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O CONTEÚDO TEMÁTICO, ESTILO


E CONSTRUÇÃO
COMPOSICIONAL À LUZ DA
CANÇÃO FAROESTE CABOCLO
José Luiz da Silva Acosta

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COMUNICAÇÕES EM SESSÕES TEMÁTICAS – Mesa 3: Eixo Artes

O CONTEÚDO TEMÁTICO, ESTILO E CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL À LUZ DA CANÇÃO


FAROESTE CABOCLO

José Luiz da Silva Acosta


Maria Elena Pires Santos
Unioeste

Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma discussão teórica sobre os conceitos de conteúdo temático,
estilo e construção composicional à luz da canção “Faroeste Caboclo”, da banda Legião Urbana. Estes conceitos são
trazidos por Bakhtin (2003) e Bakhtin/Volochinov (1992), e estão inerentes aos estudos sobre gêneros discursivos.
Posterior à revisão de literatura, fazemos uma análise da canção. Para tanto, aplicamos, então, a orientação
metodológica para o estudo da língua, sugerida por Bakhtin/Volochinov (1992), que consiste no olhar para a língua em
sua forma concreta, ou seja, na forma dos gêneros discursivos, considerando o seu conteúdo temático, estilo e
construção composicional. O olhar para o gênero discursivo justifica-se em função de ser considerado o ponto de
partida para o trabalho com o ensino de língua portuguesa. Dentre os inúmeros gêneros possíveis para a análise,
escolhemos a música em função da sua complexidade, explicitada na voz de Costa (2005, p.107) que a define como
“gênero intersemiótico”, dotado de distintas linguagens. Em razão dessa riqueza, escolhemos uma canção do estilo
musical rock para evidenciar os conceitos revisados no primeiro momento desse artigo. Para a ancoragem teórica,
buscamos, também, as palavras de Fiorin (2008, p. 61), segundo o qual os gêneros são “caracterizados por um
conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo”. Esses conceitos se imbricam e as propriedades de cada
um, estabelecem relações com os outros.

Palavras-chave: Gêneros Discursivos; Música; Rock.

O avanço nos estudos sobre o ensino de língua portuguesa desencadeou a ascensão da discussão
dos gêneros discursivos, enquanto ferramenta de ensino, uma vez que ela é portadora da linguagem em
sua forma real de uso.
Inerente aos gêneros, encontramos os conceitos de conteúdo temático, estilo e construção
composicional, que se imbricam e contribuem para uma abordagem dos gêneros enquanto ferramenta de
ensino de língua portuguesa.
Partindo desse panorama, temos o objetivo de fazer uma breve revisão teórica acerca desses
conceitos, trazidos por Bakhtin (2003) e Bakhtin/Volochinov (1992) e, posteriormente, fazer uma análise de
uma música, considerando os conceitos trazidos no primeiro momento desse trabalho.
A justificativa para essa proposição reside no fato de estes conceitos estarem estreitamente
relacionados aos gêneros discursivos, tema de grande discussão para o ensino de língua portuguesa.
A canção escolhida é “Faroeste Caboclo”, composta por Renato Russo no final da década de 1970
e lançada, em 1987, no álbum “Que País é Este?” da banda Legião Urbana.
Assim, esse trabalho se organiza de modo a apresentar, num primeiro momento, uma breve revisão
bibliográfica sobre gênero discursivo, abordando o conteúdo temático, a construção composicional e estilo
para, posteriormente, utilizar esses aportes teóricos para realizar uma análise dessa reconhecida peça
artística do rock nacional.

O olhar para o gênero: conteúdo temático, estilo e construção composicional


Bakhtin (2003) ao tratar dos gêneros discursivos, inicia sua explanação mencionando os campos da
atividade humana. O autor afirma que cada campo possui condições específicas e finalidades em que os
enunciados se constroem, moldam, tomam forma de modo a atender a essas especificidades.
Por ser inerente aos gêneros, Bakhtin (2003, p. 261) propõe os conceitos de conteúdo temático,
construção composicional e estilo para sua abordagem:

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Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido


campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção
dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua
construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a
construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no topo do enunciado e são
igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação.
Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos
gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261)

O que podemos notar a partir da citação acima é que existe uma sobreposição dos campos de
atividade humana em relação aos gêneros e que estes são elaborados pela esfera 1 social a qual estão
relacionados para que possam atender as necessidades desta. Podemos utilizar como exemplo a seguinte
situação: para se pleitear algum direito perante a justiça, há a necessidade de um texto que atenda a essa
necessidade. A petição é o texto utilizado na esfera social jurídica para se fazer um pedido oficial.
Consequentemente, o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional existem em função
da necessidade de comunicação de determinado campo. Assim, o jornalismo, a literatura, a religião, entre
outros campos, possuem seus próprios conteúdos temáticos, seu próprio estilo e as construções
composicionais que mais se adequam às esferas sociais em que circularão em forma nos gêneros
discursivos.
Então, acerca dos conceitos de conteúdo temático, estilo e construção composicional, podemos
entender, a partir da citação acima que, inerentes aos gêneros discursivos, são submissos aos campos de
comunicação. Além disso, notamos que são indissolúveis, à medida que a construção composicional ajuda
na manutenção do conteúdo temático, que por sua vez atua sobre o estilo, este, por fim, permite a
manipulação da construção composicional. Desse modo, conforme dissemos anteriormente, os conceitos se
imbricam.
Fiorin (2008, p. 61), a partir de Bakhtin, aponta que “os gêneros são, pois, tipos de enunciados
relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e um
estilo”.
Assim, Fiorin (2008, p. 62), ao afirmar que “conteúdo temático, estilo e organização composicional
constroem o todo que constitui o enunciado”, aborda um pouco acerca de cada conceito em específico.
Sobre o conteúdo temático, o autor apregoa:

O conteúdo temático não é o assunto específico de um texto, mas é um domínio de sentido


de que se ocupa o gênero. Assim, as cartas de amor apresentam o conteúdo temático das
relações amorosas. Cada uma das cartas trata de um assunto específico (por exemplo, o
rompimento de X e Y, por causa de uma traição) dentro do mesmo conteúdo temático. As
aulas versam sobre um ensinamento de um programa de curso. As sentenças têm como
conteúdo temático uma decisão judicial. (FIORIN, 2008, p. 62)

Percebemos, então, uma estreita relação entre o conceito de conteúdo temático e a esfera de ação,
pois, conforme aponta o autor, ao contrário do que aparenta, o conteúdo temático não se restringe ao
assunto que é abordado no gênero, ou seja, ele o transcende. Em outras palavras, poderíamos acrescentar

1
Embora haja recorrentes diferenciações entre esfera social, esfera de comunicação, esfera de ação, esfera de atividade, campo
social, campo de comunicação e campo da atividade humana como Bakhtin se refere, entenderemos nesse trabalho todas essas
expressões como sinonímicas. Por isso, no que concerne à utilização de uma expressão ou outra não define um envolvimento teórico
fechado.

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de modo a tornar mais clara a ideia de que diferentes textos constroem diferentes formas de abordar o
mesmo assunto, as quais são determinadas pelo campo de comunicação ao qual o texto pertence.
Utilizando o exemplo exposto por Fiorin (2008), poderíamos dizer que o rompimento de um casal
em função de uma traição, que compõe o conteúdo temático das relações amorosas, poderia figurar no
conteúdo temático das fofocas das celebridades, aparecendo em matérias de revistas de fofoca.
Assim, o mesmo assunto – término de X e Y em função de uma traição – poderia fazer parte de
conteúdos temáticos diferentes. É nesse sentido que afirmamos que a finalidade e o campo em que o
assunto é abordado é que definem a qual conteúdo temático ele pertence.
Em seguida, tratamos do conceito de estilo sobre o qual, Bakhtin (2003, p.261) faz uma rápida
explicação ao abordar a relação desse conceito aos gêneros, dizendo que o estilo concerne à “seleção dos
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua”. Ainda sobre o conceito de estilo, Fiorin (2008, p.
62-63) faz uso das palavras de Bakhtin e complementa, afirmando que este conceito é:

uma seleção de meios lexicais, fraseológicos e gramaticais em função da imagem do


interlocutor e de como se presume a sua compreensão responsiva ativa do enunciado. Há,
assim, um estilo oficial, que usa formas respeitosas, como nos requerimentos, discursos
parlamentares, etc; um estilo objetivo-neutro, em que há uma identificação entre o locutor e
o seu interlocutor, como nas exposições científicas, em que se usa um jargão marcado por
uma “objetividade” e uma “neutralidade”; um estilo familiar em que se vê o interlocutor fora
do âmbito de hierarquias e das convenções sociais, como nas brincadeiras com os amigos,
marcadas por uma atitude pessoal e uma informalidade com a relação à linguagem; um
estilo íntimo, em que há uma espécie de fusão entre os parceiros da comunicação, como
nas cartas de amor, de onde emerge todo um modo de tratamento do domínio daquilo que é
mais privado. (FIORIN, 2008, p. 62-63)

Ao levarmos em consideração as palavras de Bakhtin (2003) e Fiorin (2008) acerca do conceito de


estilo, podemos então entender que o estilo não é apenas individual, mas também é coletivo. O locutor é
responsável por fazer estas escolhas lexicais, fraseológicas e gramaticais e, então, é que se nota o estilo
individual de cada enunciador. Contudo, o campo da comunicação ao qual esse locutor está inserido, exige
que ele selecione palavras, organize suas falas, utilize formas que sejam cabíveis à situação.
Nesse sentido, retomamos a ideia de que a esfera social é que define o estilo e dentro do estilo de
determinada esfera é que o locutor constrói o seu próprio. Poderíamos utilizar como exemplo a esfera
judicial, cujo estilo de linguagem é formal, dotada de jargões específicos da área. Dentro do estilo próprio da
área os advogados, por exemplo, constroem seu estilo de arguição.
Ao tratar da relação dos enunciados com os campos da atividade humana e mencionar os conceitos
de conteúdo temático, estilo e construção composicional, percebemos que o conteúdo temático e o estilo
estão condicionados à esfera social. O mesmo acontece com o conceito de construção composicional ao
qual, Bakhtin (2003, p. 261) dá ênfase à influência exercida pelas esferas sociais sobre este conceito,
afirmando que os enunciados refletem necessidades e finalidades específicas de cada campo “não só por
seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, (...) acima de tudo, por sua construção composicional”.
Percebemos a submissão da construção composicional em relação ao campo de atividade humana
ao constatarmos que a construção composicional de um texto se configura a partir da necessidade de
comunicação de um campo de atividade humana. Assim, os gêneros discursivos possuem em sua estrutura
características específicas como é o caso da carta que atende situação em que são necessários uma
posição no tempo e espaço, uma determinada situação de interação e um destinatário específico; em uma

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situação diferente, é possível de que sejam necessárias uma linguagem subjetiva e uma determinada
disposição das frases em versos para atender as necessidades e finalidades de determinado campo, como
é o caso da esfera artística.
Sobre a construção composicional Fiorin (2008, p. 62) afirma que esta é:

o modo de organizar o texto, estrutura-lo. Por exemplo, sendo uma carta uma comunicação
diferida, é preciso ancorá-la num tempo, num espaço e numa relação de interlocução para
que os dêiticos usados possam ser compreendidos. É por isso que as cartas trazem a
indicação do local e da data em que foram escritas e o nome de quem escreve e da pessoa
para quem se escreve. (FIORIN, 2008, p. 62)

Com o posicionamento de Fiorin (2008) podemos perceber novamente que a construção


composicional, definida por ele como o modo de organizar e estruturar o texto, acontece como tal para
atender às necessidades e às finalidades da esfera a que está vinculada.
A partir desses três conceitos, conseguimos estabelecer que eles estão imbricados por juntos
comporem o gênero discursivo e por estarem submissos a uma esfera da atividade humana. Assim,
Bakhtin/Volochinov (1992, p. 124) apresenta a ordem metodológica para o estudo da língua:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que


se realiza.
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a
interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na
criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual.
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 124)

Cada item representa respectivamente conteúdo temático, construção composicional e estilo.


Partindo dessa orientação metodológica, apresentamos no próximo tópico uma análise da música “Faroeste
Caboclo”, da banda Legião Urbana.

Faroeste caboclo: a epopeia do rock nacional


Para a aplicação do método de estudo da língua sugerido por Bakhtin (1992), escolhemos a música
“Faroeste Caboclo” da banda de rock nacional Legião Urbana.
Gedoz e Costa-Hübes (2012) realizaram uma análise de um artigo de opinião seguindo a orientação
metodológica do autor supracitado. No trabalho com gênero, as autoras tinham o objetivo de transparecer
os conceitos de conteúdo temático, construção composicional e estilo no gênero escolhido, caminho que
tentaremos percorrer com o gênero música.
Nesse tópico do trabalho, faremos uma análise da música “Faroeste Caboclo” a partir da
perspectiva bakhtiniana, na qual buscaremos evidenciar a construção composicional, conteúdo temático e
estilo na canção, conceitos estes que foram trazidos no primeiro momento desse artigo.

Construção composicional
Primeiramente, ao abordarmos o conceito de construção composicional, fazemos uma discussão
acerca da conceituação da música enquanto gênero discursivo, refletindo sobre a complexidade de sua
composição.

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Ao escolhermos o gênero discursivo música, compreendemos a música em seu todo, dotada de


variados recursos para a construção dos significados linguísticos e culturais. Por isso, tomamos a definição
de Costa (2005, p. 107) que a vê como “gênero híbrido, de caráter intersemiótico, pois é resultado da
conjugação de dois tipos de linguagens, a verbal e a musical” (grifo do autor).
Nesse aspecto, ressaltamos a importância de abordar a dupla linguagem da música, para evitar, o
que ocorre, geralmente, com a utilização didática de músicas com enfoque apenas no conteúdo linguístico.
Se desconsiderarmos o aspecto musical, a composição da música se assemelharia à produção de poemas.
Acerca disso, Costa (2005, p. 113) afirma:

Parece-nos mais sensato, porém, se considerar a poesia e a canção dois gêneros


específicos, que se interseccionam por aspectos de sua materialidade e por alguns
momentos de sua produção. Na canção, texto e melodia são duas materialidades
imbricadas (não sendo a melodia um mero meio de transmissão da letra e vice-versa).
(COSTA, 2005, p. 113)

Diante dessa complexidade da música em função da sua dupla linguagem, a verbal e a musical,
elencamos momentos em que a canção Faroeste Caboclo traz a mescla de letra e melodia para a
construção de sentidos dentro do texto.
O primeiro exemplo que abordamos aqui trata de uma iniciativa autônoma de Santo Cristo – figura
apresentada na música que se encontra na posição de protagonista – em produzir uma renda salarial maior.
De acordo com as palavras encontradas na canção, produzir uma plantação daquilo que “os maluco da
cidade” considerarão “bagulho bom”. A música, nesse momento, sofre uma alteração no seu ritmo,
passando a tocar um raggae.
Nesse momento, a melodia complementa a escrita e dá a informação implícita de que se trata de
uma plantação de maconha, erva, droga, comumente relacionada ao estilo musical raggae.
Ao relacionarmos a melodia ao conteúdo linguístico para a produção de significados dentro da
música, acabamos por adentrar de forma clara na construção composicional do gênero.
Nesse sentido, a canção necessita, também, da linguagem musical, ou seja, a letra por si só não
possui valor de música. Logo, a construção composicional deve ser composta de letra e melodia. Assim, as
linguagens verbal e musical, citadas por Costa (2005), organizam-se de modo a construir a estrutura do
texto musical.
Ainda, ao tratarmos da contribuição da melodia para a construção da estrutura do texto e de sua
mensagem, podemos dizer que ela cumpre um papel importante na criação da atmosfera na narrativa de
modo que conforme sucedem os acontecimentos durante a vida de João do Santo Cristo, uma alteração no
ritmo da música os acompanha.
Podemos citar como exemplo de manutenção da atmosfera da narrativa, evidente no verso 74, o
momento em que Santo Cristo conhece Maria Lucia, moça que faz com que ele se arrependa dos erros que
cometeu. A melodia desse trecho é calma, o que dá a impressão que mesmo depois de toda a turbulência
pela qual o protagonista passou, ele terá um momento de tranquilidade para um novo recomeço. Esse
“recomeço” é reforçado pelos acordes que são tocados no intervalo entre os versos 81 e 82, que se
assemelham com os da introdução da música.

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A canção, inicialmente, possui uma predominância da melodia vocal. O violão acompanha a melodia
entoada pela voz do cantor. Aos poucos a bateria, instrumento rítmico, é inserida. Esse instrumento tem a
importante função de acelerar a execução das notas.
A música é extensa, dotada de 170 versos, estes divididos em 43 estrofes. O último deles é
composto por um único verso, uma única palavra, que encerra a canção. Possui mais de nove minutos de
duração, um tempo maior do que é comum para canções.
Por se tratar de uma narrativa, a canção possui uma peculiaridade que faz com que sua estrutura
fuja à corrente. Faroeste Caboclo não possui refrão, que consiste em um parágrafo que carrega a sua
mensagem principal e que se repete ao longo da peça artística.
Além disso, durante a música, encontramos falas de determinados personagens demarcados por
aspas. Na maior parte dos casos, a voz diz respeito a João do Santo Cristo, contudo, há as vozes de um
boiadeiro e um senhor de alta classe.
De um modo geral, o que podemos observar acerca da construção composicional é que ela
contribui para a organização temática do texto musical. Esse é o gancho que aproveitamos para adentrar na
discussão seguinte, que trata do conceito de conteúdo temático.

Conteúdo temático
Para tratarmos do conceito de conteúdo temático, retomamos a Fiorin (2008) que sugere que este
representa um domínio de sentido e não se trata especificamente de um assunto.
A partir desse ponto, definimos o conteúdo temático da música “Faroeste Caboclo” como a “crítica
social indireta”, pois em momento algum do texto temos uma apresentação explícita de que ele tem a
intenção de realizar uma crítica social, mas a notamos de maneira indireta por meio dos percalços
enfrentados pelo “protagonista” João do Santo Cristo.
Dentre os sofrimentos encontrados por João do Santo Cristo estão o assassinato do pai cometido
por um oficial do exército brasileiro, situação que ocasionou sua rebeldia, como podemos observar nos
versos 5 e 6 “Quando criança só pensava em ser bandido/Ainda mais quando com um tiro de soldado pai
morreu”, e a discriminação que sofria, evidente nos versos 21 e 22 “Não entendia como a vida
funcionava/Discriminação por causa de sua classe, sua cor”.
Ainda em relação à crítica social, acreditamos ser relevante mencionar, também problemáticas
como a constante migração de brasileiros dentro do território nacional com algum anseio de melhora de
qualidade de vida (versos 29 e 30) e o contrabando nas regiões de fronteira (versos 104 e 105),
respectivamente, “Dizia ele: Estou indo pra Brasília/Nesse país lugar melhor não há” e “Pablo trazia o
contrabando da Bolívia/E Santo Cristo revendia em Planaltina”.
Os trechos da canção acima citados, evidenciam problemas sociais que podem ser considerados
atuais, como o abuso de poder, a discriminação racial, migração em busca de melhora de qualidade de vida
e contrabando. O protagonista ao passar por esses problemas sociais se torna, na verdade, a
representação de quem já esteve em condições semelhantes.
Acerca do tema, Bakhtin (1992, p. 128) afirma que este é “determinado não só pelas formas
lingüísticas que entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons, as
entoações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação”. Em outras palavras, podemos

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considerar que a construção do conteúdo temático também se dá pelo contexto em que o texto em questão
é produzido, ou seja, qual a necessidade da sua produção, a qual finalidade ele se presta.
Nesse aspecto, podemos dizer que Faroeste Caboclo se propõe a despertar a atenção da
sociedade para os problemas que ela mesma produz, como a discriminação social e racial, pertencendo ao
grupo dos textos que fazem uma “crítica social indireta”.
Bakhtin/Volochinov (1992) apontam que a unidade temática só se faz presente na enunciação em
função do seu aspecto histórico. Ao trazermos esse ponto de vista do autor, retomamos o contexto histórico
em que a canção foi produzida.
A música “Faroeste Caboclo” foi composta por Renato Russo, num período de ditadura militar cuja
censura era constante na produção artística e as mensagens de luta eram repassadas de forma implícita.
No entanto, ela foi lançada em cd quase dez anos depois, num período em que o medo de repressão ainda
pairava sobre as pessoas. Esse contexto nos faz pensar que a canção critica a sociedade, revelando os
problemas sociais de modo indireto, por meio do uso de um personagem, João do Santo Cristo.
O uso de um personagem para evidenciar problemas sociais é um recurso do compositor e, por
isso, compõe um dos recursos estilísticos do autor, quesito que abordaremos no próximo tópico.

Estilo
Acerca de o estilo fazer parte de uma esfera da atividade humana, Bakhtin (2000, p. 266) aponta:

A relação orgânica e indissolúvel do estilo com o gênero se revela nitidamente também na


questão dos estilos de linguagem ou funcionais. No fundo, os estilos de linguagem ou
funcionais não são outra coisa senão estilos de gênero de determinadas esferas da
atividade humana e da comunicação.

Na esfera artística, o que é possível notar é que o artista tem certa liberdade para manipular a
língua de modo a criar novas significações, utilizando-se de recursos estilísticos como metáfora, metonímia,
anáforas, hipérbatos, entre outros. A utilização desses recursos garante à área essa subjetividade da
linguagem que permite exprimir mensagens semelhantes de variadas formas.
Podemos citar como exemplo, na música “Faroeste Caboclo”, a figura de João do Santo Cristo, que
serve de alegoria para representação da massa que é politica e socialmente oprimida, como podemos
observar os versos 49 e 50, “E Santo Cristo até a morte trabalhava/mas o dinheiro não dava pra ele se
alimentar”.
Ainda em relação à esfera artística, podemos dizer que ela também concede o uso de uma
linguagem menos formal. Nesse aspecto, Renato Russo faz uso de uma linguagem informal da língua
portuguesa, utilizando a comum supressão entre preposição e artigos, como no verso 67 “E pro inferno...”;
abreviação de palavras, como no verso 31, “tô precisando visitar a minha filha”; e a flexão de plural apenas
no artigo, como no verso 64, “Sob uma má influência dos boyzinho da cidade”.
Além disso, o autor faz uso de muitos palavrões para adjetivação os adversários de Santo Cristo e
trata a questão da sexualidade com vulgaridade quando se refere ao ato sexual.
Essa manipulação da linguagem, por meio da seleção de léxico e estruturação fraseológica e
gramatical correspondem ao estilo do compositor. Sobre o estilo individual, Bakhtin (2000, p. 265) afirma

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que todo enunciado “é individual e por isso pode refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve),
isto é, pode ter estilo individual”.
Levando em consideração a individualidade do autor, cremos que a escolha do nome “João do
Santo Cristo” para o protagonista também não parece ser feita de modo aleatório. A alusão ao nome de uma
das principais figuras religiosas do ocidente, Jesus, faz com que o público ouvinte dê atenção ao
personagem criado por Renato Russo, este que possui características que não convergem com a doutrina
pregada pela religião, pois comete ações inaceitáveis para a sociedade, como, roubar e matar. Assim,
podemos, também, atribuir ao texto da música “Faroeste Caboclo” o caráter irônico.
Renato Russo faz, ainda, escolhas lexicais que compõem o campo semântico da religião. Além do
nome do protagonista, o compositor retoma a atmosfera desse ambiente com palavras, como “inferno”,
“igreja”, “altar”, “crente”, “rezar”, “via-crucis”.
Além dessas palavras, os trechos “Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro/Que as velhinhas
colocavam na caixinha do altar” (versos 9 e 10) e “E o povo declarava que João do Santo Cristo/Era santo
porque sabia morrer” (versos 162 e 163) evidenciam que o compositor tem conhecimento cultural dos
costumes e crenças da cultura católica, pois demonstra conhecimento de parte da cerimônia religiosa da
missa, em que doações são feitas à igreja e alude a morte do seu protagonista a de Jesus, que aceitou a
sua morte.
Outra alusão feita ao texto bíblico pelo compositor diz respeito à profissão de João de Santo Cristo,
que antes de se tornar bandido tinha o ofício da carpintaria, a mesma de José, pai de Jesus Cristo.
Ao explorarmos o estilo da esfera artística que por sua vez permite com que o compositor atue
sobre a língua de modo a constituir a sua obra, sinalizamos para a manipulação da construção
composicional do gênero música, que nesse caso possui algumas especificidades, como, o extenso número
de versos e a ausência de refrão.

Considerações finais
Assim, partindo da orientação metodológica proposta por Bakhtin (1992), tentamos evidenciar esses
conceitos estudados, na primeira parte desse trabalho, utilizando o gênero discursivo música.
A canção em questão é “Faroeste Caboclo”, composta por Renato Russo. Ao despejar a atenção
sobre essa peça artística a partir dos conceitos da teoria de Bakhtin (1992), notamos que a canção trata de
uma crítica social indireta, além de fazer uso de uma estrutura composicional própria, na qual destacamos o
extenso número de versos e a ausência de refrão, que podemos, também, atribuir ao estilo do autor.
Esse trabalho de análise buscou considerar a complexidade da composição do gênero em questão,
que possui dois tipos de linguagem – verbal e musical –, o que o caracteriza, conforme Costa (2005), como
um gênero híbrido e intersemiótico.
Dentre os aspectos positivos da realização desse trabalho, ainda que de maneira simples,
conseguimos perceber a tênue relação entre os conceitos estudados que, como expostos anteriormente,
imbricam-se à medida que a estrutura composicional dá sua contribuição para manutenção do conteúdo
temático, este por sua vez ao se tratar de um domínio de sentido sugere um estilo, que permite ao autor a
capacidade de explorar a construção composicional do seu texto.

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Em suma, essas são as principais considerações que fazemos acerca do trabalho realizado cujos
objetivos consistiam em realizar uma discussão teórica dos conceitos de conteúdo temático, construção
composicional e estilo e analisar a canção Faroeste Caboclo à luz dos pressupostos de Bakhtin (1992).

Referências
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi
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I Jornadas Latino-Americanas de Linguagens e Cultura
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