sacerdote, regendo a família e o solo legado pelos
antepassados, pois eles eram considerados forças tutelares presentes na vida da família e da
comunidade. A função principal da chefia familiar consistia na representação da família,
dos antepassados, no direito da posse da terra, assim como na produção e na função

42
FLORISTAN, Casiano; TAMAYO, Juan José. Dicionário abreviado de pastoral. ESTELLA Navarra
Espana, Editorial Verbo Divino, 1988, p.368.
43
CHIKUEKA, Maria Chela. Angola: Torchbearers. Toronto Ontário, ISBN, 1999, p.140.
44
MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da Igreja Evangélica Congregacional em Angola. São
Bernardo do Campo, dissertação de mestrado apresentado ao Instituto Metodista de Ensino Superior, 1992,
p.28.

27
sacerdotal. Normalmente, esta representação familiar recaía sobre aquele cuja conduta
moral era menos repreensível e que merecesse o respeito da família 45 .
Na família nuclear, ao homem cabia a responsabilidade de coordenar, garantir a
alimentação, o vestuário e a saúde para a esposa e filhos. Às mulheres cabia o papel de
mãe procriadora e perpetuadora das gerações futuras, portanto, quanto mais filhos tivessem
maior era o prestígio delas perante a sociedade. Esse conceito foi desaparecendo.
Havia o processo que outorgava a mulher para o casamento, o alambamento, que
era o processo tradicional, ou seja, as formalidades realizadas pelas famílias dos cônjuges
para se autorizar o casamento. Esse processo começava por encontros das duas famílias
que abordavam sobre os cônjuges e sua vida futura, terminando com a doação de bens,
conhecido por dote, da família do noivo para a família da noiva, antes do dia do
casamento. Não faltaram exageros de algumas famílias ao estipularem os bens a serem
recebidos no alambamento, que tinha por objetivo garantir, perpetuar o casamento e o
compromisso das duas famílias de viverem juntas.
Esses acordos tornavam o casamento em um ato jurídico legitimado pelo
alambamento. Esse processo ainda é observado até os dias de hoje, embora de forma
simbólica principalmente nas cidades. 46
Verifica-se que o processo não segue seus passos como era no passado isso talvez
se justifique em parte pelas tendências negativas que por vezes acabam prejudicando um
dos cônjuges, a mulher. Em muitas famílias é a mulher que acaba por suportar as
conseqüências. Por exemplo, quando o marido morresse e se a mulher tivesse menos de
três filhos, esta depois do luto era devolvida para sua família de origem sem os bens. A
mulher com três ou mais filhos podia permanecer. Algumas igrejas combateram esse tipo
de prática na cultura e outras se mantiveram neutras.
A organização familiar também é parte integrante da organização sócio-política da
sociedade. A vida social pré-colonial do povo angolano era constituída por duas partes: a
primeira era a aldeia, chamada imbo na língua umbundu. A aldeia também era subdividida
em seções com o nome de olosongo, que eram constituídas por famílias. Os moradores da
aldeia chamavam-se nungambo. A segunda parte era o reino, constituído por sub-reinos
(atumbo), e por sua vez os sub-reinos eram compostos por um certo número de aldeias. A
sede do reino chamava Ombala e era ali onde se encontravam as estruturas administrativas

45
MILHEIRO, Mário. A família tribal. Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1952, p.30.
46
ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Bantu. Luanda Angola, Secretaria Arquidiocesana de
Pastoral, 1985, p.17.

28
do reino, onde morava o rei que, de acordo com o povo e língua, variava o nome. Por
exemplo, os ovimbundu chamavam Osoma que mal pronunciado passou para Soba. O
palácio onde morava o Soba se chamava Elombe47 .
Em geral no Elombe, segundo Maria Chela, encontrava-se a seguinte estrutura:
residência do Soba, onjango, etambo e estruturas administrativas. Nele estavam plantadas
preferencialmente árvores chamadas mulemba. O onjango era a estrutura educacional da
comunidade, assunto que será analisado no segundo capítulo. O etambo era o santuário ou
casa onde se realizavam orações aos antepassados. Outras estruturas serviam para a
administração do governo 48 .
O estudo realizado recentemente pelo Ministério da Administração do Território
revela que na ampla diversidade cultural da Angola, o exercício da autoridade tradicional
era relevante nos diferentes momentos da vida nas comunidades49 .
A autoridade interferia concretamente na estrutura sócio-cultural, econômica e
jurídica, incentivando a agricultura, base da economia das populações. Em relação ao
aspecto jurídico, a autoridade tradicional resolvia conflitos e desavenças ligadas a
indivíduos e famílias, reconciliando-os por meio de conselhos. Caso fosse necessário,
aplicavam-se punições aos culpados. No aspecto moral, a autoridade era a guardiã dos usos
e costumes e da história do respectivo povo. Na sociedade angolana, predominava a
oralidade, por esta razão, a autoridade garantia a fidelidade dos usos, costumes e
instituições tradicionais. Sendo assim, todos os membros da sociedade respeitavam,
reconheciam e acolhiam com agrado as orientações provenientes dos Sobas dirigidas às
comunidades 50 .
Nessa época, na maioria dos casos, a liderança era de sucessão uterina, isto é, de pai
para filho ou de tios para sobrinhos. Nos ovimbundu, era a linhagem materna que tinha o
privilégio de produzir autoridade no reino ou sub-reino. Caso a linhagem não tivesse
homem com qualidades, escolhia-se alguém na família paterna. Portanto, além de ser na
linhagem materna onde se escolhia a autoridade, tinha que ser somente na linhagem dos
reis. Nesse assunto, João Pedro em seu artigo acrescenta que:

Naquilo que é a cultura tradicional dos povos Ovimbundu, uma pessoa para ser
Soba tem de pertencer à genealogia de família de sobas de uma determinada
região ou comunidade. Do contrário, não tem qualquer possibilidade. Por seu

47
CHIKUEKA, Maria Chela.Op., cit, p.17.
48
Idem, p.17.
49
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO – MAT. Op. cit, p.31.
50
Idem, p.33.

29
lado, as mulheres só podem ser entronizadas quando não existam mais filhos
homens. Assim, qualquer mulher que seja filha de Soba e desde que tenha
capacidade suficiente para governar, é entronizada 51 .

Com a explicação de João Pedro percebe-se que nos ovimbundu a mulher assumia
liderança quando não havia homem com o perfil desejado para governar. E quando esta
assumia, posteriormente o marido era responsável pelo cargo dela 52 .
Uma vez escolhido o rei e seu elenco, o exercício do poder era relacional, pois os
pressupostos de governo estavam firmados na idéia de que toda e qualquer organização
sócio-política encarna va a vontade e poder do povo, expresso no seguinte provérbio:
“mbeu kalondi kochisingi, omano vo kapako”, cuja tradução literal é “cágado não sobe no
tronco a não ser por intermédio do povo ou veredicto popular”.
É importante salientar que os reis africanos no poder cumpriam uma série de regras
traçadas pelos antepassados. Caso isso não acontecesse ou se constatasse tendência de
abuso de poder ou manipulação de regras para aumentar o poder, o povo tinha o direito de
se levantar contra o rei e afastá- lo do governo, baseado no provérbio acima citado, partindo
de princípio de que “um individuo é rei porque o povo o colocou como rei”. Basil
Davidson diz que o fato de ir contra normas estabelecidas pelos ancestrais, sendo estas
mais fortes que a vontade de qualquer rei, culpabilizava o líder 53 .
Para que não ocorressem erros, ganâncias, excesso de poder e outras atrocidades, os
reis eram submetidos a fazer solenes promessas publicamente. Os representantes do povo
eram os responsáveis pela instrução direta e prática do rei escolhido e tinham também o
dever de transmitir ao rei o que o povo desejava de seu líder. Geralmente, o povo
transmitia para o líder por meio dos representantes o seguinte:

Nós não desejamos a ganância,


Nós não desejamos que seus ouvidos sejam duros,
Nós não desejamos que chame imbecil ao povo,
Nós não desejamos que ele decida sozinho,
Nós não desejamos que se diga alguma vez: “não tenho tempo, não tenho tempo
Nós não desejamos violência pessoal54 .

51
PEDRO, João. O onjango na tradição dos povos umbundu. http://www.ritosdeangola.com.br. Capturado
em agosto de 2004.
52
Idem.
53
DAVIDSON, Basil. Mãe negra. Op., cit, p.157.
54
Idem, p.157.

30
O povo também exigia que o novo líder agisse com modéstia, paciência e que
tivesse como maior preocupação amparar os necessitados e a gente comum, e consultasse
seus conselheiros antes de tomar qualquer decisão importante 55 .
Em Angola, no Centro Sul, na região do Huambo os ovimbundu ostentavam uma
organização sóciopolítico piramidal, cuja corte era constituída pelos membros abaixo
descritos, bem como as respectivas responsabilidades de cada um:
Soba – Autoridade máxima do reino, responsável pelo governo da região, pela
prosperidade, pela vida religiosa, a manutenção e amparo aos deficientes, órfãos, pobres e
viúvas.
Rainha – Primeira esposa do rei, em umbundu tratada por Inaculu.
Soma Epalanga – Substituto direto do rei em suas ausências
Soma Cilala – Cuidava do local das caveiras de antigos Sobas, local conhecido como
Akokotos.
Soma Cikola – Substituto do Soma Cilala.
Soma Citonga – Tomava conta do fogo do Jango, da limpeza e da ordem. Também era
responsável pela aquisição do fogo produzido no tronco da árvore seca.
Soma Ucilã – Sua responsabilidade era assegurar os movimentos do Soba, enquanto
estivesse a dançar.
Soma Henjengo – Em cada sentença tinha a obrigação de estipular e aumentar o valor da
multa ou castigo, como forma de disciplinar as pessoas.
Soma Calufele – Colaborador do Soma Henjengo.
Soma Muecalo – Tinha a responsabilidade de levar todos os dias a cadeira (feita de couro
denominado ocalo) do Soba 56 .
Soma Ndalu – Segurava o animal durante o abate e cuidava do sangue.
Soma lombundi – Sua responsabilidade era abrir e fechar todas as entradas e saídas da
Embala.
Soma Cikakula – Era quem arranjava capim para a preparação dos porcos depois de
abatidos. Também era o responsável pelas queimadas do lixo.
Soma Kesenje – Conselheiro direto do Soba e juiz.
Soma Lusenje – Conselheiro e Juiz Adjunto do Soba.

55
DAVIDSON, Basil. Mãe negra. Op. cit p.157.
56
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO – MAT. 1.o Encontro nacional sobre a
autoridade tradicional em Angola. Luanda - República de Angola, Editorial Nzila, 2003, p.97-98.

31
Soma Sindako – Este era o estado maior, o general das forças para manter inviolável o
Reino e continuar com a ocupação de outras parcelas de terras.
Soma Ekundukundu – Este, depois do abate de uma cabeça de gado, era obrigado a retirar
a parte que trava a canga e levar para a casa do Soba.
Soma Sipata – Guarda-costa do Soba, trazendo sempre a espada consigo.
Soma Kapitango – Chefe da unidade e proteção física da Embala (palácio).
Soma Tembuasoma – Eunuco que cuidava das mulheres do Soba.
Soma Muehombo – Cuidava de todo gado que o palácio possuía.
Soma Sunguahanga – Responsável pela informação e mobilização.
Soma Ndaka – Mensageiro.
Soma Lumbungulu – Responsável pela iluminação no palácio 57 .

O Soba, pelo direito da nobreza, possuía mais de uma mulher. A primeira que
consta na relação da corte, mais quatro mulheres, que também tinham suas
responsabilidades. E assim encontravam-se:
Nangandala – Nos rituais e viagens, ela tinha a responsabilidade de levar a quinda, que
tem a forma cônica, isto é, afunilada na base e larga na superfície. A quinda é feita
artesanalmente pelas mulheres e serve como utensílio doméstico. A Nangandala levava a
quinda à cabeça contendo cabaça de bebida, azeite de dendê, alimento já cozido para o
Soba58 .
Ciwo Cipembe – Cozinheira do Soba. A responsabilidade nutricional era desta mulher, os
cardápios e o cozimento dos alimentos eram realizados por ela 59 . Lídia Cutala, filha de um
Soba, supõe-se que esta mulher tinha uma formação culinária, porque na cultura dos
ovimbundu os homens faziam sua última refeição do dia juntos no onjango. Então a Ciwo
Cipembe tinha de ser escolhida entre as mulheres que sabiam preparar devidamente os
alimentos ao gosto da corte 60 .
Mbavela – Era a empregada. Providenciava as condições necessárias para as refeições do
Soba. Colocava os alimentos à disposição.
Siya – Mulher jovem entregue ao Soba para com ele viver, tomava conta da comida e a
degustava antes de entregá- la ao Soba. A bebida também era provada por ela antes do

57
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO – MAT. Op. cit, p.98.
58
Idem, p.98.
59
Idem, p.98.
60
Entrevista concedida à pesquisadora por Lídia Cutala. São Bernardo do Campo São Paulo, novembro de
2003.

32
Soba61 . A Siya detectava casos de alimento envenenado ou contaminado por qualquer
microorganismo patogênico. A relação entre as quatro mulheres e o Soba, era mais político
do que conjugal62 .
As quatro mulheres eram escolhidas pelos representantes do povo e pela primeira
mulher. Normalmente, estas quatro, uma vez escolhidas, aceitavam as pretensões da
comunidade e da corte 63 .
Dentro da corte havia ainda um outro conselho jurídico, denominado Muekalia.
Va Muekalia – Era um setor especial. Era responsável pela eleição dos Sobas, dava
sugestões e orientações quanto ao suprimento das necessidades da população. Também era
o órgão deliberador do poder64 .
Esse era um dos tipos de organização socio-política que se registrava. Entretanto,
vale lembrar que na África também existia o tipo de organização sócio-político de poder
invisível, termo usado por Basil Davidson, que era característica de governo dos povos
Dinka, Karimojong e outros.
Os Dinka viviam à volta do Nilo Superior. Por ser a área destes povos inundada na
época das chuvas e não poderem viver no mesmo lugar o ano inteiro, tinham três
habitações regulares. A primeira, a habitação onde as pessoas idosas ficavam praticando a
agricultura, em lugares elevados. A segundo eram os lugares de acampamentos de pasto,
onde adultos e jovens ficavam na época das chuvas. O terceiro era o lugar da época de
seca, onde os membros de diferentes acampamentos se juntavam. Os jovens praticavam
concursos de dança, música, caça e ajudavam a levarem manadas ao pasto. Este povo tinha
uma organização, que Basil Davidson chamou de governo invisível 65 . A organização
consistia em agrupamentos de certo número de famílias constituídas por marido, mulher,
filhos e avós. Por sua vez, estas famílias pertenciam a uma grande família denominada
gol66 , responsável pela conduta de seus membros. Cada gol era coordenada por um
conselho de anciãos, respeitado pelo seu bom senso, caráter e pelo conhecimento profundo

61
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO – MAT. Op., cit, p. 98.
62
Entrevista concedida à pesquisadora por Lídia Cutala. São Bernardo do Campo São Paulo, novembro de
2003.
63
Idem.
64
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO – MAT – MAT. Op. Cit. p.98.
65
DAVIDSON, Basil. À descoberta do passado de África. Lisboa Portugal, Editora Sá da Costa, 1981, p.
149.
66
Gol, agrupamento de famílias nucleares no sistema de governo invisível dos povos dinka que viviam no
Nilo Superior.

33
das regras da vida e o zelo para que essas se cumprissem. Eram apoiadas pela instrução
comunitária das famílias 67 .
Todas as grandes famílias do acampamento de pastagem pertenciam a uma
organização mais vasta que era a comunidade denominada wut, que significa
acampamento. Cada acampamento também possuía o conselho de anciões, que era
responsável pela transmissão de conhecimentos e solução dos problemas 68 .
Além dos Dinka, havia outros povos que estavam organizados em sistemas que não
eram de reinos, os Karimojong, que viviam ao norte da Uganda, eram criadores de gado,
vivendo em terras diferentes dos Dinka. Eles tiveram que ajustar-se às condições precárias
ocasionadas pelas secas e por vezes pelas pragas de gafanhotos. Era necessário estudar
minuciosamente a sua terra, em especial os recursos hídricos e os vários tipos de ervas.
Também organizavam o sistema de acampamentos para o pasto e mudavam mediante as
estações do ano. Embora mantivessem aldeias fixas, onde as mulheres e os velhos
cultivavam alimentos, os homens Karimojong apascentavam continuamente o gado, o que
os fazia passar a maior parte do tempo nos acampamentos. Nesses acampamentos
adotaram formas de levar todos os homens a reconhecerem as mesmas regras e aplicá- las
na educação e resolução de problemas ligados ao pasto. A solução encontrada foi de se
organizarem em grupos etários 69 .
Os grupos etários se estabeleciam a partir dos 10 anos, até os 60 anos. Abaixo dos
10 anos não tinham responsabilidade na comunidade, acima dos 60 anos eram
considerados anciãos. Estes não levavam gado ao pasto, ficavam na aldeia realizando
atividades agrícolas, de conselheiros e a educação das crianças. Cada grupo etário era
instruído nas leis, nos costumes e nas regras que deviam ser cumpridas, nas crenças
religiosas e outras pelas quais explicavam o mundo em que viviam, sobre o país e a
conduta correta. Desenvolviam o sentimento comunitário pela educação, demonstrando
que o individuo era importante, mas a comunidade vinha em primeiro lugar. A educação
tinha o objetivo de ensinar ao grupo que a sobrevivência de todos dependia da maneira
correta de cada um se comportar. Os jovens, após regressarem dos treinos, eram
considerados adultos e assumiam responsabilidades na comunidade ligadas à solução de
problemas e outras questões ligadas à comunidade 70 .

67
DAVIDSON, Basil. Op. cit, p.149
68
DAVIDSON, Basil. Op. Cit, p.149.
69
Idem, p.144.
70
Idem, p.146.

34
Assim, nos Karimojong, segundo Basil Davidson, era possível se observar um
governo sem governantes, sem polícia, nem funcionários, sem exército, nem aldeia capital,
ficando denominado “governo invisível”71 .
Os dois tipos de organização sócio-políticos, visível e invisível, estavam presentes
na África. De uma forma geral, na organização social da Angola e da África, a
representatividade das mulheres nos governos, era e continua a ser extremamente
desproporcional em relação aos homens, apesar de seu papel preponderante em todas as
esferas da vida.
Mesmo a cultura do cristianismo implantado em África, não evidenciava na prática
a igualdade entre homens e mulheres. Maria José Nunes, em relação à situação das
mulheres no cristianismo ao longo dos tempos, diz que elas ficaram relegadas ao segundo
plano no patriarcal da igreja, da teologia e da sociedade 72 . Ainda comenta que a exclusão
das mulheres na liderança da igreja foi estruturada e solidificada em conformidade com a
imposição daquela época quando o ensino na sociedade estava a cargo dos homens e
pensavam que os mesmos deveriam ter a sucessão na igreja, limitando cada ve z mais a
participação das mulheres como mestre da fé 73 .
Essa sociedade estava fundamentada no pai de família e poucas mulheres tinham
autonomia. A tradição religiosa e civil considerava as mulheres inferiores e impuras e por
isto elas eram impedidas de presidir a própria comunhão. As filosofias divulgadas pela
igreja recorreriam ao pensamento platônico, que interpretava as mulheres como seres
inferiores, que impediam o filósofo de alcançar o “puro estágio da filosofia”. O mesmo se
verifica no pensamento de Agostinho que fez uso da dicotomia platônica referente ao
mundo sensível e ao mundo das idéias, que ele denomina por idéias divinas, afirmava que
a mulher era a fonte da concupiscência e do prazer carnal74 .
Casiano Floristan também nos remete à idéia da situação a que as mulheres estavam
condicionadas ao longo da história, e diz que a mulher tem sido discriminada pelos
condicionamentos religiosos, culturais e econômicos que se devem na sociedade patriarcal.
Tanto na sociedade civil como na sociedade religiosa a práxis eclesial da Igreja tornou o

71
DAVIDSON, Basil. Op. cit, p.146.
72
NUNES, Maria José F. Rosado. De mulheres a deuses. In: Revisando Paradigma. Estudos de Religião
nº.13, São Bernardo do Ca mpo, UMESP, 1997, p.106.
73
Idem, p.106.
74
Idem, p.108.

35
espaço limitado para as mulheres. Entretanto elas sempre fizeram trabalho na igreja
servindo a Deus mediante suas ações e que ficaram conhecidas como a ordem das viúvas 75 .
As mulheres sustentadas pelas igrejas também trabalharam para a própria igreja,
instruindo outras mulheres e cuidando dos enfermos, o que criou a ordem das “viúvas e
virgens”, conceitos criados por Inácio de Loyola. Justo Gonzalez diz que essas mulheres
decidiam não se casar para se dedicarem integralmente ao trabalho da igreja. Mais tarde, se
deu origem às ordens monásticas femininas, o que leva a perceber que o monaquismo
feminino que se deu no contexto da igreja local e é mais antigo que o monaquismo
masculino 76 . Foi pelo do trabalho que as mulheres reconstruíram seu espaço, quebrando
paradigmas, mostrando e provando suas competências nas igrejas e na sociedade, até os
dias de hoje. Na África e em Angola, em particular, algumas igrejas ainda não mostraram
simpatia ao ministério pastoral feminino e à participação das mulheres.
Casiano Floristan nos remete à idéia do poder que leva à transformação, onde se
busca um poder fundamentado na posição de servir baseado na prática do lava pés e na
transmissão da esperança de uma vida melhor. Para ele a pastoral deve ser a que liberta os
oprimidos, os marginalizados, os invisíveis, por intermédio de uma liderança em que o
poder é usado a serviço do desfavorecido, para libertá- lo e torná- lo participante dessa
pastoral77 .

1.2.3– Análise do contexto político

Neste subtítulo pretende-se analisar as condições políticas em Angola, no período


em que a Junta Americana para Comissões Estrangeiras implantou a Igreja Evangélica
Congregacional em Angola, em 1880. Nesse período havia movimentações internacionais
que culminaram na divisão da África, na Conferência de Berlim realizada de novembro de
1884 a fevereiro de 1885.
As nações européias entraram em conflito à procura de mão-de-obra e matérias-
primas para as indústrias. Com relação a este assunto, Lawrence W. Henderson afirma o
seguinte:

75
FLORISTAN, Casiano. Teologia prática. Teoria e práxis de la accion pastoral. Salamanca Espana, p.342.
76
GONZALEZ, Justo L. A era dos Gigantes. Uma história ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Vida Nova,
1980, p.58.
77
FLORISTAN, Casiano. Conceptos fundamentais de pastoral. Madrid, Edições Cristiandad, 1983, p.28.

36
O capitalismo industrial tinha mais necessidades de mão-de-obra em África para
trabalhar as matérias-primas destinadas às fábricas da Europa e da América, para
construir estradas e caminhos de ferro e ainda para fornecer o mercado dos
produtos europeus, do que precisava de escravos para cultivar a cana de açúcar, o
algodão e o tabaco, nas Américas78 .

Neste processo, Lawrence W. Henderson considera que a Angola constituía um dos


espaços da corrida à África, onde os interesses de Portugal, França, Bélgica, Alemanha e
Inglaterra colidiam na foz do rio Zaire 79 .
Isto acontece quatro anos depois da fundação da Igreja Congregacional. As
determinações da Conferência de Berlim culminaram com as divisões geográficas e sociais
de alguns povos do continente africano e fizeram com que a igreja em Angola se sentisse
envolvida nesse conflito internacional. Verificaram-se rivalidades no relacionamento entre
os missionários protestantes (ingleses, americanos e alemães) e os missionários católicos
portugueses. Na visão de Lawrence W. Henderson, o caso que aconteceu no sul da Angola
mostrava tais rivalidades devido ao procedimento adotado pela Igreja Católica. Quando os
missionários alemães abandonaram as missões luteranas, a Igreja Católica ocupou-as
quando Portugal conseguiu vencer o conflito com a Alemanha 80 .
Naquela época, a propaganda internacional que se veiculava a corrida para África
dava a entender que as igrejas em Angola tinham sido implantadas em solo português, o
que não constituía a verdade. Até o fim do século XIX, Portugal controlava somente uma
estreita faixa costeira do solo angolano. O solo político de Angola consistia numa faixa
portuguesa contra os povos Bosquímanes e Koisas, primeiros habitantes do território
angolano, e mais nove reinos africanos: Kongo, Ndongo, Matamba, Kassanje, Mbailundu,
Ndulu, Viye, Cokwe, Kwanyama81 .
No período da implantação da Igreja Congregacional, as lutas contra a ocupação
colonial estavam em ação. Nestas lutas contra a ocupação colonial, os povos dos reinos
acima referenciados lutaram e sacrificaram-se em prol da integridade dos reinos. Antes
deste período, ainda em relação à resistência da Angola, torna-se relevante falar da rainha
Nzinga Mbandi, que até hoje é tida como figura e símbolo da resistência contra a ocupação
colonial e a escravatura 82 .

78
HENDERSON, Lawrence W. A igreja em Angola. Lisboa, Edições Além-Mar, 1990, p. 15.
79
Idem, p.15.
80
Idem, p.16.
81
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit, p.16.
82
Nzinga Mbandi se tornou Rainha do reino do Ndongo. A sua coragem e inteligência fascinaram todo o
povo angolano que vê nela o símbolo da resistência contra os colonialistas.

37
A rainha Nzinga Mbandi mostrava-se uma figura com capacidades e estratégias
políticas jamais vistas no cenário político da Angola. Uma das suas estratégias consistiu na
articulação de coligações com os demais reinos existentes em Angola. Dirigiu guerras
contra a ocupação colonial e tráfico, articulou coligações e encorajava os outros reis da
Angola a resistirem contra a ocupação e tráfico de escravos por todo o país 83 .
Aliado ao seu talento de liderança, acredita-se que seu sucesso também se deu, em
parte, pela formação guerreira que adquiriu dos povos Jacas, por sua própria iniciativa.
Carlos Serrano 84 relata como eram os rituais de iniciação guerreira nos quilombos dos
Jacas onde a rainha fez a formação.
Os ritos eram liderados pelo comandante do quilombo e sua esposa. Os candidatos
eram benzidos pela esposa do comandante no dia da festa, que era o dia da admissão de
iniciação. Os homens armados e enfeitados concentravam-se na praça do quilombo em
ordem, com reverência se colocava os cofres de restos mortais de algumas líderes na praça.
Em seguida, a equipe de tocadores e dançarinos e o povo honravam os antepassados com
cânticos e danças. A esposa do comandante era a pessoa indicada a efetuar a parte final do
ritual. Com uma pena de galinha, ela untava os candidatos com o ungüento no peito, nos
lombos e no braço direito. Dessa maneira os candidatos eram considerados purificados85 .
No quilombo se estabelecia uma nova centralização de poder, baseada na estrutura
militar necessária para fazer face aos eventuais inimigos. Estabelecia-se transversalmente
as estruturas de linhagem86 .
A formação guerreira que a Rainha adquiriu junto dos Jacas foi de grande
importância em sua carreira. Pois, diz Carlos Serrano que a Rainha em 1640 ataca com os
seus guerreiros o forte Massangano, onde suas duas irmãs, Cambu e Fungi, estavam
aprisionadas e onde acabaram por executar Fungi. A Rainha, aproveitando a ocupação de
Luanda pelos holandeses, recupera alguns territórios de Ngola. Ela coloca as forças
portuguesas numa enrascada que obrigou o Brasil a envolver-se militarmente com o envio
das forças armadas em socorro aos portugueses. Naquela época, o socorro tinha sido
comandado pelo general Salvador Correia de Sá e Benevides, para restaurar a ocupação de

83
MINISTÈRIO DA EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA. História – iniciação à história. Ensino
de base 4ª classe. Lisboa Portugal, Artes Gráficas, 2000, p.108.
84
Carlos H. Serrano, é angolano, atualmente professor de antropologia na USP.
85
MINISTÈRIO DA EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA. Op. cit.,p.109.
86
Idem, p.109.

38
Luanda e estender a ocupação para o interior do país. A tática usada pelos portugueses, o
material bélico e ajudas externas fizeram com que penetrassem o interior da Angola 87 .
A Rainha morreu aos 82 anos, em 17 de dezembro de 1663. Sucede-a na liderança
sua irmã Cambu, continuadora de sua memória. Conclui Serrano que:

A resistência de Nzinga à ocupação colonial e ao tráfico de escravos no reino


por cerca de quarenta anos, usando de várias táticas e estratégias que vão desde a
conversão ao cristianismo até as práticas Jacas, é fonte para a criação de um
imaginário que se impôs como símbolo de luta contra a opressão.88

Para Carlos Serrano, a Memória de Ginga traz a memória de Zumbi no Brasil, pois
eram da mesma origem89 .
Homens, mulheres e crianças eram escravizados e serviam de mão-de-obra
lucrativa. Simão Souindoula reforça essa afirmação ao escrever que:

Assim, toda existência das sociedades “angolanas” dependia inteiramente do


tráfico de escravos e, como era sempre necessário ter mais escravo, faziam sempre
pressão para conduzir as expedições militares: os centros mercantilistas estavam
sempre empenhados nas operações “angolanas” e estes últimos contra as outras
populações “angolanas” como as dos territórios do Lwena e da Huila Njau (...). Em
suma, de 1500 a 1900, as sociedades “angolanas” articularam-se violentamente
com o tráfico mercantilista 90 .

Neste cenário político, a situação das mulheres foi extremamente dolorosa, pois
além de perderem seus filhos, esposos e parentes presos nas guerras, muitas foram
vendidas a preços especiais, por serem bonitas e por vezes por acompanhar seus maridos e
filhos. A formação das mulheres ficou comprometida devido à intranqüilidade causada
pelos maltratos e guerras. Particularmente no reinado do Bailundo, no período da
implantação da Igreja Congregacional, a situação política era de alerta pelas constantes
guerras incitadas pelos portugueses com o intuito de ocupar o planalto central, área onde se
instalou a primeira estação missionária 91 .

87
SERRANO, Carlos H. Ginga, a rainha Quilombola de Matamba e Angola.
www.mnoticias.8m.com/_cserrano.htm. Texto capturado em julho de 2004.
88
Idem.
89
Idem.
90
SOUINDOLA, Simão. Mercantilismo, colonialismo e factos culturais para o desenvolvimento em Angola:
análise histórica. In: Revista angolana de cultura. Luanda, ENDIPU/UEE, 1990, p. 28.
91
SOUINDOLA, Simão. Op. cit, p.22.

39
1.2.4– Análise do contexto econômico

O povo angolano desenvolvia como principais atividades econômicas a agricultura,


a pesca, a caça, a criação de gado, o comércio local e externo. Também se produziam
diversos artigos artesanais. O comércio do marfim, da cera de abelhas e de borracha fazia
com que a comercialização e a transação dos produtos exigisse uma organização que
envolvia homens adultos e jovens. O comércio a longa distância necessitava da
participação das pessoas para o carregamento de produtos. Nisto era importante organizar
caravanas que pudessem transportar os produtos de um lado para o outro a fim de serem
vendidos.
Na região do Huambo, os homens eram incorporados às caravanas desde a idade
em que conseguiam carregar uma considerável quantidade de produto, até mais ou menos
cinqüenta anos de idade e desde que tivesse condições físicas para agüentar longas viagens.
As mulheres jovens também faziam parte destas caravanas 92 . Elas tinham grandes
responsabilidades neste período de transações comerciais, por serem as provedoras do
mantimento familiar e das caravanas. A agricultura era a principal atividade, que gerava
alimentos para todos. Elas saíam para os campos de manhã cedo, levando consigo suas
enxadas, na companhia dos filhos pequenos. Preparavam a terra para o cultivo do milho, da
mandioca, da batata-doce, do pepino, da abóbora, do amendoim e de outros produtos 93 .
Maria Chela Cikueka, em sua obra, vai além e fornece os nomes de outros produtos
cultivados, que Henderson não menciona. Ela os descreve na terminologia umbund u:
issiakala, olonamba, inguandanguanda, ovongongo, atila, assonyua, itende, ovielu,
atanga94 . Regressando do campo, as mulheres traziam nos cestos produtos para alimentar
as famílias, visitantes, viajantes ou hóspedes e necessitados da comunidade. Também
carregavam por cima do cesto, além dos produtos mencionados, lenha e algumas traziam
bebês às costas. Aos homens cabia a responsabilidade de construir casas e prover alimentos
de caça e pesca 95 .
Os cardápios das refeições eram baseados na polenta, conhecido por pirão em
português em umbundu e kimbundu é iputa e fungi respectivamente. Com os cereais e
tubérculos (milho, sorgo, oluku, batata-doce, batata-rena) produzidos se fazia o pirão que

92
HENDERSON, Lawrence W. A Igreja em Angola. Lisboa, Edições Além Mar, 1990, p.18.
93
Idem, p.18.
94
Produtos alimentares produzidos localmente sendo que não encontramos nomes correspondentes em
português.
95
CHIKUEKA, Maria Chela. Angola – Torchbearers. Toronto Canada, ISBN, 1999, p.37.

40
se constituía na principal fonte de carboidratos. O pirão era acompanhado de feijão ou
lentilha, variedade de verduras, que normalmente eram folhas de mandioqueira, feijoeiro,
batata doce, aboboreira, entre outros e constituíam a fonte de sais minerais. As frutas
como: lohengo, lonsia, lombula, catetembula, vingonguilã, oloholola, olomuinyo, amui 96 , e
outros tipos satisfaziam as necessidades fisiológicas vitamínicas das famílias. As proteínas
provenientes da carne de caça e da criação, do peixe, que era adquirido através da pesca
artesanal e outros 97 . O amendoim, as sementes de abóboras, gergelim, atanga e outros
produtos, satisfaziam o nutriente lipídeo. Consumia-se também o mel, rico em vitaminas e
glicídeos, assim como outros produtos mencionados por Maria Chela.
Henderson afirma que:
Embora a caça fizesse parte da economia de todos os povos de Angola, ela
desempenhava um papel mais importante na vida econômica dos Lunda-Chokwe
do que nos outros, porque tanto homens como mulheres tomavam parte da
caçada embora a de menor envergadura. No caso dos povos Ambó, os Nhaneca e
os Herero, tinham como base econômica a criação de gado98 .

Com a presença dos portugueses, o sistema econômico sofreu grande revezes e o


próprio povo angolano passou a ser produto de comércio bastante lucrativo, conforme já
foi mencionado. Simão Souindoula mostra como as transformações políticas, mudanças
sociais e culturais, antes de 1600 e até 1900, tiveram como causa o desenvolvimento do
mercantilismo 99 . Acrescenta que:

Os fenômenos culturais que resultaram dos contactos entre as civilizações


angolana e européia, emergem deste contexto mercantilista. A
vida econômica mercantilista deu, quase mecanicamente ou num determinismo
fatal, um comportamento mercantilista 100 .

A escravatura perpetrada pela Europa durante a colonização da África é um mal


cujas consequências são registradas até hoje. O negro é discriminado e desprovido de
condições favoráveis à vida. Os negros na África foram homens e mulheres livres, porém
escravizados a partir da captura. Foram feitos escravos, carregados como condenados e
tratados como objetos.

96
Frutas encontradas localmente sendo que não encontramos correspondência em português.
97
Também fazia parte da gastronomia os seguintes: gafanhotos, ovongu, okalomba, topeiras e etc.
98
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit, p.18.
99
SOUINDOULA, Simão. Mercantilismo, colonialismo e factos culturais para o desenvolvimento em
Angola: análise histórica. In: Mensagem – Revista Angolana de Cultura. ENDIPU/UEE, Portugal, Editorial
Caminho, 1990, p.22.
100
SOUINDOULA, Simão. Op. cit., p.24

41
Explica Hugues D. Ans que a exploração e o tráfico de africanos para a escravatura
nas Américas tornou-se uma realidade. Ali os africanos trabalhavam em serviços
domésticos, nas plantações de produtos agrícolas, aravam a terra, transportavam os
produtos para o porto, onde também eram carregadores dos marinheiros. Acrescenta
Hugues D. Ans, que para além do trabalho mencionado, era comum efetuar outros
trabalhos, como por exemplo, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro e outras cidades em
1858:

Nas praças e ruas movimentadas, estavam as negras quituteiras, vendendo doces,


enquanto outras passavam com um cesto na cabeça, oferecendo mangas e
bananas. Outras já colocavam um tamborete e ficavam sentadas diante do
tabuleiro ou de um pequeno tacho fritando bolinhos ou acarajé 101 .

Também comenta que havia aquelas que acompanhavam as senhoras brancas para
as tarefas imediatas, lavar roupa e cozinhar. As negras do Congo, de Moçambique, e de
Benguela (Angola) faziam parte do proletariado negro no Brasil e eram vistas trabalhando
não só nas plantações, nas moendas, mas também nas ruas comercializando outros
produtos de seus senhores. Segundo Hugues D’ans, havia nas ruas de São Paulo, do Rio de
Janeiro e da Bahia algumas delas com bochechas tatuadas e anéis de cobre, algumas
carregando seus filhos ao colo ou às costas, em manto. As crianças cresciam sem saber o
que lhes esperava no futuro e as mães viam seus filhos serem vendidos cedo. Eles eram
usados para fazer mudanças, ir buscar água e levar até as casas, para retirar vasos noturnos
de fezes e urina e jogá-los ao mar102 .
No processo de captura na África, alguns chefes africanos eram corrompidos e se
envolviam a favor dos colonizadores103 . Estes chefes tinham medo de perder os seus
privilégios 104 . Evidentemente nem todos os chefes africanos se corrompiam, a maioria foi
fiel, preferindo a morte em lugar de trair seus irmãos.
Os capturados eram desprovidos de condições mínimas, muitos morriam durante a
viagem em virtude de fome, doenças e maus tratos. Nelson Piletti e Claudino Piletti,
comentando sobre a viagem dos africanos capturados, asseveram:

101
D,ANS, Hugues (org.),. Mulher: da escravidão à libertação. São Paulo, Edições Paulinas, 1989, p7.
102
Idem, p.8.
103
PILETTI, Nelson. História do Brasil: da pré-história do Brasil aos dias atuais. 13ª ed. São Paulo, Editora
Ática, 1991, p.63.
104
Ministério da Educação da República de Angola. Op. cit, p.104.

42
A viagem da África para as Américas e Europa era uma tragédia para os
negros.
Eles vinham amontoados e acorrentados, durante meses, nos porões dos
navios onde comiam o pouco que lhes davam, e ali mesmo faziam suas
necessidades. Má alimentação, falta de higiene, doenças e morte, assim
era a viagem105 .

O tráfico, assim como todo o processo mercantilista, ignorava as relações familiares


e das comunidades. Isso aconteceu tanto dentro da África como fora dela. Simão
Souindoula afirma que diante de tais circunstâncias a transmissão do saber cultural, do
“saber fazer” técnico para o desenvolvimento, é conturbada pelo tráfico de angolanos 106 .
O contexto econômico no período da implantação da Igreja se baseava na troca de
produtos entre povos mais próximos e povos de países distantes como o sal, a borracha, o
marfim, o pano de ráfia (libongo), cereais, animais e outros. Utilizavam como moeda os
zimbos. Com a ocupação dos portugueses se acresceu ao comércio a captura de pessoas 107 .

1.2.5– Análise do contexto religioso

Depois deste panorama sobre o contexto econômico na África e em Angola, se


focalizará a religião angolana antes da implantação do cristianismo. A religião, segundo,
Casiano Floristan, se refere genericamente às relações entre o ser humano e a
transcendência. Tal relação tem sido de múltiplas manifestações ao longo da história 108 .
A religião tradicional africana, segundo Raul Altuna:

(...) é caracterizada por uma unidade que brota da crença em um só Deus Criador
da única vida participada. Os componentes da religião tradicional bantu: noção
clara de um Ser Supremo Criador, crença em seres intermediários, antepassados
muito ativos e ligados ao mundo visível e que por isso são honrados com
profusão de cultos 109 .

Muitos missionários, ao penetrarem em solo africano e em particular angolano não


perceberam que estavam implantando igrejas para povos ricos em substrato religioso, razão
pela qual o cristianismo foi aceita de forma assustadora. O comentário de Lawrence W.

105
PILETTI, Nelson e PILETTI, Claudino. História e vida: Brasil da pré-história á independência. Volume
1, São Paulo, Editora Ática, 1993, p78.
106
SOUINDOULA, Simão. Op., cit., p.26.
107
Ministério da Educação da República de Angola. Op. cit, p.85.
108
FLORISTAN, Casiano; TAMAYO, Juan José. Diccionário abreviado de pastoral. ESTELLA Navarra,
Editorial Verbo Divino, 1998, p.388.
109
ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura tradicional Bantu. 2ª ed. Luanda Angola, Secretaria
Arquidiocesano de pastoral, 1993, p.371.

43
Henderson em seu texto evidencia a interpretação equivocada que os missionários fizeram
a respeito da religião angolana, ao dizer que:

Eles classificaram a religião tradicional africana como uma superstição, visto não
conter os princípios elementares da religião ocidental, ou seja, princípios
doutrinários, uma estrutura eclesiástica e Escrituras. Contudo, à medida que os
missionários iam aprendendo as línguas do povo no seio do qual trabalhavam,
foram levados a constatar diretamente com o “universo” da religião africana110 .

Com relação ao mesmo assunto, Tiago Manuel, na sua dissertação, analisa que a
religião angolana tem sido enquadrada dentro das características dos povos bantu, ao se
conceber que o angolano na sua religião tradicional acredita nos seres espirituais dos seus
ancestrais 111 . A interação da força vital com outras pessoas na comunidade não termina
com a morte. Mesmo depois da morte, a participação vital do morto é experimentada na
comunidade em geral e no lar. É a isso que os ocidentais descreveram por “O Culto dos
Africanos a seus Ancestrais” 112 .
Desta designação citada veio a caracterização da religião angolana e até mesmo
africana como animista, naturalista, ancestralista etc. Conceitos desta natureza nasceram do
fraco aprofundamento de pesquisadores e historiadores, que de forma preconceituosa
fizeram crer que a religião angolana ou mesmo africana se baseava na idolatria. O
ancestralismo, ou seja, a crença nos habitantes do mundo invisível e a sua influência,
nunca substituíram o lugar do verdadeiro Deus na sua fé113 . Ainda referindo-se à mesma
questão, considera que o povo bantu é monoteísta por acreditar na existência do Deus
único, pessoal, invisível e inexplicável114 .
A religião tradicional angolana, apesar de ser firmada nos mesmos fundamentos,
não apresenta a natureza uniforme, quer na concepção do mesmo mistério, quer na
elaboração e efetuação da mesma liturgia, de região para região, de sacerdote para
sacerdote, contudo o substrato da religião dos bantu é o mesmo. Em toda religião bantu
predomina uma concepção de vida e poder da força vital cuja fonte é Deus. Essa força não
é estática, sim dinâmica e perpassa toda a filosofia dos povos e seu conceito está ligado ao
pensamento mais abstrato da noção do ser, tendo o duplo sentido que associa ser e força. O

110
HENDERSON, Lawrence W. A igreja em Angola. Lisboa, Edições Além-Mar, 1990, p.29.
111
MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da igreja evangélica congregacional em Angola. Instituto
Metodista de Ensino Superior, dissertação de mestrado, São Bernardo do Campo, 1992, p.22.
112
SETILOANE, Gabriel M. Teologia Africana. Uma introdução. São Bernardo do Campo, EDITEO, 1992,
p.33.
113
Idem, p.33.
114
MANUEL, Tiago. Op., cit., p.24.

44
ser é que possui a força que abarca: Deus, os indivíduos vivos e falecidos, animais, plantas
e minerais. Toda a criação tem sua própria força, o Muntu, ser humano, é força vital dotada
de inteligência 115 .
Angel S. J. Santos remete a outra palavra, bintu, que significa força não dotada de
inteligência, não viva. Acima de todas estas forças reina Deus, Espírito criador que tem
força por si mesmo. Depois de Deus vem os fundadores das diferentes linhagens e povos,
aos que Deus comunica sua força vital e poder de transmiti- las às gerações seguintes116 .
Três pontos da atuação das forças que regem este mundo:
– O ser humano vivo ou defunto pode reforçar ou diminuir outro homem em seu ser.
– A força vital humana pode influir diretamente na força dos seres inferiores, ou seja, nos
bintu.
– O espírito que pode atuar diretamente, comunicando sua influência a uma força
interior 117 .
Esses pontos indicam que os bantu tiveram sua própria filosofia, na qual se
encontrava explícita a vida que procede de Deus e a participação do ser humano na mesma
vida através da força vital. A união vital comunica às linhagens familiares e fundadores. A
mesma força perpetua-se e comunica nas comunidades e sociedades. Aponta, Basil
Davidson que a religião dos africanos permeava a vida social das comunidades porque era
uma política prática 118 .
Esse substrato da religião veio favorecer a compreensão do Evangelho.

115
SANTOS, Angel S. J. Teologia sistemática de la mision. ESTELLA (Navarra) Editora Verbo Divino,
1991, p.588.
116
Idem, p.588.
117
Idem, p.588.
118
DAVIDSON, Basil. Op., cit, p.157.

45
1.3– A implantação e desenvolvimento da Igreja Evangélica Congregacional em
Angola

1.3.1– A origem do congregacionalismo

Ao falar sobre a mulher congregacional em Angola com o tema “A mulher


Evangélica Congregacional em Angola: análise do processo de formação pastoral da
mulher no período de 1965-1975” faz-se necessário discorrer em linhas gerais sobre a
origem do congregacionalismo, como chegou aos Estados Unidos da América, até ser
implantado e desenvolver-se em Angola.
Na Inglaterra, o espírito reformista protestante desenvolveu a criação do
movimento puritano, que se identificava em grupos eclesiásticos definidos, isto na época
dos reis Eduardo VI e Isabel119 . O rei era representante do país e ao mesmo tempo
representante máximo da Igreja. Não havia desvinculação entre Igreja e Estado. O
movimento puritano que se manifestou assumiu tendências diferentes, sendo um grupo da
própria igreja nacional, que desejava combater o mundanismo dos costumes vigentes na
sociedade inglesa, os meios eclesiásticos mais simples, o ritualismo e aparato do clero da
igreja mais simples120 .
Outro grupo que concordava com os ideais da reforma continental e mais próximo
dos valores evangélicos eram os presbiterianos e independentes. Por influência do sistema
de Calvino implantado em Genebra, os presbiterianos pregavam o modelo corporativo para
a Igreja Nacional121 .
Os independentes defendiam não o critério de uma Igreja Nacional, mas o de
igrejas ou comunidades autônomas dirigidas pelas próprias assembléias locais, sem
interferências legislativas de qualquer outra entidade, civil ou eclesiástica. Daí a
designação “os independentes”, nome pelo qual os congregacionais eram conhecidos 122 .
Tais tendências no terreno eclesiástico exerceram pressão que visava a constituição
de uma igreja organizada, hierarquizada e administrativa. Outra pressão se baseava na
criação de uma comunidade flexível, que se acomodasse a todas as diferenças locais e
pessoais. Quando a Rainha Isabel assumiu o poder, não sendo católica nem protestante,

119
FILHO, Manoel Porto. Congregacionalismo Brasileiro. Rio de Janeiro, Edição Comemorativa do 70º
Aniversário da União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil, 1983, p.11.
120
FILHO, Manoel Porto. Op. cit, p.11.
121
Idem, p.11.
122
Idem,, p.11.

46
precisou estabelecer ordem no país. Ela consolidou a Igreja Anglicana que exigia o uso do
Livro de Oração Comum e o Ato de Supremacia que apontava o Rei como chefe da
Igreja123 .
A rigorosa observância exigida fez com que se fortalecesse o grupo dos puritanos,
que contribuíram com o surgimento dos primeiros dissidentes separatistas com
características e idéias presbiterianas, e outros com idéias características formadas de
congregacionais independentes e autônomos. Após as dissidências, verificaram-se
perseguições às comunidades separatistas a ponto de condená- las, isto entre 1567 e 1568,
em Londres 124 .
Em virtude das perseguições, os congregacionalistas se refugiaram na Holanda, de
onde posteriormente decidiram emigrar para o Novo Mundo, isto é, Estados Unidos da
América, em 1620, em um navio denominado Mayflower, com 102 membros. Chegaram
em 10 de novembro de 1620, em Cap Cod e depois mudaram para um porto, que
chamaram de Plymouth, em recordação ao porto inglês que haviam deixado 125 .
Durante a caminhada, acordos foram firmados e se resumem no que Manoel Porto
Filho coloca:

A bordo os peregrinos haviam assinado um Pacto, relativo à colônia que iriam


fundar e à fidelidade com que se conduziriam em relação a Deus e uns aos outros.
Na base desse pacto foi organizada a primeira comunidade congregacionalista na
América, como extensão da Igreja de Scrooby, emigrada na Holanda 126 .

Estes homens e mulheres que fundaram seu último refúgio nas praias da baía de
Plymouth sentiam-se livres da perseguição a que muitas vezes foram submetidos. As
igrejas que vieram mais tarde a se estabelecerem nos Estados Unidos da América,
adotaram o sistema de organização congregacional como forma viável de expandir e
desenvolver a igreja. Os grupos de imigrantes anglicanos que chegaram em Salém, na
costa de Massachussetts em 1628 e 1629, adotaram o mesmo sistema congregacionalista.
Com relação a essa postura, Manoel Porto Filho diz que: o congregacionalismo foi
adotado, ali, não por convicção nem por conversão doutrinária, mas por expediente
político administrativo127 .

123
FILHO, Manoel Porto. Op. cit, p.17.
124
Idem, p.18.
125
Idem p.20.
126
Idem, p.20.
127
Idem, p.21.

47
Com o tempo, a influência do movimento puritano nas igrejas dos Estados Unidos
da América veio a apresentar características peculiares. Uma das peculiaridades é a
separação da Igreja e do Estado, apesar de conviverem na religião civil. Outra
particularidade era a diversidade de confissão religiosa nas treze colônias, que fez com que
ao se confederarem negassem instituir o estabelecimento de uma igreja oficial após a
revolução de 1775-1783. Mas o que se verificava era o estabelecimento civil da auto-
imagem religiosa do povo americano. Sentiam que ao projetarem sua viagem de
colonização, fizeram- na “para a glória de Deus, avanço da fé cristã e honra do rei e
país”128 .
Afirmavam também que como Josué havia conquistado a terra prometida, os
americanos viam como seu Destino Manifesto conquistar o continente, espelhando os
benefícios de uma civilização republicana e protestante por toda a parte. Como
cumprimento do destino manifesto, foram organizadas juntas para missões estrangeiras,
pessoas voluntárias levaram como parte da bagagem evangelística a cultura, a religião e a
motivação missionária, de fazer com que os menos afortunados compartilhassem dos
benefícios da civilização protestant-bíblico-americana 129 .
Foi neste espírito que missões em várias partes do mundo foram empreendidas com
a finalidade de atingir outros povos. Os missionários eram enviados em nome das igrejas
ou juntas para proclamar o Evangelho, as boas novas que, segundo as escrituras do Novo
Testamento, deveriam ser levadas ao mundo inteiro e a toda criatura (Mt 28.19-20;
Mc16.15) “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do
Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho
mandado; e eis que eu estou convosco, todos os dias, até a consumação do século”.
Durante a proclamação do evangelho, os missionários exerceram grandes
influências na cultura, tentando transformar hábitos africanos em hábitos da cultura
européia, influenciar através do evangelho cristianizado e repleto da cultura ocidental a
cultura do povo encontrado. Hoje se sabe que todos os povos da raça humana possuem
alguns conhecimentos e uma certa crença num Deus Supremo. Porém, salienta-se que
muitos se converteram ao cristianismo como resultado dos esforços missionário s nos
últimos séculos 130 .

128
REILY, Duncan A. História Documental do protestantismo no Brasil. São Paulo, ASTE, 1984, p. 19.
129
Idem p.19.
130
NEILL, Stephen. História das missões. São Paulo, Editora Vida Nova, 2ª Ed, 1997, p.14.

48
1.3.2- A implantação da Igreja Congregacional em Huambo

O povo angolano, antes da chegada dos missionários católicos e protestantes com a


mensagem do evangelho, já tinha o conceito sobre Deus. Devido ao solo religiosamente
fértil que os missionários encontraram, a adesão do povo africano ao cristianismo foi
facilitada.
Angel Santos mostra que para um serviço de missões em uma área sócio-geográfico
é necessário que se tenha em conta os seguintes aspectos: o povo a ser evangelizado,
consequências do apostolado, o princípio da adaptação, condições de ordem etnográficas,
circunstâncias de origem linguística, ordem nacional política e a ordem religiosa 131 .
A implantação da Igreja Evangélica Congregacional em Angola, pelos
missionários, na qual as mulheres receberam formação pastoral, deu-se pela Junta
Americana de Comissários para as Missões Estrangeiras – ABCFM, em 1880. Segundo
Lawrence Henderson, essa Junta foi criada em 1810 em Boston – EUA. Sua criação foi
influenciada pelos jovens estudantes Williams College, em Massachussetts, EUA. Eles se
reuniam regularmente para orar e numa das ocasiões, sentiram o chamado de Deus através
da mensagem “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda a criatura” (Mc 16.15). Os
jovens convenceram as Igrejas Congregacionais de Massachussetts e Connecticut a
formarem a Junta Americana de Comissários para as Missões Estrangeiras (ABCFM) 132 .
Nessa época da escolha do campo missionário em Angola, a Junta já tinha campos
de missões na Índia, serviço iniciado dois anos depois de sua criação, em 1812. Tinha
também na África do Sul, serviço iniciado em 1836. A projeção de missões para Angola é
concretizada em 1880, com o objetivo de alcançar os povos da região centro sul da Angola,
predominantemente povoada pelos ovimbundu.

131
SANTOS, Angel S. J. Teologia sistemática de la mision. ESTELLA (Navarra) Editora Verbo Divino,
1991, p.32.
Antes da implantação da Igreja Congregacional em Angola, houve levantamento ou estudo da área
geográfica a ser convertida naquela época, 1880.
132
HENDERSON, Laurence W. A Igreja em Angola. Um Rio com várias correntes. Portugal, Editorial
Além-Mar, 1990, p.64-65.

49
A efetivação do serviço na área escolhida dependia da argumentação do Secretario
da Junta, o Dr. John O. Means. Este apresentou as razões da escolha da região que era do
Bié 133 e Cuanza. Foi assim que o Dr. John O. Means expôs à Junta os pontos que Lawrence
W. Henderson descreve:

1 – Esta região não foi ainda aberta ao comércio. Quando o Evangelho se segue
ao comércio, vai ter de enfrentar dois inimigos: não só os demônios do
paganismo, já bastante maus, como ainda, o que é pior, os demônios de uma
civilização corrupta e sem princípios.

2 – Esta área, de onde saíram muitos escravos, tem um significado muito


especial para os cristãos americanos, porque nós apoiamos a escravatura.

3 – É muito fácil chegar-se ao Cuanza e ao Bié. A sua configuração e a


estabilidade do povo e o relacionamento com as outras tribos do interior tornam
este campo particularmente atraente e convidativo134 .

Os argumentos apresentados pelo Secretário convenceram a Junta a dar o


consentimento para a fundação do serviço missionário em outubro de 1879 135 .
Percebe-se que o conceito que existia era de que se enfrentaria os demônios do
paganismo. Também pensavam que os povos na África não tinham consciência da
existência do Deus Criador do universo. Henderson afirma que os missionários, ao
chegarem em Angola, não se aperceberam de que encontrariam um solo fértil e rico para a
implantação da igreja, classificaram a religião tradicional africana como supersticiosa,
visto não conter princípios elementares da religião ocidental, uma estrutura eclesiástica e
escrituras. Entretanto, os missionários verificaram uma realidade religiosa diferente a
medida que foram aprendendo as línguas nacionais 136 .
A Junta considerava que teria significado para os membros da Igreja
Congregacional na América, levar o evangelho para esta região de Angola era importante
para os membros da igreja, porque os Estados Unidos da América apoiou a escravatura. Ao
que parece, havia também preocupação de levar uma imagem diferente da que o povo
angolano vivenciava com a invasão do europeu. Imagem do comprometimento com a
solidariedade cristã com os africanos, que até então eram maltratados no processo
mercantilista ocidental. È possível que se trate de um reconhecimento do fato da igreja nos
Estados Unidos ter apoiado a escravatura. Para tal Casiano Floristan, considera que o

133
Bié é um Estado angolano localizado no planalto central da Angola. Faz fronteira com o Estado Huambo,
região da nossa pesquisa.
134
HENDERSON, Laurence W. Op. cit, p.65-66.
135
Idem, p.66.
136
Idem, p.29.

50
reconhecimento deve gerar a prática de uma caridade que transforma os corpos e as
mentes, onde o rico reparte com o pobre, realizando assim a ação pastoral solidária, numa
perspectiva da práxis que leva a ruptura entre o status das pessoas. E esta postura para
Casiano é sensivelmente a conversão 137 .
Após a aceitação, em 1880, a Junta preparou a primeira expedição composta pelos
Revs. Willian W. Basgter, William Henry Sanders e pelo Prof. Samuel Taylor Miller.
Estes, antes de irem para Angola, partiram dos EUA para Portugal, onde estiveram por seis
meses aprendendo o português. Depois deste aprendizado fundamental para sua missão, os
missionários partiram, de navio, para Angola em 5 de outubro chegando em 13 de
novembro de 1880, em Benguela, litoral da Angola, que facilitava o acesso à entrada para
o Bié. A preparação para a viagem ao Bié foi realizada entre novembro de 1880 e março de
1881138 .
Para a concretização dos propósitos, os primeiros missionários do
congregacionalismo angolano tinham que alcançar a região mencionada. Tiveram que
organizar uma caravana, com destino à região do Bié, constituída por 95 homens, alguns
burros, bois e os missionários. Contrataram uma pessoa, conhecedora da rota, que servisse
de guia. Durante o percurso, William W. Bagster viajou montado num boi, William Henry
Sanders e Samuel Taylor Miller, no princípio da viagem, iam transportados nas tipóias139 e
depois a pé, fazendo um percurso de 480 Km140 .
A maior parte dos membros da caravana e os burros transportavam alimentação, os
demais transportavam diversos materiais e utensílios pertencentes aos missionários.
A viagem, segundo Ovídio de Freitas Chissengue, foi demasiadamente cansativa e
demorada, apesar das noites terem sido animadas com cânticos, danças e piadas. Durante o
dia os missionários, para desfazerem-se do calor e cansaço ao longo da viagem,
aproveitavam para dar alguns mergulhos nos grandes rios que encontravam141 .
Quando chegaram na área do Bailundo, região liderada por um grande Soba142 ,
Ekuikui II, tiveram que se apresentar antes de prosseguir a viagem. O Soba os recebeu

137
FLORISTAN, Casiano. Conceptos fundamentais de pastoral. Madrid, Edições Cristiandad, 1983, p.28.
138
HENDERSON, Lawrence W. Op cit p.66.
139
Tipóia, que na língua umbundu é denominado “owanda”, específico para transportar pessoas que não
conseguem andar ou caminhar a pé. Os Reis também tinham o privilégio de serem transportados em tipóias.
A tipóia é feita de cordas tecidas tecnicamente extraídas da casca da árvore, atado em dois paus de forma
transversal de modos a possibilitar que a pessoa transportada possa estar cômoda na tipóia.
140
HENDERSON, Laurence W. Op. cit, p.66.
141
CHISSENGUE, Ovídio de Freitas. Brochura mimiografada: Como começou a IECA. Lubango Angola,
IECA, p.11-12.
142
Soba vem de Soma: autoridade máxima tradicional que governa uma extensa região composta por sub-
regiões.

51
cordialmente, acomodando-os. Alguns dias depois, o Soba convocou os missionários para
que falassem do objetivo que os trazia a Angola. Aproveitando a oportunidade que lhes foi
dada, os missionários falaram ao Soba sobre a existência de um Deus e dos mandamentos
por Ele instituídos. Falaram também da necessidade que sentiam de revelar ao mundo tal
maravilha. Os missionários ficaram surpreendidos com a resposta do Soba ao responder
que se aquele era o objetivo e o fundamento do ensinamento que traziam ao povo, podiam
regressar porque o que acabavam de dizer não era novidade. O povo conhecia Deus
Supremo (Suku). Quanto aos mandamentos, também já eram conhecidos, pois ninguém
roubava ao outro, ainda que deixar a casa aberta, ninguém abusava da mulher do outro, os
filhos respeitavam os pais e tudo mais. Os missionários, diante de tal conflito, responderam
dizendo: “viemos também falar para o povo sobre Jesus Cristo, o filho de Deus”. O Soba,
ouvindo sobre Jesus Cristo, respondeu: “este sim nós não conhecemos. Podem ensinar ao
nosso povo do reinado aqui no Bailundo antes de prosseguirem a vossa viagem para o
Bié”143 .
Segundo revela Tarcísio P. Chokombongue, os missionários, não concordando com
a decisão do Soba do Bailundo, tentaram partir para o Bié. Porém, antes de chegarem à
região fronteiriça com o Bié, localidade Vihele, subreino liderado por um súdito do Soba
Ekuikui II, foram impedidos de prosseguir. Os missionários, diante da situação
embaraçosa, não tiveram alternativa senão regressar para o Bailundo e apresentar-se
novamente ao Soba Ekuikui II. Conformaram-se com a situação e dar início ao trabalho
evangelístico na localidade de Chilume, vasto espaço geográfico que lhes foi cedido pelo
Soba para o efeito. Foi assim que se criou a primeira missão no centro de Angola, com a
designação Missão Evangélica do Bailundo 144 .
O cenário da entrada dos missionários nessa região aconteceu no período antes dos
portugueses invadirem a área do Huambo. Com exceção de um português chamado Braga,
que posteriormente, veio a fomentar intrigas, por instalar na localidade sua atividade
comercial de bebidas alcoólicas. A Igreja Evangélica Congregacional foi a primeira Igreja
Cristã protestante a ser implantada na região do Huambo antes da invasão dos portugueses,
antes da implantação da Igreja Católica na região. Entretanto, é importante ressaltar que a

143
HENDERSON, Laurence W. Op. cit p.68.
144
CHOkOMBONGUE, Pedro Tarcísio. O congregacionalismo: Origem, desenvolvimento e consolidação da
igreja evangélica congregacional no solo Angola .Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
do seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, 2002, p.91.

52
primeira igreja protestante a ser fundada em Angola foi a Igreja Batista, em S. Salvador ao
norte da Angola, em 8 de agosto de 1878, pela Sociedade Missionária Batista 145 .
Em 1884, um incidente que interromperia o serviço iniciado os aguardava. Braga, o
comerciante português vendedor de bebida alcoólica, sentindo raiva dos missionários pelo
fato dos mesmos proibirem o consumo de bebida alcoólica, foi ter com o Soba, dizendo
que os brancos que ele havia acolhido eram perigosos. Também disse que eram capazes de
cavar um túnel no subsolo do Ombala, fazendo com que ela fosse soterrada com o Soba e o
povo. O Soba, ouvindo essa suposta advertência, que não passava de uma grande intriga de
Braga, mandou expulsá-los e queimar a estrutura onde haviam sido instalados.
Os missionários, diante desta situação, retornaram para Benguela, cidade portuária
por onde desembarcaram quando chegaram de Portugal. Lá permaneceram orando pedindo
que Deus transformasse o coração do Soba 146 . Dois anos antes desse incidente, ocorrido
em 1884, morre Bagster, chefe da missão. Os missionários enfrentaram dois problemas em
dois anos, a expulsão e a morte do companheiro 147 .
No momento da expulsão, também foram espoliados seus pertences, e nessa altura
um dos nativos queria apropriar-se de uma garrafa contendo líquido e esse foi alertado
imediatamente pelo missionário de que aquele líquido era altamente venenoso, uma vez
ingerido. Esta atitude do missionário, que embora sendo maltratado não deixou que um dos
nativos morresse por causa do produto que se tratava de um agrotóxico venenoso. Tal
atitude marcou a vida do povo, de forma que as mulheres, nas festas comemorativas, têm
realçado tal particularidade, pois é considerada atitude de compaixão dos missionários148 .
Essa é uma particularidade registrada pela tradição oral, não sendo encontrada em livros.
Pouco tempo depois, no mesmo ano, um missionário vindo do Zimbabwe (ex-
Rodêsia), que pertencia a outra comunidade protestante, Irmãos de Plymouth, Frederick
Stanley Arnot, desmentiu as informações do comerciante. Diz Henderson que era jovem de
23 anos, porém aprendera muito no contato que tivera com os reis africanos e comerciantes
europeus. O Soba, por sua vez arrependido, mandou um emissário para Benguela, pedindo
que os missionários voltassem e retomassem suas atividades. O pedido e arrependimento
do Soba encontram-se descritos na carta do Soba, da qual Henderson faz questão de revelar
o conteúdo:

145
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit. p.47.
146
Informação obtida através da representação cênica, retratando com pormenores a implantação da Igreja.
147
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit p.67.
148
Este detalhe tem sido evidenciado pelas mulheres nas representações cênicas alusivas à chegada dos
missionários em Angola. As mulheres também conseguiram reproduzir a cena em vídeo.

53
Ao sr. Sanders e Comitiva, missionários: desejo, de todo o coração, que voltem.
Eu procedi muito mal convosco e com as pessoas que convosco estão. Eu
procedi como se vos tivesse traído, tendo-os recebido primeiro como meus
amigos e meus filhos e depois mandando-vos embora como se fossem meus
inimigos. O Braga convenceu-me de uma maneira a que eu não consegui resistir.
Ele disse-me, em resumo, que, ao acolher aqueles ingleses, eu estava a fazer o
mesmo que se estivesse em guerra com os portugueses; que devíeis ser mortos.
Disseram-me que estão a pensar em ir para o Bié. Não vos deterei, como o fiz
quando aqui estivestes pela primeira vez, há cerca de três anos. Tendes toda esta
região ao vosso dispor: regressem e sejam meus amigos. Eu vou fazer todos os
possíveis de vos restituir o que então vos pertencia. Tenho oito fardos de roupa,
tenho ferramentas, livros etc, que vos pertencem. Tudo isso vos vai ser
devolvido. O meu povo chora. Estamos muito envergonhados. Voltem! Não
permitais que nosso nome cheire mal em toda a parte por causa do que o Braga
nos fez149 .

Os missionários, depois de terem recebido a carta, decidiram ir de novo para o


Bailundo, e quando chegaram o Soba e o povo ficaram contentes com a presença deles.
Agora era hora de retomar os trabalhos, pois se tratando de assuntos relacionados a Deus,
as coisas são sérias e era necessária uma aliança que indicasse a veracidade e a seriedade
da obra. Assim, o Soba, na presença do povo, disse aos missionários: “se a palavra que
trouxeram for para o bem do povo vamos plantar uma mulemba150 . Se a palavra for
verdadeira, a mulemba crescerá, mas se for falsa, a mulemba secará”. A partir daí, 1884, os
missionários foram autorizados a retomar suas atividades interrompidas e assim se fundou
a primeira estação missionária.
Em 1885, a Junta Canadiana nomeou o missionário Rev. Walter T. Currie e sua
esposa Clara Wilkes, que vieram juntar-se aos primeiros missionários, em 4 de junho de
1886151 . Infelizmente, Clara desembarcou já doente e em 24 de setembro do mesmo ano
acabou por falecer, devido a enfermidade. Currie e Clara eram os primeiros missionários
em Angola a serem enviados pela Junta Canadiana, Congregational Foreign Missionary
Society of British Nort 152 .
É dentro desse contexto político, econômico, social, histórico e geográfico que se
insere o nosso trabalho de pesquisa.

149
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit. p. 68.
150
Mulemba, árvore que em Angola é plantada nos espaços geográficos de cada família. Nos palácios
,simbolizando a autoridade. A árvore proporciona sombra e embaixo de sua sombra as autoridades se reúnem
para resolver problemas. Acredita-se também que ali os ancestrais juntam-se aos vivos quando estão reunidos
e funciona como o espaço do parlamento. As sociedades secretas (feiticeiros) também beneficiavam-se deste
lugar, fazendo suas programações.
151
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit, p.70.
152
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit, p. 69.

54
No primeiro contato dos missionários com o Soba, notamos que um dos modelos, o
teocêntrico, trazido pelos missionários, perdeu força porque o povo encontrado já conhecia
Deus, o que os obrigou a outros modelos, principalmente o cristocêntrico. Por meio deste
contato mais próximo, os missionários começaram a perceber que o povo angolano tinha
Deus.
Diversas formas foram utilizadas na expansão da Igreja Congregacional. Nisto, é
importante que sejam analisados os principais modelos pastorais usados na evangelização e
desenvolvimento da Igreja.

1.3.3– O modelo pastoral educacional

Com relação à mensagem cristã pregada pelos missionários, em princípio teve que
sofrer alterações pelo fato dos povos já encontrados conhecerem a Deus, a partir de seus
antepassados. Por esta razão, como já nos referimos, no primeiro encontro dos
missionários com o Soba Ekuikui II houve a necessidade de mudança do modelo pastoral
de teocêntrico para cristocêntrico.
Acordos e alianças foram firmados para o prosseguimento da evangelização. As
alianças que se registraram foram: a da plantação da mulemba, realizada em Bailundo e a
outra foi a da transmissão da força vital entre os povos, que aconteceu em Chissamba,
região onde a Junta Canadiana estabeleceu sua primeira estação missionária. A plantação
da mulemba obedecia à regra de que só se podia plantar no buraco cavado pelas duas
partes e em seguida a planta era segurada pelas duas partes e colocada no buraco.
A transmissão da força vital consistia no corte ligeiro atrás da mão das duas partes,
neste caso os missionários mensageiros e do povo encontrado e que foi realizado pelo do
Soba Canjundu. Depois do ligeiro corte, o missionário chupava um pouco de sangue do
Soba, que também chupava um pouco de sangue do missionário. Realizada a aliança,
estava articulada a relação de profundidade entre as partes e os missionários tinham
autorização de efetuar todo serviço de evangelização. A aliança da transmissão da força
vital era denominada okassendo, que significava a seriedade dos acordos e, principalmente,
por se tratar da obra em nome de Deus para o povo 153 .

153
CHIKUEKA, Maria Chela. Angola: Torchbearers. Ontário Toronto Canadá, ISBN, 1999, p.23.

55
A evangelização pelas escolas constituía um modelo pastoral com o objetivo de
ensinar o Evangelho e preparar os que já possuíam conhecimento da vida cristã para
ensinarem o Evangelho aos outros.
Quanto à obra educacional na região do Huambo, foi instalada antes das escolas do
Estado Colonial Português e da Igreja Católica Romana. Henderson diz que em todo país
vinte e sete professores regulares, dos quais quatorze eram padres e quatro eram mulheres
que davam aulas a sessenta e duas meninas em quatro escolas. Essas escolas quer primárias
quer de meninas e rapazes, a maioria estava localizada na faixa litorânea. A maioria em
Luanda, passando pelo Dondo até Malange. Na parte centro e sul havia escolas no Novo
Redondo, Benguela, Dombe Grande, Kakonda, Quilengues e Moçamedes. Portanto, no
interior do país, foi a Igreja Evangélica Congregacional que ensinou aos nativos ler e
escrever 154 .
A primeira escola primária no reino do Bailundo foi organizada pelo missionário
Samuel Miller, filho de uma família norte americana de origem africana, que depois de
uma longa vida de escravatura, foi liberta. A escola dele foi organizada ao ar livre,
embaixo de árvores. Tarcísio P. Chokombongue, citando Tucker, destaca que nesta ocasião
não havia carteiras nem bancos para acomodação dos alunos, por isso assentavam-se nos
troncos ou na grama 155 .
Comenta ainda Chokombonge que os primeiros nativos que afluíam à localidade de
Cilume ou outro lugar, não podiam ser chamados de alunos, por não terem tido um vínculo
regular com a escola, entretanto, eram mais admiradores ou simpatizantes dos
missionários. Contudo, os fatos confirmam que foram estes admiradores ou simpatizantes,
em todas as Missões, que formaram as primeiras turmas de alunos e, conseqüentemente, os
primeiros cristãos na Igreja Evangélica Congregacional em Angola e seus nomes estão
arrolados na vida e memória histórica da Igreja. As aulas iniciaram-se no dia 1º de janeiro
de 1882 e Miller foi o primeiro professor, isto é, o primeiro que a história angolana registra
a abrir uma escola formal em nome da Missão, para ensinar aos nativos no Planalto Central
a lerem e escreverem. A partir daí a escola passou a ser parte da comunidade 156 .
Entretanto, a educação para ser abraçada pelos povos ovimbundu, foi tarefa árdua
para os missionários, pois havia barreiras que se opunham à realização da obra. As

154
Idem, p. 169.
155
CHOKOMBONGUE, Pedro Tarcísio. O congregacionalismo: Origem, desenvolvimento e consolidação da
Igreja Evangélica Congregacional no solo Angola. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
do seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, 2002, p.93.
156
Idem, p.93.

56
primeiras barreiras eram de ordem social: a penetração dos missionários protestantes na
África Austral, no final do século XIX, coincidiu com o apogeu da comercialização da
borracha e marfim e, por isso, conforme já vimos, todos os homens adultos e jovens
saudáveis estavam envolvidos em negócios. Por outro lado, o interior não estava
completamente pacificado. Havia guerras contra os portugueses, que tentavam penetrar no
interior, e guerras entre os reinos. Esta situação requeria a disponibilidade de homens para
as frentes de combate, e de mulheres para produzirem os alimentos. A segunda barreira foi
de ordem religiosa 157 .
Os ovimbundu, segundo revela Tarcísio Pedro Chokombongue, achavam que
aqueles que iam à escola estavam envolvidos em feitiçarias, pensava-se que era necessário
penalizar a alma de alguém que ajudasse a promover sucessos nos estudos na escola. Tal
barreira religiosa levou os missionários a utilizarem diversos métodos para atraírem as
crianças à escola, que iam desde exercícios físicos e demonstração de audiovisual, até
distribuição aos alunos de algumas guloseimas e roupas. A primeira turma no Bailundo era
de vinte e dois alunos, dos quais somente três participavam regularmente e mostravam boa
vontade de aprenderem, os demais acabaram por desistir. Estes alunos não conheciam a
escola em tais moldes, pois a escola em sua cultura eram os onjangos, onde o ensinamento
era diferente. Por isso, Tarcísio P. Chokombongue acha que tal desistência não devia ser
chamada de absentismo. Diante desta realidade, o professor dava estímulos materiais aos
alunos que se destacavam. Por exemplo, “os alunos que se distinguissem nos cálculos
aritméticos recebiam como estímulos ginguba”158 .
O trabalho de formação catequético e evangelização prosseguiram até que em 14 de
maio de 1887 os missionários e a comunidade no Bailundo estavam celebrando a
organização da igreja local, com 14 angolanos convertidos. Os quatorze alunos eram:
“Keto Jacob, Ngulu Abraão, Kamundongo Tomás, Daniel, Esuvi Isaac, Nganda João,
Holokoso Filipe, Ekumbi Jeremias, Moisés, Kapiñala Nicodemos, Samba Pedro, Nguma
Mateus, Ulota Lot e Raquel”. Abre-se parênteses para explicar que o nome da Raquel em
umbundu e que foi omitido na lista é Essoko e esta era a única mulher no grupo. Estes
eram os primeiros alunos do professor Miller. Destes convertidos, Keto Jacob e Raquel,
realizaram o casamento de acordo com o ritual cristão protestante da igreja que surgia. Era
o primeiro casamento cristão no reino do Bailundo 159 .

157
Idem, p.93.
158
CHOKOMBONGUE, Pedro Tarcísio. Op. cit, p.93.
159
Idem, p.94.

57
A educação foi um dos modelos ut ilizados na expansão e proclamação do
evangelho.

1.3.4– O modelo pastoral cristocêntrico

Como vimos, o campo religioso em que se proclamava o Evangelho era favorável.


A aplicação do modelo cristocêntrico encontrou espaço nos angolanos da região do
Huambo, e foi utilizado na esperança do amor e da misericórdia de Deus, revelados em
Jesus Cristo como Senhor e Salvador fosse aceite pelo povo. A cruz e a ressurreição de
Jesus é o ponto de referência da própria vida dos ensinos do Jesus histórico. Trata-se da
encarnação de Deus em Jesus Cristo, evidencia a necessidade da evitar toda metafísica,
teoria ou abstração160 .
O povo conhecia Deus conforme declarações do Soba Ekuikui II, declaração essa
que foi confirmada pelos missionários à medida que foram aprendendo a língua do povo.
Para o angolano, Deus não era objeto de adoração em função de sua transcendência e
onipotência.
As práticas de culto eram prestadas a seres espirituais, os espíritos dos ancestrais
que a eles deviam sacrifício e ritos com objetivos de proteger os vivos dos perigos e da
morte e buscar as boas graças e a fidelidade. Esta religiosidade foi um fator que
possibilitou a expansão do cristianismo em Angola 161 .
A partir do modelo centrado em Cristo Jesus, os angolanos perceberam que Deus
Supremo (Suku, Zambi...) a quem eles já criam, era o mesmo Deus e pai de Jesus Cristo.
Perceberam também que o estilo de viver a fé em Cristo é o valor e fruto do Espírito de
Deus. Este modelo ajudou os nativos a entenderem a dimensão salvífica implementada por
Jesus Cristo.

160
SANTA ANA, Júlio. Pelas trilhas do mundo a caminho do reino. São Paulo, Imprensa Metodista, 1986,
p.78.
161
MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da Igreja Evangélica Congregacional em Angola. São
Bernardo Campo, dissertação de mestrado Instituto Metodista de Ensino Superior, 1992, p.106.

58
Este reconhecimento não foi combinado da cultura angolana no contexto real e
cotidiano, se tivermos em conta a colocação do professor Geoval Jacinto da Silva ao dizer
que:

O contexto que vive o homem (...) necessita de uma ação pastoral diversificada
que ajude o homem a encontrar-se consigo mesmo com Deus e com seu
próximo. A igreja ao elaborar sua pastoral, tem que levar em consideração o
homem dentro do seu ambiente 162 .

Não considerar os elementos culturais, segundo trata Augusto Chipesse, por vezes
acontece a transposição e superposição dos dois universos religiosos ou dupla
personalidade, em que o indivíduo passa a viver os dois universos religiosos onde nas
horas de crise, tal como morte, tristeza, doença, o indivíduo recorre a estruturas que lhe
permitem devoções aos espíritos ancestrais, elemento do substrato da sua religiosidade
163
anterior à conversão. Por ser a religião que penetrou a sua vida .

1.3.5– O modelo pastoral proselitista

A idéia consistia em tirar as pessoas africanas do paganismo. Isto desenvolveu a


conversão para a civilização ocidental em detrimento da civilização africana. Porém, tal
processo subjazia nos princípios do “destino manifesto” dos cristãos norte-americanos, que
consistia na implementação do mandato de Deus de levar a civilização cristã a todos os
povos por ser o novo Israel com esperança de se construir uma democracia cristã.
António G. Mendonça diz que o destino manifesto foi a religião americana com a
sua vasta empresa educacional e religiosa, que preparou e abriu caminho para o seu
expansionismo político e econômico 164 .
Parece que os missionários, influenciados por este avivamento nos Estados Unidos,
país de origem, transmitiram a mensagem com os valores culturais e morais da civilização
norte americana. Percebe-se na rejeição e depreciação dos valores culturais africanos, que
diziam ser incompatível com o cristianismo. Isto se comprova na região do Huambo, onde
os convertidos mudavam até de residência, construindo outra junto ao catequista ou
professor responsável pela criação da comunidade cristã na localidade.

162
SILVA, Geoval Jacinto da. Pastoral, Evangelização e promoção humana. Tese de mestrado, San José
Costa Rica, 1978, p. 196.
163
CHIPESSE, Augusto. Ser membro em Angola. Huambo Angola, trabalho mimiografado, p. 12.
164
MENDONCA, António Gouvêa. O celeste porvir. São Paulo, Edição Paulinas, 1984, p.57, 60.

59
Com isso, verificou-se o sectarismo, aldeia dos cristãos, aldeia dos considerados
mundanos e aldeia dos católicos. As diferenças eram nítidas entre as três aldeias, os
protestantes ou va melika significa os da América 165 , para além do evangelho aprendiam as
boas maneiras segundo preceitos ocidentais trazidos pelos missionários que se refletia na
maneira de ser, de falar e de vestir que os distinguia completamente. O modelo proselitista
se desenvolveu na base da experiência pessoal, com fundamento pietista e puritano. Este
modelo por vezes constituía contradição ao estilo de vida social angolana fundamentado na
vivência e experiência em comunidade.
As aldeias da Igreja Congregacional foram as que mais prosperaram até 1975, em
toda região do Huambo. O programa Melhoramento do Povo criou projetos de
desenvolvimento baseados nas técnicas da agricultura, da saúde, do saneamento básico,
escolas para crianças e adultos o que ajudou a Igreja no aumento de prosélitos.
Para Gabriel M. Setoane, muitos se tornaram condicionados, sofreram lavagem
cerebral, a ponto de, mesmo tendo elevada instrução, olharem para os outros africanos que
viviam a cultura africana com olhos de desprezo e inferioridade, semelhante ao modo
como os ocidentais que colonizaram a África e tornaram milhões de indivíduos escravos e
dependentes de pensamentos segundo seus padrões de sistemas e valores, assim como
espiritualidade. Muitos africanos internalizaram a imagem ocidental colonial, vendo os
outros com desdenho e esquecendo-se dos registros missionários e exploradores antigos
que testemunham as condições em que os ocidentais encontraram os povos africanos, de
sociedades que floresciam, as artes eram praticadas e sistemas de ordem regulavam a vida
em conjunto e tornavam possível a realização da vida comunitária e individual166 .

1.3.6- O modelo pastoral ecumênico

Ecumenismo vem do grego, de uma terminologia composta por duas palavras: oiko
que significa casa mais mene que significa um. Logo Oikomene vai significar Uma Casa,
mas o conceito se ampliou para mundo habitado. A raiz oikos, segundo Júlio H. de Santa
Ana, significava casa, lugar onde se vive, espaço onde se desenvolve a vida domèstica

165
Nomenclatura que o povo dava aos membros da Igreja Congregacional naquela época.
166
SETILOANE, Gabriel M. Teologia Africana. Uma Introdução. São Bernardo do Campo, EDITEO Rudge
Ramos, 1992, p.13.

60
onde as pessoas têm um mínimo de bem-estar 167 . Os cristãos utilizaram a palavra para
designar a sua organização. Atualmente a palavra ecumênica não só está ligada ao
relacionamento cristão e igrejas, mas também no âmbito político, econômico e cultural168 .
No protestantismo, a idéia ecumênica é resultante dos departamentos empenhados no
serviço missionário no mundo 169 .
A emergência do movimento pietista no início do século XVIII pelos calvinistas,
luteranos e anglicanos na Alemanha, Escandinávia, Países Baixos e Grã-Bretanha,
proporcionou o ecumenismo. Os pietistas vivenciaram uma unidade dos cristãos que
superava as barreiras denominacionais, que os comoveu a envolver-se em novos
movimentos missionários. O espírito ecumênico manifestou-se nos jovens e nas sociedades
bíblicas do século XIX 170 .
Contudo, foi no movimento missionário que a idéia prosperou e várias sociedades
missionárias não denominacionais criaram-se, por exemplo, a American Board na América
do Norte, Estados Unidos, a Sociedade Missionária de Leipzig com base confeccional
luterana como alternativa na sociedade de Basiléia 171 . No final do século XIX emergiram
no protestantismo as chamadas alianças confeccionais globais, os luteranos, os anglicanos,
os metodistas, os presbiterianos com uma aceitação entre eles nos campos missionários,
que acabou por subdivisões das áreas a serem evangelizadas 172 .
As iniciativas ecumênicas foram ganhando expressão, que evoluíram até os dias de
hoje. A Profa Lieve Troch, em sala de aulas, apontou as seguintes tendências: interação
entre tradições confeccionam (instituições), dentro do cristianismo, na perspectiva da
unidade e ação coletiva como igreja no mundo. O Conselho Mundial de Igrejas que agrega
300 igrejas cristãs, exceto a católica, é fruto desta tendência. Outra tendência refere-se ao
ecumenismo espiritual. Este procura explicar a mentalidade que as denominações devem
ter para continuar a se encontrarem a partir do conceito ecumênico que diz respeito às
reformas constantes nas igrejas, a fim de que as igrejas se aproximem mais do evangelho.
A tendência do ecumenismo de coração que evita reconhecer problemas existentes, mesmo
sabendo o que separa e o que une. Há a tendência do ecumenismo da hermenêutica de
confiança que diz respeito à preocupação com a verdade. Cada igreja tenta falar da

167
SANTA ANA, Júlio H. Ecumenismo e libertação. Petrópolis, Editora Vozes, 1987, p. 16.
168
Idem, p.16.
169
BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na Teologia da Missão. São
Leopoldo RS, Editora Sinodal, 2002, p. 546.
170
BOSCH, David J. Op. cit, p.546.
171
Idem, p.547.
172
BOSCH, David J. Op. cit, p.547.

61
mensagem verdadeira. Nesta tendência, se aceita que não só nós temos a verdade, mas os
outros também têm a verdade. Porém, não se descartam os problemas que as instituições
ecumênicas enfrentam ao relacionar-se com teologias diferentes das igrejas, a partir das
instituições internacionais 173 .
O espírito ecumênico influenciou os missionários da Igreja Congregacional a ponto
de não se preocupar em dar nome a Igreja por eles fundada, apesar de estarem ligados à
igreja mãe, conforme analise adiante.
Um dos frutos do ecumenismo ligado à formação pastoral é a criação do Seminário
Emanuel Unido. Esta é uma Instituição teológica para a formação de pastores que começou
como uma iniciativa da Igreja Congregacional. 174 . Posteriormente, foi aberta no Dôndi em
1956, pelas igrejas Evangélica Congregacional e Metodista Unida. Essas duas igrejas
fundadoras do Seminário acharam que esta devia ser dirigida por uma Junta de Curadores.
Em 1978, juntou-se à instituição a Igreja Reformada em Angola 175 .
Registra-se um relacionamento significativo entre as igrejas tratando entre muitos
assuntos, questões ligadas á paz, reconciliação e reconstrução nacional. Entretanto, para
alguns embora o ecumenismo é evidente, mas a unidade demonstrada pelas as igrejas deixa
a desejar.
Os modelos pastorais utilizados pela Igreja Congregacional contribuíram para a
evangelização do povo, formação pastoral e desenvolvimento da sociedade angolana. Isso
porque houve cooperação dos nativos.

1.4– A cooperação dos nativos no desenvolvimento da Igreja Congregacional

1.4.1– A cooperação dos nativos

A cooperação dos nativos efetuou-se de várias maneiras. Podemos afirmar que ela
começa no indivíduo que se ofereceu para ajudar naquilo que os missionários precisavam
para preparar a viagem de Benguela para o centro sul da Angola. Achamos também que a
cooperação dos nativos continua até hoje e não se restringe apenas aos convertidos, mas

173
TROCH, Lieve. Matéria dada em sala de aulas. São Bernardo do Campo, UMESP, junho de 2004.
174
Conselho Angolano de Igrejas Evangélicas. A serviço das igrejas. Op cit. p.31.
175
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit, p.31.

62
também a todos aqueles que, direta ou indiretamente, cooperaram na implantação e
desenvolvimento desta igreja.
Os carregadores da bagagem, os organizadores da caravana, os tradutores do
português para o umbundu e vice versa, os guias da caravana, as crianças, as mulheres, os
homens, os Sobas e seus representantes, os anciãos das aldeias e seus ajudantes, todos são
considerados cooperadores desta grandiosa obra missionária no território angolano.
Acrescenta-se, entre muitas, algumas ações empreendidas pelos nativos. A
concessão de terrenos para a construção de centros, escolas, templos e as próprias missões.
Mutirões para a construção das estruturas físicas, cooperação financeira, dedicação de
pessoas voluntárias, dos catequistas, evangelistas que foram os agentes da evangelização,
isto é, aqueles e aquelas que depois de capacitados estavam na vanguarda do serviço
missionário. Aceitação e acolhimento da mensagem pregada, que gerou grandes
transformações na cultura, na sociedade e contribuiu para o desenvolvimento da Igreja.
Nas aldeias e centros os professores tinham salários para minimizar essa situação.
Cada aluna e aluno prestava serviços na lavra do professor ou catequista, às quartas- feiras.
Pois, tinham entendido que a aderência às escolas trazia benefícios e progressos na vida de
cada um e da sociedade, o que de fato revela a compreensão da obra 176 .

1.4.2- As instituições da Igreja

O desenvolvimento da Igreja Congregacional em Angola – IECA, é dividido em


três etapas. A primeira desde a fundação em 1880; maio de 1887, onde foram batizados os
primeiros quatorze convertidos até 1930, ano em que a Igreja comemorou o aniversário de
cinqüenta anos, ou seja, o jubileu que foi antecedido pela ordenação do primeiro pastor,
Abraão Ngulu, em 1929 177 .
Portanto, a primeira etapa da vida da Igreja é de 1880 até 1930, que neste período
tinha nove mil membros em plena comunhão, seis mil catecúmenos. O documento não se
refere aos ouvintes, talvez por não serem considerados como membros da igreja, também
não dá detalhes de quantas mulheres e quantos homens entre os nove mil membros.

176
CHOKOMBONGE, Tarcísio Pedro. Op. cit., p.95.
177
I.E.C.A – Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Plano Estratégico (Qüinqüênio 2003-2007).
Huambo, 2003, p.8.

63
Segundo consta no documento, a Igreja tinha dez missões ou estações missionárias,
oitocentos e vinte e duas filiais denominadas também de centros 178 .
Nesse período, além das Estações Missionárias (Missões), se criaram instituições
educacionais e hospitalares, conforme cronologia apresentada por Maria Chela:

1880 Bailundo
1884 Camundongo
1886 Chissamba
1902 Chilesso
1906 Elende
1920 Dondi-Lutamo
1923 Galangue (Bunjei)
1924 Lobito179 .

Instituições criadas no Dôndi:


1914 Instituto Currie (Instituição de formação para rapazes)
1916 Escola Means (Instituição de formação para moças)
1921 Imprensa ( tipografia)
1921 Hospital 180 .

A segunda etapa é de 1929 a 1975, quando a formação de quadros médios e


superiores foram aceleradas e houve um desenvolvimento extraordinário nas zonas rurais.
Nesta fase, a Igreja fundou outra estação missionária e uma instituição de formação
teológica:
1935 Seminário Teológico
1956 Nova Lisboa (Huambo)181 .

A Igreja, que foi dirigida pelos missionários desde a sua fundação, criou um
Conselho de Anciãos, que coordenava as igrejas locais. Em 1961 foi eleito o primeiro
secretário geral nacional que foi o Reverendo Jessé Chiúla Chipenda. Percebe-se que isso

178
I.E.C.A – Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Plano Estratégico (Qüinqüênio 2003-2007).
Huambo, 2003, p.8.
179
CHIKUEKA, Maria Chela. Angola Torchbearers. Toronto Ontário Canadá, ISBN, 1999, p.531.
180
CHIKUEKA, Maria Chela. Op. cit, p.531.
181
Idem, p.531.

64
ocorreu em virtude do governo colonial ter exercido uma certa pressão sobre os
missionários protestantes e as Igrejas fundadas, pois o modo de trabalho empreendido pela
igreja fazia elevar o modo de vida dos seus membros, a ponto de se diferenciarem
significativamente entre os não convertidos e até mesmo os membros católicos. Por outro
lado os portugueses temiam o alto desenvolvimento dos negros e a desnacionalização 182 .
A terceira etapa vai de 1975 até 2002, marcada pela separação involuntária da
Igreja. A mesma viveu dividida, parte nas matas e parte nas cidades, por causa da guerra
civil, que assolou o país logo após a independência, durante 27 anos 183 .
A Igreja teve muitos prejuízos em recursos humanos e estruturas físicas nesse
período. Durante a guerra, embora os dirigentes e os membros trabalhassem bastante,
houve grandes dificuldades. As estações missionárias e outras instituições, que na sua
maioria se encontravam no interior e no meio rural, fecharam e, posteriormente foram
completamente destruídas. As Juntas, Americana e Canadiana, retiraram todo o seu pessoal
(missionários) da Angola 184 . Até 1975, ou seja, até a ascensão da independência, a Igreja
contava com missionários/as no total 300 185 .

1.4.3– A primeira nomenclatura e a mudança do nome da Igreja Evangélica


Congregacional em Angola

A questão da nomenclatura nos remete a focalizar aspectos bastante significativos


na vida da Igreja Congregacional em Angola. Como se afirmou anteriormente, a Igreja foi
conhecida oficialmente pelas autoridades portuguesas e outras denominações com o nome
“Conselho das Igrejas Evangélicas de Angola Central – CIEAC”. O processo teve início
em 1913.
Salienta-se que a nomenclatura que os membros e não membros davam era “va
melika”, que era uma terminologia adaptada de umbundu, que significa “os da América”.
A mudança do nome surge em 1978, numa situação de crise que a Igreja estava vivendo,
ocasionada pelos confrontos dos movimentos de libertação da Angola. Neste período, a
Igreja atravessava o momento mais crítico da sua história, pois os conflitos dos
movimentos forçaram a retirada das estruturas centrais, o Dôndi, os dirigentes máximos da

182
HENDERSON, W. Lawrence. Op. cit, p. 85.
183
CHIPENDA, José Belo. IECA–Igreja Evangélica Congregacional em Angola. In: Plano Estratégico
(Qüinqüênio 2003-2007). Huambo, 2003, p.5.
184
CHIPENDA, José Belo. Op. cit, p.5.
185
Idem p.8.

65
Igreja, para as matas junto da UNITA, onde se refugiaram. Tratava-se de crise, contudo,
sabe-se que a crise não é um fim em si, mas é a tomada de consciência da situação em que
se vive, pensa e age. A crise é partida a ser ganha, é também partilha e abertura de novas
possibilidades de caminhada em direção a uma nova vida 186 .
Diante da crise, os pastores e membros refletiram sobre a realidade em que a Igreja
e o país se encontravam e abriram-se novas possibilidades de caminhada. Articulou-se um
encontro de caráter administrativo e organizativo, que foi realizado no final de 1978. Nesta
reunião, os participantes perceberam estar diante de uma situação séria de desestabilidade,
de identidade e de adaptação, que requeria esforço urgente para, a partir da crise dar
resposta a todas as questões de caráter eclesial e adaptação à nova realidade 187 .
Para Henderson, a mudança de nome tem influências na situação crítica que a Igreja
atravessava e na independência política que encorajou algumas Igrejas a alterarem seus
estatutos para se tornarem denominacionais 188 .
Quanto à Igreja Congregacional, o Conselho das Igrejas Evangélicas de Angola
Central resolveu alterar a designação por três razões, que Tiago Manuel aponta na sua
dissertação de mestrado. Assim, ele sublinha que primeiro o nome anterior denotava a
existência de uma estrutura eclesiástica associativa, como o nome o caracteriza, Conselho
das Igrejas Evangélicas de Angola Central, que pouco revelava da estrutura orgânica.
Segundo, o nome revelava o caráter regionalista da área onde a Igreja foi implantada. Por
outro lado, representava a tentativa de evitar a confusão que as divisões protestantes
causavam na sociedade e os conflitos entre os próprios missionários. O terceiro está
vinculado à independência política que despertou as igrejas à necessidade de se tornarem
nacionais. Pois, na época da mudança do nome, as igrejas que estavam expandidas por
todas as regiões do país eram a Igreja Católica e a Igreja Adventista 189 .
Tiago Manuel acrescenta que a respeito da identidade, desde a adoção do nome,
Conselho das Igrejas Evangélicas de Angola Central, constituía dificuldades no momento
de se identificarem, por isso os membros diziam que pertenciam à igreja dos americanos.
Também o Secretário Geral, Henrique Etaungo Daniel, eleito na época da crise, afirmava

186
HUEFNER, Bárbara; MONTEIRO, Simei. Apresentação. In: em busca da tradição perdida. O que esta
mulher está fazendo aqui? São Bernardo do Campo, Editeo Imprensa Metodista, 1992, p. 10.
187
MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da Igreja Evangélica Congregacional em Angola. São
Bernardo Campo, dissertação de mestrado, Instituto Metodista de Ensino Superior, 1992, p.105-106.
188
HENDERSON, W. Lawrence. Op. cit p.429.
189
Idem, p.106-107.

66
que havia dificuldades de compreensão pelos parceiros no exterior no que diz respeito ao
nome da denominação, quando era solicitado a falar da Igreja 190 .
A mudança do nome teve suas interpretações por parte da Igreja no exílio e pelos
missionários. Para a Igreja no exílio, a mudança do nome significava rompimento, embora
não ter havido problemas eclesiais que provocassem a separação. Para os missionários, que
a esta altura já estavam fora da Angola devido aos conflitos, deduziram que era o abandono
ao anti-denominacionalismo, que desde a fundação da Igreja vigorava. Assim, nas palavras
de Henderson notamos a objeção seguinte:

O denominacionalismo teve desde sempre muito pouca expressão em território


angolano. As querelas sectárias que se tinham na América do Norte não foram
levadas para África; chega de “proclamar o evangelho do nosso Deus
abençoado”. A palavra “congregacional” não tem qualquer significado para os
milhares de cristãos que vivem no interior de Benguela. Eles intitulam-se a si
próprios a crentes e acham que todos os outros o são: vakua Yesu (aqueles de
Jesus) ou vakuandaka (aqueles da palavra) ou talvez vakua kristu (aqueles de
Cristo). Desde o princípio que a West Central African Mission tem sido uma
missão coesa, unida e unificadora (...)191 .

Com estas afirmações, percebemos que, na base das intenções dos missionários,
subjazia a não relevância do denominacionalismo, mas sim o ecumenismo que ao longo da
história desta Igreja não se completou como desejado.
Com o tempo, tanto os missionários quanto a Igreja no exílio entenderam a
necessidade da mudança de nome da Igreja. Como prova disso, há a reunificação das duas
partes, que começou em 1991, na assembléia realizada em Lobito.
A designação Conselho das Igrejas Evangélicas da Angola, Central decorre de um
processo avaliativo realizado pela Junta Americana em Angola em 1911. A delegação, ao
visitar a Igreja implantada, verificou que o distanciamento entre estações missionárias e as
igrejas e o isolamento não eram benéficos ao desenvolvimento da Igreja. A partir disso, a
West Central African Misson (WCAM), Departamento da Junta responsável pelos
pedidos, subsídios, pessoal a ser enviado, responsável também pelo estudo do trabalho a
ser desenvolvido nos campos missionários, e onde os missionários estavam ligados,
sugeriram que se criasse uma associação que tivesse apenas poderes consultivos 192 .
Em 1913, na Missão de Chilesso, os missionários reunidos em WCAM formaram a
Ohongele ya Konguelo Umbundu – Associação das igrejas umbundu. Com o tempo e em

190
Idem, p.105-106.
191
HENDERSON, W. Lawrence. Op., cit, p.429-430.
192
Idem, p.231.

67
função do aumento cada vez maior de igrejas associadas as filiais locais, houve
necessidade de se criar o Onjango yakulu, Conselho dos Anciãos, em 1931, um órgão
eclesiástico constituído por nativos193 .
A partir daí, passaram a existir dois conselhos, o Conselho Missionário e o
Conselho Eclesiástico, que caminhavam paralelamente com encontros separados. Em 1951
celebram o culto juntos pela primeira vez, as reuniões separadas e em simultâneo. Foram
praticamente 26 anos reunindo em separado. Em 1954, finalmente o caminhar paralelo
terminou na fusão dos dois conselhos, realizando-se a primeira reunião conjunta. Dois anos
depois se elaborou uma constituição que acabou por alterar a organização, os métodos e a
estrutura da missão. A constituição tratava também da questão da nomenclatura, em vez do
Conselho das Igrejas Evangélicas da Angola Central, apareceram sugestões tal como Igreja
de Cristo em Angola Central, evitando o denominacionalismo.
Estudos em torno deste nome foram realizados e chegou-se a conclusão de que o
nome adequava-se mais às relações públicas, a última parte do novo nome “Angola
Central” era ideal para indicar a área. Enquanto foi se pensando melhor na nomenclatura
adequada, o tempo passou até a independência, em que os missionários deixaram
completamente a Angola 194 .
Este foi o processo pelo qual a questão da mudança do nome percorreu, até 1978.

193
Idem, p.232.
194
HENDERSON, W. Lawrence. Op., cit, p.234.

68
Capítulo II
A formação pastoral das mulheres em Huambo, no período de
1965-1975

2.1– O Estado de Huambo

Huambo, estado da Angola, está localizado no Planalto Central, ao sul. O Planalto


Central foi habitado pelos povos ovimbundu. A área foi uma das últimas zonas da Angola
a ser ocupada pelos portugueses. Sua ocupação efetiva ocorreu por volta de 1920 195 .
O Huambo faz fronteira ao nordeste e leste com o estado do Bié, ao sul com o
estado da Huila, a oeste com o estado de Benguela e ao noroeste com o estado do Kuanza
Sul. A superfície do estado é de 37.771,15 km², representando 2,61% da extensão nacional.
O estado tem 2.075.713 habitantes e a capital é Huambo. É constituído
administrativamente por 11 Municípios, 35 comunas, 3.093 bairros e aldeias 196 .
A região é essencialmente agrícola, com solo favorável a esta atividade. O clima é
tropical úmido, influenciado pela altitude do planalto. Tem duas estações chuvosas, com
sete meses de duração e cacimbo (seca) com cinco meses. A precipitação anual em média
atinge 1400mm/ano e a temperatura média anual é de 19ºC, que se caracteriza como clima
temperado 197 .
A cidade nasceu de forma diferente das outras. Ela foi fundada pelos construtores
da ferroviária denominada Caminho de Ferro de Benguela – CFB, após um decreto
colonial, de 8 de agosto de 1912, que dizia respeito à projeção da linha ferroviária passar
pela região do Huambo. Nessa época, havia duas estações missionárias, Bailundo e Dôndi.
Na estação missionária do Dôndi, estava iniciando a construção da sua primeira instituição

195
LUKAMBA, André. Evangelização: Encontro vivo na cultura umbundu de Angola. São Paulo, Edições
Loyola, 1987, p.21.
196
Carta de apresentação do Governador. A nossa grande aposta. In: revista cidade do Huambo. Huambo,
1995, Angola, p.2.
197
Idem, p. 2.

69
educacional, o Instituto Currie. Em setembro de 1912 foi inaugurada a Estação Ferroviária
do CFB e com ela a cidade. Segundo explica Fernando Marcelino:

Um grupo de colonos considerados mais representativos assinará para a


posteridade, com o governador Geral, uma espécie de Termo de
Fundação da cidade que os ingleses no seu à vontade vitoriano, baptizam
entretanto de Pauling Town ( do nome de uma companhia de Sua
Majestade Britânica engajada na construção de ferrovias), até bem
dentro dos anos 40, por Bairro da Pauling198 .

Significa que os primeiros habitantes da cidade capital do estado eram


trabalhadores ingleses e portugueses do CFB. O crescimento da cidade não se deu por
passos, como por exemplo, de vilarejo para município e depois cidade. A cidade foi
inaugurada, mesmo tendo apenas um bairro. O nome de Pauling Town que os ingleses
atribuíram a cidade criou irritação ao governador nacional português, que não aceitou. A
disputa de atribuição de nome à cidade impulsionou o governador a denominar a até então
conhecida como Planalto de Benguela, de Nova Lisboa, isto em 1926. Após a
independência nacional, o estado e sua cidade capital tomaram o nome de Huambo, em
memória de um dos anciãos que habitou a região antes da criação da cidade 199 .

2.1.1– Análise de conjuntura do estado de Huambo

A região do Huambo, até 1975, era o suporte nacional, em virtude de seu potencial
agro-industrial, cujas referências ultrapassaram as fronteiras nacionais, superada apenas
por Luanda200 . Nesse período, o estado tinha adquirido o estatuto de “gigante”, por possuir
consideráveis estruturas econômicas, produtivas, sociais e de suporte à atividade de
prestação de serviços nos diferentes domínios implantados na região, antes e após a
independência 201 .
Uma das grandes contribuições ao referenciado estágio, além do povo, se deveu ao
comboio da linha férrea do CFB (Caminho de Ferro de Benguela), que parte de
Benguela 202 , passa pelos estados Huambo, Bié, Moxico, até a fronteira Luau (fronteira
leste), fazendo ligação com a linha do país Zaíre, ex-Congo Belga, e as linhas deste país

198
MARCELINO, Fernando. O Huambo e o comboio. In: jornal “Jango”. Huambo, 1992, p.8.
199
Idem, p.8.
200
Idem, p.1.
201
Idem, p.1.
202
Benguela é cidade litorânea por onde desembarcaram os missionários em 1880.

70
fazem ligação com Zimbabwe e Moçambique. A inauguração oficial da linha ocorreu em
1929203 .
Com o passar do tempo, o comboio passou a ser um agente de contribuição para o
desenvolvimento, pois facilitou a transação dos produtos produzidos na região. Os
ovimbundu, que eram comerciantes e agricultores, após a extinção da atividade comercial a
longa distância, transformaram-se essencialmente em camponeses e incrementaram uma
rede comercial que chegava até as aldeias mais distantes da linha férrea. Aliada à
agricultura estava a pecuária que, nas palavras de Fernando Marcelino, mais tarde
agravada severamente pelo angariamento de mão de obra para o café (...)204 .
As informações fornecidas por Lídia Cutala revelam que a linha férrea de comboio
seguiu praticamente a mesma rota por onde as caravanas comerciais passavam com suas
mercadorias. Ela diz que quando seus pais contavam suas viagens, falavam das localidades
onde acampavam para descansar e as vias por onde passavam eram Bié, Moxico, até o
Zaire, onde se encontravam com comerciantes de outras regiões da África 205 .
Em 1926 é fundada a Associação Comercial do Planalto de Benguela, e em 1929 a
Agência do Banco de Angola. Cria-se o Sindicato dos Agricultores, com sede no
Município de Chikala-Colohanga, ex-Vila Nova e no mesmo dá os seus frutos, com uma
reunião dos agricultores do Huambo, que define as bases do primeiro Congresso
Agrícola 206 .
E neste contexto, a Igreja Congregacional em Angola exerceu papel preponderante,
que se dá com a conversão das famílias ao cristianismo, sua expansão por meio da
escolaridade, os agentes da pastoral nacionais e estrangeiros e a dedicação do povo que
contribuíram com os fatores do desenvolvimento 207 .
Os fatos revelam que os aspectos apontados concorreram para a aceleração das
transformações sociais, econômicas e religiosas nessas regiões. Nesse contexto, vale um
olhar para a situação social das mulheres.

203
MARCELINO, Fernando. Op., cit., p.8.
204
MARCELINO, Fernando. Op., cit, p.8.
205
Lídia Cutala. Entrevista concedida á pesquisadora. São Bernardo do Campo, junho de 2003.
Lídia Cutala é filha do Soba Mukandavandu da área do Dôndi. Lídia Cutala conta que seu pai antes de ser
Soba, fazia parte do grupo que chefiava as caravanas comerciais. Daí o nome que tem haver com o
conhecimento de conduzir as pessoas na caravana, conhecimento das rotas da África e as relações exteriores.
Ainda conta que era necessário saber magia, pois em casos de ameaças durante a viagem, era necessário virar
borboleta. Em caso de ameaças de animais ferozes era preciso usar ervas para afugentá-los.
206
MARCELINO, Fernando. Op., cit.,p.8.
207
NETO, Maria da Conceição. Masculino e Feminino. In: Jango. Huambo, Edições Jango, LDA, 1992, p.12.

71
2.1.2– Situação social das mulheres no estado de Huambo, entre 1965-1975

A situação social das mulheres em Huambo, pode ser entendida levando-se em


consideração as culturas tradicionais dos povos bantu e povos não bantu e sua dinâmica. O
governo colonial, o ensino do cristianismo e a luta pela libertação socio-política do povo
angolano, exerceram função determinante na vida social das mulheres em Huambo, no
período 1965-1975208 .
Nesse período, era nítido o perfil das classes sociais. De um lado, o colonizador a
imprimir sua hegemonia sobre a economia, a política e a religião. De outro lado, os
assimilados que tentavam se adaptar à aculturação que se exigia a essa categoria. Por
outro, os membros das igrejas protestantes que marcavam sua diferença, sobretudo, na sua
forma de agir, vestir e falar. André Cangovi Eurico comenta que nessa época pertencer à
Igreja Congregacional era fazer parte da elite209 . O povo majoritário não tinha condições
econômicas de atingir categorias favorecidas e estavam constrangidos a viver sua vida na
dimensão cultural africana.
No âmbito político, o governo colonial estava promovendo campanhas de registro
do senso populacional, o que antes era restrito àqueles que ascendiam ao estágio de
assimilação 210 .
A situação geral das mulheres naquela época dependia da categoria social a que
pertencia sua família nuclear, contudo, a maioria exercia mais de uma das atividades
principais: agricultura, administração do lar, cuidado com a família. A atividade agrícola, a
coleta, apanhar lenha, o abastecimento de água, os cuidados domésticos e das crianças
pequenas e pessoas idosas, preparação dos alimentos, ocupavam o dia-a-dia das mulheres.
As mulheres que eram professoras, parteiras e enfermeiras continua vam a exercer dupla
jornada.
Para as mulheres que tinham maridos presos nas cadeias do governo colonial e para
aquelas, cujos maridos se encontravam em serviço de contratado, a sobrevivência era
difícil. Com a presença e ações dos Movimentos de Libertação, o governo colonial, por
meio da sua segurança, capturava intelectuais para as cadeias. As pessoas normalmente

208
NETO, Maria da Conceição. Op. cit, p.12.
209
EURICO, André Cangovi. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda Angola, dezembro de 2003.
210
CHIPESSE, Augusto. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda Angola, dezembro de 2003.

72
presas eram os intelectuais. O governo colonial desconfiava que os intelectuais fossem os
organizadores dos movimentos.
Depois que se aboliu o tráfico de africanos e mercantilismo dos mesmos, o sistema
colonial arquitetou outros métodos de escravatura, com o objetivo de manter a exploração
que estivesse ligada à auto-suficiência das colônias. A medida primordial lançada pelo
governo colonial foi a aplicação de impostos exorbitantes e arbitrários. Outra medida
aplicada foi o serviço de contratado, que consistia na abertura de fazendas agrícolas, que
contava com a mão de obra dos africanos 211 .
Na sua maioria fazendeiros, eram autorizados pelo governo colonial a angariar
pessoas para trabalharem na plantação. Em Angola, o fazendeiro enviava seu gerente para
o interior do país com valores monetários, para os comerciantes portugueses já erradicados
nas aldeias. Os comerciantes envolvidos no processo de angariar pessoas para as fazendas
recebiam uma quantia por cada pessoa que fosse trazida e por sua vez, os comerciantes e
os administradores municipais e, regionais forçavam populações e Sobas a entregar
pessoas para o serviço. As pessoas contratadas eram pagas no regresso, no momento do
embarque, o comerciante entregava às mulheres ou familiares dos contratados panos,
vinho, enxadas e algumas coisas que queria deixar para a família212 . As mulheres dos
contratados que ficavam na aldeia, por vezes eram coagidas a contrair dívidas e quando o
marido retornava, descontava-se o valor dos créditos, o saldo restante a receber não era
suficiente para pagar o imposto e, para não ir para a cadeia, por vezes ele optava por ir
novamente ao contrato. Uanhenga Xitu dá um esclarecimento, ao dizer que havia três tipos
de contratos:

(...) o primeiro é aquele que tem o carácter voluntário, em que o empresário


através de meios próprios e complicados adquire mão-de-obra braçal, ou antes,
serviçal. O segundo que tem a legalidade oficial de obrigatoriedade em que
mensalmente, determinados chefes de Postos administrativos têm de fornecer um
número X de indígenas para socorrer aquelas empresas que de uma ou de outra
forma não conseguiram o número suficiente. Vêm das sanzalas onde são
arrancados à força pelos Sobas, Cabos Civis, e Sipaios, e a qualquer pretexto
para completar o número. Neste contrato dispensa-se ao cumprimento da praxe
de pôr todos os contratados na fila diante da autoridade administrativa, do
gerente, do angariador para se saber dos serventes se “vão de vossa livre
vontade, não houve interferências ou influências de pessoas estranhas como
Sipaios e de outras autoridades tradicionais, e se já sabem o preço que vão

211
FAGE, Roland Oliver J. D. Breve história de África. Lisboa Portugal, Sá da Costa Editora, 1980, p.229.
212
UANHENGA XITU – Agostinho A. Mendes de Carvalho. Mungo: Os sobreviventes da máquina colonial
depõem... Luanda Angola, Editorial Nzila, 2002, p.77.

73
ganhar e a espécie de trabalho a fazer. São formalidades para legalizar a
ilegalidade”.
O terceiro contrato é benzido, talvez pareça menos pesado, é o dos padres. Com
uma diferença o tempo parece ser curto de 8 em 8 dias uma semana ou umas
sanzalas; mas se admitirmos beber hóstia da comunhão todos os meses, por ano
teremos 8 x 12 dias, é igual mais de três meses de trabalho por ano. Também
aqui não há ração, as alfaias são dos cristãos, o vencimento é a doutrina, é o
sacramento do batismo, é o sacramento do casamento213 .

Esse procedimento se mantinha em circulo vicioso para aqueles cujas condições


econômicas não eram suficientes para satisfazer o exorbitante imposto. Algumas mulheres
nestas condições preferiam ir com seus maridos às fazendas, o que degradava mais ainda a
sua situação social, com tendência à pobreza. Essas atrocidades criavam revoltas e fugas de
muitos angolanos para outros países da África, o povo denunciava o sofrimento e a
opressão de muitas maneiras, inclusive pela música ou cânticos.
Tendo sido apresentada a questão da situação social da mulher em Huambo nos
anos de 1965-1975, faz-se necessário tratar a formação e as relações de gênero na cultura
angolana.

2.2– A formação e as relações de gênero na cultura em Huambo

2.2.1– As relações de gênero

Não podemos entender a formação das mulheres sem falar das relações de gênero
na sociedade angolana, dentro da cultura bantu antes do contato com as culturas ocidentais.
Uma análise voltada ao gênero se torna importante, em virtude de se tratar da formação
que promove mudanças na vida das pessoas. Maria da Conceição Neto assevera:

(...) não basta ter em consideração as eventuais diferenças de classe, de


estatuto socioprofissional, de religião, de raça, de etnia etc; para
compreender uma sociedade, em cada circunstância é preciso igualmente
olhar para o setor feminino e o setor masculino dos grupos sociais e as
relações que se estabelecem entre eles214 .

A observação da historiadora Maria da Conceição se torna relevante, porque a


compreensão sobre as relações de gênero nos ovimbundu passa necessariamente pela

213
UANHENGA XITU – Agostinho A. Mendes de Carvalho. Op. cit, p.78-79.
214
NETO, Maria da Conceição. Op. cit p.12.

74
análise dos papéis exercidos pelos homens e mulheres na cultura bantu. As relações entre
homens e mulheres nos ovimbundu, não só passavam pela distribuição de papéis, mas
também pelo reconhecimento de que todos os papéis são vitais na sociedade. E que a
aceitação dos papéis concorriam para o domínio social, político, econômico e religioso,
para além do valor tradicionalmente reconhecido na formação das novas gerações215 .
Para Maria da Conceição a reflexão do relacionamento entre homens e mulheres se
faz necessária contribuindo assim na luta contra o subdesenvolvimento, contra a
dominação, contra as ideologias e preconceitos, que desvalorizam o papel preponderante
das mulheres em todas as esferas sociais. Nisso, uma reflexão crítica passa a ser condição
essencial para o processo da libertação das mulheres e intervenção social, para o
desenvolvimento das comunidades e sociedades. Quando não se têm em conta esses dois
setores (mulheres e homens) numa intervenção social, as conseqüê ncias prejudiciais e por
vezes irreparáveis 216 .
As relações de gênero em quase todas as sociedades são nítidas. Em Angola, se
verifica aspectos que submetem as mulheres a situações de inferioridade em relação aos
homens. Por exemplo, em muitas famílias, a ma ior parte das decisões são tomadas com o
consentimento do marido, a mulher deve obediência ao homem.
Na cultura, os casos de esterilidade eram pouco tolerados. Uma vez confirmada a
esterilidade na mulher, a família ou os parentes exerciam pressão sobre o casal. Casos de
tolerância se verificavam quando a esterilidade fosse no homem. A mulher estéril é tida
como vergonha para o marido, tristeza para ela e para seus parentes. Os parentes do marido
instigam o marido a arranjar outra mulher capaz de procriar217 .
Após o término do comércio exterior, a lavoura era trabalhada em separado. O
marido tinha sua lavra e a mulher outra. A produção agrícola do marido era destinada para
a compra ou aquisição de bens considerados de maior valor, por exemplo, mobiliário, gado
e outros bens. A produção da mulher era destinada ao consumo diário da família composta,
em média, por seis pessoas.
Assevera André S. Dialamícua ao dizer que mulheres eram responsáveis pela
cultura agrícola para o consumo local. Os homens assumiam a responsabilidade do cultivo
de produtos para a venda, porém a responsabilidade mais íntima com o campo e a

215
NETO, Maria da Conceição. Op. cit, p.12.
216
Idem, p.12.
217
Ministério da Administração do Território. 1º Encontro nacional sobre a autoridade tradicional em
Angola. Luanda Angola, Editorial Nzila, 2003, p.104.

75
plantação era competência das mulheres e os homens passavam mais tempo em visita ao
campo 218 .
No que diz respeito à formação nas escolas das igrejas e outras instituições, no
período colonial, se constata que a prioridade foi dada aos homens. Percebe-se que a
mulher é produtora e asseguradora da economia nas sociedades do continente africano,
caso ela queira investir seu tempo na formação, automaticamente a economia se
desestrutura 219 .
Muitas mulheres se destacaram na sociedade. Cita-se a rainha Nzinga Mbandi e
suas irmãs, mulheres que participaram nos movimentos de libertação de Angola, assim
como outras que marcaram seu desempenho no espaço público da sociedade angolana.
Estas mulheres além de terem exercido cargos públicos, gozavam de certa consideração na
tomada de decisões em situações limites220 .
Em tempos passados, as mulheres não falavam em público, entretanto, eram
solicitadas a emitirem suas opiniões diante de quaisquer problemas em virtude da sua
capacidade de ação, rápida reflexão e resposta em tempo oportuno 221 .
O seu papel no lar se apresentava ambíguo, na medida em que tinha restrições ao
mesmo tempo exercia autonomia em alguns aspectos, como por exemplo, na educação dos
filhos, guardar segredos no lar222 . Constatava-se que as mulheres, mesmo na condição de
submissão, procuravam defender os homens ou os maridos, muitas vezes preferiam sofrer
para salvaguardar a estrutura familiar e posição social. De acordo com Elvira Moisés da
Silva:

(...) a mulher desempenha papel preponderante na vida política institucional e na


política do lar. Ela é articuladora de todos os momentos da vida familiar e até
protetora do marido e não o marido protetor desta 223 .

Atualmente, se verificam mudanças, principalmente nas cidades, graças aos


esforços das mulheres nas suas organizações e alguns homens, que têm levado a cabo
estudos sobre as relações de gênero e igualdade social para as comunidades e lideranças.

218
DIALAMÍCUA, André Sunda. In: Ministério da Administração do Território. 1º Encontro Nacional sobre
a autoridade tradicional em Angola. Luanda Angola, Editorial Nzila, 2003, p.434.
219
Idem p.434.
220
SILVA, Elvira Moisés. Provérbio de Mulher e Sobre a Mulher na Cultura Bantu e na Bíblia. São
Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, dissertação de mestrado, 1997, p.97.
221
Idem, p.97.
222
Idem, p.97.
223
Idem, p.97.

76
As organizações políticas das mulheres OMA 224 , LIMA 225 , AMA226 , Rede Mulher,
Ministério da Família e Promoção da Mulher, Sociedades das Mulheres das igrejas e
mulheres de outras organizações, têm lutado para reverter o quadro no que diz respeito ao
gênero na sociedade ango lana. O governo angolano tem mostrado simpatia e interesse em
apoiar as atividades das mulheres, exigindo que elas ocupem 30% dos cargos nos
ministérios governamentais, em todos os segmentos da sociedade. A essas medidas,
contrapõe-se a real situação de que poucas mulheres tiveram a oportunidade de ter a
formação que se exige, pois sempre foram as que se sacrificaram para a sobrevivência das
famílias, comunidades e sociedade. Elas são a base geradora da economia, constituem a
força de trabalho agrícola, força de trabalho no mercado paralelo e oficial. Também são
mães contribuindo assim na perpetuação das gerações.
É nessa convivência que se articularam as relações de gênero na vida das
sociedades tradicionais e ocidentais na África. Ligada a questão de gênero está a formação
na cultura angolana.

2.2.2– A formação na cultura angolana

No processo da formação a cultura não pode ser isolada.Victor Cajibanga,


sociólogo, numa das reflexões sobre cultura, dizia que como pessoas e membros de
comunidades condicionadas por cultura, aprendida na família, na sociedade e nas
instituições que contribuíram para a formação das convicções e modos de viver, não deve
ser ignorada, pois ela não é estática e imutável. Cada pessoa é produtora da cultura e
contribui para a sua mudança e alteração. Victor Cajibanga diz que os pais são diferentes
dos filhos, porque se deseja ser diferente e se constrói diferentes respostas aos desafios e
problemas que se apresentam. Admite-se que os desafios e problemas são diferentes em
cada época 227 . Nesse contexto, Victor Cajibanga define cultura como sendo:

(...) conjunto de soluções que um povo desenvolve ao longo dos tempos, para dar
respostas às necessidades. Têm a ver com valores, modelos de comportamento,

224
OMA - Organização da Mulher Angolana no partido MPLA - Movimento Popular de Libertação da
Angola.
225
LIMA - Libertação da Mulher Angolana no partido UNITA-União Nacional para Independência Total da
Angola.
226
AMA- Associação da Mulher Angolana no partido FNLA -Frente Nacional para Libertação da Angola.
227
CARITAS DE ANGOLA; IGREJA EVANGÉLICA CONGREGACIONAL EM ANGOLA; OIKOS
Cooperação e Desenvolvimento. Jango formação para a transformação em Angola: Formação de
Formadores 2000-2001. Luanda Angola, 2001, p.33.

77
estilos de vida, modos de estar e regras que fundamentam e regulam o
comportamento individual e social228 .

O Congresso de Lausanne, ao se preocupar com o evangelho e a cultura dos que


evangelizam e dos evangelizados, definiu da seguinte maneira a cultura: como sistema de
crenças sobre Deus, a realidade, significado da vida; valores que têm a ver com o
verdadeiro, bom, bonito, normativo; de costumes ligados ao relacionamento com os outros,
comportar, falar, orar, vestir, trabalhar, fazer comércio, comer, trabalhar na lavoura; e de
instituições que expressam estas crenças, valores e costumes entre elas: governo, igrejas,
templos, família, escolas, hospitais, fabricas 229 .
As experiências mostraram que existem tendências nos processos de formação de
impregnar os conteúdos com a cultura adquirida, isso desde tempos passados. A
humanidade, desde o passado, elaborou uma série de técnicas e artes de formar as gerações
de acordo com a cultura. As áreas de conhecimentos conhecidas desde há muito, eram as
artes de culinária, agricultura, cerâmica, pecuária, tecelagem, puericultura, medicina,
educação e artesanato. As pessoas eram formadas segundo as necessidades que a vida
exigia em cada sociedade. Para Lauro de Oliveira Lima grande parte da evolução das artes
se baseou na substituição progressiva de modelos de ação do senso comum, por modelos
tecnológicos baseados na pesquisa científica, com influência da racionalização no
comportamento prático. A modernização consiste, pois, em dar bases científicas a essas
atividades, em inventar novas técnicas, que tornam eficientes e econômicas o processo de
produção230 .
Ao longo dos tempos, a formação tem sido efetuada de maneira formal e não
formal, onde crianças ou adultos, aprendem dos pais, dos mais velhos ou de indivíduos
mais experientes pela observação, repetição e execução das tarefas necessárias para a
realização e satisfação da vida dos indivíduos na sociedade. Com relação a este assunto,
Ely Chinoy assevera:

Por meio de repetidos esforços para imitar os mais velhos e pelo processo do
ensaio e do erro, não raro as vistas atentas de alguém, a criança aprendia a
executar as tarefas que dela seriam exigidas quando chegasse à idade adulta 231 .

228
CARITAS DE ANGOLA; IGREJA EVANGÉLICA CONGREGACIONAL EM ANGOLA; OIKOS
Cooperação e Desenvolvimento. Op. cit, p.33.
229
Comissão de Lausanne. O evangelho e a cultura. Londres Inglaterra, Abu Editora S/C e Visão Mundial,
1985, p.10-11.
230
LIMA, Lauro de Oliveira. Para que servem as escolas? Petrópolis Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1995, p.
24.
231
CHINOY, Ely. Sociedade: Uma introdução à sociologia. São Paulo, Editora Cultrix, 1967, p. 533.

78
Ainda segundo Ely Chinoy, as normas sociais, as crenças e costumes tradicionais e
os padrões morais se absorviam no curso da vida cotidiana e eram completadas por
instrução explícita de pessoas indicadas 232 . Os ofícios eram transmitidos de pais para
filhos, por exemplo, os rapazes eram instruídos na carpintaria, cerâmica, cestaria, na
construção de casas, pontes, o ofício de transfo rmar o ferro em objetos de uso no dia a dia
como a fabricação da enxada, do machado, da catana, do sacho, do cajado e de vários
outros objetos. A formação era transmitida de forma a perpetuar o conhecimento de
geração em geração, com vista à divisão de tarefas diferenciadas entre homens e
mulheres233 .
As pessoas aprendiam ouvindo e observando, para moldar o seu comportamento na
vivência comunitária. Constata-se que em todas as sociedades, tanto antigas como
modernas, a formação é contínua ao longo da vida das pessoas. Ely Chinoy, descrevendo a
aprendizagem e instrução como processo contínuo ao longo de toda a vida do indivíduo,
explicita o seguinte:

(...) a educação, no sentido mais lato, não se limita à sala de aulas, nem termina,
como nos recordam os chavões familiares, ao completar-se o período escolar.
Faz parte do complexo de socialização, que transforma a criança num ser social,
capaz de participar da vida da sociedade, e continua enquanto lhe for preciso
aprender a adaptar-se a novas circunstâncias e a desempenhar novos papéis 234 .

Neste sentido, nas sociedades antigas e modernas, a escola foi se tornando


historicamente um espaço tanto social quanto de aprendizagem ou formação que não se
limita nesse espaço, porém continua fora dele. Atualmente, tem se verificado de forma
espetacularmente drástica e acelerada mudanças que ocorrem, nessas antigas artes 235 .
Em Angola, a preocupação com a formação remontava de longo tempo, por isso
criaram escolas onde formavam membros da comunidade. Transmitiam conhecimentos,
ensinavam a arte de esculpir e dançar, por exemplo, os ovimbundu particularmente eram
escultores de animais, arte que era de mestres para jovens interessados. Esta prática durou
séculos antes da ocupação européia 236 .

232
Idem, p.533.
233
Idem, p.534.
234
Idem, p.534.
235
LIMA, Lauro de Oliveira. Op. cit, p. 25.
236
MANUEL, Tiago. Ciências da Religião – Cadernos de Pós-Graduação. Adolescência e fé. In: Questões
Pastorais Contemporâneas. São Bernardo do Campo São Paulo, Editora IMS, 1992, p.20.

79
As escolas, embora não tivessem configuração igual aos dias atuais,
desempenhavam o papel de instituição educativa e de formação. Nesta época, a
preocupação das sociedades e comunidades consistia em educar e instruir as gerações para
uma vida condigna e responsável. Na África e em Angola o processo de formação
começava desde cedo, isto é, as crianças eram integradas ao processo da vida comunitária
nas instituições específicas que são escolas, embora não tivessem configuração moderna,
onde começavam as sucessivas etapas da vida das pessoas caracterizadas pelo nascimento,
a puberdade, o casamento, para situar cada membro da comunidade e formá- la para a vida
religiosa e social.
O processo de formação tornava a pessoa apta para o exercício dos seus direitos e
responsabilidades dentro da comunidade. As crianças aprendiam diversas questões, desde a
origem das comunidades, sua constituição social, a vida em sociedade, que se articula
através do amor e da solidariedade, atividades predominantes e necessárias para a vida, a
ligação dos vivos com os espíritos dos antepassados 237 .
Apesar do exposto, se pretende falar detalhadamente sobre a instituição educativa
em Angola, nos povos ovimbundu. Os ovimbundu tinham uma instituição educativa
denominada Onjango. O onjango era o centro educacional para a formação comunitária. O
povo se reunia para discutir assuntos de interesse geral da comunidade e a transmissão do
reportório cultural. No que diz respeito ao onjango, João Pedro, em seu artigo apresenta o
seguinte:
Naquilo que é a cultura tradicional do povo Ovimbundu, o onjango é uma grande
herança dos antepassados, pois constitui um dos símbolos que enaltece a sua
tradição, mormente os ritos, hábitos e costumes. De facto, o onjango é por assim
dizer, a casa dos ensinamentos e do aprendizado da vida das comunidades. É lá
onde se discutem os problemas, onde os mais-velhos transmitem a sua
experiência aos mais jovens, e também onde se geram os sobas238 .

O Onjango era construído de pau-a-pic. O Soma Chitonga na Embala ou o ancião


responsável pela formação na aldeia, todas os dias tinha a responsabilidade de escolher um
tema específico a ser abordado, arranjar lenha e preparar as condições para o bom
andamento dos estudos e acomodação das pessoas que se reuniam nas sessões no Onjango.
239
Os estudos davam-se à noite, após o jantar . Os métodos eram variados, e por isso os
conhecimentos também eram transmitidos por meio das sabedorias populares, fábulas e

237
MANUEL, Tiago. Op. cit. p.20.
238
PEDRO, João. O Onjango na tradição dos povos umbundu. http.//www.ritosdeangola.com.br.
julho/agosto 2000. Informações capturadas em junho de 2004.
239
PEDRO, João. Op. cit, p.1.

80
adivinhas. As práticas da agricultura, artes, resolução de conflitos familiares, conflitos
matrimoniais e a iniciação eram ensinamentos que se davam no Onjango. Em resumo, o
onjango era considerado a escola onde se recebe, os ensinamentos da vida na comunidade
– a academia de música, a sala de reuniões dos membros do governo, a sala das refeições
dos já iniciados, a sala onde se conserva o fogo desde a fundação da aldeia ou da ombala, o
lugar onde se transmite a tradição de geração a geração, o tribunal da aldeia, o clube dos
homens 240 .
As mulheres freqüentavam lugares específicos, Ociwo, que também servia de
escola para a educação e formação das gerações novas. Ali aprendiam e ensinavam
agricultura, artes e as demais atividades cotidianas atribuídas às mulheres, das quais se
destacam algumas: socar milho ou outros cereais, preparar alimentos e cozinhá- los,
transportar água, catar lenha no mato, limpar a casa e os utensílios.
Elvira Moisés da Silva, na sua dissertação de mestrado onde analisa provérbios
utilizados em Angola, revela que na educação a mulher ocupava um lugar de destaque, ao
transmitir conhecimentos e experiências acumuladas que constroem a vida em sociedade.
A transmissão sendo oral exigia da transmissora ou do transmissor maior
responsabilidade, porque além do conhecimento a ser passado, também se evidenciava o
valor da mulher e do homem na cadeia transmissora, levando em conta a fidelidade das
memórias individuais e coletivas 241 .
Isso acontecia nos Onjango, Ociwo, acampamentos de iniciação, reuniões,
atividades em coletivo, festas etc.
Tornaram-se mestres ao contarem para as gerações suas experiências acumuladas
ao longo da história e ensinarem às crianças seus deveres e educá-las no caminho que
deviam andar.
Além de serem educadoras de filhas e filhos de todas as faixas etárias, as mulheres
socializavam experiências e problemas.

240
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO – MAT. Op. cit p.103.
241
SILVA, Elvira Moisés. Op. cit, p.19.

81
Acrescenta Elvira que também fazia parte do programa a abordagem de assuntos
ligados a:

(...) questões como o corpo e a sexualidade, trazendo à tona as dificuldades que


vivenciam numa sociedade construída sob-pilar masculino. Apresentam em
comum suas dific uldades sobre problemas da fertilidade, ritos de iniciação das
mulheres para a vida matrimonial e a reprodução. Discutem nas suas rodas as
fábulas sobre como controlar a fertilidade e como participar nos ritos artesanais
em épocas férteis 242 .

No cotidiano, as mais velhas e os mais velhos, as tias e os tios também assumiam


responsabilidade de educar as moças e os moços, pois estes ao invés dos pais,
aprofundavam a abordagem ligada à sexualidade sem constrangimentos. As mulheres,
depois do preparo da última refeição do dia, que é o jantar, levavam a comida dos maridos
ao onjango, onde os homens compartilhavam e faziam juntos as refeições. Ali, no onjango,
os homens repartiam a comida que cada mulher trazia. Os hóspedes, os viajantes que
passavam pela aldeia, eram convidados a fazer parte da refeição em comum e dos estudos a
serem tratados depois da refeição no mesmo onjango. A comida mal preparada, sem o
gosto desejado ou do jantar trazido com atraso no onjango, era entregue às crianças. Esta
era a forma de repreender as mulheres e sem dúvida, isso, as deixava humilhadas, pois se
transmitia que a comida não foi consumida pelos maridos no onjango. Por isso, as
mulheres tinham que aprimorar constantemente seus dotes culinários, através da formação
com as outras mulheres, para agradar os maridos. Os homens sabiam exatamente as
mulheres que dominavam a culinária e a preparação dos alimentos em termos de arte.
Quanto à construção do onjango, qualquer local podia servir para a construção do
mesmo, desde que fosse escolhido pelo Soba, por um líder da comunidade ou uma outra
pessoa digna de respeito, irrepreensível, a quem a comunidade responsabilizava pela
escolha do lugar. O lugar indicado pela pessoa responsabilizada podia ser aceito por todos
porque se acreditava que a terra pertencia aos antepassados e ninguém reivindicaria pela
posse do terreno escolhido. Pelo contrário, os supostos donos do terreno sentiam-se
honrados em ceder o terreno para a construção do onjango ou ombala Para tal pegava-se
um pouco de barro preto e algumas folhas da raiz denominada limbui e se colocam debaixo
do tronco principal que segura o teto 243 . O Onjango era construído de pau-a-pic, coberto de

242
SILVA, Elvira Moisés. Op. cit. p.19.
243
PEDRO, João. Op. cit, p.1.

82
capim, no centro um tronco que suporta os troncos do teto. O espaço interior do Onjango é
de suma importância pelo papel que a estrutura desempenha na vida da comunidade e
também de segundo João Pedro, a área central do onjango encerra um significado
especial, pois enaltece espiritualmente a presença dos antepassados 244 .
A construção do onjango, seja na embala ou na aldeia, obedecia a certo ritual que
consistia nas formalidades de evocar os espíritos dos antepassados. O ritual terminava com
a festa onde as pessoas bebiam e comiam as iguarias preparadas, porém antes das pessoas
se servirem, pegava-se um pouco da bebida que era entornada nas duas entradas e saídas
do onjango, como sinal de boa convivência com os espíritos dos antepassados e
reconhecimento da sua presença no evento 245 . Pedro João destaca que o onjango era um
símbolo cultural que devia ser preservado, porque faz parte dos hábitos e costumes do
povo africano246 .
A outra etapa da formação começa quando a criança atinge aproximadamente doze
anos de idade. Essa etapa trata principalmente do processo de iniciação que consiste na
preparação e vincula a criança à vida adulta, onde terá direitos e responsabilidades de vida
adulta. A iniciação marca a ruptura com o mundo infantil irresponsável, assexuado,
desconhecedor da cultura, passando para um mundo de responsabilidade e maturidade. A
iniciação, além da ruptura, exerce a função primordial de escola, que marcava a vida dos
jovens que ali passavam, pois proporcionava uma formação integral que possibilitava o
cumprimento de seu papel na sociedade 247 .
Essa era a fase elevada da formação e era processada fora da comunidade ou aldeia.
Os jovens eram levados para a selva, próximo a um rio onde se fazia o acampamento com
duração aproximada de dois anos. A iniciação compreende as seguintes etapas: a separação
da família e da comunidade, a circuncisão e a reclusão num lugar reservado para o
acampamento na floresta, o regresso à aldeia e a reintegração na comunidade.

244
Idem, p.1.
245
Idem, p.1.
246
Idem p.1.
247
MANUEL, Tiago. Ciências da Religião – Cadernos de Pós-Graduação. Adolescência e fé. In: Questões
Pastorais Contemporâneos. São Bernardo do Campo São Paulo, Editora IMS, 1992, p.21.

83
Os ritos eram carregados de emoção, mistério, sofrimento, dramatismo,
religiosidade e alegria que dão lugar a uma vivência psíquica que marca a vida da
pessoa 248 .
A partir do primeiro dia no acampamento, pela manhã dirigiam-se ao rio. Alí
aprendiam o que um homem ou uma mulher devia saber para executar com eficácia as
atividades cotidianas e os compromissos sócio-políticos, religiosos, a educação sexual que
os direcionava para um comportamento ético diante do sexo oposto e de toda a
comunidade o que ajudava o indivíduo ao não uso indevido de práticas sexuais. Aprendiam
noções de política, educação, higiene, medicina, música, a dançar, tocar instrumentos
como batuque, preparar roupa de palhaço. A metodologia de ensino era teórica e aos
alunos ou alunas competia praticar tudo que aprendiam de seus mestres 249 .
Quanto ao processo de iniciação das mulheres, até 1975 estava a deixar de ter
relevância na maioria das comunidades angolana, tendo ficado reduzido a insignificantes
ritos simbólicos250 . Esse processo de formação levava os participantes a entenderem os
mistérios da vida. A circuncisão era efetuada por especialistas durante a formação no
acampamento, as feridas eram curadas com o poder das ervas e raízes com propriedades
medicinais. A preparação dos alimentos, assim como o abastecimento de comida aos
reclusos, era responsabilidade das mulheres sem maridos ou viúvas em período da
menopausa e aquelas que fossem indicadas pela comunidade. As pessoas envolvidas na
mestria e administração da formação eram privadas das relações sexuais, por ser este
processo de formação considerado sagrado. Na fase da circuncisão, os alunos eram
cuidados por uma outra pessoa, também escolhida pela comunidade e que tivesse
conhecimentos no assunto 251 .
No final do processo de formação, era feito o teste aos reclusos em várias provas
onde relatavam tudo o que aprenderam. Em seguida, colocavam as vestes de palhaço para a
dança. Os responsáveis pela formação também participavam da dança com máscaras e,
finalmente, um dos mestres tirava a máscara e perguntava-se aos reclusos, quem era a
pessoa na máscara. Depois da resposta, todos eram instruídos a não revelar quem estivesse
mascarado e guardar segredo por toda a vida e não dizer que na máscara está certa pessoa,
mas sim dizer que o mascarado era alma do outro mundo, pois os mascarados em

248
Idem, p.19.
249
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO –MAT. Op. cit, p.104.
250
DW. Boletim do Projecto de Publicação Comunidade: ondaka. nº3, Huambo Angola, Development
Workshop, 2001, p.3, 19.
251
Idem, p.3.

84
cerimônias e festividades específicas representavam determinados antepassados ou
ancestrais da região ou da aldeia. Quem revelasse era castigado por violar a lei da iniciação
e da instituição que acabava de receber; também era tida como violação à sociedade a que
pertencia. As mulheres, as crianças e os homens que não passaram pelo processo de
iniciação não podiam se aproximar do acampamento e dos palhaços 252 .
A parte final da formação era feita por uma das mulheres responsáveis pelo
abastecimento da alimentação durante o acampamento. Esta, nos ovimbundu, era
denominada Navemba e o mestre técnico da circuncisão Cikungusi. As duas pessoas,
homem e mulher, tinham a responsabilidade de examinar cada um dos participantes. Além
dos conteúdos transmitidos, perguntava-se também aos participantes, a função ou profissão
que exerceriam na comunidade. Cada um era livre para responder de acordo com o seu
interesse, aptidão e vocação: arte, cura, agricultura, caça, comércio e outras.
Depois de todo o processo da formação, eram levados para a aldeia onde os pais e a
comunidade esperavam os filhos ou filhas com muita ansiedade e alegria. A comunidade
toda recebia os reclusos em uma grande festa, com variedade de comidas e bebidas253 .
Altuna assevera que o processo de iniciação é uma autêntica escola, ao considerar que:

Como escola preparatória para a luta pela vida, o ensino ministrado submete a
vontade a duras provas. O regime de vida é duríssimo, espartano. As disciplinas
e as provas que devem superar intentam mudar o seu comportamento, endurecê-
los para a vida e preparar os homens aguerridos e bem dotados que asseguram o
bem estar do grupo 254 .

Atualmente, esse tipo de formação, desapareceu na maioria da sociedade angolana,


com exceção de algumas poucas comunidades, que tentaram preservar este tipo de
educação e formação tradicional. Em outras comunidades, muito timidamente se resumiu
na circuncisão e alguns conselhos durante um mês. Vale salientar que a inserção da mulher
na escola, tanto tradicional como na moderna, estava desde muito tempo, ligada à intenção
de instruí- la no desempenho dos papéis que a sociedade lhe atribuiu.
Entre as tarefas exercidas pelas mulheres, existe a preparação do fubá, que
antigamente no estado do Huambo era realizada na rocha. O conjunto de rochas onde as
mulheres e moças se reuniam para moer milho e preparar o fubá chamava-se olohanda.
Este lugar tornava-se um espaço público, pois não era somente lugar onde as mulheres se

252
Idem, p.4.
253
DW. Boletim do Projecto de Publicação Comunidade: ondaka. Op. cit, p.3.
254
R. R. A. Altuna. Cultura tradicional banto. Luanda, Editora do Secretariado Arquidiocesano de Pastoral,
1985, p.293.

85
reuniam, principalmente nos sábados, para fazer o trabalho de moer milho, mas também
escola e espaço para receber, transmitir e criar conhecimento. Neste aspecto, Uanhenga
Xito dá o seguinte realce:

(...) é conhecido o sítio onde se junta um número de moças e raparigas para pisar
milho e fazer fubá sobre laje natural que serve de almofariz. Não é apenas lugar
de trabalho, é também uma escola, um sítio de aprendizagem, de cultura, de
recreação, e porque não: de bisbilhotice! E o local torna-se mais animador
quando os participantes forem jovens e da mesma idade. Fica-se mais à vontade,
para gargalhadas soltas e abertas, contos, histórias, piadas, que se transformavam
numa imaginação criativa de mais canções novas. Nesse ambiente a satisfação é
transbordante e, a tarefa, por mais pesada for, não se sente o cansaço que se dilui
na alegria e na cadência rítmica do pilão255 .

Como se vê, as atividades realizadas em conjunto num determinado lugar, com o


tempo passam a exercer a função de espaço para aprendizagem.
Os estudos e pesquisas realizados em 2003 pelo Ministério do Território Nacional,
que dizem respeito à autoridade tradicional, apresentam a lamentação dos líderes
tradicionais. A lamentação aparece de uma forma crítica no decorrer dos estudos e
pesquisa sobre a liderança tradicional. Os líderes tradicionais mostraram como a sua
autoridade perdeu forças no seio das populações, em virtude da falta da preocupação de
forma sistemática no encaminhamento cultural das crianças, adolescentes e jovens a uma
educação africana. Como conseqüência, diziam as autoridades tradicionais, hoje se verifica
males e comportamentos indecentes por parte da geração atual, o que é indicador do
desaparecimento de alguns valores culturais positivos256 .
No que concerne às igrejas, houve preocupação com a formação de homens,
mulheres e crianças. A Igreja Congregacional, desde a sua implantação, teve preocupação
de formar mulheres para o enquadramento social e capacitá- las para o exercício de suas
tarefas, especialmente em seus lares e igreja. Neste contexto, se tratará, em seguida, sobre
a formação pastoral das mulheres no estado do Huambo no período de 1965-1975.

2.3– A formação pastoral das mulheres em Huambo

Formação, segundo o dicionário Aurélio, é a maneira porque se constitui uma


mentalidade, um caráter, ou um conhecimento profissional. Está ligada à capacitação ao

255
UANHENGA XITU – Agostinho A. Mendes de Carvalho. Mungo: Os sobreviventes da máquina colonial
depõem... Luanda Angola, Editorial Nzila, 2002, p.164.
256
Ministério da Administração do Território (MAT). Op. cit, p.105.

86
exercício de determinada atividade, trabalho ou profissão por meio de um processo
educacional. Segundo o dicionário litúrgico, o termo formação refere-se tanto a ação
formadora voltada para determinado objetivo, quanto ao estado de formação atingido em
determinados níveis 257 .
Pretende-se tratar da formação adquirida mediante o processo de ensino e
aprendizado, na perspectiva pastoral. Com a formação pastoral, as mulheres adquiriram
conhecimentos teóricos, práticos e habilidades. A mesma formação permitiu que as
mulheres assumissem compromissos pastorais no sentido de reproduzir conhecimentos,
recriar uma dinâmica de fé cristã e serem agentes de mudanças de usos e costumes.
A formação proporcionou refletir em valores e perspectivas que mudaram suas
vidas, comunidades e sociedade. Para esse processo de formação, a Igreja Evangélica
Congregacional, inclusive outras igrejas protestantes e a Católica, criaram escolas para
crianças e jovens de ambos os sexos e escolas domésticas específicas para meninas e
senhoras. As referidas escolas tinham sido construídas no espaço de cada estação
missionária (Missão) e Centros que eram filiais, fazendo parte integrante do programa
global do serviço missionário da Igreja 258 .
Para Lawrence W. Henderson as igrejas projetaram as primeiras escolas de
formação para mulheres numa perspectiva de domínio da vida doméstica e casamento
cristão. Com relação ao mesmo aspecto, Henderson afirma que:

Os rapazes, que tinham tido oportunidades de se instruir, procuravam raparigas


que tivessem alguma preparação para orientar uma casa e para serem boas
companheiras. Por conseguinte, muitas missões protestantes começaram a
incluir nos seus programas de educação, as chamadas Escolas Domésticas259 .

O processo de formação pastoral das mulheres começava nas aldeias que


constituíam os Centros, ia até as escolas de alfabetização e iniciação doméstica no Centro,
continuava nas missões, passando pela Escola Means, estância mais avançada. A
alfabetização e lições da Bíblia começavam no Centro, durante a estação climática seca,
que dura aproximadamente quatro meses. Na estação missionária, a duração era de dois
anos, dando continuação à alfabetização e às lições bíblicas iniciadas no Centro, acrescida
as matérias de higiene, saúde, aritmética, culinária, tricô e bordado 260 .

257
Dicionário de Liturgia. Tradução de Isabel Fontes. São Paulo, 1992, p. 480-481.
258
CHIPESSE, Augusto. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda Angola, novembro de 2003.
259
HENDERSON, Lawrence, W. Op. cit, p. 176.
260
CHIPESSE, Augusto. Intervista.

87
Em todas as estações missionárias da Igreja Congregacional no período de 1965-
1975 (Bailundo, Chissamba, Camundongo, Chilesso, Dôndi, Elende, Bunjei), havia a
formação pastoral, inclusive na cidade do Lobito e Lares Acadêmicos do Kuito (ex-Silva
Porto) e Huambo (ex-Nova Lisboa). Os lares acadêmicos, acolhiam estudantes filhos e
filhas da Igreja que eram bolsistas, e aqueles que tinham familiares com condições
econômicas de custear todas as despesas para a formação no Lar. As moças, depois das
aulas acadêmicas tinham obrigatoriamente aulas de economia doméstica. Para qualquer
formação na Igreja Congregacional, o estudo da Bíblia era disciplina obrigatória 261 .
Nas instituições mencionadas, por vezes, dava-se o caso da/o aluna/o ser
classificada/o excelente em todas as disciplinas, mas quando tivesse nota baixa nas lições
da Bíblia a/o aluna/o era considerada/o não apta/o. No Lar Acadêmico, tendo nota baixa no
estudo da Bíblia, perdia a bolsa de estudos e a vaga.
No processo da formação das mulheres as três estações missionárias do estado do
Huambo desempenharam papel preponderante no período de 1965 a 1975.

2.4– A formação pastoral das mulheres nas Missões: Bailundo, Elende e Dôndi

2.4.1– A formação das mulheres no Bailundo e Elende

Uma análise do processo da formação pastoral na perspectiva da práxis religiosa se


torna relevante, pois ela, atualmente, é considerada tradicional e sem novidade pelas
mulheres mais jovens.

Economia Doméstica

Esse foi um curso ministrado pela Igreja ao longo de sua história. Basicamente
constava do currículo as seguintes áreas: lições da Bíblia, aulas acadêmicas,
nutrição/culinária, agricultura, corte e costura, cestaria, tricó, lavagem de roupa, tratamento
de casa, saúde pública, também conhecida por melhoramento do povo. Cada uma dessas
disciplinas era lecionada em seis semanas, exceto as lições bíblicas e aulas acadêmicas,
que eram ministradas ao longo dos dois anos.

261
CHIPESSE, Augusto. Intervista concedida à pesquisadora. Luanda, Angola, novembro de 2003.

88
Durante o tempo seco, a Igreja dava curso de seis meses nos Centros pastorais, às
meninas de doze anos em diante, que nunca tiveram oportunidade de passar pela escola.
Nos centros, elas eram alfabetizadas pelo método Laubach, do missionário norte americano
Frank Laubach. 262 As que fossem aptas eram encaminhadas para o Centro, que dava o
primeiro ano do curso de Economia Doméstica. As aptas eram encaminhadas para a missão
e ali faziam dois anos do curso de Economia Doméstica e de aulas acadêmicas, seguiam
respectivamente as matérias de iniciação, primeiras e segundas classes do Ensino Rural.
Elas aprendiam também lições da Bíblia, educação dos filhos, educação cristã e dietética.
No período da tarde aprendiam costura, tricô, culinária, bordados, agricultura, tratamento
de roupa e de casa 263 .
Nas casas de práticas da estação missionária, as alunas eram treinadas para
administrar o lar do meio rural, sem recursos. Na casa do meio rural, ou seja, da aldeia sem
condições, a aluna era treinada a administrar segundo as circunstâncias socioeconômicas,
adaptar-se ao uso de utensílios rudimentares artesanais e trabalhar com o que existia
usando a criatividade. Fazia-se de conta que a aluna estivesse casada com o marido pobre e
nisso cozinhava-se à lenha, sem mesa, sem armário de cozinha, sem cama nem colchão 264 .
Porém, da aluna exigia-se usar a criatividade e nisso improvisavam, por exemplo,
mesas e armários de cozinha com paus, confeccionavam colchões e os enchiam de palha de
milho seco ou folhagem seca de bananeira. Os utensílios de cozinha eram lavados com
vassoura própria de capim, diferente da vassoura usada para varrer o chão. Aprendiam a
improvisar detergente, que era obtido a partir da cinza fervida que tem propriedades de
soda cáustica uma vez submetida a temperatura própria 265 .
Ainda nas casas práticas, as alunas simulavam a administração de um lar de família
do campo cujo marido, por exemplo, era um professor, um enfermeiro ou catequista na
aldeia da Igreja Evangélica. Nesta casa de treino a aluna tinha contato com uma casa em
condições econômicas razoáveis, que a permitia administrar a casa e seus membros de
cultura aproximada aos missionários. Nesta casa o mobiliário era completo em cada
cômodo, fogão à lenha ou fogão a gás, utensílios de cozinha quase completos. Na terceira
casa de treino era como se estivesse administrando um lar de família de assimilação de
cultura portuguesa, onde a inspeção portuguesa tinha que vir e comprovar o estilo de vida

262
LAWRENCE, W. Henderson. Op. cit, p. 176-177.
263
Relatório geral da Missão Evangélica do Dôndi. Bela Vista (Catchiungo), 1967, p.14.
264
JAMBA, Celestina. Entrevista concedida à pesquisadora. S. Bernardo do Campo, julho de 2004.
265
JAMBA, Celestina. Entrevista concedida à pesquisadora. Idem.

89
de assimilado assumido. Ali a aluna era treinada a administrar a casa de forma a manter o
status 266 .

2.4.2– A formação pastoral das mulheres no Dôndi

Dôndi era uma instituição da Igreja Congregacional criada para a formação. Por
isso falaremos um pouco da história da sua criação.
Aos poucos, houve a necessidade de se criar uma instituição de nível mais elevado
para a formação. A idéia tinha sido lançada pelo missionário Walter Thomas Currie,
proveniente da Junta Canadiana e fundador responsável da estação missionária de
Chissamba, coadjuvado por Abrão Ngulu que veio a ser o primeiro pastor na Igreja
Congregacional. A idéia de Currie era criar uma instituição educacional de nível mais
elevado, até então apoiada pelos demais missionários, culminando assim no
encaminhamento da proposta à Junta Missionária.
Diligências foram feitas no concernente a estudos da localização de uma área
propícia para a construção da instituição de formação. O trabalho iniciado pelo missionário
Currie se concretizou com a ajuda dos missionários Henri Neipp, William Bell e os
membros, pois Currie já se encontrava aposentado no Canadá em virtude de sua saúde
debilitada. Depois de várias sondagens, os dois prepararam uma viagem para
Elundambaka, na época sede da região do Dôndi, onde foram ter com o Soba
Mukandavandu chefe da região do Dôndi, em 1912. Maria Chela Cikueka revela que
Mukandavandu era homem que velava pelas caravanas comerciais e sabia distinguir
perfeitamente os comerciantes portugueses dos missionários que vinham na missão do
evangelho e por isso não hesitou em oferecer recepção e cordialidade característica da
terra 267 .
O Soba Mukandavandu, indicou a localidade que achava ser ideal para a futura
instituição. O lugar indicado era denominado Kacivungo, esse nome aparece em virtude da
localidade ser morro rochoso e pelo barulho da queda das águas do rio Cutato vindo de
uma espécie de cachoeira. Daí a proveniência do nome Kacivungo, que tem haver com o
som. A área de Kacivungo tinha sido abandonada durante a guerra de resistência contra a
ocupação e tráfico de escravos, dirigida por Mutuyakevela em 1902. Esta guerra ficou
conhecida por “guerra de Mutuyakevela” o nome significa abóbora que não coze. Ele dizia

266
Idem.
267
CHIKUEKA, Maria Chela. Op. cit, p.196.

90
que não se podia tolerar o comércio de aguardente e o tráfico de escravos. Perguntava por
que ser caçados e morrer como coelhos. Dizia que as linhagens de Ekuikui e de Viye se
levantavam para batalhas contra a ocupação dos portugueses. Por isso houve batalha que
deixaram aldeias destruídas e povos que foram para outras localidades 268 .
Foi esta área que encantou Neipp, Neill e seus acompanhantes angolanos para a
construção de futuras instituições educacionais. O início da construção deu-se em junho de
1913, quando foi convocada a assembléia para o efeito. A prioridade foi para a formação
dos rapazes e o início das aulas deu-se em 1914, entretanto, a inauguração foi realizada em
1915, com o nome de “Instituto Currie”, em homenagem ao missionário que idealizou a
instituição escolar. Seis meses depois da inauguração oficial, Currie faleceu por uma
enfermidade, no Canadá 269 .
Dois anos depois, é criada a instituição de formação para as mulheres, a Escola
Means. Segundo a explicação de Henderson, os alunos que se formavam tinham
dificuldades de arranjar mulheres para casar, pois tinham a formação de catequista 270 , o
que requeria que eles tivessem companheiras com capacidade de ajudar a assegurar o
ministério.
Esta colocação de Henderson, diz que a princípio a formação das mulheres foi
proposta em função dos homens que se formavam e é perceptível. Mas ao analisar os
documentos e entrevistas em anexo, os relatórios da Igreja, livros e experiências vividas
concluímos que houve preocupação de formar as mulheres, independentemente das
dificuldades dos rapazes.
O fato de a Igreja ter criado escolas em todas as estações missionárias, com suas
filiais abrangendo determinadas áreas geográficas na região que comportava estruturas
físicas para o efeito (administrativa, salas de aulas, residências para alunas/os e
responsáveis, capelas e outras dependências), eram indicadores de preocupação com a
formação do povo local271 .

268
Idem, p.200.
269
CHIKUEKA, Maria Chela. Op. cit p.200.
270
Os catequistas da Igreja Congregacional eram responsáveis pela fundação de novas comunidades ou
aldeias cristãs e sua manutenção, ensino religioso cris tão, responsável pelas aulas acadêmicas que eram
ministradas na capela da comunidade. Por isso a comunidade chamava de escola e não de igreja.
271
I.E.C.A – Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Plano Estratégico (Qüinqüênio 2003-2007).
Huambo, 2003, p.30.
Aproveitamos para abrir parênteses para dizer que na administração atual da Igreja Congregacional as filiais
das missões que eram designadas “Centros”, são chamadas de “pastorados”, as estações missionárias que
eram denominadas “Missões”, são chamadas Sínodos Locais, embora algumas das antigas missões já não
existam e outras se encontrem em escombros. A administração da Igreja nos Estados são chamados de

91
Mulheres e homens formados em instituições como essas, uma vez colocados para
trabalhar, eram como o fermento na massa que faz levedar (Mt 13.33; Lc 14.20-21) toda a
massa para o crescimento 272 . Além das capacidades e conhecimentos invejáveis, a postura
das/os alunas/os era digna de imitação. Segundo o comentário encontrado no documento
do CICA, ex-Conselho Angolano de Igrejas Evangélicas, na evangelização dos povos
africanos a preocupação estava na transformação das mentes e de seus usos e costumes,
com ênfase na conversão seguida de alfabetização, batismo, educação cristã e civilização.
Em Angola era sabido que quando se via um negro trajado a europeu, com formação
considerável, não se tinha dúvida que era protestante 273 . No caso da Igreja Congregacional
em Angola, o processo era realizado nas missões e se efetuava com intensidade na Escola
Means e Instituto Currie do Dôndi, no Kaciungo, ex Bela-Vista 274 .
De certa forma, as mudanças que se operavam nos/as ex-alunos/as servia de
motivação e incentivo de muitas famílias nas comunidades, na criação de condições para
enviarem suas/seus filhas/os para a continuação dos estudos na Missão, depois das
primeiras bases no Centro. A metodologia da disciplina adotada pelos missionários para os
membros e alunas/os era rigorosa. No caso de transgressão de um mandamento ou
regulamento de internato era expulso, o que era uma grande tristeza para toda a família. Na
Missão, havia casas separadas para as moças e rapazes, em regime de internato, aliás, era o
sistema que se praticava devido as distâncias da proveniência das alunas e alunos. Os
professores, funcionários e missionários viviam em residências da Missão construídas para
essa finalidade.
Dôndi é um lugar que os remanescentes, ex-alunos, trabalhadores, professores e
freqüentadores, lembram com saudades. Lembram com saudades o impacto que a Igreja
Congregacional criou com o desenvolvimento de programas que convenceram,
persuadiram os povos angolanos a se formarem e a terem uma vida nova. O antigo Dôndi
deixou lembranças, era uma instituição de impacto social de relevância na sociedade
angolana. Uanhenga Xitu –Agostinho Mendes de Carvalho, comentando sobre esta
instituição, assevera:

Sínodos Provinciais. Existem estados com mais de um Sínodo, como é o caso do Estado do Huambo, área
desta pesquisa.
272
Departamento das Mulheres. Memorando das Etapas das Escolas Doméstica ontem. Huambo, IECA,
2003, p.1.
273
Conselho Angolano de Igrejas Evangélicas. CETECA: A serviço das Igrejas. Lobito República de Angola,
Centro de Estudos de Teologia e Cultura, 1983, p.17.
274
Idem, p. 17.

92
Dôndi (...) uma instituição religiosa de grande reconhecimento por aquilo
que fez pela educação e designação do homem negro de Angola,
sobretudo no centro sul do País, não falando da assistência médica
sanitária que prestava sem exceção de credo religioso de classe social,
inclusive as autoridades administrativas e suas famílias e a todo mundo
que para ali recorria vindos de todos os pontos de Angola. Boa equipe
médica e especializada estrangeira, além de muitos quadros angolanos
auxiliares e superiores, competentes do ramo de enfermagem, parteiras,
obstetrícia, técnico de laboratórios e raio X etc. Era uma obra de
caridade de grande vulto em todos os aspetos humanitários digna de
louvor 275 .

Dizia Uanhenga Xitu que a descrição do Dôndi, do ponto de vista turístico e


paisagístico, era difícil. Pois se caracterizava pela presença de pessoas que por ali
passavam em visita aos doentes no hospital, doentes em tratamento ambulatorial. Também
ia para lá um grande número de pessoas cristãs e não cristãs, de estudantes internos e
externos da Missão do Lutamo, da Escola Means, do Instituto Currie, da Escola de
Enfermagem, Escola Hei, Hospital, Ocipinduko, Tipografia e bairros. Muitos viajavam
para este lugar a fim de constatar a fama que ouviam sobre o Dôndi, onde médicos,
enfermeiros, professores e funcionários trabalhavam com dedicação.
Para Uanhenga Xito, o matagal ajudava a levar o som dos hinos e cânticos
entoados, transmitindo sensação e sentimento de paz. Em Angola se canta na alegria, na
tristeza, no sofrimento e no trabalho. A música faz parte da vida do angolano e do africano
em geral e a mesma desempenhou um papel importante na evangelização. No Dôndi as
aves e outros seres da reserva florestal, com frondosas árvores de diversos tamanhos
envolvidas por trepadeiras, folhas secas caídas, evidenciavam estar em harmonia com seres
humanos. Trilhos entrecruzavam-se, ligando o Dôndi com senzalas, aldeias, campos de
plantações e municípios276 . Diz Uanhenga Xitu a concepção a respeito da morte como
passagem transitória:
É o encanto! Mas, morre-se? Sim. Passagem transitória para o além dessa vida.
Chorar-se? Sim. Jesus chorou. Versículo mais curto da Bíblia. É assim o Dôndi.
Tudo tem uma resposta que explica, que diminui a dor, a tristeza, o choro, o
sofrimento277 .

A geração remanescente lembra das estruturas físicas que cada estação missionária
possuía: residências dos missionários, professores, alunas/os, as respectivas escolas

275
XITO, UANHENGA – Agostinho A. Mendes de Carvalho. Mungo: Os sobreviventes da máquina colonial
depõem... Luanda, Editorial Nzila, Colecção Letras Angolanas–5, 2002, p.113.
276
XITU, UANHENGA – Agostinho A. Mendes de Carvalho. Cultos especiais. Luanda, Ponto Um
/Intergráfica, 1997, p.114.
277
Idem, p.114-115.

93
acadêmicas, capelas confortáveis, estruturas administrativas, hospitais que faziam parte da
dinâmica da Igreja no seu todo. Nesta instituição, foram formadas e saíram pessoas que
contribuíram e continuam a contribuir com seu talento e saber em variadas áreas de
conhecimento: educação, nutrição, ciências domésticas, saúde, teologia, ciências sociais,
música, artes, comunicação e engenharia 278 .
Dôndi foi a sede geral da Igreja Congregacional até 1975, e parecia representar a
Jerusalém dos Congregacionais de Angola. Dôndi ministrava a formação acadêmica a
partir do ensino de base até o ensino médio, formação técnica em pedagogia e de
enfermagem, assim como a formação de parteiras e técnicos agropecuários. A formação
acadêmica técnica e profissional da Igreja Congregacional se concentrava nesta estação
missionária do Dôndi. Foi o centro de formação intelectual, assistência médica e sede
nacional da Igreja Congregacional até 1977.
Além do Dôndi, entre os protestantes, havia outra instituição muito importante,
pertencente à Igreja Metodista, a Missão Késua 279 . Uanhenga Xitu diz que Késua tinha um
ambiente de convivência cristã em todos os seus aspetos. A sensação que se tinha é que se
cantava, se falava, se conversava, se discutia à base de uma vivência da fé em Deus.
Acrescenta dizendo que a primeira impressão que se tinha era que o pensar dos moradores
e o cantar ou piar dos pássaros representavam canções da Igreja. O latir dos cães era um
aviso de Deus ou do diabo, o cacarejar das galinhas era sinal de Deus, o berrar dos cabritos
também. Ainda comenta que o comportamento dos homens e mulheres, a juventude em si,
tanto rapazes como meninas, estavam em harmonia e voltados para os ensinamentos da
Igreja 280 .
Para Uanhenga Xitu, se por um lado sentia-se a felicidade de seus habitantes, por
outro, também podia se pensar na infelicidade de algumas mulheres, que uma vez postas
fora do ambiente da missão apresentavam dificuldades de encarar o que se passava na vida
real. Expressavam-se bem em português, liam e escreviam otimamente, dominavam a arte
culinária, uma série de artes, mas não estavam capacitadas para enfrentar o verdadeiro
quadro que se lhes apontava, que era da opressão colonial, que exigia desdobramentos com
níveis de conhecimentos mais elevados que eram difíceis de serem atingidos 281 .

278
XITO, UANHENGA - Agostinho A. Op. cit p.113.
279
Késua, foi uma Missão cristã protestante da Igreja Metodista Unida de Angola. Era um dos maiores
centros de ensino primário, secundário, religioso do País.
280
XITU UANHENGA – Agostinho A. Mendes de Carvalho. Op., cit., p.35.
281
HENDERSON, Lawrence W. Op., cit, p.35.

94
2.4.3– A formação na Escola Means

A Escola Means foi uma instituição religiosa para a formação das moças, criada em
1916 no perímetro do Dôndi, após o rio Cutato. O nome Means era em homenagem ao
primeiro Secretário da Junta Missionária, o Dr. John Means, pessoa que teve a iniciativa
para a criação do trabalho missionário, em Angola. Esta Escola foi criada dois anos após a
fundação do Instituto Currie, instituição educacional para os rapazes. Os candidatos ao
Instituto Currie eram alunos das escolas Vida Rural, das estações missionárias282 .
O objetivo da Escola Means era formar as mulheres cristãs em todas as dimensões
da vida, despertando nelas vocações e ampliando seus horizontes para melhorar a
qualidade de vida da família cristã, da comunidade eclesial e da sociedade. Concebia-se
que ampliar os horizontes das mulheres que geram e educam filhos como futuro da nação
era a contribuir para o desenvolvimento. O relatório da Igreja apresentado em 1967
mostrava que o curso de Economia Doméstica que a Escola Means administrava, era um
ensino prático às moças que ultrapassaram a idade de freqüentar escolas de ensino rural ou
ensino comum 283 .
A estrutura da Escola e suas dependências eram de construção definitiva. Tinha
uma capela que se chamava Webster (em homenagem ao patrocinador), um edifício para
aulas acadêmicas, um para práticas de trabalhos manuais e artes, residências para alunas,
residências para os diretores e suas famílias, para a professora portuguesa, para os
professores casados e professoras. Tinha estrutura para jardim escola, armazém,
almoxarifado, cozinha ligada ao refeitório de maior porte, balneários, um posto médico,
uma quadra de esportes. 284

282
Idem, p.168.
283
Sociedade de Senhoras da IECA. Retrospectiva da Formação Feminina. Huambo Angola, brochura
miniografada, Novembro de 2003, p.2.
284
CAPUCA, Valentina Chilombo. História da Sociedade de Mulheres da igreja Evangélica
Congregacional em Angola. Luanda, brochura mimiografada, 2004, p.1.

95
A escola tinha dois currículos distintos:

1 – Acadêmico Escola Webster


2 –Trabalhos Manuais – Economia Doméstica

1 – Acadêmico Escola Webster. As aulas eram ministradas pelos professores e


professoras. No currículo acadêmico constavam as disciplinas de: Bíblia, língua
portuguesa, aritmética, agricultura, geografia, ciências naturais, história de Portugal e
desenho. Até o ano de 1975 não se permitia falar nenhuma língua materna ou nacional,
nesse caso umbundu ou kimbundu. Valentina Ch. Capuca explica que na época da
missionária Amy Elisabeth Schauffeler a saudação que era: kalunga Ulonguisi, kalunga a
mana, passou para, bom dia, boa tarde, boa noite professor/a ou mana285 .
Foi também no tempo da missionária Amy E. Schauffeler que no currículo
acadêmico o ensino da 4ª classe equivalia à 4ª série e o 1º ciclo preparatório igual às 5ª e 6ª
séries. Os inspetores que examinavam eram os portugueses que vinham da capital,
Huambo (ex-Nova Lisboa). A língua portuguesa era lecionada por um professor português
convidado.
As alunas que conseguiam condições para continuar os estudos eram encaminhadas
à Escola Técnica, onde faziam o ensino secundário, com especialidades em pedagogia, ou
iam para o ensino liceal. Estes cursos, assim diz Lawrence W Henderson, aumentaram o
prestigio do Dôndi e do Quéssua, que tinham conseguido autorização de lecionar esses
níveis 286 . As alunas da Escola Técnica que se destacavam, beneficiava-se de bolsa de
estudos para prosseguirem com os estudos na cidade do Huambo e fazerem o curso de
Formação Feminina 287 . O nível acadêmico era equivalente a atual 7ª série no Brasil.

2 – Trabalhos Manuais – Economia Doméstica

As disciplinas que faziam parte do currículo nesta área eram: estudos da Bíblia,
culinária/nutrição, costura, lavagem de roupas, cestaria, tratamento de casa, saúde pública,
agricultura e criação de animais de pequeno e médio porte. Resumidamente, na matéria de
culinária/nutrição se aprendia os valores nutritivos dos alimentos (proteínas, vitaminas, sais

285
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit, p.7.
286
HENDERSON, Lawrence W. Op. cit, p.175.
287
Formação Feminina era a designação dada ao curso de formação específica do nível médio para mulheres.

96
minerais, glicídios, lipídios). Aprendia-se a conservar os alimentos e aproveitá- los ao
máximo, a pastelaria, extrair do leite manteiga ou queijo. A extração do óleo dos cereais,
embora o povo já dominasse, também se aprendia. Em costura aprendia-se a confecionar o
enxoval de bebê, reparar roupas e remendá-las, diversos pontos de costura e bordado. As
finalistas também confecionavam seu uniforme (vestido). Na disciplina lavagem de roupas,
ensinava-se a lavar e engomar diversas qualidades de roupas de acordo com suas fibras.
Quanto à remoção de manchas se utilizava sal, água quente, limão, querosene (petróleo),
gasolina e outros. Os processos tradicionais utilizados na lavagem de roupas também eram
ensinados, tal é o caso da remoção de manchas com farelo, folhas de mamoeiro e outros 288 .
Cestaria, era uma disciplina que requeria imaginação, iniciativa e mestria. Era feita
com palha de capim chamado ociyombo e erva chamada osoka, que era tingida com
produtos naturais. Durante a confecção, a profissional mesclava as ervas tingidas e não
tingidas para formar motivos encantadores. Os artigos que mais se produziam eram
fruteiras, bandejas e diversos cestos para decoração. A cestaria é um tipo de artesanato
praticado pelas mulheres desde tempos remotos em Angola, confeccionando utensílios
domésticos, nas horas menos apertadas, principalmente nas noites. Aquelas que estavam
ligadas à igreja e as alunas tinham como excelentes clientes os próprios missionários e
missionárias. Algumas conseguiam pagar as mensalidades de suas filhas. As missionárias
acharam que esta arte deveria constar no currículo da Economia Doméstica.
O Tratamento de Casa consistia na aprendizagem não só da limpeza ou faxina, mas
também da decoração e sua administração. Incluía o plantio e cuidado de plantas
ornamentais.
Em relação à Saúde Pública se partia do pressuposto de que a saúde é um bem estar
físico, social e mental de qualquer ser humano. Por isso, a preservação da mesma e a
prevenção das doenças eram rigorosamente transmitidas nessa matéria. Assim, o
saneamento básico era ensinado e praticado, o tratamento de algumas doenças e a sua
transmissão e os primeiros socorros. A disciplina estava a cargo de um professor
enfermeiro efetivo e um médico de caráter temporário. Os missionários chegaram e
constataram que em Angola a medicina, assim como a prevenção das doenças, se dava por
meio das vacinas. O sistema colonial combateu a prática da medicina tradicional,
considerando-a feiticista. Isto, não significa que estejamos a defender práticas da feitiçaria.

288
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit., p.4.

97
Vale salientar que nestas disciplinas algumas ganhavam vocação para o curso de
enfermagem289 .
Ministravam-se aulas teóricas e práticas de agricultura e criação de animais. Nos
terrenos da Escola Means cada aluna tinha sua horta, sob a orientação do professor.
Plantava-se couves, cenoura, nabo, alface, tomate, etc. Havia também um pomar enorme.
Tinha galinheiros e pocilgas, onde se praticavam o cuidado e a reprodução de aves e
animais. Os produtos eram revertidos para o consumo das alunas na Escola.
No fim do curso, as alunas dessa área geralmente se encaminhavam para os cursos
de Educação Cristã ou Enfermagem.

2.4.4.1– Outras atividades das alunas na Escola Means

Vale lembrar algumas das atividades que contribuíram para a formação e o perfil
das ex-alunas da Escola Means.

Canto coral e festival da canção

As alunas eram treinadas a cantar hinos de inspiração protestante dos cancioneiros:


salmos e hinos e cantor cristão. As alunas da Escola Means e alunos do Instituto Currie
eram submetida a testes para a formação do grupo coral especial do Dôndi. Fazia parte do
coral aqueles e aquelas que fossem aptos no teste. Compunham um grupo de cinqüenta
pessoas no total. Este coral era conhecido a nível nacional.
Na história desse coral, a pessoa que mais se destacou foi Isabel Chipepi. A música,
pelo canto coral, fazia parte das atividades de todas/os na Escola Means e no Instituto
Currie. O programa global era composto por curso de música, louvor no coral e o canto
coral, que eram ministrados pelos professores Henrique Capiñala Sukuakuece, Artur
Rubem Sikato e o missionário Evey. O programa global de música tinha o seu ponto mais
alto com a apresentação do hino com o título “Sivaya Suku eye Fu - Louva Deus, Ele é
eterno”290 .
Outro grande momento era a apresentação de hinos e canções no programa
denominado “Festival da Canção”, onde alunos/as apresentavam variedade de melodias

289
HENDERSON, Lawrence W. Op., cit, p.202.
290
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit., p.15.

98
num pequeno monte, chamado Kaciungo, à beira do rio Kutatu. Valentina Ch. Capuca diz
que o festival era apresentado num domingo à tarde:

Ali, os rapazes e as raparigas das duas instituições se reuniam para cantar hinos e
canções toda a tarde. O objetivo era de saber qual era o melhor coro ou grupo.
Depois, as moças desciam rapidamente para junto do rio Cutato onde olhavam
no cimo do monte. Os rapazes continuavam a cantar e as moças respondiam do
outro lado do monte. Era muito bonito este espetáculo que criava saudade para
toda a vida quando se lembra do Instituto e Escola Means do Dôndi; o rio cutato
e o monte Catchiungo 291 .

Ainda, Valentina Ch. Capuca lembra que no monte Kaciungo se celebrava a


ressurreição de Jesus Cristo, em virtude de o monte ter uma caverna que levava a imaginar
o túmulo de Jesus Cristo 292 .
A celebração era realizada antes da data oficial litúrgica cristã; pois nesta data os
alunos e alunas das duas instituições saiam de férias e passavam o período da
comemoração da páscoa nas suas comunidades de origem. Os professores da área de
educação cristã preparavam as alunas e os alunos para apresentação cênica do nascimento
de Jesus e da Paixão. Segundo Duncan A. Reily, o método da dramatização de lições
bíblicas desenvolveu um papel harmonioso na expansão do cristianismo no século XX. A
dramatização é espaço criado por Rosvita para a proclamação nos anos entre 930-1002.
Reily afirma que:

Rosvita era uma mulher muito instruída na Bíblia e nos escritos dos Pais da
Igreja, bem como na literatura latina clássica; ela foi especialmente influenciada
nas suas peças teatrais pelo estilo de Terrêncio 293 .

As representações cênicas cristãs levavam alunas/os e auditório a memorizar as


mensagens que a dramatização passava.

Festas

Muitas atividades eram realizadas uma vez ao ano. Uma delas é a festa em que as
alunas tinham oportunidade de jantar com os professores e professoras no refeitório da
Instituição. Este encontro proporcionava uma convivência mais aconchegante e menos

291
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit, p.15.
292
Idem, p.15.
293
REILY, Duncan A. Op. cit, p.138.

99
formal com as alunas. O ambiente era animado com jogos, anedotas, piadas, danças e
declamações de poesias 294 .
Entre as festas, se destaca a visita dos alunos do último ano (4º) do Instituto Currie
à Escola Means. As alunas preparavam e colocavam tudo em ordem na instituição, pois os
homólogos visitavam todos os recantos da Instituição. As moças do 4º ano eram as
responsáveis pela preparavam da recepção que, além do mais, também consistia no
treinamento e refinamento da cortesia. A recepção terminava num jantar animado com
jogos, danças e cânticos pelas alunas e alunos. O objetivo da recepção era conhecer as
duas instituições onde foram formados 295 .
Uma outra festa que marcava a vida das/os estudantes era a festa do dia 1º de
dezembro. Nessa data se comemorava a fundação da Escola Means. O programa desse dia
geralmente começava com uma marcha ritmada de todas as alunas ao som da banda da
Escola, até o campo de basquete, que era o lugar normalmente preferido para o ato. Em
seguida, o hasteava-se a bandeira portuguesa, depois entoava-se o hino nacional de
Portugal, se recitavam poesias da soberania lusitânia. O dia era preenchido por danças e
cânticos folclóricos e terminava com um jogo de basquete feminino ou de futebol
masculino. Nesse dia, eram convidados todos os funcionários, professoras/es, alunos de
todas as instituições do Dônd i nomeadamente: Missão do Lutamo, Escola de Artes
Cipinduko, Tipografia, Seminário Emanuel, Hospital, Escola de Enfermagem, Instituto
Currie, Escola Hei. Os bairros, as aldeias mais próximas e os moradores do município
eram convidados a assistirem o evento. O convidado de honra nessa festa era o
administrador do município de Bela-Vista, atual Catchiungo 296 .
Nas festas as alunas eram autorizadas a usar as roupas que quisessem, desde que
fossem decentes, de acordo com o regulamento da Instituição. Nos dias de aulas e
domingos era usada a indumentária preconizada. Bata azul nas aulas e vestido branco de
gola bordada aos domingos.

294
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit, p.9.
295
Idem, p.9.
296
Idem, p.9.

100
2.4.5– Educação cristã

As atividades missionárias leigas nos Estados Unidos da América representaram


um papel decisivo no desenvo lvimento das missões. De princípio, os leigos eram
influenciados pela teoria de Samuel Hopkins, congregacional, com sua teologia da
“bondade desinteressada”, que se baseava na idéia de que Deus deseja o bem de todo ser
humano e que devia se sacrificar os interesses pessoais em favor do próximo. Essa teologia
impulsionou os membros protestantes dos Estados Unidos da América ao serviço
missionário 297 .
Mais tarde, acrescentou-se a preocupação em expandir a Escola Dominical, que
chegou aos Estados Unidos da América em 1800. Em 1824 já havia Associações das
Escolas Dominicais que se dedicava ao ensino religioso das crianças. A Escola Dominical,
embora seja organizada pela primeira vez por Robert Raikes, que ministrava ensino
religioso cristão às crianças pobres na Inglaterra, nos Estados Unidos da América a escola
fundamentava-se na teologia de Horace Bushnell, que se opunha à doutrina da depravação
total do ser humano. Horace Bushnell era de opinião que a criança é susceptível ao bem,
apesar de ser propensa a ser contaminada por tendências pecaminosas a partir do meio
ambiente em que vive. Com esta posição, Bushnell, alertava aos cristãos para não impedir
a oportunidade de seus filhos se converterem e encaminhá- los como parte integrante da
família cristã 298 .
A Escola Dominical desempenhou a função de instrução, consolidação das igrejas e
no campo missionário serviu de formação à epistemologia cristã protestante aos
convertidos e atração aos observadores. Afirma-se que também foi um meio de
299
evangelização . Na Igreja, nos Estados Unidos da América, surgiram as sociedades
auxiliadoras femininas leigas, que exerciam ações pastorais que contribuíram na
proclamação do evangelho no serviço de missões, por meio de incentivo aos jovens para
campos missionários e manutenção dos mesmos nas áreas de missões 300 .
Segundo Cristoph Schneider-Harpprecht, ao longo da sua história no meio
protestante, se entende a educação cristã como a práxis dos cristãos e da Igreja nos

297
MENDONÇA, António Gouveia. O celeste porvir: A inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo,
Edições Paulinas, 1984, p.60.
298
Idem,61.
299
Idem, p.61.
300
Idem, p.61.

101
diferentes campos da educação: formal (escolar); não formal (educação de adultos e
popular) e informal (através do meio social e familiar) 301 .
Esse conjunto de programas aplicados nos países onde os missionários atuavam,
desenvolveu nos membros o entusiasmo de aprender.
Na Igreja Evangélica Congregacional em Angola, a criação do curso de Educação
Cristã, se originou na falta de profissionais. Para dar resposta a esta necessidade se criou
o curso na Escola Means (grifo nosso). A vocação para o ministério pastoral na área de
Educação Cristã era identificada nos cultos matutinos na Escola Means. As alunas, ao
participarem da liturgia nos cultos, eram avaliadas pelas professoras e professores. As que
tivessem boa classificação eram encaminhadas para o curso de Educação Cristã, no
Seminário Emanuel Unido, para a formação teológica. No período de 1965 a 1975 o curso
era de três anos. Para o curso de Educação Cristã, nos primeiros dois anos as alunas faziam
cadeiras de teologia e no terceiro ano faziam matérias ligadas à economia doméstica com
ênfase nos papéis da mulher cristã 302 .
Nas matérias ligadas à mulher cristã, as alunas eram levadas a reconhecer a
maternidade como privilégio e, ao mesmo tempo, oportunidade de moldar suas vidas como
mães que educam gerações futuras. A educação dos filhos era também uma das matérias
dadas, mostrando às alunas o quanto a tarefa de educar uma criança requeria formação das
mães, levá-las ao conhecimento de que educar uma criança é um dever. Ter e criar
filhas/os requer muita dedicação e esforço para a vida toda. Ter filhos é participar da obra
de Deus e não um simples prazer ou resultado de um amor. O ser mãe implica educar as
filhas/os, orienta-las/os, atender suas necessidades ao mesmo tempo proporcionar um lar
cristão que educa espiritualmente as crianças na palavra de Deus e as encaminha à Igreja.
Ser mãe, é estar pronta a alegrar-se, sacrificar-se física e emocionalmente, pois há noites de
insônia e dias cheios de preocupações, sem tempo para si mesma. É encorajar as/os
filhas/os a se desenvolverem mentalmente, fornecendo educação que esteja de acordo com
os valores morais éticos, ou seja, cercá-los de pessoas de conduta socialmente exemplares
e dignos de imitação. As filhas/os deviam saber que o amor ao dinheiro é a origem do
pecado, mas a maior virtude é o amor que proporciona paz, solidariedade, alegria e que
esses valores não deveriam ser substituídos pelo dinheiro. Embora o dinheiro faça falta e
seja importante, porém não poderia ocupar o centro da vida 303 .

301
SCHNEIDER-HARPPRECHT, Cristoph. Op., cit., p.246.
302
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit, p.13.
303
ALICE, Sheppard. Op. cit, p.27

102
A educação de um filho ou de uma filha iniciava-se a partir do primeiro mês de
gravidez com a entrega a Deus, pela da dedicação devocional diária. Ser mãe era mostrar e
desenvolver nas/os filhas/os aspectos intrínsecos da vida que estavam ligados a: segurança
emocional, alimentação, saúde, conforto, disciplina, instrução espiritual, ética de trabalho,
descanso e recreação. Alice Sheppard considera a segurança como aspecto da vida que
integra os demais. Ela diz que a segurança é uma das necessidades básicas do ser humano.
Uma mãe protege o filho desde a gestação, evitando fazer esforços exagerados que possam
prejudicar o nenê. Logo após o nascimento, a mãe devia prevenir e proteger a criança de
todos os perigos. A mãe não deixará a criança no lugar onde possa cair, do fogo, do calor
demasiado, protegê- la dos animais e insetos. Após o nascimento, a mãe ensina a criança
como se deve agir e os cuidados que deve ter com relação a pessoas estranhas, veículos,
animais e outros.
O papel de educar os filhos é tarefa dos dois progenitores e não só da mãe. Para que
haja melhorias e transformar nas relações de gênero deve-se mudar os paradigmas de
educação dos filhos que exigem mais das mães e menos dos pais.
As responsabilidades apontadas por Alice Sheppard, tem deixado muitas mães
ansiosas e sendo demasiadamente protetoras, esquecendo-se de que a super-proteção acaba
por prejudicar a criança dificultando sua independência, que tem que ser adquirida de
acordo com a sua idade, desenvolvimento e crescimento 304 .
A segurança emocional é indispensável para a criança. Essa diz respeito ao caráter
individual da criança, independentemente da educação, cada criança é diferente da outra. A
segurança emocional, segundo Alice Sheppard, consiste da auto-estima positiva e uma
relação positiva com os outros seres humanos. O olhar atento e sincero ajuda na
compreensão, assim como a conversa face a face é mais significativa no desenvolvimento
da segurança emocional da criança. O contato visual tem o efeito de quebrar as defesas.
Com os ouvidos, os pais devem ouvir seus filhas/os 305 .
A criança precisa sentir que tem prioridade na família. Discutir alguns assuntos
importantes com as/os filhas/os, saber o dia delas/es na escola, na rua, é necessário. Ao
escutar a criança, ela estará segura, sentindo que seus pensamentos e suas preocupações
são importantes para os pais. O toque tem um poder tão grande para o ser humano que, sua
falta durante a infância torna a criança emocionalmente carente. Os bebês chegam a
morrer por falta de receberem um toque físico, que pode ser traduzido por ternura. Toda

304
Idem, p.27.
305
ALICE, Sheppard. Op. cit, p.28.

103
boa relação é melhorada, é aumentada com o toque. Um aperto de mão, um abraço melhora
a auto-estima e o relacionamento 306 .
Alice diz que o poder do toque é fundamentado nos textos bíblicos: em Mateus
9.20-21, a mulher doente pensou que se apenas pudesse tocá- lo ficaria curada. Em Marcos
10:13-16 as mães levaram suas crianças pequenas para que Cristo as tocasse307 .
Entretanto, Anne Carr e Elizabeth S. Fiorenza consideram subordinação quando a
mulher é culpada diante do casamento fracassado, os filhos procedem mal conselhos e
quando se dá conselhos e ensinamentos que insinuam na mulher o papel secundário e
passivo na família 308 .
Com a Educação Cristã, a Igreja procurava consolidar a fé dos membros.

2.4.6– Formação Feminina em Huambo (ex-Nova Lisboa)

A Formação Feminina era curso ministrado nas escolas do governo colonial. No


Dôndi, Escola Means, a Igreja fazia doação de bolsas de estudos às alunas destacadas. Ali
as alunas eram instruídas com o objetivo de serem formadoras na Escola Means e nas
estações missionárias.
O curso de “Formação Feminina”, assim denominado, era ministrado na Escola
Industrial em Nova Lisboa, atual cidade do Huambo. Na referida escola, também havia os
cursos Comercial e Panificação. Alice Miguel Pongolola, em relação ao programa de
Formação Feminina, explicita que o curso de Formação Feminina na época colonial, que
termina em 1975, era dado nas Escolas Industriais e Comerciais, que se encontravam nas
capitais dos estados do Huambo, Bié, Moxico e Luanda. As alunas e alunos que
terminassem o 2º ano do ciclo preparatório, equivalente à 6ª série no Brasil, ingressavam
nas Escolas Industriais nas capitais, escolhendo os cursos: Formação Feminina, Comércio
e Indústria. No curso de Formação Feminina ingressavam moças, no Comércio
ingressavam tanto moças como rapazes e no curso da Ind ustria mais rapazes. Isso indica
que havia ausência de mulheres em determinados cursos. Ingressavam para o curso de
Formação Feminina aquelas que tinham a vocação de ajudar outras mulheres a se
desenvolveram e aumentar seu nível social e aquelas que queriam ser boas donas de casa.

306
Idem, p.28.
307
ALICE, Sheppard. Op. cit, p.28.
308
CARR, Anne; Elisabeth Schusser Fiorenza. Mulher-Mulher: In Teologia Feminista. Concilium 238 –
1991, p 44.

104
O currículo do curso de Formação Feminina seguia o programa escolar acadêmico e as
disciplinas específicas do curso, que eram inseridas paulatinamente até 3º ano 309 .
Lecionavam-se:
1º– Desenho aplicado: consistia em criar e traçar vários modelos para serem aplicados nos
trabalhos manuais.
2º– Oficinas que abrangiam: amostras de pontos de costura e bordado, porém tudo
executado manualmente no 1º ano. No segundo ano corte/costura à máquina e bordado à
máquina, que se aperfeiçoava no 3º ano. Aprendia-se a elaborar projetos para confecção
crochê e tricô. Aprendia-se também a decoração de interiores com as peças
confeccionadas.
3º– No fim do curso, a aluna deveria saber elaborar um cardápio balanceado, que fazia
parte do teste final.
4º– Economia Doméstica: era a disciplina que ensinava como cuidar da casa, cada cômodo,
o mobiliário e a decoração de uma casa residencial. A administração do lar no que se refere
à administração do tempo, distribuição diária, semanal, mensal e anual das tarefas310 .
No Curso Comercial aprendiam sobre a comercialização de produtos, gestão
financeira e panificação. Os alunos do curso Industrial aprendiam eletricidade, mecânica,
serralheria, carpintaria, canalização e construção 311 .
Ainda, Alice Pongolola afirma que a Formação Feminina na época colonial também
era dada às alunas do ensino liceal, como um curso à parte, que se dava com patrocínio da
Mocidade Portuguesa Feminina, duas vezes por semana. As disciplinas eram: nutrição,
culinária e pastelaria, decoração, pintura em tela e quadros. Ela também faz menção dos
cursos das Missões Evangélicas, dizendo serem cursos ricos em currículo. Ela diz que as
moças aprendiam a partir dos produtos naturais, transformando-os em algo útil para o
desenvolvimento da comunidade. As artes de nutrição, culinária e pastelaria, cestaria, tricô
e crochê eram confeccionadas com produtos da terra, como forma de valorizá- los312 .
De uma forma geral, a formação pastoral ministrada pela Igreja Congregacional
gerou uma práxis religiosa que se enquadra nos eixos pastorais de Casiano Floristan que
produziu reflexão, transformação e compromisso, embora não se consiga identificar e
caracterizar durante a pesquisa, oportunidades de crítica às ações pastorais da Igreja, assim

309
PONGOLOLA, Alice Miguel. Programa de Formação Feminina na era colonial. Luanda Angola, carta
endereçada a pesquisadora em fevereiro de 2004.
310
Idem, p.II.
311
Idem, p.III.
312
Idem, p.III.

105
como a participação expressiva das mulheres na elaboração dos currículos. Segundo
Casiano Floristan, a práxis deve ser uma busca constante de ações pastorais em todas as
suas dimensões. É práxis por ser uma ação transformadora e libertadora do mundo natural
e social, para que seja mais humano 313 .
É notório que a Igreja nasceu de um movimento não africano, mas nos moldes de
igrejas européias e americanas, que achavam imperativo enviar missionários que
implantaram igrejas segundo modelos conhecidos em seus países, e segundo critérios
aprovados pelos seus superiores em suas denominações. A participação do grupo alvo nas
decisões determinantes e a reflexão constante nas ações pastorais, que promove
consciência crítica, concorrendo para transformação radical na forma de agir e conceber na
comunidade eclesial era praticamente inexistente 314 .

2.4.7– Formação das parteiras

Desde tempos remotos, as sociedades no mundo tinham suas profissões decorrentes


das artes aprendidas na formação, seja ela formal ou informal. A profissão de parteiras é
milenar. Em Angola, o parto era acompanhado pelas mulheres, com a orientação de uma
anciã. A anciã sabia como proceder com a parturiente, e as demais ajudavam a dar
coragem e demonstrar a solidariedade na hora de dar à luz, ao mesmo tempo em que
observavam o procedimento da anciã. Quando o parto era complicado, utilizavam
medicamentos à base de ervas e folhas, de acordo com o caso. Muitas formas eram
utilizadas no corte do cordão umbilical e da recuperação da parturiente. Em algumas
regiões, o corte do cordão umbilical era friccionado por duas varas em brasa. A placenta
era enterrada no terreno em volta da casa. Após o parto, a mulher era submetida a banhos
de ervas contra infecções e a anciã também prescrevia a alimentação que repunha
rapidamente as energias perdidas no parto e produzir leite, como também prescrevia os
cuidados com o/a recém- nascida/o. As mulheres africanas escravizadas nas américas
trouxeram esses conhecimentos.

313
FLORISTAN, Casiano. Teologia prática – Teoria de la accion pastoral. Salamanca Espanã, Ediciones
Sigme, p.142.
314
FLORISTAN, Casiano. Teologia prática – Teoria de la accion pastoral. Salamanca Espanã, Ediciones
Sigme, p.140.

106
No Brasil, por exemplo, na época da colonização, as mulheres africanas ajudavam
nos partos das mulheres de seus senhores. A esse respeito, Suely Carvalho e Ivete
Lourenço dão o seguinte esclarecimento:

As mulheres brancas, esposas dos colonizadores, eram atendidas nos seus partos
pelas parteiras negras. Além de ajudarem no parto, também amamentavam e
cuidavam dos bebês, tornando-se a ama de leite e babá do sinhozinho, função
imposta pela escravidão. Nos quilombos, a relação parteira/gestante preservava
as raízes africanas, resistindo à dominação e à interferência cultural. (...) Nesta
sociedade afro-brasileira, a parteira era respeitada, ocupando assim um lugar de
destaque na hierarquia dos quilombos 315 .

Na África, a mulher, enquanto gestante era respeitada por se considerar


construção da maternidade a força motriz da perpetuação da linhagem familiar. Ao
mesmo tempo, nesse período se evita manchar o altar sagrado da casa ou da comunidade.
Significa que maltratar a mulher grávida é manchar o altar sagrado da família ou da
linhagem316 .
Várias transformações aconteceram nesta profissão. A Igreja Congregacional, ao
dedicar-se a promoção da saúde das comunidades, também deu formação às mulheres para
o exercício da profissão de parteiras. Após a formação, voltavam as suas aldeias e
ajudavam as mulheres das suas aldeias e circunvizinhas. As parteiras contribuíram bastante
na saúde das comunidades, pois elas, além de ajudarem as mulheres grávidas, forneciam as
estatísticas dos bebês nascidos à Igreja. E se algumas morressem, promoviam-se
programas de saúde, muitas vezes coordenados por elas 317 .
No contexto angolano, nascer é participar da obra criadora de Deus. E isso é mais
do que ter um filho 318 . O parto é considerado fenômeno biológico que acontece em todo
planeta desde que os seres humanos começaram a habitá- lo.

315
CARVALHO, Suely; LOURENÇO, Ivete. Parteiras tradicionais – A trajetória do nascimento no Brasil.
In: Mandrágora - Gênero, Cultura e Religião. São Bernardo do Campo, Instituto Ecumênico Pós-Graduação
em Ciências da Religião, Núcleo de Estudos Teológicos na América Latina/NETMAL, nº3, 1996, p.69.
316
DIARRA, Baubacar. In: Mensagem – Revista angolana de cultura. nº5 Luanda Angola, ENDIPU/UEE,
1990, p.18.
317
EURICO, André Cangovi. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda Angola, dezembro de 2003.
318
Conselho Angolano de Igrejas Evangélicas. Seminário sobre: a mulher e suas actividades. Lobito Angola,
Centro de Estudo de Teologia e Cultura, 1982, p.4.

107
Estudos feministas revelam que as práticas de parto e nascimento de seres humanos
são culturais, histórica e geograficamente específica. Os procedimentos de parto no Japão,
por exemplo, eram diferentes das angolanas. Para os antigos japoneses era um
acontecimento perigoso, extraordinário, durante o qual a mulher e o bebê flutuam no
mundo dos vivos e mortos. Por isso, na mulher que dá à luz são colocadas roupas brancas,
também usada nos mortos, e era assistida numa sala especial319 .
Em Angola, antigamente a mulher em serviço de parto era considerada pessoa que
passaria pelo contato com o mundo dos antepassados, para trazer ao mundo o bebê. Por
esta razão, quando na comunidade havia alguém com dores de parto, a maioria perseverava
na aldeia e não ia para o campo trabalhar. Os homens fic avam nas proximidades da casa da
parturiente e as mulheres ficavam no recinto da casa da parturiente, demonstrando
solidariedade nas dores de parto e aguardando a chegada do bebê. Assim que nascia o
bebê, as mulheres entravam saudando o bebê e a mãe e posteriormente os homens, com
expressões próprias, por exemplo: kalunga, kalunga (saudação específica para quem teve
nenê ou quem fez viagem longa e de risco). Ao bebê a saudação é como se fosse uma visita
de honra, ukombe weya, (a visita esperada chegou). As pessoas procuravam saber o nome
do bebê e comentando sobre as qualidades da pessoa de quem se tirou o nome para se
colocar no bebê. Concebia-se que assim a criança começava a identificar-se com o nome e
principalmente, absorver as qualidades de quem se deu o nome 320 .
As pessoas da comunidade traziam presentes, desde comida até a lenha. Durante a
semana a comunidade visitava aquela família todos os dias. Este costume ainda é
reverenciado em muitas comunidades, principalmente no meio rural.
A formação de parteiras, pelas igrejas protestantes e, em particular a Igreja
Congregacional, introduziu práticas pastorais que contribuíram na Educação Cristã. Nesse
curso as mulheres eram formadas em obstetrícia, saúde da mulher, saúde do bebê, saúde
pública e estudos bíblicos.
As mulheres em idade fértil eram instruídas para as fases da gestação. Uma mulher
grávida, desde o primeiro mês da concepção até o nono, tinha momentos de meditação. As
parteiras eram as principais formadoras. A gestante tinha o programa litúrgico diário para
cada mês, que se resumia no seguinte:

319
Centro de Filosofia e Ciências Humanos. Estudos feministas/Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, Centro de Comunicação e Expressão, 1999, p.429.
320
Nas sociedades africanas, que têm a cultura de nome, a família dá o nome da pessoa, que pode ser familiar
ou não, de conduta exemplar na comunidade, linhagem ou na família.

108
1º mês. Dar graças a Deus pela nova vida. Confiar no Senhor e se achar mais perto
de Deus. Neste mês, a gestante era orientada a meditar na gratidão de Elizabete, mãe de
João Batista, na perseverança e boa esperança de Maria, mãe de Jesus. Texto base S. Lucas
1.24-55. Meditar na onipresença de Deus, Sua grandeza e amor, nada devia perturbar o
coração.

2º mês. Meditações e orações. Textos bíblicos: Fil 4:8; Sl 139. Com base no texto
de S. Paulo aos filipenses, orientava-se a mulher grávida a pensar no bebê no ventre e em
tudo que é bom. “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo que é honesto,
tudo que é justo, tudo que é puro, tudo o que é amável, tudo que é de boa fama, se há
alguma virtude, e se algum louvor, nisso pensai”. Com este texto, se dizia às mulheres que
durante a gravidez deveria haver esforço em pensar no que é bom para contribuir na saúde
e educação da criança 321 .

3º mês. Orientava-se a cultivar a atitude de humildade diante de Deus e olhar para


a sua própria vida com todo o cuidado, para que Deus pudesse agir e dirigir em tudo que
tem por realizar. Memorizar um texto e uma estrofe de um hino a seu gosto. Texto
obrigatório do mês, Ef 4.13-16 e Sl 37.

4º mês. Confiança em Deus. Textos de meditação: Gn 2.7 e Sl 23. Este é o mês em


que o bebê no ventre da mãe começa a mexer, por isso orientava-se à mulher procurar ter
uma vida sossegada para evitar desassossego no bebê. O Salmo 23 era lido todos os dias.
As orações eram orientadas a partir das meditações do sopro Divino, Gn 2.7 322 .

5º mês. Neste mês os textos indicados são: Lc 1.46-47 e Sl 121. O tema deste mês
era Vontade de estar perto de Deus. Orientava-se as parturientes a se fortalecerem na
alegria em estar mais próximas de Deus, no conhecimento da Bíblia, que lembrando Maria
de Betânia, que estava aos pés de Jesus ouvindo as Suas palavras e aprendendo a fazer a
melhor escolha 323 .

321
Idem, p.3.
322
Idem, p.7.
323
Idem, p.9.

109
6º mês. Era mês simbólico na entrada do Reino de Deus. Os textos recomendados
para meditação: Sl 91 e Mt 19.14. Os pais eram ensinados a ter boas influências para que o
filho se desenvolvesse desde cedo num ambiente de paz e tranqüilidade 324 .

7º mês. Neste mês a recomendação para meditação estava baseada no texto de Jo


1.1-4 e Is 55. A mulher grávida era incentivada a “orar e crescer em boas idéias”. A sede e
fome da palavra de Deus levam a pessoa às águas vivas, leva a comprar comida sem
dinheiro e sem preço e a alma se deleita na fartura. Portanto, este é o mês da busca
incessante da palavra de Deus para obtenção do perdão e compaixão 325 .

8º mês. O tema: “o amor e um só coração”. Os textos são baseados em S. Jo 4. 1-21


e Is 54.13-14. Cultivar a paz interior e estar longe da opressão. O amor era o principal tema
da meditação, pois a concepção primordial é que Deus é amor. Deve-se dar graças a Deus
porque os bebês nascem por causa de Seu amor. Por isso, a criança deve nascer numa casa
edificada no amor326 .

9º mês. Paz e perseverança. Lia-se e memorizava-se o Sl 34. Fase da gravidez em


que a parteira se preocupa com a tranqüilidade da parturiente, cooperando no sucesso do
parto, encorajando com as seguintes palavras:

O amor e a piedade de Deus te cercam. Ele te concede calma, força, coragem e


capacidade. Descansa, aquieta a tua alma, encha o teu dia de pensamentos de
paz, alegria e amor. Não fique ansiosa. Descansa. Não te aflijas com
pensamentos inúteis. Assim como no primeiro mês cooperavas admirada com
Deus na formação maravilhosa dum corpo perfeito, assim deves fazer também
agora no último mês. As dores virão, mas lembre-te de que essas dores são
diferentes das doenças. Por elas saberás que é chegada a tua hora de dares à luz o
teu bebê327 .

Os cuidados à gestante proporcionavam a saúde não só da mãe, mas também do


bebê, dando à criança um bem estar social, mental e físico proporcionando uma educação
saudável para a vida.

324
Missão do Dôndi. Orações para as mulheres grávidas. Op. Cit, p.11.
325
Idem, p.13.
326
Idem, p. 15.
327
Idem, p.17.

110
Esse era o processo de acompanhamento espiritual da Igreja por intermédio das
parteiras às gestantes. Tinha muita importância, pois era veste simbólica para todo o
período de gestação e proporcionava uma educação saudável.

2.5– A contribuição pastoral das mulheres na Igreja Congregacional e na sociedade

2.5.1– Contribuição das mulheres leigas

O grupo das leigas foi e continua sendo o responsável pela organização das
mulheres na Igreja Evangélica Congregacional. A história da Sociedade de Mulheres da
IECA registra no seu bojo as mulheres leigas. Como se fez referência no capítulo I, dos
primeiros quatorze formados e convertidos, a décima quarta pessoa era uma mulher, a
Essoko, batizada por Raquel Essoko no Bailundo, na primeira estação missionária 328 .
A visão de Raquel Essoko era organizar as mulheres para a formação, a fim de que
a mesma fosse boa esposa, boa mãe e apta para desenvolver-se na sociedade. Nessa
perspectiva religiosa cristã, ela começou a reunir mulheres, tratando e compartilhando
questões das famílias, da vida conjugal e social. O programa, a priori, foi denominado
“Omuenyo Wepata”, a vida da família, no sentido mais amplo da família africana. Em
algumas estações começaram beneficiando esposas de pastores, diaconisas, esposas de
catequistas e diáconos. O trabalho foi crescendo e atingiu todas as estações missionárias
com êxito 329 . A perspectiva de Raquel Essoko iniciou a proporcionou a inserção da mulher
na vida pública.
A partir deste programa, mulheres e famílias foram incentivadas a irem para as
escolas formarem-se e aumentar conhecimentos. As mulheres leigas sempre constituíram a
força da Igreja, com uma dinâmica da práxis pastoral na comunidade eclesial. Reúnem-se
uma vez por sema na para estudos, ensaios, observação do cronograma de atividades
previamente elaborada. Apoiavam os carentes, os doentes e os enlutados da comunidade.
Além dessas atividades, também participavam do louvor, da limpeza da decoração, nas
comemorações e em todas atividades que a Igreja realiza. Para fazer parte da coordenação
de um dos programas da Sociedade de Senhoras, para ser diaconisa ou fazer parte de
qualquer comissão na Igreja, buscava-se a organização no grupo das mulheres leigas. Até

328
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. cit, p.2.
329
Idem, p.2.

111
1974 a Sociedade das Mulheres estava organizada em todas as estações missionárias e
centros, sem ter a direção nacional que pudesse coordenar todas as atividades 330 .
As relações ecumênicas vivenciadas entre as Igrejas Metodista Unida de Angola e a
Igreja Evangélica Congregacional em Angola eram visíveis em quase todos os domínios da
vida das duas denominações: a formação teológica, a liga missionária, o direito ao espaço e
assistência pastoral dos membros. Valentina Chilombo Capuca 331 conta que em 1974,
quando a Sociedade das Mulheres da Igreja Metodista de Moçambique realizava a sua
assembléia, convidou a sua congênere Metodista Unida de Angola, que por sua vez
colocou na sua delegação uma mulher da Igreja Congregacional:

Na pessoa de sua Revª. Bispo Emílio Júlio Miguel de Carvalho 3 mulheres para
participarem na sua Assembléia Geral como troca de experiências. A assembléia
teve lugar em junho. Por sua vez a Igreja Metodista Unida de Angola, gozando
de boa harmonia com a Igreja Evangélica Congregacional (Conselho de Igrejas
Evangélicas de Angola Central), cedeu um lugar a igreja supra citada ficando
assim, duas mulheres para Metodista e uma para Congregacional332 .

A Congregacional tendo recebido a proposta, de bom grado nomeou Valentina


Chilombo Capuca para fazer parte da delegação Metodista e participar da Assembléia em
Moçambique.
Valentina com o seu relatório da viagem a Moçambique contribuiu na criação da
direção nacional das mulheres. Em 25 de fevereiro 1975 reuniu- se a primeira Assembléia
das Mulheres, que contou com a presença de 30 participantes provenientes de todas as
estações missionárias, Huambo e Lobito. A direção da Igreja estava representada pelo Rev.
Ricardo Uliengue Epalanga, na época Secretário Geral da Igreja, Sr. Artur Cinco Reis
Chalela, Tesoureiro Geral e a missionária Etta May Snow, do Departamento de Educação
Cristã. A Assembléia elegeu para a direção as seguintes mulheres:

Valentina Chilombo Capuca..................................... Presidente


Celita Chinossanda Epalanga.................................... Vice presidente
Celeste Namutinha Catumbela................................... Secretária
Leontina Namuieca..................................................... Tesoureira
Joana Maliti................................................................. Conselheira

330
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op. Cit, p.2.
331
Valentina Chilombo Capuca é a primeira educadora cristã na Missão do Bunjei e foi professora na Escola
Means até 1975.
332
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op., cit.,2.

112
Celeste Canutula.......................................................... Conselheira 333

A direção eleita realizou inúmeras atividades e encorajou as mulheres a se


encontrarem sempre que pudessem, no tempo de guerra. Organizavam assembléias
regionais e nacionais, onde tratavam do trabalho e seu desenvolvimento e renovação de
mandatos. Desde 1999, instituiu-se um dia especial para a comemoração da Unidade da
Mulher da IECA.

2.5.2– Contribuição das diaconisas

Duncan A. Reily revela que o diaconato é uma das funções exercidas pelas
mulheres desde a Igreja Antiga até a Idade Média. Este tipo de ministério tinha
desaparecido por algum tempo, surgindo novamente na Alemanha e depois na Inglaterra,
mais tarde na América do Norte. Em 1817 Elizabeth Fry, ministra da Igreja dos Amigos
em Londres, fundou uma associação das mulheres para melhorar as condições de vida das
mulheres encarceradas. Theodor Fliedner, na época pastor da Igreja Luterana em
Kaiserwerth, Alemanha, em sua visita a Londres, se impressionou com o trabalho da
Elizabeth Fry. Quando chegou na Alemanha, Fliedner e sua esposa criaram no jardim da
casa pastoral a Casa das Diaconisas e Escolas de Enfermagem, em 1836, para abrigo de
ex-prisioneiras. Deste centro nasceram 100 casas maternas ou casas da expansão das
diaconisas 334 .
Nessas casas eram formadas enfermeiras que trabalhavam entre os pobres e órfãos.
Devido a falta de reconhecimento das funções, as diaconisas trabalhavam também como
enfermeiras em asilos de mulheres. Segundo Duncan A. Reily, as ações pastorais
desenvolvidas pelas diaconisas influenciaram vários tipos de ministérios femininos. Nos
Estados Unidos da América o Dr. Samuel Gridley Howe trabalhou com os cegos e na
causa da abolição dos escravos. Florence Nightingle, após a sua formação na Alemanha, na
Casa das Diaconisas, dedica todo o seu tempo trabalhando nos hospitais militares e
organização dos mesmos na França. Ela é considerada a pessoa que deu origem à
enfermagem moderna. Percebe-se que a Alemanha foi a origem e o modelo da enfermagem
moderna espalhada pelo mundo 335 .

333
CAPUCA, Valentina Chilombo. Op., cit, p.2.
334
REILY, Duncan A. Op. cit, p.193.
335
REILY, Duncan A. Op. cit, p.195.

113
O ministério das diaconisas atingiu outros países, por intermédio da formação de
diaconisas para o estrangeiro, dentro do serviço missionário. Tudo indica que as
associações femininas, para o serviço nas áreas missionárias, ajudaram a criar, organizar e
cuidar das comunidades locais no estrangeiro 336 .
Não temos dados de quando começou a formação das diaconisas, porém as
diaconisas e os diáconos eram parte integrante da liderança leiga nas comunidades da
Igreja nos Centros. Ajudavam a administrar a área, desempenhavam suas tarefas
especificamente dentro da sua formação e mordomia. As diaconisas e diáconos eram
considerados, na Igreja Congregacional, auxiliadores dos pastores em serviços pastorais
em geral e preparação dos sacramentos.

2.5.3 – Contribuição das esposas de pastores

A precisão exata de quando a contribuição da esposa do pastor passou a ser um


ministério especial aberto aos protestantes é incerta. No entanto, existem teóricos que
tratam da esposa do ministro nos tempos modernos e sobre os deveres dela, dos quais se
considera que “a mulher do ministro devia se considerar casada com a paróquia do
marido, e com os melhores interesses do rebanho” 337 .
A este respeito, Duncan A. Reily conta como eram as atividades de Catarina Von
Bora, esposa de Martinho Lutero que, além dos seis filhos que tinham, a casa pastoral
parecia ser mais uma combinação de hospedaria e internato, do que casa de família. Na
casa pastoral, além da família, viviam parentes, hospedavam-se estudantes universitários,
visitantes, protestantes exilados e outros338 . Reily acrescenta que Catarina cozinhava,
cuidava da casa e dos filhos, era responsável pela plantação, pelos animais, pela fabricação
da cerveja e demais afazeres. Catarina é tida como uma mulher de caráter, bom senso,
corajosa, meiga, resoluta. Ela discutia com Lutero os assuntos ligados à Reforma e foi a
primeira mulher a presidir a primeira casa pastoral339 .
Segundo Reily, a idéia de que a mulher do ministro devia se considerar casada com
a paróquia do marido e com interesses do rebanho, ganhou consistência na igreja
protestante. Muitos missionários que foram para a África, passaram essa idéia durante a

336
Idem, p. 196.
337
Idem, p.161.
338
Idem, p.162.
339
Idem, p.162.

114
expansão do cristianismo 340 . Em Angola as igrejas protestantes, desde a sua implantação,
receberam o conceito de que a esposa do ministro da igreja ou comunidade tinha que ser
uma mulher que se comprometesse com o ministério pastoral do marido.
Há esposas de pastores que entraram no ministério já casadas e outras que se
casaram em preparação ao ministério. Em ambos os casos, a mulher normalmente segue a
decisão vocacional do marido e se submete ao processo de conscientização de servir a
Deus e comprometimento com os valores do cristianismo. Nas igrejas protestantes o ser
esposa do pastor é considerado função de prestígio no seio da comunidade. Geralmente, as
igrejas procuram receber pastores casados, que possam auxiliar na área de ministrar cursos
de formação para as mulheres. O que no fundo significa querer dois obreiros, mas com o
salário de um.
As nossas comunidades têm pouca experiência de trabalhar com pastoras cujos
maridos não são pastores. E quando isso acontece, geralmente os maridos dificilmente se
comprometem com o ministério da sua esposa, que é pastora.
Os membros consideram a casa e família do pastor como espelho que reflete a
imagem a ser referida. A esse respeito, Nancy Gonçalves Dusilek comenta que:

(....) os membros da comunidade observam todos os detalhes: a educação dos


filhos, a forma como o casal se trata como marido e mulher, a maneira de se
vestirem, decorarem a casa, administrarem o tempo. Tudo é motivo de comentários
velados ou não341 .

Este conceito das comunidades com relação à família do pastor deixa a esposa
preocupada e sempre ocupada em colocar as coisas em dia. Embora algumas mulheres
tenham cultivado a postura de dona de casa, ela procura evitar o reflexo distorcido da
família.
Na Igreja Congregacional em Angola, na época da formação do pastor, ela
também tem aulas relacionadas com a organização das mulheres na Igreja e sobre sua
responsabilidade como esposa de pastor. No processo de ordenação à mulher é dirigida
perguntas e uma delas que nunca falta é: ungombo helie – quem é o pastor? E ela tem que
responder: ungombo ame - o pastor sou eu. Significa que a igreja exige da esposa do pastor
trabalhar para a boa imagem dele e da família. Que seja conselheira do seu marido, o que

340
Idem. p. 162.
341
DUSILEK, Nancy Gonçalves. Mulher sem nome. Dilemas e Alternativas da Esposa de Pastor. São Paulo,
Editora Vida, 1995, p.76.

115
muitas vezes não funciona 342 . As exigências feitas pela Igreja em relação à esposa do
pastor a deixam em estado de preocupação, ao exercer a função 343 .
A mulher do pastor era também responsável pela organização da Sociedade das
Senhoras, acolhiam visitas, trabalhava para manter e completar o sustento da família e para
que o ministério do marido fosse um sucesso na Igreja. Participava em diversas atividades
assim como evangelização por meio do Fogo Cristão e, na sua maioria, eram parteiras
formadas pela Igreja.
Muitas delas chegam a ser como a primeira esposa protestante, Catarina Von
Dora esposa de Martinho Lutero.

2.5.4– Evangelização pelas mulheres por meio do programa denominado Fogo Cristão.

O Fogo Cristão fazia parte do programa global de Educação Cristã da mulher,


utilizado para transmitir e passar não só as verdades bíblicas e sua conversão, mas também
abarcava aspectos da vida da mulher cristã, conforme aspectos do programa.

Analisar a contribuição das mulheres da Igreja Congregacional por meio do


programa do Fogo Cristão é importante, pois o mesmo serviu de instrumento de
evangelização. Estabelecia-se uma relação entre o “Fogo ” na cultura angolana nos povos
ovimbundu e o “Fogo Cristão”.
Augusto Chipesse, ao referir-se ao programa, disse que:

(...) os grupos do Fogo Cristão foram muito ativos, dando na Igreja e na


sociedade um calor especial. Isto tudo contribuiu para o desenvolvimento não só
das mulheres, mas muito mais da sociedade angolana 344 .

Na África e, em particular em Angola, o fogo tinha vários significados. Um deles


reside na utilização do mesmo para o cozimento dos alimentos, iluminação de ambientes
escuros, usado na arte de moldagem do ferro, endurecer a madeira e outras. Outro está
ligado a questões culturais. O fogo é ligado culturalmente a questões vitais. Para os
ovimbundu, por exemplo, numa família, quando um dos membros estivesse em viagem, o

342
Experiências registradas em eventos de ordenações dos pastores na Igreja Congregacional.
343
CARR, Anne; Elisabeth Schusser Fiorenza. Mulher-Mulher: In Teologia Feminista. Concilium 238 –
1991, p 44.
344
CHIPESSE, Augusto. Entrevista.

116
restante ficava cuidando do fogo de maneira especial, isto é, observando preceitos para que
o membro da família em viagem pudesse retornar à casa e pudesse ter sucesso na viagem.
Pode-se afirmar que eram atitudes de perseverança e oração. No caso de um casal, dias
antes de um deles partir para a viagem, abstinha-se de relações sexuais 345 .
No tempo da comercialização da borracha e cera a longa ou a curta distância ou por
qualquer outro motivo que obrigasse a ausência das pessoas na comunidade, era necessário
a família e a comunidade toda perseverar e evitar atitudes tais como: chorar por motivos de
coisas mesquinhas, no apanhar a lenha para o fogo era necessário selecionar, isto é, do tipo
de árvore que uma vez acesa conservava brasas por muitas horas, o que concorreria para o
sucesso da pessoa ausente na família, assim como para a família que ficou e a comunidade.
A atitude era de solidariedade.
As liturgias realizadas pelas mulheres nos acampamentos do Fogo Cristão eram
inspiradas por tais memórias e por isso se referenciavam às épocas em que o fogo tinha a
utilidade simbólica de perseverança, solidariedade e desejar êxitos de um reino
estabelecido para o bem estar das comunidades e indivíduos nas sociedades, assim como
na preservação da vida.
Em resumo, era símbolo de poder, pois no tempo passado o fogo uma vez acesso
para a comunidade no palácio (ombala) tinha que se manter aceso todo o tempo. Assim, o
fogo do reino de Deus tinha que se manter aceso e levado para as outras comunidades.
O que quer dizer que cada membro cada comunidade do Fogo Cristão tinha a
missão de levar a mensagem do Reino de Deus e mantê- lo aceso. Por isso, o Fogo Cristão
designa o processo da expansão do Reino de Deus entre as mulheres nas comunidades.
No Antigo Testamento, o Reino de Deus indicava a soberania Dele, que exigia
obediência da pessoa e que ela prestasse ajuda e proteção. No Novo Testamento, a
expressão Reino de Deus indica o núcleo central da pregação de Jesus Também diz
respeito ao cumprimento das profecias, a chegada do tempo, a aproximação de todos para a
conversão e crença no Evangelho, conforme Mc 1.15. É o tempo da chegada do Messias
que para muitos daquela época, não era o Salvador esperado. Os Judeus esperavam o
Messias, que os libertasse do jugo romano. A mesma expressão encontra a sua variante em
S. Mateus “Reino dos Céus”, que no hebraico é malkut Shamain, usado no judaísmo pelos
rabinos para evitar a pronúncia do nome sagrado de Iahweh 346 .

345
JAMBA; Celestina. Entrevista concedida à pesquisadora. São Bernardo do Campo, Julho de 2004.
346
Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Netto; Alda da Anunciação
Machado. São Paulo, Edições Loyola, 1993, p.649.

117
Considera-se que a mensagem de Jesus foi compreensível, principalmente em
termos de linguagem, conforme o dicionário teológico enciclopédico relata:

Contudo, diante do anúncio de Jesus, elas se mostravam inteiramente


inadequadas por causa da novidade inerente aquele “evangelho”, passível de ser
resumida em poucas palavras na identificação entre o Reino e a pessoa de Jesus.
É por esse motivo que embora sempre anuncie o reino, Jesus jamais o descreve,
mas apenas alude a ele por meio de comparação e parábolas. Descobrir o Reino
significa, de fato, descobrir Jesus; entrar no Reino significa aderir à sua
pessoa347 .

Assim, a vinda de Jesus Cristo é a vinda do Reino de Deus e, conseqüentemente, a


instauração da Graça e Salvação gratuitas, remissão dos pecados. O Reino de Deus é
expresso no amor de Deus à humanidade através de Jesus Cristo. A prática do Reino são os
milagres, os sinais, a relação de Jesus com os marginalizados, os pobres, as mulheres, as
crianças. O Reino, segundo Júlio de Santa Ana, seria uma convivência onde os famintos
repartiam os alimentos e eram saciados, os pobres já não sofriam os efeitos da miséria e
não sentiam o impacto da escassez, a utopia tantas vezes pressentimento deixaria de ser
um pressentimento para transformar-se em algo concreto348 .
As mulheres sentiram-se motivadas a proclamar essa graça do amor de Deus
através de Jesus. Perceberam que Jesus é vida, pão e água para a humanidade. Da
concepção de que o Reino de Deus inflama os corações, provém a designação Fogo
Cristão, que em umbundu é “ondalo yomuenho”, que na tradução literal significa “o fogo
da vida”. Para as mulheres na Igreja Congregacional a expressão simbolizava o Reino de
Deus.
As mulheres acreditavam que Jesus Cristo, o líder, chama para o Reino todas/os
como o fez naquele tempo. E isto era expresso pelo cântico, conhecido como cântico da
promessa dos membros dos grupos do Fogo Cristão:“Ndeci Yesu a kovonguele olondonge
ko palaya haco yesu a tu kovonga hati amanu enjui ñuami” “ tal como Jesus tinha
convocado os primeiros discípulos na praia é da mesma forma que nos convoca hoje
dizendo: vinde e sigam-me”349 .
Os membros do Fogo Cristão tinham como alvo seguir Jesus Cristo por intermédio
de praticar a caridade, expandir a mensagem do Reino de Deus. Elas também entendiam
que para servir a Cristo era necessário aprofundar o conhecimento das Escrituras Sagradas.

347
Idem, p.649.
348
SANTA ANA, Júlio. Op. cit., p.56.
349
Idem, p.4

118
Jesus, o Reino de Deus, Sua presença de amor e de Sua salvação, tem lugar no centro de
uma relação de amor entre pessoas, solidariedade, dentro de uma vida de fé.
O acolhimento da mensagem levada pelos missionários favoreceu o
estabelecimento da Igreja, porque os valores africanos (a valorização da vida humana, a
solidariedade, o dedicar tempo para o bem comum da coletividade, da cultura, o amor e o
respeito) não eram diferentes da mensagem transmitida 350 .
O programa do Fogo Cristão, difundido pelas mulheres, contribuiu para a
evangelização em toda a região do Huambo e em outros estados onde a Igreja
Congregacional se fazia presente. Em termos orgânicos, o programa subdividia os
membros em categorias: Lenheiras, Flamejantes, Acendedoras e Mensageiras 351 .
Lenheiras: eram aquelas que, dentro dos grupos, procuravam realizar com zelo as
tarefas administrativas que lhes eram incumbidas, criar o hábito de ler a Bíblia, freqüentar
a Escola Dominical, participar das reuniões, orar, participar regularmente dos cultos,
participar nos acampamentos do Fogo Cristão, promovido pela área uma vez por ano, na
perspectiva do fortalecimento e crescimento espiritual. Ela deveria saber interpretar e
memorizar os textos de Jo 14.6; Jo 3.3-16 e Sl 23 352 .
Flamejantes: eram membros que auxiliam as dirigentes nas suas comunidades com
disposição e alegria, colaborar nas contribuições ou coletas dos grupos, saber cantar os
hinos do grupo de seguidoras do Fogo Cristão e da categoria, conhecer e obedecer às
regras do membro da Igreja. Textos bíblicos: Lc 9:23-25; Sl 1; saber interpretar o resumo
dos mandamentos do Senhor Jesus em Mc 12.30-31.
Acendedoras: saber ler e escrever corretamente para o crescimento espiritual e por
si mesma, ler bem a Bíblia e testemunhar Cristo em todo lugar, por meio de boas ações, ter
o hábito de orar a sós e coragem de orar em público e saber dirigir uma devocional. Tem
também a função de acender o Fogo Cristão na comunidade a que pertence. Aprender
jogos e ser apta para ensiná-los, mostrar amor pelos doentes, pobres e a todos.
Mensageiras: aquelas que pregam a mensagem do fogo do Reino de Deus,
deslocam-se de localidade a localidade, levando o testemunho de Cristo como o próprio
Reino que, pela graça e amor de Deus veio ao mundo dar a vida em abundância pelos
milagres, sinais, amor aos pobres, negros, brancos e outros. Deve ser boa pregadora que

350
Departamento de Mulheres. Manual de Seminários e Conferências das Senhoras da I.E.C.A. Luanda
Angola, Igreja Evangélica Congregacional em Angola, 1987, p.3.
351
Missão do Dôndi. Programa do grupo do Fogo Cristão. Bela-Vista (Catchiungo) Huambo Angola,
Tipografia do Dôndi, 1971, p.4.
352
Idem, p.4.

119
não duvida da mensagem, estudante da Bíblia. Coordena também algumas comunidades e
pode ser escolhida como coordenadora de uma região, acima de tudo deve estar disposta
para todo o trabalho do grupo, da Igreja e criar o hábito de preparar as mensagens para a
evangelização 353 .
A participação aos grupos mencionados era permitida às meninas, moças e senhoras
que freqüentam com assiduidade os cultos na Igreja. Como vimos, uma vez enquadradas,
as participantes de todos os grupos têm em comum criar hábito de freqüentar a Escola
Dominical, assistir às reuniões do grupo e da Igreja relacionadas com o trabalho da Igreja,
memorizar o significado do grupo e do Fogo Cristão, memorizar os versículos bíblicos
relacionados ao grupo e a chave de todo o programa, saber as lições do catecismo, saber
cantar os hinos do grupo e do fogo cristão e as promessas, enfim se exigir do membro uma
vida altamente devota 354 . Procurava-se comprometer e honrar os ideais abaixo
mencionados:

Procurar e seguir as verdades da Bíblia.


Cuidar da saúde.
Amar a Deus.
Ajudar as outras.
Amar a pátria.
Respeitar as autoridades.
Respeitar os pais.
Respeitar todos os superiores e merecer a confiança de todos.
Amar a instrução e o trabalho, não desperdiçando o tempo.
Ser econômica.
Ser alegre mesmo no meio das dificuldades.
Ser corajosa.
Ser caridosa para com as pessoas e os animais.
Gostar de exercícios físicos e jogos.
Ser pura nos pensamentos e nas palavras355 .

Uma vez os compromissos, os ideais, as lições estudadas e testemunhadas por


anciãs e anciãos da localidade e comunidade cristã, pelo catequista e colegas, a pessoa

353
Missão do Dôndi. Para uso nas igrejas Evangélicas em Angola destinados aos grupos de Homens e
rapazes. Bela-Vista (Catchiungo) Huambo Angola, Tipografia do Dondi, 1971, p4.
354
Idem, p.5.
355
Idem, p.5.

120
passa para a categoria seguinte, ou seja, para a fase mais avançada. O alvo principal era de
expandir o fogo do Reino de Deus entre as mulheres nas comunidades cristãs e não cristãs.
Na verdade, o conceito que se tinha traduzido ao pé da letra na língua umbundu, “Fogo
Cristão”, igual a ondalu yo muenyo, fogo da vida. Com certeza, a tradução dada revela o
quanto as mulheres participavam daquele programa, convictas de que só o Reino de Deus
dá a vida. Havia também um programa idêntico para os homens, mas este programa era
denominado Viandantes. Para os membros, o nome viandante tem o significado de que a
vida é como uma viagem na qual os seres humanos têm que seguir o caminho da retidão 356 .
Infelizmente, este perdeu força mesmo antes da guerra civil eclodir. O membro do
Fogo Cristão para além de buscar e viver os ideais, também tinha a preocupação de
difundir o fogo do Reino de Deus. Pela da descrição da liturgia que se desenvolvia,
entende-se que houve esforço de inculturar o evangelho usando na liturgia práticas
pastorais, elementos significativos na cultura angolana, nos ovimbundu, a expansão das
boas novas, e assim o fogo foi símbolo de referência.
Atualmente, esse programa já não existe tal como era até 1975. Uma das razões é a
guerra civil que durante 27 anos, assolou o país (1976-2002). A guerra fez com que
houvesse constrangimentos na realização das atividades livremente nas florestas. Portanto,
a intranqüilidade gerou outras conseqüências que levaram ao enfraquecimento do
programa.

2.6– A primeira pastora da Igreja Evangélica Congregacional

2.6.1– A primeira pastora

Ilda Valério foi a primeira pastora negra a ser ordenada ao ministério pastoral. Ela
concluiu o curso de teologia quando tinha 26 anos de idade. Casada com o pastor Estevão
Cassinda. Em 1974 foi proposta à ordenação pelos professores e missionários que
conheciam seu empenho, dedicação e vocação. Importa destacar que nessa época era a
Igreja na comunidade que escolhia o candidato ao Seminário, instituição de formação
teológica, sistema esse que mudou a partir de 1978.
A proposta da ordenação de Ilda Valério criou polêmica. Parte do clérigo que
pensava que ela não tinha idade suficiente para assumir cargo e função de pastora na igreja.

356
Missão do Dôndi. Programa do grupo dos viandante. Op. cit, p.2.

121
Outros diziam que como mulher não podia ser pastora, mas sim educadora cristã. Outros
achavam que o marido já era pastor e a mulher não devia ser pastora. Porém, as
missionárias pastoras, alguns professores de teologia e poucos clérigos convenceram a
liderança e os clérigos mais conservadores a aceitar. Fizeram também entender que a
mulher pastora angolana negra seria capaz tanto quanto as mulheres pastoras missionárias
americanas e portuguesas que já trabalham na Igreja Congregacional. Além de pastoras
missionárias, havia na Igreja as pastoras como Maria Trindade e Alice Moreira, de
nacionalidade portuguesa 357 .
A priori, Ilda Valério foi aceita a título de experiência, caso seu trabalho não fosse
avaliado bom, a Igreja não ordenaria mais nenhuma mulher. Ao longo de três anos, o seu
trabalho foi considerado excelente. Então, a Igreja ficou encorajada a consagrar mais uma
mulher, Adelaide Esperança Catanha, em 1977. De 1977 a 1995 a Igreja tinha duas
pastoras e cinqüenta e três pastores. Em 1996 a Igreja ordenou mais três pastoras. A partir
daquele ano, ganhou confiança e as mulheres têm solicitado seu ingresso no ministério
pastoral.
Percebe-se que a primeira e a segunda pastoras contribuíram para o ministério
pastoral em duplo sentido. Em primeiro lugar o exercício do ministério pastoral e, em
segundo lugar, trabalharam para que a Igreja não fechasse as portas ao ministério pastoral
feminino por causa delas.
A ordenação da primeira mulher ao ministério teve uma interessante receptividade
pelas igrejas locais.

2.6.2– A receptividade da mulher pastora pelas comunidades eclesiais

Para as comunidades que tiveram conhecimento da discussão que houve em torno


da sua ordenação, a postura é de admiração. As mulheres sentiram-se orgulhosas e com
auto-estima bastante elevada, porque até então nunca tinham visto uma mulher negra
angolana exercer o ministério pastoral. Para os membros, em geral, o fato constituía
novidade. Alguns consideravam como atitude de aventura e coragem, por isso observavam
todas as atividades realizadas.
O reconhecimento do trabalho da pastora não tardou a chegar na Igreja. Nas
relações interpessoais, até mesmo informais, as pastoras desenvolvem uma aproximação

357
VALÉRIO, Ilda. Experiências compartilhadas durante encontro das pastoras. Huambo Angola, dezembro
de 2003.

122
capaz de atrair o afeto das crianças, a simpatia dos jovens e uma relação aberta com
mulheres, homens, enfim com todos os membros da Igreja.
Por parte das mulheres, o entusiasmo tem sido grande e exigem que a pastora
participe sempre em seus programas, o que requer prudência por parte da pastora, para não
incorrer o risco de participar mais nos encontros das mulheres e se identificar mais com
elas.
André Cangovi Eurico, secretário executivo da Igreja Congregacional a partir de
1997 a 2004, dizia que com a ordenação das mulheres quebrava o preconceito de que as
mulheres não eram capazes de exercer o ministério pastoral. A Igreja atinge o
desenvolvimento e chega ao acordo da ordenação de pastoras 358 .
Hoje a Igreja conta com aproximadamente quinze pastoras.

2.7– As mulheres da Igreja Congregacional

A formação das mulheres concorreu para o progresso e desenvolvimento da


sociedade angolana em geral. Conforme foi analisado nesse trabalho, os valores do
cristianismo não foram estranhos aos valores africanos, o que se constatou no primeiro
contato dos missionários com o Soba Ekuikui II.
A formação que se adotou logo após a implantação da Igreja, converteu homens e
mulheres ao cristianismo. Considerava-se que a vida nova residia na conversão ao
cristianismo e abandono dos usos e costumes da cultura. A vivência cultural africana era
tida como atraso e permanência no obscurantismo.
Tiago Manuel comenta que com o tempo a conversão foi caracterizada pela
imitação dos missionários. A mesma mentalidade é denotada na atualidade, principalmente
com as pessoas que diretamente conviveram, aprenderam e mantiveram contato com os
missionários de uma ou de outra forma 359 .
Durante a formação, elas adquiriram conhecimentos que as capacitou a evangelizar
e reproduzir conhecimentos nas famílias e na sociedade. Entretanto, percebe-se que a
capacitação que as proporcionou implementar e desenvolver ações pastorais na Igreja e
fora dela, por outro lado foi impregnada por valores e posturas que contribuíram para a
aculturação.

358
EURICO, André Cangovi. Entrevista concedida à pesquisadora em dezembro de 2003 em Huambo.
359
MANUEL, Tiago. Op., cit, p.93.

123
Geralmente, elas são consideradas como mulheres dinâmicas, que realizam
atividades religiosas, que participam da liturgia dominical. Elas participam do discurso, isto
é da pregação, embora em proporção desigual aos homens. Participam do louvor, em grupo
coral todos os domingos, as mulheres de idade mais avançada participam da Sociedade das
Mulheres. Realizam inúmeras atividades pastorais, conforme se analisou nos subtítulos
anteriores. A própria Igreja reconhece que as mulheres constituem 75% de seu potencial. O
Secretário Geral do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola – CICA, Revº Luis Nguimbi,
reconhecendo a força das mulheres nas igrejas, chegou a afirmar que todo aquele que está
em conflito com as mulheres na sua paróquia põe em risco o seu ministério pastoral360 .
Elas estão present es em todas as atividades da Igreja, contribuindo com seus bens
materiais, com seus talentos profissionais, espirituais e com o seu tempo, realizando tarefas
da Igreja. As mulheres também são a potência econômica da Igreja, pois contribuem para a
manutenção e desenvolvimento da sua sociedade em particular, e contribuem com as
ofertas e na Igreja. As mulheres sempre exerceram atividades pastorais, como organização
de encontros de capacitação e intercâmbio com outras mulheres e organizações, ela
colocou em prática o ecumenismo, desenvolveu a pastoral aos enlutados. A solidariedade é
observada nas visitas e ajuda aos necessitados e doentes.
Socialmente, as mulheres da Igreja Congregacional eram consideradas como
mulheres formadas no conhecimento da Bíblia, considerável domínio em culinária, higiene
e saúde, doméstica, educação dos filhos, também são consideradas como boas esposas,
boas donas de casas, na sua maioria esclarecidas, corajosas ao se expressarem em público,
cumpridoras, conhecedoras e praticantes da cultura ocidental, aprendida nas escolas das
estações missionárias, Escola Means e Instituto Currie, do Dôndi.
Atualmente, as mulheres da Igreja Congregacional são encontradas em todas as
áreas da esfera social: educação, saúde, comércio, ONGs (Terceiro Setor), repartições
públicas. Algumas estão presentes no governo angolano, embora em número extremamente
reduzido, em virtude de não terem sido contempladas com a formação superior fora do
país, na época de maior desenvolvimento e efervescência da Igreja. Elas também
participaram da luta armada contra o colonialismo português. A maioria encontra-se no
comércio paralelo e na agricultura. Elas foram formadas de maneira a moldarem seu perfil
e serem exemplares.

360
Órgão informativo do Conselho de igrejas Cristãs em Angola. Mulheres teólogas prontas a transformar a
sociedade. CICA, 2003, p.2.

124
Realmente, quando se olha para a sociedade angolana contemporânea se perceberá
a necessidade da reformulação dos programas e conteúdos de formação atual da Igreja.
Sem sombra de dúvidas, a formação pastoral das mulheres contribuiu na força de
transformação da sociedade angolana e desenvolvimento da Igreja. Também deixou
evidente a margem do não enquadramento e participação das mulheres em toda estrutura
pastoral administrativa, desde a sua implantação. As instituições foram dirigidas pelos
missionários e missionárias e, posteriormente, pelos pastores e leigos angolanos. Apesar de
empecilhos apontados às mulheres, a Igreja Evangélica Congregacional em Angola foi
ultrapassando tais obstáculos, a ponto de projetar para as mulheres um processo de
formação pastoral que permitisse a participação delas na pastoral da Igreja.
Atualmente, embora a situação de guerra não permitisse desenvolver atividades de
formação, tal como foi no tempo passado e por ter perdido estruturas educacionais, as
mulheres sempre se organizam, promovendo cursos de curta duração, seminário s, oficinas
e mantendo um dia por semana de dedicação às atividades da Igreja, estudos da bíblia e
estudos relacionados às atividades relegadas para as mulheres (administração do lar,
nutrição/culinária, lavagem de roupa, costura, educação dos filhos e relacionamento
conjugal), na perspectiva da práxis religiosa cristã.
As mulheres mais velhas se sentem na responsabilidade de passar tais
conhecimentos às mulheres mais jovens, e isso não se justifica e simplesmente pela cultura
que preconiza aos adultos/as e aos mais velhos/as terem o dever e a responsabilidade de
passarem conhecimentos e experiências da vida (combustível da sociedade), mas
encontram respaldo bíblico. Dentre inúmeras advertências, as mulheres têm cumprido e
desejado colocar em prática o ensinamento do texto de Tt 2.4-5 “(....) a mulher mais velha
deve instruir a mulher mais nova”. Acrescenta-se vários textos e hinos. Por exemplo, no
hinário evangélico os trechos do cântico 251 retratam a responsabilidade de reproduzir os
conhecimentos adquiridos. Abaixo estão algumas frases do cântico em umbundu e sua
tradução em português:

Umbundu Português (nossa tradução)

Pitisi cosi ciwa Transmiti tudo o que é bom


Eci cokuatisi ene Aquilo que a vós ajudou
Cipitisi cipitisi. Cipitisi Transmiti. Transmiti.
Kuatisi lolo ndunge eci Ajudai com sabedoria

125
Cokuatisi ene cipitisi Aquilo que a vós ajudou transmitam

Etaviyo Coro

Yevalisi elaleko Dai a conhecer este convite


elaleko lia posoka Convite maravilhoso
Olo feka vilimbuke As nações devem reconhecer
ocisola co Njovoli O amor do Salvador
Va laleki va laleki Convidai convidai
Hava tava ku Mala Yesu 361 Para que se convertam a Cristo

Com a formação adquirida, muitas mulheres mais velhas fizeram prosperar suas
famílias, conseguiram formar seus filhos e ainda ajudar suas famílias a sobreviverem em
tempos difíceis em virtude de terem aplicado o que aprenderam nas aldeias, centros,
estações missionárias e na Escola Means. Atualmente, a situação que se vive não
proporciona condições favoráveis para uma formação tal como aconteceu no passado, pois
a instituições educacionais foram destruídas. Entretanto, os conteúdos transmitidos devem
ser submetidos à reflexão crítica. Por outro lado, a insistência das mulheres mais velhas à
formação passada tem criado desinteresse nas mulheres mais jovens, que muitas vezes
durante os estudos têm se sentido julgadas. Estando elas inseridas em atividades laborais,
são impossibilitadas de participar nos cursos, seminários e estudos semanais. Também se
coloca a questão delas procurarem formação que as possibilite identificar-se no espaço
público que trabalham. A formação dada pela Igreja é considerada tradicional e sem
novidade.
Tais afirmações têm levantado críticas por parte das mais velhas às mais jovens,
culpabilizando-as por não terem lares estáveis, por não se dedicarem aos estudos e à
formação pastoral. Acham que as mais jovens são bastante vulneráveis à culturas não
edificantes e profanas. Diante de tais tensões, verifica-se que, além de mudanças no
contexto social, que influencia o comportamento humano, a questão tem a ver também
com o conflito de gerações.

361
Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Hinário Evangélico. 5ª edição, Huambo Angola, Centro de
Publicações Cristãs – Portugal, 1988, p.558

126
Daí a necessidade de algumas propostas ligadas a “Desafios e oportunidades a
partir da formação das mulheres”, propostas essas que fazem ponte para a formação das
mulheres mais jovens e das mulheres mais velhas em Angola.
A Igreja formou quadros para a sociedade angolana e para si própria por meio de
sua pastoral. Apesar das dificuldades apontadas, houve empenho com relação a formação
de filhos e filhas, homens e mulheres. Como exemplo, teríamos várias experiências.
Contudo, deixa-se a experiência de Cawoli, 362 contada por Lawrence Henderson.
Cawoli era a décima oitava mulher de Chipenda, chefe de Lomanda, uma das áreas
do reino do Bailundo. Cawoli tinha um filho e uma filha. O filho se chamava Chiúla 363 e a
filha era Napombi. Chiula, com o passar do tempo, veio a ser conhecido
internacionalmente como reverendo Jessé Chiúla Chipenda 364 .
Cawoli era fazendeira, sua atividade agrícola estava subdividida em duas áreas: ao
redor da casa, designada ocumbo, e o campo distante da residência. Como era costume nos
ovimbundu, cada mulher era responsável por alimentar sua família e também preparar
bebida para a comunidade365 .
Ela, quando chegava do campo, preparava o jantar para si e seus filhos e para o
marido e outros chefes da comunidade. O jantar do marido era levado no onjango, onde ele
fazia as refeições com outros líderes da comunidade. Aconteceu certo dia que Cawoli não
conseguiu cumprir a tarefa de fazer a refeição para o marido e outros chefes e levar ao
onjango, o que foi motivo de zanga por parte de Chipenda. Cawoli, aborrecida com a
situação, decidiu abandonar o marido e retornar para a sua aldeia, Timiha 366 , levando
consigo a filha Napombi367 e deixando Chiúla com seu pai368 .
Cawoli continuou com as atividades agrícolas em sua aldeia. Tempos depois, a
estação missionária do Bailundo enviou para Timiha um catequista, que abriu a
comunidade cristã e a escola. Cawoli se converteu e não hesitou em colocar sua filha
Napomb i nessa escola.

362
Cawoli foi a mãe do primeiro Secretário Geral da Igreja Evangélica Congregacional em Angola.
363
Chiúla foi o primeiro Secretário Geral da Igreja Evangélica Congregacional em Angola,
internacionalmente conhecido por Jessé Chiúla Chipenda.
364
HENDERSON, Lawrence W. A igreja em Angola. Op. cit. p.94.
365
HENDERSON, Lawrence W. Development and the church in Angola: Jessé Chipenda the Trailblazer.
Nairobi, Acton Publishers, 2000, p.34-35.
366
Timiha, aldeia natal de Cawoli.
367
Napombi, filha de Cawoli.
368
HENDERSON, Lawrence W. Development and the church in Angola: Jessé Chipenda the Trailblazer.
Op. cit., p.35.

127
Algum tempo depois, Chiúla decidiu visitar sua mãe e sua irmã. Nessa visita, Chúla
ficou preocupado ao constatar que na aldeia havia uma escola protestante e sua irmã
estudava lá. Chiúla discutiu com sua mãe, dizendo que Chipenda, seu pai, se zangaria ao
saber da participação de Napombi na escola, pois ele não gostava dessas escolas.
Entretanto, a chamada de atenção de Chiúla não preocupou Cawoli, independentemente se
Chipenda, o ex- marido, estaria zangado ou não. Simplesmente, Cawoli disse que Napombi
continuaria na escola. Henderson diz que Napombi e outras meninas daquela aldeia tinham
uma vontade enorme de aprender 369 .
Percebe-se que a convicção de Cawoli e sua filha Napombi, aumentou a
curiosidade de Chiúla, que um dia resolveu ir assistir o culto. Chiúla ficou completamente
impressionado, pois os discursos proferidos, baseados em Lc 15 tiveram ênfase em
parábolas da dracma perdida, a ovelha perdida e o filho pródigo. Nesse mesmo dia, Chiúla
converteu-se e disse aos seus companheiros “hoje eu creio em Jesus”. No dia seguinte
Chiúla solicitou a sua mãe uma quantidade de milho para vender e comprar um livro que o
possibilitasse a aprender ler e escrever. Cawoli, contente com a decisão do filho, acolheu
com agrado o pedido de Chiúla e assim adquiriu o livro 370 texto que se usava. A partir
daquele momento, sua irmã passou a ensiná- lo a ler e antes de retornar à aldeia onde
morava com o pai, ele já sabia ler metade do livro que tinha adquirido 371 .
Na aldeia do pai, ele lia às escondidas, a luz da fogueira. Em 1915, quando a
estação missionária do Bailundo enviou para Lomanda um catequista de nome Job, para
fundar outra comunidade cristã, Chiúla ficou contente e passou a participar da comunidade
cristã iniciada. Apesar de Chiúla ser muito obediente, seu comportamento tinha mudado,
já não participava da religião tradicional, conforme costumava fazer. A participação de
Chiúla na comunidade cristã veio a irritar Chipenda, seu pai, a ponto de ser solicitado a
escolher: ou obediência ao pai ou à escola e ser expulso de casa e da aldeia. Henderson diz
que a convicção de Chiúla em Jesus Cristo levou-o por decidir a mudar para junto da
comunidade.
Embora Henderson enfatize a coragem e determinação de Chiúla, certamente
percebe-se que sua curiosidade deveu-se às decisões da mãe e também ao papel
desempenhado por sua irmã Napombi na formação inicial dele. Isso acontece num período

369
HENDERSON, Lawrence W. A igreja em Angola. Op. cit. p.95.
370
O livro era uma brochura por epístolas do Novo Testamento escritas em umbundu.
371
HENDERSON, Lawrence W. A igreja em Angola. Op. cit, p.95.

128
em que sua mãe já havia falecido. Sua irmã Napombi vivia com o pai, pois quando Chiúla
foi participar do enterro da mãe trouxe consigo sua irmã para junto do pai372 .
Talvez o episódio não deveria ser colocado nesse capítulo, entretanto, pretende-se
enfatizar que pela formação todo o esforço ou até mesmo sacrifício valia pena. As decisões
de Cawoli acabaram por deixar uma contribuição bastante valiosa. Seu filho Chiúla veio a
ser o segundo missionário autóctone e mais tarde o primeiro Secretário Geral da Igreja
Congregacional, conhecido internacionalmente por Reverendo Jessé Chiúla Chipenda.
Os/as filhos/as de Chiúla, netos/as de Cawoli, vieram a contribuir para a nação angolana de
diversas formas, contudo interessa destacar que um deles, Reverendo José Belo Chipenda,
trabalhou por muitos anos no Conselho Mundial de Igrejas, no Conselho de Igrejas para
toda África e como Secretário Geral da Igreja Congregacional. A perspicácia, a
determinação de Cawoli pela formação da filha e do filho, faz lembrar várias mulheres,
várias famílias que deram sua contribuição à Igreja e à sociedade angolana ao longo da sua
história, por intermédio da formação pastoral.
Com determinação, as mulheres e homens da Igreja foram se desenvolvendo e os
processos de formação de suas instituições foram marcando influência na sociedade, até
hoje alcançando sua forma atual através das alterações das partes componentes e pelo
contexto cultural particular 373 .
O contexto sócio-político angolano mudou após a independência, e os processos de
formação tomaram rumos diferentes. As estruturas de formação foram destruídas devido a
guerra civil. Conforme foi destacado no capítulo I, durante o período da guerra civil a
Igreja ficou involuntariamente dividida, o que também desestruturou todo o processo de
formação, até então conhecida.
É de notar que, apesar de tudo isso, a Igreja se adaptou e se expandiu, atingindo
quase todo o país.

372
Idem, p.96.
373
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo, Atlas, 1983,
p.79.

129
Capítulo III
Desafios e oportunidades a partir da formação pastoral das mulheres

3.1– A mulher no contexto atual de Angola

O contexto atual de Angola é do cenário pós- guerra, o que tem possibilitado o povo
angolano experimentar dias de um fim do conflito armado. A guerra, que devastou de
forma bárbara e cruel os cidadãos da nação e os bens do país, destruiu infra-estruturas
sociais, as igrejas perderam suas instituições pastorais e educacionais e têm sido
consideradas como acontecimento que fazem parte do passado.
No documento da Igreja, “Plano Estratégico”374 , se encontra descrito as
expectativas de algumas situações vigentes no país, nas palavras seguintes:

O fim da guerra abriu novas perspectivas para o povo angolano. A livre


circulação de pessoas e bens, abre a perspectiva de retorno das populações às
áreas de origem, o Estado propôs sua autoridade a extensão de todo o país. A
criação do exercito único nacional constitui uma premissa credível de que dessa
vez a paz das armas veio para ficar. Grandes desafios se abrem para as tarefas
da reconstrução e reconciliação nacional375 .

Para uma sociedade que praticamente tem vivido guerras ao longo da sua história, o
fim do conflito armado leva a crer no despontar de uma nova era.
Muitas mulheres em Angola são chefes de famílias, outras casadas vivendo com
maridos. Algumas vivem deslocadas com ou sem maridos dentro do próprio país, sem
condições dignas. Ainda outras, estavam refugiadas nos países vizinhos, dependendo das
ajudas humanitárias e, atualmente, estão retornando ao país. As mulheres refugiadas e

374
Plano Estratégico, é o documento administrativo onde estão registrados os programas que a Igreja
realizará no período 2003-2007.
375
I.E.C.A – Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Plano Estratégico (Qüinqüênio 2003-2007).
Huambo, 2003, p.13.

130
deslocadas passaram por flagelos, de formas diferenciadas, dependendo do contexto e de
seu estado civil. Para a sobrevivência, as mulheres desenvolvem diversas atividades que
além da agricultura, tem o comércio no setor do mercado paralelo.
A maior parte das mulheres trabalha no mercado paralelo, o que tem levado
sociólogos, economistas e outros profissionais a estudarem esse mercado. Henda
Ducados 376 , em sua pesquisa constatou que mulheres que trabalham no mercado paralelo e,
em particular, no meio urbano é hoje em dia um refúgio e um recurso para criar
oportunidades de empregos e provisão de serviços para a maioria do povo377 .
Nesse setor, as mulheres articularam associações atividades econômicas
(Nzungue iras, Retalhistas e Grossistas). Zungueiras são vendedoras ambulantes nos
próprios mercados, ruas e de casa em casa. As retalhistas são as varejistas que vendem nos
mercados. As grossistas são as que vendem por atacado e estão ligadas com o comércio
formal e algumas normalmente usufruem crédito. Em virtude das dificuldades em
acumular valores consideráveis, constituíram um sistema rotativo de poupança,
denominado “Kixikila”, para combater a absoluta pobreza. A sustentabilidade desses
grupos é mais visível entre mulheres mais velhas do que entre homens, devido a dedicação
destas e aos fortes laços de solidariedade 378 .
Tudo indica que a inserção da mulher na economia informal é garantia de sustento de
famílias e da sociedade. O mercado de emprego, principalmente no meio urbano, está mais
ocupado por homens no espaço público, porém dispõe de poucas vantagens devido a
salários baixos diante do poder de compra causado pela inflação. O desemprego causado
pela instabilidade política e a destruição de infra-estruturas criaram nas pessoas
insegurança.
Ronaldo Sathler-Rosa aponta na sua obra danos causados pelo desemprego.
Segundo ele, o desemprego é uma das epidemias prejudiciais, pois cria insegurança
financeira, ansiedade, ruptura familiar e outros danos.

Ronaldo Sathler-Rosa, aponta também marcas que se desencadeiam nas pessoas:

376
Henda Ducados é angolana. Ela pesquisa temáticas sobre “As mulheres no mercado paralelo”, promotora e
fundadora da Rede Mulher em Angola e atualmente doutoranda na London School of Economics.
377
DUCADOS, Henda. Gênero, Raça e Classe – A feminização da Pobreza: A Estratificação do Sector
Informal Urbano de Luanda. http:www.desafio.ufba.br/gt3-005.html. p.5 de 10. Capturado em julho de 2004.
378
Idem, p. 9.

131
Deterioração das relações humanas, violência, reações como enfartos,
úlceras, asma, hipertensão, além da depressão, angústia, perda de auto
estima, alcoolismo, tabagismo, conflitos familiares e outros 379 .

Estas são as conseqüências do desemprego e insegurança. No caso de Angola,


adicionar-se-iam as marcas apontadas por Ronaldo Sathler-Rosa, mais marcas que
qualquer guerra deixa.
No processo educacional, as pesquisas realizadas durante os “seminários de
formação de professores e educação com relação ao gênero”, constataram que a partir das
crianças, as possibilidades de acesso às escolas são iguais. Tanto é, que na classe de
iniciação, da 1ª até a 4ª classe (série) o ensino é obrigatório. O sistema de ensino recebe as
crianças com as condições disponíveis. No entanto, mesmo nesse nível se verifica uma
desvantagem para as meninas, pois a porcentagem se expressa em 46% de meninas.
Quando se compara a outros países da África, ao sul do Saara, este índice é realmente
baixo 380 .
As maiores dificuldades se encontram na retenção das meninas na escola, que
começa a se verificar no primeiro nível. Por exemplo, as estatísticas do ano letivo de 1999
mostram que dos alunos matriculados, 46% eram meninas no primeiro nível. No segundo
nível 19,8%. Quer dizer que, quanto mais elevado o nível de ensino, menor é a
participação das meninas 381 .
Entretanto, as grandes disparidades verificam-se nos adultos. Entre as mulheres
maiores de dezenove anos de idade, 43% freqüentaram a escola. O número é bastante
elevado em relação aos homens, onde a porcentagem dos que nunca passaram pela escola
atinge 17,5%. No entanto, existe o enquadramento voluntário de um número elevado de
jovens e mulheres nas aulas de alfabetização e ensino de adultos nas zonas periféricas das
cidades. Dos cerca de um milhão e oitocentos mil adultos em processo de alfabetização,
55% são mulheres e entre elas, jovens 382 .
As mesmas pesquisas realizadas indicam que as desigualdades e disparidades na
participação das mulheres jovens e adultas no ensino e formação geral atualmente em

379
SATHLER-ROSA, Ronaldo. Cuidado pastoral em tempos de insegurança: uma hermenêutica
contemporânea. São Paulo, ASTE, 2004, p.22.
380
SANTO, Francisco Espírito. Gênero no Contexto do Sistema Educativo em Angola. 2º Fórum Lusófono
de Mulheres em Postos de Decisão, 2002, p.4. www. angola.fes-internacional.de/public/francisc. Capturado
em novembro de 2004.
381
Idem, p.4.
382
SANTO, Francisco Espírito. Op. cit p.4-5.

132
Angola se encontra no substrato apurado. Nas áreas suburbanas, as alunas antes e depois
das aulas realizam, por obrigação de ordem familiar, pequenos negócios, não tendo muitas
delas tempo para se dedicarem ao estudo em casa. Daí, o pouco aproveitamento na
aprendizagem das disciplinas. Nesse âmbito, as causas que se apontam a não freqüência
das mulheres são:

- escolas distantes de casa;


- pobreza das famílias e conseqüente baixa ou nula renda familiar para suporte
dos níveis subseqüentes de escolaridade;
- gravidez e casamentos precoces;
- pouca importância à educação;
- agregados familiares numerosos e carentes, onde a prioridade educativa é dada
aos rapazes, em detrimento das raparigas;
- separação ou morte dos pais e/ou encarregados de educação que exige a
mudança de tutores;
- mudanças de residência;
- companhias e amizades pouco recomendáveis;
- trabalho doméstico ou pequenos negócios para ajudar a renda familiar;
- ambiente escolar pouco motivador, por elevado número de alunos e falta de
mobiliário escolar e instalações;
- concluídas classes (4ª, 6ª, 8ª), inexistência de escola na respectiva localidade ou
falta de vagas devido à reduzida capacidade das escolas existentes383 .

De uma forma geral, o exposto revela aspectos impeditivos concorrentes à não


formação das mulheres no processo geral de ensino. Contudo, é importante dizer que hoje
se encontram mulheres que ocupam cada vez mais lugares de destaque na sociedade, quer
no mercado de trabalho, quer nos cursos universitários, embora em número insignificante
em relação à maioria. Outras administram as suas casas, estudam e trabalham. Encontram-
se também as que exercem liderança nas Associações da sociedade civil, nas igrejas e no
governo.
É importante um olhar ao estado do Huambo. O estado vive da agricultura de
subsistência. São poucas as pessoas que não se dedicam ao trabalho da agricultura. Mesmo
aqueles que estão empregados no mercado oficial do estado, ou no mercado informal, cada
um deles também possui parcela de terra onde tira a sua: couve, lombi 384 , maçaroca 385 etc.
Nessa atividade agrícola é notório o empenho massivo das mulheres e a variedade de

383
Idem, p.7.
384
Lombi, designação dada às verduras (folhas de aboboreira, feijoeiro etc.) que fazem parte da gastronomia
do povo angolano.
385
Maçaroca, designação dada ao milho verde.

133
produtos agrícolas vendidos nos mercados locais que têm garantido parte da
sustentabilidade alimentar das populações neste Estado 386 .
Existe grande preocupação por parte do governo, através do Ministério da
Agricultura, em minimizar as dificuldades que as populações enfrentam no que diz respeito
a instrumentos de trabalho, sementes e outros meios de produção. As previsões indicam
que terminada a guerra, a profissão da maioria será a agricultura.
Ainda nesse mesmo aspecto, vale colocar a preocupação de alguns cidadãos, dentre
eles Bernardo Kaliwohõ, ex-militar da UNITA, que se refere à insuficiência de porções de
terra. A terra arável é insuficiente, em virtude das aldeias não terem condições e devido a
alguns terrenos minados 387 . Os esforços empreendidos pelas organizações dedicadas a
desminagem alimentam esperanças de um dia o Huambo voltar a ser um potencial agrícola
em Angola.
Além das preocupações com relação a atividades agrícolas, a mesma se registra
quanto à alfabetização das populações. Nesse aspecto, se constata campanhas de
alfabetização para todos aque les que até a idade adulta não tiveram oportunidade de
freqüentar escolas. Nesse programa estão envolvidos o Ministério de Educação, as Igrejas,
as ONGs e outras Associações. As Igrejas, ONGs e outras Associações têm desempenhado
papel importante na medida em que, com ajuda das populações beneficiárias e seus
parceiros, estão a intervir também nas áreas de difícil acesso, embora com insuficientes
recursos materiais e financeiros 388 .
Tal processo de formação tem sido enriquecido com as experiências vividas no
passado e no presente, o que torna motivador lutar para a conquista de uma vida melhor389 .
Essa força e esperança podem ser expressas nas palavras de Gabriel Garcia Marques:

Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria
pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os outros parassem,
acordaria quando os outros dormem. (...) a uma criança, lhe daria asas, mas
deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não
chega com a velhice, mas com o esquecimento. Aprendi que todo mundo quer

386
DW. Boletim Mensal do Projecto Comunitário Vozes da Paz. ONDAKA. nº28, Huambo Angola, 2003,
p.14
387
Idem, p.14.
388
DW. Boletim Mensal do Projecto Comunitário Vozes da Paz. Op. cit, p. 12.
389
CARITAS DE ANGOLA; IGREJA EVANGÉLICA CONGREGACIONAL EM ANGOLA; OIKOS-
COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Jango: Formação para a Transformação em Angola. Luanda
Angola, 2001, p. 7.

134
viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma
de subir a escarpa390 .

Com as afirmações de Gabriel Garcia Marques, percebe-se que a valorização do


processo todo da formação é importante, para levar as pessoas a serem sujeitos
aprendentes, solidários, transformar atitudes, comportamentos de forma a satisfazer as
necessidades e aspirações dos indivíduos, das comunidades e das sociedades.
Paulo Freire, ao falar da educação como sonho possível, mostra que a educação
também é ato de conhecimento da realidade que se vive, possibilitando sonhos possíveis na
prática de concepção libertadora. O conceito vive uma dialética que consiste na denúncia
das injustiças que se vive na sociedade e anúncio do possível sonho da sociedade menos
espoliada. Durante o processo de alfabetização, onde se ensina ler e escrever, Paulo Freire
é de opinião que não é possível ler e escrever palavras separadas das palavras do mundo.
Também não é possível separar a leitura do mundo e a escrita do mundo. Linguagem não
pode ser entendida sem uma compreensão crítica da presença de seres humanos. A
linguagem não é somente expressão e impressões, também é conhecimento. Por isso, deve-
se ler o mundo no qual se vive 391 .
As condições no qual se encontram as mulheres em Angola, inclusive as da Igreja
Congregacional e demais igrejas, requerem programas de formação que mantenha a
interação delas com base na solidariedade e troca de experiências, que serão enriquecidas
com novos saberes, aquisição de novos conhecimentos, novas práticas e meios 392 .
Analisando a tensão existente entre as mulheres, se percebe que as mulheres mais
jovens esperam da Igreja formação que as ajude agir no cotidiano, conforme o contexto
presente e suas exigências. Registra-se por parte das mulheres mais jovens uma postura de
indiferença em relação à formação dada pelas mulheres na Igreja. Estas justificam que
formação e programas são tradicionais e sem novidades, conforme se fez à transcrição da
justificativa da não participação nas considerações do capítulo II.
Uma das questões que também se visualiza é o conflito de gerações. Muitas vezes
acontece, por exemplo, as mais velhas acharem que o mundo atingiu o ponto crítico porque
as/os filhas/os não ouvem as mães, os pais e as/os mais velhas/os. Ainda se comenta que a
juventude atual está estragada porque é levada por culturas não edificantes, não quer

390
Idem, p.92-93.
391
FREIRE, Paulo; Ana Maria Araújo Freire organizadora. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo,
Editora UNESP, 2001, p.28.
392
CARITAS DE ANGOLA; IGREJA EVANGÉLICA CONGREGACIONAL EM ANGOLA; OIKOS-
COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Op., cit, p. 61.

135
aprender dos mais velhos valores que constroem uma sociedade moralmente sadia. Muitas
vezes uma jovem da Igreja, assim que se casa, não consegue se enquadrar na organização
da Sociedade de Senhoras e nem permanece no grupo de jovens onde pertencia. Daí, a
criação de casais jovens que passou para Sociedade Média Joyce, organização criada para
acolher as recém casadas, os recém casados e mães jovens solteiras.
A reclamação apresentada é de que as mulheres mais jovens deviam aprender para
manter seus lares moralmente saudáveis, na perspectiva religiosa cristã. Por sua vez, as
mulheres jovens têm um olhar diferente a esse respeito. Elas advogam que nem tudo que se
pretende se adequa na sociedade contemporânea.
Em relação à questão, Libânio J. B diz que o conflito de gerações existirá, e será
mais forte enquanto as pessoas se mantiverem apegadas a um tempo, a um lugar, a um
modo de estar de vida, a idéias, a conceitos e preconceitos. À medida que os horizontes se
ampliam, em alguns casos as interpretações mudam, o que implica frequentemente em
transformações. Contudo, é também normal ocorrer interferências que impedem a
transformação e mudança de horizontes. Mas a formação pode levar a entender
discrepâncias de convicções e mudanças de conceitos 393 .
As mulheres, da Igreja Congregacional através seu departamento, Sociedade de
Senhoras, mantem seus estudos semanais, lições da Bíblia, projetos de Formação
Feminina, seminários de tempo em tempo. Nos projetos de formação feminina lecionam-
se: direitos humanos, informática, educação para a saúde, costura, nutrição e culinária,
administração do lar, alfabetização e outras. A Igreja continua a promover formação
teológica, educação cristã, estudos nas diversas áreas de conhecimento, formação para uma
cultura de paz e tudo mais.
Também se tem a impressão de que algumas mulheres mais jovens não têm tempo
de participar, pois a prioridade é a luta pela sobrevivência. Outras, porém, não encontram
formação que satisfaça suas necessidades diante da realidade e da tendência delas de
identidade no espaço público.
Tem havido mudanças na sociedade angolana, por exemplo, socialismo para
economia de mercado livre, a participação das mulheres nas lutas de libertação do país, o
envolvimento das mulheres em todas as esferas da vida social do país, a influência de
movimentos feministas etc., criaram novas perspectivas para a vida de todo povo.

393
LIBÂNIO, J. B; SJ. Formação da consciência crítica:.Subsídios Filosófico-Culturais. Petrópolis, Editora
Vozes, 1980, p.42.

136
Nisso, as mulheres mais jovens procuram formação que lhes identifique no espaço
público. A identidade das mulheres no espaço público requer das igrejas formação pastoral
que as capacite em busca do sentido da vida ou projeto de vida. Por outro lado, a geração
das mulheres mais velhas se identifica com a formação pastoral que adquiriram ao longo
da sua vida, na Igreja e na sociedade em geral, exercendo funções de educadora a partir do
lar, ser boa esposa, boa administradora do lar, provedora do bem estar no lar, munida de
conhecimentos. Pois, parte da formação religiosa e cultural adquirida imprimiu nelas essa
postura. A conjuntura de mudanças pelas quais a sociedade angolana tem passado requer
das igrejas atingir com sua ação pastoral as realidades novas que surgem, exigindo com
ênfase especial as iniciativas destinadas à transformação de conceitos e atitudes por meio
da formação e preparação das pessoas, a serem co-responsáveis na Igreja e na sociedade 394 .
A história mostrou que muito dos problemas e desafios das sociedades encontraram
soluções e também atingiram desenvolvimento quando decidiram apostar na formação de
seus cidadãos. As igrejas, como já o fizeram no passado, poderiam continuar a fomentar
esta área numa perspectiva da práxis religiosa, para que se possa atingir o ser humano de
forma integral (material, moral e espiritual). A formação torna-se uma oportunidade e um
desafio um de ultrapassar determinadas situações e tensões.

3.1.1– A necessidade da formação pastoral das mulheres

Jung Mo Sung dizia que não se deve esperar da pessoa que dê à sociedade aquilo
que a sociedade não formou nas pessoas. A sociedade contemporânea, caracterizada pelo
poder econômico e político, capaz de controlar os espaços do conhecimento, educar, passa
a ser uma tarefa que, segundo Jung Mo Sung ,é:

(...) dar competências necessárias para o mundo de hoje. A gente não educa só
dando o conteúdo. É preciso ajudar as pessoas a aprender a aprender. Pois, em
um mundo de tantas e tão rápidas mudanças, não adianta apenas saber
conteúdos. Saber conteúdos não é o mais importante na vida e no trabalho. O que
realmente importa é aprender a aprender. Mas num mundo tão complexo, tão
contraditório, que não nos dá o sentido humano com tantas exclusões e tanta
violência, é necessário ajudar as pessoas a encontrarem um sentido fundamental
para as suas vidas, um sentido que humanize, para que não se percam. Isso só é
possível se houver sensibilidade, ou competência e solidariedade 395 .

394
ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL. Para Que Todos Tenham Vida. Brasil,
A.E.C, 1984, p.64.
395
SUNG, Jung Mo. Conhecimento e solidariedade: educar para a superação da exclusão social. São Paulo,
Editora Salesiana, 2002, p.72.

137
A situação que Jung Mo Sung analisa requer de todas/os encontrar o sentido
fundamental para as vidas, que integre ações pastorais cuja linguagem simbólica religiosa,
assim como rituais, ajudem na busca de significado e sentido da vida.
Ao nosso ver, as ações pastorais que a Igreja em geral e as mulheres desenvolvem
hoje, resultam da formação adquirida no passado, que capacitou as mulheres a
contribuírem de forma eficiente no desenvolvimento da Igreja, das comunidades e da
sociedade angolana em geral. Apesar desta formação ser muito importante, é necessário
que nos dias atuais se procure mecanismos que se ajustem às mudanças.
A formação tem papel preponderante nas sociedades, tanto para mulheres como
para homens. Ela leva a refletir no que se faz e em determinadas posturas do ser humano.
Hoje, as mulheres precisam de formação, não para satisfazer nomeações, nem tão pouco
demonstrar conhecimentos, mas para a transformação da sociedade por meio de ações
conjuntas e humanizantes.
De acordo com Fernando Ernanne Pinheiro, um dos critérios para a formação
pastoral abrange sujeito e comunidade, isto é, levando o cristão a ser sujeito corresponsável
na comunidade eclesial, formação que ajude a pessoa a se situar com sua vocação e missão
no mundo de hoje, assumindo não apenas a dimensão intelectual, mas a afetiva, espiritual e
social pastoral396 .
O que se sabe é que com a formação muitas sociedades conseguiram ultrapassar
inúmeras dificuldades. Tem sido notório que a falta de formação tem deixado muitas
mulheres e homens em sub missão e em baixa auto-estima, tornando raquítica a criatividade
e a potencialidade das pessoas. As mulheres têm sido penalizadas, pois são olhadas como
tímidas, que rejeitam certos cargos, mesmo que se tratem de sua representatividade. É
freqüente ouvir pessoas dizerem que, não obstante a luta e os esforços empreendidos pelas
mulheres, em vários setores da vida nacional, constata-se que quando se quer que elas
sejam devidamente representadas, se confrontam com situações em que as próprias
mulheres não estão disponíveis para desempenhar cargos. Também se diz que as mulheres,
muitas vezes são mais inteligentes do que os homens, mas a verdade é que sempre que se
procura mulheres para assumir cargos, se encontram constrangimentos. Por isso, as
mulheres têm que trabalhar muito para se superarem397 .

396
PINHEIRO, José Ernanne. Formação dos cristãos leigos. São Paulo: Editora Salesiano, 1995, p. 211.
397
Htt www.jornaldeangola.com Capturado em maio de 2004.

138
Os exemplos referenciados mostram a falta de compreensão e a mentalidade de
muitos que ainda acabam culpando as próprias mulheres, enquanto se sabe que as mulheres
na sociedade angolana não tiveram as mesmas oportunidades de formação em relação aos
homens, deixando-as em desvantagem por razões anteriormente apontadas. Estão
submetidas a situações de inferioridade. Para Marta Maria Braccin, a inferioridade na qual
as mulheres vivem em muitas sociedades, subjugou-as. Ela explica que na antiguidade a
mulher era vista como escrava, como um ser incompleto, tratada como coisa. Filósofos
gregos e sábios chineses, bem como os hindus, consideravam as mulheres como seres
inferiores. O nascimento da mulher era tristeza. Os homens tinham o direito de livre
escolha. Quanto ao casamento, os pais decidiam pelas filhas 398 .
Na Idade Média, encontramos também outros conceitos sobre a mulher. Para S.
Tomás, a mulher é mais que uma escrava, porém o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus e não a mulher. Na sociedade patriarcal, a mulher é apenas um
acréscimo do homem, necessária para trabalhos domésticos e uso sexual. No Oriente, neste
período, o conceito é que as mulheres são delicadas e mais intuitivas, porém o tratamento
dado a ela é de submissão total ao homem399 .
Na Idade Moderna, se verifica uma modificação profunda nos conceitos com
relação à mulher. A própria mulher começa a tentar se libertar da opressão e submissão. A
beleza é cultivada, mas ela continua dependente. Depois da guerra de 1789, as mulheres
foram solicitadas para trabalhar nas fábricas. Na França, em 1880, foi criado o ensino
secundário específico para as mulheres, que só foi igualado ao do homem em 1925.
Estando ela colocada a serviço do povoamento da terra, sua posição e educação se
baseavam nisso 400 .
Na Sociedade Contemporânea, a primeira conquista da mulher aconteceu no campo
de ensino. As primeiras mulheres se formaram em 1920, na Universidade de Oxford,
Inglaterra. O crescimento cultural da mulher é reconhecido, sua posição, seus encargos, sua
emancipação.
Constata-se que as mulheres já não realizam sua vida pela imitação às mães ou
avós. Usam de mais liberdades, saem, têm originalidades, são profissionalizadas em vários
campos.

398
BRACCIN, Marta Maria. Promover a mulher. In: A mulher na igreja presença e ação hoje. Rio de Janeiro,
Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Editora Vozes Ltda, 1975, p.80.
399
Idem, p.80.
400
Idem, p.80.

139
Fala-se hoje da colaboração e igualdade e não da subordinação 401 . Para Rose
Muraro as desigualdades têm origem na competição e violência. As relações entre homens
e mulheres e dos homens entre si, seguem paulatinamente as relações do grupo com o meio
ambiente, isto é, as relações entre os seres humanos dependem da maneira como os grupos
produzem a sua própria subsistência 402 .
Acrescenta que nas culturas de coleta, onde o alimento era abundante, as relações
com o meio ambiente e dos seres humanos entre si eram harmoniosas, não havia poder, as
comunidades eram governadas não pela força, mas pela persuasão e por consenso. Havia
rodízio de liderança e ausência de guerras. A partilha e a solidariedade era a lei dos grupos.
As crianças eram educadas igualmente para conseguirem autonomia diante da natureza 403 .
À medida que as relações foram mudando através das gerações, as organizações
sociais foram se transformando. Os homens procuram domínio pela força. Nas sociedades
pastoris e agrárias, quando o patriarcado se instala, as relações entre homens e mulheres
são relações de medo. A racionalidade passa a prevalecer, instala-se a violência e a
competição em todos os níveis, nota-se a divisão sexual do trabalho e domínio público para
os homens e domínio doméstico para as mulheres, embora esta sempre tenha exercido
exerceu as suas funções nos dois domínios, sem reconhecimento por parte dos homens 404 .
Considera-se que, apesar dos progressos até aqui conquistados, pelas mulheres no
mundo atual a expressão das mulheres, a visibilidade, a presença e ação delas não são
reconhecidas em todas as sociedades e instituições religiosas.
Entretanto, os fatos mostram que onde pessoas ou membros têm a liberdade e
oportunidade de expor suas experiências e seus dons, participação efetiva das mulheres
levou a promoção das suas sociedades 405 .
A formação pastoral pode abrir espaços para a promoção de mais programas de
formação que satisfaçam as fases etárias. O despertamento da responsabilidade à pastoral
poderá concorrer em mudanças, transformando paradigmas culturais em valores
humanizantes. 406

401
Idem, p.81
402
MURARO, Rose Marie. A mulher no terceiro milênio. Rio de Janeiro, Editora Rosa dos Tempos, 2002,
p.186.
403
Idem, p.187.
404
Idem, p.188.
405
TIERNY, Jeanne M. Op. cit, p.23.
406
CNBB-COMINA – pontifícias obras missionárias. Pe. Cleto Caliman e Pe. Ernanne Pinheiro (Orgs). O
evangelho nas culturas América Latina em Missão 5º Congresso Missionário Latino-americano (COMLA5),
Petrópolis, Editora Vozes, 1996, p.113.

140
Hoje, a formação pastoral é necessária para renovação e fortalecimento da fé dos
membros diante das situações. A formação pastoral também pode motivar as mulheres
mais jovens e mais velhas a contribuir para a transformação da sociedade participando em
programas de reconciliação e reconstrução do país. As tensões podem ser minimizadas e
criar interesse de se encontrarem e trabalhar juntos. Isso desde que os conteúdos e os
métodos sejam revistos.
É preciso que elas sejam ajudas a promoverem-se e a libertarem-se da inferioridade
e exerçam com dignidade suas jornadas em todas as esferas da vida social. Pois, constatou-
se que os papeis que as mulheres foram exercendo na sociedade colocaram- nas em
desvantagem quanto à formação. Embora algumas estejam se libertando, ganhando seu
dinheiro, sustentar a família etc, as mudanças que se efetuam, dificultam cada vez mais as
mulheres conseguirem uma estabilidade 407 .
Daí se propõe a pastoral de conjuntura, social de cidadania e liturgia. A formação
pastoral de conjuntura deverá renovar nas mulheres a espiritualidade de piedade e
solidariedade. A formação social de cidadania deverá estar voltada para contribuir com a
reconstrução do país e solidificação da paz, pela de implementação de projetos de
cidadania, criando nelas auto-estima e liberdade. A formação na área de liturgia deverá
criar nela o sentimento de ação de graças e celebração da vida.
Existe vontade por parte da Igreja e da liderança em formar os membros, as
mulheres e as comunidades. Essa vontade é explicitada nos programas que a Igreja
pretende implementar, expressa no Plano Estratégico, dizendo o seguinte:

(....) promover a educação sobre gênero, desenvolver programas sobre a


formação feminina, apoiar a mulher na sua auto-promoção, ajudar a mulher a
preservar a sua dignidade, estimular e promover ações de micro-crédito,
promover campanhas de alfabetização, sensibilizar sobre o perigo de minas,
promover o ensino de base nas comunidades, formar agentes de desenvolvimento
comunitário, capacitar os quadros em temáticas específicas, promover a
formação teológica, implementar programas de combate contra o HIV-SIDA,
incentivar a promoção dos direitos humanos nas comunidades (...)408 .

Pensamos que essa pesquisa e as propostas terão uma contribuição dentro do


programa de formação que a Igreja tem a implementar.

407
Conselho Angolano de Igrejas. CETECA: a serviço das igrejas. Op. cit., p.3-4.
408
I.E.C.A – Igreja Evangélica Congregacional em Angola. Op. cit, p.22.

141
3.2– Formação pastoral de conjunto

Na Igreja, as gerações de membros que tinham a formação pastoral, conforme


analisado no capítulo II, estão desaparecendo. As experiências acumuladas beneficiarão
gerações mais novas se forem compartilhadas por intermédio da formação. As mudanças e
desafios que envolvem a geração atual requerem uma reflexão pastoral de conjunto.
A pastoral de conjunto é entendida como vida concreta da Igreja assumida
conscientemente pela comunidade eclesial, desde o membro até o responsável da
comunidade, ordenado ou não. Esse conceito abrange todas as dimensões da Igreja,
promovendo a pastoral: operária, universitária, do menor de rua, da mulher marginalizada,
da terra, dos migrantes, da educação, da saúde, da juventude, da carcerária, da família, dos
direitos humanos, com a 3ª idade, do ecumenismo, cultura de paz, evangelização e outras,
conforme a necessidade 409 .
Percebeu-se que as mulheres sempre tiveram interesse pela formação. A Igreja deve
aproveitar esse interesse, proporcionando a formação que elas precisam. Como argumenta
Cristoph Schneider-Harprecht, com a formação das pessoas, as sociedades e a culturas
recebem elementos que enriquecem subjetiva e coletivamente as interações sociais,
fazendo parte da revitalização da comunidade e sociedade, instituição e organizações
sociais 410 .
Nos últimos tempos, o mundo tem se caracterizado pela aceleração histórica411 .
Essa aceleração se caracteriza em parte pelos progressos científicos e tecnológicos, o que
ameaça a vida da própria humanidade e ecologia, em virtude dos problemas ligados ao
controle dos efeitos tecnológicos. O estado, como sistema de organização sócio-político,
com a pretensão de racionalidade e universalidade, a urbanização e industrialização, o
sistema de comunicação e a diferenciação social na participação do sistema educativo 412 .
Os programas econômicos têm se caracterizado pela competição e pela lei da
obtenção de lucro a qualquer preço. A mídia, além de estimular um consumo desenfreado e
crescente, também cria necessidades artificiais cada vez mais sofisticadas para satisfazer o

409
PINHEIRO, José Ernanne. Op. cit., p.30.
410
SCHNEIDER-HARPRECHT, Cristoph. Teologia prática no contexto da América Latina. São Leopoldo,
Editora Sinodal-ASTE, 1998, p.245.
411
MURARO, Rose Marie. Op., cit., p.147.
412
MARTELLI, Stefano. Op. cit p.10-11.

142
consumo 413 . O distanciamento entre pobres e ricos tende a crescer, tornando cada vez mais
remota a possibilidade dos pobres alcançarem padrões satisfatórios de desenvolvimento,
enquanto nos países em desenvolvimento aumentam cada vez mais a diferença entre as
classes sociais. O salário mínimo, na maioria dos países em desenvolvimento e países da
periferia, não satisfaz as necessidades básicas (alimentação, saúde, moradia, educação,
lazer etc.) de um único individuo, menos ainda para uma família durante todo o mês. Outro
fator de escravização dos países pobres são as taxas de juros altíssimos da dívida externa.
A dívida está sendo paga pelo Terceiro Mundo com inflação, desemprego, crise endêmica
na economia e a morte dos menos favorecidos 414 . Nisso, o relacionamento entre os seres
humanos e destes com a natureza mudada cada vez mais em detrimento de uma vida
condigna 415 .
Com a situação mencionada, se verificou uma grande efervescência religiosa com
nítidas ações pastorais. São crenças e práticas que, por meio da mídia, de congressos e
conferências, vão exercendo influências sobre todo o povo 416 .
A procura de libertação do sofrimento, a segurança e a busca da satisfa ção das
necessidades básicas têm levado milhares de pessoas a recorrerem aos movimentos
neopentecostais e outras confissões religiosas, cujas práticas pastorais têm atraído
populações de classe baixa e média visto que tais movimentos adotaram pastorais com
características da teologia da prosperidade.
Diante das situações acima descritas, as oportunidades para a formação das
mulheres são remotas, em virtude da maioria se encontrar em situação de pobreza, cabendo
a elas priorizar atividades que as proporcione o pão de cada dia.
Como foi apontado, o desespero de algumas sociedades diante dos fenômenos da
pós-modernidade, muitas práticas pastorais têm sido abraçadas como fuga de problemas.
No entanto, Geoval Jacinto da Silva, ao falar das tendências missiológicas em sociedades
neoliberais e globalizadas faz lembrar que não adianta esquecer, mas é necessário inserir-
se nela e descartando seus efeitos negativos e aproveitando os impulsos positivos da nova
ordem econômica 417 .

413
Idem, p.10.
414
MARTELLI, Stefano. Op. cit p. 183.
415
MURARO, Rose Marie. Op. cit, p.149.
416
Atualidades 99. Temas atuais à luz da Bíblia. Rio de Janeiro, Edições JUERP, 1999, p.114.
417
SILVA, Geoval Jacinto da. Cultura e cristianismo: O processo de globalização e a missão implicações
bíblico-teológicas e pastorais. São Paulo, Edições Loyola, 1999, p.177.

143
Nessa situação toda, Stefano Martelli afirma que a religião passa a ser
reconhecida como um fator relevante da mutação social e política do rosto do mundo
contemporâneo, (....) não apenas na periferia da modernidade 418 .
A formação pastoral de conjunto contribui para mudanças e transformação da
sociedade. Segundo analisa Casiano Floristan, a pastoral é práxis ou ação transformadora e
libertadora do mundo social injusto para uma sociedade humana. A Igreja, enquanto
comunhão ou comunidade dos crentes não deve se desligar da práxis. Deve admitir no seu
universo a mesma práxis de Jesus e trabalhar para a modificação social. Assim, a práxis
será libertadora porque a situação social do povo oprimido e dependente é marco
referencial para uma ação pastoral libertadora 419 .
Assim, Casiano Floristan, destaca três pontos: primeiro, a fé como memória crítica
e revolucionária de Jesus e profética frente a todo sistema que pretende enclausurar-se
sobre si mesma. Segundo, a caridade como práxis modificadora do dado ou realidade atual
em busca permanente de novas alternativas mais humanas. Terceiro, a esperança como
expectativa do futuro, confiança ativa nas promessas de Deus e ponto de arranque para a
transformação do mundo. Ainda considera a pastoral como práxis libertadora, sublinhada
nas seguintes palavras:

Equivale a uma accion revolucionária que exige compromisso y conciència


crítica, de cara a um cambio radical, a partir de la mutacion em la raiz del
hombre o dela sociedad. 420

No protestantismo o conceito de pastoral foi vinculado à função do pastor, o que


para Clovis de Pinto Castro, acaba por dar um tom individualista à prática ministerial421 .
Júlio de Santa Ana fala que tal conceito choca com o conceito de sacerdócio
universal dos crentes, que é uma das maiores contribuições do pensamento da Reforma
para o desenvolvimento da teologia422 . Pois, se considera que a comunidade é o grupo que
exerce carismas e dons com democracia e participação. Na América Latina e no Brasil tem
havido esforços de reformulação da pastoral protestante, por meio de organizações

418
MARTELLI, Stefano. Op. cit, p.9.
419
FLORISTAN, Casiano. Teologia Prática – Teoria de la accion pastoral. Salamanca, Ediciones
Sigme,1991, p.142.
420
Idem, p.140.
421
CASTRO, Clovis Pinto de. Por uma fé cidadã – A dimensão pública da igreja. Universidade Metodista
São Paulo, Edições Loyola, 2000, p.104.
422
SANTA ANA, Júlio. Pelas trilhas do mundo a caminho do reino. São Paulo, Imprensa Metodista, 1985,
p.31.

144
ecumênicas que têm procurado contribuir com a formação de ministros leigos para mudar a
realidade da igreja 423 . A ação pastoral é ação e por isso deve abranger dimensões ligadas à
vida do ser humano, quer sejam religiosa, econômica, cultural, políticas, pessoal e coletiva.
O incentivo das mulheres e homens à participação efetiva de ações pastorais na Igreja,
participação em planejamentos e tomada de decisões e na execução das múltiplas
atividades.

3.3– Formação pastoral social de cidadania

Vive-se num mundo onde os direitos de cidadãos não têm sido privilegiados. Nem
todos vivem como cidadãos, muitos fora do contrato social, lançados fora do estado da
natureza humana. Isso acontece com pessoas e com países também, através de processos
que são exclusivos, o que acaba por limitar as pessoas a exercerem cidadania.
Segundo Clovis Pinto de Castro, a cidadania é a condição da democracia, é um fato
cultural – ninguém nasce plenamente cidadão; é no processo histórico que as pessoas se
tornam cidadãs e se conquista no cotidiano, se estruturando com a formação da
consciência cidadã 424 . Portanto, é necessário criar espaços, onde as pessoas aprendam a
exercer a fé cidadã e como se organizar para melhorar a vida no meio em que se vive.
Nessa ordem de idéias, José Belo Chipend a, ao abordar sobre desenvolvimento, diz
que os projetos de melhoramento de vida têm modificado a vida das comunidades. Alguns
utilizam tecnologia apropriada, por exemplo, onde não há combustível, extraem gás do
esterco de bois, utilização de raios solares para energia elétrica, furam o solo para a
obtenção da água potável, onde não há medicamentos, se organizam para consegui- los e
prevenir doenças. Enfim, podia-se enumerar muitos exemplos425 .
Para a melhoria da qualidade de vida é importante começar uma conversa entre
pessoas e compartilhar com os demais na comunidade, procurando caminhos ou saídas.
Não adianta, por exemplo, numa comunidade uma pessoa lutar para combater ratos em sua
casa, é necessário que todos se envolvam na remoção do lixo em volta das casas ou do
bairro. As pessoas, quando trocam idéias sobre problemas da comunidade, envolvem maior
participação da comunidade na resolução de problemas, maior colaboração nos

423
Idem, p. 32.
424
CASTRO, Clovis Pinto de. Op. cit., p.37-38.
425
CHIPENDA, José Belo. Projetos de desenvolvimento. In: A Mulher na Família. Lobito Angola, Conselho
Angolano de Igrejas Evangélicas: CETECA, 1986, p.12.

145
procedimentos traçados e cumprimento de tarefas. É bom que decisões sejam tomadas
depois de profundas discussões democráticas. Por vezes, surgem projetos que exigem
conselhos técnicos que delineam o ponto de partida, o meio e o fim, o que envolve a
contratação do pessoal, como conseguir dinheiro, o tempo de execução, as dificuldades
previsíveis, como aproveitar a mão de obra voluntária e como conseguir suporte das
autoridades governamentais e das ONGs426 .
É importante que a perspectiva do projeto de melhoria de vida da comunidade tenha
como ponto de partida a comunidade e o ponto de chegada a comunidade.
José Belo Chipenda diz que:

Qualquer projeto é em si uma escola. É uma escola em que a teoria e a prática se


beijam e se abraçam. No processo de executá-lo todos ganham alguma coisa.
Ninguém sai de lá com mãos vazias. Alguns ganham conhecimento técnico de
um determinado domínio do saber; outros adquirem experiência e descobrem
uma carreira na vida; há ainda outros que na rotina do trabalho diário cultivam a
simpatia de colegas que passam a ser amigos confiados para o resto da vida 427 .

A participação das pessoas em projetos de cidadania pode evoluir para o exercício


cidadão delas. As pessoas desenvolvem análise crítica e identificam as desigualdades e
exclusões. Assim, buscam-se oportunidades de luta pela igualdade e inclusão, alternativas
para resolver seus problemas de forma democrática, procuram se informar e se comunicar,
desenvolvem a solidariedade e transformação da sociedade.
No concernente à procura de alternativas que possam levar a transformação da
sociedade, o Fórum Social Mundial considera relevante a promoção da sociedade civil
popular. Ainda, para o Fórum Social Mundial, a sociedade civil popular é portadora de
utopias que mobilizam e reavivam a esperança, que se constroem no concreto das lutas
sociais, que não se esgotam pelas suas traduções concretas. As utopias preconizadas pelas
grandes tradições humanistas laicas e religiosas. A sociedade civil popular deve se
caracterizar pela procura de alternativas em todos os níveis. Das grandes conquistas
políticas e da vida cotidiana, as das organizações internacionais, da vida cultural e material,
do respeito à natureza e da organização da produção do desenvolvimento e do consumo 428 .

426
Idem, p.12.
427
CHIPENDA, José Belo. Projetos de desenvolvimento. In: A Mulher na Família. Op. cit, p.13.
428
Fórum Social Mundial. Sociedade civil e espaço público. www.forumsocialmundial.org.br. Capturado em
maio de 2004.

146
A conquista dos espaços públicos, que se resume na decisão do estabelecimento
duma verdadeira democracia, inclui a dimensão eleitoral. Isto envolve uma cultura política
e uma aprendizagem429 .
A formação pastoral de cidadania das mulheres se torna um desafio e uma
oportunidade. É desafio em virtude da democracia ser um fato recente na sociedade
angolana. Uma oportunidade para a Igreja porque, tanto as mulheres mais jovens como as
mulheres mais velhas, estão interessadas pela formação. Cabe a igreja ajudá- las a
adquirirem uma formação que se adeque a desafios atuais. Melhorar a vida das pessoas
pela formação em projetos familiares, comunitários contribuir para a melhoria da vida das
pessoas e comunidades, para atingir o desenvolvimento. As mulheres terão maior
capacidade em se identificar e contribuir no espaço público.

3.4– Formação pastoral em liturgia

A formação pastoral em liturgia que se propõe está relacionada à liturgia como


celebração da vida. A gratuidade da vida é dada pela vontade de Deus e Ele ama todos e
todas sem acepção 430 .
A liturgia, segundo Messias Valverde, envolve o conjunto de elementos que
possibilita a celebração cúltica onde o público ou o povo de Deus expressa uma parcela do
serviço total a Ele. É por meio da liturgia que a igreja realiza, opera e põe em prática a
ação redentora, mediante a pregação do Evangelho e anúncio da obra da salvação 431 .
A liturgia também expressa e protege aquilo que, ao mesmo tempo, sustenta e
envolve o povo da igreja (que é a experiência do próprio povo com Deus). Tornar-se
também instrumento que expressa a recapitulação da história da salvação e sua formulação,
o dever de expressar e salvaguardar a natureza do culto, desfrutando de considerável
liberdade432 .
Discorrendo pela história, segundo trata James F. White, na Reforma Martinho
Lutero e seus contemporâneos, a antiga liturgia romana se tornou ponto de partida do

429
VIEIRA, LISZT. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro, Editora Afiliada, 2000, p. 142
430
Departamento de Comunicaciones del Consejo Latinoamericana de Iglesias (CLAI). Gracia Cruz
Esperança em América Latina. Quito Ecuador, Israel Batista, 2004, p.41.
431
VALVERDE, Messias. Liturgia e pregação: reflexões sobre o culto cristão. São Paulo, Editora Ecxodus,
p.11
432
.Idem, p.11.

147
movimento litúrgico da época moderna. Sob direção de Martinho Bucer, a cidade de
Estrasburgo presenciou a abolição da vida monástica. Isto implicou na tradução dos ofícios
e a composição de músicas 433 .
Martino Lutero observou que as pessoas não mais conheciam o significado dos
sacramentos. Acreditavam que algo de mágico ocorria quando deles participavam,
transformando-as automaticamente em protegidas. Supunham que, pela simples recepção
dos sacramentos, teriam garantia de vida eterna. Nada ficariam sabendo da verdadeira
ajuda proporcional pelos sacramentos, muito menos do comprometimento que acarretam.
Daí, a opinião de Martinho Lutero em sugerir um processo de libertação, uma
pregação do evangelho ligada em aspectos da promessa da palavra divina, do sinal exterior
e da fé que recebe a promessa. Para Martinho Lutero, a promessa divina devia ser
conhecida, proclamada, percebida e assumida quando se celebrasse o sacramento. Exigia
que a celebração fosse acompanhada da pregação do seu significado 434 .
Quanto ao batismo, Martinho Lutero achava que a promessa está na passagem de
Mc16.16 “Quem crer e for batizado será salvo”. Essa promessa, quando recebida em fé,
acarreta na morte e ressurreição do ser humano. Morte pecaminosa, ressurreição de um
novo ser. Onde há promessa e oferta divina, deve haver uma fé que a receba e acolha. As
duas coisas são simultaneamente necessárias: a promessa e a fé. Sem promessa nada se
deve crer e sem fé é inútil a promessa.
A proposta das liturgias para os cultos compreendia leituras bíblicas, salmos,
cânticos, hinos, o pai- nosso, orações de coleta, o credo e pregação. Todos os reformadores
colocavam ênfase na liturgia da palavra 435 .
A liturgia não deixa de ser um serviço dedicado a Deus em culto quando cristãs e
cristãos se reúnem para celebrar a fé 436 . Para a realização de serviços litúrgicos ou
celebrações, são necessários recursos como livros litúrgicos, hinários, instrumentos
musicais, móveis, símbolos, templos ou outros espaços escolhidos.
A dinâmica dos serviços litúrgicos varia de acordo com a denominação e também
com calendários litúrgicos 437 . A participação das pessoas no culto, o que ouvem, o que

433
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Editora Sinodal, 1997, p.103.
434
Idem, p.103.
435
Idem, p.104.
436
Idem, p.11.
437
I.E.C.A. Lições de Liturgia e Homilética. Lobito Angola, D.E.C./SIREL, 1982, p.5.

148
vêm, o que tocam, o que comem, o aroma que sentem, enfim, tudo o que cerca o ambiente
e se realiza, contribui para comunicar mensagens aos que cultuam. 438
Jaci Maraschin, fala que a liturgia é coisa que se vê, daí a valorização das cores,
ícones e outros requintes litúrgicos, que deixam sensações de prazer. O paladar também
contribui na liturgia, pois o gosto do alimento partilhado na ceia aumenta a comunhão. A
liturgia também se dá pelo ouvir, o som, os cantos, as leituras, os discursos falados trazem
prazer e podem contribuir para a saúde dos corpos e mentes. O tato proporciona sensações
através do toque, que na Bíblia tem um caráter curativo, tranqüilizador e humanizante.
Também em práticas de saudação, onde a congregação reconhece no corpo do outro
a presença do Espírito, procura participar em ações da comunidade. Para Jaci Maraschin, o
olfato nos ajuda a reverenciar a natureza, ajuda o ser humano a louvar e a contemplar a
beleza da criação, pelos aromas de ervas, flores, frutos e outros produtos que fazem parte
da gastronomia das pessoas. Ao mesmo tempo, pelo olfato se protesta contra a poluição e
maus cheiros 439 .
Por isso a liturgia comunica. Na liturgia se processa o comprometimento dos
participantes com a missão de Deus no mundo, o que confirma que a liturgia também tem
o propósito de educar 440 . Acrescenta, Jaci Maraschin que a liturgia é também contestadora,
ao apresentar um conteúdo de resistência aquilo que desumaniza. Os profetas e Jesus, em
seus ministérios denunciaram a violência e as injustiças cometidas, principalmente contra
os desfavorecidos e pobres 441 .
Como foi analisado, a sociedade angolana, apesar de tudo que aconteceu, tem
motivos para celebrar a vida. As mulheres que passaram pelas agruras da guerra são
desafiadas a celebrar a vida pela liturgia. A história bíblica da mulher viúva (Mc12.41-44)
que deu a oferta, deixa um grande exemplo do potencial humano que encoraja a viver na
graça de Deus, a recuperar a dignidade e a auto-estima 442 .
Liturgia como celebração da vida é conceituada por Casiano Floristan, no sentido
festivo da fé, também significa celebração da gratuidade da salvação e contemplação da
mesma como dom. Essa realidade deve ser expressa na celebração sacramental de modo
único, porque toda celebração sacramental é celebração litúrgica. Toda celebração deve ter
um caráter de festa. A gratuidade da vida é preciosa na existência do ser humano. É

438
Idem, p.5.
439
MARASCHIN, Jaci. A beleza da santidade: ensaios de liturgia. São Paulo, IEPG/Aste, 1996, p.126.
440
I.E.C.A. Lições de Liturgia e Homilética. Idem, p.5.
441
MARASCHIN, Jaci. Op. cit, p.61.
442
Departamento de Comunicaciones del Consejo Latinoamericana de Iglesias (CLAI). Op. cit., p.42.

149
celebrada no amor com festas, jogos, rito, cerimônias religiosas. Assim, a celebração leva
os participantes a ação de graças pelo reconhecimento da gratuidade da vida443 .
A formação pastoral em liturgia como celebração da vida pode servir de ponte entre
as mulheres mais novas e as mulheres de idade mais avançada, por meio da liturgia, a vida
é celebrada em reconhecimento da gratuidade do amor de Deus por Jesus.

443
FLORISTAN, Casiano. Conceitos fundamentais del pastoral. Madrid Espanha, Ediciones Cristiandad,
1983, p.586-587.

150
Considerações finais

As atuais formas de vida da sociedade angolana têm sua origem no passado. A


Igreja que se desenvolveu nela foi influenciada pela cultura ocidental trazida pelos
missionários, europeus e pela cultura local. A natureza da Igreja atualmente é
compreendida pelas suas raízes que continuam conservadas. O espaço social e geográfico
em que a Igreja Evangélica Congregacional foi implantada, exerceram papel preponderante
na adaptação e desenvolvimento da mesma ao longo da sua história. Toda e qualquer
cultura é constituída principalmente por língua, costumes, técnicas e valores; é relevante
frisar que as dimensões apontadas contribuíram de forma significativa na vida das igrejas
em Angola 444 .
Ao longo da história, as sociedades angolanas foram degradadas pela captura de
seus parentes submetidos à escravidão e trabalho forçado aos setores de economia agrária e
mineradora, para centros urbanos e a fuga de alguns em virtude da perseguição colonial,
que contribuíram negativamente para a formação das mulheres. Tal situação sacrificava as
mulheres, a quem competia o cuidado dos velhos e das crianças e sua manutenção além
dos seus habituais papéis.
A invasão européia e a colonização interferiram na formação tradicional das
mulheres, proibindo a transmissão de conhecimentos, técnicas e valores na perspectiva da
cultura do povo angolano. Foi desestruturado o processo de formação nas escolas
tradicionais, nos onjango e ociwo, onde se aprendia internalizar o amor, a solidariedade e
do respeito pelo ser humano incluindo os mortos. As igrejas também contribuíram no
processo da desestruturação da formação tradicional.
Hoje em Angola, existe a necessidade de resgatar valores culturais e as igrejas
devem promover programas de socialização de tais valores para que os membros possam
contribuir no processo da reconciliação, consolidação da paz e reconstrução do país.
Valores culturais também enriquecem a religiosidade dos membros na sua totalidade assim
como a liturgia. Segundo sublinha Casiano Floristan, a fé se expressa em determinadas
categorias culturais e quando não se corresponde com os destinatários da evangelização, há

444
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. 4ª ed. São Paulo, Editora Atlas, 1981, p.32.

151
problema. É necessário inculturar a fé, para que o evangelho penetre na cultura, fazendo
assim parte integrante da vida das pessoas e completando a conversão 445 .
Quanto a relações de gênero, constatou-se que as mulheres são inferiorizadas,
precisam ser ajudadas no processo da luta pela igualdade e libertação. Muitos advogam que
a mulher africana não precisa de se libertar em virtude desta ser respeitada pelos homens e
estar em vantagens em relação às mulheres nas sociedades ocidentais e orientais. Mas, a
realidade é de sistema patriarcal que a maioria das mulheres africanas vivem, por isso,
requer esforços conjuntos nas famílias, comunidades e sociedades. Pensamos que as igrejas
devem e podem ajudar as mulheres para a promoção do equilíbrio de gênero. Resgatando o
respeito e valorização como ser humano ao invés de ser respeitada somente enquanto mãe,
educadora e provedora.
As mulheres, na Igreja Evangélica Congregacional em Angola, têm preocupação
com a sua formação na Igreja e refletem sobre a mesma formação e sua contribuição. Nas
suas reflexões tem feito referência a formação pastoral nas instituições educacionais da
Igreja no período de 1965 a 1975. No documento intitulado “Retrospectivo da Formação
Feminina”, as mulheres em Huambo revelam dificuldades que impediram o acesso às
escolas de formação. Apontam dificuldades econômicas e culturais 446 . Na avaliação delas,
perceberam que a formação pastoral das mulheres a partir da base, que é a aldeia, a
participação era de 90%, no centro 50% conseguiam avançar. Do centro para a estação
missionária, prosseguiram com os estudos aproximadamente 15%. Da estação missionária
para a Escola Means, a estimativa era de 2%. Isto em geral, porém havia aldeias que não
conseguiam enviar ninguém para a Escola Means. 447
O problema de ordem econômica impediu muitas famílias de enviarem suas filhas
para a formação elevada. Ligado a cultura insinuava as mulheres que não deviam ir para a
escola formar-se para cuidar da casa, cuidar dos filhos, trabalhar no campo, gerar filhos
para a sociedade, enquanto os homens se dedicam ao comércio; que as mulheres não eram
capazes de aprender o que os missionários tinham a transmitir; que era perda de tempo
enviar as mulheres para a Escola, devido a sua condição de futura esposa. Por isso, era
inútil investir na formação das mulheres. Temia-se que uma vez as mulheres formadas,
seriam iguais aos homens.

445
FLORISTAN, Casiano; TAMAYO, Juan José. ESTELLA Navarra Espana, Editorial Verbo Divino, 1988,
p.138.
446
Sociedade de Senhoras da IECA. Retrospectiva da Formação Feminina. Huambo Angola, brochura
miniografada, Novembro de 2003, p.3.
447
Idem, p.3.

152
No período de implantação da Igreja Congregacional verificaram-se barreiras de
caráter social e de caráter religioso com relação à educação na escola fundada pelos
missionários. Assim, Tarcisio Pedro Chokombongue, na sua dissertação de mestrado,
aponta barreiras que não só impediam as mulheres, mas também os homens. Ele afirma
que a chegada dos missionários protestantes em Angola coincidiu com o ápice do comércio
da borracha e do marfim, e por isso, todos os adultos e jovens em condições físicas de
fazer longas caminhadas e carregar peso, estavam envolvidos em negócio comercial. Outro
fator impeditivo era o da instabilidade político militar; outro fator estava ligado à
superstição 448 .
A preocupação da Igreja, para com a elevação do nível acadêmico e pastoral das
mulheres constituíram a base principal da criação das escolas nos centros, nas missões e a
criação da Escola Means. Segundo o relatório da Igreja de 1967, diz que a formação
pastoral das mulheres tem como alvo principal estabelecer lares cristãos através de
programas de educação cristã das mulheres e moças para que sejam boas donas de casa e
úteis à igreja e à comunidade, visto que, nenhuma sociedade ou país pode progredir se as
mães forem totalmente analfabetas 449 . Em segundo lugar, a colocação de Lawrence W.
Henderson que diz que os rapazes formados procuravam raparigas que tivessem alguma
preparação para orientar uma casa e para ser boas companheiras, o que tenha levado igrejas
protestantes 450 .
As mulheres reconhecem a formação pastoral dada pela Igreja assim como a
contribuição delas no desenvolvimento da Igreja e sociedade. Pois, as igrejas muito
fizeram para a educação e formação dos angolanos e angolanos por intermédio de seus
modelos pastorais. As escolas públicas do governo colonial também deram seu contributo,
ao abrirem acesso aos nativos nas cidades e municípios, embora a princípio abrangessem
aqueles que tinham estatuto de assimilado com cartão de cidadania. Para as populações no
meio rural, o sistema de educação colonial implantou escolas no começo da década de
sessenta.
Uanhenga Xitu afirma que embora houvesse escolas do governo colonial, porém o
mesmo colonizador arranjou sempre formas de impedir o progresso acadêmico dos nativos.
Ele diz que depois da formação nas estações missionárias das igrejas, poucos indivíduos

448
CHOKOMBONGE, Tarcísio Pedro. O congregacionalismo em Angola: Origem, desenvolvimento e
consolidação da Igreja Evangélica Congregacional no solo angolano. Dissertação de mestrado, Seminário
Teológico do Norte do Brasil, Recife, 2002, p.93.
449
Relatório geral da Missão Evangélica do Dôndi. Bela Vista (Catchiungo), 1967, p.14.
450
HENDERSON, Lawrence W. A igreja em Angola. Lisboa Portugal, Edições Além-Mar, 1990, p.176.

153
conseguiam ir para os liceus na idade exigida, indo somente aqueles cujos pais tinham
condições de pagar mensalidades elevadas nos colégios particulares ou que tivesse a bolsa
da Igreja. Além do mais, os testes finais nas escolas das estações missionárias eram
elaborados pela Repartição Geral de Ensino do governo colonial. Nos testes, a maior parte
dos alunos e alunas era reprovada. À medida que ocorria a reprovação, a idade avançava e
o sistema escolar liceal negava receber candidatos fora da idade estabelecida. Em virtude
deste problema, muitos pais registraram ou batizaram seus filhos uma ou duas vezes, com
idade mínima, em lugares diferentes, mudando os nomes e às vezes, mesmo a filiação, para
escapar da armadilha colonial451 . Os que tinham o estatuto de cidadania, além das
exigências iniciais, surgiam outras exigências, por exemplo, agora é assimilado aquele que
mora no bairro da cidade, ou é assimilado aquele que ganha tantos mil escudos por mês,
agora é assimilado aquele que tem casa comercial, alfaiataria ou oficina com declaração da
fazenda; enfim, uma série de impedimentos para calcar a instrução e desenvolvimento dos
povos nativos 452 .
A formação pastoral das mulheres merece ser submetida à práxis de modo a
acompanhar a vida dos membros em todas circunstâncias e viabilizar que todos/as
participem no processo das ações pastorais.
Na pesquisa ficou perceptível que a formação capacita e viabiliza processos que
mudam mentalidades e transformam as sociedades. No caso específico de Angola, os fatos
revelam que as instituições das igrejas no estrangeiro, assim como dentro do país,
contribuíram para a formação de quadros por seus modelos e práticas pastorais. As
mulheres participaram no desenvolvimento da Igreja e da sociedade angolana de diversas
formas, entretanto, destacam-se a ação pastoral delas na evangelização, liturgia, formação,
administração dos lares, educação cristã, vida econômica da Igreja, saúde, ensino e
ministério pastoral.
As mulheres se identificarão no espaço público com ações pastorais se a formação
proporcionada a elas ajusta-se ao tempo em que vivem, do pós-guerra, num mundo
contemporâneo. Também será necessário que os processos de formação e informação
sejam submetidos à práxis religiosa, segundo o conceito de Casiano Floristan, por meio
dos eixos pastorais e comprometimento com o pobre e o excluído.

451
XITU, UANHENGA - Agostinho A. Mendes de Carvalho. Os sobreviventes da máquina colônia. Op. cit.,
p. 98.
452
Idem, p.99.

154
Procurar e recuperar a participação das mulheres jovens e de mulheres de idade
mais avançada, assim como o homem, por meio da formação poderá facilitar a identidade
das mulheres no espaço público. O caminhar juntos em todas as esferas da vida e ações
pastorais promove motivação para o trabalho na Igreja e na sociedade.
Em tudo, a pastoral na sociedade tem que levar em consideração o inter-cultural e o
inter-religioso, que advoga um diálogo para a cultura ecumênica das religiões, onde se
encontram o discurso fundamentalista, o feminismo clamando pela justiça, visibilidade das
mulheres em todos aspectos sociais e questionando ideologias patriarcais e elaborando a
reflexão teológica na perspectiva da teologia contextual; o ecologista que escuta o grito da
terra, que busca a libertação junto com o ser humano; o utópico, a partir do princípio da
esperança 453 .
É necessário que se considere os esforços dos que procuram o resgate de valores
africanos, abandonados por muitos, que levem ao desenvolvimento da vida digna
valorizando: a vida das pessoas; as relações sociais: se dar bem com os vizinhos, com a
família e com os que nos rodeiam, são os valores principais. O valor da hospitalidade. Na
África a hospitalidade não se nega a ninguém. Estes valores praticamente se chocam com o
que se vive hoje em alguns países da África das guerras. Este não é tipo de cultura
tradicional africana. São provocadas por culturas pós-coloniais. A política, o poder e a
economia produzem estes fenômenos que vemos atualmente. Deve-se tratar de uma cultura
de tolerância, reconciliação, de aceitar a diversidade e sair de uma cultura étnica para uma
cultura mais aberta e humana, a esperança para as sociedades pode residir na educação e
formação das gerações 454 .
As mulheres possuem qualidades que devem ser desenvolvidas com formação e a
Igreja deve e pode ajudá- las a fazer uso dos seus talentos e capacidades para que possam
melhorar suas vidas e da sociedade em que vivem.

453
SILVA, Geoval Jacinto da. Estudos de novos paradigmas teológicos. In: Estudos de religião 26. São
Paulo, Universidade Metodista, 2004, p.227.
454
Revista missionária africana nº486. Es la hora de tu compromisso misionero. Colômbia, Domund, 2004,
p.30.

155
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Boletim do Projecto de Publicação Comunidade. Ondaka. Nº.3, Huambo Angola,
Development Workshop, 2001.

163
Anexos

Os anexos são documentos, entrevistas e depoimentos utilizados durante a pesquisa.


O anexo nº 1 e 6 são depoimentos.
As entrevistas basearam-se nas seguintes questões:
1- Qual era a formação pastoral dada pela Igreja no período de 1965-1975?
2- Qual eram os currículos?
3- Qual foi a participação das mulheres na elaboração dos currículos?
4- Qual foi a contribuição das mulheres na Igreja e na sociedade?
5- Qual formação das mulheres que se pretende?

Anexo 1: Depoimento da professora Alice Miguel Pongolola

Programa de Formação Feminina na Era Colonial


O curso de formação feminina na Era Colonial era dado nas Escolas Industriais e
Comerciais, que se encontravam nas capitais de províncias como: Huambo, Bié, Luena e
Luanda. O curso era dado em três anos, depois do ensino preparatório. Significa que todos
os alunos faziam o 1º e 2º anos do ciclo preparatório e depois disso optar: ou para o
comércio ou então a indústria. Para o comércio iam vários candidatos de ambos os sexos.
Para a Indústria iam mais os rapazes que aprendiam a eletricidade, mecânica, serralharia,
carpintaria, etc.
Para a Formação Feminina iam as meninas vocacionadas, ou melhor, que queriam ser boas
donas de casa. O curso propriamente dito começava no 3º ano, que era considerado como
1º depois o 2º e o último o 3º que equivalia ao 5º ano liceal. As alunas da Formação
Feminina tinham todas as disciplinas acadêmicas do currículo escolar, além das disciplinas
do curso.
As disciplinas da especialidade eram:
1º Desenho aplicado: consistia em criar e traçar vários modelos para colocar em prática nos
trabalhos manuais.

164
2º Oficinas que abrangiam: amostras de pontos de costura e bordado no 1º ano, tudo à mão,
corte e confecção no 2º ano, começam já com a máquina de bordado e alta costura no 3º
ano aperfeiçoam à máquina faziam-se projetos do enxoval do bebé aplicando também o
crochê e o tricô, começando com as amostras e depois os respectivos projetos. Nas oficinas
também faziam parte a decoração de objetos e todo tipo de trabalhos manuais.
3º Nutrição no 1ºano, culinária no 2º ano e pastelaria no 3ºano. Embora a partir do 1º ano
fiquem já com uma noção de culinária e alguma de pastelaria. As alunas no fim do curso
tinham de saber fazer uma ementa equilibrada e isto fazia parte da matéria para o exame.
4º Economia Doméstica. Era uma disciplina que ensinava a cuidar da casa, falando de cada
compartimento, como equipá- lo e decorá- lo.Tratava também de como administrar o lar
dividindo bem o tempo, distribuindo as tarefas do lar durante o ano. Ex: limpezas que se
fazem anual, semestral, mensal e diariamente. Todas as meninas saiam daí feitas
verdadeiras donas de casa.

165
Anexo 2: Entrevista com o Reverendo Augusto Chipesse.

Formação.
1- Economia doméstica.
2- Formação feminina| na Igreja e no estado. O termo geral:
Formação feminina - Economia doméstica.
Ao nível da administração a partir da missão, centros, aldeias. Tocava todas as áreas da
vida das mulheres e famílias.
A formação das mulheres era um grande despertamento.
Disciplinas:
-Literatura (tipo alfabetização).
-Português (leitura de textos e interpretação)
-Umbundu
Vertentes:
• Formação na missão, meios, centro aldeia.
A contribuição ensinar por escalões dentro da formação.
• A Igreja encaminhava para as escolas do governo para a formação feminina
especificamente.
Moravam na casa ao lado da estufa, elas tinham bolsas. Em 1962, o lar acadêmico
termina de ser construído.
Objetivos:
• Apontava para um treinamento, desenvolvimento das mulheres de forma a
liderar.
• Para o desenvolvimento no sentido de elevar o nível das outras mulheres.
• Ao nível mais alto de liderança, de formação.
Missão do Elende:
Ñala Chicolo o promotor da formação na Missão do Elende.
A formação das meninas já começava à partir da aldeia.
Estrutura formal
-templo/escola
-escola (formal)
-escola de artes e ofícios:
• Economia doméstica.

166
• Agricultura.
• Hospital (que formava os alunos e alunas na saúde). Os fundadores vinham
dos Estados Unidos.
Escola formal era a escola primária.
Escola doméstica: o pagamento não era direto. Davam-se alguns pequenos serviços e
produtos.
O pagamento nas escolas nos Centros os professores já recebiam em dinheiro.
Formação feminina
Era dada às mulheres com o 2º ano do liceu feito. Equivalente à 8ª classe ou série.
E naquele tempo em que as missões funcionavam tinha que ser uma pessoa onde.
Ao nível do estado: nesse período já havia brigadas que exigiam processos para
obtenção de bilhetes de identidade, assimilar a cultura portuguesa. Já não era
privilégio dos assimilados.
O governo português começou a ceder alguns direitos aos nativos.

167
Anexo 3: Entrevista ao Reverendo André Cangovi.

A IECA completou 123 anos.


- 1929-1974 desenvolvimento nas áreas rurais = agricultura saneamento básico.
- 1975-2002- guerra que gerou dificuldades, os missionários deixaram o país e os
angolanos assumiram a responsabilidade da Igreja dentro do país. Destruição das estruturas
físicas.
- 2002 em diante colocam-se desafios; construção, reconstrução:
-Analfabetismo;
-Queda dos valores morais;
-Violência no lar;
-Crianças que abandonam seus lares;
-Cônjuges que abandonam seus lares,
-Sida também é um desafio;
-Luta contra a pobreza.
A pobreza é um desafio e contrária a nossa dignidade.

Verbos importantes para reconciliação do povo, para o desenvolvimento e


reconstrução do país
1º ser: identidade, infância, pessoa.
2º saber: crescer adquirindo sabedoria. Circulo de interesses quando cresce aumenta a
sabedoria a identidade o que posso ser.
3º saber fazer:
Aplicar na prática o seu saber.
Aplicar a cultura de solidariedade. A experiência a cultura teórica se coloca em
prática para viver e desenvolver nossas comunidades. O que posso fazer.
4º ter: O que posso colher.
Famílias e escolas é que nós precisamos de hoje em diante.
A Igreja que chega é missionária recruta nativos para formar ou transferência de
conhecimentos através de: escolas, instituições e programas de desenvolvimento
comunitário.

168
A Igreja contribui para desfazer o mito tradicional, de que a formação deve ser dada
só aos homens; mas para todas mulheres| homens. Um dos objetivos dos futuros lares
devia ser equilibrado.
Transferência da liderança chegou ao apogeu.
Pastores desta Igreja faz parte da geração de 1929. A Igreja era auto-suficiente, e a
congregacional já mandava ou contribuía nas juntas com valores.
O conceito da cidadania angolana começou a se desenvolver através de valores do
próprio Evangelho.
A formação dos líderes era um fato. Os alunos eram enviados no Instituto Currie do
Dôndi. As Mulheres na escola Means.
Áreas da formação: diaconia, educação cristã, parteiras, economia domestica e
Formação feminina.
Parteiras: contribuíram para fornecer as estatísticas dos bebés nascidos. E se algumas
moveram se promovia programa de saúde.
Em 1929 as missões passam a ser instituições ao serviço das comunidades incluindo
as mulheres para participar a Igreja. Contribuiu para melhorar a qualidade de vida das
comunidades a elevação das consciências pelo seu direito à dignidade, e liberdade. O
cristianismo passou a ser um distintivo, pertencer a uma classe especial.
Este período termina em 1974 quando a Igreja concorda a ordenação de pastores.
A Igreja passa a ser como Instituição e não como de missão.

169
Anexo 4: Memorando das etapas das Escolas Doméstica ontem

A IECA desde os anos passados já teve maior preocupação de preparar as meninas


para o enquadramento social.
Neste sentido tinha sua visão com base na área econômica olhando pelas capacidades
de cada família. No seio da Igreja havia pais com a capacidade de enviar seus filhos
no sentido geral as escolas primárias começando pela aldeia, centro, missão, Escola
Means ou Instituto Currie do Dôndi.
As meninas depois das escolas Means com melhores notas atingindo o grau de ser
bolseiras vinham para cidade do Huambo onde algumas tinham como sua opção o
curso de Formação Feminina isto é no Instituto Industrial. Posteriormente as alunas da
Igreja passaram na província do Bié pois já tinha suas condições do curso de
Formação Feminina.
É assim que temos na IECA muitas senhoras hoje com uma capacidade intelectual
aceitável com o curso de Formação Feminina.
A Escola Means também não tinha apenas uma única opção: as opções eram curso
Bíblico, curso de Pedagogia, e curso da Economia Doméstica. Ninguém era obrigada
a fazer o curso que não seja da sua opção isto é com as alunas do curso profissional.
As alunas da Escola Técnica tinha por obrigação ter aulas da Economia Doméstica.
Currículo da Economia Doméstica da escola Means.
1. Culinária -6 semanas;
2. Tratamento de casa -6 semanas;
3. Lavagem -6 semanas;
4. Desenvolvimento -6 semanas;
5. Cestária -6 semanas;
6. Trabalhos manuais -6 semanas;
7. Tricô -6 semanas;
8. Agricultura -6 semanas;
9. Costura -6 semanas.
Tudo durante 3 à 4 anos até que as aulas, acadêmicas terminam.
Essas alunas tinham como obrigação dar as aulas nas aldeias nos centros isto no
tempo de férias.

170
As alunas do 1º ano tinha que dar as aulas nas aldeias procurando todas as formas de
alfabetizar e ens inar aquelas que lá sabem.
Esquema
Aldeia – 90% de alunas
Centro - 50% de alunas
Missão – 15% de alunas
Escola Means – 2% - C. Profissionais \ Pedagogia. Educação cristã
Artes – Economia doméstica; a) nutrição\ culinária, agricultura, corte e costura,
cestária, tricô, lavagem da roupa, tratamento de casa, saúde pública ou melhoramento
do povo.
Escola Técnica – 1% (bolsa) 3% Huambo e Bié – F. Feminina.
Esquema – escola doméstica
Aldeia e Centro – alfabetização
Missão – 1º; 2º e 3º anos

171
Anexo 5: Retrospectiva da Formação Feminina

Desde os anos remotos a IECA já tinha sua preocupação em preparar as mulheres


não só para o campo de se preparar para o casamento, mas para a elevação do seu
nível acadêmico. Muitas dificuldades impediram o tal avanço:
1. A fraca capacidade econômica;
2. A cultura.
Os passos de treinamento
1. Na aldeia quase 90% tinha acesso às aulas de catequese.
2. Ao Centro pela fraca capacidade econômica financeira 70% avançou até ao
centro.
3. Do Centro a Missão avançou aproximadamente 50%.
4. Da Missão a Escola Means avançavam 25%.

Na Escola Means cria-se uma outra árvore .


Escola Means – curso profissional e Escola Técnica.
Os cursos profissionais foram: Economia Doméstica, Pedagogia e curso Bíblico.
Esses cursos tiveram sua duração de 3 e depois 4 anos. Terminada a etapa de
formação a aluna tinha o seu diploma do curso. Depois fazia o curso geral 1º ano do
Liceu e 2º.
Aluna da Escola Técnica tinha também o direito do curso da Economia Doméstica e
não na totalidade por que tinham tempo limitado. Academicamente fazia o 1º ano 2º
ano. No 2º ano quem tivesse boas notas ganha sua bolsa e encaminhada aos lares tais
como Lar acadêmico do Huambo assim como do Bié. Postas ali também faziam suas
opções: Formação Feminina e Curso comercial. Na Formação Feminina tinham
também aulas acadêmicas.
Escola Doméstica
Na aldeia pelo menos 90% das mulheres teve acesso a escola.
Para o Centro o número reduz-se já para 70% por causa das finanças, e por causa da
cultura.

172
Anexo 6: Depoimento da Dª. Valentina Chilombo Capuca, sobre Escola Means e sua
fundação, História da Sociedade das Mulheres da Igreja Evangélica Congregacional
em Angola (foi mimiografado por ela).

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